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Letros.

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Os gêneros
literários
lu rolçÃo
Tradugãoe notas
FláviaNascimenn

0701081724

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Osgênerosliteráfios A poesiae o gênerolírico

escritapara fundamentar-seem outros princípiostipoló-


ções" (1447a). Em meio a essamimesegeneralizada
estabelecem-se muitasdiferenças,como ümos, de acordo gicos,como o modo de enunciação(primeira ou terceira
com os objetosimitados (superioresou inferiores),com pessoa)ou o grau de "nobreza"do modelo.
os modos de imitação (direta ou indireta, isto é, modo E nessaperspectivaque se explica o primeiro senti-
narrativoou dramático),enfìm, de acordocom os meios do da palawa"poética" (enquantosubstantivoou ad;eti-
postosem açãopara imitar (prosaou verso).Essaúltima vo, esteúltimo variávelem gênero),referênciaetimoló-
distinção-r Quede fato é a primeira no discursode gica que desencoraja,de uma vez por todas, qualquer
Aristóteles- que correspondeao que poderíamoscha- tentativa para isolar, a partir dos modelos antigos, um
mar de uma característica de.;6rmo,poderiaserseleciona- "gênero poético". O substantivopoética,escolhido por
da como um critério de agupamento,com üstasà iden- Aristótelescomo título para seutratado (ou para aquilo
tificaçãode um gênero"poético". Com uma única reser- que não passade um esboçodisso),serve-lheparadesig-
va: o tratadode AristótelesÌimita-sea desenvolveros dois nar globalmentea teoria dos gênerosliterários e a teoria
outros níveis("objetos" e "modos") e negliçncia o exa- do discurso.fu primeiras palawasda obra descrevemo
me detalhadodessaoposiçãoformal entre versoe prosa. obleto visadoatravésde uma perífraseda "arte poética":
Essarelativaindiferençadiantede uma particularida-
"Vamostratar da própria arte poéticae de suasespé-
de que nós teríamostendênciaa julgar essencialdeve-se cies,do efeito próprio a cadauma delas,da maneira
ao fato de que,paraos antigos,ela não poderiaconstituir pela qual é preciso agenciaras histórias, caso se
um traço pertinente de classificação. De fato, os dois desejeter êxito na composição."
grandesmodos literários (o dramático e o narrativo) A Poética,
op.cit., 1447a.
encontravamuma expressão,indiferentemente,na Prosa
e no verso.Ou, melhor, sendoa forma prosaicarelativa- A poética,diferentementeda crítica (que se interes-
mente rara na Antiguidade,seriaquaselícito dizer que, sa pelo sentido e pelo valor) ou da retórica (que estuda
paraos antigos,toda forma literáriaé "poética". O que é asleis da expressão),apega-seàcrtaEão sob todasas suas
ilustrado,no gênerodramático,pelapoesiatrágicae, no formas. A palawavem do verbo moteuÇtoiein),que sig-
gêneronarrativo,pelo ditirambo ou pela epopéia.A dis- nifica, em grego,"fabricartt, ttconstruirt', ttcriartt,t'pro-
tinção genérica- 5eé que sepode atribuir essaambição duzir", e que nos deu a sérielexicalpoièsis(poesia),poiè-
àPoética- parece,portanto, transcendero princípio de tiÉos(poética),poièma(poema),poières (poeta).

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I

L
Os gênerosLiterários A poesiae o gênerolírico

A palawa poesiotendeu muito rapidamente a espe- um deles(o primeiro) pode serjustamentechamadode


cializar-se numa acepção literária, mas pode também se poeta,ao passoque o outro (o segundo)deveser chama-
aplicar a qualquer tipo de fabricação ou de construção do de "naturalista", porém por razõesque não dizem
concreta (navios, por exemplo) ou abstrata (um raciocí- respeitoà forma de suaescrita.Um pouco mais adiante
nio). Em todo caso, segundo o hábito, ela é empregada em seu texto, ele faz a mesma reservaa propósito de
com um epíteto que indica sua caracterização específica Heródoto, lembrando a invalidaçãodo critério formal
em cada caso; assim, em literatura, poesia trágica, poesia em proveito do assuntoda obra e de seugau mimético:
épica, poesia ditirâmbica etc.
Aristóteles - s 1am!(m Platão, que em relação a 'A diferençaentre o historiador e o poeta não se
esse ponto foi seguido pelo primeiro - parece ter, deve ao fato de que um se exprime em versose o
como diz Genette, "prévia e implicitamente reduzido o outro em prosa (poderíamospôr a obra de Heró-
doto em versos,e nem por isso,ela seria,em versos'
campo da literatura ao domínio particular da literatura
menoshistória do que é em prosa);mas a diferença
representativa: poésis= mimese("Fronteiras da narrativatt,
vem do fato de que um diz o que ocorreu, e o outro,
FigurasII,op. cit., p. 61).
aquiloque podemosesperarque ocorra."
No interior da poesia encontram-se distinguidos
três gêneros miméticos; a tragédia, a epopéia, a comé- op.cit., 145lb.
A Poética,
dia, mas nada que designe uma escrita especíÍìcabasea-
O reconhecimentoda poesiaque é formulado por
da na utilização do verso. Aristóteles contesta claramen-
essetexto (em ruptura com o julgamento negativo do
te a pertinência axiomática do metro:
expulsao
mestre Platão,que, no liwo III de A República,
poetada cidade,com o pretexto de que ele dá uma ima-
"Não saberíamos, de fato, designar por um termo
comum (..,) ur imitações que se podem fazer com a gem falsada realidade)não deve nos dispensarde reter
ajuda de trímetros, de metros elegíacosou de outros algoque é essencialparanossospropósitos:que a poesia
metros do mesmo gênero." não parece,no que diz respeitoà sua forma, merecer
op. cit., 1447b.
A Poética, constituirum gêneroautônomo.Seeìavem insinuar-se
nos modosidentificáveisque sãoa epopéia,a traçdia ou
E o teórico grego nos explica que tanto Homero o ditirambo, ela perde, nessaaliança,toda e qualquer
quanto Empédocles utilizam, ambos, o metro, mas que de originalidade.Masquandoelaseexprime
característica

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Osgêneroslitetátios A poesiae o gênerolírico

diferentemente,ou seja,não nessesgêneros,ela escapaao Diante do universo da representaçãovai se consti-


caráter mimético e, assim,exclui-se, como a história, do tuir progessivamenteum universoda expansão.À resti-
campo da "poética". Daí aquilo que Genette viria a cha- tuição objetivado mundo em suaforma narrada(o rela-
mar de "ausênciagritante" no tratado de Aristóteles: to, a narrativa),ou dialogada(o teatro), responderáuma
rclaçãopessoaldas impressõessuscitadaspelo mundo,
"Tiata-se,nada mais, nada menos, da poesialírica, Umaexploraçãoíntima dos sentimentos,expressaatra-
saúricae didática:ou seja,para resumir,algunspoe- rds de uma voz julgada espontânea,que é o canto. To-
tas a quem deveria conhecer um grego do século V hando-se ele próprio como assunto,o poeta abandona
ou IV Píndaro,Alceu, Safo,Arquíloco, Hesíodo'" domínio da imitaçãoda realidadeem troca daqueleda
FigurasII, op. cit', P. 6l ' individual. Essatendência literária que
a atitude de tomar o mundo como modelo,
Assim,duasconclusõesimpõem-se:a "tríade" aristot igpora as expectativasdo auditório, que parecetra-
télica não passa,na verdade,de um duo; e o versonão d' lr, de maneira incontrolada,a interioridade do cria-
um sinal infalível de que um texto pertencea um gênero' e reproduzir uma falaque ele diriç a si mesmo,cor-
àquilo que seráchamadode /insmo.
2. O critério de subjetividade Desdeentãovai seimpor o hábito de introduir essa
num paradigr4aestéticocom três entradaspossí-
A maneira de reintroduzir a poesiano esquemath' cujas característicassão lembradaspor Stephen
uma teoria dos gênerosfar-se-áPor uma via diferentctl'r o herói de Joyce:
quela seguidapor fuistóteles. Postoque a referência'ttt
rtAforma lírica, em que o artistaapresentasua ima-
metro não é, pelo menosParaa Antiguidade,realntt'ttle
pertinentee que,da mesmaforma, a relaçãoàmimesc 'ttttt Fm numa relaçãoimediata consigomesmo; a for-
la qualquerpossibilidadede isolaruma forma origin'rl(14 ma épica, em que ele apresentasua imagem numa
que toda criaçãoé mimética),é em oposiçãoa estaúrhlttte ttlação intermediáriadele mesmo com os ourros; a
forma dramática,em que ele apresentasuaimagem
lei que vai se constituir um "terceiro partido" (Gt'rrt'lle)
huma relaçãoimediatacom os outros."
no qualvão se federar"todas asespéciesde poemmttãtr
miméticos" (IntroduEão cit.,p. 112)'
aoatguitextorop. Retratodo artista,t913.

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Osgênerosliterários
A poesiae o gênerolírico
Tüdo o que faz aí o romancista irlandês é retomar
mesmo movimento, as vias da imaginação.Essa
uma classiffcaçãoque nasceuna era clássica,que encon- distin_
ção, que re-introduza relaçãocom a mimue,opõe:
trou sua teorização com Schelegelou Hegel e que se
impôs de tal forma no séculoXX, a ponto de criar uma
"(...) por um lado,um discursoque deveser lido no
tradição cuja virtude principal é responder a um gosto nível de sua literalidadecomo uma pura confìgura_
pronunciadopela harmonia ternária. ção ffinica, gráfìca e semântica,., po, outro Iado,
O processode tal classifìcação será instruído em um discursorepresentativo(,,miméiico"),
que evo_
nome da fidelidade a Aristóteles (por Genette, por ca um universode experiência."
exemplo),em nome da pertinência,também,posto que,
O. Ducrot, T Todorov,op. cit.,p. l9g.
se retivermos o critério da subletividadena repaÉição
dasobras,deveriamser incluídasnessafamília do "eu", Bipartiçãobastanteclara,que servede ponto de
par_
da expansãolírica, todasasobrasde forte coefìcientede tida para as análisesanteriormente evocadas
de Kâte
subletividade,como as confissões,os jornais íntimos, as Hamburçr (cfl Cap. t).
memórias,os relatosde infânciaetc. Ora, essasobrasde Sem ir mais adiantena reflexãoteórica, recapitule_
naturezaautobiográfìca,essencialmente em prosa (essaé mos algumasconstatações preliminares(algumasdelas
mesmouma dasregrasenunciadaspor Philippe lejeune serãoretomadas):
em O pacmaunbiogr$co),dificilmente podem, nas clas-
siftcaçõesmodernas, ter a pretensãode encontrar um - o gênero poético não goza,nos textos fundado_
lugar na categoria"poesia". r!!, de um estatuto próprio que lhe permitiria
ser colocadoem pé de igualdadecom os gêneros
3. O critério de não-ficção narrativo ou dramático;
- a maneirade dar à poesiauma consciência,,ge_
Uma outra maneira, bastanteligada à precedente, nérica" operou-sepelo viésda noção de ,,liris_
de defìnir a obra lírica (e poética) é a de levarem consi- mo", que marca um modo de enunciação(o
deraçãosua aparente recusada ftcção. Se o poeta, tal poeta exprime-seem seu nome), uma temática
como ele é representadonessegênero,tira a inspiração (eÌe exprime seussentimentospessoais)e uma
de sua própria subletividade,é que ele abandona,n<r pragmática (sua mensagemé recebida como
uma conffdência);
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r37
Osgênerosliterários A poesia e o gênero lírico

- es slif{pios formais, esPecialmenteo da versifi- II. A ESSÊNCIA DA POESIA


cação, não ajudam, pelo menos originalmente,
na defìniçãode um "gênero poético"; 1. ïbntativas de definição
- 6s sçi1{çiosde subletividadee de não-ficção
Seconsultarmosos dicionários,veremosque a pala-
podem contribuir Paraque haja uma aproxima-
wa poesiapode recobrir duas realidades,e apenasuma
$o da essênciade uma escritapoética, mas nãrr
delas diz respeito a nossospropósitos. O Littré diz o
permitem, de maneira infalível, o estabeleci-
seguinte:
mento de uma categoriahomogênea.

"Poesia:1. Arte de fazerobrasem versos(...').2. Diz-


As análisesprecedentes,nas quais transParecem,l
se dos diferentes tipos de poemase das diferentes
incertezae a complexidadeda empreitadaque consiste
matériastratadasem versos(...). 3. Qualidadesque
em identiÍìcar o "gênero poético", não devem nos dis caracterizamos bons versose que podem também
pensarde reconhecerque no paradigmaatualdos "grntt encontrar-seem textos que não sejamversos(...). 4.
desgênerosliterários"a poesiaocuPaum Ìugarequiv,l Diz-se de tudo aquilo que há de elevado,de tocan-
lente às duas outras formas antesevocadas,que sãott te, numa obra de arte, no caráter ou na belezade
t'poéticott- ç[3n1,11111
teatro e o romance.O gênero uma pessoae até mesmo numa produçãonatural.t'
também de gênerolírico, devido a uma hesitaçãorpte
Dicionáfioda línguaJrancesa,
1,874.
esclareceremOs mais adiante- parece,portanto, llork'l
ser objeto de uma descriçãotipológica que levarí etll
Essasdiversasdefinições,não muito coerentesentre
conta sucessivamente suanaturezaprofunda (suat'ss{:lt'
permitem ver que a palawaremete a dois objetos:
cia), seucampode aplicação(suasformas),suast'xlr'lt=
sões(os domíniosvizinhos). F uma técnica (arte de fazer) e o resultado dessa
técnica (os tipos de poemas);
qualidadeestética:a que fazemalusãoos
ttbonsversostte os adjetivos
"elevadotte ttto-
cantett.

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Osgênerosliteúrios A poesiae o gênerolírico

Dessasduascaracteústicas, aPenasuma' a primeira'


"Poesia:Arte da linguagem,geralmenteassociadaà
a
permite verdadeiramenteque se distinga um gênero; versifìcação,visandoa exprimir ou a sugeriralgopor
exPres-
ãutra, de fato, parecepoder aplicar-sea diversas meio de combinaçõesverbaisem que o ritmo, a
sões,artísticasou não, e estariamais ligadaa uma aPre- harmonia e a imagemtêm tanta e àsvezesmais im-
ciação subletiva,o que é defìnido da seguintemaneir'r portânciaque o próprio conteúdo inteligível."
por um dicionário mais recente(Robert): Ibiclem.

coisas
"Propriedade que o homem atribui a certas Podem-semuito bem medir a audáciae o progres-
ou seres'em certasocasiões,de despertarnele pr<i- lo: o verso continua sendoconsideradocomo um refe-
prio o estadoPoético." rencial de base, mas outros procedimentos de escrita
afabéticoe analógittt
Robert,Dicionátio ,,combinações
Passamtambém a ser mobilizados(as
1962'
da línguaJrancesa, verbais")e sãoassinaladas novasprioridadesde natureza
çrtilística e lingüística.
rll
Nesta acepçãopodem ser julgadosportadorcs
ttttt Os componentes tradicionais
poesiauma palavra,um sentimento,uma paisagem'
ott
q.rudro,uma músicae tudo aquilo que fala à alma 'rn
Essasdefìniçõescom certezanãopermitem identift-
e é capat-decriar um "estadoafetivoparticrrl'rt"
"oruçao de maneiraabsolutaa poesiaem suauniversalidadee
Qbiden). le. Entretanto, elas nos orientam, numa pers-
Essaextensãodo nome "poesiatte do adietivo"1rur=
geral, para que determinemosalgumascaracte-
tico" a objetosdiversos,aosquais se atribui unt tttlrt estéticas.Vamosnos deter sobrequatro:
ttnobrezatt,de t'prestígiott,não ajudancrrrttttt
gau de
do masrevigora-onívt'lcrrl't
lorr"o na definição gênero,
iirudo por Aristóteles,que opõe numa obra trtrrgt'til
ÊXlsteum elementoque permite ao profano reconhe-
' superior a um grau inferior'
rlc c8pontaneamente uma forma poética, esta certa-
Se desejarmosaprofundaro primeiro elctttrttlrr
le é a estrutura versiftcada.A utilização do verso,
definiçao fornecido por Littré, podemos corrr;rlr'l'1
ãeimpõe como um meio de identificaçãoelementar,
com precisõesdadasPor seusucessor: uma organi:zação em dois níveis:no nívelmétrico.

r40 r4l
Os gênerosliterários A poesiae o gênerolírico

pelo comprimento do verso, e no rítmico, pela organiza- gem. No capítulo XXI de A poética,fuistóteles lembra,
da rima' aliás,os méritos da metiíforae dasfìgurasda analogia.
ção das sonoridades e pelo emPrego
Nosso objetivo, evidentemente, não é o de retomar
. A prosódia
aqui em detaÌhes a versificação' quer seja ela estudada
em seu aspecto histórico (as origens do verso) ou em sctl O discursosobrea poesiageralmenteenfatizaasrelações
aspecto taxinômico (a codifìcação em matéria de metro' de parentescoque estapossuicom a música.Na própria
de rima, de ritmo). Reconheçamos,antes de mais nad'r' oriçm do ato poético, encarnadopela Íìgura mítica do
no verso e nas leis prosódicas,uma imposição da criaçao poeta da Trácía,Orfeu - cujo canto, acompanhado
que pode ter uma virtude estimulante' pelos sonsde sualira, conseguiaencantaro universoin-
teiro -, percebe-seessavocaçãomusical.A ldade Mé-
. Aimagem dia e a Renascença continuarama atribuir territórios
A poesia, como as outras formas literárias, é uma at'lt' comunsà poesiae à música,sendoo versofeito para ser
mimética, cuja particularidade consiste em rePresentilt d declamado,salmodiado,acompanhadopelo ritmo, tal
realidade por vias oblíquas, através de figuras qu(' 5'ìrl como reclamavaRonsardi
principalmente comparações,metáforas, metonírrri'tt
Antes mesmo do aparecimento de uma poesia "visiott'i "Pois a poesiasem os instrumentos,ou sem a graça
de uma única ou de váriasvozes,de forma algumaé
ria", datada aproximativamente de Rimbaud ("Sott Irrtn
agradável,nem tampoucoo sãoos instrumentos,sem
tre em fantasmagorias")e desenvolvidapelo surrcillirtrtil
seremanimadospelamelodiade uma prazerosavoz."
("4 imagem é uma criação pura do espírito", I'iltte
Reverdy,Nord-Sud),podemos incluir a analogia(rrr'risrrtl Breviário
da artepoéticaJranceso,
1565.
menos audaciosa)entre os meios essenciaispara 'l ll'lltr'-
formação de uma ìinguagemprosaica (fundamt:rrt'rrlate Nem semprea relaçãocom a músicaseráreivindica-
denotação) em linguagem poética (enriqucc'irl'rlrela 'dEde maneiratão direta.O romantismoe asépocasse-
("Â
conotação). A furmula de Horácio "(Jt picturupot'rtr" tulntes reclamaram,sobretudo, uma musicalidade do
rle€= obtida pelosefeitosrítmicos e Íônicos.O conse-
poesiaé como a pintura") lembra a missãomir-rrí'ti'I
sa arte, mas não bastapara traduzir os "desvios" ltrorltt*i= de Verlaine no início de sua Arte poéticaé admitido

dos pela língua poética, especialmente atrav('srl't lttte' uma das leis do gênero:"Música, antesde mais

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Osgênerosliterários A poesiae o gênerolífico

nada." Com exceçãodas experiênciasda vanguarda,a preciso. EIe é um ato dirigido para algo que quere_
regra da musicalidadeseráuma das menos contestadas mos atingir. (...) A dançaé totalmentediferente (...).
da linguagempoética. Ela não se dirç a parte alguma."
.,Poesia
e pensamentoabstratotr,Oóras,
o A intransitividade tomo [, Gallimard,col. J,Bibliothèque
de la pléiade",p. 1330.
Contrariamenteà Ìinguagemtradicional,encarregadadr'
transmitir uma mensagemtendo em üsta a comunica- Esseretorno a si mesmada poesia,essa,,autofelici_
ção, o texto poético contém em si mesmo sua própri.r dade" (elaé seupróprio fìm) dão a ela uma qualidadede
fìnalidade.É tr.s" sentido que RomanJakobson,anali: perfeiçãogratuitacondensadaem suaformajcomo dizia
sandoa comunicaçãolingüística,fala de "função poéti= tambémValéry:
ca" para designara parte centralizadasobre a própri,r
"O poema não morre por ter viüdo: ele é feito ex_
mensagem(cf. Ensaios geral,Ed. de Minuit)
delingüística
pressamentepararenascerde suascinzase tornar_se
A poesiase diferenciadasoutrasexpressões lingüístit,rrt
de novo indeffnidamenteaquilo que acaboude ser.
por uma "dosagem"maisforte de funçãopoética.EI,ró,
A poesiaé reconhecidapor essapropriedadeque
antesde mais nada,trabalho sobre a linguagem;r'l,rê
consisteem tender a se reproduzir em sua forma:
ornamentogratuito que se desviado falar comurrt,,la ela nos incita a reconstituí-la identicamente.Eis aí
linha reta, do caminho regular. uma propriedadeadmirávele, entre todas,a mais
.
SeÍìzermoscomo Malherbe,que comparavaa l)trf tt
característica.
a poesiaà dança,r'otttu
sa ao caminhar,assimilaremos
Ibidem,p.1331.
gostavade sugerirValéry:
Sabe-seque Mallarmé, admirado e comentadopor
"De fato, enquantoo caminharé, em suma,tuttË ry, sonhavacom uma línguaoriginal que, liberta das
atividadebastantemonótona e diÍicilmente npcrlel= práticas,pudessese oferecerao uso poéti_
çoável,essanova forma de ação,a dança,1ret trtltc numa virgindadeabsoluta.EIe preparavaassimtodas
uma infìnidadede criaçõese de variaçõesou lìgr'ü tlrnsgressõesda poesiamoderna em buscade uma
(...). O caminhar,como a prosa,visaa uttt 1llrl€FB brilhante visivelmenteliberta da necessidadede

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Osgêneroslìterários A poesiae o gênerolírico

desenvolvema "O poeta é coisaleve,coisaalada,coisasanta,e ain_


sentido.As conhecidasanálisesde Sartre
da não é capazde criar até o momento em que se
mesmaidéia:
torne um homem habitado por um deus, até o
da linguagem- momento em que tenha perdido a cabeçae que seu
"O poeta retirou-se de uma vez próprio espírito não lhe pertençamais."
todas' 'r
instrumento; ele escolheu,de uma vez Por
as palawas como c()i Ion, trad. L. Robin, Gallimard, col.
atitude poética que considera
sase não como sigros'tt ''Bibliothèquede la pléiade".
I' 1941'
"O que é a literatura?", SituaEões
Somenteuma "graçadiüna" permite aoshomensde
exceçãoalcançaro delírio criador de onde sairãoos ,.be_
3. A inspiração
los poemas"nos quais,,nãohá nadaque sejahumano".
relaq'-rr Ià Essaconcepçãoantiga terá uma acolhida muito fa_
É difï.iI, em se falandode poesia,calarem
nossosproprisl voráveldurante a Renascença(com o mito da musa em
questão- vshdvarnentedistanciadade
dascolrlil4' Ronsarde em Du Bellay,por exemplo) e, sobretudo,na
tos - do nascimentodo poema.Mas,no final
sigrrlll épocado romantismo (com o estereótipodo poeta ins_
apegar-seàsteoriasque justificamo aparecimento
ìit('r;'rrl'l pirado na obra de Lamartine, ou na de Victor Hugo).
.à ãjr'rdu,na caracterizaçãode uma forma
ttet Ainda durante o séculoXX, um poetacomo Claudelrei-
Contrariamenteao que sePassano casodos gêneros
segunclo Vlndicariaessafonte misteriosapresentena emoção:
rativoou dramático,a poesianão procede' 't 'rtrã'
refletidado autor" lìett
lise tradicional,de uma vontade "Em uma palawa, a poesianão pode existir sem a
de tr'rrr'!lxrl=
cupadoem defenderessecaráterde excesso' emoção ou, se se preferir, sem um movimento da
<kn*'ttt*=
dalento do qualjá falamos(o "desregamento alma que regulamentao movimento das falas."
aplicarirrrrre eg
dos" evocadopor Rimbaud),os teóricos
"Carta ao abadeBrémond sobre a
atribuir uma dimensãomágicaà falapoética inspiraçãopoética", 1927, posigões
rltnlnp
Nesseesforço,foiJhes de gande valia urrr e proposiEões
sobreo versoJrancês.
e prlÉH
de Platão,o íon, no qual o filósofoassimila '11,
ift"iu sagada",tambérrrlr'rrrcÊéà Diversosteóricos questionaramo mito da ,,inspira_
co a uma espécied"
no sentido forte, de "entusiasmott: , a começarpor Valéry,que preferiaver na poesiaum

t46 147
A poesiae o gênerolírico
Osgêneroslitetórios
te classificadasem categoriascujas mais importantes
que se aPresentava
trabalho lento, ou por FrancisPonge' elasilustram: o gênerodramático (e mais
características
O que não tira nada
como um "fabricador" de poemas' especialmentea traçdia) e o gêneronarrativo (e a epo-
chlma de "encan-
da força mágicado poema (que Valéry péia);e issosem falarda sátira,que classiffcaríamosnum
que Rimbaud recla-
io"), ,r"rn ã cupa.idude "üdente" "gênero" especialcomo o ensaio.
do inconsciente
mava Para o Poeta' ou dos poderes A abordagemempírica pode guiar nossaescolha:
exploradosPelossurrealistas' cssasobrasde estatutohíbrido vão se orientar em dire-
ção da categoriagenéricacom a qual elascompartilham
[I.AS FORNTASDAPOESIA o maior número de traços comuns, de ttconvenções
eonstituintes",para empregaruma expressãode Jean
l. Adelimitação do gênero Marie Schaeffer.Porque a cançãode gestaconcentra o
ial das característicasda epopéia,classificaremos
respeitoao gô:
As hesitaçõestaxinômicasque dizem canção de Rolandona família narrativa.Porquena peça
quadro de uttt
nero poético' que se tornou o terceiro Racineo aspectodramáticosobrepõe-se(pelo menos
atribuído a Aristri
,rçrt"o .ômodo, fraudulentamente intençãodo autor) à dimensãopoética, concordare-
aporia embaraços't'
teles, colocam-nos diante de uma em classificarBerenice como teatro. Mas nada nos

pois, forçando o modelo 9e8o, Parece "1"Ï:l:]:,' Íbe de recuperaressasduasobraspara fazercom que
trllr
po.ri" nívelgenéricoqu: a epopéiaou a um gênero poético ao qual elastambém estão
"o -".*o distingue-seesscttt'i'rl por certasmarcasdistintivas.Mesmo que todosos
dia. Ora, mostramosqi" u po"'iu
d" fot-u; além do mais' t:l't l;ir enumeradosanteriormente para definir o gê-
Por uma difere"ça
erÌìlfl t'E
-"*.
u de exprimir-sePor tons variadosque poético não estejamreunidos, especialmenteo da
"r"olitu ao lado da pocsi'rlÍi I idade,posto que essasobrasnão são,em si mes-
tam elemento,à" diu""o' gêneros:
a falar- e tlt' :'tl'tr seupróprio Íìm e desejam,por meio de um enun-
ca- da qualvoltaremosrnaisadiante
e uml polalà poético, transmitir uma mensagemprioritária.
variantes,existem uma poesiadialogada
Berenice'A r'utyít Semdúvida temos aí outra ilustraçãoda fragilidade
épica,sem falar de uma poesiasatírica'
csrtl- Pretenso"gêneropoético". Claro, vimos e repetimos
deRolando,Os sátiros(de Boileau)são'de fato' obrls
em váriosaspct'loa'rls e Interpenetraçãodos gênerosé coisa corrente (a
tas em versose não desprovidas'
obrasforam logir''ttttstt- pode introduzir-se no teatro, o diálogo pode
autênticacargapoética'Ora' tais
149
148
Osgênetosliterários A poesiae o gênerolírico

é viu de modelo à voz encarnadaque encantaanimais e


constituir-seem romanceetc')' Mas aqui o problema
de natu- seduza natureza.
outro, já que obrasapresentandopropriedades
reivindicadaspor No sentidomoderno do termo, o lirismoserádefini_
,.- dirtirrtu podem ier legitimamente
do como a expressãopessoalde uma emoçãodemons_
diferentesgêneros.
a coc trada por vias ritmadas e musicais.O elo com o canto
É, portanto, numa simplesPreocuPaçãocom
de lado 'r não é, portanto, rompido, tal como se entende pela
rência e com a não-repetiçãoque deixaremos
dranr'i legendáriadeclaraçãode Valéry: ,,O lirismo é o desen_
descriçãotipológicada poesiaépicaou da poesia
à f;íbul'r' volvimento de um grito,, (Telquel, I94l). Mas convém
tica. Faríamo, u ,rr..rr,u observaçãoem relação
lhe outorgari'rrrr acrescentara essaparticularidadeuma outra: o lirismo é
possuidorade qualidadespoéticasque
a emanaçãode um eu - que o romantismo gostavade
um lugar indiscutívelaqui'
confundir com a pessoado poeta,masque poã" ,.
gar por detrásde uma de suaspersonagens. "pu_
2. A poesia lírica e elegíaca Olympio é o
Porta-vozde Victor Hugo (,,ïi-istezade Olympio") e o
invttt*l tttu" de "Zone" é
Se decidirmosabandonar,devidoàs razões uma parte do ,,eu" de Apollinaire fÀ
nos lirrrilat'
das,aspoesiasépicae dramática,deveremos h ftn t,, es las de ce monde ancien...,,,Alcook\.t
urrita
nessecapítulo consagradoà poesia,quaseque A relaçãocom o canto (ou com o gito), bem como
mente ao subgêneroq'l" respondeàs propricrl'rrler conteúdo confidencial,duas característicasdominan_
qe
reguladorasda poesia,isto é, o lirismo' Encontr'tttt do texto lírico, acarretamo recursoa estruturasrit_
lit l' rr
aqïi uerift"adasduashipótesessugeridas:o gêner, las, encantatórias,a Íigurasda exaltaçãoe da gande_
ele í' '1rr re
úd. u confundir-secom o gêneropoético; a um léxico rebuscadoe simbólico - que consti_
gr'rtt'lee
encarregade fornecer uma simetriaàs duas o terceiro traço específtcodo gênero. O verso e o
famílias,a dramáticae a narrativa' de forma fixa (cf adiante)serãoos meios favori-
do lirismo. Os grandessentimentos individuais (o
o O lirismo
infeliz, o sofrimento, a tristeza,a melancolia ou,
rk':'llttrtl'ã
l,embremosque, originalmente,a poesia menor freqüência,a alegriaou o entusiasmo)serão
hr-Ê
sea sercantadacom o aÃmpu"hu-ento musit'rl 'l't temaspriülegiados.
Foi a lìgrrr'r rrrite
- de onde derivoua palawalirismo'
(lrlFãEf=
lógica de Orfeu, legendárioinventor da cítar';t' Ílmestáslassodestemundoantigo..."
(N.T.)

150 151
Osgênetoslitetários A poesia e o gênero lírico

. Aelegia que tende a transformar-se em lamento, em canto de


pesar, opondo-se a outras formas poéticas.
No prolongamentoda inspiraçãolírica situa-sea poesia
De Marot a Apollinaire, a história literária nos ofe-
que nao Passa'na verdade,de um lirismo limi-
"l"gíu.u rece uma abundante tradição elegíaca: Du Bellay, Ron_
tado e codiÍicado.A palawa,inicialmente,remete a unì
sard, La Fontaine, Chénier, Lamartine, Musset, Verlaine
conteúdo, pois vem do gego elegia,derwadade élégos'
r' - e isso para nos limitarmos aos maiores; e na literatu_
canto de luto' A Antiguidadeignoraessaespecialização ra estrangeira, Young, Gray, Shelley ou Rilke.
chamade "elegia" um Poemaem conformidade corrr
uma métrica particular,o dístico eldaco, que combirr'r r Outras formas líricas
um hexâmetroe um pentâmetro(osgrandesnomesdcs
Poderíamos mencionar, ao lado da elegia, a ode -
sapoesiasãoTibulo, Oúdio, Propércio)'Durantea Iìt'
outro poema lírico - (ode, emgrego, designa o canto),
nascença,o assuntosobrepujaa forma, e Passaa s('l
ilustrada por grandes nomes da Antiguidade, como Safo,
designadacomo elegiauma obra poética que exprirrte
u Anacreonte, Píndaro. Sua forma e inspiração sãovariáveis,
sentimentostristes ou dolorosos' Boileau, durantt'
e o século XVII reprova, nessaforma poética, a desordem
séculoclássico,sublinhaessacoloraçãomelancólica:
(ainda que ela se exprima em estrofes simétricas):

"La plaintive Élegi", en longshabits de deuil,


Sait,les cheveuxépars,gémir sur un cercueil; "Seu estilo impetuoso, com freqüência, vai ao acaso
Nela a desordem é um efeito da arte.,'
Elle peint des amantsla ioie et la tristesse
Flatte, menace'irrite, apaiseune maïtresse' Boileau, Ane poética,canto II.
(...) Il faut que le coeurseulparledansl'élé{it"":
II
Arte Poética,1"1111o Mencionemos ainda, no gênero lírico, a égloga,poe_
tna bucólico ou pastoril, confundido, às vezes, com o idí-
Os temasda fugado tempo, da ruptura, do lrrl"' 'la lio ou com o madrigal;este, poema galante ou precioso.
r'l*glá'
relaçãocom a naturezaencontrarãoum lugar rr't
l, Os poemas de forma fixa
, ã-q*-i*ru Elegia,em longostrajesde luto,/Sabe,cont 'r" ' 'tl'elË
E
gemersobreum ataúde;/Ela pinta dos amantt's'r rrlriÉri-ã
esparsos, F'orma originalmente submetida a uma métrica codi_
( ) A1t'tta== H
iritt"tu/-Adrla, ameaça,irrita,acalmauma amante/
"coraçãofala na elegia."(N. T.) flcada,a elegia se reduz, hoje, a uma leve coloração poé-

152 153
Osgêneroslitetários
L A poesiae o gênerolírico
poemas
tica particular e distingue-se'nessesentido'dos Em meio às formas regularesque se mantiveramno
e que são
."-pr" regidos Por regrasquaseintangíveis decorrer do tempo, duas merecem ser analisadascom
ã" "for*u fìxa"' Essestextossãoconstituídos maior destaque:a baladae o soneto.
"hu-udo, que determina
a partir de um esquemapreestabelecido'
das
o número e a naturezadas estrofes,a disposição o Abalada
rimas, o comprimento dos versos' Sua regularidade
sustentá- É um poema de forma ftxa que apareceupor volta
baseadaem repetiçõese simetriasfornece um
do séculoXIV e era, originalmente,acompanhadode
culo mnemotecnico.Elesformam famíliashomogêneas'
desigualmente representadas no decorrerda histórialite- músicapara dançar(balìare,em italiano). EustacheDes_
dcr champ, Charlesd'Orléans, Guillaume de Machaut,
rária, que seriammais apropriadamentechamadas
ditos' FrançoisVillon foram os primeiros a impor essaformal
"subgêneros"e não de "gêneros"propriamente
e st'
Águ-ut dessasformas fixas são muito antigas rejeitado pelos poetas da plêiade, a baladavoltou à
betefiáuru*, em diferentesépocas,de uma admiraçãtr moda, com a corrente dos preciosos.
Média' <r
especial.Assim,por exemplo,durantea Idade A baladapode ser compostaem estrofesde oito ver_
,orda lpo.rnu fechadosobreele próprio' e no qrr'rl Bosarrematadospor uma última estrofede quatro versos
".rrro, de r<trr
é intercaladoum refrão), o virelai3(outra forma (como em A balada dasdamasdo tempode outroro, de
de oito vt'l
dó, mas sem refrão final), o tioleÚ (poema Villon), sejapor estrofesde dezversosque se terminam
csse:'
sos em duas rimas) e ainda o lais ou a villanelle'6 lor uma de cinco (como em A baladadoserlforcados, do
últimos exemplificadospelas obras de Guillaumc '1.' mesmo Villon); o conjunto construído com três rimas
Pisan'
Machaut,Charlesd'Orléansou Christine de Cruzadasou enlaçadas,com um verso em forma de
reaparecendono Íìnal de cadaestrofe.
colÌì {ltl'li
ããu a" poesiafrancesaantiSa'de versoscuÍtos' Boileaucondenouseu formalismo ultrapassado:
por quut'o uu"õ'' dos quais se repetem(l\ tlírlt
rimas,começando
primeiros.(N. T.)
rllq 'A balada,subjugadapor suasvelhasmáximas,
+ Tioo de poemafrancêscompostode oito versos'o prim('iri)
e o primeiroe o segundo' (lrrlxriÈ
qr;it';;ó;i" depois do tu""i'o, Com freqüênciadevetodo seu brilho ao capricho
do sexto.(N. T.) dasrimas'"
s Ver nota anterior.(N. T.)
6 Poemafrancêscomposto por estrofesde três versose cottt
tr'ílãti' Arte
paéticarcanto
II.
que setermina por uma quadra'(N' T')

154
155
Os gêneroslitetários A poesiae o gênerolírico

Molière. no mesmo sentido (mas certamente


com tando suasregrastão rígidas;Nerval, os parnasianose,
finalidades paródicas), faz com que diga sua Personagem
sobretudo, Baudelaireexploram as possibilidadesdo
Tiissotin: gênero- retomadopor algunspoetascontemporâneos
como Valéry,Desnos,Aragon,eueneau.
'A balada, para mim, é coisa insossa, Escrito inicialmenteem decassílabos,
o soneto ado_
Não está mais na moda e cheira aos velhos tempos' tará muito depressao alexandrino. Ele é composto de
III, 4'
As Sabichonas, quatorzeversosrepartidosem duasquadrase dois terce_
tos (ou, mais exatamente,uma sextilhacortadaem duas
Os românticos (Goethe, Keats, Victor Hugo)' estrofes).As rimas sãodispostasde maneira estrita:abba
tarth" abbaccdede(Du Bellay,Ilolive), com uma variantepossí_
entretanto,vão de certa forma revigorá-la,e' mais
PaulFoÉ fará dela suaespecialidade' vel ilustradapor Marot para os tercetos:ccdeed,e ainda
outras liberdadescomo a de Baudelaire,por exemplo,
. O soneto no soneto "A vida anterior,': abbabaabaddcee,
tipu O soneto,em suaversãoitaliana(petrarca)e em sua
É a maisviva(e fecunda)dasformasfixas'Essc
c lul adaptaçãofrancesa(Ronsard),revelou-seespecialmente
de poema,codificadopor Petrarca,vem da ltália
tlc :e próprio para a expressãolírica dos sentimentos.É .rerr"
introduzido na Françapela escolade Marot, antes
(t'spe registro- fbra algumasexceçõesnotáveisem Du Bellay
tornar o gêneropreferidodos poetasda Plêiade
cialmente por Du Bellay e Ronsard)' Os pretiosrtr ou Desnos- que eleviria a seafirmar como um poema
(Voiture, Benserade,Malleville)viram no soneto o llle em que a expansãoafetivasemolda no rigor de uma for_
por Boileittr:
condenadas
texto paraasvirtuosidades ma concisa.
Outras formas Íìxasoriginais puderam, com fortu_
longoIx rrrli-â
"llm sonetosemdefeitovalesozinhoum nasdiversas,reter a atençãodos poetas,até mesmoalgu-
Mas em vão mil autoresPensamchegara fazô-[o; tnas emprestadasa paíseslongínquos.O mais belo
E essaventurosafênix aindaestápara nascer'" exemploé o do pantum,forma poéticaorigináriada Ma-
tirrrlull
fvtePoétictt, hsia e adaptadapor Victor Hugo em A, oirntoi,(1g29),
Ìttomada por Gauthier,Banville,Baudelaire,e compos-
vo!"lt h por quadrasde rimas cruzadascom um u"rro qu" ,e"_
O século XIX coloca-o novamente em

156 t57
'iï
Os gênerosliterários A poesiae o gênerolírico

descriçãogenérica. Um gênero, como já dissemos


parece em cada estrofe (v. "Harmonia da noitett, em '4s em
relaçãoao teatro e ao romance,deftne_setanto
joru do ma1).Ou ainclao áaiËujaponês, velha forma do pelasleis
que ele impõe quanto pelas transgressões
século X, codificada no século XVII pelo muitíssimo que suscita.
ïiata-se aí de uma constanteda criaçãoestética:
célebre Basho' e que se aPresentaem três versos de desde
dezessete,quatorze e dezessetesílabas'
que uma forma se torne padrão, ela produz, inevitavel-
mente, ao lado dos casosde aplicaçãoservil,
tentações
IV *POESIA SEM VERSO'' de revoltae de negação.
Em matéria de poesia, gênero supercodifìcado,
a
insurreição foi bastantetardia, mas especialmente
l. Verso e prosa avas_
saladora.Quanto ao inimrgo, ele estavamuitíssimo
bem
Maisdo que os outrosgêneros- talvezmesmopor- designado:o verso. De fato, a maneira simples,
senão
que ela duvidasse de sualegitimidadeenquantogênt'rrr mesmo simplista, de se definir a poesiasempre
foi a
- 3 pegsisimpôs a codifìcaçãode suasformas' As estrtt oposição com a prosa. Molière não exagerou
quando
turas fixasnão passamde um comPonentenessejogo tlt' pôs na boca de sua personagem .,Tudo
o que
Jourdain:
regrasmúltiplas, resumidasnum código nomeadorh' não é verso é prosa,e tudo o que não é prosa
é verso.,,
"versiÍìcação",pelo qual se pretendeugovernaro t('xl(r (O bwguêsjdal7uII, 5.) A prosaé a expressão
ordinária
poético.O versoe seumetro' a rima e suassonoridarlt's' da linguageme permite a comunicação;o verso
supõe
o ritmo e seussotaques, a estrofe,o casodo e "cadtttrr"' um "desvio" que complica a mensagem,
que interessa
a cesura,o hiato...todasessasregas foramdurantctlrrti ,Êm si mesma. prosseguindonesta via, diríamos
que a
to tempo sentidascomo restritivase absolutas,e a t'l'tstr 6prosaé a frase normal, enquanto a poesiaé o verso.
operário-poetadeviaum respeitoconsciencioso l)'tl'l t1 ão evidentemente contestável devido a duas
reaÌização de suaobra'Maso tempo'o bom sensoc 'r ltir ões simétricas:primeiramente porque ,,versos"
(isto
tória literáriaensinaramque a poesianão se conlìrrrrle formas medidas e ritmadas) podem ser desprovidos
conl a artede fazerversose que o talentodo versilìtitthrl "poesia" e podem exprimir realidades.,prosaicas,r.E
não é suficienteparafazerum bom poeta' porque muito depressase percebeu que textos
Essaconstatação- bastantebanal, diga-st:rh' par= "prosaicos" poderiam, devido a certas
sagem- ganhaum destaqueespecialquandoaplitirrlaã específfcas,ser assimiladosà poesia e enri-

158 r 59
Osgênerosliterários A poesiae o gênerolírico

quecero gêneropor meio de formasmaisou menosfor- conjuntar essetolo de alexandrino"), pareciaprograma_


temente transgessivas.Foi o casodo verso branco, da do aquilo que Mallarméchamaria,em 1895, de ,,crise
prosa poética.oudo poema em prosa. do verso". O ataquemais sério foi aqueledirigido pelos
poetassimbolistase, particularmente,por GustaveKahn
2. O verso branco e Jules laforgue. Em 1887, em Os palácios nômades, de
GustaveKahn, aparecempoemascompostos de versos
A versificaçãofrancesasubstituiu o verso latino de comprimento desigual,sem rima, sem molde rítmico
cadenciado,baseadoem acentos,por um versomedido, aparente e com a margem direita recortadacomo os
o único adaptadoà língua francesa,Pouco acentua<ìa. dentes de uma serra. Alguns dos Iamenrosde
Jules
Daí essanecessidade, por parte da poesiafrancesa,tl.' I-aforgueseriamescritosda mesmamaneira,preparando
definir "metros" a paÉir da contagemde sílabas(hexâ: algumaslluminações de Rimbaud (coletâneade 1gg6),
metro, decassílabo, alexandrinoetc.). Nos diversos como "Marinha", "Movimentott,,,Bárbarot'.A üa esta_
casos,o versoé t'forçadotte, etimologicamente, mer('('(' va traçadacom vistasao "poema em prosat,,ainda que a
seu nome: versus, ttvirartt,
de veÍteÍer como na meia-voh,r natureza "poética" e até mesmo versificadafosseper_
no ftnal da linha, comparávelàquelaque faz o lawatlot ceptível,como explicaum comentador:
no fìnal do sulco de terra que lawa. A ruptura é martit
t'O verso, não
da pelo espaçobranco à direita da linha tipogáfìca. medido e não ritmado, permanece
sendo um verso, tipogaficamente. Começandoou
Sem infringir totalmenteessalei de apresentaq,lo,
não por uma maiúscula,não preenchendoo com_
algunspoetas ([a Fontaine, Por exemPlo)gostavarrrrle
primento da página,eÌe constitui um segmento
fazer variar o comprimento dos versos, alternarr,lo
sempre isolável.A disposiçãovertical torna visívela
metros de doze,de oito ou de seissílabas,em funç:-rorle
igualdadeou desigualdadedos segmentos,bem
efeitosestilísticose semânticos.Essasvariações,àsvrlet
como as posiçõesde certas palavrasdo texto. A
eruditas, receberamo nome de t'versosmisturados",
mudançade linha chamaa atençãosobre o próprio
A revoluçãopoéticado sécuÌoXIX permitira (ltr.'if!
coÉe dos versos,e o deseúo do poema pode tam_
poetasfossembem maisalémda heterometria.N,r,lttelc
bém serportador de um sentido."
período de questionamentodas formas literári,rsc rlas
exigênciaspor demaisrígidas(Victor Hugo sc ,,tp'ttllta, Michel Sandras,Lero poemaem
por volta da metadedo século,de ter conseguirLr"rlec= prosa,Dunod, 1995,p.40.

r60 l6l
A poesiae o gênerolírico
Osgênerosliterários

Em suma:o versoestáliwe, masnão é abandonado. "O que torna difícil (e também apaixonante...)a
questãodo poema em prosa é que talveznenhuma
O que também é o casono que diz respeitoà forma hí-
forma poética, em meio àquelasque há um século
inspirado nos modelos bíblicos e
brida que é o versículo
têm tentado render a linguagema novasexigências,
exploradopor poetasmodernoscomo Claudelou Saint-
chegaa pôr em jogo com tanta acuidadea própria
John Perse.As restriçõestradicionaisda versificaçãosão noçãode poesia."
abolidas,masuma aparênciade estrofe(ou, pelo menos'
SuzanneBernard,O poemaemprosa,
de um parágafo poético) vem ritmar o texto e, imitan-
de Baudelaireaté nassos
dios, Nizet,
do o "sopro" do poeta, impõe uma estruturaçãocalcu-
1959,p.9.
lada. O corte operadopelo branco atestaa prioridade
poética,como já reivindicava,desde1925,PaulClaudel: A outra dificuldadeliga-seao fato de que a história
literária - 5ehshrdo na era clássica,mas também
ttNãose pensade maneiracontínua,nem tamPou- depois dela - recusa-sea recoúecer como "gênero"
co se senteou vive de maneiracontínua' Há cortes, os textos que parecemescapara uma prescriçãoexplíci-
há a intervençãodo nada (...). Assim é o verso, ta e que se defìnem por um "princípio anárquicoe fun-
essenciale primordial, o elementoprimeiro da lin- dador nascidode uma revoltacontra asleis da métrica e
guagem,anterior às próprias palavras:uma idóia da prosódia".(S. Bernard, ibidem, p. 13.) A apelaçãode
ttpoemaem prosatt,
isoladapor um espaçoem branco." que constitui em si mesm?um oxí-
moro, parece desencorajartoda tentação de busca de
Posições oP.cit.
e proposig/es,
uma definiçãocoerente- o que não impediu os espe-
cialistasda poéticade esboçaremuma estética.
3. O poema em prosa
r Estéticado poema em prosa
A última fasedessaevolução,ponto crítico em qu(' ,l
poesiavem abandonarseustraços formais distintivos Através das definições fornecidas por Suzanne
para ultrapassaruma linha de delimitaçãoque a distirr Bernard,poderíamos,na falta de uma defìniçãoa priori,
gue de um gênero rival, é finalmente atingida colìl íf Cnumerarempiricamente algumasleis artísticas dessa
poemaem prosa.O fato é realmenteimportante, poslrr práticade escrita.Por exemplo:
que setratade tocarem nadamenosque a identidatlt'rla
- Uma relativaliberdade:
o poemaem prosaé, antes
poesia,tal como reconheceuma eminenteespecialisl,r.
163
t62
Os gêneros literários A poesia e o gênero lírico

de mais nada, prosa, isto é, um texto de forma Verso Prosa


livre (ausência de molde imposto) sobre uma Apresentação Poesia Pocma em prosa
temática aberta (que permite introduzir realis- Representação Ëpopóia, narraçãoe Ficção
mo e modernidade), com um léxico ilimitado. descrição,versiÍìcadas (romance, conto)

Mas ele é ao mesmo tempo poema, isto é, uma Toclorov, "A poesiasem o verso',,4 Noçãode literotura,
forma construída, autônoma, breve, intensa (elt' Seuil,col."Points",1987,p. 84.
é um "todo" comprimido e homogêneo), gra-
O quadro acimapareceresolveruma de nossasdifi-
tuita, posto que remete unicamente a si mesm<1.
culdadesaxiomáticas:a classificação
dasobrasao mesmo
- Duaúrmas possíveis:os poemas em Prosa' conì()
tempo narrativase versifìcadas(como a epopéia),ou ao
nos diz Suzanne Bernard, podem ser repartidos
mesmo tempo poéticase em prosa,como o poema em
em duas famílias: por um lado, o "poema ftrr'
Prosa.
mal" (do qual Aloysius Bertrand é o modelo) t:rrr
que se encontram respeitadas as estruturas artís - A enunciaEõo: Michel Sandrasintroduz a idéia de
ticas e "cujos objetivos não são fundament.rl uma caracterização fundamentadasobreo modo
mente distintos daquelesda poesia em verso" (S, de enunciação. Postoqueo "eu" ocupa- como
t'poema revolta", r.' na poesiaversiffcada- um lugar importante no
Bernard); por outro Ìado, o
presentado por Rimbaud, essenciaÌmenteprtrr poemaem prosa,pode-sefazerdele um elemen-
cupado, fora de toda e qualquer lei recorrcrrl, , to distintivo. Ora, nessesenunciados,o "eutt é
em transcrever alucinações, em romPel' r''. "plurívoco", estilhaçado(por meio da ironia,
ttinvett,,-,,,
', por exempÌo),não lírico (ele não passade efusão
"encantos" da poesia,a fim de impor
de desconhecidos". E a "iluminação". ou confidência).fusim, portanto:
- Apresentação/ Ïtrdorov introduz rrrrr'r
representaçõo:
"(...) o poemaem prosapareceter conquistadoum
outra distinção.O poema em Prosase deÍìr'.',1,' lugar de fala que, diferentementedo poema lírico,
acordo com a poesiae em oposiçãocont it tr,tt admite formasde distânciae de heterogeneidade na
t' lt,t,r
ração, devido a seu caráter de apresentaçãr linguagem,mas que, diferentementeda fiíbula e da
Inspirando-se em Souriatt (;l , r,t
de representação. narrativa,exaltaos direitos do indivíduo e toda for-
das artes),o crítico propõe tltìr t pl,t
respondência ma de singularidade."
dro útil para a identificação genérica: MichelSandras, op. cit.,p.149.

164 165
Os gênerosliterórios A poesia e o gênero lírico

o Histórico do poema em prosa e sem rima, suficientemente flexível e suficiente-


mente trôpega para adaptar-se aos movimentos da
A invenção do poema em Prosa é tradicionalmente
alma, às ondulaçõesdo devaneio,aos sobressaltosda
atribuída a Aloysius Bertrand (1807-1841), cuja obra consciência?"
à la manièrede Aembrandtet de
Gaspardde la nuit. Fantaisies
Ibidem.
Catlot foi publicada em 1842. Na mesma época, dois
outros "românticos menores", Alphonse Rabbe e Xavier
A coletânea, intitulada Pequenos
poemasem prosa,só
Forneret, publicam textos de forma semelhante'Mas [tri
apareceriaem 1869, dois anos após a morte do poeta. As
evidentemente Baudelaire que deu ao gênero uma ver-
três décadasseguintes"balizam a idade de ouro do poe-
dadeira dignidade literária. A partir de 1857, o poeta tlt'
ma em prosa, que é experimentado peÌos maiores escri_
Asjores do malcomeçou a redigir textos' que ele preterr
tores dacluelaépoca: Cros, Rimbaud, ViÌliers de Lisle-
dia publicar numa coletânea,inspirando deliberadamcrt
Adam, Huysmans, Mallarmé, Laforgue, Claudel". (M.
te na obra de Bertrand:
Sandras,op. cit., p. 67 .) No capítulo XIV do romance de
apli Huysmans,À R bour,(1884), Des Esseintesexprime sua
"Veio-me a idéia de tentar algo de análogoe de
car à descrição da vida moderna, ou antes' de ttrrt'' preferência pelo poema em prosa, que para ele represen-
üda moderna e mais abstrata,o procedimento <prr' ta "o suco concreto, o osmazônio (espéciede quintessên-
"
ele aplicara à vida antiga e estranhamente pitorcst 'r' cia química) da literatura, o óleo essencialda arte',.

Carta a Arsène Houssaye,retottt'r'l'r Foi preciso esperar o século XX e as décadas poste-

como Prefácio ao SPleende Paris' riores à SegundaGuerra Mundial para que se vissem apa-
recer criações originais a ponto de renovarem o gênero.
Elas se inscrevem nas margens do surrealismo, com auto-
A partir daí, a idéia de "modernidade" torltott r'e
res como Pierre Reverdy, Max Jacob ou René Char, ou
um traço distintivo do gênero. Na continuidade <lt' "'r''
ainda com poetas independentes,como Henri Michaux,
célebre carta-prefácio, pode-se ver que Baudelairt' rl'' t'r
Francis Ponge, Saint-John Perseou Léon-paul Fargue.
lhava seu ob;etivo e esboçavauma defìnição estótit 'r:
A aventuraevidentemente ainda não estáterminada,

"Quem é que, em dias de ambição,não sonltotl' "ltr e parece até mesmo que, pela flexibilidade de seusmeios
o milagre de uma prosa poética, musical scltt tiltrlr e pela revolta de sua mensagem, o poema em prosa é

166 r67
Os gênerosliterários
A poesia e o gênero Lírico

perfeito para se adaptaràs metamorfosese às inovações como ponto de partida) que apareceu uma escrita não
ãa poesiacontemporânea,PreocuPadaem exprimir pela versificada,mas suficientemente harmoniosa para justi-
escritasuatenazaspiraçãoà liberdade. ficar uma aproximação com a poesia. A moda, então
bastante nova, das traduções (do ìatim, do italiano, do
4. A prosa poética inglês...) confirmou que a poesia poderia existir em
Iugar diferente da rima.
A maneira de romper com a história literária e de
Sob sua forma lírica, essa"prosa poética" encontra-
concluir sobreasmanifestaçõesde uma "poesiasemver-
ria um mestre em Rousseau,que num de seus cadernos
so" (ïbdorov) é deter-senuma forma literária mal cir- de notas perguntava-se: "Como ser poeta em prosa?"
cunscrita (no tempo e no esPaço),tradicionalmente (citado por SuzanneBernard, p.29). Com algumas pá-
ligada ao gênero poético, ainda que ela também faça ginas de / novaHeloísa(1761) e dos Devaneios de um cami-
empréstimosao narrativoe ao épico. Com aquilo que é nhante solitário (1782), ele deu a essapergunta uma res-
chamadode "prosa poética", maisdo que com o Poema posta magistral. Essatendência, constitutiva do que seria
em prosa,parecemlançadasas codificaçõesaxiomáticas chamado de "pré-romantismo", seria prolongada por
rígidase anunciadauma "mistura dos gêneros"de quc Chateaubriand em O gêniodo cristianismo e, especialmen-
trataremosmais adiante. te. em Renée Atala.
É difi.il, de fato, ver um gênero ends - tal com<r Entretanto, não nos encontramos aqui na presença
de palawas- uma forma comuÌÌì de uma verdadeira categoria genérica, posto que a prosa
evidenciaa associação
poética:
da linguagem,a Prosa' encontra-sediferenciadapela
simples afetaçãode uma tonalidade,de um verniz' "(...) só faz integrar uma pesquisa prosódica a um
essencialmenteformal e dificilmente definível,o toquc fluxo narrativo que permanece prevalecendo. (EÌa)
ott
"poético". E na verdadenão é raro, ocasionalmente continua sendo um discurso que caminha para a
de forma contínua, que uma obra literária em prosa tlc frente. em linha reta."
mostras,por seu valor musical,estilísticoou lexical, tlt'
Jean-Louis J oubert, A Poesia,
afìnidadescom o texto Poético. A . C ol i n, 1985,p. 136.
Foi no séculoXVIII (maisprecisamente com 7Zlárrr'r
Acrescentemos, aliás, que se os textos podem apre-
co, de Fénelon, 1699,obra que SuzanneBernardtorrrtt
sentar algumas característicasessenciaisdo poema em

168
t69
.==::-

Os gênerosliterários
A poesiae o gênero
prosa, tal como o define Suzanne lírico
Bernard (,,concisão,
brevidade, intensidade de efeito, "transpor um fato de
unidade orgânica,,),
eles se excluem dessa família,
pelo fato de terem um ïe:to vib:atóriot, ú:,ffi :ï il ï:1ï"ï:m:
conteúdo,,não-autônomor,. Suas ausência e ìugar
qualidades ornamen_ do ser essencial:
tais e formais conferem_lhes
um estatuto especial e pró_
ximo da poesia, mas não chegam
a desrocaro ,,horizon_ Je dis: une;fÌeur! Et, hors
de l,oubli oà ma
te de espera" do leitor em direção ,,autodestruição
Iinguagem" (sartre), que
à
pode constituir a essênciado
dir
; * i:ï:,',::
aucuncontoutren

n :;;:iji!
tunt ,,:,-:,,:^;:":' :" ^1.voix

;:
relègue

texto poético desejoso de ',fabricar


guagem" (ibiden). poderia encontrar
"subgênero" descrito recentemente
sirêncio com a ìi'
um lugar aqui <r
por Jean_yvesïâditl,
"|';ï:,::;: MalÌarmé, Crisederers, gg6.
I
a "narrativa-poética", que atesta
que:

"(...) u distinção entre a prosa e a poesia


é m'ir,
menos clara hoje do que r,ã t"_po
.à q.r" o alex,rrr
drino triunfava (...). ioao ,o*urr."
é, nem qu(.,\(.1,1
minimamente, poema, e todo
poema é, ao nrt,rr,,,,
nummínimo
":':W:rr,ca, puf, 1e78,1>
t
Mas essetipo de obra híbrida teria
. igualmentt. prrrll
do encontrar um ILgar no capítulo
.* i.r" tratarrr,., rLr
gênero narrativo.
Em sua pretensãode juntarem_se
à poesia,()str,\t..: ãffi. nãotema m.
em prosa realmente dão, tanto
quanto r" d"u.,
tiltAuaAen,tema que merece fìnalizar
1rf,1
1lr.ro1 ;iï1ï:;,j*i"ï,"#hï*:!,!::"ï:i:i:Ë:Jffi
,?,ïiiiJ,?,x
!.e; (,,r1
est(, )ttrl,, jic.n;ivijes;a.ú o,'#ï :ïï J:ïï:1ï:íï:"; quisdizer,
e
Uma linguagem que, renunciando i:
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rìzados:"Di8o:
a nomear () nrrrrlr ;Ïï Ji' *,,i?lï,tfi:ï::' lun,opu,,Jl,ïJ"
Íixa-se como tarefa a tradução
do indizível, ,r lrr,r ,lr
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