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CoreçÃoENroqu \q s$l q a
Letros.
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Os gêneros
literários
lu rolçÃo
Tradugãoe notas
FláviaNascimenn
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Osgênerosliteráfios A poesiae o gênerolírico
r30 131
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Os gênerosLiterários A poesiae o gênerolírico
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Osgêneroslitetátios A poesiae o gênerolírico
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Osgênerosliterários
A poesiae o gênerolírico
Tüdo o que faz aí o romancista irlandês é retomar
mesmo movimento, as vias da imaginação.Essa
uma classiffcaçãoque nasceuna era clássica,que encon- distin_
ção, que re-introduza relaçãocom a mimue,opõe:
trou sua teorização com Schelegelou Hegel e que se
impôs de tal forma no séculoXX, a ponto de criar uma
"(...) por um lado,um discursoque deveser lido no
tradição cuja virtude principal é responder a um gosto nível de sua literalidadecomo uma pura confìgura_
pronunciadopela harmonia ternária. ção ffinica, gráfìca e semântica,., po, outro Iado,
O processode tal classifìcação será instruído em um discursorepresentativo(,,miméiico"),
que evo_
nome da fidelidade a Aristóteles (por Genette, por ca um universode experiência."
exemplo),em nome da pertinência,também,posto que,
O. Ducrot, T Todorov,op. cit.,p. l9g.
se retivermos o critério da subletividadena repaÉição
dasobras,deveriamser incluídasnessafamília do "eu", Bipartiçãobastanteclara,que servede ponto de
par_
da expansãolírica, todasasobrasde forte coefìcientede tida para as análisesanteriormente evocadas
de Kâte
subletividade,como as confissões,os jornais íntimos, as Hamburçr (cfl Cap. t).
memórias,os relatosde infânciaetc. Ora, essasobrasde Sem ir mais adiantena reflexãoteórica, recapitule_
naturezaautobiográfìca,essencialmente em prosa (essaé mos algumasconstatações preliminares(algumasdelas
mesmouma dasregrasenunciadaspor Philippe lejeune serãoretomadas):
em O pacmaunbiogr$co),dificilmente podem, nas clas-
siftcaçõesmodernas, ter a pretensãode encontrar um - o gênero poético não goza,nos textos fundado_
lugar na categoria"poesia". r!!, de um estatuto próprio que lhe permitiria
ser colocadoem pé de igualdadecom os gêneros
3. O critério de não-ficção narrativo ou dramático;
- a maneirade dar à poesiauma consciência,,ge_
Uma outra maneira, bastanteligada à precedente, nérica" operou-sepelo viésda noção de ,,liris_
de defìnir a obra lírica (e poética) é a de levarem consi- mo", que marca um modo de enunciação(o
deraçãosua aparente recusada ftcção. Se o poeta, tal poeta exprime-seem seu nome), uma temática
como ele é representadonessegênero,tira a inspiração (eÌe exprime seussentimentospessoais)e uma
de sua própria subletividade,é que ele abandona,n<r pragmática (sua mensagemé recebida como
uma conffdência);
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Osgênerosliterários A poesia e o gênero lírico
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Osgênerosliteúrios A poesiae o gênerolírico
coisas
"Propriedade que o homem atribui a certas Podem-semuito bem medir a audáciae o progres-
ou seres'em certasocasiões,de despertarnele pr<i- lo: o verso continua sendoconsideradocomo um refe-
prio o estadoPoético." rencial de base, mas outros procedimentos de escrita
afabéticoe analógittt
Robert,Dicionátio ,,combinações
Passamtambém a ser mobilizados(as
1962'
da línguaJrancesa, verbais")e sãoassinaladas novasprioridadesde natureza
çrtilística e lingüística.
rll
Nesta acepçãopodem ser julgadosportadorcs
ttttt Os componentes tradicionais
poesiauma palavra,um sentimento,uma paisagem'
ott
q.rudro,uma músicae tudo aquilo que fala à alma 'rn
Essasdefìniçõescom certezanãopermitem identift-
e é capat-decriar um "estadoafetivoparticrrl'rt"
"oruçao de maneiraabsolutaa poesiaem suauniversalidadee
Qbiden). le. Entretanto, elas nos orientam, numa pers-
Essaextensãodo nome "poesiatte do adietivo"1rur=
geral, para que determinemosalgumascaracte-
tico" a objetosdiversos,aosquais se atribui unt tttlrt estéticas.Vamosnos deter sobrequatro:
ttnobrezatt,de t'prestígiott,não ajudancrrrttttt
gau de
do masrevigora-onívt'lcrrl't
lorr"o na definição gênero,
iirudo por Aristóteles,que opõe numa obra trtrrgt'til
ÊXlsteum elementoque permite ao profano reconhe-
' superior a um grau inferior'
rlc c8pontaneamente uma forma poética, esta certa-
Se desejarmosaprofundaro primeiro elctttrttlrr
le é a estrutura versiftcada.A utilização do verso,
definiçao fornecido por Littré, podemos corrr;rlr'l'1
ãeimpõe como um meio de identificaçãoelementar,
com precisõesdadasPor seusucessor: uma organi:zação em dois níveis:no nívelmétrico.
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Os gênerosliterários A poesiae o gênerolírico
pelo comprimento do verso, e no rítmico, pela organiza- gem. No capítulo XXI de A poética,fuistóteles lembra,
da rima' aliás,os méritos da metiíforae dasfìgurasda analogia.
ção das sonoridades e pelo emPrego
Nosso objetivo, evidentemente, não é o de retomar
. A prosódia
aqui em detaÌhes a versificação' quer seja ela estudada
em seu aspecto histórico (as origens do verso) ou em sctl O discursosobrea poesiageralmenteenfatizaasrelações
aspecto taxinômico (a codifìcação em matéria de metro' de parentescoque estapossuicom a música.Na própria
de rima, de ritmo). Reconheçamos,antes de mais nad'r' oriçm do ato poético, encarnadopela Íìgura mítica do
no verso e nas leis prosódicas,uma imposição da criaçao poeta da Trácía,Orfeu - cujo canto, acompanhado
que pode ter uma virtude estimulante' pelos sonsde sualira, conseguiaencantaro universoin-
teiro -, percebe-seessavocaçãomusical.A ldade Mé-
. Aimagem dia e a Renascença continuarama atribuir territórios
A poesia, como as outras formas literárias, é uma at'lt' comunsà poesiae à música,sendoo versofeito para ser
mimética, cuja particularidade consiste em rePresentilt d declamado,salmodiado,acompanhadopelo ritmo, tal
realidade por vias oblíquas, através de figuras qu(' 5'ìrl como reclamavaRonsardi
principalmente comparações,metáforas, metonírrri'tt
Antes mesmo do aparecimento de uma poesia "visiott'i "Pois a poesiasem os instrumentos,ou sem a graça
de uma única ou de váriasvozes,de forma algumaé
ria", datada aproximativamente de Rimbaud ("Sott Irrtn
agradável,nem tampoucoo sãoos instrumentos,sem
tre em fantasmagorias")e desenvolvidapelo surrcillirtrtil
seremanimadospelamelodiade uma prazerosavoz."
("4 imagem é uma criação pura do espírito", I'iltte
Reverdy,Nord-Sud),podemos incluir a analogia(rrr'risrrtl Breviário
da artepoéticaJranceso,
1565.
menos audaciosa)entre os meios essenciaispara 'l ll'lltr'-
formação de uma ìinguagemprosaica (fundamt:rrt'rrlate Nem semprea relaçãocom a músicaseráreivindica-
denotação) em linguagem poética (enriqucc'irl'rlrela 'dEde maneiratão direta.O romantismoe asépocasse-
("Â
conotação). A furmula de Horácio "(Jt picturupot'rtr" tulntes reclamaram,sobretudo, uma musicalidade do
rle€= obtida pelosefeitosrítmicos e Íônicos.O conse-
poesiaé como a pintura") lembra a missãomir-rrí'ti'I
sa arte, mas não bastapara traduzir os "desvios" ltrorltt*i= de Verlaine no início de sua Arte poéticaé admitido
dos pela língua poética, especialmente atrav('srl't lttte' uma das leis do gênero:"Música, antesde mais
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Osgênerosliterários A poesiae o gênerolífico
nada." Com exceçãodas experiênciasda vanguarda,a preciso. EIe é um ato dirigido para algo que quere_
regra da musicalidadeseráuma das menos contestadas mos atingir. (...) A dançaé totalmentediferente (...).
da linguagempoética. Ela não se dirç a parte alguma."
.,Poesia
e pensamentoabstratotr,Oóras,
o A intransitividade tomo [, Gallimard,col. J,Bibliothèque
de la pléiade",p. 1330.
Contrariamenteà Ìinguagemtradicional,encarregadadr'
transmitir uma mensagemtendo em üsta a comunica- Esseretorno a si mesmada poesia,essa,,autofelici_
ção, o texto poético contém em si mesmo sua própri.r dade" (elaé seupróprio fìm) dão a ela uma qualidadede
fìnalidade.É tr.s" sentido que RomanJakobson,anali: perfeiçãogratuitacondensadaem suaformajcomo dizia
sandoa comunicaçãolingüística,fala de "função poéti= tambémValéry:
ca" para designara parte centralizadasobre a própri,r
"O poema não morre por ter viüdo: ele é feito ex_
mensagem(cf. Ensaios geral,Ed. de Minuit)
delingüística
pressamentepararenascerde suascinzase tornar_se
A poesiase diferenciadasoutrasexpressões lingüístit,rrt
de novo indeffnidamenteaquilo que acaboude ser.
por uma "dosagem"maisforte de funçãopoética.EI,ró,
A poesiaé reconhecidapor essapropriedadeque
antesde mais nada,trabalho sobre a linguagem;r'l,rê
consisteem tender a se reproduzir em sua forma:
ornamentogratuito que se desviado falar comurrt,,la ela nos incita a reconstituí-la identicamente.Eis aí
linha reta, do caminho regular. uma propriedadeadmirávele, entre todas,a mais
.
SeÍìzermoscomo Malherbe,que comparavaa l)trf tt
característica.
a poesiaà dança,r'otttu
sa ao caminhar,assimilaremos
Ibidem,p.1331.
gostavade sugerirValéry:
Sabe-seque Mallarmé, admirado e comentadopor
"De fato, enquantoo caminharé, em suma,tuttË ry, sonhavacom uma línguaoriginal que, liberta das
atividadebastantemonótona e diÍicilmente npcrlel= práticas,pudessese oferecerao uso poéti_
çoável,essanova forma de ação,a dança,1ret trtltc numa virgindadeabsoluta.EIe preparavaassimtodas
uma infìnidadede criaçõese de variaçõesou lìgr'ü tlrnsgressõesda poesiamoderna em buscade uma
(...). O caminhar,como a prosa,visaa uttt 1llrl€FB brilhante visivelmenteliberta da necessidadede
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Osgêneroslìterários A poesiae o gênerolírico
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A poesiae o gênerolírico
Osgêneroslitetórios
te classificadasem categoriascujas mais importantes
que se aPresentava
trabalho lento, ou por FrancisPonge' elasilustram: o gênerodramático (e mais
características
O que não tira nada
como um "fabricador" de poemas' especialmentea traçdia) e o gêneronarrativo (e a epo-
chlma de "encan-
da força mágicado poema (que Valéry péia);e issosem falarda sátira,que classiffcaríamosnum
que Rimbaud recla-
io"), ,r"rn ã cupa.idude "üdente" "gênero" especialcomo o ensaio.
do inconsciente
mava Para o Poeta' ou dos poderes A abordagemempírica pode guiar nossaescolha:
exploradosPelossurrealistas' cssasobrasde estatutohíbrido vão se orientar em dire-
ção da categoriagenéricacom a qual elascompartilham
[I.AS FORNTASDAPOESIA o maior número de traços comuns, de ttconvenções
eonstituintes",para empregaruma expressãode Jean
l. Adelimitação do gênero Marie Schaeffer.Porque a cançãode gestaconcentra o
ial das característicasda epopéia,classificaremos
respeitoao gô:
As hesitaçõestaxinômicasque dizem canção de Rolandona família narrativa.Porquena peça
quadro de uttt
nero poético' que se tornou o terceiro Racineo aspectodramáticosobrepõe-se(pelo menos
atribuído a Aristri
,rçrt"o .ômodo, fraudulentamente intençãodo autor) à dimensãopoética, concordare-
aporia embaraços't'
teles, colocam-nos diante de uma em classificarBerenice como teatro. Mas nada nos
qï
pois, forçando o modelo 9e8o, Parece "1"Ï:l:]:,' Íbe de recuperaressasduasobraspara fazercom que
trllr
po.ri" nívelgenéricoqu: a epopéiaou a um gênero poético ao qual elastambém estão
"o -".*o distingue-seesscttt'i'rl por certasmarcasdistintivas.Mesmo que todosos
dia. Ora, mostramosqi" u po"'iu
d" fot-u; além do mais' t:l't l;ir enumeradosanteriormente para definir o gê-
Por uma difere"ça
erÌìlfl t'E
-"*.
u de exprimir-sePor tons variadosque poético não estejamreunidos, especialmenteo da
"r"olitu ao lado da pocsi'rlÍi I idade,posto que essasobrasnão são,em si mes-
tam elemento,à" diu""o' gêneros:
a falar- e tlt' :'tl'tr seupróprio Íìm e desejam,por meio de um enun-
ca- da qualvoltaremosrnaisadiante
e uml polalà poético, transmitir uma mensagemprioritária.
variantes,existem uma poesiadialogada
Berenice'A r'utyít Semdúvida temos aí outra ilustraçãoda fragilidade
épica,sem falar de uma poesiasatírica'
csrtl- Pretenso"gêneropoético". Claro, vimos e repetimos
deRolando,Os sátiros(de Boileau)são'de fato' obrls
em váriosaspct'loa'rls e Interpenetraçãodos gênerosé coisa corrente (a
tas em versose não desprovidas'
obrasforam logir''ttttstt- pode introduzir-se no teatro, o diálogo pode
autênticacargapoética'Ora' tais
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Osgênetoslitetários A poesia e o gênero lírico
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Osgêneroslitetários
L A poesiae o gênerolírico
poemas
tica particular e distingue-se'nessesentido'dos Em meio às formas regularesque se mantiveramno
e que são
."-pr" regidos Por regrasquaseintangíveis decorrer do tempo, duas merecem ser analisadascom
ã" "for*u fìxa"' Essestextossãoconstituídos maior destaque:a baladae o soneto.
"hu-udo, que determina
a partir de um esquemapreestabelecido'
das
o número e a naturezadas estrofes,a disposição o Abalada
rimas, o comprimento dos versos' Sua regularidade
sustentá- É um poema de forma ftxa que apareceupor volta
baseadaem repetiçõese simetriasfornece um
do séculoXIV e era, originalmente,acompanhadode
culo mnemotecnico.Elesformam famíliashomogêneas'
desigualmente representadas no decorrerda histórialite- músicapara dançar(balìare,em italiano). EustacheDes_
dcr champ, Charlesd'Orléans, Guillaume de Machaut,
rária, que seriammais apropriadamentechamadas
ditos' FrançoisVillon foram os primeiros a impor essaformal
"subgêneros"e não de "gêneros"propriamente
e st'
Águ-ut dessasformas fixas são muito antigas rejeitado pelos poetas da plêiade, a baladavoltou à
betefiáuru*, em diferentesépocas,de uma admiraçãtr moda, com a corrente dos preciosos.
Média' <r
especial.Assim,por exemplo,durantea Idade A baladapode ser compostaem estrofesde oito ver_
,orda lpo.rnu fechadosobreele próprio' e no qrr'rl Bosarrematadospor uma última estrofede quatro versos
".rrro, de r<trr
é intercaladoum refrão), o virelai3(outra forma (como em A balada dasdamasdo tempode outroro, de
de oito vt'l
dó, mas sem refrão final), o tioleÚ (poema Villon), sejapor estrofesde dezversosque se terminam
csse:'
sos em duas rimas) e ainda o lais ou a villanelle'6 lor uma de cinco (como em A baladadoserlforcados, do
últimos exemplificadospelas obras de Guillaumc '1.' mesmo Villon); o conjunto construído com três rimas
Pisan'
Machaut,Charlesd'Orléansou Christine de Cruzadasou enlaçadas,com um verso em forma de
reaparecendono Íìnal de cadaestrofe.
colÌì {ltl'li
ããu a" poesiafrancesaantiSa'de versoscuÍtos' Boileaucondenouseu formalismo ultrapassado:
por quut'o uu"õ'' dos quais se repetem(l\ tlírlt
rimas,começando
primeiros.(N. T.)
rllq 'A balada,subjugadapor suasvelhasmáximas,
+ Tioo de poemafrancêscompostode oito versos'o prim('iri)
e o primeiroe o segundo' (lrrlxriÈ
qr;it';;ó;i" depois do tu""i'o, Com freqüênciadevetodo seu brilho ao capricho
do sexto.(N. T.) dasrimas'"
s Ver nota anterior.(N. T.)
6 Poemafrancêscomposto por estrofesde três versose cottt
tr'ílãti' Arte
paéticarcanto
II.
que setermina por uma quadra'(N' T')
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Os gênerosliterários A poesiae o gênerolírico
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Osgênerosliterários A poesiae o gênerolírico
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A poesiae o gênerolírico
Osgênerosliterários
Em suma:o versoestáliwe, masnão é abandonado. "O que torna difícil (e também apaixonante...)a
questãodo poema em prosa é que talveznenhuma
O que também é o casono que diz respeitoà forma hí-
forma poética, em meio àquelasque há um século
inspirado nos modelos bíblicos e
brida que é o versículo
têm tentado render a linguagema novasexigências,
exploradopor poetasmodernoscomo Claudelou Saint-
chegaa pôr em jogo com tanta acuidadea própria
John Perse.As restriçõestradicionaisda versificaçãosão noçãode poesia."
abolidas,masuma aparênciade estrofe(ou, pelo menos'
SuzanneBernard,O poemaemprosa,
de um parágafo poético) vem ritmar o texto e, imitan-
de Baudelaireaté nassos
dios, Nizet,
do o "sopro" do poeta, impõe uma estruturaçãocalcu-
1959,p.9.
lada. O corte operadopelo branco atestaa prioridade
poética,como já reivindicava,desde1925,PaulClaudel: A outra dificuldadeliga-seao fato de que a história
literária - 5ehshrdo na era clássica,mas também
ttNãose pensade maneiracontínua,nem tamPou- depois dela - recusa-sea recoúecer como "gênero"
co se senteou vive de maneiracontínua' Há cortes, os textos que parecemescapara uma prescriçãoexplíci-
há a intervençãodo nada (...). Assim é o verso, ta e que se defìnem por um "princípio anárquicoe fun-
essenciale primordial, o elementoprimeiro da lin- dador nascidode uma revoltacontra asleis da métrica e
guagem,anterior às próprias palavras:uma idóia da prosódia".(S. Bernard, ibidem, p. 13.) A apelaçãode
ttpoemaem prosatt,
isoladapor um espaçoem branco." que constitui em si mesm?um oxí-
moro, parece desencorajartoda tentação de busca de
Posições oP.cit.
e proposig/es,
uma definiçãocoerente- o que não impediu os espe-
cialistasda poéticade esboçaremuma estética.
3. O poema em prosa
r Estéticado poema em prosa
A última fasedessaevolução,ponto crítico em qu(' ,l
poesiavem abandonarseustraços formais distintivos Através das definições fornecidas por Suzanne
para ultrapassaruma linha de delimitaçãoque a distirr Bernard,poderíamos,na falta de uma defìniçãoa priori,
gue de um gênero rival, é finalmente atingida colìl íf Cnumerarempiricamente algumasleis artísticas dessa
poemaem prosa.O fato é realmenteimportante, poslrr práticade escrita.Por exemplo:
que setratade tocarem nadamenosque a identidatlt'rla
- Uma relativaliberdade:
o poemaem prosaé, antes
poesia,tal como reconheceuma eminenteespecialisl,r.
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Os gêneros literários A poesia e o gênero lírico
Mas ele é ao mesmo tempo poema, isto é, uma Toclorov, "A poesiasem o verso',,4 Noçãode literotura,
forma construída, autônoma, breve, intensa (elt' Seuil,col."Points",1987,p. 84.
é um "todo" comprimido e homogêneo), gra-
O quadro acimapareceresolveruma de nossasdifi-
tuita, posto que remete unicamente a si mesm<1.
culdadesaxiomáticas:a classificação
dasobrasao mesmo
- Duaúrmas possíveis:os poemas em Prosa' conì()
tempo narrativase versifìcadas(como a epopéia),ou ao
nos diz Suzanne Bernard, podem ser repartidos
mesmo tempo poéticase em prosa,como o poema em
em duas famílias: por um lado, o "poema ftrr'
Prosa.
mal" (do qual Aloysius Bertrand é o modelo) t:rrr
que se encontram respeitadas as estruturas artís - A enunciaEõo: Michel Sandrasintroduz a idéia de
ticas e "cujos objetivos não são fundament.rl uma caracterização fundamentadasobreo modo
mente distintos daquelesda poesia em verso" (S, de enunciação. Postoqueo "eu" ocupa- como
t'poema revolta", r.' na poesiaversiffcada- um lugar importante no
Bernard); por outro Ìado, o
presentado por Rimbaud, essenciaÌmenteprtrr poemaem prosa,pode-sefazerdele um elemen-
cupado, fora de toda e qualquer lei recorrcrrl, , to distintivo. Ora, nessesenunciados,o "eutt é
em transcrever alucinações, em romPel' r''. "plurívoco", estilhaçado(por meio da ironia,
ttinvett,,-,,,
', por exempÌo),não lírico (ele não passade efusão
"encantos" da poesia,a fim de impor
de desconhecidos". E a "iluminação". ou confidência).fusim, portanto:
- Apresentação/ Ïtrdorov introduz rrrrr'r
representaçõo:
"(...) o poemaem prosapareceter conquistadoum
outra distinção.O poema em Prosase deÍìr'.',1,' lugar de fala que, diferentementedo poema lírico,
acordo com a poesiae em oposiçãocont it tr,tt admite formasde distânciae de heterogeneidade na
t' lt,t,r
ração, devido a seu caráter de apresentaçãr linguagem,mas que, diferentementeda fiíbula e da
Inspirando-se em Souriatt (;l , r,t
de representação. narrativa,exaltaos direitos do indivíduo e toda for-
das artes),o crítico propõe tltìr t pl,t
respondência ma de singularidade."
dro útil para a identificação genérica: MichelSandras, op. cit.,p.149.
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Os gênerosliterórios A poesia e o gênero lírico
como Prefácio ao SPleende Paris' riores à SegundaGuerra Mundial para que se vissem apa-
recer criações originais a ponto de renovarem o gênero.
Elas se inscrevem nas margens do surrealismo, com auto-
A partir daí, a idéia de "modernidade" torltott r'e
res como Pierre Reverdy, Max Jacob ou René Char, ou
um traço distintivo do gênero. Na continuidade <lt' "'r''
ainda com poetas independentes,como Henri Michaux,
célebre carta-prefácio, pode-se ver que Baudelairt' rl'' t'r
Francis Ponge, Saint-John Perseou Léon-paul Fargue.
lhava seu ob;etivo e esboçavauma defìnição estótit 'r:
A aventuraevidentemente ainda não estáterminada,
"Quem é que, em dias de ambição,não sonltotl' "ltr e parece até mesmo que, pela flexibilidade de seusmeios
o milagre de uma prosa poética, musical scltt tiltrlr e pela revolta de sua mensagem, o poema em prosa é
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Os gênerosliterários
A poesia e o gênero Lírico
perfeito para se adaptaràs metamorfosese às inovações como ponto de partida) que apareceu uma escrita não
ãa poesiacontemporânea,PreocuPadaem exprimir pela versificada,mas suficientemente harmoniosa para justi-
escritasuatenazaspiraçãoà liberdade. ficar uma aproximação com a poesia. A moda, então
bastante nova, das traduções (do ìatim, do italiano, do
4. A prosa poética inglês...) confirmou que a poesia poderia existir em
Iugar diferente da rima.
A maneira de romper com a história literária e de
Sob sua forma lírica, essa"prosa poética" encontra-
concluir sobreasmanifestaçõesde uma "poesiasemver-
ria um mestre em Rousseau,que num de seus cadernos
so" (ïbdorov) é deter-senuma forma literária mal cir- de notas perguntava-se: "Como ser poeta em prosa?"
cunscrita (no tempo e no esPaço),tradicionalmente (citado por SuzanneBernard, p.29). Com algumas pá-
ligada ao gênero poético, ainda que ela também faça ginas de / novaHeloísa(1761) e dos Devaneios de um cami-
empréstimosao narrativoe ao épico. Com aquilo que é nhante solitário (1782), ele deu a essapergunta uma res-
chamadode "prosa poética", maisdo que com o Poema posta magistral. Essatendência, constitutiva do que seria
em prosa,parecemlançadasas codificaçõesaxiomáticas chamado de "pré-romantismo", seria prolongada por
rígidase anunciadauma "mistura dos gêneros"de quc Chateaubriand em O gêniodo cristianismo e, especialmen-
trataremosmais adiante. te. em Renée Atala.
É difi.il, de fato, ver um gênero ends - tal com<r Entretanto, não nos encontramos aqui na presença
de palawas- uma forma comuÌÌì de uma verdadeira categoria genérica, posto que a prosa
evidenciaa associação
poética:
da linguagem,a Prosa' encontra-sediferenciadapela
simples afetaçãode uma tonalidade,de um verniz' "(...) só faz integrar uma pesquisa prosódica a um
essencialmenteformal e dificilmente definível,o toquc fluxo narrativo que permanece prevalecendo. (EÌa)
ott
"poético". E na verdadenão é raro, ocasionalmente continua sendo um discurso que caminha para a
de forma contínua, que uma obra literária em prosa tlc frente. em linha reta."
mostras,por seu valor musical,estilísticoou lexical, tlt'
Jean-Louis J oubert, A Poesia,
afìnidadescom o texto Poético. A . C ol i n, 1985,p. 136.
Foi no séculoXVIII (maisprecisamente com 7Zlárrr'r
Acrescentemos, aliás, que se os textos podem apre-
co, de Fénelon, 1699,obra que SuzanneBernardtorrrtt
sentar algumas característicasessenciaisdo poema em
168
t69
.==::-
Os gênerosliterários
A poesiae o gênero
prosa, tal como o define Suzanne lírico
Bernard (,,concisão,
brevidade, intensidade de efeito, "transpor um fato de
unidade orgânica,,),
eles se excluem dessa família,
pelo fato de terem um ïe:to vib:atóriot, ú:,ffi :ï il ï:1ï"ï:m:
conteúdo,,não-autônomor,. Suas ausência e ìugar
qualidades ornamen_ do ser essencial:
tais e formais conferem_lhes
um estatuto especial e pró_
ximo da poesia, mas não chegam
a desrocaro ,,horizon_ Je dis: une;fÌeur! Et, hors
de l,oubli oà ma
te de espera" do leitor em direção ,,autodestruição
Iinguagem" (sartre), que
à
pode constituir a essênciado
dir
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aucuncontoutren
n :;;:iji!
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