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ANÁLISE SETORIAL DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA:

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

IVANA SALVAGNI ROTTA


FERNANDA BUENO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
E-amail: pisr@iris.ufscar.br ou ivana-s@lycos.com, fernanda.bueno@lycos.com

ABSTRACT: Nowadays the rapid pace of economic changes in the world impels companies to
restructure themselves to be able to survive in an extremely competitive market. It is in this context
that the automobile industry is expanding its horizons, growing and becoming highly competitive in
several markets. With respect to the Brazilian automobile sector it is necessary to have a full
understanding of the main characteristics of the sectorial dynamics in order to be able to trace a
profile of this sector including its assemblers and suppliers.
KEY-WORDS: automobile industry, industrial reestruturing, sectorial dynamics, productivity.

RESUMO: Com as crescentes mudanças na economia mundial, as empresas buscam cada vez mais
reestruturar-se para sobreviverem em um mercado altamente competitivo. É neste processo que a
indústria automobilística vem ampliando seu horizontes, expandindo-se e tornando-se altamente
competitiva em vários mercados. No caso do setor automobilístico nacional torna-se necessária a
compreensão das principais características da dinâmica setorial, para se traçar um perfil deste setor
que engloba as montadoras e as autopeças.
PALAVRAS-CHAVE: indústria automobilística, reestruturação industrial, dinâmica setorial,
produtividade

1. Introdução
O setor automobilístico nacional (montadoras e autopeças) recentemente tem passado por uma
profunda reestruturação. Com a abertura do mercado nacional, o acirramento da competição
internacional e outros efeitos causados pela globalização, este setor viu-se obrigado a procurar novos
métodos e formas para superar tanto suas defasagens tecnológicas, como organizacionais em relação à
outros países, principalmente Estados Unidos, países Europeus e mais recentemente o Japão.
Este trabalho tem como objetivo traçar um perfil e fazer uma breve análise deste setor,
apresentando para isso as principais características da dinâmica setorial. Em uma primeira etapa será
apresentada a evolução e a caracterização da indústria automobilística mundial. Em seguida, tem-se um
breve histórico da indústria automobilística nacional, destacando-se os fatos mais relevantes deste
período. Em outra etapa, analisa-se a situação atual das indústrias montadoras e autopeças no Brasil, e
descreve-se detalhadamente suas principais características da dinâmica setorial. Também é abordada a
atual reestruturação produtiva no país. Na última etapa, são apresentadas as considerações finais à
respeito da análise realizada.

2. Caracterização da indústria automobilística


A indústria automobilística mundial é constituída de dois grandes complexos responsáveis pela
produção de veículos automotivos: as montadoras e os fornecedores de autopeças. Assim, a indústria
automobilística será caracterizada sob duas óticas.
Entre suas principais características, tradicionalmente tem-se a concorrência baseada
preponderantemente na diferenciação do produto, a presença das mesmas empresas nos diversos
mercados nacionais, elevados graus de concentração e uma tendência de desverticalização no longo
prazo. O elevado grau de concentração pode ser constatado, quando apenas dez empresas são
responsáveis por 75% da produção mundial (daí ser um oligopólio) e os principais países produtores e o
número de montadoras de automóveis varia de 2 a 9,o que significa que em média as três maiores
fabricantes de cada mercado respondem por 83% da produção total (BEDÊ, 1996, p.83).
A Tabela 1 explicita isso com dois indicadores de concentração: O CR3 (razão de concentração
das três maiores empresas) e o Herfinfal-Hirshnan (HH - calculado pela soma dos quadrados das
parcelas relativas de todos os fabricantes) calculados para cada país:

Tabela 1 - Indicadores de concentração da produção de automóveis nos principais países produtores, em


1992.
PAÍS Produção Total – 1992 Herfindal CR3 Número de Montadoras
Japão 9.378.694 0,19 0,64 9
USA 7.082.000 0,33 0,90 9
Alemanha 4.863.721 0,20 0,67 7
França 3.329.490 0,50 1,00 2
Espanha 1.790.615 0,28 0,70 9
Itália 1.476.627 0,58 0,92 8
Coréia 1.306.752 0,37 0,91 6
Reino Unido 1.291.880 n.d. n.d. 8
Canadá 1.034.197 0,27 0,77 6
CEI 930.000 n.d. n.d. n.d.
Brasil 815.959 0,37 1,00 4
México 788.599 n.d. n.d. 4
Média simples - 0,35 0,83 7
Fonte: BEDÊ (1996)

Além desse caráter oligopolista, o mesmo autor dá outra classificação para a indústria montadora
de veículos: é um monopsônio pois estas empresas detém “exclusividade na fabricação e
comercialização de suas marcas e modelos de veículos” e também por trabalharem com especificações
específicas de peças e componentes.
O segmento ainda pode ser caracterizado por economias de escala multi-planta, instalando plantas
junto ao mercado consumidor, especificando suas estratégias de propaganda e marketing de acordo com
os hábitos de consumo de cada região. A vantagem dessa estratégia encontra-se na área de abrangência
da empresa, ou seja, se esta possui uma maior área de abrangência maior será seu retorno de consumo.
Outra peculiaridade das economias multi-planta é a concentração dos investimentos em P&D no
desenvolvimento de produtos que poderão ser comercializados em qualquer lugar do mundo.
As economias multi-planta empregam-se com sucesso em grandes empresas com elevado poder de
mercado, pois para estas é vantajoso instalar unidades em outros lugares do mundo na medida em que o
custo de capital para elas é extremamente inferior ao custo para empresas sem essas características. O
custo de cada unidade de produção torna-se efetivamente mais baixo com a construção de uma nova
planta. Isto porque quanto maior a empresa menores são os riscos a ela relacionados. Em primeiro lugar
porque as unidades são instaladas em mercados distintos e não correlacionados, assim é fácil de
entender que seus riscos são inferiores aos de uma empresa cuja estrutura total situa-se em um único
lugar, vulnerável às condições econômicas do mesmo. Além disso, o risco de interrupção da produção
(por exemplo em casos de greve) é menor.
Mais especificamente para a indústria montadora a estratégia de multi-plantas se dá através da
“instalação de linhas de montagem de veículos CDKs (completamente desmontados), pelo
estabelecimento de subsidiárias (unidades de negócios incumbidas da fabricação e montagem) e pela
formação de joint-ventures com firmas já estabelecidas nos países de destino. Nos últimos tempos as
joint-ventures têm sido utilizadas com maior freqüência em função das resistências ao crescimento das
importações de veículos e como alternativa de absorção de novas tecnologias”(BEDÊ, 1996, p.80).
Até o início dos anos 90 a estratégia predominante de concorrência das empresas desse segmento
era de diversificação de modelos e de diminuição progressiva do ciclo de vida dos veículos. Atualmente,
visando economizar recursos de desenvolvimento e aumentar a eficiência da produção, as montadoras
estão reduzindo esse ritmo e concentrando-se na estratégia de diferenciação dos produtos, como bem
disse BEDÊ (1996). Isso é decorrência da reestruturação produtiva iniciada com a difusão do sistema
de produção enxuta, que se traduz na corrida das montadoras em busca de capacidade competitiva1.
Antes de fazer menção à essa reestruturação produtiva, é importante caracterizarmos o segmento
de autopeças, visto que aquela abrange toda a cadeia produtiva. Na ótica dos fornecedores de autopeças
o segmento é caracterizado pela heterogeneidade das empresas que o compõem. Heterogeneidade quanto
a tamanho, capital constitutivo, capacidade tecnológica e mesmo quanto a produtos e processos.
O setor de autopeças é dominado por um grande número de pequenas e médias empresas
(PMEs). Nos EUA estima-se que por volta de 15.000 PMEs fornecem diretamente para as montadoras,
e no caso de alguns países europeus, a participação de empresas com menos de 100 empregados
representa até 55% do mercado (POSTHUMA, 1996). Apesar disso, em 1991, 30 empresas dominavam
mais de um terço da produção mundial, caracterizando o setor como altamente concentrado.
Na verdade, o setor de autopeças, devido sua interdependência com as montadoras, potencializa
alguns de seus caracteres. É por isso que as grandes fornecedoras de autopeças dos Estados Unidos,
Europa e Japão instalaram-se no exterior na mesma época em que se deu o processo de
internacionalização das montadoras.
A heterogeneidade quanto à constituição do capital pode ser exemplificada pelo Brasil, em que a
maioria das grandes empresas é constituída por capital estrangeiro. Já as pequenas e médias empresas,
que se apresentam em maior número que as citadas anteriormente, são de capital predominantemente
nacional e de controle familiar.
As pequenas e médias empresas possuem um baixo grau de sofisticação e capacitação tecnológicas
em contraposição aos grandes investimentos em P&D realizados pelas grandes empresas.

3. Evolução da indústria automobilística no Brasil


Em 1919, quando a Ford instalou sua primeira unidade no Brasil e seis anos depois a General
Motors, em seus planos administrativos não estava incluída a produção nacional de veículos
(carros/caminhões eram apenas montados e a maioria de seus componentes eram importados).
A partir de 1956, com a migração de outras empresas montadoras estrangeiras (americanas e
européias) acompanhadas por empresas fornecedoras de mesma origem de capital, essa realidade
começa a ser alterada. Tem-se uma nova fase, onde as características da expansão passam a delinear
um processo de industrialização pesada. Este tipo de desenvolvimento implicou em um crescimento
acelerado da capacidade produtiva do setor de bens de produção e do setor de bens duráveis de consumo
antes de qualquer expansão previsível de seus mercados (MELLO, 1991).
As estratégias de produto no país que até os anos 70 eram vinculadas diretamente as estratégias
das matrizes, passam a ser menos dependentes e ganham mais espaço, gerando com isto um mix de
produtos no qual predominavam os veículos brasileiros. Isto é, aqueles fabricados exclusivamente aqui
e portanto desvinculados dos principais avanços da indústria a nível mundial (COMIN, 1996). Além
disto este período foi marcado pela verticalização das montadoras brasileiras.
No início da década de 80, a indústria automobilística apresenta um pico de produção, e em
seguida inicia-se um longo período de estagnação, evidenciado pelo alto grau de obsolescência da
indústria nacional, e pela necessidade de mudanças nos padrões de desenvolvimento, assim como a
necessidade de uma reestruturação industrial que se inicia no início dos anos 90.
O setor observa uma significativa recuperação a partir de 1992, ano em que foi instituída uma
articulação institucional no âmbito da Câmara Setorial Automotiva, reunindo empresários de toda a
cadeia automotiva, sindicatos de trabalhadores e representantes governamentais. Por ter possibilitado
grandes avanços para a Indústria Automobilística Nacional, reservamos um item desse trabalho para
tratar dessa instituição. Entre as negociações realizadas na Câmara Setorial, tem-se a redução dos
preços relativos dos automóveis (média uma redução de 22% nos carros de passageiros) e a isenção do
IPI para carros populares (1000cc). Como conseqüência tem-se o recuo dos preços dos automóveis em
relação à média das outras mercadorias , com um impacto benéfico sobre a demanda.

1
Cabe aqui expor os três níveis de competitividade distinguidos por FERRO (1993): Fatores internos às
empresas, fatores estruturais e fatores sistêmicos.
Outro fato importante a ser lembrado é a o aumento significado das vendas de carros populares,
com preços relativamente mais baixos e os prazos de financiamento maiores, levando então a uma
mudança na composição da demanda das empresas. Isto significa que nos anos 90 a concentração da
demanda ocorreu em carros populares, ao contrário dos anos oitenta onde a concentração dava-se em
carros médios e de luxo.
Assim, analisando-se o período entre 1974 e 1993, percebe-se que a produção da indústria
automobilística brasileira permaneceu em torno de um milhão de veículos anuais, com o faturamento
líquido anual acima dos 9 bilhões. Em 1993, a produção subiu 30% em relação ao ano anterior,
marcando uma inflexão na série que até então seguia o movimento de recuperação gradual e em 1994
tem-se um ano de recordes. As expectativas para 1995 eram da expansão de 15%, levando a produção
para a casa de 1,8 milhões de unidades. Esses números são representativos, pois significam a retomada
do mercado de automóveis no Brasil. Em 1996, tem-se um ligeiro recuo de vendas com as medidas de
contenção ao crédito estabelecidas pelo governo, e em 1997 o volume de autoveículos vendidos no país
cresceu cerca de 26% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Atualmente, a reestruturação do setor, tem produzido resultados considerados contraditórios.
Isto ocorre, porque ao mesmo tempo que “...o setor apresenta sucessivos recordes de produção, aumento
de produtividade, multiplicação dos investimentos, construção de novas plantas e modernização dos
produtos; observa-se também uma poderosa rede de benefícios estatais, aprofundamento do grau de
internacionalização do setor, desagregação da malha de pequenas, médias e grandes indústrias nacionais
de autopeças, enfraquecimento dos centros de desenvolvimento e pesquisa locais, reduzida atividade de
transferência de tecnologia e a diminuição constante dos postos de trabalho ao longo de toda cadeia
produtiva” (SALERNO, 1998, p.17).

Quadro 1: Trajetória da indústria nos anos 90


1990-1991 1992-1993 1994 1993-1996 1996-1997
ª Abertura da ª Câmara Setorial ª Estabilização ª Recordes de produção ª Guerra fiscal
economia ª Tentativas monetária e de vendas ª Volta do
ª Quebra do tripartites de ª Mercosul ª Novos investimentos Estado como sócio
protecionismo elaboração de política ª Regime ª Novas fábricas da produção
tradicional industria automotivo ª Novas marcas ª Crise das
ª Retração de ª Início da ª Intensificação da ª Crise e concentração bolsas dos
produção e reestruturação modernização em autopeças programas de
vendas ª Novo estilo de ª Diminuição da ª Internacionalização de investimentos
ação sindical incerteza produtos/ insumos/ particularmente
ª Diminuição das ª Ampliação dos produtos coreanos
greves gerais do setor mercados
Fonte: SALERNO et al. (1998)

4. Indústria automobilística - situação atual


Atualmente o Brasil esta vivendo uma nova fase de industrialização, que poderá alterar
profundamente a base estrutural do setor automotivo. A realidade do mercado interno atual apresenta
vários fatores importantes que ajudam a explicar o aquecimento do mercado interno, entre os quais
encontram-se: a modernização dos produtos (as montadoras passam a intensificar o lançamento de
novos veículos, realizando novos investimentos), e a disponibilização de modelos importados e a
renovação dos modelos ofertados pelas montadoras instaladas no Brasil( reforço das estratégias
mercadológicas exercendo um impacto no mercado como um todo).
Neste contexto as empresas montadoras apresentam um aumento da produção e da
produtividade; a multiplicação dos investimentos na construção de novas plantas, devido ao crescimento
do mercado e seguindo as normas estabelecidas pelo regime automotivo, ou seja, um conjunto de regras
que tem por objetivos imediatos neutralizar os efeitos de atração de investidores (Argentina) e estimular
a expansão no Brasil., sendo que este regime, ratifica a margem de proteção e estipula incentivos
fiscais; a modernização dos produtos, com o lançamento de novos produtos e um o aumento dos
investimentos; e uma poderosa rede de benefícios estatais, fazendo com que ocorra um aprofundamento
do grau de internacionalização do setores, que traz como principais conseqüências a desagregação da
malha de pequenas e médias e grandes indústrias nacionais de autopeças, o enfraquecimento dos centros
de pesquisa locais, a reduzida atividade de transferência de tecnologia e a diminuição constante dos
postos de trabalho em toda a cadeia. É importante observar-se uma grande elevação das importações,
em média 75% ao ano
Estas montadoras utilizam como suas principais estratégias de concorrência: a segmentação de
mercados; a diferenciação de produtos através da “força” de suas marcas; a diversificação; presença
das mesmas empresas nos diversos mercados nacionais (multiplantas); elevados graus de concentração
(tabela1), caracterizado pela presença de um pequeno número de empresa multinacionais de grande
porte ou produtores (oligopólio), realizando acordos tácitos (coalizões tácitas); tendências de
desverticalização no longo prazo; desconcentração espacial; barreiras de entrada: substancial
rebaixamento das barreiras à entrada no mercado; e economias de escala.
Além disso, as montadoras também utilizam com freqüência estratégias de propaganda persuasiva,
que tenta induzir o cliente a compra de um determinado automóvel, e informativa que transmite ao
consumidor algumas informações consideradas relevantes para a compra de um determinado modelo. O
tipo de propaganda varia de acordo com o público alvo. Também são utilizadas estratégias de
marketing.
No entanto, é importante se observar uma característica importante que diferencia o mercado
brasileiro dos outros mercados são os investimentos na produção e o demanda por carros populares. As
montadoras concentram a sua produção em carros populares e pequenos responsáveis no primeiro
semestre de 1997 por respectivamente 61% e 69% das vendas internas de automóveis nacionais. No
período de 1996—1997 as empresas intensificaram também a introdução de versões mais sofisticadas
de carros pequenos.
Tabela 2 - Indicadores de produção e graus de concentração de indústria automobilística no Brasil, em
1997.
PAÍS Valor Absoluto Porcentagem
Volkswagen 717.002 30,80%
Fiat 636.918 27,40%
General Motors 525.254 22,60%
Ford 320.109 13,80%
Outros 126.489 5,40%
TOTAL 2.325.772 100%
CR (4) 0,95 2.199.283
HH 2.401
Fonte: ANFAVEA, 1997.

As principais empresas montadoras instaladas atualmente no país são a Volkswagen, Fiat, GM


e Ford, e cada vez mais tem-se novos investimentos no mercado interno de outras multinacionais, tais
como a Asia Motors, Audi/VW, BMW, Chrysler, Hyundai, Honda, Mitsubischi, Peugeot, Toyota, pois
o Brasil representa um mercado atrativo.
No caso das empresas fornecedoras de autopeças, a situação foi modificada com a vinda das
montadoras norte-americanas e européias que foi acompanhada por empresas fornecedoras com a
mesma origem de capital. Mais tarde, com o início do processo de desverticalização, tem-se à formação
de uma forte indústria de autopeças de capital local. Algumas destas, comprando de tecnologia de
tradicionais fornecedores europeus e norte- americanos.
Particularmente no Brasil na segunda metade dos anos 50, tem-se elevados índices de
nacionalização e barreiras às importações até 1990. Isto fez com que algumas autopeças de capital
predominantemente nacional, ou seja com 80% sob o controle do capital nacional, e com geralmente
pequeno e médio porte (até 500 funcionários) tivessem a oportunidade de se estabelecer no mercado.
As autopeças passam por uma queda na demanda dos mercados de reposição e das montadoras
nos anos 80, devido à crise econômica. Assim, as empresas reagiram buscando o mercado externo e
cortando seus custos. Neste período são eliminadas as empresas que não conseguem reagir em um a ou
outra direção, como por exemplo pequenas empresas sem a tecnologia adequada. Em 1992, inicia-se um
período de gradual recuperação e em 1993 tem-se um aumento de 30% na produção. Entre as principais
características gerais deste setor tem-se: multiplicidade de mercados - vendas para montadoras (65%),
mercado de reposição (20%), exportações (15%) e para outros (5%); reduzido número de firmas em
cada um deles (mercado original) - os fornecedores de primeiro nível comunicam-se diretamente com a
montadora, fornecendo geralmente um sistema de componentes ou um subconjunto, sendo que alguns
fatores tais como preço, tecnologia de produto, adequação ao uso e prazo de entrega são importantes
nas decisões de compra das montadoras; elevado grau de concentração na maior parte dos itens de
autopeças, sendo que 48% dos produtos apresentam um único fornecedor; localização geográfica -
tendência à desconcentração espacial; heterogeneidade de processos, produtos; tamanho; capital e
economia (escala e escopo); e exportações.
É importante observar-se que o reduzido número de fornecedores por tipo de peça é uma
característica comum a essa indústria em todo o mundo e sendo assim o Brasil segue esta tendência.
Em relação a capacitação tecnológica existem dois tipos distintos de empresas: grandes número de
pequenas e médias empresas, com reduzida sofisticação tecnológica; baixos padrões de qualidade, onde
a concorrência dá-se em preços e a principal área de atuação e o mercado de reposição e algumas vezes
as próprias montadoras e a concorrência dá-se em preços; e grandes fornecedores, com maior
sofisticação tecnológica, padrões de qualidade relativamente elevados, produzindo produtos como
motores e freios. Constituído de montadoras locais (mercado original doméstico), tendo como sua
principal área de atuação a reposição e a exportação. Estas empresas podem estar divididas em algumas
empresas de capital nacional (Albarus) e subsidiárias dos grandes fabricantes mundiais como a Pirelli,
Goodyear, Bosch, etc, com predominância de capital europeu, japonês e norte americano.
As indústrias de autopeças em alguns casos, como já eram fornecedoras das empresa
montadoras e tinham mesma origem de capital, chegaram ao Brasil na mesma época para garantir o
abastecimento destas. Segundo o SINDIPEÇAS (1998), das empresas estrangeiras de autopeças
instaladas, cerca de 63,7% são de capital europeu, 30.9% de norte americano e 5,4% de capital japonês.
Além disso, a influência dos grandes fornecedores internacionais também se estende a várias firmas de
capital nacional. Muitas destas iniciaram sua relação de fornecimento às montadoras locais a partir de
contratos de compra de tecnologia junto a tradicionais fornecedores europeus e norte- americanos
(BEDÊ, 1990). Em 1998, tem-se cerca de 61,1% de capital estrangeiro e 38,9% de capital nacional nas
empresas de autopeças.
No entanto, existem dois diferentes tipos de produtores de autopeças: os inseridos em esquemas
de suprimento hierarquizado, a especialização se dá em grupos de produtos que apresentam elevadas
economias de escopo, visando maximizar os benefícios da capacitação tecnológica acumulada; e os
fabricantes engajados em programas de global sourcing das montadoras, a especialização é motivada
pela busca de economias de escala como forma de incrementar a competitividade em preço.
As autopeças produzem geralmente um grande número de itens, sendo que esta heterogeneidade
dificulta em muitos casos a análise destas empresas., exigindo por outras fontes de informação. A
grande heterogeneidade, particularmente no caso brasileiro, tradicionalmente, esse grau de
verticalização mostra-se ainda mais elevado em função da falta de confiabilidade dos fornecedores de
insumos, em termos de qualidade, volumes e prazos de entregas, o que leva à duplicação de esforços es
escalas reduzidas na produção de insumos. (ADDIS, 1990).
Assim o perfil da indústria de autopeças instalada no Brasil, predominantemente de pequenas e
médias empresas, de capital nacional e de controle familiar, com baixa capacitação tecnológica e com
forte dependência de mercado interno, e dado que o recente processo de abertura tende a colocar a
economia brasileira em sintonia coma s tendências internacionais, é possível afirmar que os impactos
dessa reestruturação tendem a ser bastante fortes em termos de concentração internacionalização,
redução da rentabilidade, no nível de emprego e eliminação e absorção de empresas de autopeças. Já
estabelecidas no país.
A reestruturação, com a maior exposição à concorrência internacional e a adoção de programas de
global sourcing por algumas empresas, exerceu alguns efeitos adversos sob a rentabilidade das
empresas de autopeças.
As principais estratégias de concorrência utilizadas pelas autopeças são: joint ventures (em muitos
casos empresas multinacionais com empresas brasileiras já estabelecidas no mercado como é o caso por
exemplo da Freios Varga e Benteler); fusões e aquisições (geralmente as grandes empresas compram
pequenas empresas de capital nacional); diferenciação (relacionado à marca do fornecedor);
segmentação (um exemplo claro é a estratégia utilizada pela Cofap no que se refere, por exemplo, à
produção de amortecedores. Saem da fábrica unidades do mesmo produto mas com marcas e preços
diferentes: umas com a marca Cofap e outras com a marca Fiat); e especialização/diversificação [as
mudanças exigidas pelas montadoras fizeram com que aumentasse o grau de especialização dos
produtores, visando assegurar a permanência como fornecedores privilegiados e o grau de diversificação
produtiva diminuísse (produtos que apresentam elevadas economias de escopo maximizam os benefícios
da capacitação tecnológica acumulada)].
As principais empresas de autopeças que atuam no país atualmente são: Bosch, Delphi, Eaton
(ex-Clark), Freios Varga (conduzida sob a forma de joint-venture, porém sem alterar a situação de
controle nacional de capital), Magnetti Marelli, Monroe, Rockwell-Fumagalli, Wabco, Benteler:
(estamparia resultante de uma joint-venture com a Mercedes-Benz).

5. – Reestruturação produtiva no Brasil


Além do crescimento do mercado interno, destaca-se a evolução recente da indústria
automobilística no Brasil em um movimento de reestruturação administrativa e organizacional de
grandes proporções. Isto se deve a pressão num primeiro momento pela abertura comercial e em seguida
estimuladas pelas oportunidades e riscos de um mercado em expansão, deram início a um processo
abrangente de mudança centrado na implantação de técnicas operacionais e formas organizacionais
calçadas no paradigma da produção enxuta e o aumento de investimentos na modernização das fábricas
com a ampliação dos níveis de automação e robotização.
Relativo à automação constata-se um aumento do número de robôs, sendo que nas plantas
submetidas a remodelação sua presença cresceu significativamente. Este é o caso da Volkswagen -
Taubaté que passou a ter 120 robôs e a Ford - ABC que de 6 robôs passou a utilizar 96.
As mudanças administrativas incluem o aumento da capacitação da mão-de-obra, a redefinição
do layout das plantas (reorientação do processo de trabalho de linhas para células de produção), adoção
da prática engenharia simultânea, a informatização das comunicações com fornecedores,
concessionárias e matrizes e novos esquemas de relacionamento com os produtores de componentes são
aspectos centrais do reordenamento gerencial.
Em relação aos fornecedores verifica-se a implantação de fábricas de fornecedores em regiões
próximas das linhas de montagem, a instalação de entrepostos dos principais fabricantes de autopeças
dentro das plantas das próprias montadoras (como exemplo: a Fiat de Betim), o aprofundamento das
atividades produtivas, com uma crescente montagem por parte dos fornecedores de primeira linha de
sistemas completos de componentes e a adoção de novas práticas como o consórcio modular. Este é o
caso da Volks de Resende, onde tem-se o envolvimento dos fornecedores de componentes com a
montagem final. Um dos objetivos desta prática é obter, a minimização dos custos de investimento e a
redução drástica de estoques, com custos 20% inferiores aos dos concorrentes. Já no número de
fornecedores é possível se verificar a redução do número de diretos das montadoras (da média de 500
nos anos 80, para 300 em 1994). Um bom exemplo é a Fiat que passou a ter cerca de 170 fornecedores.
Esses são alguns dos princípios do novo paradigma de produção que começam a fazer parte da
maioria das organizações em todo o mundo. O Brasil também inicia essa mudança. Para Herbert Demel
(executivo da Volkswagen do Brasil) “competitividade internacional implica numa série de mudanças, e
para isso, é preciso transformar os produtos e melhorar custos e qualidade. Mas é preciso, acima de
tudo, mudar a cabeça das pessoas” . É com essa filosofia que a Volkswagen do Brasil iniciou seu
processo de reestruturação, implantando um novo sistema de produção em que “aos poucos, as linhas
tradicionais estão dando lugar a grupos autônomos de trabalho” (VASSALLO, 1999, p.63). Além
disso, a descentralização é outra estratégia, tornando cada uma das unidades produtivas aqui no Brasil
em “unidades de negócios independentes”.

6 . Considerações finais
A Indústria Automobilística Nacional, seguindo a tendência mundial, vive desde o início da
década de 90 um processo reconhecido como “Reestruturação Produtiva”, resumida basicamente como
um novo padrão de relacionamento entre as indústrias montadoras de autoveículos e as autopeças. As
transformações na cadeia produtiva continuam ocorrendo em todo o Brasil, aliás essa é uma das
transformações, ou seja, verifica-se um processo de desconcentração espacial tanto das montadoras
como dos fornecedores de autopeças.
Um aspecto importante e, para muitos até contraditório é o fato das empresas da cadeia
produtiva adotarem, ao mesmo tempo, práticas de proximidade geográfica e do global sourcing,
fenômeno que segundo SALERNO et al. (1998) como as bases industriais procuram atingir uma escala
relativamente elevada – como é o caso da indústria automotiva no Brasil, cuja produção é superior a
dois milhões de veículos/ano (1997) – há viabilidade de produção local de significativa parte dos
componentes dos veículos, sendo o global sourcing utilizado pelas montadoras como base de
negociação de preços e como forma de lançar mais rapidamente novos produtos enquanto não é iniciada
a produção local de componentes.
É evidente que, devido à “proteção” dada pelo governo às montadoras e de seu forte poder a
nível mundial, estas acabam ditando as regras do mercado, enquanto que fornecedores de autopeças tem
que se adaptar e se modernizar para conseguir sua sobrevivência e uma posição competitiva. O impacto
da reestruturação da cadeia produtiva tende a eliminar uma parcela da indústria de autopeças local.
Além disso, o elevado grau de exposição à concorrência internacional, particularmente nesse momento
de reestruturação e o reduzido grau de proteção efetiva a que vem sendo submetida a indústria de
autopeças tendem apenas a reforçar, no país as conseqüências negativas deste processo.
Apesar da abertura do mercado às importações, a constatada concentração do mercado
automobilístico nacional não apresenta sinais de mudanças, pois a hegemonia das quatro grandes
empresas no país (VW, Fiat, GM e Ford) é basicamente assegurada por sua forte estrutura de
produção, distribuição e comercialização (desenvolvida desde os primeiros anos da industrialização
brasileira) e suas estratégias de mercado.

7. Referências bibliográficas
ANFAVEA, Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira. São Paulo, Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, 1997-98.
ARBIX, G.; ZILBOVICIUS, M. De JK a FHC - A reinvenção dos carros. São Paulo: Edições
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BEDÊ, M.A. A indústria automobilística no Brasil nos anos 90: Proteção efetiva, reestruturação e
política industrial. São Paulo. 1996. Tese (Doutorado). Faculdade de Economia Administração e
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BEDÊ, M. A . Autonomia e mudança tecnológica na indústria brasileira de autopeças. São Paulo.
208p. São Paulo. 1990. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade, Universidade de São Paulo.
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