Você está na página 1de 21

VIA SACRA

O HOMEM DO MANTO

De

PABLITO TORRES

1
O HOMEM DO MANTO

De Pablito Torres

UM HOMEM SE APROXIMA. VESTE TRAJES DA ÉPOCA DE CRISTO.


OBSERVA AS PESSOAS AO REDOR E FALA EM SEGUIDA.

HOMEM DO MANTO - Ah... Vocês vieram... Pensei que estivessem só de passagem,


mas como se aproximaram. Acho que preferirão ouvir minha história. Há tempos que eu
a quero contar, mas poucos dos que passam por aqui, se interessam em ouvi-la.

Quando a poderosa Roma espalhava seus tentáculos pelo mundo antigo, entre seus
domínios figurava um pequeno lugar ao Oriente conhecido como Palestina, dividida em
três territórios: Galiléia, Samaria e Judéia.

Na Galiléia residia o rei Herodes, um estrangeiro sustentado por Roma, para garantir os
tributos à senhora do mundo.

Na Judéia, o Procurador Pôncio Pilatos representava a figura do divino Imperador.


Pilatos residia na sua capital, Jerusalém, onde o Sinédrio, formado por 71 sacerdotes,
governava os judeus. O templo não era apenas sede da religião dos judeus, onde se
faziam os sacrifícios da Lei, mas também ali se realizava o comércio e a atividade
bancária. Era o centro da vida dos judeus e o símbolo de poder dos seus sacerdotes.

Os presidentes do Sinédrio eram Anás e Caifás, sendo que Anãs, o mais velho, era sogro
de Caifás. A palavra final, entretanto, era sempre do procurador Pôncio Pilatos, homem
autoritário e violento que já havia mandado crucificar 2 mil homens que haviam se
revoltado contra Roma. Era assim que a senhora do mundo controlava seus domínios:
impostos e pena de morte.

Pilatos podia destituir os chefes dos sacerdotes e o rei da Galiléia, Herodes era líder do
partido dos herodianos. Já o Sinédrio era composto pelos saduceus e ainda havia o
grupo dos fariseus. Interesses de Roma e das elites governantes andavam de acordo, e
muitos exploravam os trabalhadores rurais, com impostos: tributos para o templo,
tributos para Herodes, tributos para Roma! Mulheres, pobres e doentes eram proscritos
naquela sociedade de opressão.

E mais! Na Samaria, os samaritanos, povo de origem mestiça, eram vistos como


impuros e inferiores, vivendo a amargura da discriminação! A Palestina aguardava
ansiosamente um messias, homem prometido, que viria acabar com o sofrimento do
povo e expulsar o invasor romano.

Para isso, o grupo dos zelotes fazia atentados e revoltas, na tentativa de levantar o povo
à revolução e unificar Israel como no tempo do rei Davi. Esperavam um novo Davi, em
meio ao calor do deserto e à violência da opressão.

Este é o cenário desta fantástica história! Pagar impostos a Roma e às elites, respeitar as
500 leis de Moisés, viver sob a sandália romana e o dedo dos sacerdotes. Até que um
dia, na Galiléia, surgiu um homem... João!

2
- A CENA CONVERTE PARA PARTE BAIXA DO PALCO, ONDE UM RIO É
VISTO. ENTRA JOÃO E FALA O POVO.

JOÃO – Eu sou a voz que clama no deserto! Arrependam-se de seus pecados e Deus os
perdoará. Isso aconteceu como o profeta Isaías tinha escrito no seu Livro. Alguém está
gritando no deserto! preparem o caminho do Senhor. Abram estradas retas para ele!
Todos os vales serão aterrados e os montes serão aplainados! As estradas tortas ficarão
retas e os caminhos com altos e baixos ficarão planos. E toda a humanidade verá a
salvação que Deus dá. Raça de cobras venenosas! Quem disse que vocês escaparão do
terrível castigo que Deus vai mandar? Façam coisas que mostrem que vocês se
arrependeram. E não comecem a dizer entre vós mesmos – Abraão é nosso antepassado,
porque eu afirmo que até dessas pedras Deus pode fazer descendentes de Abraão! O
machado já está pronto para cortar as árvores pela raiz. Toda árvore que não dá bons
frutos, será cortada e jogada no forno.

SURGE UMA MULHER DO MEIO DA PLATÉIA.

MULHER I – Mas então, o que devemos fazer?

JOÃO APROXIMA-SE MAIS DO POVO.

JOÃO – Quem tiver duas túnicas deve dar uma a quem não tem e quem tiver comida
deve repartir com quem não come.

UM HOMEM SURGE DO MEIO DA PLATEIA. É UM PUBLICANO.

HOMEM I – E eu?

JOÃO DIRIGE-SE AO HOMEM.

JOÃO – Tu, publicano, cobrador de impostos! Não cobre mais do que a lei manda!

SURGE OUTRO HOMEM DO MEIO DA PLATEIA. UM SOLDADO.

SOLDADO I – E eu, profeta?

JOÃO – Não tome à força o dinheiro de ninguém, nem por meio de falsas acusações. E
fique contente com o ordenado que recebe.

JOÃO DESCE ATÉ O RIO E NENTRA NA AGUA.

JOÃO - Eu batizo vocês com água, mas chegará alguém mais importante do que eu e
ele os batizará com um espírito santo. Com a pá que tem em sua mão, separará o trigo
da palha e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha no fogo que nunca se
acaba!

A MULHER E O HOMEM QUE SE MANIFESTARAM NO MEIO DA PLATEIA,


APROXIMAM-SE DE JOÃO PARA SEREM BATIZADO. ENQUANTO JOÃO OS
BATIZA, O HOMEM DO MANTO VOLTA A CENA.

3
HOMEM DO MANTO – Ele ficava lá, sozinho no deserto, comendo gafanhotos e
batizando que o procurava. Criticava duramente Herodes e os herodianos. Até que num
outro dia, aconteceu...

O HOMEM DO MANTO SE AFASTA. JOÃO BATIZANDO O POVO, POR


IMERSÃO. SURGE JESUS EM MEIO A PLATEIA. JESUS GRITA DO MEIO DA
PLETEIA, ENQUANTO SE APROXIMA DE JOÃO. A MULHER E O HOMEM JÁ
BATIZADOS, SE AFASTAM E SAEM DE CENA.

JESUS – João!

JOÃO, AO VER JESUS, SAI DAS ÁGUAS E SE AJOELHA, ENQUANTO JESUS


VEM EM SUA DIREÇÃO.

JESUS – Você é João Batista? Pois vim me batizar com você!

JOÃO BATISTA, DE JOELHOS, EM SINAL DE RESPEITO.

JOÃO – Eu que preciso ser batizado por você e você é que vem a mim?

JESUS SEGURA A MÃO DE JOÃO BATISTA E AJUDA-O A SE LEVANTAR.

JESUS – Por enquanto deixe como está, porque assim faremos o que Deus quer...

JOÃO BATISTA CONDUZ JESUS ATÉ ÁS ÁGUAS. CENA DO BATISMO, FEITO


POR IMERSÃO. JESUS SAI E PASSA PELO MEIO DO POVO, TOCANDO
SUAVEMENTE EM ALGUMAS PESSOAS, ATÉ SAIR DE CENA. JOÃO
CONTINUA SUA PREGAÇÃO, CHAMANDO A ATENÇÃO DA PLATEIA.

JOÃO – Herodes, rei da Galileia, se veste de ricas roupas, presta sacrifício no templo e
come a Páscoa. Ofendeu a Deus, casando-se com a mulher do seu próprio irmão!
Adultério! Ele se senta á mesa com satanás, comendo e bebendo com o que conseguiu
arrancar dos pobres, ofendendo o nome do Senhor! Mas o dia da vingança está próximo
e o machado vai cortar a árvore que dá mau fruto, pela raiz...

JOÃO BATISTA VIRA AS COSTAS E SAI DE CENA. O HOMEM DO MANTO


RETORNA.

HOMEM DO MANTO – E aquele homem, chamado Jesus, foi então para o deserto. Lá
ia ele, lentamente, até sumir no horizonte. Nunca pude imaginar o que foi fazer por lá...

O HOMEM DO MANTO SE AFASTA DA CENA NOVAMENTE, ENQUANTO


JESUS RESURGE NO PALCO. MUDA A CENA PARA JESUS SÓ NO DESERTO.
TEM CANSAÇO, FOME E SEDE. ESTAVA LÁ HÁ QUASE QUARENTA DIAS...
SURGE SATANÁZ. JESUS, DE JOELHOS NO MEIO DO PALCO, ORA AO PAI.
SATANÁS SE APROXIMA E O RODEIA VARIAS VEZES.

SATANÁS – Jesus, se você é mesmo o filho de Deus, mande que esta pedra vire pão e
mate a sua fome...

4
JESUS LEVANTA-SE E ENCARA SATANÁS.

JESUS – As escrituras sagradas afirmam: Não só de pão vive o homem, mas de toda a
palavra que sai da boca de Deus...

SATANÁS APROXIMA DA BOCA DE CENA E DESAFIA JESUS.

SATANÁS – Se você é o filho de Deus, jogue-se daqui para baixo, porque as escrituras
sagradas afirmam que seu pai mandará seus anjos para cuidarem de você e vão segurá-
lo com suas mãos, para que nem os pés você machuque nas pedras...

JESUS SE APROXIMA DA BOCA DE CENA E FALA PARA PLATEIA.

JESUS – As escrituras sagradas afirmam: Não colocarás à prova o senhor teu Deus...

SATANÁS, RODEANDO JESUS E O INSTIGANDO.

SATANÁS – Olhe Jesus... Eu lhe darei todo este poder e riqueza, pois tudo isto me foi
dado e eu posso dar a quem eu quiser. Isto tudo será seu, se você se ajoelhar diante de
mim e me adorar...

JESUS VOLTA-SE A SATANÁS E FALA COM EXTREMA AUTORIDADE.

JESUS – As escrituras sagradas afirmam: Adore somente o Senhor teu Deus e sirva
somente a ele!

EXPULSA SATANÁS.

JESUS - Fora daqui, Satanás! Pois eu não reconheço.

SATANÁS DESFERE UM GRITO MEDONHO E SAI DE CENA. JESUS AJOELHA-


SE E ORA. O HOMEM DO MANTO RETORNA A CENA.

MANTO VERMELHO – Depois que voltou, começou a realizar uma série de prodígios
inacreditáveis... Eu mesmo o vi mesmo curar um leproso...

DUAS MULHERES, DOIS HOMENS E O SOLDADO, VOLTAM A CENA.


REPRESENTAM O POVO QUE RODEIA JESUS. O HOMEM DO MANTO FAZ
PARTE DELE E TUDO OBSERVA. UM LEPROSO ENTRA E SE APROXIMA DE
JESUS. REPUGNÃNCIA. TERROR. O SINO BATE NO SEU PESCOÇO. ALGUNS
O AMALDIÇOAM. JESUS PÁRA E ESPERA. O LEPROSO APROXIMA-SE.
PESSOAS RECOMENDAM QUE JESUS AFASTE-SE. ESTE, COM UM GESTO
QUE DENOTE PODER, FAZ COM QUE SE CALEM. O LEPROSO ESTÁ MUITO
PERTO.

MULHER I – Leproso!!! Leproso!!!

HOMEM I – Afasta-se daqui.

SOLDADO I – Não se aproxime de mim. Saia daqui leproso.

5
MULHER II – Cuidado Senhor! Ele tem lepra.

HOMEM II – Afaste-se dele, Senhor! Pode contrair a doença.

JESUS – Calem-se!!!

O LEPROSO AJOELHA-SE AOS PÉS DE JESUS E CHORA.

LEPROSO – Mestre... Eu sei que se o senhor quiser pode me curar! Cure-me mestre,
pois não suporto mais...

JESUS TAMBÉM SE AJOELHA E CHORA JUNTO, ABRAÇADO AO LEPROSO.


LEVANTA-SE E OLHA SEVERAMENTE EM VOLTA, PARA AS PESSOAS QUE
ALI ESTÃO. VIRA-SE TERNAMENTE PARA O HOMEM, DA-LHE A MÃO PARA
QUE SE LEVANTE E FALA COM AUTORIDADE.

JESUS – Então, homem: fique limpo! Estás livre de suas feridas. Vá ao Sacerdote para
que sejas examinado e ofereça o sacrifício da lei.

O HOMEM TIRA AS ATADURAS QUE O COBRE O ROSTO E AS MÃOS E SE


PERCEBE CURADO. ESPANTO GERAL. VARIOS GRITAM “MILAGRE”. JESUS
VAI SAINDO, ACOMPANHADO PELO LEPROSO E PELOS OUTROS QUE
ESTAVAM NA CENA. APENAS O HOMEM DO MANTO FICA.

HOMEM DO MANTO – Como por mágica, as feridas e o cheiro desapareceram e a sua


pele estava limpa e lisa. Ele ordenou que ao homem fosse até o sacerdote para ser
examinado e que oferecesse o sacrifício da Lei. Numa outra ocasião, quase fora
apedrejado pelo povo, após uma instigação de fariseus. Mais não se intimidava.

O HOMEM DO MANTO SAI DE CENA E JESUS RETORNA, ANDANDO,


ACOMPANHADO POR DOIS DISCIPULOS.

DISCIPULO I – Mestre, tens certeza do que deseja fazer.

JESUS – Absoluta! Vamos voltar para Judéia!

DISCÍPULO II – Mas mestre, estamos seguros aqui e agora queres voltar para onde
quiseram apedrejá-lo?

JESUS – Apenas disse a eles quem sou, pois quem anda na luz não tropeça, mas quem
anda nas trevas, sim. Vamos para Betânia. Lázaro está doente e irá morrer. Para que
Deus seja glorificado... Lázaro está dormindo e eu vou acordá-lo...

DISCÍPULO I – Ora... Então, se está dormindo é porque vai ficar bom...

JESUS – Lázaro morreu. Estou contente de não ter estado lá com ele, porque assim
vocês vão acreditar. Vamos agora mesmo lá. Eu quero vê-lo...

JESUS SAI COM SEUS DISCIPULOS E O HOMEM DO MANTO VOLTA A CENA.

6
HOMEM DO MANTO – E assim foi. Partiu em direção a Judéia, rumo à Betânia.
Tinha em mente um propósito único: realizar mais um de seus milagres, afim de que
todos acreditassem que era ela, o filho do Deus vivo.

ENQUANTO O HOMEM DO MANTO ACABA DE FALAR, DUAS MULHERES


ENTRAM E SENTAM-SE AO CENTRO DA CENA. ABRAÇADAS, CHORAM. O
HOMEM DO MANTO SE AFASTA. JESUS CHEGA. CLIMA PESADO DE
MORTE.

JESUS – Marta! Maria!

AS MULHERES AO PERCEBEREM A CHEGADA DE JESUS, LEVANTAM-SE,


CORREM E SE JOGAM AOS SEUS PÉS.

MARTA – Mestre... Se o senhor estivesse aqui, meu irmão não teria morrido, mas sei
que mesmo assim, Deus dará tudo o que o senhor pedir.

MARIA – Mestre, se estivesse aqui, meu irmão não teria morrido.

PROFUNDA TRISTEZA. JESUS ESTENDE A MÃO AS DUAS E ELAS SE


LEVANTAM.

JESUS – Onde vocês o sepultaram? Levem-me onde Lázaro se encontra.

JESUS SAI ACOMPANHADO DAS MULHERES. O HOMEM DO MANTO VOLTA


AO CENTRO DA CENA. JESUES E SUA COMITIVA SE DIRIGEM A UM PONTO
DA CENA, ONDE ESTÁ O TUMULO DE LÁZARO. ENQUANTO MANTO
VERMELHO NARRA A HISTÓRIA NUMA DAS EXTREMIDADES DO PALCO, A
CENA TRANSCORRE EM GESTOS.

HOMEM DO MANTO – Eles o levaram. Chegando lá, pediu para que retirassem a
pedra. O homem estava morto já fazia quatro dias. Que cheiro terrível! Uma mulher ao
meu lado vomitou e todos recuaram. Então, ele aproximou-se e chorou... Chorou e
depois ergueu o braço como se fosse dar um golpe de espada. De repente gritou:
Lázaro! Vem para fora! Foram os instantes mais angustiantes que já vivi. Pensei: este
homem é mais doido que aquele João Batista! Todos olhavam fixos para o túmulo...
Uns choravam... Outros balançavam negativamente a cabeça. Então, Lázaro apareceu
coberto com as faixas. O mau cheiro sumira e ele mandou que as retirassem e lhe
dessem de comer. Não dormi naquela noite...

AO FIM DA NARRATIVA, JESUS SAI ACOMPANHADO DE LAZARO E OS


DEMAIS. O HOMEM DO MANTO CAMINHA PARA O CENTRO DO PALCO E
CONTUNUA SUA NARRAÇÃO.

HOMEM DO MANTO - Aquele homem tinha uma coragem e autoridade sobre os


saduceus e fariseus, doutores da lei... Sempre tentavam encurralá-lo com perguntas:”

JESUS RETORNA A CENA ACOMPANHADO POR DOIS HOMENS. O HOMEM


DO MANTO FICA AO LADO DA CENA.

7
HOMEM II- Mestre é certo curar no sábado?

HOMEM DO MANTO - E ele respondeu:

JESUS- Se a sua vaca está atolada em dia de sábado, não vai você porventura trabalhar
para salvá-la?

O HOMEM SAI E JESUS FICA SÓ, NO CENTRO DA CENA. O HOMEM DO


MANTO CONTINUA SUA FALA AO LADO.

HOMEM DO MANTO - Tive que rir da cara dos sacerdotes. Pareceu-me que para ele,
eram aqueles pobres, pecadores e mulheres, os mais importantes... Até mais que as suas
próprias leis. O povo quis até fazer dele rei. Acho que um plano daqueles zelotes
malditos. Só... Que ele não quis! Mas eles não queriam, como disse aquele João, um dia
da vingança e um vingador? Nunca me esquecerei daquele dia em que os sacerdotes
vieram a ele. Que batalha de inteligência!

JESUS, SENTADO, ALIMENTA-SE. ENTRAM DOIS SOLDADOS ROMANOS,


QUE FAZEM A RONDA. APROXIMAM-SE OS SACERDOTES. JUNTO COM
ELES, DOIS HOMENS E DUAS MULHERES, QUE DEMONSTRAM RESPEITO E
DOIS SACERDOTES. JESUS PERMANECE EM SUA ATITUDE TRANQUILA.

SACERDOTE – Mestre, sabemos que aquilo que senhor fala é certo e sabemos também
que não julga os outros pela aparência, mas ensina a verdade sobre a vontade de Deus
para o homem. Diga-nos: é ou não é certo pagar impostos a Roma?

A PERIGOSA PERGUNTA LEVANTA COMENTÁRIOS. OS SOLDADOS


ROMANOS FICAM ATENTOS À RESPOSTA. AO LADO DA CENA, O HOMEM
DO MANTO FALA A PLATEIA.

HOMEM DO MANTO – Serpentes esses sacerdotes. Se Jesus dissesse sim, diriam que
era aliado de Roma e se dissesse não, que se insurgia contra ela. Pensei: dessa, ele não
sai...

JESUS INTERROMPE SUA ALIMENTAÇÃO E LEVANTA-SE.

JESUS – Você por acaso tem aí uma moeda?

SACERDOTE – Claro mestre. Aqui está.

JESUS RESPONDE. PEGA A MOEDA ROMANA E A MOSTRA AO POVO,


GRITANDO.

JESUS - De quem é a cara nesta moeda?

SACERDOTE – Ora, do César! Do Imperador...

JESUS – Então, daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!

8
SACERDOTES SAEM ENVERGONHADOS. OS SOLDADOS ROMANOS
RETIRAM-SE IMPASSÍVEIS. JESUS SENTA-SE E VOLTA A SE ALIMENTAR. O
HOMEM DO MANTO, AINDA AO LADO.

HOMEM DO MANTO – Quase aplaudi! Era realmente difícil pegá-lo! Mas bem que
tentaram. Contava histórias para crianças e para todo o povo. Nunca o vi tratar ninguém
com desrespeito... Crianças, velhos, doentes, prostitutas, samaritanos, estrangeiros,
soldados romanos. Mas nem sempre era aquela mansidão toda... Lembro que expulsou
os comerciantes do templo, que extorquiam as pessoas nos preços. Gritava que não
queria mais sacrifícios e chegou a dizer que iria destruir o templo e em três dias o
reconstruiria.

O homem era um gigante de forte e não apareceu ninguém para pará-lo. Divertia-se com
as crianças e jogava bola com elas... Uma hora, enfurecido, outra hora, um crianção, em
outra, um doutor da Lei. Andando pela Palestina, muita gente o seguia: mulheres que
encontravam nele uma fonte de carinho, prostitutas, adúlteras, pecadores, estavam
sempre com ele e os outros.

VOLTAM OS SACERDOTES COM UMA MULHER. OUTRAS PESSOAS OS


ACOMPANHAM, COM GRITOS OFENCIVOS A MULHER. JESUS ESTÁ
SENTADO. AO SER CHAMADO, SE LEVANTA.

SACERDOTE I – Mestre! Esta mulher foi apanhada em ato de adultério! De acordo


com a Lei de Moisés, essas mulheres devem ser apedrejadas até a morte. E agora, o que
o senhor diz disso?

SACERDOTE II – Como é mestre? Vamos matá-la a pedradas?

SACERDOTE I – Esta mulher está em pecado de adultério! Vamos apedrejá-la!

ALGUNS HOMENS PEGAM PEDRAS.

SACERDOTE I – O que nos diz, mestre? Vamos! Por que silencia?

JESUS VIRA-SE PARA PLATEIA E RESPONDE SEM OLHAR OS SACERDOTES.

JESUS – Aquele de vocês que nunca cometeu pecado, pode atirar a primeira pedra nesta
mulher.

UM SILENCIO PROFUNDO. LENTAMENTE SAEM TODOS DE CENA,


PERMANCENDO APENAS JESUS, A MULHER E O HOMEM DO MANTO,
DESTACADO AO LADO.

JESUS – Mulher, onde estão eles? Não ficou ninguém para condenar você?

MULHER – Ninguém, mestre. Nenhum homem ficou para me condenar...

JESUS – Então eu também não te condeno. Vá... E não peque mais...

9
A MULHER BEIJA-LHE AS MÃOS E SAI DE CENA. JESUS ACOMPANHA SUA
SAIDA COM O OLHE E EM SEGUIDA SAI TAMBÉM. O HOMEM DO MANTO
VEM PARA O CENTRO DA CENA.

HOMEM DO MANTO – Ele fazia sempre prodígios. Curou muitos de doenças, que os
sacerdotes diziam ser demônios e que tinham que purificar, pois as doenças vinham dos
seus pecados. Mas, estranho, ele foi contra tudo isto, pois disse... Disse... “Este homem
não é cego por causa dos pecados dele ou de seus pais!”

Também matou a fome de muitos com pães e peixes. Até comi um pedaço e confesso
que estava mesmo com fome naquele dia. Seguir esse homem cansava... Ele não parava
de andar! Engraçado... Que me recordo nunca o vi cobrar dinheiro nenhum pelas coisas
que fazia. O seu grupo de seguidores sempre aparecia com alguma comida, mas é certo
que por vezes passou fome, pois colhiam restos de espigas das plantações dos
lavradores.

Misturava-se com os cobradores de impostos, assassinos, ladrões, loucos, bêbados,


prostitutas e ia igualmente, sem cerimônia alguma, sentar á mesa de algum fariseu,
comer com ele e conversar. Se Pilatos o chamasse para uma conversa, será que ele iria?

Mas mesmo assim , esse homem era perigoso, pois poderia vir a inspirar uma revolta
contra Roma... Não quis ser rei, mas, se conversava com todos, devia ter contado com
os zelotes... Este homem era um perigo... Um perigo para Roma. Tão perigoso que
entrou em Jerusalém quase com a mesma pompa de um general em triunfo.

JESUS E SUA COMITIVA CHEGA A JERUSALEM. A CENA, FEITA CRUZANDO


O PALCO DE UM LADO AO OUTRO, REPRESENTA A CHEGA DE JESUS A
JERUSALEM. PESSOAS ANDAM ATRÁS DE JESUS E GRITAM SEU NOME.
PEDEM POR MILAGRES. TENTAM TOCÁ-LO. LAMÇAM RAMOS PELO CHÃO,
TAPETES, OVAÇÕES DO POVO. OS SOLDADOS ROMANOS ACOMPANHAM
NERVOSOS.

A PARTIR DAQUI, O HOMEM DO MANTO PARTICIPA NAS CENAS E PODE


ESTAR SEMPRE EM DESTAQUE, PARA SER RECONHECIDO PELO PÚBLICO.

PASSADA A “PROCISSÃO”, A CENA PERMANECE VAZIA POR UM


INSTANTE. EM SEGUIDA, SURGINDO DAS EXTREMIDADES DO PALCO, DE
UM LADO JUDA, DO OUTRO, DOIS SOLDADOS.

SOLDADO I – Que quer você de nós?

JUDAS– Venho tratar de negócio do seu interesse...

SOLDADO II – O que pode ser do nosso interesse?

JUDAS – Quereis que vos entregue Jesus?

SOLDADO I – Jesus, o Galileu?

10
HOMEM II – De que forma você quer entregar o Galileu?

JUDAS - No dia da festa da Páscoa, após a ceia, ele vai ao jardim das Oliveiras rezar.
Lá vocês chegarão e eu lhes indicarei com um beijo quem vocês deverão prender.

SOLDADO II - Podemos confiar em você?

JUDAS – Não me comprometi vindo aqui?

SOLDADO I – Então, está combinado.

JUDAS – O plano não terá falhas! Mas para tal, desejo receber 30 moedas de prata.

SOLDADO II – Só teremos esta chance... Não viu como entrou em Jerusalém,


aclamado por todo o povo?

SOLDADO I – Aclamado... Entre eles é certo que havia zelotes, mas seus dias estão
contados e do seu líder Jesus, também. Vá homem e não comente nada a ninguém sobre
nosso plano. Não falhe e será bem recompensado.

SAEM OS SOLDADOS. JUDAS, ANTES DE SAIR, COMENTA.

JUDAS – Minha recompensa será a revolução!

JUDAS SAI DE CENA. O HOMEM DO MANTO RETORNA AO MESMO TEMPO.

HOMEM DO MANTO – Judas achava que entregando Jesus poderia provocar a revolta
do povo e causar a derrota de Roma. Mas não foi bem isso que aconteceu... Lembro-me
da ceia que fez com seus discípulos, em comemoração á sua Páscoa. Foi ali que percebi
o que estava para acontecer...

HOMEM DO MANTO SE AFASTA E PASSA A OBSERVAR DE LONGE. JESUS


ENTRA EM CENA, SEGUIDO DOS APOSTOLOS. ESTENDEM A TOALHA E
SENTAM-SE E SE INICIA A CEIA.

JESUS – Amigos, tenho muito desejado comer este jantar da Páscoa com vocês antes do
meu sofrimento, pois nunca mais comerei este jantar até que ele se torne realidade no
reino de Deus.

JESUS PEGA O PÃO E REPARTE.

JESUS- Tomem... Isto é o meu corpo.

O PÃO É DISTRIBUIDO A TODOS. ENQUANTO O PÃO É REPARTIDO, JESUS


ENCHE O CALICE DE VINHO. PASSA PARA OS DEMAIS.

JESUS- Tomem e bebam... Isto é o meu sangue, derramado em favor de muitos, o


sangue que sela o pacto entre Deus e os homens. Eu afirmo que nunca mais beberei
deste vinho até o dia em que beber um vinho novo no reino de Deus.

11
JESUS OLHA DIRETAMENTE PARA JUDAS.

JESUS – Mas para que isto se cumpra, o Filho do Homem deve ser traído e entregue às
forças das trevas. Este é o momento de Satanás. Um traidor está aqui, sentado entre nós,
à mesa.

JESUS ENTREGA O PÃO MOLHADO A JUDAS.

JESUS- Vá e faz o que tem que fazer. Depressa!

JUDAS SAI. JESUS SE LEVANTA E VAI PARA UMA EXTREMIDADE DO


PLACO. AJOELHA-SE. OS DISCIPULOS RECOLHEM A CEIA. SEPARAM-SE,
COMO SE JÁ ESTIVESSEM NO MONTE DAS OLIVEIRAS. JESUS VAI ORAR.

JESUS – Pai, é chegada a hora. Glorifica teu filho, para que teu filho te glorifique.
Assim como tu me deste poder sobre todos os homens, a fim de que eu dê a vida eterna
a todos aqueles que tu me deste. A vida eterna, porém, consiste em que eles conheçam a
ti como um só e verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, que tu, Pai, enviaste. Eu te
glorifiquei sobre a terra. Eu acabei a obra que tu me encarregaste de fazer. Tu, pois,
agora, Pai, glorifica-me em ti com aquela glória que eu tive junto de ti, mesmo antes
que houvesse mundo. Pai, se é do teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça,
contudo, a minha vontade, mas sim, a tua.

TERMINA A ORAÇÃO E LEVANTA-SE. CHEGAM JUDAS E OS SOLDADOS


ROMANOS I E II. O HOMEM DO MANTO ESTÁ JUNTO COM A TROPA.
MISTURAM-SE A ESTES ALUMAS OUTTRAS PESSOAS. JUDAS APROXIMA
DE JEUSUS E BEIJA-O.

JESUS – É com um beijo que trais o filho do homem?

OS SOLDADOS PREDEM JESUS E OS DISCUPULOS AO VEREM JESUS SENDO


PRESO, INÍCIAM DE UM TUMULTO. LUTAM. ALGUNS DISCÍPULOS FOGEM.
JESUS ACALMA A TODOS, COM UM GRITO.

JESUS – Acalmem-se todos!!! Por acaso não vou beber o cálice que meu pai tem
preparado para mim? Façam o que vieram fazer.

OS SOLDADOS PRENDEM JESUS E LEVAM-NO. TODOS SAEM. FICA APENAS


O HOMEM DO MANTO.

HOMEM DO MANTO – Eu e a tropa o levamos à sala do Sinédrio, para a entrevista


com Caifás.

ENQUANTO O HOMEM DO MANTO INICIA ESSA FALA, CAIFAS, SOLADOS,


TESTEMUNHAS E OUTROS DOIS SACERDOTES ENTRAM EM CENA E SE
ALINHAM AO CENTRO DO PALCO.

HOMEM DO MANTO - Estava terminada minha missão, cuja última tarefa foi entregar
a Judas o saco com as trinta moedas de prata... O pagamento pela sua traição. Naquele
momento, um gosto amargo invadiu a minha boca...

12
UM SOLDADO ENTRA SEGURANDO JESUS PELO BRAÇO. O HOMEM DO
MANTO CRUZA A CENA E O AJUDA CONDUZIR JESUS. INCIA-SE O
JULGAMENTO.

HOMEM DO MANTO – Caifás, chefe dos sacerdotes, eis Jesus, o Galileu, como
combinado...

CAIFÁS – Coloquem-no ali e vamos começar o julgamento. Que entre a primeira


testemunha!

ENTRA A PRIMEIRA TESTEMUNHA.

CAIFÁS – Você conhece este homem?

TESTEMUNHA I – É Jesus, o Galileu.

CAIFÁS – O que tens a dizer sobre ele?

TESTEMUNHA I – Ele não respeita o sábado, o dia mais sagrado da nossa religião,
pois até mesmo ordenou que os seus seguidores arrancassem espigas de trigo nesse dia.
Ele não obedece a nossa lei!

CAIFÁS – Pode se retirar. Outra testemunha!

ENTRA A TESTEMUNHA II.

CAIFÁS- O que pode nos acrescentar sobre este homem?

TESTEMUNHA II – Este homem anda com prostitutas e pecadores e eu o vi


conversando com uma samaritana (COSPE NO CHÃO) e até mesmo aceitou que ela lhe
desse água. Todos aqui sabemos que quem aceita algo de algum samaritano se torna
impuro aos olhos de Deus e da lei e ele, nesse dia, nem foi ao templo para purificar-se.

ENTRA UMA TERCEIRA TESTEMUNHA.

TESTEMUNHA III – Permita-me que também testemunhe, senhor. Este homem diz
que perdoa pecados!

CAIFÁS – Só deus pode perdoar pecados!

TESTEMUNHA III – E disse que os sacerdotes não respeitam os mandamentos de


Deus!Ele é zelote, pois influencia nosso povo á revolução! Não quiseram por acaso
fazer dele um rei?

UMA QUARTA TESTEMUNHA FALA.

TESTEMUNHA IV – Eu ouvi este homem afirmar que pode, se quiser, destruir este
templo e em três dias o reconstruí-lo!

13
CAIFÁS DIRIGE-SE A JESUS.

CAIFÁS – Você não se arrepende destas acusações? Em nome do Deus vivo eu exijo
que você me responda: Você é o messias, filho de Deus?

JESUS– Sim, eu sou! E vocês verão o filho do homem sentado á direita do deus todo
poderoso, descendo com as nuvens do céu!

CAIFÁS – Blasfemou!

CAIFÁS RASGA AS ROUPAS. OS SACERDOTES AJOELHAM, GRITAM POR


PERDÃO. SE PENITENCIAM. A AFIRMAÇÃO FOI SACRÍLEGA DEMAIS PARA
ELES. EXPLODEM EM ÓDIO.

SACERDOTE I – É culpado! Deve morrer!

SACERDOTE II- Não há o que se discutir. Blasfêmia!!! Deve ser condenado a morte.

CAIFÁS – Não precisamos mais de testemunhas. Vocês ouviram a blasfêmia de sua


própria boca! Este homem deve morrer! Vamos levá-lo ao procurador romano!

OS SOLDADOS LEVAM JESUS. AS TESTEMUNHAS OS ACOMPANHAM SOB


GRITOS DE CONDENAÇÃO. SAEM OS SACERDOTES EM SEGUIDA. EM
SEGUIDA, JUDAS RETORNA. ENTRA O HOMEM DO MANTO. ENCONTRAM-
SE NO CENTRO DA CENA. O HOMEM DO MANTO LHE ENTREGA UM SACO
DE MOEDAS.

JUDAS – Não posso aceitar este dinheiro... É dinheiro de traição...

HOMEM DO MANTO – Mas esta é tua recompensa. O que você fez, já está feito!

JUDAS – Que fiz? Enviei o mestre para a morte certa... Ele, que tanto me amou...

HOMEM DO MANTO – Cumpriste a tua missão! Pega tuas trinta moedas e vai... Não
pode fazer mais nada!

JUDAS – Mas... E o povo?

HOMEM DO MANTO – O povo? Você pensou mesmo que o povo se levantaria para
enfrentar o poder de Roma? Se esqueceu dos dois mil que Pilatos mandou crucificar?
Você está louco, homem... Agora pega teu dinheiro sujo e vai!

O HOMEM DO MANTO SAI E DEIXA JUDAS SÓ NO CENTRO DA CENA.

JUDAS – Não! Este dinheiro é dinheiro de sangue...

CAI POR TERRA DE JOELHOS. CHORA. LEVANTA-SE E SAI EM DESESPERO.

14
HOMEM DO MANTO - Cumpri a missão que foi dada e deixei aquele homem lá, só,
com seus remorsos. Soube tempos depois que se enforcara, tamanho era sua culpa e
arrependimento.

O HOMEM DO MANTO CRUZA A CENA FALANDO, ENQUANTO OUTROS


PERSONAGENS VOLTAM A CENA.

HOMEM DO MANTO – Chegamos rápido à casa do procurador. O pior era acordar


aquele homem terrível em plena madrugada.

O HOMEM DO MANTO SE JUNTA A OUTROS SOLDADOS E FAZEM GUADA


NA PORTA DO PALÁCIO. OS DEMAIS QUE CONDUZEM JESUS, CHEGAM AO
PALÁCIO DE PILATOS. UM SACERDOTE FALA AOS DEMAIS.

SACERDOTE I – Estamos na Páscoa e não podemos entrar na casa de Pilatos, pois


senão ficaremos impuros!

CAIFÁS- Chamemos Pilatos a vir aqui. Soldado, Soldado...

O HOMEM DO MANTO, APARECE ACOMPANHADO DE OUTRO SOLDADO.

HOMEM DO MANTO – O que querem vocês aqui?

CAIFÁS- Queremos ver o procurador Pôncio Pilatos!

HOMEM DO MANTO – Está dormindo!

CAIFÁS – Nós lhe trazemos um inimigo de nossa religião!

HOMEM DO MANTO – Que me importa sua religião?

SACERDOTE I – E também um inimigo de Roma!

O HOMEM DO MANTO E OS OUTROS SOLDADOS HESITAM. PILATOS


APARECE FURIOSO.

PILATOS– O que querem vocês, para me tirar a esta hora da cama?

CAIFAS – Trazemos este homem para ser julgado por vós!

PILATOS – Que tenho eu com suas loucuras? Já tenho que suportar este calor e este fim
de mundo, longe de Roma... Levem-no e julguem-no de acordo com suas leis!

SACERDOTE I – Não podemos condenar ninguém á morte na Páscoa!

CAIFÁS – Este homem vive espalhando a subversão entre nosso povo. Ele diz para que
não se paguem impostos ao Imperador e o povo diz que ele é rei!

PILATOS HESITA.

15
PILATOS – Tragam ele aqui!

AS PESSOAS FICAM ANSIOSAS. À PARTE, PILATOS FALA COM JESUS.


SOLDADOS FAZEMA GUARDA.

PILATOS – Então, você é Jesus, a quem os sacerdotes dizem ser rei... Você é o rei dos
judeus?

JESUS – Esta pergunta vem de você mesmo ou foram outros que dissertam isto a
respeito de mim?

SOLDADO DÁ SONORA BOFETADA EM JESUS.

SOLDADO – Mais respeito com o procurador!

JESUS – Se eu falei errado, me corrija, mas se falei certo, por que você está me
batendo?

O HOMEM DO MANTO TOMA O LUGAR DO SOLDADO, NA GUARDA DE


JESUS.

PILATOS (EXPLOSIVO) – Você pensa que sou judeu? Foi sua própria gente que veio
entregá-lo a mim! O que é que você fez?

JESUS – O meu reino não é deste mundo. Se o fosse, os meus lutariam para eu não ser
entregue a você.

PILATOS – Então, em verdade, você é rei!

JESUS – Você é quem está dizendo. Foi para falar a verdade que eu vim ao mundo e
quem crê na verdade ouve a minha voz.

PILATOS (REFLETE IRÔNICO) – Verdade!!! O que é a verdade?

DEPOIS AUTORITÁRIO.

PILATOS – Tragam-no!

APROXIMAM-SE DA BOCA DE CENA E PILATOS MOSTRA JESUS AO POVO.

PILATOS – Ainda não vi motivo algum para condenar este homem!

CAIFÁS – Ele está incitando o povo à revolta. Começou na Galiléia e agora chegou
aqui!

PILATOS – Este homem é da Galiléia?

CAIFÁS – Sim, mas...

PILATOS – Então levem-no a Herodes!

16
CAIFÁS – Já fizemos isto!

PILATOS – Que disse ele?

SACERDOTE I – Que o trouxéssemos a ti! Não és o representante de Roma? Só tu


pode condená-lo à morte!

PILATOS IMPACIENTA-SE.

PILATOS – Tragam este (IRONIA) “rei dos judeus”. Vou falar com os sacerdotes.

PILATOS SAI DE CENA ACOMPANHDO DE CAIFÁS E DO SACERDOTE. OS


SOLDADOS ANTES DE LEVAREM JESUS, DESPEM-NO. ENTRE ELES ESTÁ O
HOMEM DO MANTO.

SOLDADO I – Vamos antes fazer honras ao rei dos judeus!! Você! Traze a coroa! E
você (PARA O HOMEM DO MANTO) me dá teu manto!

HOMEM DO MANTO – Não vou sujar meu manto com o sangue de um justo!

SOLDADO I – Justo? Tu o seguistes o tempo todo, a mando do Procurador e agora ele


está aí, para ser crucificado, graças a ti!

HOMEM DO MANTO – Ele é um homem justo!

SOLDADO I – A única justiça é a justiça de Roma! Me dá teu manto ou una-se a ele!

O DESESPERO E O MEDO SE MISTURAM. APAVORADO ANTE À MORTE, O


HOMEM DO MANTO ENTREGA O MANTO. VESTEM JESUS.

SOLDADO I – Ave! Rei dos Judeus!

SOLDADO II – Nós, teus súditos, te coroamos!

A COROA DESCE COM VIOLENCIA, SEGUIDA DE UM TAPA.

TODOS OS SOLDADOS – Ave!

OS SOLDADOS AÇOITAM JEUSUS.

HOMEM DO MANTO – Vamos terminar com isto!

PILATOS VOLTA, ACOMPANHDO DE CAIFÁS E SACERDOTE. AGUARDA


IMPACIENTE. PILATOS FALA A PLATEIA.

PILATOS – Judeus! Eis o seu rei! Já lhe fiz perguntas e não encontrei nada contra ele!

SACERDOTE I – Manda ele para a cruz! Mande crucificá-lo!!

17
PILATOS – Querem que eu mande crucificar o seu rei?

CAIFÁS - Não temos outro rei senão César!

ANTE ESTE ARGUMENTO PILATOS NÃO TEM ALTERNATIVA.

PILATOS – Tragam minhas lavandas! (UM SERVO TRAZ). Não vou sujar minhas
mãos com o sangue deste justo, mas se assim querem, levem-no e crucifiquem-no.

PILATOS SAI DE CENA. EM OUTRA DIREÇÃO, SAEM CAIFAS E O


SACERDOTE. O HOMEM DO MANTO, CONSTRANGIDO, ACOMPANHA OS
GUARDAS QUE TIRAM O MANTO DE JESUS.

SOLDADO I – Toma teu manto e veste-o!

HOMEM DO MANTO – Sujo do sangue deste homem?

SOLDADO I – É o regulamento! Põe teu manto! E lá, no Gólgota, tu martelarás os


cravos! Toma! Leve-os, e o martelo também!

OUTROS SOLDADOS TRAZEM A TRAVE LATERAL DO MADEIRO E


AMARRAM NELE. OBRIGAM-NO A CAMINHAR. ELE VAI, TOMBANDO,
SENDO EMPURRADO, CHICOTEADO. A SOLDADESCA ROMANA CONTROLA
TUDO. TODOS SAEM DE CENA. APENAS O HOMEM DO MANTO
PERMANECE.

HOMEM DO MANTO – O Percurso que aquele homem fez, levando sobre seus
ombros o peso de todos os pecados do mundo, só foi possível porque ele era, em
verdade, o filho de Deus. Eu segui toda jornada. Presenciei todas as humilhações, todos
os maus tratos, todas as covardias. Mas também pude ver a piedade de alguns, a
solidariedade de outros e o sofrimento daqueles que já o reconheciam como o salvador.
Nunca três cravos e um martelo foram tão pesados. Até hoje sinto em minhas mãos o
cheiro de metal enferrujado.

JESUS REAPARECE NA CENA, SENDO ESCOLTADO PELOS GUARDAS E


SEGUIDO PELA MULTIDÃO. CRUZAM A CENA. NO CENTRO DA CENA,
JESUS REENCONTRA MARIA. MARIA ENTRA NO TRAJETO QUE OS
SOLDADOS IMPÕEM A JESUS. ELE PARA E FALA COM MARIA.

JESUS – Mãe!

MARIA – Filho, meu filho...

ELA O ABRAÇA. UM SOLDADO ROMANO A AFASTA. MARIA ACOMPANHA


O CORTEJO. JESUS PROSSEGUE. ESTÁ MUITO CANSADO. UM SOLDADO
ROMANO OBRIGA O HOMEM II A CARREGAR O MADEIRO. ESTE O LEVA
BEM A CONTRAGOSTO. NO CAMINHO CHEGA VERÔNICA COM UM PANO.
O CORTEJO PARA POR UNS SEGUNDOS QUANDO ELA ENXUGA O ROSTO
DO CONDENADO. A IMAGEM DA FACE DE CRISTO APARECE NO PANO.
JESUS RETOMA O MADEIRO E PROSSEGUE. CAI. LEVANTA. CAMINHA

18
MAIS UM POUCO E AS CARPIDEIRAS O ENCONTRAM. JESUS PARA, SE
DIRIGE AS MULHERES QUE CHORAM E FALA.

JESUS – Mulheres, não chorem por mim, mas por vós mesmas! O dia virá em que se
dirá: Felizes são as estéreis, que não geraram, feliz o peito que não amamenta. Aí então
dirão aos montes: Caí sobre nós e cobri-nos, porque se crucificam um inocente, que
farão aos pecadores?

JESUS PROSSEGUE. CHEGA-SE A OUTRA EXTREMIDADE DO PALCO.


PARAM. JESUS É DESPIDO E SERÁ CRUCIFICADO. O HOMEM DO MANTO,
QUE ACOMPANHOU TODO PERCURSO, FALA A PLATEIA, ENQUANTO OS
DEMAIS SOLDADOS POSICIONAM JESUS SOBRE A CRUZ.

HOMEM DO MANTO – Ver aquele homem ali, despido de toda sua dignidade,
humilhado, violentado física e moralmente, tendo plena consciência de sua inocência,
me causou feridas que até hoje trago comigo. Não queria ter que fazer o que fiz, mas se
me negasse, poderia ser morto ali mesmo, ao seu lado.

HOMEM DO MANTO SE JUNTA AOS SOLDADOS. RECEBE OS CRAVOS E O


MARTELO E PREGA JESUS À CRUZ. JESUS GRITA DE DOR. O POVO REAGE,
UNS COMEMORANDO, OUTRO SOFRENDO JUNTO. ERGUEM A CRUZ.
PESSOAS SE APROXIMAM. OS SOLDADOS AS AFASTAM E FAZEM A
GUARDA. JESUS AGONIZA.

JESUS – Tenho sede!

OS SOLDADOS, JOGAM, RIEM, DIVERTEM-SE. O HOMEM DO MANTO SOFRE


JUNTO. HESITAÇÃO.

JESUS- Tenho sede!

O HOMEM DO MANTO PEGA A LANÇA, PEGA UMA ESPONJA, EMBEBE-A


NO VINAGRE E ELEVA À BOCA DE JESUS. ESTE SUGA COM SOFREGUIDÃO.

SOLDADO I - Já chega!

EMPURRA O HOMEM DO MANTO, IMOEDINDO-O DE CONTIUAR DAR DE


BEBER A JESUS.

JESUS – Eli! Eli! Lama Sabactáni. Pai, pai, por que me abandonaste?

OUVE-SE ESTRONDOS DE TROVÕES. RELÃMPAGOS COMEÇAM A CAIR.


TROVÕES. SOLDADOS JOGANDO, DISPUTAM SUA TÚNICA. JESUS ESTÁ A
BEIRA DA MORTE.

JESUS – Pai, perdoai-lhes! Eles não sabem o que fazem...

JESUS DÁ UM GRITO.

JESUS – Tudo está consumado! Pai! Em tuas mãos entrego meu espírito!

19
JESUS MORRE. OS TROVÕES AUMENTAM. O POVO SE ASSUSTA. HÁ
GRITARIA E TULMULTO. O HOMEM DO MANTO SE APROXIMA DA BOCA
DE CENA E GRITA PARA A PLATEIA.

HOMEM DO MANTO – Nós matamos um homem justo!

SAEM TODOS. JESUS FICA NA CRUZ, SOZINHO, POR UM TEMPO. O HOMEM


DO MANTO OBESRVA DE LONGE. APARECEM ALGUNS APÓSTOLOS, O
FARISEU NICODEMOS (HOMEM I). VÃO DESCER JESUS DA CRUZ. O
HOMEM DO MANTO SE APROXIMA. HÁ DESCONFIANÇA. O HOMEM DO
MANTO AJUDA TIRAR JESUS DA CRUZ. MARIA OBSERVA. EM SEGUIDA
RECEBE O CORPO DE JESUS EM SEU COLO. ACONTECE A CENA DA PIETÁ.
LEVAM-NO EM SILÊNCIO. O HOMEM DO MANTO FICA SOZINHO NA CENA,
VENDO O CORPO DE JESUS SER LEVADO. APROXIMA-SE DA BOCA DE
CENA E FALA PARA PLATEIA.

HOMEM DO MANTO – E esta é minha história e pelo meu pecado, fui condenado a
vagar eternamente contando-a para quem passa e fica para ouvi-la. Ainda posso ouvir o
som da marreta sobre os cravos, os gritos... Não sei como pude aguentar... Contemplar
aquele homem ser crucificado. Quantos outros crucifiquei... O sepultaram foi em cova
emprestada. Soube que ressuscitou e subiu à Gloria dos Céus... Se algum de vocês o
conhece, avise-o que estou aqui, esperando para pedir o meu perdão e me livrar deste
suplício eterno.

ENTRA UM GRUPO DE HOMENS E MULHERES GRITANDO QUE O MESTRE


RESSUSCITOU. JUNTA-SE O MAIOR GRUPO POSSÍVEL. ACONTECE A
APARIÇÃO DE JESUS RESSUSCITADO. O HOMEM DO MANTO CONVERTE-
SE. JESUS ENVOLTO EM LUZ, ASCENDE AOS CÉUS.

FIM

20
PERSONAGENS

1- HOMEM DO MANTO
2- JOÃO BATISTA
3- JESUS
4- SOLDADO I
5- SOLDADO II
6- SATANÁS
7- MULHER I
8- TESTEMUNHA I
9- MULHER II
10- HOMEM I
11- TESTEMUNHA II
12- HOMEM II
13- TESTEMUNHA III
14- LEPROSO
15- DISCIPULO I
16- DISCIPULO II
17- MARTA IRMÃ DE LAZARO
18- MARIA IRMÃ DE LAZARO
19- SACERTOTE I
20- SACERDOTE II
21- JUDAS ESCARIOTE
22- CAIFÁS
23- PILATOS
24- MARIA MÃE DE JESUS

21

Você também pode gostar