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A GUERRA DOS ANJOS - sinopse

Deus cria o Universo na sua vontade, mas antes que este mesmo
Universo fosse criado, legiões inteiras de serviçais celestes são constituídas para servirem
aos desejos do Criador. Um destes desejos é estabelecer o equilíbrio entre o positivo e o
negativo, o bem e o mal, o certo e o errado. Para tanto, Deus não se submete a criação
pura e simples do mal, apenas faz com que o seu surgimento seja favorecido e mesmo
estimulado. Surge então a figura de Lúcifer, o maior e mais belo dos Arcanjos e esta é
sua ruína. No lado oposto há Miguel, que é a figura do servidor incondicional, que não
mede esforços para servir, não questiona e apenas obedece, confiante de que será
premiado com algum tipo de galardão, mesmo que seja uma missão que confira mais
serviço. Lúcifer, ao contrário, questiona, critica, interroga, desconfia... No texto, partes
em latim que sugerem orações são vividas de forma distinta pelas personagens: em
Miguel são preces, súplicas e louvações e em Lúcifer são obrigações mecânicas que o
maior dos anjos faz ao seu criador. Deus, entretanto, fica como uma personagem isolada,
guiando a trama à distância e propiciando sua conclusão, quando coloca os anjos em um
ambiente repleto das limitações humanas e estas impregnam os espíritos celestiais.
Miguel, cego na subserviência, atravessa a prova quase incólume, pois em determinado
momento se deixa tomar por dúvidas e pelo ódio (que irá utilizar para destruir Lúcifer e
retirá-lo de sua condição luminosas); Já Lúcifer, como num plano previamente
preparado, se deixa levar pelo orgulho e sucumbe a tentação de reinar. Entretanto, sua
capacidade de raciocinar e mal aproveitada, pois usando do atributo do livre arbítrio,
escolhe mal, quando poderia ter escolhido o cominho da conciliação, ao invés da revolta.
Confuso, sua saída e rebelar-se e tentar destruir o que o criou, a criação dos homens e do
Universo.
A Guerra Dos Anjos é como uma tragédia, pois nada pode ser feito
para evitar o terrível final. Ironicamente, Miguel e Lúcifer terminam servindo a Deus e
estabelecendo a balança do equilíbrio do bem e do mal. Ao final, resta aos homens, aos
quais estão a serviço dos anjos, escolher, utilizando a inteligência e o livre arbítrio. A
Lúcifer, restará tentar, como foi tentado, fazer perder a humanidade e a criação. A Guerra
dos Anjos se estabelece, com Deus como propiciador e espectador eterno.

A GUERRA DOS ANJOS


DE PABLITO TORRES
E VINÍCIUS MAIA

Antes da criação do Universo, Deus criou as incontáveis legiões de


Anjos para servi-lo. Dentre todos, destacaram-se Miguel, Gabriel, Rafael e Lúcifer, este,
o mais belo e esplendoroso dos Arcanjos. Deus então, resolve colocar todas as suas
legiões angelicais num local onde, destituídos do seu brilho celestial, sentissem as
imperfeições e defeitos humanos, numa tentativa de testar a sua fidelidade para o serviço
ao mesmo tempo, fazê-los sentir o que sentiriam os seres humanos, parte de seu plano de
criação, se caso estes falhassem também num teste, que seria feito no Éden. Também é da
vontade de Deus fazer com que os Anjos sirvam à sua criação.
Lúcifer, o maior dos anjos, questiona a todo o momento esta
atitude, frente à resignação de Miguel, que se acha convicto de que foi criado para servir.
Deus, entretanto, oculta um plano maior e de certa forma, confunde seus Anjos, quando
nega a Miguel o conhecimento de sua essência e planos divinos, revelando-os ao
intransigente Lúcifer. Entretanto, a armadilha está armada!!! Lúcifer, cego de orgulho e
também confiante de que sua missão será a de servir a Deus substituindo-o, conclama a si
os Anjos que lhe são fiéis a segui-lo em sua missão e igualmente governar os homens e
mulheres sobre a Terra.
Surge então Miguel a demovê-lo de sua revolta e revelar a Lúcifer
que a ele era dada a missão de, justamente, impedi-lo deste intento. Lúcifer então,
descobre que sua parte no plano divino era a de trair, para que fosse estabelecido “o
equilíbrio do Universo”, através do bem e do mal, forças opostas. Lúcifer então, usando
de sua vontade, assume a missão que lhe foi confiada e rompe com o Criador, tornando
como alvo de sua vingança a raça humana. Como derradeiro ato, Miguel cumpre a sua
missão, condenando Lúcifer e seus anjos a viverem privados da luz e estabelecendo,
desta forma, segundo a vontade de Deus, o bem e o mal, a serviço dos homens, que
poderiam escolher, utilizando a inteligência e livre arbítrio.
O Universo está equilibrado.

A GUERRA DOS ANJOS


DE: BITTO TORRES
E VINÍCIUS MAIA

CENA I:

- Nascem os anjos. Miguel, General dos Exércitos Celestes e Lúcifer, o mais belo de
todos os Arcanjos, o que “transporta a Luz”.

LÚCIFER: Quão maravilhosa luz resplandece naqueles que são fruto da mão do Senhor!

MIGUEL: Neles brilha a luz e vibra em nós o Espírito do Criador.

LÚCUFER: Cantai coros angelicais! Adorai!

AMBOS: Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dóminus Deus Sabaoth. Pleni sunt caele et terra
glória tua. Hosana in excélsis. Bendictus qui venit un momini Dómini. Hosana in
excélsis. (Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos. Os céus e a terra estão
cheios de vossa glória. Hosana nas alturas. Bendito seja o que vem em nome do
Senhor. Hosana nas alturas.)

MIGUEL: Emitte lucem tuam, et veritátem tuam: ipsa me deduxárrunt et adduxérunt in


montm sactum tuum et in tabernácula tua ! (Lançai sobre mim vossa luz e vossa
verdade, elas me guiaram e conduziram ao vosso monte santo e as vossas moradas.)

LÚCUFER: Quia tu et Deus, fortitúdo mea; quare me repulisti et quare tristis incédo dum
affígit me inimícus? (Pois vós, meu Deus, sois minha fortaleza. Porque me
rejeitastes? E por que ando eu triste, enquanto me aflige meu inimigo?)

MIGUEL: Vinde! Serafins, Querubins e Tronos! Brilhai como sóis, na presença de Deus!
Fachos de Luz eterna que nunca se apaga! Construam o trono do Senhor, que reina eterno
no infinito!

LÚCIFER: Fizeste de mim o mais belo dos Arcanjos, para servir e manifestar sua glória
eterna !

MIGUEL: Vibra em nós a suprema inteligência, para servi com perfeição, como cabe à
nossa natureza, de obedecer eternamente e satisfazer com perfeição os planos do Pai
Celeste!

- Surge o Criador.

MIGUEL: Introito ad altare Dei. ( Aproximar-me-ei do altar de Deus. )


LÚCIFER; Ad Deum qui laetificat juventútem meam. ( Do Deus que é a alegria da
minha juventude. )

AMBOS: Sicut erat in principio et nunc et semper et in saecula saeculórum. (Como era
no principio, agora e sempre e por todos os séculos e séculos.)

LÚCIFER: Resplandece em mim luz eterna e tu fizeste de mim o mais belo dos Arcanjos
e tem o Senhor para conosco maravilhoso plano, no intuito de revelar seu poder infinito.
Prontos estamos para cumprir vosso plano... Nós e as legiões de seres celestiais que
criaste, sobre as quais me teste maior beleza, inteligência e luz!

CRIADOR: Filhos Celestiais! Minha vontade os criou para servir com perfeição! Ao
devido tempo a cada um será revelada uma missão, para a eternidade. Por ora, deve se
cumprir o que está estabelecido e me retirarei de vossa presença.

LÚCIFER: Para onde seguirás? Nos privará de sua celestial presença? Ardemos no fervor
de servi-lo. Todas as legiões celestes te louvam e adoram e nos priva, agora, deste
prazer?

CRIADOR: Lúcifer, querido filho... Tudo tem uma razão de ser...

LÚCIFER: Senhor! Inigualável é teu poder e somos nós pequenas centelhas se


comparados a vós, mas como vossos filhos, por que nos oculta teus desígnios?

MIGUEL: Eterna é a vontade nosso pai que nos criou e nos trata como filhos. Por acaso
não lhe basta a luz que tens e quereis mais? Usa a tua inteligência e percebe que nossa
missão é apenas adorá-lo e obedecer. Meu irmão anseia pelo que ainda não lhe compete
conhecer...

CRIADOR: Filhos! Como disse me retirarei e ao devido tempo tudo lhes será revelado.
Resta que as forças da natureza se equilibrem numa perfeita harmonia, as quais irão reger
meus eternos e imutáveis planos.

- Lúcifer e Miguel se olham com dúvida.

LÚCIFER: Por que não os revela agora Pai?

MIGUEL: Spera in Deo, quóniam adhuc confítebor illi: salutáre vultus mei, et Deus
meus.( Espera em Deus, porque ainda hei de louvar como a meu criador e meu
Deus.) Aguardo vossa vontade, Senhor...

CRIADOR: Durante minha ausência vocês vislumbrarão uma nova realidade. Aguardai...

- O Criador se retira. Miguel se retira.

CENA II
- Lúcifer, impaciente, anda de um lado para o outro.

LÚCIFER: Não sei porque ele nos retém aqui. O que aguarda? O que espera de nós? O
que planeja? Já vaguei por uma eternidade por este... Este... Este limbo, limitado a esta
estranha condição... Condição...

- Miguel entra.

MIGUEL: Física!

LÚCUFER: Condição física! Irrita-me tudo isto! Privado de minha luz e acima de tudo,
sem poder servir ao Senhor!

MIGUEL: Servi-lo ou apenas compartilhar de sua luz?

LÚCIFER: Irmão Miguel! Também estava a perambular por aí?

MIGUEL: Aguardo a vontade de meu Pai...

LÚCIFER: Estranha vontade... Nos cria para servi-lo e depois nos distancia de sua
presença...

MIGUEL: Tem seus planos... e como poderemos nós compreender sua vontade?

LÚCUFER: Sua vontade pode... Deve ser aceita, mas não acha que esta de nos prender
aqui é por demais estranha e confusa?

MIGUEL: Estranha e confusa agora me parece ter sido a idéia de o colocar com o mais
brilhante de nós!

LÚCIFER: Percebo tua inveja...

MIGUEL: Não a inveja, mas cuidado, pois tua fé e confiança deveriam luzir como teu
brilho eterno.

LÚCIFER: Falou lindamente, mas... Ainda me irrita estar aqui.

MIGUEL: Não invejo tua posição, pois somos igualmente Ministros do Criador, para
cumprir seus desígnios, pois a ele devemos a existência. Eu, os irmãos Gabriel e Rafael,
juntamente com milhões de legiões de seres celestiais, estamos aqui, como tu,
aguardando a vontade do Pai Eterno. Por que não se acalma? Está revelando sentimentos
e atitudes estranhos à tua natureza...

LÚCIFER: Tu também não as revela, tentando convencer-me? Que tens? Compaixão,


zelo? Estas estranhas formas mentais se alojam em nosso ser...
MIGUEL: Não será tudo a realização dos planos do Criador?

LÚCUFER: Não é da nossa natureza sermos espíritos puríssimos? Então porque


revelamos estas formas diminutas e inferiores em nossos espíritos?

MIGUEL: Não sei... E por não saber, temos aqui uma outra forma, como mesmo dizes,
inferior, que é a dúvida...

LÚCIFER: Sim, a dúvida... Agora sinto... Algo se transforma em mim... Esta dúvida
agora está se transformando em... Em...

MIGUEL: Que sentes?

LÚCIFER: Irmão... Tenho... Medo !

MIGUEL: Medo?

LÚCIFER: Terrível sentimento! Invade e escurece o espírito! Pai! Por que tudo isso?
Quero de volta a minha luz! Não quero mais estar aqui!

- Lúcifer se revolta.

MIGUEL: Que tens agora?

LÚCIFER: Sinto o medo se dissipando de mim... Meu medo passou, mas agora sinto...
Revolta!

- Miguel o esbofeteia fortemente.

MIGUEL: Agora conhecestes a dor! Ora, não percebes Lúcifer? O Pai Celeste está nos
testando!

LÚCIFER: Um teste? Mas testando o que?

MIGUEL: Não ouviu ele dizer que tem planos e que um de nós terá a revelação de sua
vontade?

LÚCIFER: Exato! E ao escolhido caberá a missão de transmitir aos demais.

MIGUEL: Exato! Vamos, portanto, aguardar e passemos estes momentos em adoração,


pois já que nossa luz aqui não brilha, nossos pensamentos podem brilhar em vibrações
elevadas. Não percebe que temos que controlar estes impulsos inferiores?
LÚCIFER: Não precisa me ensinar o que já compreendo. Apenas não me sinto tranqüilo
por estar nesse lugar limitado. Tenho sede pelo amor que arde em mim e por minha
posição em servi-lo.
MIGUEL: Já o está servindo estando aqui...

LÚCIFER: Forma estranha de servir, longe de sua presença.

MIGUEL: Tem certeza disso?

LÚCIFER: Não tente me confundir...

MIGUEL: Você não respondeu à minha pergunta!

LÚCIFER: Você agora não percebeu que temos uma limitação de tempo e espaço?

MIGUEL: Percebo que ele disse que nos apresentaria uma nova realidade.

LÚCIFER: Por acaso existe alguma realidade fora da eternidade? Somos eternos,
perfeitos e imortais. Pode existir alguma realidade superior a isto? Poderá ele criar algo
mais superior? Que é superior?

MIGUEL: A realidade que nos criou!

LÚCIFER: Você fica dando voltas!

MIGUEL: Pode haver algo maior do que o que nos criou?

LÚCIFER: Certo, certo! Sabemos disso todos os bilhões de nós. Mas fora ele...

MIGUEL: Nada está fora dele!

LÚCIFER: É claro que não!

MIGUEL: Agora quem sente medo sou eu, irmão!

LÚCIFER: Sentes medo de ser humilhado?

MIGUEL: Não! Correu um medo pelo meu ser, um medo estranho e fatídico. Senti com
se algo muito terrível estivesse destinado a mim. Senti medo por ti, irmão...

LÚCIFER: Por mim?

MIGUEL: Não me pergunte mais nada, pois não saberia explicar. Sinto Medo por ti e um
grande peso, de uma responsabilidade que desconheço. Pela primeira vez neste lugar meu
espírito escureceu, mas minha fidelidade ao Pai restituirá o seu brilho... Confitébor tibi in
cithara, Deus, Deus meus; quare tristis es ánima mea quare contúrbas me? (A vós
cantarei, Deus, Deus meu ao som da harpa; porque estás triste e porque me
inquietas minha alma?)
LÚCIFER: Estranhas palavras, irmão... Vês? Anseias também por luz. Percebeu que
nada existe entre nós e o criador? Que nossa proximidade com ele é infinita e que
poderemos compreender-lhe a essência?

MIGUEL: Arrogante! Como anseias penetrar na consciência do Pai Eterno? Deseja por
acaso ser igual a Deus? Ele nos criou para o seu serviço e é esta nossa única natureza!

LÚCIFER: Se ele é tão poderoso, por que então precisa de servidores? Por que nos cria e
depois nos confina nesta condição, onde sentimos estas vibrações de dúvida, angústia,
medo, dor, inveja e agora irmão, descobri outra...

MIGUEL: Qual?

LÚCIFER: Ódio!

MIGUEL: Ódio!

LÚCIFER: Compreendeu agora? Está confuso?

MIGUEL: Não! Compreendo que será apresentada a nós uma nova realidade, como disse
o Pai e minha confiança não se abala, nunca! Adjuntórium nostrum in nómine Dómini.
(O nosso auxílio está em nome do Senhor.)

LÚCIFER: Adjuntótium nostrum... blá, blá , blá, blá !!!

MIGUEL: Por que obscurece ainda mais o teu espírito com estes pensamentos tão
negros? O que esconde dentro de ti? Já não lhe disse? Controla teus pensamentos!

LÚCIFER: Do que você me culpa? Por acaso não somos seres criados com inteligência?
E vem você, Miguel, me criticar por pensar e por discordar de estarmos distanciados de
nossa luminosa natureza, subordinados a esta condição que ambos não compreendemos!

MIGUEL: Mas é fruto da sabedoria...

LÚCIFER: Não me interrompa! Estranhos pensamentos nos invadem e por momentos


podemos julgar a Deus...

MIGUEL: Protesto! Nós não! Tu! Não era você mesmo que queria compreender a
essência do Pai?

LÚCIFER: Tudo bem, julgar a Deus pode até ser errado, mas...

MIGUEL: Admites teu erro?

LÚCIFER: E agora, por acaso, podemos nós errar ?


MIGUEL: Que confusão! Não compreendo mais nada! Indilgentiam absolutiónem et
remissiónem peccatórum nostrorum tribuat nobis omnipotens et miséricors Dóminus.
(Indulgência, absolvição e remissão dos pecados nos conceda o Senhor Onipotente e
Misericordioso.) Mesmo apesar da dúvida, confio em ti e em teus desígnios! Fortificai-
me Senhor!

LÚCIFER: Isso é inútil contra tuas dúvidas e é também patético!

MIGUEL: Patético? Dirigir-me ao Pai é patético?

LÚCIFER: Ora, irmão! Se podes estar sempre ao lado dele, tocar seu trono, por que
precisas mentalizar? Está se reduzindo!

MIGUEL: Ingênuo! Não percebeu ainda que ele já nos reduziu? Estamos reduzidos a esta
condição por sua vontade...

LÚCIFER: Você vai repetir eternamente isto?

MIGUEL: Por acaso não suporta repetições?

LÚCIFER: Por vezes me irritam...

MIGUEL: Que acontece contigo? Agora está perdendo tua paciência eternal? Não sabe
que teremos que louvar e cantar eternamente?

- Ambos se ajoelham e assumem uma expressão piedosa. Miguel recita e Lúcifer repete
demonstrando chateação.

AMBOS: Kyrie eleison ( Senhor, tende piedade de nós )


Christie eleison ( Cristo, tende piedade de nós )
Kyrie eleison ( Senhor, tende piedade de nós )
Christie eleison ( Cristo, tende piedade de nós )
Christie audi nos ( Cristo, ouvi-nos )
Christie exaudi nos ( Cristo, atendei-nos )
Pater de caelis Deus ( Deus, Pai dos Céus )

LÚCIFER: Pax Dómini sit semper vobiscum. (A paz do Senhor esteja sempre
conosco.)

MIGUEL: Et cum spiritu tuo! (E com o teu espírito!) De onde vem esta atitude?

LÚCIFER: Certamente daquele que me criou.

- Acontece um impasse. Troca de olhares.


CENA III

- Surge o Criador.

CRIADOR: Que encontro aqui? Uma discussão?

LÚCIFER: Estamos confusos do que prepara para nós, Pai Eterno...

MIGUEL: Nos submetemos a vossa vontade...

CRIADOR: Basta! É chegado o momento em que está próxima a restituição da vossa


verdadeira natureza, mas antes tenho que lhes revelar os planos que tenho. Lúcifer!
Apreciaria por alguns instantes sua ausência.

LÚCIFER: Mas Senhor...

CRIADOR: Você vai me contestar?

LÚCIFER: Senhor...

- Silêncio. Lúcifer sai.

CRIADOR: Miguel... Vi de longe tua fidelidade e por momento algum você se revoltou
contra o que fiz. Tudo porem, tem um propósito definido, planejado e preparado.

MIGUEL: Estou pronto. Revelai vossos desígnios, ó Pai!

CRIADOR: Entretanto, não é a ti que irei revelar meu plano.

MIGUEL: Não sou digno de tão grande honra. Quero receber o que me é de direito e
merecimento...

CRIADOR: Terás uma missão e será para ti terrível. Retornarás agora à glória e
aguardarás. Tenho agora que conversar com teu irmão Lúcifer. Vai!

- Miguel Sai.

CRIADOR: Lúcifer! Lúcifer, filho meu! Entra!

- Lúcifer entra.

LÚCIFER: Cá estou, Pai... Então, o que revelastes a Miguel que agora dirás a mim?

CRIADOR: Nada revelei a Miguel, pois não é tu o maior dos meus Arcanjos?

LÚCIFER: Senhor...
CRIADOR: A ti dei a maior luz e a primazia frente às minhas legiões celestiais.

LÚCIFER: Sabia que meu sofrimento neste estranho lugar me seria recompensado...

CRIADOR: Lúcifer, tu me amas?

LÚCIFER: Sim Senhor, eu o amo!

CRIADOR: Lúcifer, tu me amas?

LÚCIFER: Sim Senhor, eu o amo...

CRIADOR: Lúcifer, tu me amas?

LÚCIFER: Sim Senhor... Já disse que o amo...

CRIADOR: E por toda eternidade vais me servir?

LÚCIFER: Não possuímos a vossa luz e como seres divinos, imortais e perfeitos, dotados
de suprema inteligência, para justamente o servirmos ?

CRIADOR: Não pedi que me respondesse pelos teus bilhões de irmãos, mas por ti, ou
por acaso, por algum momento, duvidaste dos meus planos?

LÚCIFER: Mesmo sem saber o que tens arquitetado, certamente fazemos parte e...

CRIADOR: Sim! Você e seus irmãos farão parte. Cada um com uma missão. Entretanto,
resolvi deixar que você conhecesse, dentre os demais, o que irei fazer...

LÚCIFER: Quer dizer que só eu e o Pai Eterno conheceremos os divinais desígnios?

CRIADOR: Se isso o alegra, sim... Vinho?

- O criador oferece-lhe o cálice. Lúcifer vibra de prazer.

LUCIFER: Revelai-os então!

CRIADOR: Por uma eternidade tenho meditado longamente e descobri que o meu poder
deve ser compartilhado. Já que sou aquele que É, vibra em mim a força criadora e,
portanto vou exercer esta mesma força em sua plenitude. Lúcifer, meu caro, resolvi criar
um sistema de coisas... Coisas materiais E ao seu conjunto denominarei Universo.

LÚCIFER: Irás, então, criar outros seres?


CRIADOR: É claro! Mas um sistema igualmente perfeito e já neste momento as
partículas que darão origem à minha criação, ou melhor, à minha segunda criação, já que
vós, espíritos puríssimos, sois a primeira, se agrupam no infinito. Elas se agruparão mais
e mais, até que por forças de leis naturais e imutáveis, se concertaram, criando uma
pressão insustentável e então se distanciarão após uma incomensurável explosão. Estas
partículas se espalharão pelo infinito, formando ao que resolvi chamar de estrelas,
planetas, galáxias e após muito e muito tempo, surgirão os novos seres. A princípio,
diminutos e depois gigantescos. Finalmente, uma adequação perfeita entre os ambientes
que concebi aos quais denominarei mineral, vegetal e animal, formará tudo que existirá!
Haverá muitos seres repletos de vida!

LÚCIFER: Vida?

CRIADOR: Sim, vida! Pequenas centelhas de minha própria natureza que darão
crescimento, movimento e... Inteligência a alguns seres. Entretanto, dentre todos,
selecionarei um, que terá um espírito imortal e inteligência, e o chamarei homem. A este
espírito envolverei com um invólucro de produtos químicos, retirados da própria
natureza, a que denominarei carne. Será o espírito do homem imortal, como vós e terão
inteligência...

LÚCIFER: Serão então como nós, os anjos?

CRIADOR: Não! Nem um pouco! A eles darei dois gêneros... Masculino e feminino e
irão multiplicar-se. Bem, tudo está preparado! E os homens me adorarão como vós, pela
vida que lhes dei...

LÚCIFER: Não compreendo a necessidade de se criar tais seres...

- O Criador o olha com um olhar reprovador que aos poucos vai se tornando terno e
compreensível.

CRIADOR: Já não lhe disse? Para expandir o poder que arde em mim! Esta força
criadora, inteligência sem fim e que arquitetou este plano, onde vós todos tereis
participação... E quanto a isso, você não se preocupe...

LÚCIFER: Coabitar com estes... Homens?

CRIADOR: Sim, coabitar! Vós, seres celestiais, ireis coabitar e auxiliar minha nova
criação, meu sistema perfeito...

LÚCIFER: Senhor, agradeço a honra de saber tudo isto, mas de que então serviu aquela
nossa provação?

CRIADOR: Vocês todos sentiram dor, ódio, angústia, medo?


LÚCIFER: Sim! E tantas outras vibrações... Inclusive uma que me secava a garganta e
outra que me provocava um aperto aqui no ventre.

CRIADOR: Era fome!... E sede.

- Lúcifer se serve de mais vinho.

CRIADOR: Fiz com que todos vocês tivessem sensações humanas e compreendessem o
que irei criar. O Homem e a mulher viverão, como já disse, sobre a terra que criarei e
terão inteligência, inferior à de vós anjos e embora não me vejam como vocês me vêem,
os amarei muito.

LÚCIFER: E o senhor também os provará, como fez conosco?

CRIADOR: Sim, mas os provarei de forma diferente, num local repleto de prazeres e vós
todos os servireis, pois estarão servindo a mim, já que meu espírito repousa em suas
almas, igualmente imortais.

LÚCIFER: E se por acaso falharem no teste e o traírem?

CRIADOR: Se o fizerem, conceberão a maior e maravilhosa parte do meu plano...

LÚCIFER: Não compreendo! Eles erram e ainda assim teu plano brilha mais?

CRIADOR: Lúcifer! Desejas conhecer a minha natureza?

LÚCIFER: Senhor! Sempre ansiei por este momento. Sim, compartilhe comigo, teu
maior e mais belo servo, tua natureza!

CRIADOR: Aprende então! Sou um espírito perfeitíssimo e reside em mim o grande


mistério do Universo! Sou em essência uno e trino. Em mim habitam três consciências
distintas, perfazendo uma só consciência, em nada opostas e em tudo diferentes, iguais
em luz e poder, vontade e inteligência. Os homens jamais compreenderão isto. Prepara-te
agora para receber de mim este conhecimento.

- O Criador põe a mão sobre a cabeça de Lúcifer.

CRIADOR: Sente em teu espírito o que agora te revelo.

LÚCIFER: Si quis sitit, véniat ad me et bibat. (Beba em mim humanidade, a sabedoria


de Deus.) Beba em mim humanidade, a sabedoria de Deus. Compreendo agora vossa
essência e poder e estou mais que pronto a servi-lo... Mas, e se os homens falharem?

CRIADOR: Se caso os homens falharem em meu teste? Pois bem: enviarei a mim mesmo
para o seu meio e como vós, anjos, convivi com as limitações humanas, eu também
conviverei...
LÚCIFER: Mas não disseste que eles jamais poderiam vê-lo?

CRIADOR: Exatamente! E por isto concebi outra forma.

LÚCIFER: Senhor, não compreendo!

CRIADOR: Primeiro, se falharem, reservei para eles a morte, como castigo.

LÚCIFER: Morte? O que é a morte?

CRIADOR: É justamente o contrário da vida, ou tudo que existe tem um oposto?

LÚCIFER: Bem...

CRIADOR: A morte é a destruidora e destruirá os homens e eles perecerão, exceto no


espírito! Entretanto, ela corromperá o corpo, trazendo a putrefação, o mau cheiro, a
podridão, a tristeza, a dor...

LÚCIFER: Aí então, eles se tornam imperfeitos?

CRIADOR: Sim! Imperfeitos em seus atos, oriundos do pensamento.

LÚCIFER: E depois desta morte, para onde seguirão os seus espíritos?

CRIADOR: Muito simples! Se após a morte estiverem puros, eu os aceitarei de volta. Se


impuros, não... Não decidi ainda. Talvez eu faça seus espíritos irem e voltarem, trocando
o corpo que apodreceu. Assim como a mulher que esfrega a roupa suja para dentro da
água... Indo e voltando até que esteja limpa... O que acha?

LÚCIFER: Mulher? Roupa suja? Não compreendo direito. Mas, e nós, seres perfeitos,
teremos que habitar em meio a esta... Podridão, de corpos e pensamentos?

CRIADOR: Já não lhe disse que concebi uma outra forma ?

LÚCIFER: Me confundes...

CRIADOR: Vou constituir para mim um corpo e nascer no meio deles, através de uma
mulher...

LÚCIFER: Vais encarnar e se submeter às condições impuras deste mundo de homens


que falharam contigo? Habitar em um corpo que se decompõe?

CRIADOR: Bem, está será uma última alternativa: encarnar em meio aos homens e fazer
com que vivam da maneira que quero. Talvez não aceitem e me matem. Viverei então a
realidade da morte, que desconheço. Aí, depois eu apareço vivo de novo e eles verão que
sou mais forte que a morte que lhes dei e se emendarão.

LÚCIFER: Acho por demasiado trabalhoso...

CRIADOR: E o que é trabalho para mim? Já pensei em tudo. Vou encarnar a minha
segunda pessoa e ela encarnada me chamará de Pai e eu a chamarei de Filho. É perfeito.

LÚCIFER: E a terceira?

CRIADOR: Como dirão os homens, fica na reserva...

LÚCIFER: Mas Senhor, como vais se reduzir a tão humilhante posição? Logo o Senhor,
que é todo luz, assumir um corpo carnal, passível de tantas limitações, as mesmas que me
fizestes sentir na pele...

CRIADOR: Caro Lúcifer, que outra forma terei para me manifestar aos homens? Não
percebeu que minha presença poderia destruí-los? E não vou querer destruir o que criei...

LÚCIFER: Mas e a morte? Ela não os destruirá?

CRIADOR: A morte é uma conseqüência dos seus próprios atos e fruto do seu próprio
arbítrio...

LÚCIFER: Mas, se quer saber se vão mesmo errar, como os testa num jardim de
delícias?

CRIADOR: Tudo está preparado. Por acaso vais duvidar de minha inteligência, meu
Arcanjo querido?

LÚCIFER: Não quero duvidar, mas compreender...

CRIADOR: Ora, dei-lhe inteligência para isto, e maior que a dos homens. Medite sobre
tudo o que lhe disse e teu livre arbítrio poderá levá-los à glória ou a destruição.

- O Criador se retira. Lúcifer, só, raciocina.

LÚCIFER: Ele nos criou para o servir e deu a mim primazia entre todas as legiões de
anjos, com acesso direto ao seu trono celestial e autoridade para dialogar com ele sobre
as coisas eternas... A mim ele revela seu plano para criar o Universo e a Humanidade,
juntamente com a revelação da essência do seu poder e ser... Entretanto, nos coloca a
todos longe de sua presença, reduzidos à percepção de sentimentos humanos!

- Ouve-se uma grande explosão.

LÚCIFER: Oh! O Senhor já começou a por em prática os seus planos.


- Como se visualizasse a criação.

LÚCIFER: Vejo surgirem as estrelas brilhantes, com milhares de graus centígrados de


calor; planetas, cometas... Leis de atração e repulsão... Distancias incomensurável...
Milhões de mundos... Elementos que atravessam e se organizam no Universo... Ferro,
carbono, ouro, prata... Metais diversos, minerais... E ali, naquele ponto, começa a surgir
um pequeno mundo... Quente... Revolto... E que agora começa se resfriar... Chuvas,
mares, continentes, seres unicelulares, continentes, plantas, animais primitivos,
gigantescos... Senhor, disseste que irias criar um mundo perfeito e até agora não vi nada
que se igualasse ao nosso esplendor e muito menos a mim, príncipe da luz! Que vejo
agora? Hominídeos, destituídos de inteligência, brutos, animalizados... Onde estão os
sentimentos humanos que nos fizeste experimentar? Por certo não estão nestes seres...
Em que podem servir a vós, espírito puríssimo? E a nós, tua criação? E a mim, o maior
dos teus filhos? Vejo agora que mudam de forma... Caem-lhe os pelos e já pronunciam
palavras... Que perfeição pode haver nesses seres? Fomos criados apenas com um
lampejo da sua vontade e estes se desenvolvem lentamente... A cada momento estou mais
confuso e aturdido... Como pode o Senhor conceber estes seres como perfeitos? Não
somos nós os frutos primeiros e supremos de sua criação? Em que situação fica nosso
dever e missão de servir, como tanto fala Miguel?

CENA IV

- Entra Miguel.

MIGUEL: Por que estás aí, por milênios a divagar? Contemplas, como todos nós a obra
do Criador? Vês que beleza é?

LÚCIFER: Beleza? Tu chamas minerais brutos e seres animalizados de beleza? Estás


desdenhando sua natureza celestial?

MIGUEL: Se você não reparou, irmão Lúcifer, o Senhor nos restituiu o nosso brilho e
natureza celestiais, mas você ainda raciocina com as vibrações das imperfeições
humanas... E os homens nem erraram no teste que lhes imporá o Pai. Sois anjo, mas com
mente muito humana !

LÚCIFER: Ora, somos todos perfeitos e superiores àqueles... Animais, que podemos
compreender e reproduzir suas fraquezas...

MIGUEL: Mas eles ainda não as possuem, irmão e, portanto elas são, ainda, somente
vossas...

LÚCIFER: Então, por que o Criador nos as fez sentir, se são tão perniciosas? Por que nos
reduziu a condição humana? Para aprendermos e coabitarmos? Saciar sede, fome, sono?
MIGUEL: Olha, olha agora! Vê como eles vivem, caçam, pescam, comem frutos, se
banham nos rios, mares e se amam!

- Lúcifer observa por algum tempo.

LÚCIFER: Injusto!

MIGUEL: Injusto?

LÚCIFER: Não nos testou ele, nos destituindo de nossa luz, nos privando de sua
presença e nos fazendo provar daquela inferioridade?

MIGUEL: Não sei ao certo se nossa provação terminou...

LÚCIFER: E agora ela dá a estes seres todo conforto e privilégio e diz que os está
testando? E teremos nós que conviver com eles e quem sabe, servi-los?

MIGUEL: Mas...

LÚCIFER: E o mesmo Deus que nos criou e nos privou de sua presença vai encarnar
num daqueles seres animalizados e inferiores, para manifestar o seu poder? Não somos
nós, ou melhor, eu, sua a maior obra?

MIGUEL: Tens inveja e egoísmo! Não percebeu que manchas escuras poluem tua
resplandecência? Cuidado irmão, pois a provação pode ainda não ter acabado...

- Lúcifer muda de atitude.

LÚCIFER: Irmão tenho pena destes seres e amor em servir ao Senhor. Com seres como
nós para servi-lo, necessita ele de submeter-se a este sacrifício?

MIGUEL: O que está insinuando?

LÚCIFER: Simples! Um de nós deve substituí-lo em sua missão e se os homens errarem,


transmitir a eles a verdade que detenho...

MIGUEL: Tu?

LÚCIFER: Sim eu, Lúcifer, Príncipe da Luz, Estrela da manhã, o primeiro entre todos
nas legiões celestiais... agora compreendo o que quer o Senhor ! Diz que tudo já está
planejado! Deu-me o conhecimento de sua essência para que por livre e espontânea
vontade, em seu lugar, revelasse aos homens a solução para o seu erro! Eu sou a própria
redenção da humanidade e a ela imporei o poder divino!

MIGUEL: Estás louco?


LÚCIFER: E Anjos podem ficar loucos?

MIGUEL: De eterna loucura! Você acha que tem poder para encarnar e depois subjugar a
morte? Pode encontrar os elementos e interpretar o pensamento de Deus, para transmitir
aos homens o íntimo do seu coração? Tem sabedoria e poder para tanto?

LÚCIFER: Aí é que está: não será preciso...!

- Miguel balança a cabeça negativamente.

LÚCIFER: Sim! Não vê que o Senhor me designou esta missão e...

MIGUEL: Agora você estabelece a vontade de Deus?

LÚCIFER: Está claro! Está evidente ou então ele não teria me revelado seus segredos!

MIGUEL: Você arde em orgulho!

LÚCIFER: Silêncio! Você tem inveja, pois serei o mensageiro para aquele povo de
homens e mulheres animais, que precisarão um dia contemplar a beleza do céu, beleza
esta que brilha em mim, o enviado do Criador e detentor, entre todos, do maior brilho e
esplendor.

MIGUEL: Você não se cansa de repetir eternamente isso?

LÚCIFER: Vá Miguel e diga que aceito a celestial empreitada...

MIGUEL: Irei, mas inutilmente, pois certamente ele já ouviu suas sandices e já repugna
tua presença, pois você se deixou, por seu orgulho, arrogância e vaidade, contaminar teu
espírito por sentimentos oriundos de maus pensamentos, este sim, impuros...

LÚCIFER: Foi ele quem decidiu nos colocar lá...

MIGUEL: Mas desde o começo era teu o arbítrio...

LÚCIFER: Quer você agora discutir a vontade de Deus? Você tem inveja!

MIGUEL: Lembra quando disse que sentia medo por você?

LÚCIFER: Sim...

MIGUEL: Agora tudo se ilumina a minha frente e meu medo cresce, mas já posso ter a
quase certeza da minha verdadeira missão...

LÚCIFER: Tua missão é levar minha mensagem a Deus!


MIGUEL: Por que então não vai você mesmo? Está com medo de encará-lo e ele te dizer
que não é nada do que você pensa?

- Lúcifer sente-se encurralado.

LÚCIFER: Não é isto! Na minha posição não devo mais me desincumbir das missões que
são referentes a ti...

MIGUEL: Vejo que minha missão vai se concretizar mais cedo do que penso, a menos
que tu, durante meu trajeto ao encontro do Pai, te arrependa de teus pensamentos.
Misereátur tui omnipotens Deus, et dimíssis peccatis tuis... (O Senhor Deus se
compadeça de vós e perdoe seus pecados...)

LÚCIFER: Basta! Vai!

- Miguel sai lento.

LÚCIFER: E, irmão...

MIGUEL: Sim, Lúcifer...

LÚCIFER: Após dar meu recado, faça-me o favor de chamar Rafael e Gabriel à minha
presença. Já tenho para eles trabalho. Deus espera de todos nós que o sirvamos com
perfeição.

- Miguel se vira e sai.

CENA V

-Lúcifer se dirige as legiões de anjos.

LÚCIFER: Irmãos! Servos meus! Anjos das legiões celestiais! Desde tempos imemoriais,
quando Deus me deu a primazia da sua criação, vós tendes compartilhado de minha
brilhantíssima luz. Todos temos estado juntos na eternidade e agora, assumirei a maior
missão conferida pelo nosso Pai, de levar à sua impura e inferior criação a glória dos céus
e a verdade do que eles chamam vida! Vinde juntos comigo em minha empreitada e
compartilheis da minha glória futura, pois quem mais senão eu poderia ter o privilégio de
desempenhar tão elevada missão? E como Deus habita no puríssimo céu, o qual somente
eu posso agora alcançar, certamente precisará de um príncipe que reine sobre o mundo e
os homens e juntamente com Deus reinarei e vós todos sereis meus ministros e meu
exército. Neste momento já sabeis que convoquei Gabriel e Rafael para conosco integrar
este novo reino e como vós, me servir. Desta forma cumprirei minha natureza de servir
com perfeição eterna e a vossa de seguir esta que é a suprema luz celeste, que arde em
mim, pois conheço a essência de Deus e portanto, também sua vontade. Somos eu e Deus
então...Iguais!
- Lúcifer, só, imagina-se um novo senhor nos céus. Entra Miguel.

LÚCIFER: Por que vens a mim trajado para a batalha?

MIGUEL: Porque a batalha já começou...

LÚCIFER: Entre eu e você, irmão?

MIGUEL: Não! Entre você e Deus! Mas eu sou dele o braço e a justiça! Eu sou Miguel e
meu nome é um brado de guerra, que trago inscrito em meu estandarte.

- Desfralda um estandarte.

LÚCIFER: Quis... sicut... Deus... ( Quem... como... Deus...)

MIGUEL: Sim! Quis sicut Deus! Quem como Deus? Quem pode se igualar ao seu poder
e magnitude? Esta é, Lúcifer, minha missão, há milhões de anos arquitetada! Deter a ti!
Venci minha prova! Conheci a glória de minha essência angelical, desci à condição
humana e conheci as limitações e defeitos, mas sempre mantive minha convicção e não
me deixei contaminar pelos pensamentos e paixões humanas. Usei bem meu livre
arbítrio, mas você não! Com seu orgulho de ser igual a Deus, que lhe deu o seu brilho...
Você nem se quer percebeu que ele não lhe retirou o brilho, mas que só podemos brilhar
perto dele ou se ele assim o desejar...

LÚCIFER: Sei que Deus é maior do que eu, mas então por que ele dá tanta regalia aos
homens e a nós, seres perfeitos, nos foi dada tão rude prova? Nem ao menos pudemos
mostrar aos homens que somos perfeitos e a eles superiores, vontade pura de Deus! Oh,
irmão Miguel! Como odeio aos homens, todos eles! Nada posso contra Deus e dele
depende minha luz, renuncio a ela e já que fui, pelo Senhor, treinado nos defeitos
humanos, vou deles mesmo me utilizar para destruir esta sua segunda criação, que ele
tanto aprecia... Defende-se assim, desta forma tão contundente, o livre arbítrio, agora
dele, novamente, faço uso: sou o lado negro, obscuro e terrível da criação de Deus! Vejo
que minha missão, para a eternidade, será mais terrível que a tua! A partir deste momento
eu, ele e tu somos inimigos e toda destruição procederá de mim, pois me parece que
assim quer o Senhor, para, como ele mesmo disse, equilibrar o Universo. Intuirei o
homem a errar, mesmo em jardim de delícias e esta será a sua maior derrota: errar onde o
erro jamais penetra! Todos estes erros lembrarão a Deus o meu poder, poder este que ele
me negou para o servir!

MIGUEL: Não! Ele não te nega! Mas se não querias reduzir-te, ao contrário, eleva a si
mesmo e brilhe nos céus com tua luz, servindo a Deus!

LÚCIFER: Me propõe uma escolha quando tudo já está tão claro? Quando tu e eu
percebemos que a escolha já foi feita? Odeio aos homens, a ti e Deus!

MIGUEL: Olha para este estandarte, Demônio! Serve ao teu Deus!


LÚCIFER: Non serviam! Non serviam! ( Não servirei ! Não servirei !) Não servirei.

MIGUEL: Que caia sobre ti a ira de Deus! Vai para as profundezas da escuridão, ser
maligno! Segue com ti tua horda de anjos caídos.

- Um forte estrondo. Lúcifer é precipitado no inferno. Miguel, visivelmente abatido.

MIGUEL: Pronto Senhor! Foi cumprido teu plano, para que tua criação terrena fosse
perfeita e o livre arbítrio tivesse lugar no julgamento humano. Era necessário existir os
dois pratos da balança! O bem e o mal. Mas este tinha que surgir da livre vontade de uma
de vossas criaturas! E vós preparastes os caminho! Agora, eternamente lutarão estes dois
partidos e cabe ao homem escolher, pois para isso raciocina... A criação está completa e
tu, Lúcifer, foi teu último instrumento. Vós, homens e mulheres, que assististes a esta
tragédia, meditem sobre suas vidas e vossas ações, para que sejam seres de valor e para
isso não precisam de mil palavras, gestos, gritos. Basta usas o que o Criador lhes deu de
mais valioso e que Lúcifer não soube usar: a inteligência. Se o Demônio, entretanto,
entrar em vossas vidas, sofrerão a ruína de vossas famílias, morte e sofrimento de vossos
filhos, decaídos frente às facilidades deste mundo e aos vícios que hoje rondam vossos
lares. Todo o Universo é regido por leis naturais e imutáveis e a elas tudo está sujeito,
inclusive vós. Usai vosso livre arbítrio para o bem, pois até mesmo no céu, Satanás
provocou separação, para cumprir a vontade de Deus!

- Miguel sai. Surge a árvore do Éden.

FIM

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