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TRÊS VEZES NELSON

Adaptação dos contos


O Pastelzinho, O Pediatra e A Coroa de Orquídeas
de Nelson Rodrigues
por Pablito Torres

APRESENTADOR I – Nascido em recife no dia 23 de agosto de 1922, Nelson Rodrigues, começou


sua carreira de escritor como jornalista e só estreou em teatro em 1941, com a peça Mulher sem
Pecado.

APRESENTADOR II – Se maior sucesso, Vestido de Noiva, marcou o nascimento do teatro moderno


brasileiro.

APRESENTADOR I - Autor dos mais discutidos, foi o responsável pelo grande passo que a
dramaturgia brasileira deu na década de 40.

APRESENTADOR II – Aceito por uns, criticados por outros, suas peças contém um diálogo brilhante
que empolgam o público, transformando-se em sucesso de bilheteria.

APRESENTADOR I – As situações retratadas pelo autor são de uma crise assustadora.

APRESENTADOR II – Quase todos os seus trabalhos foram adaptados para o teatro e o cinema.

APRESENTADOR I – E hoje, nós alunos da Oficina Popular de Teatro Experimental temos o orgulho
e a satisfação de homenagear àquele a quem chamam de o anjo pornográfico.

APRESENTADOR II – Nelson Rodrigues... Encenaremos adaptações de três contos que fazem parte
de sua extensa obra.

APRESENTADOR I – O pastelzinho,

APRESENTADOR II – O pediatra,

APRESENTADOR I – E a Coroa de Orquídeas.

APRESENTDPOR II – Bom espetáculo para todos!

- Saem de cena.
- O elenco entra montando o cenário.

1º quadro - O PASTELZINHO

- Música – Serenade nº 13 – Romance: Andante - Mozart


- Na festa de casamento Sérgio conversa com um amigo. Pessoas dispersas pela sala de estar
da casa dos noivos, também conversam. A festa está quase no final. Algumas garçonetes
ainda servem alguns aperitivos e tira-gostos.

SÉRGIO – Estou morrendo de fome.


AMIGO – Ora bolas! E porque não come alguma coisa?
SÉRGIO – Outro dia eu estava conversando com uns amigos e um me disse que a noite de núpcias é a
que decide um casamento. Fiquei muito intrigado com isso. Você sabe... Eu e a Dalva nunca... A gente
nunca... Se deitou junto.
AMIGO – Bobagem! Mas o que isso tem a ver com sua fome?
SÉRGIO – Sei lá! Sempre fui uma pessoa muito impressionada com as coisas e fiquei com a pulga
atrás da orelha por causa dessa coisa de noite de núpcias. Já não estava nem conseguindo dormir
direito. Resolvi procurar um psicólogo e me abri com ele. Ele me disse que isso é natural...
AMIGO – E precisava ir a psicólogo para ouvir isso? Eu mesmo acabei de te dizer isso aqui.
SÉRGIO – É sério! Ele me aconselhou a relaxar, me descontrair e falou pra eu evitar as frituras, as
carnes gordas e as massas na véspera da noite de núpcias. É por isso que eu estou evitando comer
alguma coisa. Saí de casa cedo para os preparativos de casamento... Fui ao barbeiro, a manicuro, a
pedicuro, até a cabeleireiro eu fui. A Dalva fez questão que eu estivesse um brinco.
AMIGO – Você gosta mesmo dela, heim?
SÉRGIO – Cara, a Dalva é um estouro de mulher. Sempre linda, cheirosa, bem arrumada. Isso sem
falar que é educadíssima, muito espiritual, incapaz de dar uma gargalhada em público. Você acha que
eu não ia atender a um desejo seu. ( música – Minuetto: Alegro Motto Symphony nº94 – Haydn )

- Silenciam e do outro lado da cena Dalva conversa com três amigas. As garçonetes servem
aos convidados, que aos poucos vão deixando a festa.

DALVA – Vocês têm certeza que já vão? É cedo.


AMIGA I – Cedo nada! A gente sabe que você deve estar louca de vontade de ficar sozinha com o
Sérgio.
DALVA – Pra dizer a verdade eu estou com um pouco de medo.
AMIGA II – Medo de que? Deixa de ser boba e aproveita!
AMIGA III – Isso mesmo. Vocês estão juntos há tanto tempo e agora é a hora de vocês consumarem
essa união. Deixa o medo de lado e aproveita.
DALVA – Não sei. Estou nervosa.
AMIGA I – Deixa de ser boba! A gente vai embora e você fica calma, relaxa e aproveita.
AMIGA II – Tchau, Dalva. A festa estava linda, tudo estava muito bem organizado. Vocês estão de
parabéns.
AMIGA III – Amanhã... Amanhã não. Daqui a uma semana a gente se fala e você conta tudo, tá?
Agora deixa a gente ir pra que vocês possam ficar a sós.
DALVA – Eu acompanho vocês até a porta. ( música - Minuetto: Alegro Motto Symphony nº94 –
Haydn)

- Dalva sai de cena com as amigas. Do outro lado da cena Sérgio continua sua conversa.

SÉRGIO – Não vejo a hora dessa festa acabar pra ficar sozinho com a Dalva.
AMIGO – Já entendi, já entendi. Estou de saída também. Sérgio, meu amigo, fique tranqüilo. Lembre-
se que você é o senhor da situação. Você é o macho da espécie e são os machos quem controlam essas
coisas. Dá aqui um abraço. Parabéns e felicidades. Vou me despedir de seus sogros. Onde eles estão?
SÉRGIO – Meus sogros foram embora que eu nem vi. Eu vou te acompanhar até a porta. ( música -
Minuetto: Alegro Motto Symphony nº94 – Haydn )

- Sérgio sai com o amigo e as garçonetes arrumam a sala. Recolhem as bandejas, os copos
de bebida e tentam deixar a sala com um aspecto mais organizado.

GARÇONETE I – Festa de rico é uma coisa engraçada, né?


GARÇONETE II – Porque você diz isso?
GARÇONETE I – Você viu os noivos? Não tocaram num salgadinho se quer.
GARÇONETE III – E os convidados! Todos de nariz em pé.
GARÇONETE I – O noivo parecia que ia ter um filho. Suava feito um bode velho.
GARÇONETE II – Devia ser de nervoso. Talvez não soubesse o que fazer na lua de mel.
GARÇONETE III – A noiva parecia mais assustada ainda. Acho que aquela nunca viu homem na
frente dela.
GARÇONETE I – Vamos terminar logo essa limpeza que eles devem estar querendo ficar sozinhos.
Até eles descobrirem o que se faz numa lua de mel, pode levar muito tempo.
GARÇONETE II – Que língua afiada que você tem, heim?
GARÇONETE III – Eu já terminei aqui. Vamos nessa?
GARÇONETE I e II – Vamos. ( música - Minuetto: Alegro Motto Symphony nº94 – Haydn )

- As garçonetes saem de cena e Sérgio e Dalva voltam. Uma bandeja sobre a mesa contem
uma sobra de salgadinhos. Dalva vai até a bandeja.

DALVA – Estou morrendo de fome. Vou comer um pastelzinho e vou tomar um banho.
SÉRGIO – Não coma isso. Já deve estar frio.
DALVA – Não me importo. Estou morrendo de fome.
SERGIO – Seus pais foram embora que eu nem vi.
DALVA – Você estava distraído com os convidados. Deixaram um beijo pra você.
SÉRGIO – Mas também, morando aqui ao lado, vê-los sempre não será uma coisa rara.
DALVA – É verdade. Eu fico mais segura morando perto dos meus pais. Alem do mais, essa casa foi o
melhor presente de casamento que ganhamos.
SÉRGIO – Sem dúvidas!
DALVA – Estou morrendo de calor!
SÉRGIO – Vamos tomar o tal banho?
DALVA – Se você não se importar, eu gostaria de tomar banho sozinha. Eu nunca me banhei na frente
de homem nenhum. Deixa eu me acostumar à idéia primeiro?
SÉRGIO – mas agora você é minha mulher!
DALVA – Por favor, não ínsita.
SÉRGIO – Tudo bem! Tudo bem!
DALVA – Estou me sentindo tão estranha.
SÉRGIO – Você não devia comer essas besteiras. O psicólogo me disse que...
DALVA – Psicólogo! Que psicólogo?
SÉRGIO – Nada não! Deixa isso pra lá. Vá tomar o seu banho.
DALVA – Mais um pastelzinho... ( música )

- Dalva sai para o banho e Sérgio fica sozinho na sala.

SÉRGIO – Ela não devia ter comido aquele pastelzinho. Já não está se sentindo muito bem e ainda por
cima fica comendo pastelzinho. O psicólogo disse pra evitar esse tipo de comida. Vai que tenha alguma
reação! Logo na noite de núpcias. Na noite que decide o casamento. ( música )

- Sérgio senta-se aguarda. A demora de Dalva lhe causa estranheza.

SÉRGIO – Dalva! Dalva, meu amor, está tudo bem? ( música )

- Sérgio se levanta e vai até o banheiro, à procura de Dalva. Minutos depois volta aos
berros.

SÉRGIO – Socorro! Socorro! Dalva se matou. Ela está morta. Dalva se matou. Socorro!

- Não demora muito para os pais de Dalva entrarem pela casa.

PAI – O que houve? O que houve?


SÉRGIO – Ela está morta. Ela está morta. A Dalva está morta dentro do banheiro.
MÃE – Minha filha. Minha filha.

- A mãe core para o banheiro para ver a filha morta. O pai vai atrás. Em seguida voltam.

MÃE – Ela está morta. Minha filha está morta. Como isso aconteceu? Como?
SOGRO – Como isso aconteceu Sergio, como?
SÉRGIO – Eu não sei. Não Sei.
MÃE – O que você fez a ela? Seu miserável! O que você fez a ela?
SÉRGIO – Eu? Nada! Eu não fiz nada.
SOGRO – Porque ela se matou? Porque? Vamos, fale. O que aconteceu? O que aconteceu?
SÉRGIO – Foi o pastelzinho. Só pode ter sido. Foi o pastelzinho. Só pode ter sido o pastelzinho.
- Sérgio sai de cena repetindo sua fala. O pai e a mãe de Dalva se abraçam e choram no
centro da sala.

SÉRGIO – Foi o pastelzinho. Foi o Pastelzinho. ( música )

- Sai repetindo essa frase. O pai e a mãe choram abraçados. Saem em seguida.
- O elenco muda o cenário.

2º quadro - O PEDIATRA

- ( música ) Numa sala de repartição pública, três amigos trabalham e um está ao telefone.

MENESES - Topou! Ela topou!


MEIRELES - Batata?
MENESES - Batatíssima.
ROBERTO - Vale? Justifica?
MENESES - Se vale? Se Justifica? Ô rapaz! È a melhor mulher do rio de Janeiro! Casada, e te digo
mais: séria pra chuchu.
JOAQUIM - Série e trai o marido?
MENESES - Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é uma
besta!
MEIRELES - Você dá sorte com mulher! Como você nunca vi... Você tem uma estrela miserável.
MENESES – Agora só falta arrumar um lugar para levar a dona. Vocês sabem, né? Tenho que
impressionar a mulher.
ROBERTO – Leva num motel daqueles de luxo.
MENESES – Você tá louco! Mulher séria, recatada. Se eu sugerir levá-la para um motel ela pode
pensar que eu só quero sexo com ela e acabar pulando fora.
JOAQUIM – Ora bolas! Mas não é só sexo o que você quer com ela?
MENESES – É sim, mas ela não precisa ficar sabendo disso. Além do mais, é casada. Eu tenho que ir
com calma se não acabo assustando.
JOAQUIM – Você conhece o marido dela?
MENESES – Só sei que é um pediatra. Dizem que é um médico muito sério e respeitado.
ROBERTO – E não te dá um peso na consciência estar corneando o pobre enquanto ele fica lá,
cuidando das criancinhas.
MENESES – As vocês até que fico com isso na cabeça. Mas vocês sabem, né? É uma mulher e tanto!
Roberto, você precisa me emprestar seu apartamento.
ROBERTO – Tá maluco? Minha mãe mora lá também. Pode tirar essa idéia da cabeça.
MENESES – É por uma boa causa. Além do mais, você é o único solteiro... Não tem essa coisa de
mulher em casa o dia todo.
ROBERTO – E minha mãe? Não fica em casa o dia todo não?
MENESES – Sua mãe... Você dá um jeito dela passar uma tarde fora.
MEIRELES – É isso aí Roberto! Você não pode deixar de colaborar. Afinal, somos ou não somos
amigos.
ROBERTO – Você fala isso porque não é sua casa. Não é sua mãe.
MENESES – Rapaz, se você conhecesse a mulher iria entender o porque da minha dedicação. A
mulher á um espetáculo. Um poço de virtude. Só está saindo comigo porque o marido dela é um
banana. E vocês sabem... Os bananas sempre dançam.
JOAQUIM – To achando você interessado demais nessa mulher.
MENESES – Vou confessar uma coisa a vocês. Eu estou na cola dela a algum tempo. Encantei-me
pela mulher. Acho até que seria capaz de ter algo mais sério com ela, se ela topasse deixar o marido
dela.
MEIRELES – Nossa! Então o caso é sério mesmo? Você está apaixonado pela tal.
MENESES – Estou de quatro! Também, uma mulher como ela não se acha por ai dando sopa.
ROBERTO – Tudo bem! Como tem sentimento envolvido nisso aí, vou quebrar seu galho. Liga pra
ela e marque o encontro na minha casa que eu dou um jeito de minha mãe passar a tarde fora.
MENESES – Obrigado, meu amigo! Obrigado!

- Meneses pega o telefone e faz a ligação.

MENESES – Alô! Sou eu, o Meneses. Já arrumei um lugarzinho ótimo para nos encontrarmos. É um
apartamentinho sensacional na Barata Ribeiro, esquina com a Atlântica. Vamos fazer o seguinte: eu
vou primeiro, por volta das duas horas e você chega uma hora depois. É no n° 321, apartamento 204.
Vou deixar a porta aberta, encostada. Você vai entrando. Tudo bem! Estarei te esperando. Um beijo.
( música )

- Meneses desliga o telefone e mal consegue falar de emoção. Abraça os amigos, um por um.
Todos saem de cena. O ambiente que antes era a repartição pública, agora é a sala do
apartamento. Meneses ansioso anda de um lado para o outro.

MENESES – Calma Meneses, calma!

- Algum tempo depois, ela chega.

MULHER – Oi! Desculpe o atraso.


MENESES – Eu já estava ansioso. Achei que você não viesse.
MULHER – Demorei porque meu Marido se atrasou.
MENESES – Como assim, seu marido se atrasou?
MULHER – Foi ele quem me trouxe.
MENESES – O que? Então seu marido...
MULHER – Está lá em baixo me esperando. Eu não posso demorar muito. Melhor a gente ir direto ao
assunto.
MENESES – Não é possível! Não pode ser! Ou é piada sua?
MULHER – Meu marido sabe sim. Vai desabotoa logo a sua calça.
MENESES – Quer dizer que...

- A mulher desabotoando sua blusa, estende a mão a fala.

MULHER – Quinhentos reais.


MENESES – Não! Assim eu não quero. Melhor a gente desistir.
MULHER – Desistir! Nem pensar. São Quinhentos reais. É quanto meu marido cobra. Meu marido é
quem trata os preços. Quinhentos reais.

- Meneses, fora de si, deixa a mulher plantada no centro da sala e sai gritando.

MENESES – Prostituta! Prostituta! Prostituta! ( música )

- Sai grintando e deixa a mulher sozinha no apartamento do amigo. A mulher sai e cena.
- O elenco troca o cenário.

3º quadro - A COROA DE ORQUÍDEAS

- ( música ) Uma sala de estar. Um sofá à esquerda, duas poltronas à direita com uma
mesinha de canto, um telefone sobre a mesma.Uma mesa, quatro cadeiras, um jarro de
flor, um abatjour, um porta-chapéus completam a cena. Numa das poltronas, Juventino se
lastima. Alguns amigos o consolam.

JUVENTINO - Não me conformo. Não me conformo. Isso não é justo. Deus está sendo ingrato
comigo.
DANIEL - Calma Juventino. Calma! A gente não pode nada contra a vontade de Deus. É uma prova
que Deus lhe está impondo.

JUVENTINO - Mas porque ela? Porque não, eu? Se é pra me por a provação, que me levasse, mas a
deixasse viver. A pobre está lá, à morte! E nós aqui, sem podermos nada fazer.

SOGRO - Podemos rezar. É só o que podemos fazer. Rezar! O médico está lá dentro com ela...

JUVENTINO - E não traz uma notícia. Ficamos nós aqui, nessa agonia. ( música )

- Entra a empregada trazendo um café.

EMPREGADA - Cafezinho, seu Juventino? Acabei e passar.

JUVENTINO - Não. Não quero café. Quero minha mulher com saúde. É isso que eu quero. Eu quero a
Ismênia com saúde.

EMPREGADA - O senhor quer seu Antenor?

- Serve o café ao sogro e a Daniel. A empregada sai.

SOGRO - Obrigado!

DANIEL - Toma um café Juventino. Ta fresquinho.

JUVENTINO – Não! Já disse que não quero... Eu quero a minha mulher... Igual a ela, jamais existirá
outra. Esposa fidelíssima, mulher direita, comportamento irretocável. Sabia que ela nunca, se quer,
espirrou na minha frente. Ah! Daniel... Ah! Meu sogro… Não sei o que vai ser de mim se essa mulher
morrer! Foram dois anos de namoro e um de noivado e só nos beijamos, depois do casamento. Mulher
recatadíssima. Nunca se despiu na minha frente de luz acesa.

SOGRO – Não é hora de você ficar lembrando suas intimidades.

JUVNETINO - Foi só o que me restou, meu sogro. Só o que me restou. ( música )

- O médico, de cabeça baixa, adentra a sala. A notícia é uma bomba para Juventino.

JUVENTINO - E aí, doutor? Como ela está?

SOGRO – Vamos, diga.

MÉDICO – Eu sinto muito. Fiz tudo que estava ao meu alcance. Foi a vontade de Deus. ( música )

- Juventino se descontrola.

JUVENTINO – Não! Não! Não! Diz que é mentira. Diz. Ela não pode ter morrido. Não pode.

DANIEL – Força Juventino. Força.

JUVENTINO – Que força o que! Eu quero é um revolver... Vou meter uma bala na minha cabeça. Que
sentido a vida tem sem ela. Me dá um revolver. Um revolver. Eu quero morrer também. Morrer.

SOGRO – Eu vou até o quarto.

- O sogro sai. O médico o acompanha. Daniel consola o amigo até que ele acalme. ( música )

DANIEL - Juventino acho melhor eu sair para providenciar umas coroas de flores. Você vai ficar bem?
JUVENTINO – Vai Daniel. Vai. Eu vou ficar bem.

DANIEL – Você quer que eu escolha uma coroa pra você?

JUVENTINO – Faça isso, por favor.

DANIEL – Pode ser de orquídeas? Ou você prefere uma outra flor?

JUVENTINO – Orquídeas... Pode ser... Orquídeas.

- Daniel sai de cena. Juventino divaga. ( música – nocturne Op.9 nº2 - chopin )

JUVENTINO – Deus!!! Porque??? Porque??? É pra me castigar? Ah! Minha mulher... Minha querida
mulher. Como que eu vou viver sem ela? Como? Eu vivo por ela. Sem ela a vida perde a razão... Ah!
Deus... Porque?

- Entra o sogro.

SOGRO – Juventino, meu filho! Não adianta você ficar nesse desespero. Ninguém pode mudar a
vontade de Deus... Vamos até o quarto para você ver o corpo...

JUVENTINO – Não! Quer dizer... Agora não. Mas tarde.

SOGRO – Venha pelo menos tomar um café. Você está muito abatido.

JUVENTINO – Posso lhe confessar uma coisa... Desde criança eu... Nunca consegui... Olhar para
um... O senhor entende? Nunca consegui olhar para um... Para uma pessoa morta. E ter que fazer isso
justamente com ela... É demais pra mim.

SOGRO – Venha, meu rapaz. Venha tomar um café. Você precisa relaxar um pouco. ( música –
nocturne Op.9 nº2 - chopin )

- O sogro sai conduzindo Juventino pelo braço. Os homens da funerária entram e arrumam
o velório. Em seguida Juventino volta à sala. Ele entra e vê o caixão ao centro da sala.
Desvia o olhar senta-se do outro lado, próximo ao telefone. O telefone toca e ele atende.

JUVENTINO – Sim... Oi Daniel... O que foi? A coroa? Não combinamos que seria de orquídeas?
Nossa!!! Mas custa isso tudo mesmo? Não!!! Melhor não. Eu não estou provido de recursos. A doença
dela me fez gastar muito. Só na farmácia, eu devo uma exorbitância. Acho até que essa tal de penicilina
e conversa para boi dormir... Troca aí. Escolhe outra... Mas que seja bonita. Não vem pra cá com uma
coroazinha chinfrim, não. Ela merece uma coroa bem bonita.

- O sogro volta a sala.

SOGRO – Está falando com quem?

JUVENTINO – É o Daniel. Ele foi providenciar umas coroas de flores... Daniel... Faz isso que eu te
falei, ta? Estou te esperando aqui. Até mais.

- Desliga o telefone. A campainha toca. O sogro vai atender. Alguns familiares chegam
trazendo flores e consolos.

PRIMA – Minhas condolências.

PRIMO – Olá tio. Meus sentimentos. E o Juventino?

SOGRO – Inconsolável.

PRIMO – Olá primo Juventino. Não tenho sequer palavras pra expressar meus sentimentos.
PRIMA – Foi a vontade de Deus primo... Vontade de Deus.

- Juventino abraça os primos, mas não esboça uma palavra se quer. Estabelecesse um clima
de velório. A empregada volta e meia, traz um café. As pessoas conversam em voz baixa.
Juventino é uma estátua. Daniel retorna. Vai até Juventino e sentasse ao seu lado,
consolando-o. Após algum tempo, a campainha toca, Daniel vai atender e um entregador
entrega uma coroa de orquídeas que, por seu tamanho e beleza, ofusca as demais.
Juventino vê com espanto a chegada da encomenda. Levanta-se e vai em direção à coroa,
que a essa altura já está sobre o caixão. Pega o cartão e lê em voz baixa.

JUVENTINO – À inesquecível Ismênia, com todo amor, de Otávio... ( música )

- Uma dúvida toma conta de Juventino.

JUVENTINO - Quem é Otávio? Otávio!!! Quem é Otávio? Alguém sabe quem é Otávio? Que
significa isso? Quem é Otávio?

- Todos ficam intrigados, mas ninguém se atreve a responder a seus questionamentos.


Juventino, indignado, sai da sala repetindo consigo mesmo, sua dúvida.

JUVENTINO – Quem é Otávio? Quem é Otávio?

- Os comentários ao pé do ouvido tornam-se uma constante. Tempos depois Juventino volta


a sala e com um punhal na mão, completamente fora de si, apunha-la o cadáver, ao
berros...

JUVENTINO – Cínica... Cínica... Cínica. ( música )

FIM

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