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APRESENTADOR I - Autor dos mais discutidos, foi o responsável pelo grande passo que a
dramaturgia brasileira deu na década de 40.
APRESENTADOR II – Aceito por uns, criticados por outros, suas peças contém um diálogo brilhante
que empolgam o público, transformando-se em sucesso de bilheteria.
APRESENTADOR II – Quase todos os seus trabalhos foram adaptados para o teatro e o cinema.
APRESENTADOR I – E hoje, nós alunos da Oficina Popular de Teatro Experimental temos o orgulho
e a satisfação de homenagear àquele a quem chamam de o anjo pornográfico.
APRESENTADOR II – Nelson Rodrigues... Encenaremos adaptações de três contos que fazem parte
de sua extensa obra.
APRESENTADOR I – O pastelzinho,
APRESENTADOR II – O pediatra,
- Saem de cena.
- O elenco entra montando o cenário.
1º quadro - O PASTELZINHO
- Silenciam e do outro lado da cena Dalva conversa com três amigas. As garçonetes servem
aos convidados, que aos poucos vão deixando a festa.
- Dalva sai de cena com as amigas. Do outro lado da cena Sérgio continua sua conversa.
SÉRGIO – Não vejo a hora dessa festa acabar pra ficar sozinho com a Dalva.
AMIGO – Já entendi, já entendi. Estou de saída também. Sérgio, meu amigo, fique tranqüilo. Lembre-
se que você é o senhor da situação. Você é o macho da espécie e são os machos quem controlam essas
coisas. Dá aqui um abraço. Parabéns e felicidades. Vou me despedir de seus sogros. Onde eles estão?
SÉRGIO – Meus sogros foram embora que eu nem vi. Eu vou te acompanhar até a porta. ( música -
Minuetto: Alegro Motto Symphony nº94 – Haydn )
- Sérgio sai com o amigo e as garçonetes arrumam a sala. Recolhem as bandejas, os copos
de bebida e tentam deixar a sala com um aspecto mais organizado.
- As garçonetes saem de cena e Sérgio e Dalva voltam. Uma bandeja sobre a mesa contem
uma sobra de salgadinhos. Dalva vai até a bandeja.
DALVA – Estou morrendo de fome. Vou comer um pastelzinho e vou tomar um banho.
SÉRGIO – Não coma isso. Já deve estar frio.
DALVA – Não me importo. Estou morrendo de fome.
SERGIO – Seus pais foram embora que eu nem vi.
DALVA – Você estava distraído com os convidados. Deixaram um beijo pra você.
SÉRGIO – Mas também, morando aqui ao lado, vê-los sempre não será uma coisa rara.
DALVA – É verdade. Eu fico mais segura morando perto dos meus pais. Alem do mais, essa casa foi o
melhor presente de casamento que ganhamos.
SÉRGIO – Sem dúvidas!
DALVA – Estou morrendo de calor!
SÉRGIO – Vamos tomar o tal banho?
DALVA – Se você não se importar, eu gostaria de tomar banho sozinha. Eu nunca me banhei na frente
de homem nenhum. Deixa eu me acostumar à idéia primeiro?
SÉRGIO – mas agora você é minha mulher!
DALVA – Por favor, não ínsita.
SÉRGIO – Tudo bem! Tudo bem!
DALVA – Estou me sentindo tão estranha.
SÉRGIO – Você não devia comer essas besteiras. O psicólogo me disse que...
DALVA – Psicólogo! Que psicólogo?
SÉRGIO – Nada não! Deixa isso pra lá. Vá tomar o seu banho.
DALVA – Mais um pastelzinho... ( música )
SÉRGIO – Ela não devia ter comido aquele pastelzinho. Já não está se sentindo muito bem e ainda por
cima fica comendo pastelzinho. O psicólogo disse pra evitar esse tipo de comida. Vai que tenha alguma
reação! Logo na noite de núpcias. Na noite que decide o casamento. ( música )
- Sérgio se levanta e vai até o banheiro, à procura de Dalva. Minutos depois volta aos
berros.
SÉRGIO – Socorro! Socorro! Dalva se matou. Ela está morta. Dalva se matou. Socorro!
- A mãe core para o banheiro para ver a filha morta. O pai vai atrás. Em seguida voltam.
MÃE – Ela está morta. Minha filha está morta. Como isso aconteceu? Como?
SOGRO – Como isso aconteceu Sergio, como?
SÉRGIO – Eu não sei. Não Sei.
MÃE – O que você fez a ela? Seu miserável! O que você fez a ela?
SÉRGIO – Eu? Nada! Eu não fiz nada.
SOGRO – Porque ela se matou? Porque? Vamos, fale. O que aconteceu? O que aconteceu?
SÉRGIO – Foi o pastelzinho. Só pode ter sido. Foi o pastelzinho. Só pode ter sido o pastelzinho.
- Sérgio sai de cena repetindo sua fala. O pai e a mãe de Dalva se abraçam e choram no
centro da sala.
- Sai repetindo essa frase. O pai e a mãe choram abraçados. Saem em seguida.
- O elenco muda o cenário.
2º quadro - O PEDIATRA
- ( música ) Numa sala de repartição pública, três amigos trabalham e um está ao telefone.
MENESES – Alô! Sou eu, o Meneses. Já arrumei um lugarzinho ótimo para nos encontrarmos. É um
apartamentinho sensacional na Barata Ribeiro, esquina com a Atlântica. Vamos fazer o seguinte: eu
vou primeiro, por volta das duas horas e você chega uma hora depois. É no n° 321, apartamento 204.
Vou deixar a porta aberta, encostada. Você vai entrando. Tudo bem! Estarei te esperando. Um beijo.
( música )
- Meneses desliga o telefone e mal consegue falar de emoção. Abraça os amigos, um por um.
Todos saem de cena. O ambiente que antes era a repartição pública, agora é a sala do
apartamento. Meneses ansioso anda de um lado para o outro.
- Meneses, fora de si, deixa a mulher plantada no centro da sala e sai gritando.
- Sai grintando e deixa a mulher sozinha no apartamento do amigo. A mulher sai e cena.
- O elenco troca o cenário.
- ( música ) Uma sala de estar. Um sofá à esquerda, duas poltronas à direita com uma
mesinha de canto, um telefone sobre a mesma.Uma mesa, quatro cadeiras, um jarro de
flor, um abatjour, um porta-chapéus completam a cena. Numa das poltronas, Juventino se
lastima. Alguns amigos o consolam.
JUVENTINO - Não me conformo. Não me conformo. Isso não é justo. Deus está sendo ingrato
comigo.
DANIEL - Calma Juventino. Calma! A gente não pode nada contra a vontade de Deus. É uma prova
que Deus lhe está impondo.
JUVENTINO - Mas porque ela? Porque não, eu? Se é pra me por a provação, que me levasse, mas a
deixasse viver. A pobre está lá, à morte! E nós aqui, sem podermos nada fazer.
SOGRO - Podemos rezar. É só o que podemos fazer. Rezar! O médico está lá dentro com ela...
JUVENTINO - E não traz uma notícia. Ficamos nós aqui, nessa agonia. ( música )
JUVENTINO - Não. Não quero café. Quero minha mulher com saúde. É isso que eu quero. Eu quero a
Ismênia com saúde.
SOGRO - Obrigado!
JUVENTINO – Não! Já disse que não quero... Eu quero a minha mulher... Igual a ela, jamais existirá
outra. Esposa fidelíssima, mulher direita, comportamento irretocável. Sabia que ela nunca, se quer,
espirrou na minha frente. Ah! Daniel... Ah! Meu sogro… Não sei o que vai ser de mim se essa mulher
morrer! Foram dois anos de namoro e um de noivado e só nos beijamos, depois do casamento. Mulher
recatadíssima. Nunca se despiu na minha frente de luz acesa.
- O médico, de cabeça baixa, adentra a sala. A notícia é uma bomba para Juventino.
MÉDICO – Eu sinto muito. Fiz tudo que estava ao meu alcance. Foi a vontade de Deus. ( música )
- Juventino se descontrola.
JUVENTINO – Não! Não! Não! Diz que é mentira. Diz. Ela não pode ter morrido. Não pode.
JUVENTINO – Que força o que! Eu quero é um revolver... Vou meter uma bala na minha cabeça. Que
sentido a vida tem sem ela. Me dá um revolver. Um revolver. Eu quero morrer também. Morrer.
- O sogro sai. O médico o acompanha. Daniel consola o amigo até que ele acalme. ( música )
DANIEL - Juventino acho melhor eu sair para providenciar umas coroas de flores. Você vai ficar bem?
JUVENTINO – Vai Daniel. Vai. Eu vou ficar bem.
- Daniel sai de cena. Juventino divaga. ( música – nocturne Op.9 nº2 - chopin )
JUVENTINO – Deus!!! Porque??? Porque??? É pra me castigar? Ah! Minha mulher... Minha querida
mulher. Como que eu vou viver sem ela? Como? Eu vivo por ela. Sem ela a vida perde a razão... Ah!
Deus... Porque?
- Entra o sogro.
SOGRO – Juventino, meu filho! Não adianta você ficar nesse desespero. Ninguém pode mudar a
vontade de Deus... Vamos até o quarto para você ver o corpo...
SOGRO – Venha pelo menos tomar um café. Você está muito abatido.
JUVENTINO – Posso lhe confessar uma coisa... Desde criança eu... Nunca consegui... Olhar para
um... O senhor entende? Nunca consegui olhar para um... Para uma pessoa morta. E ter que fazer isso
justamente com ela... É demais pra mim.
SOGRO – Venha, meu rapaz. Venha tomar um café. Você precisa relaxar um pouco. ( música –
nocturne Op.9 nº2 - chopin )
- O sogro sai conduzindo Juventino pelo braço. Os homens da funerária entram e arrumam
o velório. Em seguida Juventino volta à sala. Ele entra e vê o caixão ao centro da sala.
Desvia o olhar senta-se do outro lado, próximo ao telefone. O telefone toca e ele atende.
JUVENTINO – Sim... Oi Daniel... O que foi? A coroa? Não combinamos que seria de orquídeas?
Nossa!!! Mas custa isso tudo mesmo? Não!!! Melhor não. Eu não estou provido de recursos. A doença
dela me fez gastar muito. Só na farmácia, eu devo uma exorbitância. Acho até que essa tal de penicilina
e conversa para boi dormir... Troca aí. Escolhe outra... Mas que seja bonita. Não vem pra cá com uma
coroazinha chinfrim, não. Ela merece uma coroa bem bonita.
JUVENTINO – É o Daniel. Ele foi providenciar umas coroas de flores... Daniel... Faz isso que eu te
falei, ta? Estou te esperando aqui. Até mais.
- Desliga o telefone. A campainha toca. O sogro vai atender. Alguns familiares chegam
trazendo flores e consolos.
SOGRO – Inconsolável.
PRIMO – Olá primo Juventino. Não tenho sequer palavras pra expressar meus sentimentos.
PRIMA – Foi a vontade de Deus primo... Vontade de Deus.
- Juventino abraça os primos, mas não esboça uma palavra se quer. Estabelecesse um clima
de velório. A empregada volta e meia, traz um café. As pessoas conversam em voz baixa.
Juventino é uma estátua. Daniel retorna. Vai até Juventino e sentasse ao seu lado,
consolando-o. Após algum tempo, a campainha toca, Daniel vai atender e um entregador
entrega uma coroa de orquídeas que, por seu tamanho e beleza, ofusca as demais.
Juventino vê com espanto a chegada da encomenda. Levanta-se e vai em direção à coroa,
que a essa altura já está sobre o caixão. Pega o cartão e lê em voz baixa.
JUVENTINO - Quem é Otávio? Otávio!!! Quem é Otávio? Alguém sabe quem é Otávio? Que
significa isso? Quem é Otávio?
FIM