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FACULDADE DE DIREITO “PROF.

JACY DE ASSIS”
DISCIPLINA DE DIREITO CIVIL V - FAMÍLIA

BIANCA GONÇALVES RODRIGUES


GABRIEL DE MELO CRUZ
ISABELA TRALDI
JÚLIA RODRIGUES LOPES

RESENHA ACADÊMICA DESCRITIVA

FILME: HISTÓRIA DE UM CASAMENTO (2019)

Uberlândia
2021
1) Introdução

História de um Casamento é um filme de drama que tem como roteirista e diretor


Noah Baumbach. O longa-metragem foi disponibilizado na plataforma de streaming Netflix
em 6 de dezembro de 2019, e recebeu seis indicações ao Globo de Ouro. Os principais atores
do elenco são Adam Driver (Charlie), Scarlett Johansson (Nicole), Azhy Robertson (Henry),
Laura Dern (Nora Fanshaw).

A obra cinematográfica narra a história do casal Charlie e Nicole, de modo bastante


sensível com a realidade, demonstrando todas as dificuldades que envolvem o divórcio, tanto
no aspecto emocional, especialmente no que diz respeito à guarda de Henry, filho único do
casal, como também no âmbito jurídico, pela complexidade a partir do momento em que os
advogados são envolvidos.

O filme começa com a narração das cartas que Charlie escreve para Nicole e que
Nicole escreve para Charlie, em que reconhecem as qualidades um do outro. Nesse primeiro
momento, não são expressados quaisquer sentimentos de rancor ou mágoa, pelo contrário,
nota-se o afeto entre eles.

Contudo, no decorrer da história, percebe-se que as cartas foram redigidas a pedido do


terapeuta matrimonial que frequentavam, vez que o casamento já estava em ruínas pelo
desgaste da vida a dois, sobretudo pela insatisfação de Nicole, que deixou sua carreira em
segundo plano para cuidar do marido e do seu filho, em Nova Iorque.

Nesse contexto, Charlie era dono de uma companhia de teatro em ascensão da cidade,
e Nicole, após atuar em uma das peças do marido, recebe um convite para estrelar um piloto
em Los Angeles, por um ano. Charlie, por sua vez, se recusa a mudar. Mesmo assim, por ser
importante para sua realização pessoal, ela decide aceitar a proposta e, depois de contratar a
advogada Nicole, intima o marido com o pedido de divórcio judicial, apesar de terem
acordado previamente que não iriam envolver advogados.
A partir desse momento, a relação entre eles fica ainda mais complexa, marcada pela
hostilidade, discussões e disputas pela guarda de Henry, principalmente em razão da conduta
dos advogados, que estimulou o sentimento de ódio entre eles. Todo o contexto do divórcio
culminou em um completo desgaste emocional para ambos e para o filho.

Ao final, o filho ficou com a mãe, em Los Angeles, enquanto o pai continuou em Nova
Iorque. Após certo tempo, superadas as dores do processo do divórcio, Nicole inicia um
relacionamento amoroso com outra pessoa, mas ela e Charlie conseguem manter uma relação
de carinho e afeto, mesmo depois de tudo o que aconteceu. Isso fica evidenciado com a
emoção de Charlie, ao ler a carta que Nicole escreveu enquanto ainda frequentavam a terapia
de casal, narrada no início do filme. Ela assiste o ex-marido lendo a carta ao filho e também
se emociona.

Portanto, percebe-se que neste filme, assim como em outros produzidos por Noah
Baumbach, há um toque muito sensível com a realidade. Seus filmes não têm efeitos
mirabolantes e causas políticas, por exemplo, mas sim introduzem histórias reais e
sentimentais e trabalham muito bem o que é humano. Desse modo, apesar de o filme ter a
classificação etária para a partir de 14 anos, tem um público universal, vez que provavelmente
já assistimos essa história com um amigo, com um familiar ou foi vivenciada por nós
mesmos, tamanha a verossimilhança com a realidade.

2) Análise jurídica

Do exposto, cumpre-se necessário salientar acerca dos princípios de Direito de Família


que permeiam o filme.

Para introduzir a nossa leitura jurídica nesse aspecto, convém citar o princípio da
afetividade, a partir do qual se extrai o elo de qualquer núcleo familiar. Isso é concluído a
partir da simples análise do conceito moderno de família, consistente em duas ou mais
pessoas, cuja união decorre do objetivo de desenvolvimento pessoal e em razão da
socioafetividade entre estas.

No caso apresentado no filme, resta incontroversa a formação do núcleo familiar,


portanto é indubitável a existência de deveres, tanto em relação ao filho quanto entre os
próprios cônjuges. Nesse raciocínio, insta a importância de analisar se, com a decisão do
divórcio, os deveres matrimoniais e os princípios de Direito de Família ainda devem ser
respeitados. Na nossa opinião, sim.

O filme evidencia esse posicionamento logo na cena inicial, quando, embora a


separação já fosse um consenso, os cônjuges haviam feito uma descrição pessoal um do outro
extremamente carregada de afeto. Ademais, ousamos dizer que, inclusive no final da obra,
após muito tempo decorrido após o divórcio, o afeto ainda é claramente presente, quando
Charlie lê a descrição de sua pessoa feita por Nicole e se emociona.

Portanto, a socioafetividade, na prática, não se extingue com o divórcio, tampouco


com o rompimento da comunhão de vida, de modo que não é possível se falar em uma
extinção do núcleo familiar em questão. Entretanto, com a dissolução matrimonial, é comum
se ver um amplo desrespeito à família, e muito em virtude do envolvimento advocatício e
judicial, sendo o filme uma clara retratação da realidade.

Nesse aspecto, o princípio da solidariedade familiar é ferido de várias formas: a


necessidade de despender grande quantia de dinheiro para realizar a dissolução; a elaboração
de estratégias para se realizar desejos próprios em detrimento dos interesses da ex-parceira e
da criança; a exposição do caso para vários advogados da cidade, a fim de que estes não
pudessem assessorar o ex-parceiro; relatos no tribunal que comprometem a imagem e a honra
dos sujeitos; e a negociação de condições diferentemente do acordo feito entre as partes, por
mera vaidade de se considerar vitorioso.

Por se tratar de direito de família, os advogados deveriam prezar pelo dever de


assistência material e moral recíproca entre as partes, de modo a evitar qualquer atitude que
pudesse afetar a dignidade e a subsistência do outro, além de cooperar com um resultado
menos oneroso, tanto para as partes quanto para a criança.

Por outro lado, é possível identificar também a relação com os princípios da


igualdade entre cônjuges e da dignidade da pessoa humana, destacando-se o direito à
felicidade, decorrente deste último. Isso porque, no filme, é evidente a dor e frustração da
Nicole por não se sentir realizada enquanto indivíduo, vez que se anula diante do marido.
Nesse contexto, o Código Civil de 2002, no artigo 1.511, preceitua que o casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges. No entanto, não é o que se verifica na narrativa, vez que Nicole assumiu o papel de
mãe e esposa para que o marido pudesse se dedicar à carreira. Ao fazer isso, seus projetos
pessoais e objetivos profissionais ficaram em segundo plano, culminando em tamanha
infelicidade durante o casamento.

Na situação em análise, foi violado o princípio da igualdade entre os cônjuges,


sobretudo porque não houve paridade entre o casal nas decisões relacionadas às carreiras
profissionais, que tiveram por base tão somente aquilo que seria melhor para Charlie, cada
vez mais aplaudido pela sua atuação. Do mesmo modo, verifica-se a inobservância ao
princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à felicidade, porquanto Nicole viveu
frustrada por um longo período ao perceber que sua capacidade como artista era sombreada
ou inibida pelo marido, impedindo seu desenvolvimento enquanto indivíduo.

Além disso, no filme também é retratado o princípio do maior interesse da criança e


do adolescente, disposto nos artigos 227, caput, da Constituição Federal de 1988 e arts. 1.583
e 1.584 do Código Civil de 2002, vale ressaltar que, esse princípio é reconhecido pela
Convenção Internacional de Haia, nomeado como best interest of the child, o que evidencia
sua aplicação tanto no Direito Brasileiro quanto no Direito Internacional.

O princípio define como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade os seus direitos, como o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, entre outros, além de colocá-los a salvo de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.

Em relação aos fatos do filme, é possível perceber com evidência o predomínio desse
princípio quando a assistente social visita Charlie para entender a dinâmica familiar
desenvolvida entre ele e seu filho, visita essencial para que o juízo decida sobre a guarda
familiar. Nessa cena é evidente que, todas as perguntas feitas à Charlie se voltam à criação e
ao afeto que ele proporciona ao seu filho, perguntas como o que eles fazem juntos e quais as
preferências da criança são discutidas, a segurança da criança também é avaliada, quando ele
sugere de viajar de avião com o menino e quando demonstra uma brincadeira arriscada que
costumam fazer.
Nessas hipóteses, é possível perceber que a preocupação da assistente e,
consequentemente, do Estado é assegurar que os direitos da criança estão sendo garantidos
por seus pais com absoluta prioridade, além de também verificar se a criança está sendo
colocada à salvo de qualquer forma de negligência. Assim, é possível aferir que essa forma de
proteção jurídica garantida pelo Estado ao menor é semelhante ao Direito Brasileiro.

Ademais, o maior interesse da criança é também demonstrado na conversa da


assistente com o menino, em que ela expressamente pergunta a ele o que ele acha da escola,
da cidade e do convívio com seus pais, o que demonstra uma clara preocupação em atender o
interesse da criança, em olhar para ela como sujeito de direitos e incluir a sua participação na
definição de ações que lhe digam respeito, respeitando sua individualidade. Essa proteção e
valorização do interesse do menor são ações essencialmente relacionadas ao princípio do
maior interesse do menor, o que demonstra a parcela existencial do Direito de Família que,
centrado na pessoa humana, busca a promoção da dignidade e do desenvolvimento da
personalidade, da realização e da satisfação pessoal de cada um dos integrantes do núcleo
familiar.

· 3) Conclusão

Pretendendo chegar à conclusão de nossa análise, é cabível, por fim, observar dois
pontos relevantes para um olhar jurídico sobre o filme objeto da presente resenha, sendo eles,
a relação entre Charlie e sua sogra, e a ideia do divórcio por meios extrajudiciais, objetivo
inicial do casal protagonista.

Comentaremos primeiro acerca da notória relação de afeto entre Charlie e a mãe de


Nicole, Sandra, especialmente evidenciada no momento em que os dois se encontram e se
cumprimentam na casa dela, em Los Angeles. Outro exemplo da relação mencionada, e
importante para a análise aqui proposta, se apresenta no momento em que Sandra afirma que
“(...) Charlie e eu temos nossa própria relação, independente do seu casamento (...)”,
demonstrando a construção de uma relação de afeto entre sogra e genro.
Juridicamente, essa relação é chamada de parentesco por afinidade em linha reta e não
desaparece com o divórcio, conforme afirma o art. 1.595, §2º do Código Civil de 2002,
vejamos:
Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do
outro pelo vínculo da afinidade.
§1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos
descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
§2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do
casamento ou da união estável.

Pelo exposto, percebe-se que, no Brasil, não há ex-sogra ou ex-genro, ou seja, Sandra
e Charlie continuarão a ser sogra e genro mesmo com a dissolução do casamento dele com
Nicole. Conforme afirma o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, "rompido o vínculo
matrimonial permanecem o sogro ou sogra, genro ou nora ligados pelas relações de
afinidade."

Daí decorre o motivo para a determinação legal contida no artigo 1.521, inciso II do
Código Civil, qual seja, que não podem se casar os afins em linha reta, sendo nulo tal
casamento.

A partir do exposto, percebe-se como a fala de Sandra, transcrita no início desta


análise, está correta, inclusive de acordo com as normas brasileiras, ou seja,
independentemente de haver ou não divórcio entre Nicole e Charlie, a relação entre ele e
Sandra irá se perpetuar.

Finalmente, analisaremos o segundo tema proposto nesta análise conclusiva, qual seja,
o divórcio por meios extrajudiciais, objetivo inicial do casal protagonista.

No início do filme percebemos que a intenção de Charlie e Nicole era de se separarem


de forma amigável, sem envolver advogados, tanto que procuraram um mediador para isso.
No entanto, Nicole não consegue prosseguir com a situação.

Após isso, objetivando se divorciar e influenciada por uma colega de trabalho, a


protagonista procura uma advogada, Nora, que a recebe de forma extremamente confortável,
passando uma imagem de confiança. O ambiente é iluminado, Nora tira os sapatos e faz
Nicole se sentir à vontade, com biscoitos e chá, se comunicando num tom de voz baixo,
sereno e calmo, ou seja, promovendo um ambiente seguro e acolhedor.

O contrário acontece com Charlie, que ao procurar um advogado para o representar,


encontra ambientes escuros e nada acolhedores, se sentindo extremamente desconfortável.
Esse contraste visual entre os ambientes e as reações dos clientes demonstra a importância do
tratamento que o profissional do direito dá a eles.

Com o decorrer do filme, percebemos que, apesar do apoio dado à Nicole, a sua
advogada pretende ganhar a causa e se autopromover, mesmo que, no fim, não haja lado
vencedor ou perdedor, posto que se trata de um divórcio em que ambos tinham pretensões
semelhantes para a dissolução do matrimônio.

Não somente Nora, mas o advogado de Charlie também incentivou a situação de


conflito entre seu cliente e Nicole, os quais, apesar de tudo, ainda nutriam grande sentimento
de afeto um pelo outro. Ambos os advogados estimularam a hostilidade entre o casal, gerando
um sentimento de ódio e disputa entre eles, tornando-se um processo extremamente
desgastante para toda a família, inclusive o filho.

Conclui-se, desta maneira, a existência de expressa má-fé na relação do advogado com


seu cliente, não observando as suas vontades e necessidades, o que, especialmente para o
Direito de Família, é crucial. Para esse ramo do direito, os sentimentos e as emoções de seu
cliente são muito importantes, e é necessário que os advogados se atentem à relação que se
pretende construir com ele, ultrapassando o mero formalismo jurídico, oferecendo apoio e
prestando atenção às suas necessidades.

Percebe-se que a atuação judicial pode ser, na verdade, extremamente negativa para a
resolução de certos conflitos, vindo a torná-la ainda mais desgastante, como foi o divórcio
narrado no filme. Ressalta-se, por fim, que os processos de conciliação e mediação poderiam
ser positivos para estas situações, e deveriam ser incentivados, inclusive pelos advogados
atuantes na causa.

REFERÊNCIAS
MARQUES, Mariana. Crítica História de um Casamento. Acesso em: 07 de abril de 202. Disponível
em: https://www.institutodecinema.com.br/mais/conteudo/critica-historia-de-um-casamento.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Vol. 6. 16 Ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019.

FUKS, Mariana. Filme História de um Casamento. Acesso em: 07 de abril de 2021. Disponível em:
https://www.culturagenial.com/filme-historia-de-um-casamento/

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. 4. Ed. São
Paulo: Saraiva Jur, 2020.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil Volume Único.11 Ed. Rio de Janeiro: Editora Método,
2021.

SEREJO, Lourival. História de um casamento, o filme. Acesso em 07 de abril de 2021. Disponível


em: https://ibdfam.org.br/artigos/1373/Hist%C3%B3ria+de+um+Casamento,+o+filme

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