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FCB 2023 – Prof. Dr. Pe. João Paulo de M.

Dantas – Curso: Eucaristia


Síntese baseada no livro: B. Prite, Jesus e as raízes judaicas da Eucaristia, Ecclesiae: São Paulo 2020.

JESUS E A EUCARISTIA À LUZ DO JUDAÍSMO

Deve-se dizer que a mensagem de Jesus é completamente mal interpretada se é separada do


contexto da fé e esperança do povo escolhido: assim como João Batista, seu precursor
direto, Jesus, acima de tudo, se dirige a Israel (cf. Mt 15,24) a fim de reuni-lo em torno de
si no tempo escatológico que chegou com a sua vinda” (Bento XVI).

O povo de Israel esperava o Messias. Uma das tradições era de que o Messias seria um
Novo (Maior) Moisés (Cf. Dt 18,15-18), que estabeleceria uma nova Aliança (Cf. Jr 31, 31-33),
selada com o sangue de um sacrifício perfeito.
Paralelo a isso, pode-se recordar que se desenvolve em Israel a esperança de um novo
Templo, que não apenas restabeleceria o esplendor do templo de Salomão, mas o excederia (Cf.
Ez 37, 24 – 28; Ag 2, 6-9) “Quando o Rei – Messias que mora no norte acordar, virá e construirá
o Templo, que se situa no sul. Isto está de acordo com a passagem ‘Eu o despertei lá no norte,
do lado do nascer do sol ele veio, pois o chamei pelo nome’ (Is 41, 25)” (Números Rabá 13,2).
Esta esperança também está associada à triste constatação de Flávio Josefo (A Guerra dos
Judeus 5, 219) de que no Santo dos Santos não havia nada. A parte mais importante do Templo
(o Santo dos Santos) estava vazia na época de Jesus.
O Messias conduziria o seu povo para a Nova Terra prometida (Cf. Is 60, 21), todos os
dispersos de Israel seriam reconduzidos para uma nova terra. Jeremias afirma que quando o
novo Êxodo acontecer, Deus dará às 12 tribos uma Terra agradável e santa como herança (Cf.
Jr 3, 15-19). Seria Israel, a sua Terra este lugar? Isaías fala de uma Nova Jerusalém (Is 43, 49-
60), na descrição oferecida tudo parece fazer parte de um novo paraíso, um novo Jardim do
Éden (Cf. também Ez 36, 33-35). A Nova Terra, a Nova Jerusalém, parece ser na verdade uma
realidade escatológica. Como cristãos, lemos isso como uma indicação que aponta na direção
da Igreja e do Céu!
Jesus veio realizar um Novo Êxodo: os seus 40 dias no deserto, em oração e jejum,
parecem recordar a experiência do Sinai (Não apenas os 40 anos no deserto, mas devemos
lembrar que Moisés também jejuou por 40 dias e noites no Monte, como lemos em Ex 34, 28).
A transformação de água em vinho (Cf. Jo 2) nos recorda Ex 7, 14 – 24 e prepara o fato
de que ao final de sua vida pública, ele instituirá a Eucaristia e a associará à Nova Aliança do
seu Sangue (Lc 22, 20; 1cor 11, 25). Podemos comparar Is 35, 5-10 e Mt 11, 4-5 (ou Lc 4, 18-
19), e veremos como Jesus realiza os sinais do Novo Êxodo.

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Síntese baseada no livro: B. Prite, Jesus e as raízes judaicas da Eucaristia, Ecclesiae: São Paulo 2020.

Assim como Moisés se transfigurava na presença de Deus, Jesus sobre o Tabor se


transfigura (Lc 9, 28-31) de um modo mais perfeito diante de Moisés e Elias, que dão
testemunho dele, como representantes eminentes da Lei e dos Profetas (=Sagrada Escritura para
os Judeus).
Recordemos que Mateus associa Jesus ao Egito (lugar ligado a história do Êxodo) em
sua infância, e deixa claro no sermão da Montanha, que a autoridade de Jesus é maior do que a
de Moisés (Recorde-se ainda a Estrutura do Evangelho de Mateus x Pentateuco)

1- JESUS E A NOVA PÁSCOA


A páscoa Judaica
Passo 1 – escolhia-se um cordeiro imaculado. Devia ser escolhido para a Páscoa um cordeiro
macho, de 1 ano, imaculado. (Cf. Ex 12, 1- 6), ou seja, sem defeitos.
Passo 2 – Devia ser sacrificado, mas se tratava de um sacrifício diferente, pois não correspondia
aos tipos de sacrifícios apresentados no livro do Levítico. No décimo quarto dia de Nissan, sem
que os ossos do cordeiro fossem quebrados, seu sangue era retirado pela imolação, servindo
originalmente para marcar as arquitraves das casas dos filhos de Israel (Passo 3)
Passo 4 – Todos deviam comer da carne do cordeiro, todos, comer do cordeiro era essencial
para viver a Páscoa (Cf. Ex 12, 8 - 12). Comiam na mesma noite em que o cordeiro morrera
Passo 5 – O Dia da Páscoa deveria se tornar um dia de solene lembrança ou de memorial (Cf.
Ex 12,14)

A PÁSCOA NA ÉPOCA DE JESUS


Na época de Jesus, o costume era comer a Páscoa em Jerusalém, na proximidade do
Templo (1), pois eles deveriam ser sacrificados no templo e comidos na cidade Santa.
A base bíblica para esta tradição (relativamente recente) era Dt 16, 5-7, que interpreta
a páscoa judaica como sendo uma espécie de sacrifício (Zebah= sacrificio).
O Pai da família levava no dia dos pães ázimos o cordeiro da família ao templo,
entregava-o a um sacerdote para que o imolasse. Isto ocorria entre as 15h e as 17h (Josefo,
Guerra 6, 423-427 → Fala de cerca de 200.000 cordeiros).
Jerusalém era a cidade onde Deus fizera repousar o seu nome (HaShem).
Além desta diferença, existe uma outra importante: os cordeiros no templo eram + ou –
crucificados. De acordo com mishnah, os judeus usavam bastões finos e macios de madeira
através dos ombros do cordeiro para pendurá-lo (Pesahim 5, 9) e tirar a sua pele. Outra vara era

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usada atravessando da sua boca ao traseiro (Pesahim 7,1). Interessante é que Justino, Mártir,
em seu diálogo com Trifão escreve: “O cordeiro é assado, é assado e disposto na forma de uma
cruz. Um espeto é transpassado das partes inferiores até a cabeça, e outro no dorso, no qual são
presas as patas do cordeiro” (n. 40).
Uma terceira diferença: os rabinos antigos viam cada celebração da Páscoa como uma
forma de participação no Imenso Êxodo. A páscoa não era apenas um “sacrifício”, também era
um “memorial” (Ex 12,14). Mishnah, Pesahim 10, 4: O Filho mais jovem pergunta ao Pai, por
que esta noite é diferente de todas as outras?” e o Pai respondia recontando a história de Abraão
e do Êxodo
Pode-se ainda citar uma quarta diferença, na medida em que a expectativa pela vinda do
Messias se associou ao memorial da Páscoa. Muitos esperavam que o Messias se manifestasse
como redentor no dia da redenção original, ou seja, no dia da Páscoa. Comentários antigos do
Êxodo confirmam isso: “Naquela noite eles foram redimidos, e naquela noite eles serão
redimidos” (Mekilta em Ex 12, 42 apud J. Jeremias, the eucaristia words of jesus, lordon 1966,
206-207).
São Jerônimo quando comenta o Evangelho de Mateus, escreve:
“É uma tradição dos judeus que o Messias virá à meia- noite de acordo com o modo da época
do Egito quando a Páscoa foi (primeiramente) celebrada” (comentário a Mateus 4 em 25,6).

JESUS E A NOVA PÁSCOA


Na última ceia, Jesus não está apenas preservando o memorial da páscoa judaica, mas
está instituindo uma nova páscoa (A Páscoa do Messias), antes do seu próprio Êxodo. A ceia
que celebra é no contexto pascal, é parecida com o Pesah, mas também é diferente, há um
“Novum”!
1ª semelhança: Jesus celebra a última ceia na noite da Páscoa (ou na véspera da noite da
Páscoa, segundo o Evangelho de João), quando os cordeiros eram comidos pelos judeus (Cf.
Mat 26, 17-19; Mc 14, 12; Lc 22, 14-15). A ceia foi logo depois do sacrifício (15h às 17h), caso
seja a cronologia dos sinóticos a correta, 15h (cf. Mishná, Tamid 3,7) caso seja a cronologia
joanina a correta, neste caso era o tamid → sacrifício diário, vespertino.
2ª semelhança: Jesus escolhe Jerusalém, não Betânia, mas a tradição judaica fala da
cidade de Jerusalém. Eles celebram á noite. Há a presença de Vinho e Pão. Na Celebração da
Páscoa judaica o patriarca da casa explica o significado do pão ázimo (Ex 12, 26-27; Mishá,

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pesahim 10, 5). A ceia termina com um “hino” (Mt 26, 30; Mc 14, 26), menção ao Sl 118,
grande halel.
Diferenças radicais: a) Jesus atua como Pai- anfitrião; b) Jesus fala de uma Nova Aliança
(1 Cor 11,25; Jr 31, 31-33); c) Jesus não fala do cordeiro animal, mas fala de seu corpo e do
seu sangue, Ele é o cordeiro (Jo 1,29), menciona o seu sacrifício. Jesus está se apresentando
como o Novo Cordeiro Pascal, o Messias Pascal, o Novo Sacrifício! Jesus institui no espírito
de antiga páscoa, a Nova páscoa; d) Jesus ordena que suas ações sejam repetidas (memorial).
Jesus sabia que a Páscoa só era cumprida se o cordeiro fosse comido, por isso ele oferece
o seu corpo e o sangue como alimento. A diferença é que se trata do corpo e sangue da pessoa
– Messias. Sangue não podia ser alimento, pois a vida pertence a Deus, mas Ele é Deus, então
ele pode dar a sua vida como alimento.
Esse era o entendimento dos primeiros cristãos:
1 Co 5,7-8: Jogai fora o velho fermento, para que sejais uma massa nova, já que sois
ázimos, sem fermento. De fato, nosso cordeiro pascal, Cristo, foi imolado. 8 Assim, celebremos
a festa, não com o velho fermento nem com o fermento da maldade ou da iniquidade, mas com
os pães ázimos da sinceridade e da verdade.
1 Co 10,16: O cálice da bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de
Cristo? E o pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo?

2- O MANÁ DO MESSIAS

Ex 16 conta a história do Maná, alimento mandado” por Deus (celeste) para sustentar o
seu povo no caminho rumo à terra prometida. Pão celeste.
O Maná tinha 4 características: a) milagroso; b) associado à carne de perdiz; c) colocado
no tabernáculo (Arca); d) sabor diferente: bolo com sabor de mel (antecipa a terra prometida,
que é a “terra onde escorre leite e mel” [Ex 3,8]).
O milagre cessou quando chegaram a seu destino.

Tradições judaicas:
1- Na Mishná é dito que a Maná foi criada junto com outros 9 elementos na Véspera
do Sétimo dia (A mesma ideia aparece no Targum pseudo-Jonatan em Ez 16,4 e 15);

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2- Outra tradição é que o Maná era guardado no Templo Celeste (modelo do terrestre|).
Assim a presença do Maná no templo terrestre é um sinal da sua presença no Templo Celeste
(Cf. Talmud babilônico, Hagigah 12B);
3- Uma terceira tradução: como o Maná continuou a existir no Céu depois de ter
desaparecido da terra, esperava-se que ele retornasse à terra na vinda do Messias (Exemplo:
Mekilta em Ex 16,25).
Jesus se refere ao Maná duas vezes: a) brevemente no Pai-Nosso; b) no discurso sobre o
Pão descido do Céu (Jo 6).
No Pai-Nosso: “O pão nosso de cada dia, nos dai hoje” (Mt 6). No grego encontramos o
termo epiousios, que é um neologismo misterioso: epi → em, sobre, acima; ousios → ser,
substância, natureza;
São Jerônimo traduz este texto assim: Dai-nos hoje o pão super-substancial (Mt 6,11).
Ele explica que “está acima de todas as substâncias e ultrapassa todas as criaturas (Comentário
a Mateus 1,6,11). A mesma ideia está presente em Cirilo de Jerusalém (Sermões mistagógicos
23,5). Cipriano dizia que se trata do pão celeste ou o alimento da salvação.
Se os Padres estão certos, então no contexto de Jesus, o “Pai-Nosso” pede o “Pão do Céu”,
ou seja, o “Maná” de cada dia.
À luz disso, entendemos melhor a importância e o sentido de Jo 6,35-58.
O capítulo 6 de João começa com a narração solene de uma multiplicação de pães e
peixes, para cerca de 5000 pessoas. O discurso sobre o Pão da Vida é precedido por uma
comparação que o povo faz entre Jesus e Moisés (cf. Jo 6,30-34). Jesus começou o seu discurso
falando do maná, indicando a sua origem celestial, e afirmando a sua real presença na comida
e na bebida da Última Ceia (cf. Jo 6,48-58).
A carne e o sangue de Jesus são verdadeiros alimentos (Jo 6,55).
Jo 6,51: “Eu sou o pão vivo que 1 Co 11,24: e, depois de dar graças,
desceu do céu. Quem come deste pão partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo
viverá eternamente. E o pão que eu entregue por vós. Fazei isto em
darei é a minha carne, entregue pela memória de mim”.
vida do mundo”.

Maná Eucaristia (Novo Maná)


Alimento do caminho (Terra prometida Alimento do caminho (Terra prometida
terrestre), perecível celeste), não perecível ou eterno

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Vida terrestre Vida eterna


Colocado na arca da aliança Colocado no tabernáculo (sacrário)
Pão sobrenatural celeste: preparação Pão sobrenatural do Céu (Cristo): realidade

Em Jo 6,60, lemos: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”. Muitos dos
discípulos não creram em Jesus (não se trata de não entenderem, mas de não crerem). É a
primeira vez que nos evangelhos se narra que Jesus é abandonado por muitos de seus discípulos,
abandonado pelo que diz, e ele estava falando da Eucaristia. Ele não se revela disposto a
negociar: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67). A Eucaristia é inegociável e Jesus não
tolera a falta de comprometimento a respeito do seu Corpo e do seu Sangue.
A resposta de Pedro é bela (Jo 6,68-69): “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de
vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Foi como se
ele dissesse “Senhor não compreendo totalmente o que acabaste de dizer, mas eu sei quem tu
és”.
Devemos nos recordar que Jesus deu duas grandes pistas ao longo do seu ministério
público, para entendermos o seu discurso eucarístico:
1- Ele é Deus... ao longo do seu ministério público, Jesus revelou a sua identidade divina
através de suas palavras e gestos (por exemplo: Ele pode perdoar pecados, é o Senhor do
Sábado, é maior do que o Templo, existia antes de Abrão, afirma que ele e o Pai são um, etc.);
2- Sua Ressurreição... Jesus fala de seu corpo e sangue ressuscitados como alimento.
Seu corpo e sangue depois da Ressurreição e Ascensão não estão mais sujeitos e limitados ao
tempo-espaço, mas pneumatizados, assim sendo, pelo poder do Espírito podem se fazer
presente, por exemplo, em cada Eucaristia celebrada... Jesus, ele mesmo, associa a Eucaristia a
sua Ressurreição em Jo 6,53-54: Jesus disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: se não
comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.
Quem se alimenta com a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia”.
Os discípulos não acreditaram em Jesus porque não entenderam a natureza sobrenatural
do novo Maná do Céu (dimensão sacramental). Eles só poderiam ter a Vida Eterna se comessem
do seu corpo e bebessem do seu sangue (=vida, nephesh eterno de Cristo).

3- O PÃO DA PRESENÇA

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O Livro do Êxodo e o Livro do Levítico descrevem detalhadamente o que seria o Pão da


presença, que ficava no interior do Santo, dentro do Santuário de Israel. Infelizmente, em
português, a expressão hebraica utilizada para designá-lo, foi enigmaticamente traduzida como
pão da proposição. Lehem ha-panim é uma expressão difícil de traduzir, mas neste caso, a
tradução literal parece preferível. Lehem significa pão, enquanto panim significa face. A face
estava associada com a presença do ser, com a identidade mesma do ser. Neste caso, poderíamos
traduzir Lehem ha-panim como o Pão da Face (de Deus), pois ele se encontrava na proximidade
da Presença, Face, de Deus. Ele acaba se tornando uma espécie de sacramental da presença de
Deus, da sua Face. Interessante é que antes de Ex 25, fala-se que Moisés e os 72 anciãos subiram
ao Monte e viram a Deus (Cf. Ex 24,9-11). Isto poderia indicar que estes pães são uma espécie
de lembrança do banquete divino no qual Moisés e os anciãos viram Deus.

Ex 25,23-24-29-30: “Farás de madeira de acácia uma mesa com cem centímetros de


comprimento, cinquenta de largura e setenta e cinco de altura. 24 Revestirás a mesa de ouro
puro, e lhe farás uma moldura de ouro em volta (...) Farás de ouro puro também as bandejas, as
panelas, os copos e as taças para as libações. 30 Sobre a mesa colocarás permanentemente
diante de mim os pães sagrados”.
O pão não é o único item sobre a mesa de ouro, havia jarros e tigelas para despejar as
libações (vinho).
No livro do Levítico encontramos um relato mais detalhado:
“Tomarás farinha fina e assarás doze pães, cada qual feito de dois jarros de quatro litros de
farinha fina, e os colocarás em duas fileiras de seis pães cada uma, sobre a mesa de ouro puro,
diante do Senhor. Sobre cada fileira porás incenso puro, que fará do pão um memorial, uma
oferta queimada para o Senhor. É uma lei perpétua.” (24,5-7).
Notamos: trata-se de um (1) sinal da eterna aliança entre Deus e Israel, é uma (2) oferenda
perpétua. O Levítico sugere que enquanto os pães estivessem na Tenda, a Menorá deveria estar
acesa (quase como o costume católico de ter uma lâmpada indicando a presença eucarística). È
considerado um (3) sacrifício (Ez 41,21-22 se refere a Mesa dourada como sendo um altar).
Pode-se dizer que era ao mesmo tempo um presente de Deus para seus sacerdotes, como um
sacrifício., ou seja, era refeição e sacrifício. (4) Sacrifício mais divino que o levítico diz se
realizar nos sábados (dia de adoração do Senhor), feito por Aarão, o sumo sacerdote. Era o
sacrifício incruento semanal: pão e vinho.

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A exegese judaica relacionava o pão da presença com o sacrifício santo de


Melquisedeque, realizado no Monte Moriá (Os judeus identificam este monte com o local do
sacrifício de Isaac e o Monte do Templo, em Jerusalém). Muitos rabinos criam que este pão era
milagroso.
Na época de Jesus era comum que os judeus viessem a Jerusalém três vezes ao no Páscoa,
Pentecostes e Tabernáculos), de acordo com o Talmude durante estas festividades, os sacerdotes
no templo faziam algo notável, removiam a mesa de ouro do santo, para que os peregrinos
pudessem vê-los. Ao remover o pão sagrado, dizima aos israelitas: Contemplai o amor de Deus
por vós” (Talmude babilônico, Menahoth 29 a). O Pão da presença era um sinal do amor de
Deus, na medida em que era um sinal da Aliança entre Deus e seu povo, uma espécie de laço
de casamento, entre Deus e Israel.
Por que os sacerdotes colocavam em relevo o pão da presença e não a menorah, porque
literalmente Ex 34,23 afirma que três vezes por ano todos os homens deverão ver a face do
Senhor. Neste versículo, o temo face é panim, mesma palavra usada para pão da presença ou
pão da face. Assim sendo, ao mostrar os pães, os sacerdotes permitiam ao povo cumprir o
preceito. Certo, devemos sublinhar que os judeus não criam que o pão fosse a face de Deus,
mas que fosse um sinal da sua Face. Ex 33,20 ensina que ninguém podia contemplar a face de
Deus e viver.
Jesus se refere ao Pão da Presença em Mt 12,1-6.
Para entendermos melhor esta passagem, lembremos que os israelitas cultivavam um
celibato temporário, em duas ocasiões: missão militar e serviço sacerdotal no Templo. Davi,
que era considerado rei (ungido) e sacerdote (usa o efod de linho: 2 Sm 6,14-17; o Sl 110,1-4
indica que um de seus descendentes será rei e sacerdote para sempre) podia comer o pão da
presença, na medida em que estava em estado de pureza análoga à sacerdotal.
Jesus se refere ao trabalho dos sacerdotes no Templo, que não fere o sábado (Mt 12,5).
Este trabalho em boa parte está ligado ao pão da presença (cf. Lv 24,5-8). Os sacerdotes não
infringiam o sábado, na medida em que eram sacerdotes, estavam no Templo e estavam
oferecendo a Deus os pães da presença.
Jesus vai se declarar maior do que o Templo (Mt 12,6), depois diz ser maior do que Jonas
e do que Salomão (Mt 12,41-42). Afirma ser senhor do sábado (Mt 12,8).
O pão e o vinho estavam associados à presença de Deus (Lembremos das peregrinações
dos israelitas a Jerusalém) , por isso Jesus na Última Ceia toma o pão e o vinho para instituir o

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sacramento da sua presença. A última ceia não é somente uma Nova Páscoa, mas é também o
novo Pão e o novo vinho da presença.
Paralelo:
Pão da Presença A Última Ceia
1- Doze pedaços para doze tribos Doze apóstolos para doze tribos
2- Pão e vinho da presença de Deus Pão e vinho da presença de Jesus
3- Uma eterna aliança Uma nova aliança
4- Como uma anamnesis (zikkaron) Em anamnesis (zikkaron) de Jesus
5- Oferecido pelo sumo-sacerdote e Oferecido por Jesus e comido pelos apóstolos
comido pelos sacerdote
6- Comido na mesa de ouro (trapeza) no A mesa de Jesus (trapeza) no reino do Pai (Lc
Templo de Jerusalém (Ex 25,23-30; 22,19-20).
Lv 24,5-9)

O que se disse até agora, serve de fundamento para a doutrina da presença real de Cristo
na Eucaristia.
São Cirilo de Jerusalém: No AT também havia o Pão da Presença, mas este comopertencia
ao AT, acabou, mas no NT há o pão do Céu e um cálice da salvação, santificando alma e corpo
[...}] leve em consideração, então, o pão e o vinho não como meros elementos, pois eles são,
de acordo com a declaração do Senhor, o corpo e o sangue de Cristo

O Quarto Cálice
Antes da ceia pascal se costumava jejuar.
Quatro cálice compunham a ceia.
Cálice 1: Cálice da Ritos introdutórios (misturavam um pouco de água no cálice
santificação com vinho). O patriarca proferia uma benção formal sobre o
cálice com vinho e o dia da celebração. A refeição consistia
de quatro pratos: pães, ervas amargas, molho haroseth e
cordeiro pascal. Neste momento comia-se as ervas molhadas
no haroseth.
Cálice 2: Cálice Haggadah (da O patriarca proclama o que o Senhor fizera por Israel.
proclamação). Depois exlica a refeição.

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Cálice 3: Cálice da Benção Servia-se uma entrada, um pequeno pedaço de pão


mergulhado na tigela de molho. Pão ázimo e carne do
cordeiro.
Cálice 4: Cálice de louvor. Ao Cantava-se a parte remanescentes do Hallel. Sl 116,12-13.
consumir 15-17 retrata bem o que Jesus está fazendo na última Ceia.
Jesus oferece a Deus a oferta de louvor, zebah todah,
eucaristia. Quando este fosse consumido, completava-se a
ceia pascal.
Lucas menciona no seu relato o segundo e o terceiro cálices.
Quando chegou a hora, Jesus pôs-se à mesa com os apóstolos 15 e disse: “Ardentemente desejei
comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer. 16 Pois eu vos digo que não mais a comerei,
até que ela se realize no Reino de Deus”. 17 Então pegou o cálice, deu graças e disse: “Recebei
este cálice e fazei passar entre vós; 18 pois eu vos digo que, de agora em diante, não mais
beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus”. 19 A seguir, tomou o pão, deu
graças, partiu-o e lhes deu, dizendo: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em
memória de mim”. 20 Depois da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova
aliança no meu sangue, que é derramado por vós.
Com o segundo cálice (da proclamação), Cristo dá graças, enquanto identifica o terceiro
com a Nova Aliança no seu sangue. O terceiro cálice é oferecido depois da proclamação e
depois da refeição. São Paulo também associa o cálice eucarístico com o cálice da benção (1
Co 11,16).
Em Mt 26,27-30, Jesus faz um voto de não beber do fruto da videira até a vinda do Reino
de Deus. Mas havia ainda um quarto cálice.
Depois do terceiro cálice, Jesus e seus discípulos cantam salmos (115-118) e depois sai
do cenáculo na direção do Monte das Oliveiras. Aos olhos do judaísmo, Jesus não concluiu a
ceia pascal. No Getsêmani, Jesus reza “Meu Pai, se é possível, que este cálice passe de mim.
Contudo, não seja feito como eu quero, mas como Tu queres”... mais adiante, reza “Meu Pai,
se este cálice não pode passar sem que eu o beba, seja feita a tua vontade”... finalmente orou
pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras (Mt 26,36-46).
O cálice que Jesus recusou e pelo qual rezou, é o cálice da consumação. Quando ele o
bebe?
Ao chegar ao lugar de sua crucificação, deram-lhe de beber vinho misturado com fel
(mirra). Ele provou, mas não quis beber. Por que não?

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João narra, que quando Jesus reconhece que tudo está consumado, diz “tenho sede” e ele
bebe do vinagre que lhe oferecem em uma esponja. Exclama “Tudo está consumado” e entrega
o seu espírito (Jo 19,28-30). Eis o último cálice, conclui-se a Última Ceia na Cruz, no momento
de sua morte.
Podemos dizer que por meio da Última Ceia, Jesus transformou a Cruz em Páscoa, e por
meio da Cruz transformou a Última Ceia em um Sacrifício. Ao recusar beber o quarto cálice na
ceia, Jesus une a Quinta-feira santa à Sexta-Feira Santa, reúne tudo o que aconteceria com ele
(traição, ceia, agonia, Paixão, Morte) num ato só, de modo que o memorial da Eucaristia inclui
o seu sacrifício no Calvário.

Adendo 1: De acordo com o Evangelho de João (6,4), um ano antes de sua Páscoa, Jesus
realizou o milagre da multiplicação dos pães, dando de comer a 5000 pessoas. Logo depois,
temos o sermão na sinagoga de Cafarnaum. O milagre (Pão e Peixe) recorda o Êxodo e o Maná
(Pão e Carne), mas também é um convite á fé eucarístico-pascal. Ap 2,17: Quem tem ouvidos,
ouça o que o Espírito diz à Igreja. Ao vencedor darei o maná escondido”.
A multiplicação dos pães (5000): Mc 6,35-44 A Última Ceia: Mc 14,17-25 (Sacramento-
(Milagre) Milagre)
1- Aconteceu ao entardecer (noite) Aconteceu ao entardecer (noite)
2- As pessoas estavam descansando Os discípulos estavam descansando
3- Jesus pegou 5 pedaços Jesus pegou o pão
4- Jesus abençoou Jesus abençoou
5- Jesus partiu o pão Jesus partiu o pão
6- Jesus deu graças (eucharistesas) Jesus deu graças (eucharistesas)
7- Jesus o deu aos discípulos Jesus o deu aos discípulos

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