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Contexto histórico e literário de Jesus

Levando em conta esse fundo histórico, de um povo que estava gemendo sob o domínio
de uma nação pagã, aguardando ansiosamente pela vinda do Reino de Deus e que sentia
que Deus havia ficado silencioso, apareceu um novo profeta com a proclamação: “O
Reino de Deus está próximo”. João se retirara para o deserto por anos (cf. Lc 1.80) e ao
Deus se manifestar (“veio a palavra do Senhor a João” – Lc 3.2), aparece anunciando
que o Reino de Deus estava próximo. Sua atuação foi nos moldes da tradição profética.
Anunciou que Deus iria agir decisivamente na história e, em antecipação a isso, os
homens deveriam se arrepender. Como evidência disso, eles deveriam então submeterse
ao batismo. Depois de muito tempo, Deus havia suscitado um profeta para declarar a
vontade divina ao povo (Mc 11.32). As notícias do aparecimento desse profeta
rapidamente se espalharam por toda a Judeia (Mc 1.5).15 O próprio João Batista,
entretanto, deixava claro que ele não era o Messias, mas apenas anunciava. Aquele que
viria depois dele. Nesse momento Jesus aparece em cena e, para isso, Marcos introduz a
perícope com a expressão “naqueles dias”. Essa expressão é a fórmula usada pelos
profetas do Antigo Testamento para anunciar a nova aliança (cf. Jr 31.31-33) e até para
falar do derramamento do Espírito (Jl 3.2), expressando a época em que as promessas
seriam cumpridas.16
Marcos relata que pessoas de vários lugares vieram até João para ouvi-lo, confessarem
seus pecados e serem batizadas por ele no rio Jordão. Enquanto as multidões vinham de
toda a Judeia em especialmente de Jerusalém (v. 5), Marcos informa que Jesus veio
do norte, de uma vila chamada Nazaré.17 Pohl chama a atenção para esse contraste
quanto à origem:

De acordo com o evangelho de João (1.46), o conceito das pessoas era que de Nazaré
não poderia sair nada de bom. Além disso, “a Galileia, região norte da Palestina, há
séculos era considerada terra de gente sem valor, empobrecida e excluída”. Em João
7.52, podemos confirmar esse preconceito: “Examina e verás que da Galileia não se
levanta profeta”. Esse é o único lugar em Marcos no qual Nazaré é mencionada, mas
Jesus é chamado de Nazareno em vários lugares (1.24; 10.47;14.67; 16.6). De acordo
com Lucas (1.26; 2.4,39,51; 4.16), esse era o local da residência dos pais de Jesus.
Mateus, entretanto, informa que ela tornou-se a residência deles, pois inicialmente eram
da região de Belém, de tal forma que tiveram que retornar
para lá por ocasião do recenseamento.
Era em Nazaré que José, o pai de Jesus, ocupava-se com a profissão de carpinteiro (Mt
13.55). Foi ali que Jesus cresceu e tornou-se conhecido como “o carpinteiro” (Mc 6.3).
Com a idade aproximada de 30 anos (Lc 3.23), Jesus deixou Nazaré e dirigiu-se
até o Jordão.
Entretanto, nessa perícope, Marcos não nos dá nenhuma informação pessoal sobre
Jesus. Nesse evangelho, nada é dito sobre sua idade, suas características físicas, sua
personalidade, sua família e seus status. Nem a informação sobre o vilarejo de Nazaré
nos ajuda com alguma coisa, pois era uma vila insignificante, que nunca tinha sido
mencionada no Antigo Testamento, nem por Josefo e nem no Talmude Judaico.
Seria o caso de Jesus ser uma pessoa qualquer que seguia em meio aos inúmeros
peregrinos para o batismo, sem suspeitar de nada, e que voltou para casa surpreendido
pela escolha divina como Messias e Filho de Deus? Marcos informa apenas: “aconteceu
que naqueles dias Jesus veio de Nazaré...” (v. 9).
A perícope do batismo de Jesus precisa ser analisada em conjunto e em conexão com a
perícope que apresenta João Batista (1.2-8). Nelas vemos uma comparação entre os
dois.
O precursor prometido (1.7-8) no Antigo Testamento (1.2-3) oferece o pano de fundo
(1.9) para a vinda dAquele que seria mais poderoso (1.7,11), que batizaria com o
Espírito trazendo a era da Salvação (1.10-11,14-15) de acordo com a promessa de
Isaías (Mc 1.2).24

Contexto Cultural

Além do contexto histórico do relato do batismo, precisamos analisar o que significava


a ideia de batismo na época de Jesus e se esse conceito já existia. Inicialmente podemos
perceber que o batismo está estreitamente ligado à ideia de banhos de purificação.

Em hebraico, o termo rehfü (tāhēr) é utilizado para designar pureza ritual ou moral. A
grande ênfase desse termo é quando ele aparece na literatura sacerdotal, como verbo ou
derivados, designando o ouro puro que é destinado à adoração. Na Septuaginta, esse
termo é traduzido por katharizō, katharos, katharismos e outros, mas também com o
sentido de “purificar”, “puro” ou “pureza”. A palavra rehfü (tāhēr) é usada para falar
tanto da purificação pelo fogo como pela água. Como verbo é muito usada para indicar
a purificação que restaura quem ficou impuro para uma nova situação, a de pureza.
Assim o indivíduo se torna apto para participar de rituais. Em todas as ações de
purificação– estivessem elas ligadas a questões de fluxo, a doenças como a lepra, ao
contato com mortos, a guerras ou ao cumprimento de funções – o propósito sempre era
o ensino sobre a santidade de Deus e a pureza moral. Na purificação ritual, o destaque
não era o rito feito pelo oficiante, mas sim o perdão de Deus que deixava os indivíduos
limpos diante dele. Nesse sentido, somente Deus tem condições de purificar.25

O motivo de João realizar essa forma de batismo era devido ao fato de tratar os judeus
como pagãos. Assim, o batismo indicava que o judeu também estava iniciando uma
nova caminhada com Deus. Ao mesmo tempo, João enfatizava que a espiritualidade não
estava ligada a legalismos nem à nacionalidade. João não estava rompendo com um
antigo sistema, mas dando início a um novo, que estaria fundamentado em Cristo. 39
Ainda quanto ao banho ritual dos prosélitos, destaca-se que esses eram pagãos
convertidos ao judaísmo, diferentes dos chamados “tementes a Deus”, que aceitavam
somente a profissão de fé monoteísta e a observância de parte das leis cerimoniais e, por
isso, não eram totalmente convertidos ao judaísmo. Há dois grupos que diferiam na
aceitação do banho ritual dos prosélitos, a saber, os shamaítas (que aceitavam o rito no
dia da circuncisão) e os hilelitas (que exigiam um intervalo de sete dias entre a
circuncisão e o banho ritual). Um prosélito convertido não desfrutava dos mesmos
direitos e privilégios que um cidadão israelita possuía; mesmo assim, ele era obrigado a
observar a lei em toda a sua amplitude.
Na igreja primitiva, o batismo estava presente na proclamação do evangelho. Lucas, por
exemplo, fala do batismo para conversão e perdão dos pecados, após a invocação do
nome de Cristo (At 22.16). Paulo relaciona o batismo a Cristo, ou seja, o
batismo é “em Cristo”. Para Paulo tudo parte desse ponto. Assim,o batismo faz a
ligação do crente com a ação redentora de Cristo, e para o crente dá-se início à vida em
Cristo. O batismo em Cristo significa fazer parte do corpo de Cristo. Ele também está
ligado à regeneração, pois a submissão ao batismo por meio da obra do Espírito Santo
mostra um novo início vindo de Deus.
No momento do batismo tanto o elemento divino como o humano recebem ênfase, pois
ele significa a união com Cristo (Gl 3.27) na sua morte e ressurreição (Rm 6.1ss),
perdão dos pecados e purificação dos mesmos (At 2.38). Esse é o momento em que se
destaca o encontro do Redentor com o arrependido.
A partir das descrições acima, a compreensão é do batismo como uma ação com o uso
de água, por imersão, que visa a um determinado propósito, que pode ser tanto um rito
de iniciação, como um ato de purificação cerimonial, um símbolo da
união com Cristo ou um indício de obediência ao evangelho. Fica a evidência de que
para compreender o batismo nos primórdios do cristianismo é necessária a compreensão
da cerimônia judaica.
Também há evidências de que a prática original era por imersão e
assim seguiu até a Idade Média.

A pomba

Mas o que a pomba estaria simbolizando nessa passagem?

Schniewind afirma que “o conteúdo, visto aqui em figura, é o Espírito”, embora não se
possa explicar com segurança até que ponto a pomba é comparável ao Espírito.
Segundo Joel Marcus, citando Pesch, a pomba cria um símbolo apropriado para o
Espírito, por ela poder cruzar a barreira entre o céu e a terra. Entretanto, ele mesmo
argumenta que essa explicação não esclarece porque foi usada a pomba e não outra ave
qualquer.82 Sobre isso Schweizer pergunta: “que pássaro seria tão apropriado como a
pomba, pura e inocente (Mt 10.16) e o único pássaro adequado para sacrifícios
(Lv1.14)?” Entretanto, para este autor, Marcos tem em mente sua audiência gentílica,
para a qual a pomba é tida como uma ave divina no mundo helenístico.
Outro fato interessante que podemos relacionar é que assim como o princípio do
Evangelho de Marcos (1.1) remete-nos ao princípio da criação (Gn 1.1s), quando o
Espírito de Deus pairava sobre a face das águas, assim aqui o “Espírito vem sobre Jesus,
no princípio da nova criação, como uma pomba que desce, paira e pousa”. Salmo 2.7 e
Isaías 42.1.

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