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TEXTO BASE DA ABEPSS – 15 DE MAIO DE 2014

Não aceites o habitual como coisa natural.


Porque em tempos de desordem, de confusão
organizada, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural. Nada deve parecer
impossível de mudar.

Bertold Brecht

De certo que o conjunto das transformações societárias alicerçadas na


crise sistêmica do capital que se desenvolveu ao longo das três últimas décadas do
século XX e persiste na abertura do século XXI, apesar de sua magnitude, não
alterou a essência da sociedade capitalista, fundada na exploração do trabalho pelo
capital. Ao contrário, a perspectiva da mundialização, da financeirização, da
contrarreforma do Estado e da desregulamentação do trabalho operadas como
estratégias de restauração da ordem capitalista agem de forma exponencial na
radicalização dessa exploração.

Como afirma Arcary (2009, p.5)

Um animal envelhecido fica mais perigoso e, quando ferido


ou ameaçado, reage com ferocidade. A história sugere que
uma ordem econômico-social senil não perde a truculência
[...] Os elementos de barbárie que nos cercam devem
aumentar.

A sociabilidade capitalista é incapaz de eliminar as desigualdades


sociais, garantir a democracia, a liberdade e avançar na direção da emancipação
humana, posto que é a reprodução de uma forma de organização e de gestão da
vida material que com vistas a acumulação de capitais por uma minoria, vem
oprimindo e explorando a esmagadora maioria, destruindo a natureza e a própria
condição de humanidade.
As estatísticas de hoje não registram apenas os obscenos números da
dívida pública brasileira - mais de dois trilhões de reais; da Desvinculação de
Receitas da União – DRU para pagamento dessa dívida e de salários, que
remontaram a cifra de sessenta e dois, quatro milhões só em 20121, dinheiro esse
que deixou de ser investido em políticas públicas para a população; e da atual taxa
de desemprego no país de 10,3% (DIEESE, 2014); registram, também, o número
assustador de quase um milhão de mortos violentamente no Brasil entre 1979 e
ano 2008 (NETTO, 2012). E nesse último número não estão incluídos os últimos
Amarildos, Cláudias, Douglas e, recentemente, Fabianes assassinados e
assassinadas violentamente aos olhos e aos pés de toda a sociedade.
Dinâmica essa, constitutiva e ineliminável desse modo de produção,
dadas às suas próprias e irrecuperáveis contradições internas. E dada, sobretudo, a
contradição fundamental sobre a qual se assenta, isto é, a capacidade de ao passo
que produz enormes riquezas – apropriadas privadamente -, produz na mesma
proporção à pobreza e à barbárie.
E vive-se submersos nesse campo de contradições, quando o imediato
conduz a uma consciência reificada (IASI, 2013) e, portanto, conduz a
naturalização e a falsa ideia de inevitabilidade desse real. Todavia, é pela mediação
da luta que se questiona a realidade e que se segue na construção da resistência à
exploração, a opressão, ao autoritarismo, ao fundamentalismo, a forma capitalista
e seus efeitos nefastos.
As manifestações ocorridas no Brasil nos meses de junho e julho de
2013 foram a expressão da explosão dessas contradições, ora não contidas pelas
investidas ideológicas das classes dominantes e nem pela repressão operada pelo
Estado. Representando, portanto, o rompimento com a consciência imediata, que
leva à negação da ordem estabelecida e a outro tipo de relação com esta, não mais
subordinando a realidade concreta às relações sociais de dominação e de
subordinação.
Como afirma Vainer (2013) os meganegócios e os megaeventos
acontecendo e programados para acontecer no Brasil (Copa do Mundo de Futebol e

1
Dados respectivamente obtidos em: www.tesouro.fazenda.gov.br; www.senado.gov.br.
Olímpiadas 2016) e com eles a destinação vultosa de recursos públicos, em
detrimento a investimentos na saúde, na educação, no transporte públiAo, na
habitação, provocaram uma explosão de manifestações em todo o país, alicerçadas
na cultura do direito a ter direitos (ROLNIK, 2013), amplamente consolidadas nas
lutas democráticas em torno da Constituição de 1988, mas subsumidas pela
ideologia dominante.
Nesse contexto, o Serviço Social brasileiro firmado, como diz Mota
(2012) como núcleo de resistência crítica, que vem demarcando o seu
protagonismo teórico-político em tempos de regressiva sócio-cultural, reafirma a
direção social estratégica da profissão inscrita no bojo do projeto ético-político
profissional, que claramente se opõe ao conservadorismo teórico-político e
articula a sua produção do conhecimento e a prática profissional as demandas da
classe trabalhadora e a necessária articulação de seu projeto profissional a um
projeto societário contra a hegemonia capitalista, visando à construção de outro
tipo de sociabilidade, por sua vez, centrada na emancipação humana e na liberdade
como valor ético central. Tarefa histórica da classe trabalhadora.
Nessa medida, a ABEPSS, em articulação com as demais entidades de
organização e representação da categoria, conjunto CFESS-CRESS e ENESSO, e
dando prosseguimento ao enfrentamento a essa regressiva sócio-político-cultural
operada na ordem do capitalismo contemporâneo, que possui suas refrações no
campo da formação, do trabalho docente em Serviço Social e nas condições de
trabalho nos espaços sócio-ocupacionais da categoria, soma-se a palavra de ordem
para o ano de 2014 na Campanha: Na Copa, comemorar o quê? Nosso grito é por
transporte de qualidade; Nosso grito é por saúde pública de qualidade; Nosso grito
é por moradia digna!
Ainda no âmbito da formação profissional, os desafios nos chamam a
construir estratégias de resistências coletivas. E, nesse sentido, reafirma-se a luta
contra a precarização do trabalho docente, que repercute direto e negativamente
no processo de formação profissional dos/as estudantes, e que se expressa
mediada pela anulação das conquistas no campo da educação pública, laica, de
qualidade, presencial e socialmente referenciada e pelo estrangulamento das
dimensões de ensino, pesquisa e extensão como indissociáveis, pelo produtivismo
acadêmico, pela expansão do ensino superior sem qualidade e estrutura e por sua
franca mercantilização.
Desse modo, a ABEPSS vem envidando esforços, no sentido de
fortalecer o nosso projeto de formação profissional e de construir mecanismos de
enfrentamento ao precarização da educação superior, para tanto:
1 - Com vistas a consolidar a Política Nacional de Estágio (aprovada no
âmbito da ABEPSS em 2010), está em articulação com o Conselho Nacional de
Educação para a devida regulamentação dessa Política. A manutenção do caráter
político-pedagógico do Estágio Supervisionado em Serviço Social, expresso em
seus princípios norteadores - a indissociabilidade entre a supervisão acadêmica e a
supervisão de campo; a articulação entre a formação e o exercício profissional; a
articulação entre a universidade e a sociedade e a unidade teoria e prática - são
fundamentais e inegociáveis. E apresentam-se na contracorrente das demandas
instituídas pelo mercado que visam transformar o estágio em um campo de oferta
de força de trabalho semi-especializada e barata; (informar que aguardamos
agenda da Conselho Nacional de Educação para julho/14)
O estágio deve proporcionar ao estudante uma análise
crítica, capacidade interventiva, propositiva e investigativa,
na perspectiva de capacitá-lo para apreender os elementos
concretos que constituem a realidade social capitalista e
suas contradições, de modo a intervir, posteriormente como
profissional, nas diferentes expressões da “questão social”,
agravadas a partir do colapso mundial da economia e da
consequente desregulamentação do trabalho e dos direitos
sociais. (PNE, 2010)

Ainda, nessa direção, e tomando como pressuposto que a tarefa de


consolidação da PNE é de toda a categoria, procedeu-se com o mapeamento dos
Fóruns de Supervisores de Estágio em todo o país, com vistas a consolidar as
experiências já existentes e articular junto às Unidades de Formação Acadêmicas
em Serviço Social a criação de novos Fóruns, no intuito de fortalecer o estágio
como momento estratégico da formação profissional de assistentes sociais;
construir um espaço político-pedagógico de formação de supervisores;
proporcionar a organização dos profissionais para o enfrentamento das questões
relativas à formação e ao exercício profissional e fomentar a discussão sobre o
estágio em Serviço Social; além da divulgação e da articulação das diretrizes da
PNE e da articulação entre a supervisão acadêmica e de campo. Nessa direção, a
gestão priorizou para o projeto ABEPSS ITINERANTE desse ano a temática
“Estágio Supervisionado em Serviço Social: desfazer nós e construir
alternativas”. Serão realizadas, até o mês de agosto de 2014, oficinas de formação
em todos os Estados, com a participação de representantes das UFAS e dos CRESSs,
supervisores de campo e a representação estudantil. Objetiva-se a ampliação da
base político-acadêmica do plano de lutas (ABEPSS, CFESS/CRESSs e ENESSO) em
defesa do trabalho e da formação e contra a precarização do ensino superior nas
UFAs; a construção de mecanismos que visem construir estratégias coletivas para
a implementação da PNE em conformidade com as diretrizes curriculares
considerando as particularidades de cada UFA; além de fortalecer os mecanismos
políticos, pedagógicos e legais que expressem a importância do estágio
supervisionado na formação e para o exercício profissional, com base nas
diretrizes curriculares, na PNE e nas resoluções do CFESS; além do
prosseguimento da política de formação continuada no âmbito do Serviço Social.
3 – Cabe ainda ressaltar a articulação que vem sendo feita entre a
ABEPSS, o ANDES e outras entidades inscritas no campo da educação superior na
construção de pautas e lutas coletivas acerca do enfrentamento a política de
precarização da educação superior em nosso país, que tem incidido sobre a lógica
da franca mercantilização, do aligeiramento da formação, da expansão sem
qualidade, da precarização do trabalho docente, da transferência de recursos
públicos para o âmbito privado, tornando as demandas do mercado os objetivos da
educação pública brasileira. Um exemplo dessa articulação está à crítica e o
enfrentamento ao atual Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior –
SINAES, que vem produzindo o ranqueamento das universidades, o enxugamento
de investimentos no âmbito público e a punição de docentes e estudantes dos
cursos com menor avaliação.
Ainda no tocante ao SINAES a ABEPSS dispõe de uma Comissão,
formada por membros de sua executiva e docentes em Serviço Social que aguarda
agenda do MEC/INEP para discutir as nossas posições quanto a esse processo.
4 – Cabe ainda ressaltar que muitos são os desafios para inscrição da
pesquisa na formação profissional do assistente social; na consolidação da atitude
investigativa necessária à inscrição de ações profissionais no quadro de
competência ética, político e teórico-metodológica; bem como na consolidação do
Serviço Social como área capaz de produzir conhecimentos científicos. Estes nos
levam à necessária construção de uma agenda de compromissos com vistas a
enfrentá-los. Destaca-se, nesta agenda, o aprimoramento dos espaços de debates e
socialização de resultados de trajetórias investigativas capaz de produzir
conhecimento que contribuam para sustentar projetos afinados com perspectivas
emancipatórias, para além da sociabilidade burguesa.
E é nessa perspectiva que a ABEPSS vem construindo a proposta para o
XIV Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social – ENPESS, cujo tema
será “Lutas Sociais e Produção do Conhecimento: desafios para o Serviço Social no
Contexto da Crise do Capital”, que será realizado no período de 30 de novembro a
04 de dezembro do corrente ano, nas dependências da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, na cidade de Natal-RN.
Objetiva-se nesse espaço aprofundar a centralidade que as
lutas sociais, os processos de resistência e o enfrentamento à ordem do
capital têm no projeto ético-político profissional. Tanto para a
caracterização dos espaços sócio -ocupacionais, suas demandas e
desafios para a intervenção da (o)s assistentes soc iais, bem como, para a
pesquisa e a consequente produção de conhecimento, o desvendamento
do real em suas dimensões macro e micro estruturais. Assim, o debate a
partir dos movimentos sociais e populares é fundamental para, além de
garantir a defesa do nosso projeto, apontar tendências para qualificá-lo
nos processos formativos de graduação e pós -graduação.
Nesse sentido, é importante reafirmar nossa aliança com os
movimentos sociais, com o Plano de Lutas construído pela categoria dos
assistentes sociais e cujas entidades representativas da categoria tem o dever e o
compromisso em materializar no âmbito de suas intervenções.
Por fim, parabéns a todos/as, nós, assistentes sociais, e ao nosso
compromisso de intervenção baseada em valores éticos-políticos, como a
liberdade, a justiça social e a democracia, e defesa dos direitos humanos para os
segmentos empobrecidos da sociedade, buscando a construção de uma nova
ordem societária.
Gestão 2013/2014 da ABEPSS
“LUTAR QUANDO É FÁCIL CEDER”

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