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2@

edição

TEOHA DA
==LATIVIDADE
=SEDECIAL

R. GAZZINELL
Teoria da relatividade especial i

Teoria da
relaTividade
especial
ii Teoria da relatividade especial
Teoria da relatividade especial iii

RAMAYANA GAZZINELLI
Professor Emérito
Universidade Federal de Minas Gerais

TEORIA DA
RELATIVIDADE
ESPECIAL

2ª Edição

www.blucher.com.br
iv Teoria da relatividade especial

© 2009 Ramayana Gazzinelli

2ª edição – 2009

É proibida a reprodução total ou parcial


por quaisquer meios
sem autorização escrita da editora

EDITORA EDGARD BLÜCHER LTDA.


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Fax: (55_11) 3079-2707
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Impresso no Brasil Printed in Brazil

ISBN 978-85-212-0488-6

Conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

FICHA CATALOGRÁFICA

Gazzinelli, Ramayana
Teoria da relatividade especial/Ramayana Gazzinelli –
2ª ed. – São Paulo: Editora Blucher, 2009.

Bibliografia
ISBN 978-85-212-0488-6

1. Relatividade especial (Física) I. Título

09-01427 CDD-530.11

Índices para catálogo sistemático


1. Teoria da relatividade especial: Física 530.11
2. Teoria da relatividade restrita: Física 530.11
Teoria da relatividade especial v

conteúdo

1 da 2ª edição.........................................................................................VII
Siglas...................................................................................................................IX
Prefácio

1.1.
1.2.
1.3.
1.4.
1.5.
Em
1.6.
1.7. busca dada
Referências
Princípio
Aceleração
Teoria
A
Aberração
velocidade
experiência da
doeletromagnética
espaçoabsoluta de Mach .................................................7
de Fizeau..........................16
inerciais..................................................................................1
relatividade
luz
de
absoluto..............................................................................1
luz
Michelson
das..................................................................................11
eestrelas
princípio
dedeMaxwell..........................................................8
Galileu..........................................................4
e eMorley.....................................................12
experiência

Notas.........................................................................................................18
2 Problemas.................................................................................................23

Postulados
2.1. Contração
2.2.
2.3.
2.4.
2.5. Postulados do
Simultaneidade.........................................................................................27
Relatividade
Dilatação
da teoria
dodeda
tempo
comprimento.....................................................................33
Einstein
da
simultaneidade...............................................................28
relatividade
..................................................................................28
............................................................................25
especial...................................................25

Notas.........................................................................................................36
3 Problemas.................................................................................................37

3.2.
3.3.
3.5.
3.6
3.7
3.1.
3.4.
A transformação
Dilatação
Contração
Transformação
Efeito
O
A
Diferença de
do
transformação
modelo develocidades...............................................................47
Doppler..........................................................................................49
do
dodetempo
Big
sincronização
comprimento.....................................................................43
Lorentz..............................................................................39
dasBang..............................................................................53
..................................................................................43
Lorentz....................................................................40
de relógios...................................................45

Notas.........................................................................................................55
4 Problemas.................................................................................................58

4.2.
4.3.
Mecânica
4.1. Energia......................................................................................................64
O
Conservação
efeito
relativística.........................................................................................61
Compton.....................................................................................70
do momento .......................................................................61

4.4. Produção e aniquilação de pares elétron-pósitron.................................72


vi Teoria da relatividade especial

4.5. Movimento de uma partícula em campo magnético...............................73


4.6.
4.7. Reações
O efeito Cherenkov..................................................................................77
nucleares e estabilidade nuclear..............................................74

Notas.........................................................................................................78
5 Problemas.................................................................................................79

5.5.
5.6.
5.7.
5.8.
5.9.
5.10.
Formalismo
5.1.
5.2.
5.3.
5.4. denoconservação
de dee momento-energia
da transformação
Quadrivetores...........................................................................................87
Quadrivetor
A
Interpretação
Vetores......................................................................................................81
Eventos
Cone
O lei
modelo eluz...............................................................................................84
espaço-tempo............................................................................81
do
intervalos.................................................................................82
velocidade............................................................................89
momento..............................................................................90
força.....................................................................................94
Big
geométgrica
Bang o cone de luz....................................................86
e decaimento
de Lorentz......................95
nuclear........92

Notas.........................................................................................................97
6 Problemas.................................................................................................98

6.5.
6.6.
Relatividade
6.1
6.2.
6.3.
6.4
6.7.
6.8. O de do de Maxwell........................................102
Tensores..................................................................................................106
Formulação
Forma
Equação
Potenciais
Transformação
Campo
campo ediferencial
eletrodinâmica..........................................................................101
de
eletromagnético......................................................................109
uma
continuidade
covariante
campo
do
partícula
das
campo
eletromagnético..................................................105
equações
..........................................................................101
carregada
......................................................................102
eletromagnéticoem movimentosob umauniforme.............113
TL ......................111

7 Problemas...............................................................................................116

7.5 Os
7.7.
7.6.
Teoria
7.1.
7.2.
7.3.
7.4. Avanço
Princípio
Curvatura
Dilatação
Oda“peso”
buracos
relatividade
doda
da
gravitacional
da
do
periélio
negros deo Mercúrio.............................................................133
do tempo..........................................................126
luz.......................................................................................127
equivalência.......................................................................120
luz
espaço-tempo
geral.............................................................................119
num
e campo
tempo ..................................................................130
................................................................134
gravitacional..........................................124

Notas.......................................................................................................136
Bibliografia........................................................................................................143
Constantes
Problemas...............................................................................................139
úteis...............................................................................................141

Índice remissivo................................................................................................145
Teoria da relatividade especial vii

prefácio da 2ª edição

A teoria da relatividade especial (TRE), mesmo não fazendo parte dos currículos
atuais como disciplina autônoma, tem um papel relevante na formação do físico, do
químico teórico e mesmo do engenheiro que se especialize em alguns ramos moder
nos da engenharia, não só pelo que ensina de novo, mas sobretudo por causa de seu
modo abstrato e não intuitivo de analisar os fenômenos.
Por esta razão decidiu-se publicar a segunda edição deste livro, que pouco difere
da primeira. Foram apenas modificados poucos trechos e figuras para tornar a expo
sição mais clara, corrigidos pequenos erros de impressão e feita uma revisão ortográ
fica conforme o acordo ortográfico da língua portuguesa.
Este livro se destina principalmente a estudantes de graduação em física. A mate
mática exigida do leitor é o cálculo diferencial e integral dos primeiros anos do curso
universitário e noções básicas de cálculo matricial. A TRE tem sido ensinada, às ve
zes, de forma introdutória, já no início do curso de física na universidade e, por isso,
é difícil estabelecer um ponto de partida que convenha a todos os estudantes. Este
texto foi escrito supondo que o estudante não tenha tido contato prévio com a teo
ria, e a expectativa do autor é que ao terminar o livro, ele compreenda os principais
conceitos e consiga um domínio razoável dela.
Recomendamos que o estudante resolva os problemas distribuídos ao longo do
texto, exatamente quando chegar a eles, porque seu objetivo é consolidar os con
ceitos aprendidos até aquele ponto. Quanto aos problemas de fim de capítulo, evi
tamos os repetitivos e os que se apresentam como paradoxos, que são, em geral, de
resolução muito difícil. Acreditamos que poucos problemas resolvidos com uma boa
reflexão ensinam mais do que muitos problemas resolvidos mecanicamente. Demos
as respostas de alguns problemas a fim de que o estudante, comparando sua resposta
com a do livro ganhe confiança no aprendizado; mas, não de todos, para que o domí
nio da teoria fique mais seguro.
Não é fácil ser original na criação de problemas de teoria da relatividade, tantos
são os apresentados em livros didáticos existentes, em formas às vezes, apenas li
geiramente diferentes. Por isso, muitos dos problemas deste livro foram inspirados
pelos dos livros citados na bibliografia e, algumas vezes imitaram-nos. Procurei ser
seletivo de modo que todos os conceitos fossem de alguma forma envolvidos, que o
nível de dificuldade fosse adequado ao texto e que não houvesse muita repetição.
O texto foi escrito de maneira sucinta para que possa ser utilizado em disciplina
semestral, trimestral, ou mesmo bimestral, por uma escolha judiciosa dos assuntos
(capítulos). O sexto capítulo pode ser abandonado se os estudantes não tiverem es
tudado antes a teoria eletromagnética de Maxwell.
viii Teoria da relatividade especial

Albert Einstein criou duas teorias da relatividade: a TRE e a teoria da relativida


de geral (TRG). A TRG, apesar de ser uma ferramenta teórica indispensável apenas
para astrofísicos e cosmologistas, desperta um interesse geral por ser uma teoria de
gravitação que substitui a de Newton e também porque a cosmologia é hoje um dos
campos mais ativos e fascinantes da ciência. A TRG exigiria, porém, um instrumental
matemático mais completo e é abordada apenas superficialmente no último capítulo,
do ponto de vista de um físico experimental, isto é, de seus fundamentos empíricos
e das experiências que a testam.
É opinião do autor que a teoria da relatividade pode ser utilizada numa discipli
na de história da ciência como um bom exemplo do desenvolvimento de uma teoria
física, em virtude da qualidade da informação disponível sobre sua formulação: os
conflitos existentes na física clássica no fim do século XIX, as tentativas de solução
desses conflitos, a dificuldade de aceitação da nova teoria e finalmente sua compro
vação – ou, pelo menos, sua não-reprovação – pelo imenso número de testes experi
mentais. Procurou-se, por isso, enriquecer o texto com notas históricas relativas ao
desenvolvimento da teoria e aos cientistas envolvidos. Numa disciplina de história
da ciência ou de evolução das ideias da física, os três primeiros e o último capítulos
podem ser usados com proveito; o quarto parcialmente.
Agradeço aos colegas Alaor S. Chaves e Márcio Quintão Moreno que dedicaram
parte considerável do seu tempo à revisão científica do texto e fizeram muitos co
mentários críticos que foram aproveitados. Sou grato ainda à produtora Cleide Ma
ciel, responsável por essa segunda edição, a Luiz Vicente Vieira Filho, pela excelente
revisão do texto e, também, a Carlos Lepique e a todo quadro técnico de editoração
da Editora Blucher, pela competência e presteza com que ajudaram este livro chegar
a sua forma final.
Gostaria ainda de expressar minha gratidão ao Departamento de Física, do Insti
tuto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde desenvolvi
toda minha vida científica, e que agora, depois de minha aposentadoria, tem me aco
lhido. Foi o convívio com antigos e novos colegas que me permitiu levar a termo o
projeto de escrever este livro.

R. Gazzinelli
Belo Horizontes, fevereiro de 2009
Teoria da relatividade especial ix

siglas

Siglas utilizadas no texto:

CM Centro de massa

MM Michelson-Morley

PE Princípio da equivalência

PR Princípio da relatividade

PRE Princípio da relatividade de Einstein

PRG Princípio da relatividade de Galileu

TG Transformação de Galileu

TL Transformação de Lorentz

TRE Teoria da relatividade especial

TRG Teoria da relatividade geral


x Teoria da relatividade especial
1

em busca do espaço
absoluto

Albert Einstein criou duas teorias da relatividade. A primeira, publicada em 1905,


denominada teoria da relatividade especial (TRE), ou teoria da relatividade res
trita, trata da invariância das leis físicas sob uma transformação entre referenciais
que se deslocam com velocidades relativas uniformes. Sua estrutura matemática é
simples e pode ser dominada com a matemática estudada nos primeiros anos da
universidade. Seus postulados físicos levam a resultados à primeira vista estranhos,
mas que aceitamos como verdadeiros, porque obedecem a uma lógica implacável
e são verificados por um número imenso de experiências. A segunda – a teoria da
relatividade geral (TRG), publicada em 1916 – generaliza os resultados da primei
ra para referenciais acelerados e incorpora a gravitação. Essa teoria exige um bom
conhecimento de geometria diferencial e cálculo tensorial e não será exposta neste
texto – dela discutiremos brevemente apenas os fundamentos, para dar ao leitor uma
ideia de seu conteúdo físico. Começaremos pela discussão do conceito de referen
cial inercial, essencial para a formulação da TRE.

1.1 reFerênCiais inerCiais


A mecânica clássica foi construída nos séculos XVI a XVIII por vários cientistas, mas
seus fundamentos são devidos principalmente a Galileu Galilei e Isaac Newton. Cou
be a este dar-lhe a formulação definitiva em seus Principia mathematica(1). Ela
tem como pressupostos as seguintes ideias:
1. O tempo é absoluto, homogêneo e isotrópico. Newton exprimiu essa ideia as
sim: “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria
natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa”. A ideia
de tempo absoluto implica independência em relação ao observador e ao objeto
ou fenômeno observados; ao dizer que “o tempo flui uniformemente”, Newton
estava afirmando sua homogeneidade. Só na física quântica, a questão da iso
tropia do tempo, isto é, a equivalência ou não dos sentidos passadofuturo e
futuropassado, passou a ter significado e por isso a isotropia do tempo não é
2 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

mencionada por Newton. Na mecânica clássica, só há um sentido para o tempo,


que é do passado para o futuro, mas, de qualquer forma, podemos verificar que
suas leis são invariantes para uma inversão do tempo.
2. O espaço é absoluto, homogêneo, isotrópico e euclidiano. Nas palavras de
Newton, “o espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com qualquer
coisa externa, permanece sempre similar e imóvel”. A ideia de que o espaço não
tem relação com qualquer coisa externa e que permanece imóvel corresponde a
seu caráter de ser absoluto, a de que permanece sempre similar é uma afirmação
de sua homogeneidade. Acrescentamos duas ideias, não declaradas por Newton,
mas implícitas na mecânica clássica: a de equivalência de todas as direções – iso
tropia – e a de que a métrica a ser usada é a euclidiana: a distância mais curta
entre dois pontos é a reta.

Como sabemos, Newton, com esses pressupostos, construiu a mecânica sobre


três leis fundamentais:
Primeira: As partículas mantêm seu estado de repouso ou de movimento retilíneo
uniforme (vetor velocidade constante) desde que forças externas não atuem so
bre elas.
Segunda: A força que atua sobre uma partícula é igual ao produto da massa da par
tícula por sua aceleração:
F = ma.
Terceira: Se uma partícula A exerce uma força F sobre a partícula B, então B exerce
a força –F sobre A.

De agora em diante, referiremo-nos a partículas sobre as quais não atuam forças


como partículas livres. A primeira lei é a lei de inércia. Observem que a segunda
lei não é uma simples definição de força, porque há leis independentes que permi
tem medir as forças, por exemplo, as leis de Hooke e de Coulomb. A afirmação de
que o espaço é isotrópico corresponde dizer que a massa m na equação F = ma
independe da direção de a, ou seja, que m é uma grandeza escalar. Se na terceira
lei imaginarmos que as partículas A e B estão separadas, isto é, que existe ação à
distância, então a ideia de simultaneidade absoluta – e portanto de tempo absoluto
– está implícita.
Devido ao imenso êxito da mecânica clássica, a explicação do mundo físico de
senvolvida nos séculos seguintes tomou-a como paradigma. Conforme esse para
digma, um fenômeno físico só é considerado completamente compreendido quan
do podemos construir um modelo mecânico para representá-lo. Além dos mesmos
pressupostos básicos referentes ao espaço e ao tempo, adotou-se, como forma de
qualquer lei física, a forma dinâmica das leis da mecânica; isto é, a forma em que
o estado inicial de um sistema determina completamente o estado futuro por meio
de uma equação diferencial. Essas ideias culminariam no século XIX com o deter
minismo de Laplace(2). Vamos ver como a análise de dificuldades surgidas na física
1.1 — Referenciais inerciais 3
no século XIX conduziram à reconsideração dos pressupostos expostos acima e à
construção de uma nova teoria física, a teoria da relatividade especial. Para isso,
vamos rever algumas ideias da física clássica, importantes para nossa análise.
Para estudar o movimento dos corpos, é necessário medir o tempo e a posição
instantânea do corpo. Para registrar a posição de um corpo, é necessário introduzir
um sistema de referência – referencial –, por exemplo, um sistema de coordena
das cartesianas. Qualquer conjunto de corpos em repouso relativo (cada um em
relação aos outros) pode ser utilizado como referencial. Devido à homogeneidade e
isotropia do espaço, a origem e orientação dos eixos é arbitrária. A métrica adotada
deve ser euclidiana, isto é, nesse espaço, o teorema de Pitágoras é válido. Qualquer
fenômeno periódico pode ser adotado como relógio, isto é, pode ser utilizado para
medir o tempo e, devido à homogeneidade deste, a origem pode ser escolhida arbi
trariamente; no entanto, como apontamos antes, o sentido será sempre do passado
para o futuro.
Há, porém, um tipo particular de sistema de referência no qual a lei de inércia
de Newton é válida e que é, por isso, denominado referencial inercial. Em outras
palavras, se um corpo, sobre o qual não atuam forças externas, está em repouso ou
em movimento retilíneo uniforme num referencial, ele é definido como inercial. Essa
afirmativa não é, porém, estritamente, uma definição.
A escolha de um referencial inercial não é trivial. P. W. Bridgman, que deixou im
portantes contribuições sobre os fundamentos da física, propôs a regra seguinte para
identificá-los: “um sistema de três eixos rígidos ortogonais constitui um referencial
inercial se três partículas, sobre as quais não atuam forças, projetadas ao longo deles
com velocidades uniformes, continuam a se mover com velocidades uniformes”. Essa
regra, de difícil aplicação prática, é, de fato, uma definição operacional de referencial
inercial por meio de uma experiência imaginária(3).
Pode-se verificar empiricamente que um referencial ligado às estrelas é, com alta
precisão, um referencial inercial e esse tipo de referencial é tomado tradicionalmen
te como padrão para aplicação das leis de Newton. Sabemos, no entanto, que essas
estrelas não são realmente fixas, porque nossa galáxia gira em torno de seu eixo e o
universo se expande. Então é mais apropriado considerar como padrão o referencial
ligado às galáxias, que se afastam radialmente de nós.
Será um laboratório fixo na Terra um bom referencial inercial? Que correção de
vemos fazer na equação F = ma para levar em conta a aceleração devida ao movi
mento do referencial?
Temos de considerar pelo menos o movimento diário da Terra em torno de seu
eixo e o anual em torno do Sol, que são os mais significativos. Consideremos inicial
mente o movimento diário da Terra. Uma partícula em repouso no equador sofre uma
aceleração centrípeta

v2 2
a= RT ⎛ 2π ⎞
=ω2RT = ⎜ ⎟ ⋅6,4⋅106m⋅s−2 ≅ 3,4⋅10−2m⋅s−2,
⎝ 8,6⋅104 ⎠
4 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

onde RT é o raio da Terra e v a velocidade de um ponto no equador devido à rotação


diária. Uma partícula próxima à superfície da Terra tem no referencial terrestre a
aceleração g= 9,80 m·s–2, devido à gravidade, valor que é afetado no terceiro algaris
mo significativo pela aceleração centrípeta calculada acima.
O leitor poderá fazer, de maneira análoga, o cálculo da aceleração que resulta do
movimento anual da Terra em sua órbita solar e achará o valor ~6·10–3 m·s–2, que é
uma ordem de grandeza menor do que o efeito do movimento diário e poderá, en
tão, ser desprezado em comparação com esse. O efeito devido ao movimento do Sol,
que arrasta a Terra, é menor ainda. Concluímos que o laboratório fixo na Terra pode
ser considerado como inercial até esse grau de precisão; mas que se quisermos uma
precisão maior deveremos adotar os referenciais ligados às estrelas ou às galáxias,
mencionados atrás.

1.2 PrinCíPio da relatividade de Galileu


O problema que se coloca para nós é o seguinte: dada
uma lei física em um certo referencial, qual será sua
y forma em outro referencial, isto é, como ela se trans
forma ao passarmos de um referencial para outro? Se
y!
ela conserva a mesma forma, dizemos que é invarian
R te sob a transformação.
R!
A transformação de um referencial para outro na
física clássica atende ao senso comum e sua dedução
O ut
u é imediata. Tomemos dois referenciais R(x, y, z) e
O! R9(x!, y!, z!) na configuração mostrada na Figura 1.1,
que será a configuração padrão usada neste texto.
z Os eixos dos dois referenciais são paralelos e o refe
x
rencial R!(x!, y!, z!) move-se na direção x com veloci
z! dade uniforme u em relação ao referencial R. No ins
x, x!
tante inicial, as origens coincidem. Observe que essa
configuração não particulariza a solução porque, mes
mo que o movimento se dê numa direção genérica, é
Figura 1.1 sempre possível girar os eixos do referencial R de modo que o eixo Ox coincida com
O referencial inercial a direção do movimento e, em seguida, girar o referencial R! para que seus eixos fi
R´ move-se ao
longo do eixo x do
quem paralelos aos do referencial R.
referencial inercial Um fenômeno que ocorre no ponto do espaço (x, y, z) do referencial R, no ins
R com velocidade
uniforme u. Um tante t, tal como a colisão de duas partículas numa posição determinada e num mo
evento no referencial mento determinado, é um evento. Por simplicidade, vamos nos referir ao conjunto
R é definido de coordenadas (x, y, z, t) como um evento. No instante inicial, as coordenadas de
pelo conjunto de
coordenadas (x, um evento nos referenciais R e R’, definidos acima, são iguais (x = x!, y = y!, z = z9,
y, z, t). O tempo é t = t! = 0), porque o tempo independe do referencial na física clássica e estamos su
absoluto e, portanto, pondo que as origens coincidam nesse instante.
o mesmo para os
dois referenciais. No instante t, como R! se desloca com velocidade uniforme u na direção x, as co
ordenadas y! e z! do ponto não variam, y = y! e z = z!, ao passo que a coordenada x
1.2 — Princípio da relatividade de Galileu 5
varia de acordo com a equação x = x! + ut. Se juntamos a essas equações a equação
que exprime que o tempo é absoluto, isto é, independente do referencial, teremos a
transformação de Galileu (TG):
x = x! + ut, y = y!, z = z!, t = t!. (1.1)
A transformação de velocidades na mecânica clássica pode ser obtida imediata
mente derivando essas equações em relação a t = t!:
ux = u!x + ut, uy = u!y, uz= u!z, (1.2)
ondeexemplo,
Por (ux, uy, uz)
se um
= (dx/dt,
passageiro
dy/dt,
caminha
dz/dt) com
e (u!x,
velocidade
u!y, u!z) =de
(dx!/dt!,
5 dy!/dt!, dz!/dt!).
km·h–1 no convés de
um navio que se desloca com velocidade de 50 km·h–1 em relação a uma bóia, a velo
cidade do passageiro em relação a essa mesma referência será de (50 ± 5) km·h–1.
Dessa transformação de velocidades, podemos concluir que, dado um referencial
inercial, qualquer referencial que se desloca com velocidade uniforme em relação a
ele será também inercial, porque a lei de inércia é válida no novo referencial. Então,
dado um referencial inercial, temos sempre uma infinidade de referenciais iner
ciais, que são todos os referenciais que se deslocam com velocidades uniformes em
relação a ele.
Galileu verificou empiricamente que as leis da mecânica conservam sua forma
quando transformadas de um referencial inercial para outro. Ele deu o seguinte
exemplo: se fizermos experiências de mecânica na cabine fechada de um navio que
se desloca com velocidade uniforme num lago muito tranquilo, não poderemos deter
minar, por meio dessas experiências, se o navio está em repouso ou em movimento.
Esse resultado empírico é tomado como um princípio fundamental da física e rece
beu o nome de princípio da relatividade de Galileu (PRG).
Vamos mostrar com um exemplo como uma lei da mecânica permanece invariante
quando se passa de um referencial inercial para outro.

Exemplo 1.1

Um vagão se move com velocidade uniforme u em relação à plataforma da


estação. Um passageiro deixa cair um objeto de uma altura h. O passageiro
observa que o objeto, em sua queda, obedece à segunda lei de Newton. Mostre
que, para um observador na plataforma, o objeto segue a mesma lei.

Solução
Tomamos o referencial R da plataforma, fixo na Terra, como inercial. O refe
rencial R! do vagão, que se move com velocidade uniforme u em relação à pla
taforma, é também inercial. Fazemos os eixos dos dois referenciais paralelos e
tomamos o eixo Ox como direção do movimento do vagão. Um ponto do espaço
tem coordenadas (x, y, z) em R e (x!, y!, z!) em R!. Como o vagão se move
6 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

na direção x, as coordenadas y e z permanecem inalteradas. O tempo, sendo


absoluto, é o mesmo para os dois referenciais e admitimos que as origens dos
referenciais coincidem no instante t = 0. Temos, pela TG:
x = x! + ut, y = y!, z = z!
O observador no referencial R! vê o objeto cair na
y direção y!. Assim, as coordenadas z e z! são irrele
vantes neste problema e podem ser ignoradas. As
y! relações entre as componentes das velocidades v
e v! do objeto nos dois referenciais são obtidas de
R R!
u rivando-se em relação ao tempo as equações que
ligam (x, y) e (x!, y!) dadas acima. Obtemos:
d vx = v!x + u, vy= v!y
h Derivando essas equações novamente em relação
O O! ao tempo, obtemos as relações entre as componen
ut x, x! tes das acelerações:
ax = a!x, ay = a!y
Então, a aceleração a do objeto é invariante sob a TG. A força pode ser me
Figura 1.2
O referencial R é dida por processos independentes do sistema de coordenadas – por exemplo
fixo na plataforma pela lei de Hooke – e não depende, portanto, do sistema de coordenadas; a
da estação e o massa é uma grandeza escalar e, por isso, independente do sistema de coor
referencial R! num
vagão que se move
denadas. Como a massa, a força e a aceleração são invariantes, a equação de
com velocidade u na Newton, F = ma, é invariante sob a TG – os dois experimentadores, no vagão e
direção x. Um objeto na plataforma, observam que o objeto, em sua queda, obedece à mesma lei.
cai da posição (x!=
d, y != h), dentro do Observe que no referencial R’ do vagão, onde o experimentador realiza a ex
vagão. periência,
ʹx = d,

O objeto cai na vertical (x! =ʹyd),


=h obedecendo
–12 gʹt2 = hà–lei
1 de queda livre (y! = h –½ gt2).
2 gt2

O observador no vagão não pode, por essa experiência, dizer se está ou não em
movimento porque o objeto obedece à mesma lei que obedeceria se o vagão
estivesse parado na plataforma.
No referencial R da plataforma,
x = d + ut
y=
h–1 2 gt2

e a trajetória do objeto é a parábola

y = h−
g
( x − d )2
2u2
1.3 — Aceleração absoluta e princípio de Mach 7
A primeira lei de Newton é obviamente invariante sob a TG, porque é utilizada
para definir o referencial inercial. A massa e a força são grandezas físicas indepen
dentes do referencial. Como a terceira lei de Newton só envolve o conceito de força,
também ela é invariante sob a TG. A segunda lei envolve os conceitos de aceleração,
massa, e força, todos três invariantes sob a TG e é, por isso, também invariante. As
três leis de Newton são, portanto, invariantes sob a TG e como elas constituem os
fundamentos da mecânica clássica, concluímos que todas as leis da mecânica são in
variantes sob a TG. Esse é o conteúdo do PRG, que podemos formular assim: as leis
da mecânica são invariantes sob a TG. O fato de não haver mudança na forma da
lei quando o fenômeno é examinado em diferentes referenciais inerciais indica que
um movimento uniforme não altera o fenômeno. Podemos então enunciar o PRG
numa forma que salienta o conteúdo físico da lei: é impossível detectar por meio
de uma experiência mecânica o movimento de um referencial inercial. Apesar
de descoberto por Galileu no século XVII, esse princípio só recebeu o nome de prin
cípio da relatividade no contexto da teoria da relatividade de Einstein.
O leitor deve observar que, quando transformamos uma equação qualquer da me
cânica clássica de um referencial inercial para outro – o que devemos fazer utilizando
as equações da TG –, sua forma permanece a mesma, isto é, o PRG é obedecido.
Concluímos que: a mecânica de Newton, a transformação de Galileu e o prin
cípio da relatividade de Galileu são consistentes, isto é, formam um sistema de
leis sem contradições internas.
Esse sistema permaneceu válido, com imenso sucesso, até o início do século
XX e, com alguma restrição, que discutiremos depois, é utilizado até hoje. A quase
totalidade da mecânica planetária e a mecânica de foguetes, satélites artificiais e
corpos macroscópicos na Terra podem ser realizadas com esse sistema de leis. Apesar
de críticas à mecânica de Newton terem surgido desde sua publicação, dificuldades
realmente consideráveis só foram levantadas no fim do século XIX, quando se tentou
achar um referencial absoluto para o eletromagnetismo.

1.3 aCeleração absoluta e PrinCíPio de MaCh


Nunca faltaram críticas ao conceito de espaço absoluto de Newton. Desde Huygens,
Leibniz e Berkeley, seus contemporâneos, até Mach(4), no século XIX, e Einstein, no
século XX, críticas argutas foram apresentadas ao conceito. Para Leibniz e Berkeley,
o espaço não pode ser considerado como uma espécie de receptáculo ocupado pelos
objetos da natureza. Na visão desses filósofos, o espaço nada mais é do que o conjun
to de relações de posição entre os objetos materiais, percebidas pelos sentidos – a
ausência de corpos materiais implicaria, portanto, inexistência do espaço.
Será possível determinar um movimento absoluto? Se nos referimos a movimen
to uniforme, o princípio da relatividade de Galileu dá uma resposta negativa a essa
questão, porque não é possível escolher num conjunto infinito de referenciais iner
ciais o referencial do espaço absoluto. Newton acreditava, porém, que é possível de
terminar uma aceleração absoluta, por causa das forças fictícias que aparecem nos
movimentos acelerados. Se isso fosse verdade, a ideia de espaço absoluto ganharia
consistência.
8 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Newton propôs a seguinte experiência: tomamos um


balde com água suspenso por uma corda e o giramos
várias vezes em torno de seu eixo, de modo a torcer a
z  corda. Se soltarmos o balde, ele terá um movimento de
rotação em torno do eixo. Inicialmente a superfície da
(a) (b) água permanecerá plana [Figura 1.3(a)], mas o atrito
da água com o balde comunicará o movimento do bal
de à água e sua superfície tomará uma forma côncava
[(Figura 1.3(b)]. De acordo com Newton, um observa
dor no eixo do balde, girando com ele e, portanto, em
R (inercial) repouso no referencial do balde [Figura 1.3 (c)], ao ob
servar a forma côncava da superfície da água, poderá
afirmar que o balde tem uma aceleração absoluta. Para
x y Newton, as forças fictícias ou inerciais, que aparecem
em um referencial R9 em rotação uniforme (força cen
trífuga, força de Coriolis), que provocam a curvatura
z, z9 da superfície da água, resultam de rotações absolutas,
isto é, de rotações em relação ao espaço absoluto.
No final do século XIX, Mach fez uma crítica aos
fundamentos da mecânica de Newton que teve grande
(c)
influência nas concepções de Einstein sobre a relativi
dade. Para Mach, só existem movimentos relativos; não
R9 (não-inercial) importa se concebemos a Terra em rotação em torno
y9 de seu eixo, ou em repouso, enquanto as estrelas gi
ram em torno dela. Na experiência do balde, segundo
y Mach, o que o observador está detectando de fato não
x
é a aceleração do balde em relação ao espaço absoluto,
x9 mas, sim, em relação a todas as massas do universo, ou
seja, em relação a um referencial ligado às estrelas – a
concavidade seria observada igualmente se deixásse
Figura 1.3
mos o balde fixo e fizéssemos o conjunto das estrelas girar em torno da Terra. De
Na experiência do
balde, de Newton, acordo com Mach, a lei de inércia não se refere ao repouso ou movimento uniforme,
o referencial em relação ao espaço absoluto, mas em relação ao centro de massa de todas as mas
R da Terra é sas do universo (referencial das estrelas). O que hoje denominamos princípio de
tomado como
(aproximadamente) Mach é uma conjetura que enfeixa o conjunto de ideias expostas acima, difícil de ser
inercial. traduzida numa única proposição. A formulação de Einstein para essa conjetura é a
(a) Balde em repouso seguinte: “A inércia mede a resistência de um ponto material à aceleração com res
no referencial R e
observador em R. peito às massas de todos corpos do universo, sendo, portanto, afetada por elas”.
(b) Balde em rotação
no referencial R e
observador em R. 1.4 teoria eletroMaGnétiCa de Maxwell
(c) Balde em rotação
em R e observador Em meados do século XIX, Maxwell formulou uma teoria capaz de explicar todos os
no referencial R9 do
balde. fenômenos elétricos e magnéticos conhecidos na época. Essa teoria está contida nas
quatro equações para o campo elétrico E e o campo magnético B escritas a seguir
em sua forma integral:
1.4 — Teoria eletromagnética de Maxwell 9
—∫ E⋅dA = ε0q (lei de Gauss para o campo elétrico),

—∫ B⋅dA = 0 (lei de Gauss para o campo magnético),


(1.3)
—∫E⋅dl = − dϕ
dtB (lei de Faraday),

—∫B⋅dl = µ0i+ µ0ε0 dϕEdt (lei de Ampère-Maxwell),

sendo 1/4p0 = 9·109 e m0=4p·10–7, em unidades do SI; q, i, wBe wE são, respectiva


mente, carga elétrica, corrente elétrica, fluxo do campo magnético e fluxo do campo
elétrico.
Nessas equações, está implícita a equação de continuidade para a carga q e a den
sidade de corrente j:
∫ j⋅dA =−dq
dt

O leitorpoderá recorrer a qualquer texto de eletromagnetismo para compreender


o conteúdo físico dessas equações. As três primeiras e a quarta, com exceção do ter
mo que contém wE, foram formuladas a partir de experiências. O segundo termo do
segundo membro da quarta equação, que representa a chamada corrente de deslo
camento, foi introduzido por Maxwell, num golpe de
genial intuição, por simetria com a lei de Faraday. As
R R9
equações de Maxwell tiveram extraordinário êxito na Fe F9e
explicação dos fenômenos elétricos e magnéticos co
nhecidos na época e na previsão de novos fenômenos.
Podemos dizer com Hertz que a teoria de Maxwell é
q2 u q2
o sistema de equações de Maxwell. A partir delas foi u
possívelverificar que os fenômenos ópticos são fenô F9mag
q1 q1
menos eletromagnéticos e, assim, unificar a óptica e o
eletromagnetismo na mesma teoria. O9
O
É razoável perguntar-se: podemos estender o PRG
àsuma
a equações
TG? Aderesposta
Maxwell?
é negativa.
Isto é, serão
Se aplicarmos
elas invariantes
a TG (a) observador em R (b) observador em R9

às equações de Maxwell, veremos que elas não são


invariantes, como ilustraremos a seguir com um exemplo simples. Figura 1.4
Observadores,
Consideremos duas cargas elétricas q1 e q2 em repouso no referencial inercial R, em repouso nos
situadas como mostra a Figura 1.4(a).Um observador em R pode medir uma força referenciais inerciais
R(a) e R9(b),
eletrostática repulsiva Fe, atuando nas cargas. O referencial R9, com os eixos pa analisam as forças
ralelos aos do referencial R, move-se com velocidade uniforme u ao longo de x e é que atuam entre as
também inercial. Um observador em R9 [Figura 1.4 (b)] vê, no entanto, as cargas se cargas elétricas q1 e
q2, em repouso no
moverem para a esquerda com velocidade u e, além da força eletrostática F9e,, ob referencial inercial R.
serva uma força magnética atrativa F9 entre elas, porque, para ele, agem como duas
correntes elétricas no mesmo sentido.
10 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Examinemos a transformação da lei de Gauss do referencial R para o referencial R9,


Mas F9e, aplicada
quando e F9mag têm
à carga
sentidosComo
q2. opostos,
a força
então |F9el|>|Feldo
independe |, oureferencial,
|q2 |>|qF2 e,|= F9e, + F9mag.
trica é um escalar invariante à transformação entre referenciais;
E9 E. |E9
logo,A > |E
carga| elé-|
e
rE9·dA > rE·dA. Como q/0 é invariante sob a TG, a lei de Gauss, rE·dA = q/0, não
pode ser válida nos dois referenciais e não é invariante sob a TG.
Além da não invariância das equações de Maxwell sob uma TG, há uma assime
tria na explicação dos fenômenos eletromagnéticos quando analisados em diferentes
referenciais inerciais. Considere, por exemplo, uma espira condutora que se desloca
com velocidade v para fora de uma região, onde há um campo magnético B, per
pendicular ao plano da espira [Figura 1.5(a)]. Para um observador em repouso em
relação ao imã que cria o campo magnético B (referencial R), a força que atua sobre
um elétron situado no centro do lado esquerdo da espira é F = e v 3 B dirigida para
baixo. Do ponto de vista desse observador, a força eletromotriz (fem) na espira é de
origem puramente magnética e dada por rv 3B·dl. Para um observador fixo no refe
rencial R9 da espira [Figura 1.5(b)], o imã se desloca para a esquerda com velocidade
–v e o elétron está em repouso. Ele observa, da mesma forma que o observador em
R, que o elétron se desloca no sentido anti-horário na espira e mede a mesma fem. No
entanto, dá uma explicação diferente à dada pelo observador em R – para o observa
dor em R9 atua no elétron um campo elétrico E induzido na espira pelo movimento
do ímã (lei de Faraday) e a fem é dada por rE·dl.
Dessa forma, os observadores explicam de maneira diferente a origem da fem,
mas calculam o mesmo valor para ela. Essa assimetria, citada por Einstein na intro
dução de seu famoso artigo de 1905 sobre a teoria da relatividade, foi uma das difi
culdades da física clássica que o levaram a propor a teoria.
Chegamos à conclusão de que: a transformação de Galileu, o princípio da
relatividade (estendido ao eletromagnetismo) e as equações de Maxwell são
incompatíveis.

Figura 1.5
(a)A espira se y y9
desloca com
velocidade v para B B
fora de uma região
onde há um campo
magnético uniforme
b, perpendicular ao
plano da espira. v v
(b) O ímã que cria o
va Fe
campo magnético R R9
b move-se com x9
velocidade v para
fora da espira. x
(a) (b)
1.5 — A velocidade da luz 11
Uma pequena reflexão colocará o leitor diante de três alternativas para resolver
o conflito:
a) O PR não pode ser estendido ao eletromagnetismo. Nesse caso, deve existir um
referencial absoluto para o eletromagnetismo.
b) O PR pode ser estendido ao eletromagnetismo; a mecânica de Newton e a TG são
corretas. Nesse caso, a formulação do eletromagnetismo por Maxwell não é cor
reta (porque não é invariante sob a TG) e exige modificação.
c) O PR pode ser estendido ao eletromagnetismo e a teoria eletromagnética de Ma
xwell é correta. Nesse caso, a TG e a mecânica de Newton não são corretas e
exigem modificações.

A escolha entre essas três opções só poderá ser feita por meio de experiências.
Vamos examinar inicialmente a tentativa de Michelson e Morley de determinar o re
ferencial absoluto (o éter), que poderia ou não eliminar a opção (a).

1.5 A VELOCIDADE DA LUZ


O leitor poderá ver em textos de eletromagnetismo que das equações de Maxwell
(Equações 1.3) é possível deduzir a equação:
∂2f − µ0ε0 ∂f
∂x2 2

∂t2= 0 (1.4)

onde frepresenta qualquer componente de E ou B. Comparando essa equação com


a equação da mecânica clássica para uma onda que se propaga na direção x,
∂2φ 1 ∂2φ
2
− =0
∂x u2 ∂t 2

vemos que ela pode ser interpretada como uma equação de onda para os campos E
e B. Nessa última equação, u é a velocidade da onda, e podemos então concluir que
a velocidade v da onda eletromagnética será dada por
2 1
v = µ0ε0 (1.5)

O valor de v calculado da última relação, a partir das constantes m0 e 0 – que po


dem ser determinadas em experiências de laboratório envolvendo cargas e corren
tes –, é admiravelmente próximo do valor medido da velocidade da luz, o que levou
Maxwella sugerir que a luz seria uma onda eletromagnética e, então, de fato, v ; c.
Dessa forma, as equações de Maxwell unificaram eletricidade, magnetismo e óptica e
davam um enorme passo na direção da unidade da física. A existência de ondas ele
tromagnéticas só seria confirmada experimentalmente por Hertz vinte anos depois
da publicação da teoria eletromagnética de Maxwell.
12 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Vemos pelas Equações 1.4 e 1.5 que a velocidade da luz é parte integrante das equa
ções de Maxwell. Na verdade, essas equações podem ser escritas escolhendo-se o sis
tema de unidades, de forma que a velocidade da luz apareça explicitamente nelas(5)
em lugar das constantes m0 e 0. Coloca-se, então, na física clássica, uma importante
questão: em relação a que referencial devemos medir c? Isso, porque somente
nesse referencial as equações de Maxwell estarão formalmente corretas. A resposta
dada por Maxwell a essa pergunta foi que c deveria ser medida em relação ao éter,
meio que seria o suporte para as ondas eletromagnéticas. Maxwell e os físicos de
sua época não conseguiam imaginar um campo como uma entidade auto-suportável,
capaz de propagar-se no vácuo e introduziram por isso o conceito de éter. Como
deveria servir de suporte às oscilações transversais das ondas eletromagnéticas, o
éter teria propriedades bem peculiares: preencher todo o espaço, inclusive os cor
pos materiais, estar em repouso em relação ao espaço absoluto, ser infinitamente
elástico, não ter massa e, coroando todas essa propriedades, ser imperceptível. Pelo
fato de estar o éter em repouso em relação ao espaço absoluto, seus referenciais são
indistinguíveis, de forma que nos referiremos muitas vezes, no que se segue, aos re
ferenciais dos dois sem distinção.
Se o éter está em repouso no espaço absoluto, é claro pela física clássica (TG) que,
se medirmos a velocidade da luz num laboratório terrestre, nas duas condições – em
que o movimento da Terra tem o mesmo sentido do feixe de luz e no sentido oposto
–, teremos resultados diferentes. Para obter a velocidade absoluta da luz (velocida
de em relação ao éter), levando em conta a TG, deveríamos somar ou subtrair a velo
cidade da Terra ao valor medido. Um resultado negativo dessa experiência – isto é, se
forem medidos valores iguais para a velocidade da luz nas duas situações – indicaria
que o éter é arrastado pela Terra em seu movimento.
No fim do século XIX, a determinação do movimento relativo da Terra e do éter,
denominado vento do éter, tornara-se um dos problemas mais embaraçosos da físi
ca. A experiência de Michelson e Morley, que analisaremos a seguir, foi uma tentativa
de resolvê-lo.

1.6 a exPeriênCia de MiChelson e Morley


Considere uma fonte de luz e um espelho situado à distância L da fonte e seja v a ve
locidade orbital da Terra, paralela à direção do feixe de luz (Figura 1.6). O leitor po
derá mostrar que a velocidade relacionada ao movimento rotacional diário da Terra
é duas ordens de grandeza menor do que a velocidade orbital e pode ser desprezada
no cálculo seguinte.
De acordo com a TG, o tempo gasto por um pulso de luz emitido pela fonte no
percurso total de ida e volta ao espelho é

c−L v + c+Lv = c22Lc


=⎛ − v2 =2L 1−v2
c ⎝⎜⎟c2 ⎞⎠ −1 ≅2L
c ⎛⎝⎜1+v2
c2 ⎞
t ⎟⎠ . (1.6)
1.6 — A experiência de Michelson e Morley 13
A aproximação feita no último membro da Equação
1.6 resulta da expansão1−
binomial de E
c–v
⎛ v
c2 ⎟⎞−1 F v
⎜ c+v
⎝ ⎠
L

e é possível porque v << c. A velocidade orbital da Ter


ra comparece no cálculo de t no termo v2/c2; como v >
Figura 1.6
3· 104 m·s–1, então A fonte de luz F e
o espelho E estão
v2
c2 9×108 fixos na bancada
≅ 9×1016≅10−8.
que, estacionária na
Terra, move-se em
relação ao éter com
Michelson percebeu que essa precisão poderia ser alcançada com métodos inter a velocidade orbital
ferométricos e projetou o interferômetro de elevada precisão representado esque v desta. De acordo
maticamente na Figura 1.7. com a física clássica,
c–ve
O feixe de luz que parte da fonte F é dividido em dois pelo espelho semiprateado c + v são as
A. O feixe 1, que atravessa o espelho, é refletido no espelho B e, na volta, no espelho velocidades
do feixe de luz
A, dirigindo-se para a ocular O. O feixe 2, refletido em A, é dirigido para o espelho C, emitido e refletido,
onde é novamente refletido, atravessa o espelho A, prosseguindo na direção da ocu respectivamente,
lar. Os dois feixes, percorrendo agora a mesma trajetória, recombinam-se e formam em relação ao
na ocular O o padrão de interferência que é observado. A interferência resulta do laboratório.

fato de os dois feixes percorrerem caminhos ópticos diferentes. A diferença de cami


nhos ópticos pode ser calculada multiplicando-se a velocidade da luz c pela diferença
dos tempos de percurso Δt. Só é preciso levar em conta o trajeto do feixe 1 entre A
Figura 1.7
O O Espectrômetro de
Michelson e Morley.
A figura em linhas
pontilhadas mostra
1+2 o espectrômetro
deslocado de sua
posição original
L1 pelo movimento da
Terra em relação ao
B espaço absoluto.
A
F
1

v
ct!
L2
2

C vt!
I4 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

e B e O trajetO dO feixe 2 entre A e C, porque OS OutrOs trechOS COincidem. Sendo U a


Velocidade da Terra, O tempo de percurso do trajetO ABA pelo feixe 1 é dado por:

-[^{## (…)
Para achar O tempo de percurso do trajetO ACA pelo feixe 2 é preciso levar em
conta a velocidade orbital U da Terra na direção perpendicular à da luz. No tempo t"
que a luz leva para ir do espelho A ao espelho C, percorrendo a distância ct", o espe
lho C avança a distância Ut". O trajeto da Onda luminosa é representado na Figura 1.7
pela linha pOntilhada. PortantO
cºtº = vºtº . L3

L2
cº - v2
O tempo de percurso do trechO ACA é, então:

Obtemos das expressões de t1 e t2 acima diferença de caminhos ópticos:

2 Li L (17)
cA = c(n-1)= == === L2 •

|1– Bº |1 — Bº
O instrumentO foi girado de 90° e a experiência repetida de forma que Os dois
feixes trocam de papéis: O feixe 1 é agora perpendicular aO movimentO da Terra e O
feixe 2 situa-se ao longo dele. Com a nova observação se obtém:

t/ 2.Li t% 2.L2
1 = —=, — —

cVI— Bº c{1-5)
A nova diferença de caminhos ópticos será:

2 L
cA" = c(tí—1)=== L === 1 (1.8)
Ni-Bº V1— Bº
A diferença entre as duas observações (Equações 1.7 e 1.8) será:

2 Li + L_2
c(A —A")= —(L + L)|=(L + L)B", (1.9)
Wi-Bºt Wi-Bº
—}
Onde fizemos a aproximação (1— pº) * =1+ * pº, pOSSÍVel, porque U << C.
1.6 — A experiência de Michelson e Morley 15
Essa diferença (Equação 1.9) deveria produzir um deslocamento das franjas de
interferência e é isso que Michelson tentou observar. Para um comprimento de onda
l da luz, o padrão é deslocado de DN franjas, sendo
(L
c(Δtλ−Δ′t)= 2λ 1−
1+ β2 λ L2 β2
L2)≅ L1 +
ΔN = . (1.10)

Com um espectrômetro como o utilizado por Michelson (experiência de 1881),


com braços L > 1 m, o deslocamento da franja deveria ser da ordem de 0,04 de sua
largura. Esse valor é muito pequeno, da ordem do erro experimental, mas, mesmo
assim, permitiu a Michelson concluir que o resultado da medida era nulo, isto é, que
não era possível perceber o movimento da Terra em relação ao éter.
Uma experiência mais precisa foi realizada por Michelson e Morley em 1887. Ob
serve que o deslocamento das franjas é proporcional a L. Michelson e Morley aper
feiçoaram o aparelho, aumentando L dez vezes por meio de uma série de reflexões
em espelhos colocados no caminho do feixe. Além disso, montaram o aparelho numa
placa de pedra que flutuava num tanque de mercúrio, para diminuir as tensões mecâ
nicas durante a rotação, que poderiam afetar as distâncias dos espelhos. Nessa nova
experiência, o deslocamento das franjas de interferência, dado pela Equação 1.10,
deveria ser da ordem de 0,4 da largura da franja. Os experimentadores julgavam que
seriam capazes de detectar desvios de um centésimo da largura da franja, mas os
deslocamentos observados correspondiam a uma pequena fração do valor calculado
e não eram consistentes. Puderam, então, concluir que o movimento da Terra em
relação ao éter não podia ser detectado(6).
Seria possível imaginar que, acidentalmente, por uma combinação do movimento
orbital da Terra com os movimentos do Sistema Solar e da Via Láctea, a componen
te do movimento a Terra na direção do feixe de luz fosse nulo. É claro, então, que,
seis meses depois, a velocidade orbital da Terra teria o sentido invertido e seria, em
relação ao éter, o dobro da velocidade orbital. Para anular esse possível acidente,
a experiência foi realizada em diferentes horas do dia e em diferentes estações do
ano, com resultados sempre nulos. Desde que Michelson e Morley realizaram suas
experiências, elas foram repetidas várias vezes, com aperfeiçoamentos, por outros
experimentadores, sempre com resultados nulos.
O resultado nulo da experiência constituiu um problema grave para a física clás
sica. Uma explicação possível seria o arrastamento do éter pela Terra. É claro que se
o éter é arrastado pela Terra em seu movimento, o experimentador deverá achar um
resultado nulo para a velocidade da Terra em relação a ele. Porém, o arrastamento
do éter estava em contradição direta com duas experiências realizadas no passado e
bem confirmadas, que discutiremos a seguir.

Problema 1 Supondo que, num espectrômetro de Michelson-Morley, utiliza-se


luz amarela (l = 590 nm) e que o braço do espectrômetro mede 1 m, calcule o
deslocamento de franjas de interferência esperado, em relação à largura da franja,
de acordo com a física clássica. A velocidade orbital da Terra é v < 30 km·s–1.
16 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

1.7 aberração da luz das estrelas e


exPeriênCia de Fizeau
A primeira das experiências citadas na Seção 1.6 mostrando a impossibilidade do ar
rastamento do éter pela Terra é a observação da aberração da luz das estrelas.
O fenômeno da aberração da luz das estrelas foi descoberto por James Bradley,
em 1725. Ao examinar a variação da posição aparente das estrelas durante o ano,
ele observou que, após serem feitas todas as correções necessárias, uma estrela no
zênite da eclíptica movia-se numa órbita quase circular com diâmetro de 40,5’’, o que
obrigava a inclinar o telescópio num ângulo a > 20”. Ele conseguiu explicar o fenô
meno como resultado da combinação da velocidade da luz com a velocidade da Terra
em seu movimento orbital, como mostraremos a seguir.
Seja R o referencial da estrela. Se a Terra estivesse fixa nesse referencial o teles
cópio deveria ser dirigido na direção do eixo y, isto é, a = 0. Como a Terra se desloca
com velocidade v em relação à estrela, precisamos introduzir o referencial R9 da Ter
ra. A velocidade do raio de luz no referencial R9 resulta da composição da velocidade
c do raio de luz da estrela com a velocidade v da Terra, ambas medidas em relação ao
éter (referencial R), como mostra a Figura 1.8.
O ângulo sob o qual se observa a estrela é dado
y por
c a v
c=3 ⋅108m ⋅s−1 =10−4,
3⋅104m
R tg α =
c ⋅s−1
R9 α ≅10−4rad≅2′′0,
v
em excelente acordo com a observação.
Terra Terra
Essa experiência nos mostra que o éter, que é es
v tacionário no referencial R, não é arrastado pela Terra
x x
(referencial R9). Se fosse, não haveria aberração e o
telescópio deveria ser direcionado na vertical.
Figura 1.8
Experiência da
A outra experiência mencionada é a experiência de Fizeau-Fresnel sobre o ar
aberração da luz das rastamento do éter por um meio em movimento. Um tratamento rigoroso dessa teo
estrelas. A figura ria só pode ser feito com a teoria eletromagnética de Maxwell, por isso, exporemos
da esquerda mostra aqui apenas os resultados. Segundo uma teoria de Fresnel, verificada experimental
a observação da
estrela no referencial mente por Fizeau, em 1853, a velocidade da luz v em um meio de índice de refração
desta e a da direita, n, que se desloca com velocidade u em relação ao observador, é dada por
no referencial
da Terra. Neste v= c± ⎛ 1− 12 ⎞
último é necessário u, (1.11)
inclinar o telescópio n ⎜⎝ n ⎟⎠
num ângulo a em
relação à vertical
tomando-se o sinal superior ou inferior se o movimento da luz é no mesmo sentido ou
para compensar o
movimento orbital em sentido contrário ao movimento do meio, respectivamente.
da Terra.
No entanto, pela TG, se o éter fosse totalmente arrastado pelo meio, a velocidade
da luz seria dada por v = c/n ± u. A Equação 1.11 sugere que o éter é parcialmente
1.7 — Aberração da luz das estrelas e experiência de Fizeau 17
arrastado pelo meio em movimento. O fator (1 – 1/n2) é o coeficiente de arrasta
mento de Fresnel, que indica a fração da velocidade u do meio com que o éter é
arrastado.
É claro que, do resultado dessa experiência, para um meio de índice de refração
n = 1 (como o ar) em movimento, o coeficiente de arrastamento é 0, ou seja, o éter
permanece estacionário. As experiências de Fresnel-Fizeau e da aberração das es
trelas favorecem, portanto, a hipótese de que o éter não é arrastado pelos corpos
materiais em movimento.
Para explicar o resultado nulo achado por Michelson e Morley e, ao mesmo tempo,
manter o éter estacionário, FitzGerald e Lorentz(7) propuseram que os corpos sofre
riam uma contração na direção de seu movimento por um fator !1–v2/c2. Com essa
hipótese, o braço do espectrômetro de Michelson paralelo à velocidade da Terra se
contrairia justamente o fator necessário para explicar o resultado nulo da experiên
cia. Essa conjetura não resistiu a testes experimentais, que não discutiremos aqui, e
logo perderia sua importância quando Einstein propôs sua teoria, capaz de explicar
o resultado nulo da experiência de Michelson a partir de princípios muito gerais e
de alcance mais amplo. Devemos concluir que a evidência experimental é em favor
da inexistência de um referencial absoluto, mesmo que apenas localmente estacio
nário, como no caso do deslocamento do éter por um astro em movimento. Dos três
caminhos listados antes para resolver o conflito apontado na física clássica, fica então
eliminado o primeiro.

Problema 2 Mostre que a hipótese de FitzGerald-Lorentz explica o resultado


nulo da experiência de Michelson-Morley.
Sugestão: Reporte à Figura 1.7; suponha a velocidade da luz constante em relação
ao éter e a dimensão do espectrômetro, ao longo do movimento, sofrendo con
tração por um fator [1 – (v2/c2)]1/2. Mostre que sinais de luz enviados pela fonte
levam o mesmo tempo, no percurso de ida e volta, nas duas direções.

O segundo caminho exige uma modificação da teoria de Maxwell. As tentativas


mais conhecidas são as teorias de emissão, em que a eletrodinâmica de Maxwell é
modificada fazendo que a velocidade de uma onda luminosa esteja associada à fonte
e não a um referencial absoluto. Postula-se que a velocidade da luz, num meio de
índice de refração n, é c/n em relação à fonte emissora e independente do movi
mento do meio. O leitor poderá verificar que elas explicariam o resultado nulo da
experiência de Michelson-Morley. Essas teorias foram refutadas pelo exame da luz
emitida por estrelas binárias eclipsantes (o par de estrelas gira em torno do centro
de massa de forma que, para um observador na Terra, uma se afasta quando a outra
se aproxima). É evidente que a velocidade da luz que atinge a Terra proveniente da
estrela que se aproxima deveria ser maior do que a da companheira que se afasta, o
que não foi verificado. A natureza deste texto não permite a exposição dessas teorias
e das experiências que as refutaram. O imenso êxito da teoria de Maxwell na expli
cação dos fenômenos eletromagnéticos e ópticos nos levam a abandonar o segundo
caminho sugerido.
18 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Resta, dessa forma, o terceiro caminho, que estende o princípio da relatividade ao


eletromagnetismo, mantém a teoria eletromagnética de Maxwell e procura corrigir a
mecânica de Newton, para que essas teorias fiquem consistentes com o princípio da
relatividade. Esse foi o caminho explorado por Einstein, e que exporemos nos pró
ximos capítulos.

Notas
(1) O tratado Philosophiae naturalis principia mathematica, cume da obra científica de
Isaac Newton (1642-1727)*, foi publicado em 1687, na maturidade desse grande mate
mático e físico. Aos 25 anos, Newton já tinha realizado suas maiores descobertas: o cál
culo diferencial e integral, a gravitação universal, a dispersão da luz e o telescópio de re
flexão. Os Principia, que sistematizam pesquisas realizadas desde a juventude, criaram
um paradigma que dominou as ciências físicas nos dois séculos seguintes e continuam a
ser, até nossos dias, os fundamentos para cálculos de mecânica no mundo macroscópico.
A obra ultrapassou os limites das ciências físicas, influenciando a filosofia e, em conse
quência, toda a cultura dos séculos XVIII e XIX. Newton dedicou ainda parte considerá
vel de seu tempo a pesquisas em alquimia e cronologias bíblicas.
Muitas vezes somos tentados a separar a obra de Newton em uma parte boa e outra inú
til. Não devemos, no entanto, tomar seus estudos das cronologias bíblicas e de alquimia
de forma derrisória, mas no contexto da época e, sendo assim, como uma demonstração
de sua tentativa de abarcar todo o conhecimento humano para compreender o universo.
Newton era um homem profundamente religioso e até intolerante no que se relacionava
à religião. Mesmo nos Principia pode-se perceber a manifestação de sua crença religio
sa. Para Newton, Deus não cria o espaço – o espaço absoluto e eterno é parte integrante
da existência da divindade. Deus percebe os corpos físicos por sua onipresença no espa
ço absoluto; é como se o espaço fosse o órgão de percepção de Deus. Ele também atua
no mundo físico, corrigindo as perturbações mútuas nas órbitas dos planetas, evitando
que elas venham a se desorganizar e causem colisões. Leibniz, contemporâneo e opositor
de Newton em muitas questões, ironizava o talento do Deus newtoniano como relojoeiro,
incapaz de construir um mecanismo à prova de perturbações.
Infelizmente, as características sociais de Newton não acompanhavam suas qualidades
intelectuais. Provavelmente, sua vida afetiva foi prejudicada pela orfandade antes do
nascimento, seguida pelo casamento da mãe com um homem por quem ele não desenvol
veu nenhuma afeição. Não aceitava facilmente o sucesso de outros e gastou parte de sua
vida em disputas inúteis a respeito de prioridades de descobertas científicas. Conservava
ressentimentos por toda a vida. Teve poucos amigos, ainda assim, mais pela dedicação
deles do que dele. Sua falta de humor era tal que um servidor da Universidade de Cam
bridge, contemporâneo, afirmava só tê-lo visto rir uma única vez em cinco anos! E mesmo
dessa vez, por um motivo peculiar: Newton havia emprestado um volume da geometria de
Euclides a um conhecido e este perguntou-lhe de que lhe valeria estudá-lo.
A mais completa biografia de Newton é a obra de Richard S. Westfall, Never at rest: a
biography of Isaac Newton, da qual existe uma edição condensada pelo próprio autor,
com tradução em português: Westfall, Richard S., A vida de Isaac Newton, Rio de Janei
ro: Editora Nova Fronteira,1995. A pequena biografia: Newton – a órbita da terra em
um copo d´água, Valadares, Eduardo C., São Paulo: Odysseus Editora, 2003, tem cará
ter pedagógico, com explicação de várias descobertas de Newton. Há ainda, com tradu
ção em português, as biografias: Isaac Newton, o último dos feiticeiros, White, Michael,
Notas 19
Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 e Isaac Newton, Gleick, James, São Paulo: Com
panhia das Letras, 2004. Há também a tradução de uma seleção de textos de Newton:
Newton. Textos, antecedentes, comentários, Cohen, I. B. e Westfall, R.S. (org.), Rio de
Janeiro: Editora Uerj/ Contraponto, 2002.

(2) De acordo com a mecânica newtoniana, se o estado (posições e velocidades das par
tículas) de um sistema for conhecido num certo instante, poderá ser determinado em
qualquer momento passado ou futuro. Esse é o núcleo da ideia de determinismo, à qual
Laplace (Pierre Simon, Marquês de Laplace, 1749-1827) deu uma elegante formulação
filosófica:

“Uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as forças que animam a
natureza e a situação de todos os elementos que a compõem e se, além disso, fosse su
ficientemente grande para submeter todos esses dados à análise, abrangeria na mesma
fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais minúsculo átomo:
nada para ela seria desconhecido, e o passado, como o futuro, estaria aberto diante de
seus olhos. A mente humana provê uma fraca semelhança dessa inteligência, com a per
feição dada à astronomia”.

(3) Experiência imaginária (hipotética, mental ou gedankenexperimente) é uma des


crição de procedimento experimental e de seus possíveis resultados, deduzidos por
raciocínio consistente com uma determinada teoria. O procedimento experimental
descrito não implica possibilidade de sua realização, seja por empecilhos tecnológicos,
que poderiam eventualmente ser superadas ou até mesmo por dificuldades de princípio
insuperáveis. No entanto, as premissas dos argumentos utilizados na experiência imagi
nária devem pertencer a alguma teoria física que se pretenda comprovar ou invalidar e
a experiência consiste numa dedução a partir dessas premissas apenas: não deve haver
novos fatos empíricos sobre os quais se apoia o raciocínio. Experiências imaginárias
não podem substituir experiências e observações reais e se os dois tipos entram em con
flito no contexto de uma determinada teoria física, o mais provável é que a imaginária
seja abandonada.
As experiências imaginárias têm sido especialmente importantes em épocas de mudança
de paradigmas científicos (revoluções científicas), quando servem para testar novos con
ceitos. Justamente por causa disso, o nome de Einstein tem sido associado ao conceito
de experiência imaginária porque, na exposição das novas ideias não-intuitivas da teoria
da relatividade, teve de apelar muitas vezes para experiências imaginárias. O leitor po
derá apreciar neste texto como elas são poderosas. Einstein foi um excepcional inventor
de experiências imaginárias. O famoso debate Bohr-Einstein sobre os fundamentos da
mecânica quântica se realizou em cima de experiências imaginárias, extraordinariamen
te sutis, inventadas por cada um deles para demolir o argumento do outro.
Experiências imaginárias ou, pelo menos um tipo de raciocínio próximo do que hoje
denominamos “experiência imaginária”, foram utilizadas na Antiguidade, desde Tales e
outros filósofos pré-socráticos. Galileu, já na revolução científica dos séculos XVI e XVII,
utilizou-as com grande perspicácia. Uma das mais notáveis foi a forma como demons
* Galilei, Galileu,
trou, nos Discursos sobre duas novas ciências*, que a aceleração de um corpo em Duas novas ciên
queda livre é independente da massa do corpo. Reproduzimos o diálogo entre Salviati cias, São Paulo, Nova
(supostamente o próprio Galileu) e Simplício (defensor da física de Aristóteles), que Stella – Ched Edito
mantinha que a rapidez natural de um corpo em queda livre era função de seu peso: rial, s. data.
20 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

Salviati – Sem recorrer a outras experiências, podemos provar claramente, por meio de uma
demonstração breve e concludente, que não é verdade que um corpo mais pesado se
move com maior rapidez do que outro menos pesado, desde que ambos sejam da mesma
matéria, como é o caso daqueles de que fala Aristóteles. Porém, diga-me Simplício, se
você admite que a cada corpo pesado em queda corresponde uma determinada rapidez
fixada pela natureza, de modo que não se possa aumentá-la ou diminuí-la a não ser usan
do força (violenza) ou opondo-lhe alguma resistência?
Simplício – Não se pode duvidar que o mesmo corpo, movendo-se no mesmo meio, tem
a rapidez fixada e determinada pela natureza, que não pode ser aumentada a não ser
acrescentando-lhe um novo ímpeto, nem diminuída salvo por algum impedimento que o
retarde.
Salviati – Se tivéssemos, portanto, dois corpos, cujas rapidezes naturais são desiguais, é
evidente que, se unirmos os dois, o mais rápido será parcialmente retardado pelo mais
lento, enquanto este aumentará em parte sua rapidez devido ao mais veloz. Não concor
da com minha opinião?
Simplício – Parece-me que assim é indubitavelmente.
Salviati – Porém, se é assim, e se uma grande pedra se move, por exemplo, com uma rapidez,
digamos de oito, enquanto uma menor se move com uma rapidez de quatro, então quan
do estão unidas, o sistema se moverá com uma rapidez menor do que oito. No entanto,
as duas juntas formam uma pedra maior do que aquela que se movia com rapidez de oito
graus; do que se segue que esse sistema, que também é maior do que a primeira pedra,
mover-se-á mais lentamente do que a primeira pedra, que é menor, o que contradiz sua
suposição. Você vê que, de sua suposição de que um corpo mais pesado se move com
mais rapidez do que um menos pesado, concluo que o mais pesado se move com menor
rapidez.
Simplício – Estou completamente confuso, pois parece-me que a pedra menor, unida à
maior, aumenta seu peso e, aumentando seu peso, não vejo como não deva aumentar-lhe
também a rapidez ou, pelo menos, não diminuí-la.

(4) Ernst Mach (1838-1916), físico e filósofo, publicou uma análise crítica e histórica da me
cânica que se tornou uma obra clássica e teve grande influência em Einstein, que a leu na
juventude, especialmente porque balançou sua fé dogmática na mecânica. As principais
inovações na mecânica de Mach são a abolição do espaço absoluto e a formulação da lei
de inércia em relação ao referencial das estrelas. Positivista, mantinha como central em
sua filosofia o princípio de que nenhuma proposição nas ciências naturais seria permis
sível se não fosse verificável empiricamente. Isso o levou a rejeitar como metafísicas as
ideias de espaço e tempo absolutos e o éter. Mas também o levou à rejeição de molécu
las e átomos nas teorias físicas, porque não eram diretamente observados, posição que,
ainda em sua vida, seria verificada como insustentável. Para Mach nada existe no mundo
* Mach, Ernst, Scien além de sensações e suas conexões. Por isso, a física deveria ser estudada num contexto
cia, 7, 225 (citado mais amplo que envolvesse psicologia e fisiologia: “Física não é o mundo inteiro; a biolo
por Holton, Gerald, gia também está presente e pertence essencialmente à visão do mundo.”*
Thematic origins of
Einstein tinha grande admiração por Mach e o colocava entre os poucos cientistas que
scientific thought,
Cambridge, Mass., considerava como seus precursores: Newton, Maxwell, Mach, Planck e Lorentz. No iní
Harvard University cio de sua vida científica, Einstein sofreu forte influência da epistemologia radicalmente
Press 1988, Cap. 7, positivista de Mach, mas afastou-se dela na maturidade. Para Mach, o conhecimento
p. 256) científico do mundo consiste na descrição mais simples possível das conexões entre as
Notas 21
sensações (leis, teorias) e tem como único objetivo o domínio intelectual desses fatos
com o menor esforço possível (princípio da economia do pensamento); para Einstein,
a invenção de conceitos científicos e a construção de teorias científicas eram livres cria
ções da mente humana.

Nos primeiros anos após a publicação da TRE, Mach manifestou-se a favor dela, mas
afastou-se depois por julgá-la cada vez mais dogmática. Einstein, com sua permanente
autoconfiança, debitou a mudança de posição de Mach na diminuição da capacidade des
te em absorver novas ideias com a idade.

(5) As Equações de Maxwell têm no sistema gaussiano de unidades o seguinte formato:


q,
—∫=
SE⋅dA

—∫S B⋅dA=0,
E—∫⋅dl=−1cdϕdtB,

—∫B⋅dl =4cj+1cdϕdtE .

A velocidade da luz aparece explicitamente nessas equações. Para Maxwell, o referen


cial em relação ao qual a velocidade c deveria ser medida – e no qual as equações seriam
válidas – era o referencial do éter. Como o éter está em repouso em relação ao espaço
absoluto, os referenciais do éter e do espaço absoluto são idênticos e nos referiremos a
ambos indistintamente.

(6) Na conclusão de sua primeira experiência com o interferômetro (1881), Michelson afir
mou que o resultado nulo implicava ser incorreta a hipótese de um éter estacionário. O
resultado nulo foi decepcionante não apenas para ele, que esperava poder medir a velo
cidade da Terra em relação ao éter – o vento do éter –, como para físicos eminentes que
acompanhavam os desenvolvimentos da teoria eletromagnética. Lorentz teve dúvidas
quanto à interpretação do resultado e Michelson foi instado por Rayleigh a repeti-la. Foi
o que fez em 1887, com seu colega Edward. W. Morley, aperfeiçoando ainda mais o apa
relho, que já era notável por sua precisão. O resultado nulo se repetiu. Muito trabalho
foi envolvido na análise dos detalhes do aparelho e do resultado, mas não se descobriu
nada que invalidasse a experiência. Abriu-se assim um problema de difícil solução para
a física clássica.

Albert Abraham Michelson (1852-1931) não obteve nenhum grau universitário formal
mente – todos lhe foram concedidos honoris causa. Antes da experiência de 1881, ele
já se tornara o físico norte-americano mais conhecido no meio científico, devido a suas
medições da velocidade da luz. Os extremos cuidados e a precisão com que fazia suas
experiências explica por que o resultado da experiência de medida da velocidade da Ter
ra em relação ao éter, mesmo sendo totalmente inesperado, foi merecedor de crédito no
meio científico. Michelson foi agraciado com o Prêmio Nobel de 1907, citado pela inven
ção de seu interferômetro e suas aplicações em metrologia e espectroscopia e não pelas
experiências relacionadas à medida da velocidade da Terra em relação ao éter, discutidas
neste texto.
22 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto

(7) O físico irlandês G. F. FitzGerald foi o autor da conjetura de que os corpos se contraem
por um fator de !1–v2/c2 na direção do movimento, hoje denominada contração de
FitzGerald-Lorentz. No breve artigo em que propõe a contração, FitzGerald fez o se
guinte comentário a respeito do arrastamento do éter na experiência de MM*:
“Li com muito interesse a maravilhosa e delicada experiência dos senhores Michelson e
Morley que tenta decidir a importante questão de quanto o éter é arrastado com a Terra.
O resultado deles parece oposto a outras experiências, que mostram que o éter no ar
não pode ser arrastado, a não ser de forma desprezível. Eu sugeriria que talvez a única
hipótese que poderia conciliar essa oposição é que o comprimento dos corpos materiais
varia quando eles se movem através do éter, dependendo de se moverem ao longo de seu
comprimento ou perpendicularmente a ele, de uma grandeza que depende do quadrado
da razão da velocidade deles para a da luz.”
Segue-se uma discussão a respeito de forças moleculares, mostrando que ele pensava
numa contração devida à modificação das forças moleculares no objeto por causa do
movimento deste e não devida diretamente ao movimento do objeto em relação ao ob
servador. Esse fato e a menção ao éter como uma entidade objetivamente real, mostram
que a contração proposta é uma hipótese ainda no contexto da física clássica e não tem
relação com a teoria da relatividade de Einstein.
Em sua excelente biografia de Einstein, A. Pais** desenha um perfil curioso de FitzGe
rald. Era um cientista ao mesmo tempo ousado e modesto, desprovido da competitivi
dade que hoje caracteriza o trabalho científico. Dizia de si mesmo: “Não sendo nada sen
sível ao fato de cometer erros, me apresso em expor todo tipo de ideias, mesmo cruas,
com a esperança de que elas possam motivar outros e conduzir a algum avanço.” Tendo
Lorentz chegado independentemente à conjetura da contração dos corpos em movi
mento três anos depois de FitzGerald e, tendo sido informado da ideia anterior deste,
escreveu-lhe para obter referência da publicação e poder citá-la em seus trabalhos. A
resposta de FitzGerald é muito interessante: informa que seu artigo fora enviado para a
Science, mas que não está certo de que fora publicado e prossegue modestamente: “Es
tou bastante seguro de que sua publicação (sobre o assunto) é anterior a qualquer das
minhas publicações impressas”.
Há na obra mencionada de Pais uma citação de Oliver Heaviside, que fora amigo de Fit
zGerald, que vale a pena reproduzir, pela originalidade com que expõe o perfil científico
deste: “Ele tinha, sem dúvida, entre nós todos o cérebro mais rápido e mais original. Isso
era uma grande distinção; mas era, penso, uma infelicidade para sua vida científica. Ele
via muitos caminhos. Seu cérebro era muito fértil e inventivo. Penso que teria sido me
lhor para ele se tivesse sido um pouco estúpido – digo, não tão rápido e versátil, mas mais
pertinaz. Ele teria sido melhor apreciado, exceto por poucos”.
Em 1892, Lorentz, ao tentar conciliar o resultado nulo da experiência de MM com a
* FitzGerald, G. F., ideia do éter, chegou à mesma conjetura de FitzGerald, que é, por isso, denominada
Science, 13, 390 hipótese de FitzGerald-Lorentz. De acordo com Lorentz, também, a contração dos
(1889), conforme objetos na direção do movimento é um efeito objetivamente real e não um efeito re
a biografia citada
abaixo. lativo ao movimento do observador e o éter persiste como ente real da natureza (éter
de Fresnel ou de Maxwell). A hipótese de FitzGerald-Lorentz desagradava os físicos da
** Pais, Abraham, época, porque era ad hoc – inventada explicitamente para explicar o resultado nulo da
Sutil é o Senhor – a experiência de MM.
ciência e a vida de
Albert Einstein, Rio
de Janeiro, Editora
Nova Fronteira, 2000.
Problemas 23
Problemas
Os problemas 1 a 3 estão relacionados à interpretação clássica da experiência de
Michelson-Morley.
1.1 A bússola de um avião indica que ele voa na direção S  N e o velocímetro
indica uma velocidade de 200 km/h relativa ao ar. Há um vento de 80 km/h na
direção O  L. a) Qual é a velocidade do avião em relação ao solo? b) Em que
direção o piloto deverá apontar o avião para atingir um objetivo ao norte e qual
será sua velocidade relativa ao solo?
1.2 Um rio de 100 m de largura corre para o norte com velocidade de 5 km/h; um
homem rema uma canoa, cruzando o rio, com velocidade de 5 km/h perpendi
cularmente à corrente. a) Qual é a velocidade da canoa relativa à margem? b)
Em que ponto ao norte do ponto de partida a canoa atingirá a margem oposta?
c) Quanto tempo a canoa levará para atravessar o rio?
1.3 Um avião faz o trajeto de ida e volta entre as cidades A e B com velocidade u
em relação ao ar estacionário. Calcule a diferença dos tempos de trajeto entre
as situações em que há um vento com velocidade v de A para B e perpendicular
a AB.

Os problemas 4 a 6 têm relação com a interpretação da aberração da luz das es


trelas.
1.4 Gotas de chuva, que caem verticalmente, deixam riscos com inclinação de 30°,
em relação à vertical, nas janelas dos vagões de um trem, que viaja à velocida
de de 20 km/h para leste. a) Ache a componente horizontal da velocidade da
gota em relação ao solo e em relação ao trem. b) Ache a velocidade da gota em
relação ao solo e em relação ao trem.
Resposta: vs = 34,6 km/h vtr=40 km/h.
1.5 Um astrônomo observa uma estrela distante próxima ao plano da eclíptica da
Terra. Qual é a figura desenhada pela estrela, devido ao fenômeno de aberra
ção da luz e qual é sua dimensão (ângulo de visão em segundos de grau)?
1.6 Justifique a seguinte afirmativa: a experiência de aberração da luz das estrelas
mostra que o referencial do Sol é um referencial inercial melhor do que o refe
rencial da Terra.
24 Capítulo 1 — Em busca do espaço absoluto
25

postulados da teoria
da relatividade
especial

2.1 poStuladoS de einStein


Para conhecer a motivação de Einstein em criar a teoria da relatividade, nada melhor
do que ler a introdução de seu artigo, publicado no periódico científico Annalen der
Physik(1), que reproduzimos aqui.

“Como se sabe, a eletrodinâmica de Maxwell – tal como entendida atualmen


te –, quando aplicada a corpos em movimento, conduz a assimetrias que não
parecem ser inerentes aos fenômenos. Consideremos, por exemplo, as ações
eletrodinâmicas recíprocas entre um ímã e um condutor. O fenômeno observá
vel depende apenas do movimento relativo entre condutor e ímã, enquanto o
entendimento habitual faz uma distinção perfeita entre os casos em que um ou
outro desses corpos se move. Se o ímã se movimenta e o condutor fica em re
pouso, será criado em torno do ímã um campo elétrico, com uma certa energia
definida, que criará uma corrente elétrica nas regiões onde estiverem partes do
condutor. Mas, se for o ímã que está em repouso e o condutor em movimento,
não surgirá um campo elétrico na vizinhança do ímã. Encontraremos, no en
tanto, uma força eletromotriz no condutor à qual, em si mesma, não correspon
de nenhuma energia, mas que dá origem a correntes elétricas com trajetória e
grandezas iguais às produzidas por forças elétricas no primeiro caso – desde
que os movimentos relativos sejam iguais nos dois casos considerados.
Exemplos desse gênero, assim como o insucesso das experiências feitas para
detectar qualquer movimento da Terra em relação ao éter, sugerem que osfe
nômenos da eletrodinâmica, tal como os da mecânica, não apresentam
nenhuma propriedade que corresponda à ideia de repouso absoluto. Ao
contrário, eles sugerem que em todos os sistemas de coordenadas em que são
válidas as equações da mecânica também são válidas as leis ópticas e eletrodi
nâmicas – o que até a primeira ordem de grandeza já está demonstrado. Vamos
elevar à categoria de postulado essa conjetura (que chamaremos daqui em
diante princípio da relatividade); vamos, além disso, introduzir o postulado –
26 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

só aparentemente incompatível com o primeiro – de que a luz, no vácuo, se


propaga com velocidade determinada, independente do estado de movi
mento da fonte de luz. Estes dois postulados são suficientes para construir
uma eletrodinâmica dos corpos em movimento, simples e livre de contradi
ções, baseada na teoria de Maxwell para corpos em repouso. A introdução de
um éter se revelará supérflua, uma vez que na teoria que vamos desenvolver
não necessitamos introduzir um ‘espaço em repouso absoluto’, nem atribuir
um vetor velocidade a um ponto qualquer do espaço vazio em que ocorra um
processo eletromagnético.” (itálicos nossos.)

Esse texto merece ser lido cuidadosamente. Nele, Einstein apresenta os princi
pais argumentos que suportam a teoria – a relatividade da teoria de Maxwell aparen
te em experiências da eletrodinâmica e os resultados nulos das experiências para se
medir a velocidade da Terra relativamente ao éter –, estabelece os dois postulados
da teoria e sugere que o éter se mostrará supérfluo na nova teoria. Não existe uma
experiência que prove a teoria da relatividade, porém, como discutimos no capítulo
anterior, há resultados experimentais que: a) dão evidências contra a concepção de
um éter estacionário ou arrastado por corpos providos de massa, e b) as modifica
ções já imaginadas da teoria eletromagnética de Maxwell não resistem a verificações
experimentais.
Foram destacados no texto reproduzido os dois postulados da TRE, que repeti
mos a seguir de outra forma:
1. Postulado da relatividade:
As leis da física têm a mesma forma em todos os referenciais inerciais.
2. Postulado da constância da velocidade da luz:
A velocidade da luz é independente do movimento de sua fonte.
Observe o leitor que, ao dizermos que as leis da física têm a mesma forma em to
dos os referenciais inerciais estamos negando a possibilidade de escolher um deles
como absoluto, ou seja, estamos na verdade afirmando que os fenômenos da física
não apresentam nenhuma propriedade que corresponda à ideia de repouso abso
luto. São então equivalentes à forma dada anteriormente para o postulado 1 e a que
aparece no texto introdutório de Einstein.
O primeiro postulado estende o princípio da relatividade de Galileu a todas as leis
da física. As equações de Maxwell devem, portanto, como todas as outras leis da fí
sica, permanecer invariantes quando se passa de um referencial inercial para outro.
Uma consequência imediata desse postulado é que a velocidade da luz independe
do movimento uniforme relativo dos observadores; isto é, dois observadores que se
movem com velocidades uniformes diferentes em relação a uma fonte de luz obterão
o mesmo valor para a velocidade da luz no vácuo. Representaremos esse valor da
velocidade da luz por c.
Como veremos, os postulados da teoria da relatividade tornam sem significado as
ideias de espaço absoluto e de tempo absoluto. Por isso, muitas vezes, é destacado
2.2 — Simultaneidade 27
o aspecto relativístico da teoria. No entanto, o que a teoria se propõe é justamente
o contrário: procurar leis físicas absolutas, isto é, que não dependam da escolha do
referencial inercial (na teoria da relatividade geral – TRG – essa busca é estendida a
referenciais arbitrários). Einstein se referia à teoria, no início, como uma teoria da
invariância, mas o nome teoria da relatividade, utilizado por H. Poincaré(2) e M.
Planck(3), tornou-se comum e ele o adotou também.
Os postulados da teoria da relatividade especial (TRE) obrigam à revisão do sig
nificado de vários conceitos físicos que consideramos intuitivos. Começaremos nossa
análise pelo exame da ideia de simultaneidade, tal como fez Einstein em seu notável
artigo de 1905.

2.2 Simultaneidade
Toda medida de tempo se baseia numa verificação de simultaneidade. Quando dize
mos que um acontecimento ocorreu às 5 horas, estamos de fato afirmando a simul
taneidade do acontecimento com a indicação do relógio, correspondente a 5 horas.
A sincronização de relógios exige, portanto, o estabelecimento prévio de um critério
para verificar a simultaneidade de dois acontecimentos.
Aceitaremos como razoável o seguinte critério: Dois eventos em um referencial
são simultâneos se sinais luminosos provenientes dos eventos atingirem um
observador equidistante no mesmo instante.
Consideremos a situação representada na Figura 2.1. Nos pontosA e B do referen
cial R, são colocadas lâmpadas comandadas por células fotoelétricas. O observador
colocado em M, no meio do segmento AB, dispara um flash. A frente de luz esférica
que parte de Matinge as células fotoelétricas e acende as lâmpadas. As frentes de luz
que partem de A e B atingem o observador no mesmo instante, porque a velocidade
da luz é a mesma para as duas frentes, de acordo com o segundo postulado de Eins
tein. Pelo critério estabelecido, o observador pode afirmar que as lâmpadas A e B se
acenderam simultaneamente.
É óbvio que o observador em M poderá sincronizar relógios situados em A e B
disparando um flash. Os sinais luminosos que partem de M dão partida a relógios
idênticos situados em A e B e, como têm a mesma velocidade nos sentidos MA e
MB, os relógios serão sincronizados. Estamos supondo que, por causa da homo
geneidade do espaço, os relógios têm o mesmo passo,
isto é,do
que a posição do relógio no espaço não altera o
passo relógio. Com esse processo, todos os relógios c c c c

deobservador
o um referencial
se coloque
podemem
serposições
sincronizados.
equidistantes
Basta que
do
A M B
relógio tomado como referência e de cada um dos re
lógios do mesmo referencial que pretenda sincronizar
e envie sinais luminosos sincronizadores nos dois sentidos. Podemos então falar em Figura 2.1 de
Sincronização
tempo de um referencial, que é o tempo indicado por um relógio local, previamente
dois relógios no
sincronizado com um relógio tomado como base, por exemplo, o relógio situado na mesmo referencial.
origem do sistema de coordenadas. Acontecimentos simultâneos em um determina
28 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

do referencial são acontecimentos que ocorrem no mesmo instante de tempo indica


do por relógios locais, previamente sincronizados.
Se dois eventos em um referencial inercial são simultâneos para um obser
vador estacionário nesse referencial, serão simultâneos para qualquer outro
observador estacionário no mesmo referencial.

2.3 Relatividade da Simultaneidade


Vamos mostrar agora que simultaneidade é um concei
to relativo: dois acontecimentos simultâneos em um
referencial inercial R, não o são em outro referencial
inercial R9. Queremos na verdade comparar relógios
R R9
em diferentes referenciais. O observador em R (Figura
u 2.2) está no ponto M; nos pontos A e B, situados nos
dois lados de M e a igual distância, são colocados reló
Frente de onda
gios que ele quer sincronizar com seu relógio. O obser
vador dispara um flash, que progride nos dois sentidos
ct com velocidade c e dá partida nos dois relógios, A e B,
A O9
O M simultaneamente.
B
Consideremos um outro referencial inercial R9, que
se move com velocidade u, em relação ao referencial
R, na direção x, para a direita. O observador em R9
Figura 2.2 está com o observador em R, na posição M, no instante em que o flash é disparado.
Relógios O observador em R9 vê o referencial R mover-se para a esquerda e B aproximar-se
sincronizados no enquanto A se afasta. Então, para ele, a luz que partiu do pontoM chega a B antes de
referencial R não
estão sincronizados chegar a A e, portanto, o relógio B estará adiantado em relação ao relógio A.
no referencial R9.
Concluímos que relógios sincronizados em um referencial inercial não estão sin
cronizados em outro referencial inercial. Mostraremos adiante como calcular a dife
rença de sincronia entre dois relógios sincronizados em um referencial inercial para
um observador situado em outro referencial inercial.

2.4 dilatação do tempo


Vamos introduzir um marcador de tempo imaginário, que chamaremos relógio de
luz. Ele consiste numa fonte de luz pulsada F, um espelho E situado à distância d, e
uma célula fotoelétrica C situada ao lado da fonte, como mostra a Figura 2.3. Um os
ciloscópio registra a emissão de pulsos de luz pela fonte de luz e a recepção pela célu
la fotoelétrica. Pelas marcas dos pulsos no osciloscópio, podemos calcular o intervalo
de tempo entre emissão e recepção. Esse relógio tem um “mecanismo” simples, que
facilita a análise das questões relativas ao tempo.
A questão que pretendemos responder agora é como comparar intervalos de tem
po entre os mesmos dois eventos vistos por observadores situados em referenciais
inerciais diferentes. Vamos fazer a seguinte experiência imaginária. O referencial R9
2.4 — Dilatação do tempo 29
desloca-se ao longo do eixo x do referencial R com ve
locidade uniforme u (Figura 2.4a). O observador em E
R! tem um relógio de luz colocado verticalmente em
relação a u. Os dois eventos que consideraremos são
a partida do pulso de luz da fonte F e sua chegada ao
d Δt
detetor C. O observador em R! aciona o relógio e ve
rifica que o tempo medido pelo osciloscópio entre os
dois eventos é Δt! = 2d/c. Para o observador em R, no
entanto, o relógio deslocou-se do ponto x1, quando o
pulso de luz foi emitido, até o ponto x2, quando o pulso
foi recebido. F C

Chamando de Δt o intervalo de tempo medido,


teremos: Figura 2.3
Relógio de luz.
Um pulso de luz é
2 ⎞⎠ 2 = d2+⎛⎝ uΔt⎞ 2
⎝⎛ cΔt 4d
e Δt2 = . emitido pela fonte
⎜ ⎟ ⎜⎟ 2 ⎠ Fe, depois de
c2 − u2
refletido no espelho
Então E, vai ao receptor
C. Um osciloscópio
2d 1 Δ′t 1 registra a emissão e
Δt = = = γΔ′t, onde γ= ≥1. (2.1) recepção do pulso.
c u2 u2 u2
1− 1− 1−
c2 c2 c2
Portanto, o observador em R medirá um intervalo de tempo entre os dois eventos
maior do que o medido pelo observador em R! e concluirá que o relógio em R’ é mais
lento, ou seja, atrasa-se. Esse é o fenômeno que denominamos dilatação do tempo.

a)
R R!

O
b) R R!
Figura 2.4
Um relógio de
luz está parado
Δt/2 no referencial R!
c d u que se desloca
com velocidade
u em relação ao
referencial R. O
observador em R!(a)
e o observador em R
O x1 uΔt x2 (b) medem tempos
diferentes.
30 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

Note que o observador em R9 vê os dois eventos – partida do sinal da fonte de luz


e chegada à célula fotoelétrica – no mesmo lugar (no mesmo relógio). Nesse caso,
dizemos que o relógio mede o tempo próprio do observador. Em qualquer outro re
ferencial inercial, o sinal parte da fonte em uma posição e chega ao detetor em outra,
sendo necessário, portanto, utilizar dois relógios previamente sincronizados.

O intervalo de tempo próprio entre dois eventos será menor do que o inter
valo de tempo entre os mesmos eventos, medido em qualquer outro referencial
inercial.

O fator g, que relaciona os intervalos de tempo nos dois referenciais, depende da


velocidade relativa destes; se u/c << 1, g > 1 e Dt9 > Dt.
A Figura 2.5 ilustra o conceito de tempo próprio. Os
R R relógios A1, A2 e A3 do referencial R, são previamente
sincronizados; o relógio A9, situado no referencial R9,
A9 A9 move-se com velocidade u no referencial R. O relógio
u R9 u A’ inicia seu movimento ao lado de A1, no instante t =
R9
t9 = 0. Queremos comparar a leitura do relógio A9 com
A1 A2 A3 A1 A2 A3 as leituras dos relógios A1, A2 e A3.
Observe que, no referencial R9, o tempo é medido
O L 2L no mesmo relógio A9 e, no referencial R, o tempo é
medido em relógios colocados em posições diferentes.
Então, o relógio em R9 mede o tempo próprio e deve,
Figura 2.5 portanto, atrasar-se em relação aos relógios de R. Quando o relógio móvel passa por
Os relógios A1, A2, A2, digamos que seu ponteiro indique 10 min, enquanto o ponteiro de A2 marca 15
referencial
A 3, situados
R,no min. Quando A9 passar por A3, seu ponteiro indicará 20 min enquanto o ponteiro de
estão
sincronizados no A3 mostrará 30 min. Como mostra a Figura 2.5, os relógios A1, A2 e A3 estão sempre
instante inicial. O sincronizados entre si. O leitor poderá analisar o caso em que o observador em R’ vê
relógio A9, situado o referencial R mover-se para a esquerda.
no referencial R9,
mede o tempo
próprio e deve se
atrasar em relação Exemplo 2.1 Dilatação da vida média de múons.
aos relógios A2 e A3.
A observação na superfície da Terra de partículas m (múons) formadas na
parte superior da atmosfera, como radiação secundária de raios cósmicos,
constitui uma evidência experimental da dilatação relativística do tempo. Os
múons são partículas instáveis e decaem segundo a lei N(t) = N0e–t/t onde N0é
o número inicial de partículas e t sua vida média; para a partícula em repouso,
t = 2 · 10–6 s.

Solução
Imaginemos um pulso de múons formados na atmosfera, a uma altitude de
aproximadamente 10 km, com velocidade v > 0,998c. Se considerarmos a vida
média de repouso, os múons percorrerão, antes de desintegrar-se, a distância
2.4 — Dilatação do tempo 31

l = 0,998c · 2 · 10–6 s < 600 m e não serão capazes de chegar até à superfície
da Terra. Mas, o certo é considerar a vida média deles no referencial da Terra,
onde estão sendo observados, então
2⋅10−6
τ = 2⋅10−6γs = 1−v s≅ 30⋅10−6 s.
2c2

O percurso do múon será, então, l > 0,998c· 30· 10–6 s > 9· 103m, suficiente
para chegar à superfície da Terra.

Uma maneira melhor de resolver o problema é tomar um certo número de múons


(por exemplo 108), formados na parte superior da atmosfera (< 10 km de altitude) e
verificar, usando a lei de decaimento, quantos chegam à superfície da Terra, conside
rando a vida média de repouso e a vida média no referencial da Terra e comparando
os dois resultados. O estudante poderá fazer isso sem dificuldade.

Exemplo 2.2 O “paradoxo” dos gêmeos.


Doisparte
les da Terra
gêmeos fazemnuma
a seguinte
astronave,
experiência: um de-a
com destino R R9

uma estrela distante, enquanto o outro permanece u


na Terra. Ao retornar, o viajante encontra-se com
B
o gêmeo que permaneceu na Terra e observa que
este está alguns anos mais velho do que ele. Como
se explica isso no contexto da teoria da relativi
dade? T L0 a

Solução Figura 2.6


“Paradoxo dos
Considere o planeta Terra e a estrela a-Centauri, situada à distância L = 4 gêmeos”. O gêmeo
anos-luz do Sistema Solar (Figura 2.6). O gêmeo A fica na Terra e B parte para B parte da Terra
numa astronave
a-Centauri à velocidade u = 0,8c. Vamos desprezar o movimento da Terra em em direção a uma
torno do Sol e considerar a Terra e a-Centauri fixas no referencial R; A está estrela distante,
fixo nesse referencial. O referencial R9 é o referencial da nave. enquanto o gêmeo A
permanece na Terra.
Do ponto de vista do gêmeo A, seu irmão B viaja por um tempo L/u = 4c/0,8c Ao retornar à Terra B
anos = 5 anos até a estrela e um tempo igual na volta; portanto A envelheceu compara sua idade
com a de A e verifica
10 anos entre a partida e o retorno de B. que está mais novo.
Para B, o tempo de viagem é o tempo que ele observa em seu relógio e, portan
to, é o tempo próprio Dt9 = Dt/g = 3/5 · 5 = 3 anos e tempo igual para a volta;
ele envelheceu, portanto, 6 anos. No fim da experiência B está 4 anos mais
novo do que A.
32 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

O aparente paradoxo no Exemplo 2.2 está no fato de poder o gêmeo B alegar que
o referencial R9 da nave ficou parado enquanto o referencial R foi e voltou, porque
na TRE só importam movimentos relativos. Nesse caso, A é quem estaria 4 anos mais
novo do que B e teríamos um paradoxo na teoria. Observe, no entanto, que não há
simetria entre os dois casos. O astronauta B sente a aceleração da nave ao partir e
quando atinge a estrela e inverte o sentido do movimento, sabe, então, que foi ele
quem fez a viagem e estará mais novo. Não há, portanto, paradoxo!

Exemplo 2.3
Qual deve ser a velocidade relativa de dois observadores para que suas medi
das de intervalo de tempo difiram 1%?

Solução
O referencial R9 de um observador tem velocidade u em relação ao referencial
R do outro. Queremos que:
ΔtΔ Δ′t
= 0,01.
−′t
Como Dt = g D t9,
ΔtΔ′t
− Δ′t γΔ′tΔ′tΔ′t
− = γ −1.
=

Boas aproximações quando u << c, úteis em muitos cálculos e que o leitor pode
demonstrar facilmente, são:
γ=1−β2 ≅1−12
( )−
Δt−Δ′tΔ′t = 0,01≅
12 ≅1+12β2,
12β2, γβ2,
β=
1 0,02 e γ−1≅12β2
u=0,14 c.

onde b = u/c.
Então,

O resultado do Exemplo 2.3 é interessante, porque dá uma referência do valor da


velocidade em que o uso da TRE torna-se necessário. Vemos que, para velocidades
relativas dos referenciais até u = 0,14 c as medidas de intervalo de tempo nos dois
referenciais diferem por menos de 1%.
2.5 — Contração do comprimento 33
2.5 ContRação do CompRimento
Outra consequência dos postulados de Einstein é a
contração dos corpos em movimento. Imaginemos R R9 R R9
uma régua em repouso no referencial R (Figura 2.7).
u u
Um observador em R mede o comprimento da régua
L0 = x2 – x1. Esse comprimento, medido no referencial
em que a régua está em repouso, é chamado de com
primento próprio.
O referencial R9 se desloca com velocidade u pa x1 x2 x1 x2
ralela à régua. Qual será o comprimento da régua me
dido pelo observador de R9? Ele vê uma extremidade
da régua passar por ele e, algum tempo depois, vê a
outra extremidade e mede o tempo Dt9 transcorrido Figura 2.7 Contração do comprimento. Uma régua
situada no referencial R, quando medida por um
entre as duas passagens, em seu relógio; Dt9 é um observador desse referencial, tem comprimento próprio
intervalo de tempo próprio, porque é medido em um L0. Um observador em R9, ao medir a mesma régua,
único relógio (o relógio do observador). O compri achará um comprimento menor. É essencial que o
observador de R9 faça as medições dos extremos da
mento da régua no referencial R9 pode então ser cal régua simultaneamente.
culado como: L9 = u Dt9. Por outro lado, o observador
do referencial R mede o tempo de passagem Dt do
observador do referencial R9 pelos pontos x1 e x2, utilizando os relógios colocados
em x1 e x2, previamente sincronizados, e calcula L0 = uDt. Mas, como vimos ante
riormente (Equação 2.1), Dt9 = Dt/g (Dt9 é um intervalo de tempo próprio); então
′L = u Δ′t=uΔt
γ = L0.
(2.2)
γ

Como g $ 1, L9 # L0, e o observador achará para o


comprimento de uma régua em movimento em relação R R9
a ele um valor menor do que o medido no referencial
de repouso dela – ele observará uma régua contraída L0 L0
na direção do movimento. A B

Um observador situado no referencial R9, por sua


vez, observaria uma régua do referencial R como con R B R9
B
traída. A Figura 2.8 ilustra esse fato (as réguas A e B,
u
A A
de mesmo comprimento próprio L0, vistas por obser
vadores em R e R9).
Muitas vezes, os estudantes ficam com a impres
são de que essa contração – assim como o atraso dos
relógios, estudado antes – é um efeito aparente, de Figura 2.8 A régua A tem comprimento próprio L0
alguma forma irreal, como, talvez, uma ilusão. É pre no referencial R e a régua B tem comprimento próprio
ciso salientar, no entanto, que ela é um efeito real. Di L0 no referencial R9 (parte superior da figura). Se R9
se movimenta ao longo do eixo x em relação a R, o
ferentemente da contração proposta por FitzGerald e observador em R vê a régua B contraída, e o observador
Lorentz, citada na Seção 1.6 para explicar o resultado em R9 vê a régua A contraída (parte inferior da figura).
nulo da experiência de Michelson e Morley, ela não
34 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

resulta de algum mecanismo dinâmico que compacta as moléculas do corpo, mas é


consequência de serem o espaço e o tempo grandezas relativas. Resulta daí a nossa
dificuldade em aceitar esses novos fenômenos – fomos acostumados a lidar com o es
paço e o tempo como grandezas absolutas e agora o nosso absoluto é a velocidade da
luz. Ao estudar a Seção 5.10, o estudante verá que a contração tem uma explicação
geométrica no espaço de quatro dimensões.
Diante dessa consequência dos postulados de Einstein, a conjetura de FitzGerald
e Lorentz não é mais necessária para explicar o resultado nulo da experiência de Mi
chelson e Morley; tornou-se supérflua e foi, por isso, abandonada(4).

Exemplo 2.4
Analise a experiência discutida no Exemplo 2.1 do ponto de vista de um obser
vador situado no referencial do múon e mostre que os múons poderão chegar
ao detetor colocado na superfície da Terra.

Solução
O observador no referencial R do múon vê o referencial R! da Terra aproximar
se. A distância da superfície da Terra ao ponto da atmosfera onde são formados
os múons é L0 < 10 km. No referencial R, essa distância é contraída de acordo
com a Equação 2.2:
L=L0γ
= L01−
v2c2 (
=104 1−0,9982
)1/2 ≅ 630 m.
Durante sua vida média, os múons percorrem uma distância:
L = 0,998 c· 2· 10– 6s < 600 m
comparável com a distância contraída. Portanto, eles podem chegar até ao de
tetor na superfície da Terra.

Exemplo 2.5
Uma astronave cujo comprimento próprio é 100 m passa por uma plataforma
espacial com velocidade u = 0,6c. O piloto pode acender duas lâmpadas, co
locadas nas extremidades A! e B! da nave, por meio de sinais luminosos man
dados do ponto C!, situado no meio da distância A!B!. O piloto, situado em C!,
ao passar pelo observador C, situado na plataforma, dispara um flash. Piloto e
observador disparam seus relógios nesse momento. Ache: (a) a distância entre
as lâmpadas para o observador na plataforma; (b) a separação entre os clarões
em A! e B! no relógio do piloto em C!; (c) a separação entre esses clarões no
relógio do observador em C.
2.5 — Contração do comprimento 35

Solução
a) Sejam R e R! os referenciais do observador e da
nave,m;
dade u
respectivamente.
rencial
100 em
ela relação
R: a R.R!
Supõe-se
será observada move-seque
comno
contraída o veloci-
obser
refe- R
R!

u
vador
de A! em
e B!.
R mede
O comprimento
simultaneamente
próprioasdaposições
nave é

100 m
A! C! B!

L = ′L/γ, C
Os relógios de C e C!
1 são sincronizados
β = 0,6, γ = 1− =1,25,
β2
Figura 2.9
L = ′L/γ =100 m/1,25 = 80 m. O piloto de uma
astronave acende
b) Os clarões em A! e B! serão simultâneos no referencial R! da nave porque as lâmpadas A’ e
a velocidade da luz é a mesma nos dois sentidos e, portanto, a separação B’, colocadas nas
extremidades de sua
entre eles, no relógio do piloto, é nula. nave, por meio de
um flash disparado
c) Para calcular a separação temporal entre os clarões no relógio do obser- do ponto médio
vador, analisaremos o problema no referencial da plataforma e suporemos C’. Um observador
que todos os relógios da plataforma estão sincronizados. Calcularemos, está situado
então, separadamente, as leituras desses relógios quando os pulsos de luz numa plataforma
provenientes de C! atingem A! e B! respectivamente. espacial no ponto C,
emparelhado com C’
no momento em que
o flash é disparado.
Enquanto o pulso de luz se desloca para a esquerda com velocidade c,o clarão Piloto e observador
de
entre
A! aviaja do pulso
saídapara de C!
a direita com
e sua
velocidade a A!, no
chegada 0,6c. Seja
relógio do observador.
Δt o intervalo de tempo
En- dispõem de
relógios que serão
comparados.
tão:

cΔt +0,6cΔt = 1280 m, Δt(′C → ′A)= 40 m/1,6c = 8,33⋅10−8 s.

Para o pulso de luz que sai de C´ e chega em B´, podemos, analogamente, es


crever:

cΔt −0,6cΔt = 1280 m, Δt(′C → ′B)= 40 m/0,4c = 33,3⋅10−8 s.

A separação entre os clarões em A! e B! medida no relógio da plataforma é:

Δt (A!, B!) = (33,3–8,33) 10– 8s = 25· 10–8s.


36 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

Notas
As notas deste capítulo baseiam-se em parte nos seguintes livros, onde o leitor pode
rá encontrar referências mais completas:
Pais, Abraham, Sutil é o Senhor – a ciência e a vida de Albert Einstein, Caps. 6,
7, 8, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Holton, Gerald, Thematic origins of scientific thought, Cap. 6, Cambridge, Mass.:
Harvard University Press, 1988.

(1) Annalen der Physik, 17 (1905), 891-921. Há uma tradução brasileira desse artigo em
Stachel, John, O ano miraculoso de Einstein, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. Esse
livro contém a tese de doutoramento de Einstein, submetida em 1905 e os quatro notá
veis artigos publicados por ele nesse mesmo ano.

(2) Henri Poincaré (1854-1912) foi um dos mais notáveis matemáticos de sua época, quali
ficado por E. T. Bell* como o último dos universalistas, pela amplitude de sua área de
pesquisas: foi um dos criadores da topologia e precursor da teoria de sistemas dinâmicos;
como físico-matemático, ao mesmo tempo que trabalhou num dos problemas mais difí
ceis da mecânica clássica – a análise do problema de três corpos –, foi um de seus demo
lidores, com crítica arguta de seus fundamentos e a proposta de uma nova mecânica.
Nos anos iniciais do século XX, Poincaré e Lorentz estavam no ápice de suas carreiras
científicas enquanto Einstein iniciava a sua. Na época em que trabalhava no escritório de
patentes, em Berna (1902-1909), juntamente com dois amigos, Conrad Habicht e Mau
rice Solovine, formou um grupo de estudos de tópicos de filosofia e física, chamado por
eles Academia Olímpia, por divertimento. Um dos livros estudado pelo grupo foi a cole
ção de ensaios de Poincaré, Ciência e hipótese**, que contém uma crítica aos conceitos
de tempo absoluto e de simultaneidade de eventos que ocorrem em lugares diferentes.
Esse livro causou imenso impacto sobre eles e certamente influenciou as reflexões de
Einstein que o levaram à TRE.
Pode-se dizer que a teoria da relatividade “estava no ar”. Poincaré, assim como Lorentz,
estava à procura dela, mas nenhum deles foi capaz de dar o passo para fechar uma teoria
coerente. Um ano antes da publicação do artigo de Einstein sobre a TRE, Poincaré profe
riu uma conferência sobre “O estado atual e o futuro da física matemática”, no Congresso
Internacional de Artes e Ciências de St. Louis, EUA, onde afirmava: “Talvez devêssemos
*Bell, E.T., Men
of mathematics, construir uma mecânica inteiramente nova, da qual podemos ter apenas um vislumbre,
the lives and onde a inércia, crescendo com a velocidade, faria da velocidade da luz um limite insu
achievements perável”. Temos aí, de fato, uma notável intuição, mas apenas um programa para o que
of the great deveria ser a teoria da relatividade.
mathematicians
from Zeno to
Poincaré, New York, (3) Max Planck (1858-1947), criador do conceito de quantum, no início do século XX, era
Simon and Schuster, professor da Universidade de Berlim e tinha grande renome nos meios científicos. Eins
1986. tein, ao publicar seu artigo na principal revista de física alemã, esperava que tivesse
** Poincaré, Henri, A repercussão pelas novas ideias que expunha. Porém, para sua decepção, os números
ciência e a hipótese. seguintes do periódico não continham nenhuma menção ao artigo. Só algumas semanas
Brasília, Editora depois recebeu uma carta de Planck, pedindo esclarecimentos. O interesse de Planck era
Universidade de motivado por sua busca de grandezas absolutas na física: assim como a constante h da
Brasília, 1985. teoria quântica, a velocidade da luz c era a constante fundamental da nova teoria.
Problemas 37
Essa carta marcou o início do reconhecimento do trabalho de Einstein no meio cientí
fico. Em poucos meses, Planck apresentou a TRE num seminário em Berlim, publicou
o primeiro trabalho sobre a teoria, feito por outra pessoa que não Einstein, e orientou
a primeira tese de doutorado sobre a relatividade. Paul Ehrenfest, sucessor de Lorentz
em Leyden e fundador de uma grande escola, também escreveu um artigo sobre a rela
tividade, em 1907. A teoria estava assim adquirindo rapidamente adeptos importantes
no meio científico. No entanto, houve muitos opositores por longo tempo; ao ponto de
a teoria não ter sido citada pelo comitê do Prêmio Nobel, quando Einstein foi agracia
do, em 1921 (o prêmio foi concedido pela explicação do efeito fotoelétrico com o quan
tum, mas Einstein proferiu na cerimônia de aceitação uma conferência sobre a teoria
da relatividade).

(4) Em 1909, quatro anos depois da publicação do artigo de Einstein, Poincaré proferiu uma
conferência em Goettingen – a última de uma série de seis – sobre “A nova mecânica”.
Nessa conferência, ele afirmava que a nova mecânica deveria se basear em três hipóte
ses. A primeira, que a velocidade da luz era uma velocidade-limite; a segunda, a da inva
riância das leis da física nas transformações entre referenciais inerciais (na linguagem
científica de hoje); e a terceira, a de que os corpos em movimento de translação sofre
riam uma contração na direção do movimento (contração de FitzGerald-Lorentz). Como
vimos, a contração na direção do movimento é uma consequência dos dois postulados da
TRE e, portanto, dispensável como postulado. Como não podemos duvidar de que Poin
caré conhecesse a teoria de Einstein – que já era discutida por físicos eminentes com os
quais mantinha contato –, isso indica que ele não aceitara a teoria e possivelmente não
a compreendera totalmente. Além disso, ele se agarrava ainda à hipótese do éter eletro
magnético. Nenhuma menção foi feita à teoria de Einstein na conferência, o que indica que
Poincaré apresentava um programa para, possivelmente, outra teoria da relatividade.
Apesar de sua notável intuição do princípio da relatividade – devemos a ele o nome – e de
que o aumento da inércia com a velocidade faria da velocidade da luz um limite insuperá
vel, a conferência mostra que Poincaré não tem prioridade sobre Einstein na criação da
teoria. Esse episódio ilustra a dificuldade que os historiadores da ciência enfrentam ao
tentar desvendar a origem das teorias científicas. A excelente história do eletromagne
tismo de Whittaker*, físico matemático inglês, trata a teoria da relatividade num capítulo * Whittaker, Edmund,
History of the
intitulado “A teoria da relatividade de Poincaré e Lorentz”. Esse é um exemplo de como
theories of aether
os preconceitos do historiador podem conduzir a distorções. No caso de Whittaker, pa and electricity, Vol.
rece que os preconceitos foram maiores ainda do que a dificuldade em deslindar o ema 2. New York, Nelson
ranhado das ideias nas origens da teoria. and Sons, 1953.
Whittaker é autor
de um tratado de
dinâmica analítica
Problemas que ajudou a formar
Os problemas deste capítulo têm como objetivo verificar a compreensão dos postula duas ou três gerações
de físicos; nesse livro,
dos da TRE; o estudante deve tentar resolvê-los sem apelar para a transformação de seguindo a tradição
Lorentz, a ser estudada no Capítulo 3. de Lagrange, só
aparecem figuras
2.1 Um cubo de aresta L está no referencial R e tem as arestas paralelas aos eixos – apenas quatro
coordenados. Qual é o volume do cubo para um observador que se move com desenhos de órbitas
velocidade u paralelamente ao eixo Ox? – no penúltimo
capítulo, dedicado
2.2 Uma fonte de raios Xhomogênea está em repouso no referencial R!, que se move à teoria geral das
com velocidade u relativamente ao referencial R, na direção Ox. Os comprimen órbitas.
38 Capítulo 2 — Postulados da teoria da relatividade especial

tos de onda dos raios X, medidos por observadores nos referenciais R e R9, são l
e l9 respectivamente. Ache a relação entre l e l9.
2.3 Faça um gráfico de g em função de b para variações de 0,1 em b, de 0 a 1. Obser
ve o gráfico e reflita sobre a contração do comprimento e a dilatação do tempo.
2.4 As réguas A e B medem 1 m em seus referenciais de repouso. A régua A se des
loca com velocidade v = 0,5 c paralelamente à régua B. Para um observador no
referencial da régua B, qual é a posição relativa das extremidades de trás das ré
guas quando as extremidades da frente coincidem? Para ele, quanto tempo leva
a régua A para passar pela extremidade de trás da régua B?
Resposta: DL = 0,14 m, Dt = 5,77 ns.
2.5 A vida média do méson p+ em repouso é de 25 ns. a) Qual será a vida média
desses mésons quando se movem com velocidade b = 0,75 e qual é a distância
percorrida por eles durante sua vida média? b) Qual seria a distância percorri
da se efeitos relativísticos fossem ignorados? c) Responda a questão (a) para
b = 0,99.
Resposta: c) 52,6 m.
2.6 Foguetes interplanetários atingem a velocidade máxima de aproximadamente
240 mil km/h. Imagine que um astronauta está numa estação espacial quando um
foguete passa a essa velocidade. a) Qual é a contração percentual do foguete por
ele observada? b) Quanto tempo atrasará o relógio do foguete, em relação ao da
estação, num ano terrestre?
Resposta: b) 0,76 s.
2.7 Suponha que o relógio da Figura 2.4 está colocado no referencial R9 ao longo
da velocidade u. Mostre que a mesma dilatação do tempo, como a dada pela
Equação 2.1, é obtida.
2.8 A vida média de repouso do méson p+ é t = 25ns. Um pulso de 106 mésons segue
uma trajetória circular de 30 m de raio com velocidade b = 0,995. a) Quantas
partículas sobrevivem após uma volta? b) Quantas sobreviveriam se as partículas
estivessem em repouso durante o mesmo tempo?
Sugestão: A lei de decaimento no referencial da partícula é N(t) = N(0)e–t/t.
39

A transformação
de Lorentz

Vimos no Capítulo 1 que a mecânica newtoniana, a transformação de Galileu (TG)


e o princípio da relatividade de Galileu (PRG) são compatíveis, isto é, se aplicarmos
a TG a uma das equações da mecânica clássica, a equação preservará sua forma,
satisfazendo assim o PRG. Vimos também que quando juntamos a esse conjunto de
leis as equações de Maxwell, a consistência é perdida, porque essas equações não
são invariantes sob a TG. No Capítulo 1, apontamos três caminhos que poderiam ser
tomados para sanar esse conflito:
a) O princípio da relatividade (PR) não pode ser estendido ao eletromagnetismo.
Nesse caso, existe um referencial absoluto para o eletromagnetismo.
b) A mecânica de Newton e a TG são corretas e o PR pode ser estendido ao eletro
magnetismo. Nesse caso, a formulação de Maxwell do eletromagnetismo não é
correta (porque não é invariante sob a TG) e exige modificação.
c) O PR pode ser estendido ao eletromagnetismo e a formulação de Maxwell do ele
tromagnetismo é correta. Nesse caso, a TG e a mecânica de Newton não são cor
retas e exigem modificações.

Mostramos que a experiência de Michelson-Morley, combinada com as experiên


cias de aberração das estrelas e de Fizeau, constitui evidência forte contra a existên
cia de um éter eletromagnético, que poderia servir como referencial absoluto. Isso
significa que o PR deve ser estendido ao eletromagnetismo. Por outro lado, não tinha
sido feita nenhuma experiência que pudesse ser considerada como teste negativo
para as equações de Maxwell; pelo contrário, essas equações não só tinham sido ca
pazes de explicar todos os fenômenos eletromagnéticos conhecidos, como também
tinham se mostrado fecundas na previsão de novos fenômenos e, sobretudo, tinham
incorporado a óptica como fenômeno eletromagnético. As tentativas de substituir
a teoria eletromagnética de Maxwell por outra compatível com a TG não resistiram
a verificações experimentais. Somos, então, induzidos a adotar o terceiro caminho,
entre os apontados acima.
40 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Na verdade, o raciocínio apresentado no parágrafo anterior é uma argumentação


a posteriori. É muito difícil descobrir a gênese das teorias científicas. Basta que
o leitor consulte os periódicos científicos dos séculos XIX e XX para ver o número
imenso de conjeturas apresentadas que pareciam razoáveis, mas não sobreviveram
aos testes experimentais. Algumas foram aceitas, chegaram a ter êxito na explicação
de um domínio de observações, passando à categoria de teoria, para logo depois se
rem suplantadas por teorias melhores e caíram no esquecimento. No caso da teoria
da relatividade especial (TRE), é particularmente difícil seguir a evolução das ideias
de Einstein, porque ele próprio, em diferentes ocasiões, apresentou versões diferen
tes da história de suas ideias. Provavelmente a experiência de Michelson-Morley não
desempenhou papel algum. Ela não é citada no artigo de 1905 e ele, em conferências
e entrevistas, diz não se lembrar se a conhecia na época da formulação da teoria(1).
Certamente as assimetrias presentes na eletrodinâmica de Maxwell, citadas na intro
dução de seu artigo (Seção 2.1) e a experiência de Fizeau (Seção 1.7) constituíram
bases empíricas que pavimentaram seu caminho. Parece que Einstein foi guiado por
ideias muito gerais, ligadas a sua crença na unidade da física – para ele, não havia razão
para dar um status especial à mecânica e o PR devia ser aplicável a toda a física(2).
Uma vez estendido o PR ao eletromagnetismo, é necessário procurar uma nova
transformação, sob a qual as equações de Maxwell sejam invariantes, para substituir a
TG. Sob a nova transformação, as leis da mecânica clássica perderão sua invariância e
será, então, necessário inventar uma nova mecânica, invariante sob a nova transfor
mação, para que o PR seja também aplicável a ela. Como sabemos que a mecânica
clássica é aplicável aos fenômenos comuns do mundo, ela deverá ser uma aproximação
da nova mecânica para pequenas velocidades. Com isso, ficará preservada a compati
bilidade da mecânica de Newton com a TG e com o PR para velocidades ordinárias de
corpos macroscópicos. A mecânica clássica continuará a ser a ferramenta utilizável no
cálculo de órbitas de planetas ou de satélites artificiais; como veremos adiante, as velo
cidades envolvidas são ainda pequenas para exigir um tratamento relativístico.

3.1 A trAnsformAção de Lorentz


Nossa meta agora é achar a transformação que conserva invariantes as equações de
Maxwell ao passar de um referencial inercial a outro. Para isso, vamos analisar um
fenômeno eletromagnético simples em dois referenciais inerciais e procurar a trans
formação, de um para o outro, que mantenha o fenômeno invariante.
Consideremos dois referenciais R e R9, cujos eixos são paralelos e cujas origens
coincidem no instante inicial t = t9 = 0. O referencial R’ move-se com velocidade u
paralelamente ao eixo Ox. Uma fonte de luz, na origem do referencial R, emite um
pulso de luz no instante t = 0. Um observador em R vê uma onda esférica de raio ct
se propagar a partir de O. Já o observador em R’ vê uma onda esférica se propagar a
partir de O9 com raio ct9, porque a medida de seu tempo é t9 ? t. As equações dessas
frentes de onda nos dois referenciais são:
x2 + y2 + z2 = c2t, (3.1)
x92 + y92 + z92 = c2t92. (3.2)
3.1 — A transformação de Lorentz 4|

Se aplicarmos a TG (x' = aº — u t, y' = y, z" = 2, t" =


t) à equação da frente de Onda no referencial R", para
Obtê-la em R, teremos:
aº — 2 x u t + u'ºtº + yº+ 2" = cºtº,
que é formalmente diferente da Equação 3.1 da frente
de Onda nO referencial R.

Procuramos uma transformação que mantenha a


equação da frente de Onda invariante quando passa
mOS de um referencial inercial a OutrO e que se redu
Za à TG quando u/c = 0. COm essa última exigência,
estamos procurando fazer que a TG seja uma aproxi
mação da nova transformação a velocidades baixas em
comparação a C. A transformação procurada deve ser
tal que y e e não sofram modificações, porque o movi
mento é ao longo de aº e deve ser linear em aº e t, porque a frente de Onda esférica Se Figura 3.1
propaga com velocidade uniforme. Tentamos a transformação: Um pulso de luz
esférico é emitido

ac" = x — u t, y' = y, z" = 2, t" = t + k x, (3.3) da origem dos


referenciais inerciais
R e R' nO instante t =
Onde k é uma COnstante a ser determinada. Transformamos agora a frente de Onda t'= 0. R. Se desloca
do referencial R" (Equação 3.2) para o referencial R; com essa nova transformação, ao longo do eixo X
Obtemos: do referencial R Com
Velocidade relativa
aº — 2 acut + uºtº + yº + eº = cºtº +2 cºk ta; + cºk "a". u. O raio da onda
esférica observada
Os termos em at se cancelarão se fizermos k = — u/cº ou t = t — ux/cº e teremos em R é r = Cte, em
R", é r" = ct".
aº(1 — uº/cº ) + yº + 2° = cºtº (1 — uº/cº).
Para eliminar o fator (1 — uº/cº), substituímos a transformação dada pelas Equa
ções 3.3 pela transformação

l — — OC
/ 30 — lll / / / C
00 = 1 = /(a — ut), Q/ = /, 2 = 2, t" = T = y t—=x )

- - C
nº )2 nuº )2
1—=
C
—=
C

Onde:

1
%= 1. "

nuº )2
1—=
C

Obtemos então:

aº + yº + eº = cºtº,
que é formalmente idêntica à Equação 3.1, de onde partimos.
42 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Portanto a transformação
′x = γ(x – ut) ′y = y, ′z = z, ′t = γ ⎛ t−cu ⎞
2x ⎟ , (3.4)
⎝⎜ ⎠

denominada transformação de Lorentz (TL), mantém invariante a equação da onda


eletromagnética esférica na passagem do referencial inercial R para o referencial
inercial R!. Esse resultado, demonstrado aqui para um caso particular, é válido para
todas as leis do eletromagnetismo – a TL conserva invariantes as leis do eletromag
netismo na passagem de um referencial inercial a outro. A transformação inversa, de
R! para R, é obtida facilmente, notando que R move-se com velocidade –u em relação
a R!. Trocamos então nas Equações 3.4x, y, z, e t por x!, y!, z! e t! e vice-versa, e
substituímos u por –u.
Essa transformação foi descoberta por Lorentz(3), antes da descoberta indepen
dente de Einstein e, por isso, recebeu seu nome. A TL foi destacada num quadro por
sua importância na TRE; ela será utilizada frequentemente e convém memorizá-la.
Temos agora a seguinte situação: as equações de Maxwell, a TL e o PR são con
sistentes, isto é, não apresentam contradições internas.
O que podemos dizer da mecânica clássica? Seria ela também invariante sob a
TL? Não; como mostraremos no próximo capítulo, a mecânica clássica, a TL e o
PR são inconsistentes.
Observe, porém, que a TL é idêntica à TG quando u/c  0; então a mecânica clás
sica é consistente com a teoria eletromagnética de Maxwell, a TL e o PR, desde que
as velocidades sejam pequenas em relação a c. Se quisermos tratar de velocidades
altas, a mecânica clássica terá de ser modificada para que suas leis sejam invariantes
sob a TL. Mais adiante faremos isso.
A Tabela 3.1 resume uma comparação entre a teoria clássica e a TRE.

tabela 3.1
física clássica tre

referencial absoluto O éter é um referencial absoluto. Não existe referencial absoluto.

Velocidade da luz A
no
movimento
velocidade
referencial
dada
do
fonte.
luz
éter
deve
e independe
ser medida
do A velocidade da luz é absoluta e
independe do movimento da fonte.

relação espaço-tempo Espaço e tempo são independentes e


absolutos. Espaço e tempo são interdependentes e
relativos e formam o espaço-tempo, que
é absoluto.

referenciais
transformaçãoinerciais
entre É feita pela TG. É feita pela TL.

Vamos agora estudar como a TL afeta as leis da física. Iniciaremos repetindo a


análise da variação do tempo e da distância em diferentes referenciais inerciais, mas
3.2 — Dilatação do tempo 43
utilizando agora a TL. Na discussão que segue, utilizaremos sempre a configuração
padrão: dois referenciais inerciais R e R9; R9 se move com velocidade constante u em
relação a R na direção Ox. Não precisaremos levar em conta as coordenadas y e z,
porque elas não se alteram no movimento relativo ao longo de Ox, como se pode ver
nas Equações 3.4.

3.2 diLAtAção do tempo


Dois eventos ocorrem no mesmo lugar (x0) do refe
rencial R nos instantes t1 e t2. Qual é o intervalo de y y9
tempo entre eles, quando vistos por um observador no R R9
referencial R9 (Figura 3.2)?
Precisamos determinar como os tempos t1 e t2 se u
modificam quando medidos por um relógio em R9. Pela
TL temos:

′t1 = γ⎛⎜⎝ t1 − c2
u ⎞⎟⎠ O x0 O9 xx9
x0 ,

′t2 = γ ⎛ t − u2x ⎞ figura 3.2


⎜⎝ 2 c 0 ⎟⎠ . Dois eventos ocorrem no ponto x0 do referencial R, nos
instantes t1 e t2, e são observados no referencial R9 nos
O intervalo de tempo entre os dois eventos no re- instantes t1´e t29.
ferencial R9 é
Dt9 = t29 – t91 = g (t2 – t1) = g Dt0, (3.5)
sendo Dt0 o intervalo de tempo medido no referencial R por um único relógio, situado
no local onde ocorrem os eventos – Dt0 é o chamado tempo próprio.
Entre um evento e outro, R9 se move e os eventos ocorrem em lugares diferentes
de R9; portanto, o intervalo de tempo Dt9 tem de ser medido em dois relógios. Como
g $ 1, Dt9 $ Dt0.
O intervalo de tempo próprio entre dois eventos é menor do que o intervalo de
tempo entre os mesmos eventos medido em qualquer outro referencial. Esse é o fe
nômeno de dilatação do tempo que já tínhamos obtido na Seção 2.4.

3.3 ContrAção do Comprimento


Uma régua em repouso no referencial inercial R (Figura 3.3) tem comprimento pró
prio L0 = x2 – x1. Um observador no referencial R9, que se desloca com velocidade
uniforme u em relação a R, mede o comprimento da régua e acha o valor L. Para
achar a relação entre L e L0, utilizamos a TL:
x1 = g (x91 + u t91),
x2 = g (x92 + u t92).
44 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Então o comprimento da régua no referencial R é:


y y9
x2 – x1 = g (x92 – x91) + g u(t92 – t91). (3.6)
R R9
Mas, como o observador em R9 está em movimento,
u ao medir as coordenadas das extremidades da régua
x x91 e x92 em momentos diferentes, cometerá um erro
correspondente a seu deslocamento entre as medidas.
Deverá, então, fazer as medidas no mesmo instante,
O9 x9
ou seja, no instante t92 = t91. A Equação 3.6 nos dá, en
tão,

O x1 x2 L0 = g L9. (3.7)
Como g > 1, concluímos que o comprimento da ré
figura 3.3
Uma régua de gua, medido em qualquer referencial que não seja o de repouso dela, será menor do
comprimento que o comprimento próprio. Esse é o resultado já obtido na Seção 2.6 pelo uso direto
L0, em repouso dos postulados de Einstein.
no referencial
R, é medida no
referencial R9.
O observador
em R9 mede as
extremidades Exemplo 3.1
da régua
simultaneamente. Mostraremos aqui como o Exemplo 2.5 pode ser resolvido de maneira mais
simples, utilizando as equações da TL.

Solução
a) O comprimento próprio da nave é L0 = x9B – x9A. Seu comprimento medido
na plataforma, Dx = xB – xA, será menor devido à contração de Lorentz
(Equação 3.7).

=L
Δx 100 m = 80 m.
γ 0 = 1,25

b) Os clarões em A9 e B9 são simultâneos para o piloto, porque a velocidade


da luz não depende do movimento da nave: Dt9 = 0.

c) Obtém-se a separação entre os clarões em A9 e B9, medida no relógio do


observador, de maneira muito mais simples do que a da solução dada no
Exemplo 2.5, utilizando a equação do tempo da TL inversa:

tB = γ ⎛ ′tB+cu ′xB ⎞ , tA = γ ⎛ ′tA +cu ′xA⎞


⎜⎝ 2 ⎟⎠ ⎜⎝ 2 ⎟⎠ ;

Δt = tB – tA = γ ⎛⎜⎝Δ′t+cu2Δ′x⎞⎟⎠ =1,25⎛⎜⎝0+ 0,6c 100 m⎞⎟⎠ = 0,25 µs.


c2
3.4 — Diferença de sincronização de relógios 45
3.4 diferençA de sinCronizAção de
reLógios
Vimos na Seção 2.2 que é trivial sincronizar relógios
situados
estarão no mesmo
sincronizados
sincronizados
em umreferencial.
determinado
para um observador
Noreferencial
entanto,emrelógios
inercial
outro y y9
R R9

referencial inercial? Vamos mostrar que não e calcular u


avador do outro
diferença de sincronização
referencial. dos relógios para o obser-

Supomos que dois eventos ocorram nos pontos x1


t1 x2 do referencial inercial R nos instantes t1 e t2 (t2 >
e x9
O9 x1
), marcados por relógios situados naqueles pontos e x2
previamente
observador que sincronizados
se move com (Figura 3.4). Pela
velocidade TL, um
uniforme u O L0
x

em relação a R observará os eventos nos instantes


′t1 =γ ⎛ t1 −cu2 ⎞ figura 3.4
x1 ⎟ , Dois relógios
⎝⎜ ⎠ situados no
′t2 = γ ⎛ t2 −cu ⎞ referencial inercial
2 x2 ⎟ ,
⎜ R, separados
⎝ ⎠ pela distância L0,
sincronizados, não
marcados em seu relógio. Para ele, o intervalo de tempo entre os eventos será estão sincronizados
em outro referencial
Δ′t = ′t2 – ′t1= γ⎛⎝Δt−cuΔx⎞⎠
⎜2⎟ = γ⎛⎝Δt−cuL0⎞⎠,
⎜2⎟ inercial R9.

onde L0 é a distância própria entre os relógios. Vamos supor agora que os eventos
sejam simultâneos em R. Então, Dt = 0 e
u
Δ′t = −γ L0.
c2
Vemos que os eventos só seriam simultâneos para o observador em R9 se u/c  0,
isto é, para baixas velocidades do observador.
Para determinar a diferença de sincronia dos relógios situados em x1 e x2 para
o observador em R´, há um ponto delicado que precisamos analisar com cuidado.
Observe que Dt9, dado pela equação anterior, é o intervalo de tempo entre os dois
eventos medido no relógio de R9 – e isso não é o que procuramos. Do ponto de vista
do observador em R9, o intervalo de tempo medido por ele é dilatado por um fator g
em relação ao intervalo de tempo medido no referencial R, que se move em relação
a ele (Equação 3.5). Então, de acordo com esse observador
Dt9 = g Dt.
O intervalo de tempo entre os eventos medido nos relógios do referencial R é,
portanto,
Δ′t u
Δt = = − 2 L0. (3.8)
γ c
46 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Como os eventos são simultâneos em R, o que Δt mede? Δt mede a diferença de


sincronização dos relógios em R para o observador de R!. Note que Δt = t2 – t1 < 0 ou
t2 < t1; então, para o observador em R!, o evento ocorre mais cedo no relógio situado
em x2, ou seja, o relógio em x2 está adiantado em relação ao relógio em x1.

Exemplo 3.2
Na Figura 3.5, um observador C no referencial R
R R! coloca relógios nos pontos A e B, distantes um do
outro 10 minutos-luz e uma lâmpada no ponto in
termediário de A e B, onde permanece. O obser
u vador C’ está no referencial R!, que se move com
velocidade u = 0,6 c relativa a R, paralelamente ao
eixo x. Quando C! passa por Cambos acionam seus
relógios e, nesse momento, C dispara um pulso de
C! luz para sincronizar os relógios A e B.
O!
a) Qual é a distância medida por C! entre os reló
O gios A e B?
A C B
b) Quais são as indicações do relógio de C! quando o
figura 3.5 pulso de luz chega a A e B?
O observador C é
equidistante dos c) Qual é o intervalo de tempo entre a recepção do pulso de luz em A e B, de
relógios A e B no acordo com C?
referencial R. O
observador C!, no d) Quanto tempo o relógio A está adiantado ou atrasado em relação ao relógio
referencial R!, que B, de acordo com C!?
tem velocidade u em
relação a R, passa
por C no momento
em que este dispara Solução
um pulso de luz
para sincronizar os a) A distância de 10 minutos-luz pode ser expressa por 10 c min (observe que
relógios A e B. essa grandeza tem a dimensão de comprimento). A e B estão em repouso
no referencial R, então o comprimento AB em R é um comprimento pró
prio. C! mede um comprimento menor
Lo
L= ;
γ
1 =0,81=1,25;
γ =
L = 1− u2
c2

10⋅c⋅min1,25=8⋅c min (8min-luz).

b) Queremos calcular o intervalo de tempo no referencial R! entre a partida


do sinal de C (C!) e sua chegada à lâmpada A. No referencial R, o inter
3.5 — Transformação das velocidades 47

Valo de tempo entre a saída do pulso de luz de C e Sua chegada em A é


At = 5 min. Podemos usar a TL para transformá-lo do referencial R para
O referencial R':

At" = (*-*) cº
= 1,25 { …-**): cº
10 min.

O leitor poderá calcular O intervalo de tempo no referencial R" entre a saí


da do pulso de luz de C e Sua chegada a B e achará 2,5 min. Observe que
C" se afasta de A e se aproxima de B depois que o pulso de luz é emitido,
por isso At%A > At > At%B.
Para C, o intervalo de tempo entre a recepção dos dois clarões é At = 0,
porque são simultâneos para ele. De acordo com C", o intervalo de tempo
é, no entanto,

*)->{º- 1
0,6 C. 10 cmin

}
|
At' = y At — —
cº cº
= —7,5 min.

O sinal negativo indica a Ordem em que C" percebe Os clarões. Assim,


At" = tº — t% = — 7,5 min < 0,
então t% > t% (para C", o clarão de B precede o de A).
d) Os relógios A e B estão sincronizados em R, mas não em R". A diferença de
sincronização é dada no relógio C" por

At" — "Lo_06c. 100 min_ 6 min


cº cº

De acordo com C", o relógio B está adiantado 6 min em relação ao relógio A.

3.5 TRANSFORMAÇÃO DAS +R + R'

VELOCIDADES
Conhecemos a Velocidade V de uma partícula P nO re
ferencial inercial R e queremos achar sua velocidade
no referencial R", que se desloca com velocidade uni
forme u em relação a R. Como já vimos, é sempre pos- U1 }

Sível girar Os referenciais de modo que u fique paralela


aO eixo Ox. Sem perder a generalidade.
A partícula tem um deslocamento (Ax, Ay, A2) no O

tempo At. Utilizamos a TL para transformar os des


Figura 3.6
locamentos e o intervalo de tempo de um referencial os referenciais inerciais R e R têm velocidade relativa
para O Outro. As componentes da velocidade no refe- u. A velocidade da partícula P no referencial R é v(w, v)
rencial R" são: e no referencial R é v(v., v%).
48 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Aº_
, — Arº_ Y(Ar-uA) — A " ", -u
30 At / "(…) 1_ " Aº
Ax 1-", o ?

C cº. At c2 *
/ AU
v=*= AU = At = 0, (3.9)
º At" ?/ (u Aa: ?/ ? •

A At — — Aa:
cº } A 1— ——
cº } A 1—=U
cº }
U"2 = -
Os •

7/,

"(…)
A transformação da componente ve pode ser deduzida pelo leitor facilmente.
Se conhecermos a velocidade da partícula no referencial R" e quisermos determi
ná-la no referencial R, isto é, obter a transformação inversa, bastará trocar u por —u
nas Equações 3.8:

_ v% + u v% v.
U, = 11 " … U, =
-

TV U =
-

Y-7_Y (3.10)
gº. } 1…" y 1…"
_

Exemplo 3.3
A luz tem VeloCidade C nO referencial R. Qual é Sua VeloCidade no referencial
R", que se desloca com velocidade u em relação a R, na mesma direção e sen
tido da luz?

Solução
Utilizamos a TL para calcular a velocidade da luz no referencial R':
- / C — ?/,
U. = C, então U" = = C

1– "

COmO deveríamos esperar.

Exemplo 3.4
Um problema interessante é a determinação da velocidade da luz em um líqui
do que flui (Veja a experiência de Fresnel-Fizeau na Seção 1.6). A luz se des
loca com velocidade C/m num meio de índice de refração n que, por sua vez, se
desloca com velocidade u em relação ao observador. Fresnel deduziu, utilizan
do argumentos clássicos, a seguinte fórmula (Equação 1.8) para a velocidade
3.6 — Efeito Doppler 49

v da luz em relação ao observador:


c ±⎛ 1 ⎞
v= ⎜ 1− ⎟ u.
n ⎝ n2 ⎠
Uma dedução muito mais simples pode ser obtida utilizando a TRE.

Solução
Podemos usar a fórmula relativística de adição de velocidades (tomamos as ve
locidades da luz e do meio em sentidos opostos e chamamos de v! a velocidade
da luz em relação ao meio):

v= 1+ c
n +uu
′v+′vuu= 1+ ≅⎛⎜⎝nc+u⎞⎟⎠⎛⎜⎝1−cnu⎞⎟⎠≅nc+⎛⎜⎝1−n1⎞⎟⎠u,
2

c2 cn

onde foram desprezados termos em u2/c2. A equação obtida é idêntica à fór


mula de Fresnel.

É interessante observar que Einstein considerava a verificação experimental da


Equação 1.8 por Fizeau uma das importantes bases experimentais da TRE e não
pensou nessa elegante aplicação da composição de velocidades. Essa demonstração
foi feita por Laue(4) só dois anos depois da publicação do artigo de Einstein de 1905.
Ao publicar, em 1917, o livro de popularização da teoria da relatividade já citado(5),
Einstein tratou a experiência de Fizeau como experiência crucial da TRE porque,
para obter o resultado dessa experiência, devemos fazer as velocidades se comporem
de acordo com a TL e não de acordo com a TG.

3.6 efeito doppLer R R!


O efeito Doppler é a variação na frequência de um si- Meio

nal percebida por um observador quando a fonte está


u
em movimento em relação a ele. Antes de atacar o fe
nômeno pela teoria da relatividade, analisaremos, por
métodos da física clássica, o caso do som emitido por
uma fonte em movimento em relação ao observador. Emissor
queOseemissor
tório) com
afasta
velocidade
do
dareceptor
onda u,
sonora estáaono
paralela
(no referencial
eixo
referencial
ROx
do(Figura
labora-
R! Receptor
O x

3.7).
atmosfera
Observe
– está
queem
o meio
repouso
em que
emse
R.propaga
O emissor
o som
emite,
–a figura 3.7
O receptor está em repouso no meio, e o emissor
no intervalo de tempo Δt, uma onda com N cristas, move-se com velocidade u relativa ao meio, afastando
cuja frequência é ν! = N/Δt. Repare que não há nada a se do receptor.
50 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

questionar aqui: N é um número e o tempo é absoluto, portanto, independentes do


movimento da fonte.
A velocidade do som vs em relação ao meio é independente da velocidade do
emissor e depende apenas das propriedades mecânicas (densidade e propriedades
elásticas) do meio. A frente da onda percorre uma distância vs Dt no meio, no inter
valo de tempo Dt. Quando a última crista deixar o emissor, ele terá avançado uDt. A
distância entre a frente e o fim do trem de ondas é (vs + u) Dt. Nesse espaço, existem
N cristas, portanto, o comprimento de onda será

(vs +Nu)Δt
λ= .

Mas a frequência no referencial do emissor é n9 = N/Dt; então


ν=
′ν
1+ , (3.11)
vu
s

sendo n a frequência medida pelo observador no referencial do laboratório e n9 a fre


quência medida no referencial da fonte. Nesse caso, o emissor se afasta do receptor,
u > 0 e n < n9; se o emissor se aproxima do receptor, u < 0 e n > n9.
Se, u > vs (por exemplo, se a fonte é um avião a jato), o efeito é muito grande e
se u/vs << 1,

ν ≅ ′ν⎛ u⎞
⎜ 1− v ⎟ .
⎝ s⎠

Problema 1 Mostre que, no caso em que a fonte está em repouso e o receptor se


afasta, a relação entre as frequências é

ν=′ν⎛⎝ u⎞
⎜ 1− v ⎟ . (3.12)
s⎠

Observe, no entanto, que, quando a velocidade é pequena em relação à velocidade


do som, os resultados são idênticos para emissor ou receptor em repouso.

Passemos agora ao estudo do efeito Doppler para a luz . No caso discutido an


tes, há um meio (o ar) e podemos distinguir o que se move ou está em repouso em
relação a ele, ao passo que para uma onda eletromagnética não há um meio mate
rial, uma vez que o éter é desnecessário e só tem significado o movimento relativo
de emissor e receptor. Vamos analisar uma situação semelhante à anterior: o emis
sor situado no referencial R9 se desloca com velocidade u, em relação ao receptor,
situado no referencial R.
3.6 — Efeito Doppler 51
Os relógios dos referenciais são sincronizados para
marcar t = t! = 0 no momento em que suas origens R R!
coincidem. O emissor é disparado nesse momento e
emite um trem de ondas durante o tempo t!. No refe
u
rencial R!, a frente da onda é emitida na posição x! =
0, no instante t! = 0; no referencial R, ela é emitida na
posição x = 0 no instante t = 0. A traseira da onda é
emitida no referencial R! na posição x! = 0, no instante Emissor
t! e, no referencial R, na posição x no instante t. Pode (0,t!)
mos relacionar a posição e o tempo nos dois referen Receptor (x, t)
ciais pela TL:
= ′x + u′t figura 3.8
x = γ u ′t, No caso da luz,
1− β2 não há meio (não
há éter) de modo
u que só interessa a
′t + ′x velocidade relativa;
t= c2 = γ ′t. o emissor se afasta
1− β2 do receptor com
velocidade u. A
figura representa
No referencial R, o tempo gasto para que a luz percorra a distância que vai da tra o instante de
emissão da traseira
seira da onda em x = g u t! até o receptor, na origem, é
da onda nos dois
referenciais.
c = ut
= Δx c = γu′t
Δt .
c

O relógio de R marcará, na recepção da traseira da onda, um tempo que é a soma


do tempo em que foi emitida a onda e o tempo gasto no percurso entre o ponto de
emissão e o receptor:

t+ Δt = γ′t+γuc′t=γ′t⎛⎝1+uc⎞⎠=′t1+1−ββ
⎜⎟ .

Se interpretarmos a frente e a traseira da onda como dois nós sucessivos da onda,


t + Δt será o período da onda no laboratório e a frequência será dada por:

1 1−1=′ν1+ββ
ν = t+ . (3.13)
Δt = ′t 1−β
1+ β

A frequência medida pelo observador no laboratório é ν e a frequência no referen


cial do emissor é ν!. No caso tratado, a fonte se afasta do receptor; então, u > 0, ß >
0 e ν < ν!. Se a fonte se aproximasse do detetor, teríamos u < 0, ß < 0 e ν > ν!.

O resultado obtido mostra que o fator que corrige a frequência no efeito Doppler
relativístico só depende de ß, ou seja, de u, que é a velocidade relativa de emissor e
detetor, como seria esperado na TRE.
52 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

Problema 2 Faça o cálculo do efeito Doppler para o caso em que a fonte de luz
está em repouso e o receptor se aproxima dela com velocidade u. Mostre que o
resultado é igual ao obtido na Equação 3.13. Só poderia ser assim, porque na teo
ria da relatividade importa apenas a velocidade relativa (não há referencial abso
luto).

É interessante comparar o resultado clássico com o relativístico quando a veloci


dade da fonte é muito menor do que a velocidade do som e da luz respectivamente.
No caso do som, a Equação 3.11 nos dá:
ν = 1+′ν ≅′ν⎛⎝1−vus⎞⎠
⎜⎟ para u << vs.
vu

E no relativístico (Equação 3.13),


1−β
ν = ′ν 1+ β ≅ ′ν⎛ 1−u
c⎞
⎜⎝ ⎟⎠ para u << c. (3.14)

O desvio relativístico da frequência é igual, portanto, ao desvio clássico, em pri


meira ordem (desprezando termos em b2).
O efeito Doppler relativístico até segunda ordem (b2) foi comprovado por H. E.
Ives e G. R. Stilwell (1938, 1941)(6) em experiências com feixes atômicos de hidro
gênio. Nessas experiências, íons moleculares de hidrogênio eram acelerados em po
tenciais elétricos fortes e, no processo de desintegração dos íons, formavam-se áto
mos de hidrogênio excitados. As velocidades dos átomos do feixe estudado eram da
ordem de 0,005 c. A luz emitida pelos átomos do feixe, no processo de desexcitação,
observada por espectroscopia, deve sofrer um desvio Doppler, por causa do movi
mento deles em relação ao observador no laboratório. O comprimento de onda l0, da
luz emitida pelos átomos de hidrogênio, numa ampola fechada, pode ser considerado
como se fosse de átomos em repouso, porque as velocidades são baixas e dirigidas
aleatoriamente em todas direções.
Os experimentadores tomaram como comprimento de onda da luz desviada pelo
efeito Doppler a média dos comprimentos de onda da luz emitida pelos átomos do
feixe no sentido de seu movimento e no sentido contrário (Equação 3.12):

λmédio=12(λfrente+λatrás)=12λ0 ⎛⎝1+1−ββ+1−1+ββ⎞⎟⎠= 1−
λ0β2
⎜ .

A dependência em b2 mostra que o efeito observado é de segunda ordem. Os ex


perimentadores acharam Dl = lmédio –l0 > 0,0074 nm, enquanto o valor previsto pela
TRE era > 0,0072 nm. A concordância é, portanto, excepcionalmente boa.
As experiências de Ives e Stilwell são importantes para a teoria da relatividade,
porque constituem a primeira verificação experimental direta, até segunda ordem
em b, da dilatação do tempo entre referenciais inerciais e têm assim um papel aná
3.7 — O modelo do Big Bang 53
logo ao das experiências de Michelson-Morley em relação ao comprimento. Em con
junto, as duas experiências poderiam constituir a base empírica sobre a qual a TRE
poderia ter sido edificada.
Uma verificação excepcionalmente precisa do efeito Doppler de segunda ordem
foi obtida, com a descoberta do efeito Mössbauer (1958), que é tratada na Seção 7.4.
A teoria da relatividade prevê também um efeito Doppler transversal, isto é, uma
variação da frequência quando a luz é observada em direção perpendicular à direção
do movimento da fonte. Esse efeito não é previsto pela física clássica. O fenômeno se
deve ao fato de que o tempo flui de maneira diferente nos referenciais do emissor e
do detetor e, portanto, não pode existir no caso clássico, em que o tempo é absoluto.
As frequências são inversamente proporcionais aos inversos dos tempos nos referen
ciais respectivos; então:

′ν= 1′t=γ1t=(1−β2)12ν.
(3.15)
Vemos que o efeito transversal é de segunda ordem em u/c.

3.7 o modeLo do big bAng


Em 1917, ano seguinte ao da publicação da teoria da relatividade geral (TRG), Eins
tein publicou um trabalho que inaugurava o casamento da TRG com a cosmologia,
criando um novo e ativo campo da física. Nesse trabalho, para obter um universo iso
trópico, homogêneo, ilimitado, mas espacialmente finito e estacionário – modelo de
acordo com as observações astronômicas da época –, ele introduziu, nas equações de
campo da TRG, uma constante Λ (constante cosmológica). Anos depois, comenta
ria que aquela tinha sido a maior tolice de sua vida.
Justamente naquele ano, Vesto Slipher publicou os resultados de suas observa
ções, mostrando que a luz proveniente de 21 entre 25 nebulosas espirais estudadas
sofria um desvio Doppler para o vermelho, o que indicava um afastamento delas em
relação ao observador (posteriormente, foi possível mostrar que as quatro que não
obedeciam à regra geral pertenciam ao Grupo Local, galáxias ligadas à Via-Láctea
pela gravitação). Era o passo inicial que conduziria a astrofísica a um notável de
senvolvimento e tornaria a TRG uma ferramenta indispensável à formulação de seus
modelos.
Edwin P. Hubble, continuando as observações de Slipher descobriu que as nebu
losas eram de fato galáxias e que a presença nelas de estrelas variáveis Cefeidas per
mitia estimar suas distâncias até nossa galáxia. Um gráfico da velocidade de recessão
das galáxias, calculada pelo efeito Doppler, em função da distância, calculada pelo
brilho das Cefeidas(7), mostra que a velocidade de recessão é proporcional à distân
cia da galáxia ao observador: v = H r, sendo H a chamada constante de Hubble, de
terminada empiricamente nesse gráfico (Figura 3.9).
Essa série de observações permitiu concluir que as galáxias estão se afastando
umas das outras – pois não havia sentido em imaginar a Terra como centro do uni
54 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

verso – e, em consequência, fazer a conjetura de que


1) o universo está em expansão. Podemos compreender
s–
m50 isso facilmente: imagine um balão de borracha sendo
k
3
0 enchido e dois pontos em sua superfície, à distância
1
de 1 cm, que se afastem com velocidade v; quando
m
e 40
( estiverem à distância n cm, se afastarão à velocida
o
ã
ss de nv. O valor atualmente aceito para a constante de
e 30
ce Hubble, H > 15 km s–1/106 anos–luz, é bem inferior
r
e Coroa Boreal ao valor por ele calculado, com base nas observações
d 20
e disponíveis em sua época. Com esse novo valor de H,
d
a Ursa Maior
d
ic
pode-se calcular que as distâncias entre as galáxias
o
le 10 Virgem
Perseu aumentam aproximadamente 1% em 200 milhões de
V anos.
1 2 3 As observações de Slipher e Hubble estavam de
Distância (em 109 anos-luz) acordo com os resultados de Aleksandr Friedmann,
que havia demonstrado, em 1922, que uma das solu
figura 3.9 ções possíveis das equações da TRG era um universo em expansão. Foi Georges Le
A constante de
maître quem fez em 1927 a conjetura de que o universo estava em expansão, tendo
Hubble pode ser
calculada neste sua origem num átomo primordial, que teria explodido no início da história cósmi
gráfico linear, ca. O apelido “big bang” para essa conjetura foi dado derrisoriamente pelo astrofísico
que representa Fred Hoyle (que acreditava num universo estacionário), mas foi afinal o que ficou
as velocidades
de recessão das como nome. O modelo foi recebendo aperfeiçoamentos até os dias de hoje, quando
galáxias em função Stephen Hawking e Roger Penrose demonstraram matematicamente que a TRG de
de suas distâncias Einstein implica o início do universo e do tempo numa singularidade.
à Via Láctea. Os
aglomerados Em 1948, George Gamow conjeturou, baseado no modelo do big bang, que o es
de galáxias são
identificados
tado do universo nos estágios iniciais de sua evolução seria caracterizado por densi
pelos nomes das dade de radiação e temperatura extraordinariamente elevadas. Previu que seria pos
constelações onde sível observar os resquícios dessa radiação como uma radiação de fundo isotrópica,
são observados no
com o espectro de corpo negro, tendo seu máximo desviado pelo efeito Doppler para
céu (Adaptada de
Ferris, Timothy, a região de microondas, devido à imensa velocidade de expansão do universo.
Coming of age in
the milky way, Nova A primeira estimativa de Gamow para a temperatura dessa radiação de fundo, de
York: Doubleday, cerca de 50 K, foi logo corrigida, numa teoria de Ralph Alpher e Robert Herman, para
1998). cerca de 5 K. Em 1965, Arno Penzias e Robert Wilson trabalhavam com uma antena
de comunicações para satélites quando observaram um ruído de fundo, isotrópico,
de energia correspondente à temperatura de 2,7 K, cuja origem não conseguiam ex
plicar. Era exatamente a radiação prevista por Gamow e a descoberta levou à premia
ção de Penzias e Wilson com o Nobel de física. Corrigindo-se o valor de 5 K calculado
alguns anos antes, com o valor da constante cosmológica de Hubble conhecida em
1965, obtém-se a temperatura de 2,7 K, em extraordinário acordo com o valor obser
vado. A radiação de fundo de microondas constitui uma das mais fortes evidências
em favor do modelo do big bang.
O modelo do big bang e a lei de Hubble permitem obter qualitativamente a idade
e a dimensão do universo. Vemos que H tem a dimensão (tempo)–1; seu inverso terá
a dimensão de tempo e pode ser associada imprecisamente à idade do universo:
Notas 55

≈ 3⋅1017 s ≈1010 anos.


H
1
Multiplicando esse valor pela velocidade da luz, obteremos a dimensão máxima
que o universo poderia ter alcançado a partir da explosão inicial:

cH
1 ≈1026 m,

que denominamos, também sem maior rigor, raio do universo.

Exemplo 3.5
Um par de linhas característico do espectro de potássio é observado no labora
tório em 395 nm. Quando o espectro da luz proveniente de uma certa galáxia
é observado, o mesmo par é identificado em 447 nm. Qual é a velocidade de
recessão da galáxia?

Solução
Observamos um desvio do espectro da galáxia para comprimentos de onda
maiores, ou seja, um desvio para o vermelho, que indica afastamento da galá
xia. O desvio percentual é:
Δλ 52
=13%.
λ = 395
Vamos supor que a velocidade de afastamento da galáxia seja pequeno em re- * Discussões detalha
lação à velocidade da luz, ß << 1. Podemos usar então a aproximação para o das e bem documen
efeito Doppler (Equação 3.13) tadas do papel da
experiência de MM
ν ≅ ′ν(1− β), na gênese da TRE
λ =νc ′ν(1− c β) ≅ ′λ(1+ β), podem ser encon
Δλ
λ =≅ tradas no excelente
ensaio “Einstein,
′λλ− λ ≅ β. Michelson, and the
‘crucial’ experiment”,
capítulo 8, do livro
de Holton, Gerald,
Portanto, ß > 0,13. A galáxia observada se afasta com velocidade u > 0,13 c. Thematic origins of
scientific thought,
Harvard University
Press, Cambridge,
Notas Mass: EUA ,1988 e
nos capítulos 6, 7 e
(1) O papel desempenhado pela experiência de Michelson-Morley (MM) na gênese da TRE
8 de Pais, Abraham,
é difícil de deslindar*. Nas palavras do próprio Einstein, “Não há, de fato, um caminho Sutil é o Senhor,
lógico que leva ao estabelecimento de uma teoria científica mas apenas tentativas cons a ciência e a vida
trutivas controladas pela cuidadosa consideração de conhecimento factual”. A expe de Albert Einstein,
riência de MM não é citada no artigo fundamental de 1905, a não ser de passagem e indi Nova Fronteira: Rio
retamente, quando se faz referência ao “insucesso das experiências feitas para detectar de Janeiro, 1997.
56 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

qualquer movimento da Terra em relação ao éter”. Em um livro de divulgação publicado


em 1917**, Einstein toma a experiência de Fizeau como experimentum crucis da TRE,
por estarem seus resultados de acordo com a TL e não com a TG; a experiência de MM é
mencionada num contexto de comprovação experimental e não de fundamentação. Per
guntado quando teria ouvido pela primeira vez a respeito da experiência de MM, respon
deu: “Não é fácil, não estou seguro quando ouvi pela primeira vez sobre a experiência.
Não estou consciente que ela tenha me influenciado diretamente durante os sete anos
em que a relatividade foi minha vida. Penso que supunha que o resultado deveria ser
verdadeiro”***. Em diferentes ocasiões – entrevistas, conferências e cartas –, muitos
anos depois da publicação da teoria, Einstein deu respostas ambíguas e, às vezes, con
traditórias sobre quando teria tomado conhecimento da experiência de MM, mas sempre
reafirmando que a influência dela na formulação da TRE havia sido indireta, porque para
ele bastavam: a) o fenômeno da aberração da luz das estrelas; b) a experiência de Fizeau
sobre o arrastamento de éter; c) e, principalmente, a convicção de que a fem induzida
numa espira em movimento num campo magnético nada mais era do que a manifestação
de um campo elétrico.
Há uma descrença bastante generalizada no meio científico a respeito do papel secun
dário que Einstein deu à experiência de MM na gênese da TRE. No entanto, o ponto de
vista dele está exposto com clareza numa carta, escrita um ano antes de seu falecimento,
ao historiador F. G. Davenport, e pode ser compreendido e aceito:
“Antes do trabalho de Michelson, já era sabido que, dentro dos limites de precisão das
experiências, não havia influência do estado de movimento do sistema de coordenadas
(referencial) nas leis dos fenômenos. H. A Lorentz tinha mostrado que isso pode ser
compreendido com base em sua formulação da teoria de Maxwell para todos os casos
em que a segunda potência da velocidade do sistema pudesse ser desprezada (efeitos de
primeira ordem)... Em meu desenvolvimento próprio, o resultado de Michelson não teve
influência considerável. Não me recordo mesmo se já o conhecia quando escrevi meu pri
meiro artigo sobre o assunto (1905). A explicação é que eu estava firmemente convicto
** Einstein A., de que não existia movimento absoluto e meu problema era apenas como isso poderia
A teoria da ser conciliado com nosso conhecimento da eletrodinâmica. Pode-se, portanto, entender
relatividade especial por que a experiência de Michelson não desempenhou nenhum papel em minha luta pes
e geral, Contraponto soal, ou, pelo menos, nenhum papel decisivo****”.
Editora Ltda., Rio
de Janeiro, 2000 Por que, então, a maioria das exposições didáticas da TRE, incluindo este texto, toma a
(tradução brasileira experiência de MM como experiência crucial? Simplesmente por razões pedagógicas. O
de Über die Spezielle caroço da TRE é o princípio da invariância das leis da física à transformação entre refe
und die Allgemeine renciais inerciais e a teoria poderia perfeitamente ser construída sem a experiência de
Relativitätstheorie, MM, como é provável que Einstein o tenha feito. A vantagem dessa experiência, porém,
Gemeinverständlich.
é que ela, ao dar um resultado nulo para a velocidade da Terra em relação ao éter, deixa
de 1916).
clara para o estudante, de forma bastante concreta, a impossibilidade de escolher um
*** Shankland, R.S., referencial como absoluto para as leis do eletromagnetismo e leva diretamente à genera
American Journal of lização do PR ao eletromagnetismo.
Physics, 31 (1962)
47-57.
(2) A pesquisa científica tem mostrado de maneira cada vez mais clara que a física não pode
**** Carta a F. C.
ser separada em ramos estritamente independentes. Considere, por exemplo, um fenô
Davenport
(02/02/1954). Cópia
meno como o atrito, tratado usualmente na mecânica; sua compreensão só é possível
existente nos arquivos quando se faz uso de conceitos da física atômica e do eletromagnetismo. A física é essen
Einstein, citada nos cialmente indivisível, como a natureza, e só é separada em seções (mecânica, termodinâ
livros referidos em *, mica, eletromagnetismo etc.) por razões metodológicas, pedagógicas ou históricas. Note
nas páginas 343 e 172, como os físicos procuram formular teorias cada vez mais abrangentes: a eletricidade, o
respectivamente. magnetismo e a óptica são unificadas pela teoria de Maxwell, por exemplo.
Notas 57
Para Einstein não havia razão para que o princípio da relatividade ficasse restrito à me
cânica e essa ideia levou-o a estendê-lo a toda a física. A procura da unidade foi um
guia-mestre em seu trabalho científico e permeia toda sua obra. Em suas próprias pala
vras: “A verdadeira meta de minha pesquisa sempre foi a simplificação e a unificação do
sistema da física teórica”*. Depois do grande êxito das teorias da relatividade restrita e
geral, Einstein dedicou a maior parte de seus esforços, desde 1918 até o fim de sua vida,
à procura, sem êxito, de uma teoria que uniria a teoria eletromagnética com a teoria da
gravitação numa única teoria de campo unificado.

(3) Woldemar Voigt (1850-1919) foi quem primeiro publicou, em 1887, a descoberta, exceto
por um fator de escala, do sistema de equações que seria depois denominado transfor
mação de Lorentz por Poincaré. Em 1900, Joseph Larmor (1857-1942) descobriu inde
pendentemente a transformação exata (Equações 3.4) e, além disso, demonstrou que a
contração de FitzGerald-Lorentz era uma consequência dela. Em 1899, Lorentz desco
briu independentemente a transformação exceto por um fator de escala e, em 1904, na
forma exata.
A TL, descoberta pelos antecessores de Einstein, era uma ferramenta matemática útil
para certos objetivos, porém, sua interpretação não era óbvia para o físico do século XIX
– por exemplo, como interpretar os tempos t e t´? Lorentz propôs chamar o tempo t tem
po geral e o tempo t´ tempo local, mas é claro que, para ele, o tempo verdadeiro era t,
o tempo do referencial do éter. Não foi, portanto, capaz de dar a interpretação correta
aos tempos t e t´ como tempos verdadeiros em referenciais inerciais diferentes e dessa
forma abolir o tempo absoluto.
Poincaré, deu um passo adiante e tratou t! como um conceito físico. Para ele, se dois
observadores em movimento relativo sincronizam seus relógios por meio de sinais lu
minosos, ambos marcam tempos locais – nenhum deles marca o tempo verdadeiro.
Como requerido pelo princípio da relatividade, argumentava ele, o observador não
sabe se está em repouso ou em movimento absoluto. Vemos quão próximo Poincaré es
tava da teoria da relatividade: ele usava o princípio da relatividade, criticava a intuição
de simultaneidade, negava o tempo absoluto e previa que uma nova mecânica deveria
ser construída. No entanto, sua crítica ao conceito de simultaneidade se referia a locais
diferentes de um mesmo referencial e não a diferentes referenciais em movimento rela
tivo e sempre acreditou que era necessário tomar como hipótese adicional para construir
a nova mecânica a contração de FitzGerald-Lorentz. Nunca chegou, de fato, a criar uma
teoria completa e coerente, mas, sim, o programa para uma possível teoria.
A descoberta da TL por Einstein foi feita a partir dos postulados de sua teoria e, por
tanto, independente das anteriores. Em seu trabalho no escritório de patentes de Berna
tinha pouco acesso à literatura científica; mesmo de Lorentz, a quem admirava imensa
mente, só conhecia em 1905 os trabalhos publicados até 1895, como afirmou repetidas
vezes. Na verdade, seus notáveis artigos de 1905 foram feitos em completo isolamento
da comunidade científica. Era próprio de sua natureza a reflexão independente; desde os
tempos de estudante mostrara gosto pela solidão.
*Dukas, Helen e
Hendrik A. Lorentz (1853-1928) merece um comentário à parte pelo papel que desem
Hoffmann, B. (org.)
penhou nas transformações por que passou a física no final do século XIX e por sua Albert Einstein
influência na criação da teoria da relatividade. A grande importância do trabalho de Lo o lado humano.
rentz está na ligação dos novos conceitos da física atômica (átomos, elétrons e radiação) Brasília, Editora
com as teorias de Fresnel e Maxwell de maneira coerente. Já em 1895, ele interpretava Universidade de
as equações de Maxwell em termos de cargas e correntes de partículas fundamentais – Brasília, 1985, p.15.
58 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

que chamava íons – e introduzia a força que atua sobre um “íon” de carga e que se move
num campo eletromagnético (E, B): a força que hoje chamamos força de Lorentz (em
1899, ele denominava íons os portadores de carga elétrica). Lorentz era admiravelmen
te criativo e explorava todos os caminhos que a física clássica oferecia para atingir seus
propósitos. Poincaré, que era seu amigo e admirador, criticou-o sutilmente pelo excesso
de hipóteses que formulava, mudando-as constantemente, quando percebia caminhos
melhores.
Seu conhecimento amplo, profundo e coerente, associado a um caráter modesto, pacien
te e justo (veja seu relacionamento com FitzGerald na nota 6 do Capítulo 1) faziam de
Lorentz uma pessoa muito admirada e estimada no meio científico (Einstein tinha par
ticular estima e respeito por ele). Em 1902, junto com P. Zeeman, ele foi agraciado com
o Prêmio Nobel, por seus trabalhos em espectroscopia, que se tornariam fundamentais
para o desenvolvimento da velha e da nova física quântica. Lorentz passou toda sua vida
na Holanda, tendo saído de seu país pela primeira vez aos 45 anos para participar num
congresso científico do outro lado da fronteira. Quando faleceu, tinha se transformado
em pessoa admirada e respeitada por seus concidadãos; durante a cerimônia de seu
enterro, os sistemas de correios e telefones da Holanda suspenderam suas atividades
durante três minutos, em sinal desse respeito e admiração.

(4) Max von Laue (1879-1960) foi um dos primeiros físicos a aceitar a TRE. Tomou conheci
mento dela por meio de Planck, de quem era assistente, e marcou uma visita a Einstein
em Berna para discutir alguns aspectos da teoria. Relata que ficou muito impressionado
ao encontrar um jovem físico, de sua idade, como autor da teoria. Em 1907, von Laue
publicou a nota sobre o tratamento relativístico da experiência de Fizeau (veja o Exem
plo 3.3) e foi autor da primeira monografia sobre a teoria. Foi agraciado com o prêmio
Nobel em 1914, alguns anos antes de Einstein, pela descoberta da difração de raios X em
cristais.

(5) Referência ** da nota 1.

(6) Ives H. E., Stilwell G. R., J. Opt. Soc. Am. 28, 215 (1938); 31, 349 (1941).

(7) As estrelas variáveis Cefeidas são astros gigantes, que têm três ou mais vezes a massa do
Sol. Elas pulsam, variando em brilho ao mesmo tempo que variam em tamanho. A pulsa
ção da estrela está ligada ao ciclo de processos termonucleares envolvendo núcleos de
hidrogênio e hélio. O período é diretamente relacionado ao brilho intrínseco da estrela,
isto é, em termos astronômicos, a sua grandeza absoluta. Conhecida a grandeza de uma
Cefeida e sabendo que o brilho cai com o quadrado da distância, o astrônomo pode cal
cular sua distância.

Problemas
Resolva os problemas 2.4, 2.5 e 2.6 do Capítulo 2 utilizando a TL.
3.1 Dois homens, situados nas extremidades A e B de uma nave espacial, cujo com
primento próprio é 60 m, atiram um contra o outro. Ela tem velocidade c/5 em
relação a uma plataforma espacial. Uma testemunha na nave diz que eles atira
ram simultaneamente. O que diz uma testemunha situada na plataforma, quan
Problemas 59
to à ordem dos tiros e ao intervalo entre eles (refira-se ao homem da frente e ao
da traseira da nave em sua resposta)?
Resposta: O da frente atirou 40,8 ns antes.
3.2 Um observador numa plataforma espacial, cujo comprimento próprio é 100 m,
mede a velocidade de uma nave que passa por ele e acha 0,5 c. Por meio de
um arranjo experimental que permite medir as posições das extremidades da
nave simultaneamente, determina 60 m de comprimento dela. a) Qual é o com
primento da nave em repouso? b) Qual é o comprimento da plataforma para o
piloto da nave? c) Qual é o intervalo de tempo no relógio da nave entre as duas
medidas realizadas pelo observador da estação? d) Para o observador na pla
taforma, quanto tempo leva a nave a passar por ele? e) Para o piloto, quanto
tempo leva a plataforma a passar por ele?
Respostas: b) D = 86,6 m; c) Δt = 0,115 μs; e) Δt = 0,46 μs.
3.3 Uma nave espacial se move com velocidade 0,9 c em relação a uma plataforma
cujo comprimento próprio é 100 m. O controlador da plataforma, situado no
meio dela, aciona simultaneamente (em seu relógio) sinalizadores luminosos
existentes nas extremidades da plataforma. Ache a separação espacial e tem
poral dos clarões dos sinalizadores no referencial da nave.
Resposta: Δt = 0,687 μs (indique a ordem temporal dos clarões vistos na
nave).
3.4 Um observador vê duas partículas se moverem em sentidos opostos, ambas
com velocidade 0,99 c em relação a ele. Qual é a velocidade de uma partícula
em relação à outra? Comente esse resultado.
3.5 Uma partícula que se move com velocidade c/2 no referencial R do laboratório
emite um fóton na direção e sentido de sua trajetória. a) Calcule a velocidade
do fóton, em módulo e direção, no referencial R! da partícula. b) Repita o cálcu
lo para o caso em que o fóton é emitido numa direção perpendicular à trajetória
da partícula.
Resposta: b) v = c, θ = 60o.

3.6 Demonstre que na transformação do referencial R para o referencial R!, na


configuração usual dos referenciais, x2 – ct2 = x!2 – ct!2 (essa expressão é um
invariante de Lorentz, muito conveniente na solução de problemas).
3.7 A
dz/dt
velocidade
no referencial
de uma partícula tem componentes vx = dx/dt, vy = dy/dt e vz =
R!, que se move comRvelocidade u, nav!
e v!x = dx9/dt!, direção
y = dy9/dt!
x, em
e v!
relação a R. no referencial
z = dz!/dt!
a) Demonstre
u2 v!x = (vx – u)/(1 – u vx/c), v!y = vy (1 – u2/c2)1/2/(1 – u vx /c2) e v!z = vz(1 –
que
a /c2)/(1 – uvx/c2). b) Ache a transformação inversa. Deduza a expressão para
grandeza v!2= v!x2 + v!y2 + v!y2 em termos de vx, vy e vz. c) Mostre que se v =
c, v! é também igual a c (supondo u < c).
3.8 Uma astronave tem uma velocidade 0,9 c em relação à Terra. Qual deve ser a
velocidade em relação à Terra de uma outra nave que deseja ultrapassá-la com
uma velocidade de 0,5 c relativa a ela?
Resposta: 0,9665 c.
60 Capítulo 3 — A transformação de Lorentz

3.9 No referencial R são observados dois eventos A (x1 = 1, y1 = y0, z1 = z0, ct1 = 2)
e B (x2 = 5, y2 = y0, z2 = z0, ct2 = 1). Ache a velocidade do referencial R9, que se
move ao longo do eixo x, no qual os eventos são simultâneos.
Resposta: u = – c/4.
3.10 Um pulso de laser é enviado da Terra para a Lua. Qual deveria ser a velocidade
de uma nave espacial que vai da Terra para a Lua para que o astronauta ob
servasse a saída do pulso da Terra e sua chegada à Lua como acontecimentos
simultâneos?
3.11 Uma nave espacial tem uma antena de comprimento l, que forma um ângulo u
com a direção de seu movimento. Qual é o comprimento e a direção da antena,
medidos por um observador de outra nave que passa por ela, movendo-se na
mesma direção e sentido com velocidade relativa u? Faça uma aplicação para
u = 135° e l = 1,0 m.
Resposta: l9 = 0,866 m, u9 = – 54,7o.

3.12 Duas partículas são projetadas simultaneamente de um ponto do referencial R,


em direções ortogonais, com velocidades iguais v. Qual é a velocidade de uma
das partículas em relação à outra?
3.13 Uma linha espectral de uma galáxia distante é observada e mostra um desvio de
5% em relação à mesma linha observada no laboratório. Qual é a velocidade de
afastamento da galáxia em relação à Terra e qual a sua distância?
3.14 Um avião, dirigindo-se para um aeroporto, envia um sinal pelo radar e recebe o
sinal refletido na antena do aeroporto, com um aumento fracionário Dn/n = 6,6
3 10–7. Qual é a velocidade do avião?
Resposta: 712 km/h.
3.15 Um astronauta deseja medir sua velocidade de aproximação a um planeta. En
via um sinal de radar de frequência n = 5 · 109Hz e compara essa frequência
como eco, observando um desvio de 90 kHz. Calcule a velocidade da nave. Qual
será o erro se a aproximação clássica for usada no cálculo?
Resposta: Na aproximação clássica, b = 18· 10–6, erro > 0,33 · 10–9.
3.16 Um motorista atravessou um sinal vermelho e depois alegou ao guarda ter visto
o sinal verde pelo efeito Doppler. O guarda, que era estudante de física, multou
-o por excesso de velocidade. Supondo que o motorista tenha falado a verdade,
qual era sua velocidade?
3.17 O espectro óptico de um feixe de átomos é observado na mesma direção do
feixe (átomos se afastando do observador) e na direção ortogonal a ele. Se a
velocidade dos átomos do feixe é b = 0,01, qual é a diferença entre as frequên
cias de uma determinada linha, nos dois espectros, em função da frequência da
mesma linha no espectro dos átomos em repouso.
61

mecânica
relativística

4.1 COnsERvAçãO DO mOmEnTO


Vimos que para que o princípio da relatividade fosse estendido ao eletromagnetismo
era necessário substituir a transformação de Galileu (TG) pela nova transformação
de Lorentz (TL). No entanto, as leis da mecânica clássica não são invariantes para
essa nova transformação, como mostraremos a seguir, tomando como exemplo o
princípio de conservação do momento na colisão de dois corpos (por simplicidade,
usaremos a palavra momento em lugar de momento linear ou quantidade de
movimento).
Consideremos no referencial R do laboratório a colisão de duas esferas de massa
m e velocidades v e –v, iguais em módulo e opostas. É fácil observar na Figura 4.1
que, nesse referencial, as somas das componentes das velocidades nas direções x e
y são nulas antes e depois do choque e que, portanto, o momento total é conservado
no choque das esferas.

vy v
Depois Antes
1
–vx 1
1 v
–vx –vy –mvy(1)mvy(1)1

2 vvvy 2Depoisv mvy(2) –mvy(2)


vx
2 Figura 4.1
x
Antes Antes Depois Choque de
–vy
partículas no
referencial R do
laboratório.
62 Capítulo 4 — Mecânica relativística

Vamos verificar o que ocorre no referencial R9, que


1 1 sendo
se desloca
xˆ em relação a R com velocidade u = vx xˆ,
2 Depois
R R9
uAntes
= vx –mv9y(1) mv9y(1) componente v9x daunitário
o vetor esfera 1naantes
direção Ox (Figura
do choque 4.2).
temos:
Depois Utilizamos a TL para calcular as componentes das
velocidades no referencial R9 (Equações 3.8). Para a

Antes mv9y(2) –mv9y(2) ′vx (1)= vx − u = −u − u = −2u


.
xˆ u u u2
Figura 4.2
Choque de
Antes Depois 1− c2 vx 1− c (−u) 1+
c2

Da mesma maneira, o leitor poderá calcular a


transformação das outras componentes. A Tabela 4.1 apresenta os resultados des
se cálculo.
partículas num
referencial inercial
R9, que se move, ao
longo do eixo x do Tabela 4.1
referencial R, com
Ref. Antes Depois
velocidade u = vx em
relação a ele. R –vx(1)
vx(2) –vy(1)
vy(2) –vx(1)
vx(2) –vy(2)
vy(1)

′vx(1)= 1+
−2uu2
c2 ′vy(1)=−vy(1)
γ ⎛1+ u2
c ⎞⎟ −2u vy(1)
′vx(1)= 1+ u2
c2 ′vy(1) =
γ ⎛1+ u2 ⎞
⎜ ⎜ ⎟
⎝ ⎠ ⎝ c2 ⎠
R9
v9x (2) = 0 ′vy(2) = γ ⎛v1−
y (2)
u2
c2
2⎞
(2) = 0 ′vy(2)= −vy(2)
v9x γ ⎛1− u2 ⎞
⎜ ⎟ ⎜ ⎟
⎝ ⎠ ⎝ c2 ⎠

Problema 1 Calcule todos os termos da Tabela 4.1.

Se utilizarmos a definição clássica de momento como produto da massa pela velo


cidade da partícula, poderemos verificar que na colisão das duas esferas, observada
no referencial R9, a componente x do momento total se conserva, mas o mesmo não
acontece com a componente y, pois Spy, antes  Spy, depois, o que mostra que a conser
vação do momento, como definida na mecânica clássica, é incompatível com a TL.
Concluímos, portanto, que: a mecânica clássica, a TL e o PR são incompa
tíveis.
Isso nos induz a procurar uma nova formulação para a mecânica, cujas leis se
jam invariantes sob a TL. O primeiro passo será achar uma nova definição para o
momento que seja compatível com a TL. A nova expressão deverá tender para a ex
pressão clássica quando a velocidade for muito menor do que c, porque queremos
4.1 — Conservação do momento 63
que a mecânica clássica continue válida a velocidades
ordinárias. Observando os termos da Tabela 4.1, ve
mos que nossa dificuldade em manter a conservação
do momento está na componente y:
Δy p
py = mvy = m Δt→0
lim .
Δt
O valor de Dy se mantém constante sob a TL em to
dos referenciais que se deslocam com velocidade uni
do referencial
forme paralelaeao
é isso
eixoque
Ox,faz
masque
o atempo
componente y da
Dt depende mv

velocidade se altere. Vamos tentar substituir o tempo


por um pelo
medido relógio
relógio do laboratório
transportado pela pelo
partícula
tempocujo
medido
mo v/c

mento desejamos calcular – o tempo próprio t0 da par 0,5 1,0


tícula – e verificar se obtemos resultados consistentes. Figura 4.3
Variação do
A grandeza Dy/Dt0 é invariante sob a TL, porque Dt0 (tempo próprio) e Dy (per relativístico p de
momento
pendicular à direção do movimento) são invariantes. Portanto,
uma partícula,
Δy =Δy
Δt0 Δt0 = 1−1
Δt ⋅ Δt Δy em função de sua
= γ vy velocidade.
v2 Δt
c2
é invariante sob uma TL para um referencial que se desloca com velocidade paralela
ao eixo Ox. Podemos então definir a componente y do momento por
mvy
py = mγvy =
v2
1−
c2
e o vetor momento em três dimensões por
mv
p= = γ m v. (4.1)
v2
1−
c2
Com essa definição de momento, a lei de conservação de momento é compatível
com a TL, isto é, ela é válida em os todos referenciais inerciais.
A Figura 4.3 mostra a variação do momento com a velocidade da partícula. Ob
serve que p  ` quando v  c e que p  m v para velocidades pequenas (v << c);
vale, então, nessa condição, a definição clássica de momento. É usual denominar-se
massa relativística a expressão M (v) = g m.
A massa de repouso m de uma partícula é a mesma para observadores em di
ferentes referenciais inerciais, ou seja, é um invariante de Lorentz (dizemos que
uma grandeza é um invariante de Lorentz se permanece invariante sob uma TL). Mas
M não é um invariante de Lorentz, porque g não o é.
64 Capítulo 4 — Mecânica relativística

A Equação 4.1 mostra que nenhuma partícula massiva pode atingir a velocidade
da luz, porque, nesse caso, seu momento seria infinito, o que exigiria uma energia
infinita. Um número imenso de experiências com aceleradores de partículas compro
vam isso. Portanto, c é a velocidade máxima com que é possível transmitir um sinal,
seja por ondas eletromagnéticas ou por meio de partículas materiais. É preciso notar,
no entanto, que c é a velocidade da luz no vácuo. Num meio transparente, a velocida
de da luz é c/n , sendo n o índice de refração do meio e, nesse caso, a velocidade de
uma partícula poderá ser maior do que a velocidade da luz. Um fenômeno interessan
te que resulta desse fato é o efeito Cherenkov, tratado no final deste capítulo.

4.2 EnERgiA
A lei de Newton na forma F = ma não pode ser correta na teoria da relatividade,
porque conduziria à conservação do momento clássico p = mv, o que, como vimos
na seção anterior, não acontece de fato. Como já temos uma expressão relativística
para o momento, é razoável usar como definição de força a mesma expressão usada
por Newton em sua formulação da mecânica,
F= dpdt,

onde, agora, p é o momento relativístico, e verificar se as consequências são con


sistentes.
Vamos começar examinando o conceito de energia cinética. O trabalho realizado
por uma força para acelerar uma partícula desde o repouso até uma velocidade v é a
energia cinética da partícula. Portanto, considerando o movimento em uma direção
apenas,
= ∫0v Fds = ∫0v d(γdtmv) ds = ∫0v
Ec vd(γmv),

⎡ v2 1 ⎤ v2 3
mv =md ⎢ ⎛ ⎞ − ⎥ ⎛ ⎞ −2
d(γmv)=d ⎣⎢ v⎜ 1− c2 ⎟ ⎥ = m ⎜ ⎟ dv,
v2 ⎢ ⎝ ⎠ ⎥ ⎝ 1− c2 ⎠
1− 2 2⎦
c (4.2)
v ⎛ ⎞
3 1
− dv = mc2 ⎡ − ⎤ ⎜ ⎟
v mv⎛ v2 ⎞ 2 ⎢⎛ v2 ⎞ 2 ⎥ 1
Ec = ∫0 ⎜ 1− ⎟ ⎢⎜ 1− ⎟ ⎥ = mc2 ⎜
⎜ −1⎟ .
⎝ c2 ⎠ ⎝ c2 ⎠ ⎟
⎢ ⎥ ⎜ v2 ⎟
⎣ ⎦0 ⎜⎝ 1− ⎟⎠
c2

Para simplificar as equações, é conveniente representar a grandeza 1/!1–v2/c2 por


g. Mas é preciso atenção aqui. Temos utilizado o símbolo g para representar uma ex
pressão formalmente idêntica a essa, que aparece na transformação entre dois refe
renciais inerciais; v representava, então, a velocidade relativa dos referenciais; aqui
4.2 — Energia 65
é a velocidade de uma partícula. Podemos usar essa representação mais compacta,
mas devemos ter o cuidado de, quando uma transformação entre referenciais estiver
envolvida, utilizar o símbolo g com a significação anterior (que envolve a velocidade
relativa dos referenciais) e não a que estamos introduzindo agora. Usando essa nota
ção, com a restrição discutida anteriormente, temos:
Ec = gmc2 – mc2. (4.3)
Se v/c <<1,

Ec = mc2 (γ−1)= mc2 ⎛1+ 12 v2


c2 +…−1⎞
⎜ ⎟≅1
2 mv2,
⎝ ⎠

que é o valor clássico da energia cinética. Repare que na teoria da relatividade espe
cial (TRE), a energia cinética pode ser escrita como 1–2 mv2 somente se v/c <<1.

Podemos escrever a Equação 4.3 na forma


gmc2 = mc2 + Ec (4.4)
e interpretar o termo mc2 como energia de repouso
da partícula e o termo gmc2 como energia total da U(r)

partícula. Não se trata apenas de dar nomes conve


nientes a termos de uma equação. A massa de repouso
tem um significado físico relevante. Na teoria da rela
tividade, a energia potencial armazenada num sistema r0 r
0
aparece como massa de repouso. Suponha, por exem
plo, duas partículas ligadas por uma mola. Se a mola
é comprimida, de forma que o sistema armazene uma
energia
= U/c2 em relaçãoU,
potencial à soma dasdo
a massa massas
sistema
dasaumenta
partículas
Dm e U(r0)

da mola distendida.
Imagine a formação de uma molécula por dois íons ligados por força atrativa. A Figura 4.4
Energia potencial de
energia potencial U do sistema na situação de equilíbrio (r = r0), em relação à ener um sistema formado
gia potencial dos íons separados por uma distância infinita, é negativa (veja a Figura por dois íons que se
4.4) e a massa de repouso do sistema, formado pelos dois íons ligados, será inferior atraem, em função
de sua separação
por uma quantidade Dm = – U(r0)/c2 à soma das massas dos íons separados. De for e formam uma
ma análoga, se os íons se repelissem, de modo que a energia potencial fosse positiva, molécula estável
a massa do sistema aumentaria Dm = U/c2. quando estão à
distância r0; U(r0) é
Na Equação 4.4, a energia de repouso da partícula, negativa em relação
a U(`) = 0.
E0 = mc2 (4.5)
mostra que a massa inercial de um corpo é uma medida de seu conteúdo de
energia. Essa equação – a famosa equação de Einstein – exprime o princípio de
equivalência de massa e energia. Ela foi deduzida por Einstein num segundo ar
tigo sobre a TRE, publicado também em 1905(1), onde ele sugeriu que a equação
poderia ser comprovada utilizando-se sais de rádio, que, por serem radioativos, têm
66 Capítulo 4 — Mecânica relativística

conteúdo de energia bastante variável. Essa proposta de teste mostra, além de uma
percepção profunda dos fenômenos físicos, seu conhecimento das descobertas con
temporâneas da física experimental. Dessa equação deduz-se imediatamente que se
um corpo emite a energia u sob a forma de radiação, sua massa decresce de u/c2 e
a radiação transporta a inércia para outros corpos. A acumulação de energia num
ponto do espaço, em virtude, por exemplo, de um campo, é sempre acompanhada da
criação de inércia naquele ponto.
De acordo com a mecânica quântica, mesmo na situação de maior quietude pos
sível, como existe numa região vazia do espaço, há uma imensa quantidade de ativi
dade, uma troca contínua de energia por momento e viceversa. As flutuações dessas
duas entidades são cada vez maiores, à medida que o tamanho da região e a escala
de tempo examinadas diminuem.
A conservação da energia em processos tratados relativisticamente é verificada
em inúmeras experiências de colisões de partículas ou desintegração nuclear. En
tretanto, na TRE, a conservação da massa não pode ser tratada isoladamente da
conservação da energia, como se faz na mecânica clássica. A equivalência de massa
e energia implica substituição das duas leis de conservação por apenas uma: a lei de
conservação de massa-energia, que exprime a conservação de mc2 + Ec. Num pro
cesso físico qualquer, por exemplo, uma colisão de partículas, parte da energia ciné
tica pode ser transformada em massa de repouso ou o contrário. Podemos, também,
referir-nos à conservação da massa relativística M(v), porque a energia total é pro
porcional à massa relativística, E = M(v)c2. A lei de conservação de massa-energia é
confirmada experimentalmente num número imenso de processos de desintegração
nuclear e tornou-se uma das leis básicas da física nuclear, como veremos em vários
exemplos neste capítulo.
Muitas vezes é conveniente expressar a energia total, E = gmc2, em termos do
momentop da partícula. Temos então:

E = γmc2 = mc2
e p = γvm. (4.6)
E v2
1−
c2

Elevando ao quadrado essas duas equações obtemos:

2 ( )2
= 1−
mcv22
c2 e p2 = m2v2
.
2
1− v
c2

Eliminando v2nas duas últimas equações, obtemos a importante equação:


E2 = p2c2 + (mc2)2. (4.7)
Se a partícula não tem massa de repouso, como o fóton ou o neutrino, mc2 = 0, e
E = pc. (4.8)
4.2 — Energia 67
Essa última equação é válida com erro menor do que 1%, mesmo para partículas
de massa não-nula, se elas forem muito energéticas (E $ 8mc2), porque, nesse caso,
a energia de repouso pode ser desprezada, em comparação com o outro termo na
Equação 4.7.

Problema 2 Demonstre o que foi enunciado acima.


Sugestão: Calcule (pc)2, fazendo E = 8 mc2 na Equação 4.7 e mostre que
(E – pc)/E < 1%.

Nas duas seções anteriores, introduzimos as formas relativísticas do momento e


da energia, que são invariantes a uma TL e tendem para as formas clássicas a baixas
velocidades. Não faremos aqui um tratamento sistemático para construir uma mecâ
nica relativística completa. Nosso objetivo, – que supomos já tenha sido alcançado –,
é mostrar como se elaboram os novos conceitos da mecânica.
Da mesma forma que fizemos com o momento e a energia, todos os outros con
ceitos da mecânica podem ser redefinidos de modo que sejam invariantes sob a TL
e tendam para os conceitos clássicos a baixas velocidades. Assim podemos criar
uma nova mecânica compatível com a TL e o princípio de relatividade de Einstein
(PRE). Portanto,
a formulação relativística da mecânica, as equações de Maxwell, a TL e o
PRE são consistentes, isto é, não apresentam contradições internas.
Nas próximas seções, discutiremos algumas das experiências – entre o imenso
número delas – que comprovaram a mecânica relativística. Mas antes faremos um
breve comentário sobre unidades de medida utilizadas em física atômica e nuclear.
Em problemas de reações nucleares e colisões de partículas, utiliza-se normalmente
como unidade de energia o megaelétron-volt (MeV):
1 MeV = 106 eV = 1,603 3 10–13J.
A unidade de massa será então 1 MeV/c2 e a de momento, 1 MeV/c. A massa de
repouso do elétron é 0,511 MeV/c2; a do próton 938,3 MeV/c2; e a do nêutron, 939,6
MeV/c2.

Exemplo 4.1
Usualmente é mais fácil trabalhar com expressões da mecânica clássica do que
com as correspondentes relativísticas. Quando é permitido usar a aproximação
clássica na solução de problemas de mecânica?

Solução
Da equação 4.6 obtemos

E Ec + mc2 Ec
γ= = =1+ .
mc2 mc2 mc2
68 Capítulo 4 — Mecânica relativística

Vemos que, se a energia cinética relativística for muito menor do que a ener
gia de repouso, g > 1, então, as expressões clássicas poderão ser utilizadas
com erro pequeno. Vejamos, por exemplo, qual é o erro cometido quando
substituímos
expressão clássica
a expressão daOenergia
1/2mu2. erro nacinética
aproximação
relativística
será: Ec = gmc2 – mc2 pela

1
δE = Ec cmu2
c . (a)
−E2

Mas


⎛ u
c 2 ⎞⎠ 1
2u 3 u4
c2 + 8
γ = ⎜ 1− 2 ⎟ 12 ≅1+ 2
+…
⎝ c4

Então,
2
δEc ⎛ ⎞
⎜⎝ 12mu2 ⎟⎠
Ec =(γ−1)mc2 ≅ 12 mu2 +32
mc2

e
E
2 mcc2.
≅3

Para obter a última relação, utilizamos a Equação (a) e fizemos Ec > 1/2mu2.
O erro na aproximação é, portanto, 1,5 vez a relação da energia cinética para
a energia de repouso.

Exemplo 4.2
Uma partícula de massa de repouso m e velocidade v colide com uma partícula
de massa m0, em repouso, e se integram. Determine a massa e a velocidade da
partícula composta.

Solução
Como a partícula de massa m0 está em repouso, o movimento da partícula com
posta será na mesma direção do movimento da partícula incidente e podemos
levar em conta apenas valores escalares. Sejam M, V e p a massa de repouso,
4.2 — Energia 69

a velocidade e o momento da partícula composta. Partimos das equações de


conservação da energia e do momento.
• Conservação da energia (chamamos de E a energia total do sistema):
E=
mc2
1− =(p2c2 + M2c4)12.
2+m0c2 (a)
v
c2

• Conservação do momento:
p = 1−
mv = MV . (b)
v2 1− V2
c2 c2
Da Equação (b) obtemos:

V 2= p2c2
p2 + M2c2

(note que a primeira igualdade de (b) nos dá o valor de p).


Elevando ao quadrado os dois membros da equação (a) e substituindo o valor
de p dado pela equação (b), obtemos, com alguma manipulação algébrica:
2mm1
M 2 = m2 + m12 + .
a massa do elétron, E0 v2
1−
c2

Exemplo 4.3
Mostre que, pelas regras de conservação de momento e energia, um elétron
livre que se move com velocidade v, no vácuo, não pode emitir um único fóton
num processo qualquer. Por que um elétron de um átomo de hidrogênio num
estado excitado pode emitir um fóton sem violar as regras de conservação?

Solução
Vamos admitir que o processo se realize e que as equações de conservação de
momento e conservação de energia nos levam a uma condição absurda. Seja m
e p0 a energia e o momento antes do processo, E1 e p1, a
energia e momento depois do processo e hν a energia do fóton. Supomos que
o elétron é emitido na direção e sentido do movimento do elétron.
70 Capítulo 4 — Mecânica relativística

• Conservação do momento:
p1 = p2 + hν
c . (a)

• Conservação da energia:
Substituindo E1 e E2
E1pelas
= E2 expressões
+ hn E12 =dadas
E22 + pela
h2n2 Equação
+ 2E2hn.4.6, obtemos:

(p21c2 + m2c4)1/2 = (p22c2 + m2c4)1/2 + hn. (b)


Substituindo na Equação (b) a expressão de p1 dada pela equação (a), com
alguma manipulação algébrica, obtemos:
m2c4 = 0,
que indica uma massa de repouso nula para o elétron, resultado inaceitável.
Deixamos a resposta da segunda parte deste exemplo para o leitor (se encon
trar dificuldade, procure uma sugestão estudando a nota 6 do Capítulo 7)

4.3 O EFEiTO COmpTOn


No estudo do espalhamento de raios X pela matéria,
n E,, Pe observa-se uma modalidade de espalhamento em que
tro o comprimento de onda da radiação espalhada é re
é
El
lacionado ao da radiação incidente e independe do
material do alvo. Arthur H. Compton, em 1922, pro
u
Fóton Elétron pôs que esse tipo de espalhamento resultava da coli
são dos fótons com elétrons livres (ou quase livres) do
hn,—hnc m w
F
alvo e calculou os resultados experimentais aplicando
—hn9 as leis de conservação da energia e do momento, em
óto hn9, c
n
sua forma relativística. Ele próprio realizou experiên
cias maravilhosamente precisas que confirmaram a te
Figura 4.5 oria e, por isso, o efeito recebeu seu nome.
Efeito Compton. O
fóton colide com Essa experiência é particularmente notável, porque o comprimento de onda da
elétron de massa radiação espalhada é medido pela observação da difração do feixe espalhado num
m, em repouso, cristal, utilizando, portanto, o conceito de onda, ao passo que a colisão é explicada
e é espalhado
na direção que em termos de partículas. A experiência expõe, assim, de maneira clara, a dualidade
forma um ângulo onda-partícula do fóton.
w com a direção de
incidência; o elétron Sem entrar em detalhes experimentais, a experiência pode ser descrita assim: um
recua na direção que feixe de raios X de comprimento de onda l, incide numa lâmina de grafite; o feixe
forma um ângulo espalhado é então observado em diferentes ângulos. São observados dois picos: um
u com a direção de
incidência. do mesmo comprimento de onda l do feixe incidente – não espalhado, portanto – e
outro de comprimento de onda l9 > l. De acordo com Compton, o segundo feixe
4.3 — O efeito Compton 71
resulta da colisão dos fótons com elétrons livres (ou quase livres) do alvo e seu com
primento de onda pode ser calculado como segue.
Suponha que um fóton de energia hn, que se move na direção x, colide com um
elétron livre, de massa m, em repouso (Figura 4.5). Depois da colisão, o fóton, de
energia hn9, desloca-se na direção que forma um ângulo w com a direção Ox e o elé
tron, com energia total Ee e momento Pe, recua na direção que forma um ângulo u
com Ox. Os momentos do fóton incidente e espalhado são, pela Equação 4.8, respec
tivamente,

c e h′ν
.
c
Pela lei de conservação de energia:
hn + mc2 = hn9 + Ee. (a)
As leis de conservação de momento podem ser escritas na direção de incidência
do fóton e na direção perpendicular:


c hc′ν cosϕ + Pe cosθ, (b)

hc′ν sen ϕ − Pe sen θ.


0= = (c)

Isolando nas Equações (b) e (c) os termos que contêm u, elevando ao quadrado e
somando membro a membro, eliminamos u e obtemos:
hc2
2ν2 − 2hc2
2ν′ν cosϕ + hc2
2′ν
= Pe2

ou
h2(n– n9)2 + 2h2nn92(1 – cosw) = Pe2c2.
Substituindo a expressão de Pec2, dessa equação e a de Ee, da Equação (a), na
Equação 4.7,
E2e = P2c2e + (m c2)2,
obtemos
2h(n – n9)mc2 = 2h2nn9(1 –cos w)
e, finalmente,
− ′ν c=′λ−λ=mch(1−cosϕ).
νν′ν (4.9)

Essa equação mostra que a variação do comprimento de onda Dl = l9 – l no efeito


Compton é independente do comprimento de onda da radiação incidente e depende
do ângulo de espalhamento. A variação máxima ocorre para cos w = –1, ou seja, para
o retro-espalhamento (incidência frontal do fóton com o elétron). Esses cálculos
estão de acordo com os resultados experimentais dentro da precisão das medidas e
constituem outra excelente comprovação da mecânica relativística.
72 Capítulo 4 — Mecânica relativística

4.4 pRODuçãO E AniquilAçãO DE pAREs


EléTROn-pósiTROn
O pósitron é a antipartícula do elétron – tem a mesma massa do elétron e carga elé
trica igual à do elétron em módulo, porém, positiva. Sua existência, prevista por Paul
A. M. Dirac (1930), foi comprovada por Carl D. Anderson (1932) em raios cósmi
cos num processo em que era produzido um par elétron-pósitron. A observação de
Anderson teve um papel importante na física porque constituiu uma verificação da
mecânica quântica relativística. O processo, desde então, tem sido observado com
facilidade na interação de fótons de alta energia (raios g) com a matéria.
Imaginemos inicialmente a possibilidade de produção de um par elétron-pósitron,
no vácuo, por um raio g de energia E = pc. É conveniente analisar o processo no refe
rencial do centro de massa (CM), que é definido como o referencial no qual o vetor
momento total do sistema considerado é nulo(2). Na formação de um par, é pre
ciso, para que haja conservação de energia, que a energia do g seja no mínimo 2mc2
(mc2 é a energia de repouso de cada uma das partículas do par).O raio g terá então
um momento no mínimo igual a p = E/c = 2 mc > 0. Porém, no referencial do CM, de
pois da formação do par, o momento do sistema deverá ser nulo. A lei de conservação
de momento não é, portanto, respeitada e o processo é impossível de se realizar.
Desse argumento, concluímos que a produção de par só pode se realizar na pre
sença de um terceiro corpo, usualmente um núcleo atômico, que recuará com o
momento necessário para que se cumpra a lei de conservação de momento. É claro,
então, que o núcleo, em repouso inicialmente, terá energia cinética depois da forma
ção do par e o limiar de energia (energia mínima para que o processo se realize)
está, portanto, acima da energia 2mc2, requerida para formar as massas de repouso
do elétron e do pósitron. Pode-se provar que o limiar de energia para um processo
que ocorre na vizinhança de um núcleo de massa M é
=2mc2⎛⎜⎝1+mM ⎞
EL ⎟⎠

(isso é demonstrado no Exemplo 5.1).

Problema 3 Um raio g de energia E produz um par elétron-pósitron na vizinhan


ça de um núcleo de massa M. Escreva as leis de conservação de energia e momen
to e mostre que podem ser obedecidas sem conflitos.
Sugestão: Ao escrever as leis de conservação de momento e energia, leve em con
ta o movimento de recuo do núcleo.

A aniquilação do par pósitron-elétron é o processo contrário ao de formação de


par. Um elétron e um pósitron perdem energia por processos múltiplos de interação
e, quando próximos um do outro, capturam-se e, movendo-se em torno de seu CM,
formam um “átomo”, denominado positrônio, cuja vida é muito curta (< 10–10 s).
O elétron e o pósitron se recombinam e, no processo, são emitidos dois fótons em
4.5 — Movimento de uma partícula em campo magnético 73
sentidos opostos, para garantir a conservação de momento. É óbvio que a emissão de
um único fóton violaria a lei de conservação de momento e a emissão de três fótons
ocorre, mas é rara. Para conservar a energia, a energia de cada fóton deve ser 0,511
Mev (correspondente à massa de um elétron ou pósitron), ou l = 0,024· 10–10 m, que
o coloca na faixa dos raios g. A emissão dos dois g simultâneos pode ser detectada e
constitui uma das melhores comprovações das equações de energia da TRE.

Problema 4 Considere o processo de aniquilação de par no referencial R* do CM


do elétron e do pósitron. Calcule, utilizando as leis de conservação de momento e
de energia, o comprimento de onda dos fótons emitidos em termos da massa m de
cada partícula do par.
Problema 5 O processo de aniquilação de par é observado num referencial R9
que se desloca na linha de emissão dos fótons, para a direita, com velocidade u em
relação ao referencial R* do CM do elétron e do pósitron. Qual é o comprimento de
onda dos fótons resultantes da aniquilação no referencial R9?
Sugestão: Escreva as equações de conservação de momento e energia no referen
cial R9 (lembre-se de trabalhar com as massas relativísticas do elétron e do pósi
tron); deduza dessas equações as expressões para os momentos dos fótons. Você
observará que os comprimentos de onda dos fótons sofrem um desvio Doppler em
relação ao comprimento de onda medido no referencial R. Essa é outra maneira
de deduzir a Equação 3.13 para o efeito Doppler relativístico.

4.5 mOvimEnTO DE umA pARTíCulA Em


CAmpO mAgnéTiCO
Uma situação que aparece com frequência em física nuclear está relacionada ao mo
vimento de partículas em campos magnéticos. Eles são utilizados em vários tipos de
acelerador de partículas e também em técnicas para identificá-las. Nesses casos, a
TRE é indispensável porque a velocidade das partículas é muito alta e a mecânica
clássica falha completamente. Vamos estudar o caso simples, apenas para exemplifi
car, do movimento de uma partícula de massa m, carga elétrica q e velocidade v em
um campo magnético constante B (Figura 4.5a). Atua sobre a partícula a força de
Lorentz:
F= dpdt=qv×B,

γm
dpdt = dt
d(γ mv)= dv (4.10)
dt.

Observe que F é perpendicular a v, por isso não realiza trabalho e a energia total da
partícula deve permanecer constante:
Et = gmc2 = constante g = constante.
74 Capítulo 4 — Mecânica relativística

Se v B, a trajetória da partícula é um círculo de


B v raio r num plano perpendicular a B. Se v não for per
q, m
pendicular a B, podemos decompor v em duas compo
B nentes, uma perpendicular a B, que gera uma trajetó
ria circular e a outra paralela a B, que desloca o círculo
ao longo de B; a trajetória resultante será então uma
q,m hélice (Figura 4.5b). Como a componente de v para
lela a B não é afetada, podemos considerar apenas o
movimento no plano:
(a) (b) dt = mγ ⎛⎜ v2 ⎞
qvB = mγ dv

⎝ r⎠
Figura 4.6
Trajetóriade
partícula demassa
uma onde v2/r é a aceleração centrípeta. Dessa expressão, obtemos
m, carga q e qBr = mgv = p. , (4.11)
velocidade v em um
campo magnético Observamos que, se v/c << 1,
>b;
b. a) componente
uma v b) v tem
−1/2
paralela a b.
⎛ v2 ⎞ 1 v2
γ ≅ ⎜ 1− 2 ⎟ ≅1+ +….1;
⎝ c ⎠ 2 c2

obtemos, então, o resultado clássico.


A equação acima pode ser utilizada para testar com precisão a teoria da relati
vidade. Partículas de massa e carga (m, q) conhecidas são lançadas em um campo
magnético B com velocidade determinada. A medida do raio de curvatura de sua
trajetória permite determinar g e verificar a relação g = (1 – b2)–1/2.

Problema 6 As energias de partículas a emitidas na desintegração de núcleos


radioativos podem ser determinadas por um método baseado no que foi discutido
acima. As partículas são lançadas numa câmara, perpendicularmente a um campo
magnético uniforme B, e são focalizadas num detetor depois de descreverem um
semicírculo. Conhecendo-se a relação q/m e a “deflexão magnética” B · r, pode-se
determinar a energia e a velocidade das partículas. Numa experiência desse tipo,
feita com partículas a emitidas por 21284Po, mediu-se B · r = 0,426930 T.m. Quais
são a velocidade e a energia cinética da partícula? Qual é o erro cometido fazendo
-se a aproximação clássica? (A relação q/m da partícula a é calculada sabendo-se
que ela é o núcleo de um átomo de He.)
Resposta: Ec = 8,762 MeV.

4.6 REAçõEs nuClEAREs E EsTAbiliDADE nuClEAR


Se as partículas de um sistema estão ligadas por forças atrativas, será necessário
fornecer uma quantidade de energia E, – a energia de ligação do sistema – para
separá-las.
4.6 — Reações nucleares e estabilidade nuclear 75
Vamos, como exemplo, calcular a energia de ligação de um núcleo de massa M,
formado por Z prótons e N nêutrons. Pelo princípio de conservação de energia, a
energia de ligação é a diferença entre a soma das massas das partículas separadas a
uma distância infinita e a massa do sistema ligado, multiplicada por c2:
E, = Dmc2 = (Zmp + Nmn – M)c2,
onde mp e mn são as massas do próton e do nêutron. Em geral, são tabeladas as mas
sas atômicas em vez de massas nucleares e adota-se como padrão para medir massas
atômicas a massa atômica do isótopo 12C, que é bem determinada. Define-se então a
unidade de massa atômica como

1 u = 121 (massa de 12C)=1,660 5402⋅10−27 kg=931,4812 MeV/c2.

Para escrever a expressão de E, em termos de massas atômicas, somamos e sub


traímos a massa de Z elétrons e agrupamos essa massa à massa dos prótons e à massa
do núcleo:
E, = [(Zmp+ Zme) + Nmn – (M + Zme)]c2 = (ZmH + Nmn – MA)c2,
sendo me a massa do elétron, mH a massa atômica do hidrogênio e MA a massa atômi
ca do elemento examinado – todos, valores tabelados.
De forma análoga, podemos calcular o rendimento energético de uma reação nu
clear. Suponha a reação
A + B  C + D + Q,
onde A e B são os núcleos iniciais, C e D os produtos da reação e Q a energia liberada
na reação. Pelo princípio de conservação de energia temos:
Q = [(MA + MB) – (MC + MD)]c2.

Exemplo 4.4
Qual é a energia liberada na reação em que um próton reage com um núcleo de
73Li para formar duas partículas a?

Solução
Como vimos antes, para utilizar as tabelas de massas atômicas, substituímos os
núcleos por átomos:
73Li + 11H  242He + Q,
Q = M(73Li) + M(11H) – 2M(42He) = (7,0160 + 1,0078 – 2 3 4,0026) u,
Q > 17,3 MeV.
Vemos que a massa de repouso não é conservada – o que se conserva é a soma
das massas e energia.
76 Capítulo 4 — Mecânica relativística

Problema 7 Uma reação típica de fissão nuclear que ocorre nos reatores nuclea
res é:
n + 235U  236U  141Ba + 92Kr + 3n + Q (calor desprendido).
Os nêutrons que produzem essa reação são térmicos e sua energia cinética ( 0,025
eV) pode ser ignorada na reação. Calcule Q (em MeV) e a massa transformada em
energia (em u). As massas atômicas dos elementos estão tabeladas em diversos
manuais e podem ser encontradas também na internet.
Resposta: Q > 173,3 MeV.

Como vimos na seção anterior, a massa de repouso do sistema de partículas li


gadas é menor do que a soma das massas das partículas separadas a uma distância
infinita, de uma quantidade

Am = E2i. (4.12)
c

O termo Dm (denominado defeito de massa) é a diferença entre a soma das mas


sas das partículas quando isoladas e a massa do sistema ligado:
Dm = Smi – M. (4.13)
Esse conceito, muito usado em física nuclear, serve como medida da estabilida
de nuclear. Para que um núcleo seja estável com respeito às partículas constituin
tes – prótons e neutrons –, é necessário que o defeito de massa seja positivo, isto é,
Smi > M. Nesse caso, a massa do núcleo não é suficiente para formar as massas das
partículas constituintes e o núcleo não pode desintegrar-se nelas.
É preciso, no entanto, examinar a possibilidade de desintegração do núcleo em
dois ou mais núcleos de massas menores, o que é, em princípio, possível quando os
números atômicos Z1 e Z2 e números de massa A1 e A2 dos núcleos produzidos na de
sintegração satisfazem as relações Z1 + Z2 = Z e A1 + A2 = A. Se o defeito de massa do
núcleo inicial for menor do que a soma dos defeitos de massa dos núcleos produtos,
isto é,
Dm < (Dm1 + Dm2),
o sistema resultante do processo de desintegração será mais estável do que o núcleo
inicial. Nesse caso, pode surgir, no interior do núcleo, uma configuração de partícu
las que leva o núcleo a desintegrar-se nesses núcleos menores com uma certa meia
-vida.
4.7 — O efeito Cherenkov 77

Exemplo 4.5
Examine a estabilidade dos núcleos 84Be e 94Be.

Solução
O defeito de massa de 84Be é
Dm =Smi – M = 4mp + 4mn – M(84Be) = (4 3 1,007286 + 4 3 1,00866 –
8,00531)u = 0,05847 u > 0.
Sendo M < Smi, o núcleo é estável em relação à desintegração nas partículas
constituintes.
Consideremos, no entanto, o decaimento de 8Be em dois núcleos de 42He (par
tículas a):
Dm = 2 M(42He) – M(84Be) = (2 3 4,00 260–8,00531)u = – 0,000 11u < 0.
tículas
Neste caso,
a, o que
M > Smi e o núcleo é instável em relação à desintegração em par
de fato se observa experimentalmente.
(o
O leitor
defeito
poderá
de massa
agoradomostrar
núcleo de
que9Be
o núcleo
é positivo
de 94eBe
m relação
é absolutamente
a suas partículas
estável
4
constituintes e também em relação a todos os núcleos possíveis em sua desin
tegração).

4.7 O EFEiTO ChEREnkOv


Vimos que a velocidade da luz é uma velocidade-limite que não pode ser ultrapassada
pela velocidade de nenhuma partícula. No entanto, essa afirmativa é válida apenas
para o vácuo, onde a velocidade da luz é c = 3,998 3 108 m·s–1. Num meio transpa
rente como a água, um plástico ou um material vítreo, a velocidade da luz é c/n < c e
uma partícula pode ter velocidade maior do que a velocidade da luz naquele meio.
Ocorre então um fenômeno interessante, observado em 1934, pela primeira vez, por
Cherenkov.
Existe um análogo na mecânica clássica que nos auxiliará na compreensão do
chamado efeito Cherenkov. Quando uma lancha se desloca, num lago tranquilo, com
velocidade v maior do que a velocidade u de propagação das ondas por ela criadas na
superfície do lago, a envoltória das ondas é observada como um ângulo cujo vértice
é a lancha. As duas retas que formam a envoltória são tangentes às ondas formadas
e se deslocam com velocidade u < v. Um avião supersônico, com velocidade v maior
do que a velocidade do som no ar us, produz um fenômeno análogo. As ondas criadas
no ar são envolvidas por um cone (agora estamos em três dimensões) cujo vértice é
o avião. A superfície do cone, que é a envoltória nesse caso, propaga-se com a veloci
dade do som no ar us < v. É essa envoltória que ouvimos como uma onda de choque,
quando um avião passa sobre nossas cabeças com velocidade supersônica; muitas
vezes se diz incorretamente que é devido à “quebra da barreira do som”.
78 Capítulo 4 — Mecânica relativística

Quando uma partícula, carregada eletricamente,


passa por um meio transparente com velocidade maior
c– do que a velocidade da luz naquele meio, v > c/n, um
n cone de luz é emitido, de forma semelhante ao cone de
som do avião supersônico, como mostra a Figura 4.7.
Um tratamento adequado por teoria eletromagnética
w v mostra que o comprimento de onda dessa radiação
está na região do azul e ela é, de fato, vista como um
brilho azulado quando há um feixe intenso de partícu
las. Ela pode ser vista facilmente em volta do caroço
de um reator nuclear tipo piscina, quando em funcio
vt namento.
c– t
n As propriedades da radiação de Cherenkov permi
tem que seja utilizada para medir a velocidade de par
Figura 4.7 tículas relativísticas. Se w é o ângulo entre feixe de partículas e a radiação emitida
Uma partícula com (Figura 4.7),
velocidade v maior
do que a velocidade ct/n c c
da luz c/n num meio cosϕ = = e v= .
de índice de refração vt nv ncosϕ
n produz a radiação
de Cherenkov
(envoltória das
frentes de ondas Problema 8 Um feixe de elétrons atravessa um material transparente de índice
esféricas). de refração n = 1,4. Observa-se a radiação de Cherenkov numa direção que forma
um ângulo de 39o com a direção do feixe. Calcule a energia cinética dos elétrons.

Resposta: 0,785 MeV.

Notas
(1) Esse artigo, que vale a pena ser lido, tem por título A inércia de um corpo depende de
seu conteúdo de energia? e foi publicado em: Einstein, Albert, Annalen der Physik,
18 (1905) p. 639-641. Existe tradução em português em: Stachel, John, O ano miracu
loso de Einstein, Rio de Janeiro: UFRJ (2001).

(2) Em muitos problemas de interação de partículas há uma considerável simplificação se o


referencial do centro de massa (CM) é utilizado. O referencial do CM, representado por
R*, é definido como aquele no qual o momento resultante do sistema é nulo.
Considere um sistema de partículas com momento P = Spi e energia E = SEi no refe
rencial R (a somatória se faz sobre as partículas, i = 1,…, N). Queremos determinar a
velocidade V* do CM no referencial R. Por simplicidade, suporemos que a velocidade
do CM está na direção Ox, depois generalizaremos. Utilizamos a TL (Equação 4.9) para
transformar o momento e a energia do referencial R para o referencial R*, no qual o mo
mento resultante é nulo (as grandezas no referencial do CM têm um sinal *):
Px∗=0= Px −V∗ cE
0= 0= −Vβ∗2
1− ∗
1−β∗2 2 , Py∗ = Py , Pz∗ = Pz , E∗ = E Px , (4.14)
Problemas 79
onde ß*2= (V*/c)2. Da primeira das equações acima, obtemos:

V ∗ = Pxc2.
E

Essa expressão, generalizada para o caso em que a velocidade do centro de massa tem
uma orientação geral, é:
N
V* 2
= Pc
E ou
∑N.
β∗ =i=1
p ic
(4.15)

∑ Ei
i=1

Problemas
4.1 Com que rapidez uma partícula deve se mover para que sua energia cinética
iguale sua energia de repouso?
4.2 Qual é o momento de uma partícula cuja massa relativística é quatro vezes a
massa de repouso?
Resposta: 3,87 mc.
4.3 Um múon (vida média τ = 2,2 μs e massa de repouso m = 105,7 MeV/c2) tem
energia cinética de 50 MeV no referencial do laboratório. Calcule a energia to
tal, o momento do múon e a distância percorrida no laboratório durante a vida
média.
Resposta: p = 114,3 MeV/c, l = 713 m.
4.4 a) Calcule a razão da massa relativística de um elétron para sua massa de re
pouso para as seguintes velocidades da partícula: ß = 0,1; 0,5; 0,9; 0,99; 0,999.
b) Calcule as energias cinéticas do elétron nas velocidades do item (a) em J e
em MeV. c) Resolva o item anterior para um próton e faça uma comparação com
as energias cinéticas do elétron.
4.5 Um acelerador fornece prótons com a energia cinética de 2,5 BeV. Ache a ve
MeV/c2). (ß), a massa relativística e a energia total desses prótons (mp = 938,2
locidade

Resposta: ß = 0,962.
4.6 Partículas de raios cósmicos podem atingir extraordinárias energias da ordem
de 1013MeV (calcule essa energia em joules). Qual é o tempo próprio que uma
partícula estável, com essa energia, leva para atravessar nossa galáxia, cujo
diâmetro mede cerca de 105 anos-luz?
4.7 Um próton cujo momento é 800 MeV/c colide com um próton em repouso. Qual
é a velocidade do CM do sistema?
Resposta: ß* = 0,368.
80 Capítulo 4 — Mecânica relativística

4.8 Mostre que a energia cinética de uma partícula pode ser escrita na forma
de
Ec = 12mvc22 + 83mvc24 +… Ache a que valores v/c a energia cinética relativísti

ca é igual a 1,01, 1,1, 2,0, 10 vezes a energia cinética não-relativística.


4.9 Demonstre que, para uma partícula de massa m, momentop e energia cinética
Ec, as seguintes equações são válidas:
p = (E2c + 2mc2Ec)1/2/c e Ec = [(mc2)2 + (pc)2]1/2 – mc2.
4.10 Um elétron e um pósitron com energias cinéticas desprezíveis se aniquilam e
formam dois raios g; um deles é espalhado por um elétron livre numa direção
que faz um ângulo de 60o com sua direção de incidência. a) Calcule a energia
do raio g espalhado em eV. b) O elétron, ao recuar, penetra num campo mag
nético de intensidade 0,10 T, perpendicular a sua velocidade; demonstre que a
trajetória é circular e calcule seu raio.
Resposta: a) 0,34 MeV; b) 1,5 cm.
4.11 Um feixe de raios X homogêneo de comprimento de onda de 0,00900 nm, in
cide num alvo de carbono. O feixe espalhado é observado a um ângulo de 54o
com a direção de incidência. Determine: a) O comprimento de onda dos raios
espalhados; b) O momento e a energia dos fótons incidentes e espalhados; c) A
energia e o momento do elétron de recuo e a direção em que se dá o recuo.
4.12 Um píon (méson p) é desacelerado até quase o repouso e se desintegra num
múon (méson m) e num neutrino (n). Calcule a energia cinética do múon. As
massas do píon, do múon e do neutrino são, respectivamente, 273me, 207me e
zero.
Resposta: 4,07 MeV.
4.13 Um neutrino incide num próton e gera um nêutron e um pósitron. Qual é o li
miar de energia do neutrino para que isso ocorra?
Resposta: 1,81 MeV.
4.14 Dois raios g, de frequências n1 e n2, movem-se na direção Ox do referencial R,
em sentidos opostos. Determine a velocidade de seu CM.
Resposta: b* = (n1 – n2)/(n1 + n2).
81

Formalismo no
espaço-tempo

Neste capítulo vamos reexaminar a teoria da relatividade especial (TRE) de um pon


to de vista em que as três dimensões do espaço e o tempo são considerados dimen
sões de um contínuo em quatro dimensões – o espaço-tempo. Para isso, vamos intro
duzir um novo formalismo, baseado em quadrivetores, que se mostrará muito útil.

5.1 vEtorEs
É bem conhecida a simplificação que se obtém no tratamento matemático das leis
da física com a introdução da representação vetorial. Essa simplificação resulta em
parte da concisão: três equações, correspondentes às projeções nos três eixos de
coordenadas, são substituídas por apenas uma equação vetorial. A principal vanta
gem, no entanto, é que a formulação de uma lei física em termos de vetores é inde
pendente da escolha do sistema de coordenadas. A homogeneidade e a isotropia do
espaço, que, como vimos no Capítulo 1, constituem fundamentos da física clássica,
são, dessa forma, incorporadas pelo formalismo vetorial.
Vamos tomar o deslocamento Dr = (Dx, Dy, Dz) que liga dois pontos no espaço
euclidiano como protótipo. Sob uma operação de translação do sistema de eixos de
coordenadas, as componentes de Dr permanecem as mesmas e, sob uma operação
de rotação, elas se transformam como as próprias coordenadas:
Dx9 = a11Dx + a12Dy + a13Dz,
Dy9 = a21Dx + a22Dy + a23Dz, (5.1)
Dz9 = a31Dx + a32Dy + a33Dz,
sendo os a funções dos ângulos que especificam a rotação. Por exemplo, para uma
rotação de um ângulo w em torno do eixo Oz a transformação é dada por:
Dx9 = Dxcos w + Dysen w,
Dy9 = Dy cos w – Dxsen w, (5.2)
Dz9 = Dz.
82 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

A Figura 5.1 representa a transformação do vetor


y
y! posição nesse caso.
Podemos agora definir assim o vetor no espaço eu
clidiano de três dimensões: Qualquer grandeza cujas
componentes v1, v2, v3 sofrem as mesmas transfor
P(x, y) mações que as componentes Δx, Δy, Δz do desloca
y (x!, y!) x! mento, sob as operações de translação e rotação do
sistema de coordenadas, é um vetor. É óbvia a re
y! r x! x presentação de um deslocamento por um segmento de
p reta, com sentido definido, que une seus pontos inicial
x e final, e é essa a razão por que podemos representar
o vetorpor uma flecha.
Figura 5.1
Transformação do
Se as componentes de dois vetores são iguais, uma a uma, em um sistema de
vetor posição r coordenadas, serão iguais em qualquer outro sistema, porque as trincas das novas
por uma rotação p componentes são as mesmas combinações das trincas antigas (Equações 5.1). Uma
em torno do eixo
z do sistema de relação como F = ma, em que F e a representam vetores e m é um escalar, indepen
coordenadas. de do sistema de coordenadas. Tecnicamente, podemos dizer que as equações veto
riais são formalmente invariantes sob translações e rotações em torno da origem do
sistema de coordenadas. O fato de uma equação física poder ser representada veto
rialmente garante sua validade sob translações e rotações do sistema de coordenadas
e é por isso que vetores são tão úteis no tratamento matemático das leis da física.

5.2 EvEntos E intErvalos


A transformação geral de Lorentz é o conjunto de
t operações formado pela translação, a rotação e a TL
definida pelas Equações 3.3. Vimos na seção anterior
que, se as equações da física clássica forem escritas
em forma vetorial, elas serão independentes do sis
Evento tema de coordenadas escolhido. Pretendemos procu
rar um formalismo no qual as equações da TRE sejam
formalmente invariantes sob a transformação geral de
Lorentz, da mesma forma que as equações da física
clássica eram independentes do sistema de coorde
x nadas quando escritas em forma vetorial. É claro que
nesse formalismo procurado, as equações da TRE po
Figura 5.2 derão ser escritas sem referência a um sistema de coordenadas específico.
Um evento no
espaço-tempo é Minkowski(1) introduziu, pouco depois da publicação da teoria da relatividade,
definido pelas a ideia de espaço-tempo, fundindo em uma só entidade o espaço e o tempo. Já em
quatro coordenadas
(x, y, z, t) e 1908, num importante congresso científico realizado em Colônia, na Alemanha, dizia
representado por ele: “As concepções de espaço e do tempo que desejo apresentar aos senhores bro
duas coordenadas taram do solo da física experimental e nisso reside sua força. De agora em diante,
apenas: uma
o espaço, por si mesmo, e o tempo, por si mesmo, estão destinados a desaparecer
espacial x e a
temporal t. como meras sombras e somente uma espécie de união dos dois sobreviverá como
realidade independente”(2).
5.2 — Eventos e intervalos 83
Vamos introduzir agora alguns conceitos básicos
dimensões.
para a formulação
É umada TRE no espaço-tempo
formulação mais abstratade
doquatro
que a t

que temos utilizado até agora, mas não matematica


mente difícil. t1 2
s12
Definimos como evento um fenômeno físico locali t2 1
zado no espaço e no tempo. Por simplicidade, vamos
nos referir ao evento pelas três coordenadas espaciais
do ponto onde ocorre e pelo instante de tempo em que
ocorre: (x, y, z, t). O mesmo evento é descrito em ou x
tro referencial pelas coordenadas (x!, y!, z!, t!). Para O x1 x2
visualizar um evento, utilizamos dois eixos apenas –
um deles para as três coordenadas espaciais (x, y, z), representadas por x, e o outro Figura 5.3
para a coordenada temporalt, como mostra a Figura 5.2. Intervalo s12 entre os
eventos 1 e 2.
O intervalo s12 entre dois eventos no referencial R é definido pela relação:
s122 = c2(t2 – t1)2–(x2–x1)2 – (y2 – y1)2 – (z2 – z1)2 = c2Δt2 – Δl2, (5.3)
representando cΔt a separação temporal e Δl a separação espacial dos dois eventos
(Figura 5.3). Observe que o fator c dá ao termo temporal (cΔt) a dimensão de com
primento. Em forma diferencial, essa relação pode ser escrita como:
ds2 = c2dt2 – dx2 – dy2 – dz2 = c2dt2 – dl2. (5.4)
Se fizermos uma analogia com o espaço de três dimensões e considerarmos o in
tervalo entre os eventos como a distância entre dois pontos no espaço de quatro di
mensões, observaremos que há termos negativos na expressão de ds2, o que significa
que o espaço não é estritamente euclidiano.
O intervalo entre a emissão de um pulso de luz na origem (0,0,0,0) do referencial
R e sua recepção no ponto (x, y, z, t) de R, é dado por
s2 = c2(t – 0)2 – (x –0)2 – (y – 0)2 – (z – 0)2 = c2t2 – (x2 + y2+ z2).
Mas a equação da frente de onda esférica do pulso de luz que parte da origem é:
x2 + y2 + z2 = c2t2 e c2t2 – (x2 + y2+ z2) = 0.
Então s2 = 0 e, portanto, s é uma grandeza escalar, independente, portanto, do
referencial inercial – s é um absoluto.
Dizemos que uma grandeza é um absoluto quando é um invariante de Lorentz;
uma grandeza escalar é sempre um invariante de Lorentz. Uma proposição mais ge
eventos
ral, que pode
quaisquer
ser demonstrada
é um absoluto,
facilmente
isto é, tem
pelooleitor,
mesmo é que
valor
o intervalo
quando calculado
s12 entre dois
por
qualquer observadorinercial. Isso nos permite dizer que o espaço-tempo é absoluto,
apesar de serem relativos o espaço e o tempo.

Problema 1 Mostre que o intervalo entre dois eventos é um invariante de


Lorentz.
Sugestão: Escreva a expressão de s212 no referencial R, faça uma TL para o refe
rencial R’ e mostre que uma equação formalmente idêntica é obtida.
84 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

5.3 ConE dE luz


Vamos mostrar agora como se pode visualizar no espaço-tempo o passado e o futuro.
O evento O (0, 0, 0, 0) do referencial R(x, y, z, t) é a origem do tempo e das coor
denadas espaciais. Queremos examinar as relações de todos os outros eventos do
referencial R com o evento O. Para fazer uma representação gráfica, tomaremos o
eixo de coordenadas t para representar o tempo e o eixo x para representar as três
coordenadas (x, y, z). O movimento retilíneo na direção x de uma partícula, que pas
sa pelo ponto x = 0 no instante t = 0, é representado por uma reta que passa por O,
inclinada em relação ao eixo t um ângulo p cuja tangente é a velocidade da partícula:
u = tg p. A equação dessa reta é x = ut. Analogamen
t Partícula te, o movimento de um pulso de luz que se propaga na
B p A direção x e passa por x = 0 no instante t = 0 é repre
Raio de luz sentado pela reta x = ct, que tem a inclinação c = tg α
α
em relação ao eixo t. Nenhuma reta que represente o
tgα = c movimento de uma partícula poderá ter inclinação em
O x relação ao eixo t maior do que a dessa reta, porque a
velocidade da luz é o limite superior das velocidades.
Na Figura 5.4, as retas DOA e COB representam
os movimentos de sinais luminosos que passam pelo
D C ponto x = O, no instante t = O, em sentidos opostos do
eixo x. O movimento de qualquer partícula que passa
Figura 5.4 Na representação do espaço-tempo (x, t), as
retas DOA e COB representam os movimentos de sinais pela origem é representado por uma reta dentro do
luminosos que passam pelo ponto x = 0, no instante ângulo BOA ou do ângulo DOC. Se quisermos repre
t = 0, na direção do eixo Ox, em sentidos opostos. O sentar o movimento de um pulso de luz enviado numa
movimento uniforme de qualquer partícula que passa
pela origem na direção Ox é representado por uma reta
direção qualquer do plano xy, bastará girar a figura
dentro dos ângulos AOB e DOC, porque sua velocidade plana 5.4 em torno do eixo t e obteremos o cone (Figu
é menor do que c. ra 5.5), que é o lugar das representações de todos os
raios de luz que partem da origem e estão situados no
plano xy. Esse cone é denominado cone de luz. Para o
t caso de um raio de luz enviado numa direção qualquer
do espaço, a situação se complica porque temos qua
tro variáveis a representar (x, y, z, t). A figura gerada
Futuro seria então um hipercone, que não pode ser represen
α tado graficamente (esse hipercone continua a receber,
no entanto, o nome de cone de luz).
tgα = c
x
Para trabalhar com o conceito de intervalo, é con
veniente substituir na representação gráfica a variá
velt por ct, que tem a dimensão de comprimento (Fi
y
gura 5.6). Considere agora no referencial R o evento
Passado
M, interior à folha superior do cone de luz do evento.
Um sinal luminoso, partindo de O, tem sua trajetória
na superfície do cone, representada pela reta x = ct,
Figura 5.5 Cone de luz: girando a Figura 5.4 em
torno do eixo t geramos um cone que é o lugar das
que é a bissetriz do quadrante xOct. O sinal chega ao
representações dos raios de luz que passam pela local de M, de coordenada xM, no instante ct1, antes
origem e estão situados no plano xy. da ocorrência do evento M, no instante ct2. É fácil ver
5.3 — Cone de luz 85
que, qualquer que de
seja a posição de M dentro da folha
o
luz
superior
evento do cone
que, partindo
Mocorra,deoO,
que
luz,
chega
significa
haverá
ao local
sempre
que de um
M éMum
antes
sinal de
evento
que ct

x = – ct x = ct

ct1 α M
futuro em relação a O. ct2

dado
O por
módulo
(Δs)2do= intervalo
(cΔt)2–(Δx)2
entre>os
0. eventos
Como o intervalo
MeOé x
O xM

Δs é um invariante de Lorentz, em qualquer outro re


ferencial inercial R!, (Δs!)2 > 0 e (cΔt!)2– (Δx!)2 > 0
ou (cΔt!)2> (Δx!)2. Concluímos que o fato de M ocor
rer depois de O é uma relação absoluta. Os eventos
na superfície da folha superior do cone e em seu in
de
evento
então
terior
referenciais
O. Ouma
serão
Oevento
erelação
constituem,
inerciais
considerados
O pode
causal
como
afetar
portanto,
entre
por
tendo
o observadores
evento
O ocorrido
oe M.
futuro de haver
MObserve
e pode
depois
absoluto
todos
que,
do Figura 5.6 Nova apresentação da Figura 5.4 pela
substituição de t por ct. O movimento do pulso de
do
quadrantes.
luzéagora
cone estárepresentadopelasbissetrizes(x=ct)dos
QualquereventoMinterioràfolhasuperior
no futuro de (0, 0).

nesse tipo de intervalo, (Δs)2> 0 e (cΔt)2> (Δx)2– a parte temporal do intervalo su


pera a parte espacial e dizemos que o intervalo é tipo-tempo. Não será possível achar
um referencial inercial em que os eventos O e M sejam simultâneos. Com raciocínio
análogo, podemos mostrar que a folha inferior do cone e sua parte interna é o lugar
de todos os eventos passados em relação ao evento O.

Problema 2 Mostre que, se o evento C é interior ao cone de luz do evento O, é


impossível achar um referencial inercial em que os dois eventos são simultâneos.

Se considerarmos um evento N fora do cone (Figura 5.7), teremos sempre


(cΔt)2 < (Δx)2; então um sinal luminoso partindo do
portanto,
o
evento
porque,
eventoOcomo
N,
Nhaver
não
não
antes
podedachegar
sabemos,
uma
pode ocorrência
relação
terasido do
velocidade
a causal
xN,
afetado
local
evento.
entre
da
pelo
emluz
eles,
que
Não
evento
é aocorre
isto
pode,
velo-
O,
é, ct Linha do
universo
x = – ct x = ct

ct2α
ct1 N
cidade-limite para todos os sinais na natureza. Sendo x
a relação (Δs)2 < 0 válida em todos referenciais iner- O xN
N
ciais,
é válida
essa para um observador
impossibilidade de relação
que esteja
causal
ementre
qualquer
Oe Aqui-agora

outro referencial inercial. Para esse tipo de intervalo,


em que (Δs)2 < 0 ou (cΔt)2 < (Δx)2, a parte espacial
supera aObserve
espaço. parte temporal
que nãoeexiste
o intervalo
um referencialinercial
é chamado tipo- Figura 5.7 O evento aqui-agora (0, 0) e as retas que
representam os movimentos dos pulsos de luz que
no qual os eventos O e N ocorram no mesmo local. chegam a ou partem de (0, 0). A linha do universo
representa a história do observador. O evento N,
externo ao cone de luz, não pode estar ligado causativo
ao evento (0, 0).
86 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Problema 3 Mostre que, se um evento (N, por exemplo) ocorre na parte externa
do cone de luz do evento O, é impossível achar um referencial inercial no qual ele
ocorra no mesmo local em que ocorre o evento O.

O cone de luz divide o espaço-tempo em três re


giões. O vértice O do cone representa o evento que
ocorre aqui-agora. O passado – folha inferior do cone
e sua parte interna – consiste em todos os eventos que
poderiam ter efeito sobre o evento O. O futuro – fo
lha superior e sua parte interna – consiste em todos
Futuro
pontos que podem ser afetadas pelo evento O. Todos
os eventos externos ao cone não podem ser afetados
Aqui-agora
nem afetar o que fazemos aqui-agora, isto é, não pode
haver relação causal entre o evento que ocorre aqui
-agora e eles.
Sentido
do tempo Uma linha que passa pelo evento aqui-agora e é in
Passado
terna ao cone representa a história do observador e é
denominada linha do universo. Nessa linha, o evento
aqui-agora separa o passado do futuro Em cada ponto
História do observador dessa linha podemos desenhar o cone de luz daquele
instante e posição, como mostra a Figura 5.8.

Figura 5.8
Em cada ponto
(evento) da história
5.4 o modElo do big bang E o ConE dE
do observador, luz
pode-se desenhar
o cone de luz Nossa galáxia, a Via Láctea, contém cerca de 1011 estrelas, que são a quase totali
daquele evento,
determinando assim
dade dos objetos vistos no céu à noite. Existem fora da Via Láctea, na região atingi
o que é futuro e da por nossos instrumentos que tem um raio aproximado de 109 anos luz, cerca de
o que é passado 1011 galáxias, que se afastam mutuamente umas das outras. Quando um astrônomo
daquele evento. observa galáxias distantes, ele está, na verdade, observando-as como eram no pas
sado, porque a luz proveniente delas levou um certo tempo para chegar até ele. No
cone de luz, ele estará observando uma seção reta na folha inferior do cone (Figura
5.9). Uma seção reta mais distante do vértice representará o universo na época da
formação das galáxias e, à medida que o astrônomo observar regiões mais remotas,
estará observando de fato seções do cone que correspondem ao universo em tempos
anteriores à formação das galáxias.
De acordo com o modelo padrão do big bang(3), o universo originou-se, há cerca
de 12 a 15 bilhões de anos, de um estado extraordinariamente denso e quente e, des
de então, de acordo com a teoria da relatividade geral (TRG), expande-se e resfria.
Existem evidências fortes a favor desse modelo: a recessão das galáxias e a radiação
de fundo, remanescente do estado inicial (veja a Seção 3.6). A conjetura de uma ex
plosão inicial – para a qual não há evidências firmes – não é necessária ao modelo do
big bang, que procura descrever apenas como o universo evolui e não sua origem.
5.5 — Quadrivetores 87
Se, de nossa posição atual, construímos o cone de
Observador olhando o passado
luz, uma determinada seção dele, no passado, mostra
rá a radiação de fundo remanescente do estado inicial.
Quando observamos regiões cada vez mais remotas do
universo, a seção reta observada do cone, que repre
senta o universo num certo instante de tempo, deverá Galáxias em passado recente
diminuir e tender para zero – tender para uma singu
laridade. O que faz que isso ocorra é a alta densidade
de matéria e radiação, que encurva os raios de luz que Galáxias há 5 bilhões de anos
formam a superfície do cone (veja o Capítulo 7) e os
faz convergir na singularidade, como mostra a Figura
Radiação de fundo
5.9. O estado inicial marca o início do espaço e do tem
po e não há sentido em falar em espaço e tempo antes encurva
Alta os raiosde
densidade dematéria
luz
dele. Nessa singularidade, que seria o protouniverso, a
TRG não tem validade. Há, porém, esperança de que
seja criada uma teoria quântica da gravitação, que
unificará a mecânica quântica e a TRG e evitará as sin Singularidade do big bang
gularidades previstas por esta última.
Figura 5.9
Quando observamos
5.5 QuadrivEtorEs o passado do
universo, a folha
Vamos introduzir agora o conceito de quadrivetor, que permitirá criar o formalismo do passado do
para o espaço-tempo. Inicialmente faremos a substituição da variável ct pela variável cone de luz deve se
encurvar no passado
imaginária t = ict, onde i = !–1. Não procure dar um significado físico ao fato de ser remoto, por causa
a variável correspondente ao tempo um número imaginário – trata-se apenas de for da alta densidade
malismo matemático. O vetor posição, que liga o evento (0,0,0,0) ao evento (x, y, de matéria e de
radiação, para fechar
z, t), será representado por suas quatro componentes em um ponto que é
ra (a = 1, 2, 3, 4). a singularidade que
gerou o universo.
Utilizaremos uma letra grega como subíndice para indicar uma variação de 1 a 4 e
evitar confusão com os vetores que terão subíndice latino, com variação de 1 a 3.
O quadrado do módulo do quadrivetor é:
S41ra2 = x2 + y2 + z2 + t2. (5.5)
Para evitar o uso frequente do símbolo de somatório no formalismo, introduzi
remos a convenção de que um subíndice repetido indica um somatório sobre ele (o
subíndice, nesse caso, é denominado índice mudo):
S41ra2 = rara. (5.6)
Se o leitor tiver dificuldade em entender as fórmulas escritas com esse formalismo
mais compacto, basta, toda vez que houver subíndice repetido, introduzir o símbolo
somatório que soma sobre esse subíndice. Uma expressão com subíndice elevada ao
quadrado deve ser interpretada como contendo um subíndice repetido e subenten
de, portanto, o símbolo somatório:
xa2 = xaxa =Saxa2.
88 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Podemos, então, escrever

r = rar, = xºr gº - eº + Tº = xºr yº + 2" — cºtº. (57)


A transformação de Lorentz (TL) é uma transformação linear das coordenadas (x,
y, e, t) de um evento, de um referencial inercial para outro (Equações 3.3). Podemos
agora escrevê-la de uma maneira COmpaCta e elegante usando linguagem matricial:

ri y 0 0 if y ) | 'i
74 0 1 0 0 || rº
n{ =
0 0 1 0 || ra Ou (r.)= A(r,
(r)= A(r, )), 5.8
(5.8)

r{ —iBy 0 0 Y JUr,
Onde B = u/c, A é uma matriz 4 X 4 e (rº) e (ro) são matrizes coluna.
A matriz de transformação A é particularmente simples nesse caso, porque a TL
relaciona dois referenciais que estão em movimentO relativo uniforme ao longo dO
eixo x; as direções y e e permanecem, então, inalteradas. No caso de movimento
relativo numa direção geral, a matriz será mais complicada. Pelas regras de multipli
cação matricial, Vemos que

• • • — ?ll
r = yr + iByr, ou "="… py(c)==="…
1-", C

em concordância com as Equações 3.3.

Problema 3 Deduza, utilizando a Equação 5.8, as equações de transformação das


coordenadas y, z e t.

Para obter a TL inversa, isto é, a transformação que nos leva do referencial R"
para o referencial R, basta substituir u por —u na matriz A da Equação 5.8 e obtere
mos a matriz transposta A. A transformação inversa é, então,

Yi y 0 0 —iBy)["{
72 0 1 0 0 rá OUl
/**

r )= A(r"). 5.9
73 =
0 0 1 () n{ (",) (r.) (5.9)

71 *Éy 0 0 Y r{

Definiremos agora como quadrivetor qualquer conjunto de quatro grandezas


que se transformam sob uma TL, como as componentes do quadrivetor posição,
isto é, de acordo com a equação matricial 5.8. Representaremos um quadrivetor pelo
Símbolo da componente colocada entre parênteses, (ao), para indicar uma matriz
Coluna de quatro COmpOnentes.
5.6 — Quadrivetor velocidade 89
Portanto, sob uma TL, as quatro componentes do quadrivetor (aα) se transfor
mam como:
′a1 = a1 1− β24 , ′a2 = a2, ′a3 = a3, ′a4 = a41−
+ iβa − iβa1
. (5.10)
β2

Quadrivetores têm propriedades muito semelhantes às dos vetores. Assim, pode


mos introduzir a ideia de produto escalar como
(aα) (bα) = aαbα = a1 b1 + a2 b2 + a3 b3 + a4 b4 = a · b + a4 b4, (5.11)
em que a e b são vetores comuns no espaço de três dimensões. Não definiremos ou
tras operações vetoriais porque não serão utilizadas neste texto.

Problema 4 Mostre que se (aα) é um quadrivetor e se transforma, portanto, de


acordo com a Equação 5.8, aαaα é um invariante de Lorentz.

O quadrado do módulo de um quadrivetor, aαaα, não é necessariamente positivo,


como ocorre no caso do espaço tridimensional. Da mesma forma que fizemos com os
intervalos, podemos dividir os quadrivetores em tipo-espaço e tipo-tempo. Se aαaα >
0, a parte espacial (correspondente às três primeiras componentes) é maior do que
a temporal e (aα) é denominado quadrivetor tipo-espaço; se aαaα < 0, (aα) é um
quadrivetor tipo-tempo.
Vamos ver como são definidos alguns quadrivetores importantes na TRE.

5.6 QUADRIVETOR VELOCIDADE


Vimos, ao estudar a mecânica relativística, que, para manter válido o princípio de
conservação do momento, era necessário substituir o tempo t do referencial do ob
servador pelo tempo próprio t0 da partícula (veja a Seção 4.1). Faremos o mesmo
aqui para definir o quadrivetor velocidade:

(uα) = dr
dtα0 = drα
dt dt0
dt =γ dr
dtα γ ⎛ dx
= ⎜

dt, dy
dt, dz
dt, dτ
dt ⎞
⎟⎠=γ(v,ic), (5.12)

onde fizemos uso da equação


dx
dt = dt
d (ict)= ic.

Pode-se mostrar facilmente que uαuα é um invariante de Lorentz:

uαuα =(γ 2vx2 +γ 2vy2 +γ 2vz2)−γ 2c2 = γ 2 (v − c )= v2−c2


2 2 1−vc2
2=−c2 . (5.13)
90 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Essa invariância sugere que os ua (a = 1…4) constituem um quadrivetor; o lei


tor poderá confirmar isso demonstrando que, numa mudança de referencial, eles se
transformam de acordo com a Equação 5.8.
Na Equação 5.12, v é a velocidade da partícula no espaço (x, y, z), enquanto a
rapidez dela no espaço-tempo é dada pelo módulo do quadrivetor ua.
uα uα = −c2= c,

Obtemos assim o notável resultado que todos os objetos do universo movem-se no


espaço-tempo sempre com a rapidez da luz!
A relação do tempo próprio de um relógio com o tempo do relógio do observador
é dada pela Equação 3.5: dt = γ dt0. Dessa equação, com pequeno desenvolvimento
algébrico, obtemos:

⎜⎟ 2
c ⎛⎝dt0⎞dt⎠
dor – dada por (dt0 2 +v2 = c2.
(5.14)
Essa equação mostra que, se a rapidez v de um objeto no espaço (x, y, z) aumen
ta, a rapidez da passagem do tempo em seu relógio, em relação ao relógio do observa
/dt) – deve diminuir; à medida que a rapidez v do objeto se apro
xima da rapidez da luz, seu relógio torna-se cada vez mais lento, até parar. Em outras
palavras, o tempo não passa para um objeto que se desloca no espaço ordinário com
a rapidez da luz. Um fóton que tenha surgido nos instantes iniciais da expansão do
universo, há cerca de doze bilhões de anos, não envelheceu nem um segundo.

Problema 5 Demonstre que os ua definidos pela Equaçõe 5.12 se transformam


numa mudança de referencial inercial de acordo com a Equação 5.8.

5.7 QuadrivEtor momEnto


Como as componentes ua foram definidas utilizando o tempo próprio, podemos ago
ra definir as componentes do quadrivetor momento como o produto da massa de
repouso m por ua:
(pa) = m (ua) = (gmvx, gmvy, gmvz, icgm). (5.15)
Sendo m um escalar invariante e (ua) um quadrivetor, (pa) será um quadrivetor.
Como sabemos, o quadrado do módulo de um quadrivetor deve ser um invariante
de Lorentz, nesse caso dado por:
papa = m2uaua =– m2c2, (5.16)
tendo em vista a Equação 5.13.
Já vimos que (Equação 4.7):
E2 = p2c2 + m2c4.
5.7 — Quadrivetor momento 91
ou
p2−Ec22=−m2c2 e p12+p22+p32−Ec22=−m2c2=pαpα.

Então,
(pα)=
⎛ p1,p2,p3,iEc ⎞ = ⎛ p,iEc ⎞
. (5.17)
Portanto, o quadrivetor (pa ⎝⎜ ⎠⎟ ⎝⎜ ⎠⎟

) é formado pelas três componentes do vetor momen


to e pela grandeza escalar energia exceto pelo fator constante i/c. Ele engloba os
conceitos de energia e momento e é, por isso, denominado também quadrivetor
momento-energia.
Na passagem de um referencial inercial para outro, as componentes do quadrive
tor momento-energia se transformam de acordo com a Equação 5.8:
E
px − u ′E = E − up
′px = c2 ′py = py, ′pz
= pz, 2x . (5.18)
2
u u
c
1− 2
1− 2
c ,

Vemos que as componentes da energia e do momento se misturam. Nem o mo


mento, nem a energia são separadamente grandezas invariantes na TRE, mas, como
vimos acima, o quadrado do módulo do quadrivetor momento-energia, papa, sim.
Quando introduzimos o conceito de momento relativístico na Seção 4.1, procura
mos uma grandeza que se conservasse num processo dinâmico que ocorresse num
sistema isolado e que tendesse para a expressão clássica de momento para velocida
des pequenas das partículas. Pela análise do choque de esferas ideais em dois refe
renciais inerciais chegamos à definição do vetor momento como
m
p= 2v= γmv, (5.19)
v
1−
c2

onde m era a massa de repouso da partícula e v sua velocidade; gm tem a mesma


dimensão de m, porque g é um escalar. Se compararmos a expressão de momento,
escrita acima, com a expressão clássica p = mv, veremos que surge um novo concei
to, a “massa” M = gm, que depende da velocidade da partícula. É claro que esse novo
conceito, que denominamos massa relativística, não implica propriedade nova da
matéria e surgiu apenas da tentativa de fazer a expressão de momento relativístico
ter o mesmo formato que a de momento clássico (p = m v).
No formalismo de quadrivetores que estudamos neste capítulo, o momento rela
tivístico foi introduzido na Equação 5.15 como o produto do invariante massa de
repouso pelo quadrivetor velocidade (cujo módulo é invariante). As três compo
nentes espaciais desse produto constituem o momento comum p e a componente
92 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

temporal é a energia total, exceto pelo fator i/c. Essa definição, além de mais simples,
porque envolve a massa de repouso, que é uma característica inerente da partícula,
está mais de acordo com a filosofia da TRE, por implicar grandezas invariantes sob
a TL. Repare que a energia total E não é uma grandeza escalar, mas, sim, a quarta
componente de um quadrivetor, e não é, portanto, um invariante de Lorentz. O mes
mo podemos afirmar a respeito da massa relativística M(v), que lhe é proporcional
pela relação de Einstein E = M(v)c2. Por isso, parece-nos mais conveniente guardar
o nome massa para o conceito de massa de repouso, que é uma propriedade ine
rente e invariante da partícula e referir-nos explicitamente à massa relativística
quando quisermos utilizar o conceito M(v) = gm, quarta componente do quadrivetor
momento (exceto pelo fator invariante c2), que não é invariante de Lorentz.

5.8 a lEi dE ConsErvação dE momEnto


-EnErgia E dECaimEnto nuClEar
Sabemos pela Equação 5.16 que papa é um invariante sob a TL:
−m pa =–
pa2c2 = p2m2c2.
−E
Mas, pela Equação 5.17,
2
,
c2
ou
–m2c4 = p2c2 – E2 = I, (5.20)
onde introduzimos o símbolo I para representar o invariante do quadrivetor momen
to-energia ou, simplesmente, invariante momento-energia. A esse invariante cor
responde uma lei de conservação – lei de conservação de momento-energia – ve
rificada experimentalmente em numerosas reações nucleares. Ela impõe restrições
nas interações possíveis entre corpos e constitui, juntamente com a lei de conserva
ção de massa-energia, o par de leis fundamentais para o estudo das reações nuclea
res, como veremos em variados exemplos neste capítulo.
Vamos analisar, como exemplo, o decaimento espontâneo – isto é, resultante da
dinâmica interna do núcleo, sem a presença de agentes externos – de um núcleo em
duas partículas. Considere um núcleo de massa M que decai em duas partículas de
massas m1
sistema (veja
e ma2nota
. Analisaremos
2 do Capítulo
esse4).
processo
R* é o referencial
no referencial
do núcleo
do centro domassa
antesde decaimen
R* do

to e o momento do sistema nesse referencial é P = 0. O invariante momento-energia


do sistema é:
I = P2c2 – E2 = – M2c4.
Depois do decaimento, as duas partículas de massas m1 e m2 têm energias E1 e
E2 e momentos p1 e p2. O momento total depois do decaimento, no referencial do
centro de massa, é (por definição de centro de massa)
p1 + p2 = 0,
5.8 — A lei de conservação de momento-energia e decaimento nuclear 93
e o invariante Itoma a forma:
I = (p1 + p2)2c2 – (E1 + E2)2 = – M2c4,
ou
E1 + E2 = Mc2.
As energias podem ser escritas na forma:
E1 = m1c2 + Ecin 1,
E2 = m2c2 + Ecin2.
Então
Mc2= (m1 + m2)c2 + Ecin 1 + Ecin 2.
Como as partículas formadas têm energia cinética maior do que zero, obtemos a
condição:
M > m1 + m2.
Portanto, o decaimento espontâneo só é possível se a massa do núcleo que se de
sintegra é maior do que a soma das massas das partículas resultantes do processo.
É óbvio então que, para que um núcleo de desintegre em partículas cuja soma das
massas seja maior do que a massa do núcleo original, é necessário fornecer energia
externa.

Problema 6 No decaimento discutido anteriormente, calcule as energias das par


tículas resultantes em termos das massas do núcleo e das partículas.
(M2 − m2M+ m12)c2
22
(M2 − m 12 + m22)c2
Resposta: E1 = , E2 = .
2M

Exemplo 5.1
Vamos estudar um outro exemplo de aplicação do invariante momento-ener
gia no fenômeno de produção de par elétron-pósitron (veja a Seção 4. 3). Um
g produz um par elétron-pósitron na vizinhança de um núcleo de massa M.
Calcule o limiar de energia (energia mínima) do g para que o processo possa
ocorrer.

Solução
Como o núcleo tomará uma parte da energia do g, o limiar de energia deste
deverá ser maior do que 2mc2, que é a energia utilizada na formação do par
elétron-pósitron.
Invariante momento-energia, antes da reação, no referencial do núcleo (labo
ratório):
94 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

I = ⎛ EcL ⎞ −(EL + Mc2)2 , porque P(antes) = EL


⎜⎝ ⎟⎠ 2 c 2 . (a)
c

Escreveremos o invariante momento-energia depois da reação no referencial


do CM. Como I é um invariante, podemos escolher qualquer referencial, mas o
do CM é mais conveniente, porque nele o momento total P * será nulo:
I = – P*2c2 – (Mc2 + 2mc2)2 = – (Mc2 + 2mc2)2. (b)
Então, de (a) e (b) obtemos:
EL 2⎛⎝1+mM⎞⎠.
=2mc⎜⎟

5.9 QuadrivEtor Força


O quadrivetor força – denominado força de Minkowski –, apropriado para o trata
mento relativístico de processos dinâmicos, é obtido pela derivação do quadrivetor
momento em relação ao tempo próprio da partícula:

Fα = dp
dt0α = d(m0 dx
dt0αdt0)
. (5.21)

Essas equações são invariantes em relação à TL, porque os dois membros envol
vem quadrivetores e o escalar massa de repouso, que são invariantes sob a TL.
Vamos mostrar que as componentes espaciais desse quadrivetor, a baixas veloci
dades, reduzem-se às componentes da força da mecânica clássica e que as Equações
5.21 podem ser consideradas como a forma relativística da segunda lei de Newton.
Consideremos a componente x, lembrando que dt0 = dt!1–v2/c2:

=dp
dt0x = d
mvx
Fx v2 v2 ,
1 dt
1− 1−
c2 c2
ou
dt
d mvx v2
v2 =Fx1−c2. (5.22)
1−
c2

O primeiro membro dessa equação é a derivada do momento em relação ao tempo


e podemos, então, identificar o segundo membro com a força comum fx:
fx =Fx1−v2c2. (5.23)
5.10 — Interpretação geométrica da transformação de Lorentz 95
Para v << c a Equação 5.22 se transforma na segunda lei de Newton:
dpx
= fx.
dt

Relações análogas podem ser escritas para as outras duas componentes. É preciso
cuidado ao utilizar esse conceito, porque a força comum, de componentes fi (i = x,
y, z), não é um invariante de Lorentz e as equações escritas com ela não satisfazem,
portanto, formalmente, os postulados da TRE.

Problema 7 Ache as equações de transformação da força de Minkowski entre os


referenciais inerciais R e R! na configuração padrão.

5.10 intErprEtação gEométriCa da


transFormação dE lorEntz
Vimos que, sob uma rotação em torno da origem de um sistema de coordenadas, as
componentes de um vetor sofrem transformação linear idêntica à das coordenadas,
dada pelas Equações 5.1. Que o módulo do vetor a é um invariante sob a rotação
é consequência da invariância da métrica euclidiana do espaço: Δx2 + Δy2 + Δz2 =
invariante.
Vimos também que a TL é uma transformação linear
das
o quadrado
quatro coordenadas
do intervalo,(x,
ds2.y,Ora,
z, τ)oque
intervalo
deixa invariante
nada mais τ
τ!

é do que a distância entre dois pontos (eventos) no es


paço-tempo, então, parece natural interpretar geome
tricamente a TL como uma rotação no espaço-tempo.
Vamos mostrar que isso pode, de fato, ser feito.
x!
Consideremos dois referenciais inerciais R e R9 na
configuração padrão: os eixos x e x! têm a mesma di
reção, R9 se desloca em relação a R com velocidade p
uniforme u na direção x e as origens de R e R! coinci- x
O
dem no instante t = t! = 0. A transformação de R para
R!, em nossa interpretação geométrica, deve corresponder a uma rotação no plano Figura
ATL do 5.10
referencial
(x, τ), porque as coordenadas y e z devem permanecer invariáveis. Se o ângulo
de rotação é p, as coordenadas transformadas são dadas em relação às iniciais por R para o referencial
R! (que se desloca
(Equações 5.2): na direção x
x! = x cos p + τ sen p, com velocidade
(5.24)
τ! = τ cos p – x sen p. u em relação a
R) corresponde
Para eventos no eixo τ!, isto é, para x! = 0, à rotação de um
ângulo p, dado por
x cos p = – τ sen p, tg pτ).= i –uc, no plano
(x,
tg ϕ = − τx ict=−=
x iu
c. (5.25)
96 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Vemos, portanto, que o ângulo de rotação w do referencial R9 em relação a R no


espaço-tempo depende da velocidade relativa deles. Dessa expressão, podemos de
terminar cos w e sen w em função de u/c:
cosϕ= u
−i
2 e sen ϕ = cosϕ tg ϕ = c .
1+
1tg2ϕ =1
1−u
c2 1−u2
c2

Substituindo essas expressões nas Equações 5.24 e passando da variável t para a


variável t obtemos as equações da TL:
′x = γ(x − ut),
′t=γ⎛⎜⎝t−cu2x⎞⎟⎠
.

Portanto, como pretendíamos mostrar, a TL entre dois referenciais inerciais R e


R9, que têm velocidade relativa u, corresponde a uma rotação no plano xt do espaço
-tempo de um ângulo w tal que tg w = i(u/c).
A adição relativística de velocidades pode ser facilmente representada no espa
ço xt. Suponha um referencial R0 que se desloca com velocidade u2 em relação ao
referencial R9, que, por sua vez, desloca-se com velocidade u1 em relação a R. A ve
locidade u = u1 + u2 do referencial R0 em relação a R corresponderá a duas rotações
sucessivas, w1 e w2, do referencial R. A rotação total w será dada por:

tgϕ + tgϕ2
t
tg ϕ=tg (ϕ1 +ϕ2 )= 1− tgϕ
1 1tgϕ2
. (5.26)

Substituindo os valores de tg w, tg w1 e tg w2 dados


t9 t9B pela Equação 5.25, obteremos imediatamente a lei de
Dt Dt 9 adição de velocidades (Equações 3.9).
x9
É preciso ter cuidado na interpretação geométrica
t 9A
da TL. Não é óbvia a passagem do formalismo matemá
x0 tico para a representação gráfica, por causa do caráter
imaginário do ângulo de rotação. Vamos examinar um
exemplo. Consideremos um relógio em repouso num
ponto x9 do referencial R9. O intervalo entre dois even
x
O tosA e B, que ocorrem no ponto x9, nos instantes tA9 e
R
tB9medirá
é Dw9 (Figura
um intervalo
5.11).Dt
Umque,
observador no referencial
como vemos
Figura 5.11 A figura mostra o intervalo entre dois
eventos A e B no referencial R menor do que o mesmo na figura,
intervalo no referencial R9. Porém, isso não deveria é menor do que Dt9. No entanto, sabemos que o tempo
ocorrer, porque o tempo medido em R9 é um tempo
próprio Dt9 deve ser menor do que o tempo medido
próprio (medido no mesmo relógio) que, como já
vimos, é menor do que o tempo medido em qualquer em qualquer outro referencial. Esse defeito da repre
outro referencial. O defeito da representação gráfica sentação gráfica resulta da impossibilidade de repre
resulta da impossibilidade de se representar o ângulo sentar o ângulo imaginário w.
imaginário w.
Notas 97
Essa representação geométrica da TL mostra a simetria dos referenciais R e R!,
apesar da aparente assimetria da dilatação do tempo (ou da contração do compri
mento): não pode haver diferença entre girar R para obter R! e girar R! para obter R,
ou seja, tanto faz tomar R ou R! como o referencial próprio para o tempo (ou para
o comprimento). Veja as Seções 2.4 e 2.5, especialmente a Figura 2.8.

Problema 8 Considere uma barra de comprimento lo em repouso num referencial


R!, que se desloca com velocidade u, ao longo de seu comprimento, em relação ao
referencial R. Represente graficamente no plano xτ a medida dessa barra, tomada
por um observador situado no referencial R e comente o resultado.

Notas
(1) Hermann Minkowski (1864-1909) foi professor de Einstein em Zurique, na Suiça. Mate
mático brilhante e excelente professor, infelizmente morreu precocemente, aos 45 anos,
apenas um ano depois da notável conferência citada no texto. Ele já era professor em
Göttingen, na Alemanha, quando estudou o artigo de seu ex-aluno e passou a desenvol
ver um novo formalismo para a teoria. Os resultados de seu trabalho foram apresenta
dos na Conferência de Colônia de 1908 (semitécnica) e num artigo publicado na mesma
época. Nessa conferência, Minkowski anunciou a invenção do espaço-tempo, de quatro
dimensões, que é absoluto, para substituir o espaço e o tempo da mecânica de Einstein,
que são relativos. No artigo, foram introduzidos os conceitos de cone de luz, intervalo
tipo-tempo, intervalo tipo-espaço e linha do universo, que utilizamos neste capítulo.
Einstein, de início, julgou que o tratamento matemático de Minkowski obscurecia as
ideias físicas da TRE e, só mais tarde, em 1912, quando começou a trabalhar na teoria ge
ral, percebendo a enorme simplificação obtida com esse formalismo, passou a utilizá-lo.
Na TRG, a gravidade é produzida pela curvatura da textura do espaço-tempo absoluto
de quatro dimensões e singularidades, ondas gravitacionais, buracos negros são dobras
diferentes dessa textura (Capítulo 7). Infelizmente, a morte prematura de Minkowski
não permitiu que visse nenhum desses desdobramentos de seu belo formalismo.

(2) Lorentz, H. A., Einstein A., Minkowski H., O princípio da relatividade. Lisboa, Funda
ção Calouste Gulbenkian, 4.a edição (s. data).

(3) Foi o padre e astrofísico belga Georges Lemaître (1894-1966) quem formulou, em 1927,
a conjetura de um universo em permanente expansão, surgido da explosão gigantesca de
um átomo primordial. Lemaître sabia que apresentava uma hipótese e não uma teoria,
mas essa conjetura adquiriria, nos anos seguintes, muitas comprovações, que a transfor
maram em teoria – ou em muitas teorias, para sermos mais exatos. O matemático russo
Aleksandr Friedmann (1888-1925) já havia demonstrado anteriormente que uma solução
possível das equações da TRG de Einstein correspondia a um universo em expansão. Do
ponto de vista observacional, Hubble mostrou, nos anos seguintes ao da conjetura de Le
maître, que o universo estava em expansão (veja Seção 3.6) – uniam-se assim astrônomos
e cosmologistas em torno do mesmo modelo do universo. A conjetura de um universo em
expansão, gerado pela explosão de um caroço, constituiu uma revolução na cosmologia –
até então presa à ideia de um cosmo estacionário – e não foi bem recebida.
98 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo

Em 1945, com os novos conhecimentos de física nuclear, George Gamow (1904-1968)


aperfeiçoou o modelo de Lemaître. Imaginou um núcleo de altíssima densidade formado
por nêutrons, prótons, elétrons e radiação. Especulou que a temperatura inicial, depois
da explosão, teria sido superior a 1 bilhão de kelvins e que, com a rápida expansão do
universo essa temperatura começou a decrescer e átomos começaram a se formar. Mos
trou também que haveria uma radiação cósmica de fundo, que sobreviveria até hoje no
universo e fez um cálculo aproximado de sua energia (temperatura) como sendo ~50
K; esse valor foi corrigido por um cálculo mais cuidadoso de seus colegas R. Alpher e R.
Herman para ~5 K. Em 1965, a radiação cósmica de fundo foi descoberta acidentalmen
te por A Penzias e R. Wilson, como um ruído isotrópico de 2,7 K, captado em antenas
de radiotelescópios. Essa radiação nos dá um retrato do universo cerca de 300 mil anos
depois de seu início, ou seja, de 12 bilhões a 15 bilhões de anos antes do nosso presente.
Lemaître, já com setenta e dois anos, soube da descoberta, que era uma evidência forte
de sua conjetura, pouco antes de sua morte.
Na série de artigos de Gamow sobre a origem do universo, há um caso divertido que
vale a pena narrar. Bethe, que não participara da pesquisa, foi convidado por Gamow a
aparecer como co-autor in absentia de um dos artigos, apenas por brincadeira (Alpher,
Bethe, Gamow, “The origin of the elements”, Physical Review, 73, 1948, 803). Essa pu
blicação ficou conhecida entre os especialistas como o artigo “a, b, g”.
A conjetura de Lemaître foi recebida com ceticismo generalizado, inclusive por Einstein,
e até com zombaria por parte de alguns que, por ser ele padre católico, ligavam sua pro
posta de explosão do átomo primordial com o ato divino de criação do universo. Ele, po
rém, para formular sua conjetura, combinara argumentos da física quântica com a ideia
de dissipação da física clássica (segunda lei da termodinâmica); em nenhum momento
ligara a explosão do átomo primordial de seu modelo cosmológico ao ato de criação do
universo por intervenção divina, nem tampouco sentiu necessidade de afastar-se de sua
religião. Religião e ciência são esferas separadas e independentes de realização do ser
humano e não estão necessariamente em conflito. Os livros revelados, como a Bíblia e o
Corão, utilizam mitos, lendas e fatos históricos preservados na tradição oral para trans
mitir mensagens religiosas e morais e seu conteúdo não pode ser interpretado como ci
ência. Por outro lado, a ciência não deve pretender comprovar a mensagem religiosa, que
foge a sua esfera de verificação. O julgamento de Galileu, tomado usualmente como o
exemplo típico do conflito entre ciência e religião, resultou do grande equívoco da Igreja
Católica em pretender interpretar passagens bíblicas como fatos científicos. Resta como
área possível de conflito a das questões éticas, mas aí não se trata de choques de “verda
des”, e, sim, de recomendações de comportamentos nos relacionamentos humanos, que
têm base cultural e onde é impossível evitar divergências de opiniões.

Problemas
Resolva os problemas 3.9 e 3.10 empregando o conceito de intervalo no espaço qua
dridimensional.
5.1 Considere dois eventos que ocorrem no mesmo instante t0 nos pontos (x1, y1,
z1) e (x2, y2, z2) do referencial R. Mostre, usando o conceito de intervalo no
espaço quadridimensional, que esses eventos não são simultâneos no referen
cial R9 e calcule a separação temporal entre eles.
Resposta: Dt9 = – u Dx/c2(1 – b2)1/2.
Notas 99
5.2 Considere dois eventos que ocorrem no referencial R em (x1, 0, 0, t1) e (x2, 0,
0, t2). O intervalo espacial entre eles é Dx = x2 – x1 e o temporal, Dt = t2 – t1.
Um observador está no referencial R9 que se move em relação ao referencial R
com velocidade u ao longo do eixo x. Mostre que: a) para esse observador, a
separação temporal entre os eventos é Dt9 = g(Dt – uDx/c2); b) ele só poderá
observar os eventos como simultâneos se Dx > ct; c) para que um dos eventos
seja causa do outro, é necessário que Dx < ct. Relacione as respostas dos itens
(b) e (c) com o cone de luz.
5.3 Demonstre que se eventoA é causa do evento B num referencial inercial e por
tanto o precede, essa relação de precedência será observada em qualquer outro
referencial inercial.
5.4 Imagine que seja possível enviar sinais com velocidade c9 > c. Demonstre que
é, então, possível achar um referencial R9 (que tem velocidade u < c) no qual o
efeito precede a causa.
5.5 Escreva as equações de transformação entre as componentes do quadrivetor
força entre dois referenciais inerciais.
5.6 Demonstre que o produto Faua da quadriforça com a quadrivelocidade é um es
calar igual a zero e que, como consequência, o produto escalar da força comum
pela velocidade comum é igual à taxa de aumento da energia total relativísti
ca.
Empregue o princípio de invariância do quadrivetor momento-energia para re
solver os exemplos 4.2, 4.3, os problemas 4.10 e 4.11 e também os problemas
3 e 4 do Capítulo 4.
5.7 Uma partícula de massa de repouso M, em repouso, decai para uma partícula
de massa de repouso m, emitindo um raio g. Ache as energias das partículas
resultantes do processo.
Resposta: (M2± m2)c2/2M.
100 Capítulo 5 — Formalismo no espaço-tempo
101

relatividade
e eletrodinâmica

6.1 Formulação Covariante


Antes da formulação da teoria da relatividade especial (TRE) por Einstein, em 1905,
Voigt, Larmor e Lorentz haviam, sucessiva e independentemente, descoberto a trans
formação – denominada posteriormente transformação de Lorentz (TL) – sob a qual
as equações da eletrodinâmica são formalmente invariantes. Como a transformação
entre diferentes referenciais inerciais aceita na física clássica é a transformação de
Galileu (TG), sob a qual as equações da eletrodinâmica não são invariantes, a suposi
ção vigente na época era de que as equações da eletrodinâmica eram válidas apenas
no referencial do éter, em repouso no espaço absoluto. Não estava claro então, para
Lorentz, ainda convencido da existência do éter, que a nova transformação tinha um
significado físico, isto é, que ela relacionava medidas físicas reais feitas em diferen
tes referenciais inerciais.
Como vimos no Capítulo 3, Einstein examinou a questão de outro ponto de vista.
Partindo dos dois postulados de sua teoria, deduziu a transformação matemática
aplicável à transição entre referenciais inerciais que mantivesse invariantes as equa
ções da eletrodinâmica de Maxwell. É claro que encontrou de novo e independen
temente a transformação já conhecida por Lorentz, mas agora ela tinha significado
físico claro: era a transformação correta para relacionar medidas feitas em diferentes
referenciais inerciais. É óbvio, então, que a eletrodinâmica de Maxwell é uma teoria
relativisticamente correta, por serem suas equações fundamentais invariantes sob
a TL. Ela não exige modificações, como acontece com a mecânica de Newton, para
satisfazer os postulados da TRE.
Não é adequado falar em “dar um tratamento relativístico à eletrodinâmica”, por
que, como apontamos antes, ela já tem, de fato, uma formulação relativística. Preten
demos apenas dar-lhe uma formulação no espaço-tempo de modo que o tempo e as
coordenadas espaciais sejam tratadas da mesma forma. Uma formulação das leis da
física que trata as coordenadas espaciais e o tempo da mesma forma é denominada
covariante; procuramos, então, uma formulação covariante da eletrodinâmica de
Maxwell.
102 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Seguindo o mesmo procedimento do capítulo anterior, devemos representar cer


tas grandezas fundamentais como quadrivetores, assim como fizemos com as entida
des velocidade (ua) e momento-energia (p, iE/c). É preciso trabalhar cautelosamen
te, porque nem sempre um vetor é parte de um quadrivetor. Como veremos, não será
possível, por exemplo, exprimir os campos E e B como partes de quadrivetores.

6.2 FORMA DIFERENCIAL DAS EQUAçõES DE


MAXWELL
As Equações de Maxwell estabelecem as relações entre os campos eletromagnéticos
e suas fontes. Em forma diferencial, elas podem ser escritas, para o vácuo, como:
∇⋅E = ε0−1ρ,
∇⋅B = 0,
∂B (6.1)
∇×E = − ∂t ,

∇×B=µ0J+µ0ε0 ∂E ,
∂t
onde 0–1 = 4p · 109 e m0 = 4p · 10–7, em unidades do SI.
A ação dos campos sobre uma partícula carregada é dada pela força de Lorentz:
F = q(E + v 3 B). (6.2)
Essa equação pode ser considerada aqui como empírica, mas é possível deduzi-la
matematicamente na formulação covariante das equações de Maxwell que apresen
taremos a seguir.
As Equações 6.1 e 6.2 constituem, com a mecânica clássica, a eletrodinâmica de
Maxwell-Lorentz. Se o estado de um sistema no instante inicial e a lei de mudança
do estado são dados, pode-se determinar univocamente, com as Equações 6.1 e 6.2,
o estado do sistema em qualquer instante futuro.

6.3 EQUAçãO DE CONTINUIDADE


Iniciaremos a formulação covariante da eletrodinâmica pela análise de duas leis, veri
ficadas experimentalmente com grande precisão: as leis de conservação e de inva
riância da carga elétrica. Repetindo a discussão que já fizemos ao tratar de massa,
é necessário separar cuidadosamente os conceitos conservação e invariância.
Considere uma superfície fechada, fixa num referencial inercial R, contendo em
seu interior cargas elétricas, positivas e negativas. Se ocorrer algum processo físico,
a variação de carga no interior da superfície deverá ser compensada pela entrada ou
saída de uma carga “líquida” equivalente através da superfície. Suponha, por exem
plo, que um raio g passa através da superfície fechada considerada e forma um par
elétron-pósitron no interior dela. Como o raio g não transporta carga, o fluxo de car
ga através da superfície é nulo. Por outro lado, a compensação exata das cargas elé
6.3 — Equação de continuidade 103
tricas do elétron e do pósitron, criados no interior da superfície, mostra que a lei de
conservação se verifica. Em qualquer desintegração de um núcleo atômico neutro, a
soma das cargas elétricas das partículas produzidas é nula. Os exemplos experimen
tais são inúmeros e não é necessário repeti-los aqui.
A equação da continuidade, que exprime matematicamente esse fato, pode ser
deduzida das equações de Maxwell, como se mostra a seguir. Toma-se a divergência
da quarta equação 6.1, lembrando que =· =3 = 0 e substitui-se =· E pelo valor dado
pela primeira Equação 6.1; obtém-se:
∇⋅J + ∂ρ
∂t = 0. (6.3)

Escrita na forma integral,

—∫SJ ⋅dA=−∂t∂ ∫V ρdV

a Equação 6.3 permite uma leitura mais fácil: a variação da carga no volume en
volvido pela superfície, dada pelo segundo membro da equação, é igual ao fluxo da
corrente através da superfície, dado pelo primeiro membro. A Equação 6.3 é uma
equação de conservação.
A invariância, no entanto, refere-se à observação de que a carga total de um
sistema não muda devido ao movimento do observador. Um exemplo experimental
interessante é a comparação da molécula de hidrogênio H2, formada por dois prótons
e dois elétrons, com o átomo de hélio, com os mesmos constituintes eletrizados. O
movimento dos constituintes é muito diferente nos dois casos, mas a carga total é ri
gorosamente nula em ambos (numa precisão melhor do que uma parte em 1020). No
contexto da TRE, podemos estender essa observação ao movimento dos observado
res e dizer que a carga elétrica dentro de uma superfície fechada num referencial R
tem o mesmo valor para observadores situados em outros referenciais inerciais R9.
Mostraremos isso logo adiante com um argumento matemático, mas já podíamos
prever esse fato pela razão de ser a carga elétrica uma grandeza escalar e serem
as grandezas escalares independentes do referencial. Portanto, a invariância da
carga significa exatamente isto: que a carga observada independe do movimento do
observador.
A carga elétrica, portanto, tem duas propriedades importantes: ela se conserva
(mantém-se constante num processo físico) e é invariante (numa mudança de re
ferencial). Diferentemente, como vimos no Capítulo 5, energia (energia-massa) se
conserva, mas não é invariante, porque energia é a quarta componente de um qua
drivetor e não uma grandeza escalar.
Vamos construir agora a forma covariante da equação da continuidade. Substi
tuímos, como fizemos na Seção 5.4, a variável t por t = ict; a Equação 6.3 pode ser
escrita na forma
ic∂ρ =
∇⋅J + 0,
ic∂t
104 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

ou
∂Jx ∂yy + ∂J
∂x + ∂J ∂zz + ∂(icρ)
= 0.
∂τ

Essa equação, escrita na forma quadridimensional


∂Jα
=0 (6.4)
∂xα

é um invariante de Lorentz (lembre-se de que nessa equação está subentendida um


somatório
Jy sobre o índice α de 1 a 4, por causa do índice repetido α), então (Jα) = (Jx,
, Jz, Jτ) é de fato um quadrivetor.
Definimos o quadrivetor densidade de corrente por
(Jα) = (ρu, icρ). (6.5)
A Equação 6.4 exprime a equação da continuidade em forma covariante.

Problema 1 Demonstre que a Equação 6.4 é um invariante de Lorentz.


Sugestão: Mostre que ela é invariante sob a transformação 5.8.

Vamos mostrar agora a invariância da carga elétrica com o movimento relativo


ao observador. Considere um corpo com densidade de carga elétrica ρ, situado no
referencial R!, que se desloca com velocidade u em relação ao referencial R. A car
ga elétrica em um elemento de volume dV! do corpo no referencial R! é dq! = ρ!dV!.
não há corrente
No referencial R!,elétrica
apenasnesse
a componente
referencial.
Jτ do quadrivetor (Jα) não é nula, porque
A densidade de carga, sendo a quarta
componente de um quadrivetor (Equação 6.5), transforma-se de acordo com a TL
(Equação 5.8):
′ρ
ρ= 1− β2
(β = u/c).

Mas, ao mesmo tempo em que a densidade de carga aumenta, o volume diminui,


devido à contração do comprimento na direção do movimento (somente a dimensão
do corpo na direção do movimento é alterada). Então:
′ρ
ρdV= d′V1−β2=′ρd′V.
1− β2

Podemos interpretar esse resultado assim: à medida que o volume se contrai, de


acordo com a TL, a densidade de carga cresce pelo mesmo fator e a carga elétrica
num elemento de volume, pela compensação dos dois, mantém-se invariante.
6.4 — Potenciais do campo eletromagnético 105
6.4 POTENCIAIS DO CAMPO
ELETROMAGNéTICO
Não é possível escrever os campos E e B como partes de quadrivetores; podemos,
porém, tentar construir a formulação covariante do eletromagnetismo a partir do po
tencial escalar p e do potencial vetorial A. No estudo da eletrodinâmica, mostra-se
que o sistema de equações
∂2A
∇2 A−µ0ε0 =−µ0J,
∂t 2
(6.6)
ε0∂2ϕ∂t2 ρ,
∇2ϕ−µ0
∇⋅A+ε0 =−ε1 0

complementado com a condição de calibre de Lorentz,


µ0∂ϕ∂t=0 (6.7)

é completamente equivalente ao sistema de equações de Maxwell (Equações 6.1).


Vamos trabalhar com o sistema de Equações 6.6, 6.7 para obter o formalismo cova
riante.
Multiplicando as Equações 6.6 pelos fatores apropriados, vemos que os termos do
segundo membro constituem o quadrivetor densidade de corrente (J, icρ). Os ter
mos do primeiro membro devem, portanto, representar, também, as componentes de
um quadrivetor. Definindo o quadrivetor potencial

(Aα)=⎛⎝A1,A2,A3,ciϕ⎞⎠=⎛⎝A,ciϕ⎞⎠,
⎜⎟⎜⎟ (6.8)
∂xαα = 0, ou □ · (Aα) = 0,

a condição de Lorentz (Equação 6.7) pode ser escrita na forma covariante:

∂A
(6.9)

onde o operador h · é o divergente quadridimensional.


As Equações 6.5 na forma covariante são

∂2Aν
=−µ0Jν (6.10)
∂xα2

(lembre-se de que está subentendida uma soma sobre α de 1 a 4, porque dxα2 =


o operador
dx αdxα). Essa
d’alembertiano
equação podeh2,
ser escrita
que nadade mais
formaé ainda mais compacta, utilizando-se
do que o operador laplaciano qua
dridimensional:
h2(Aα) =– μ0(Jα) (6.11)
106 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

onde,
⎛ c1 ∂t
∂2 ⎞
□2≡ ∇2 − ⎜ 2 2 ⎟ .
⎝ ⎠
Agora estamos preparados para examinar os campos E e B e procurar descobrir
como devem aparecer numa formulação covariante, mas antes vamos rever o concei
to de tensor, que será necessário nesse estudo.

6.5 tensores
Sabemos que algumas grandezas físicas podem ser
x3 representadas como escalares ou como vetores, mas
há outras que exigem uma representação matemática
mais complexa. Por exemplo, a tensão em um corpo
deformável não é dada apenas pela força F que age
num ponto do corpo. É necessário conhecer também o
dSF elemento de superfície dS sobre o qual ela age. Como
esse elemento pode ser caracterizado pelo vetor de
módulo dS, normal a ele, vemos que é necessário um
x1
novo ente matemático formado por dois vetores: a for
ça aplicada F e o elemento de superfície dS (Figura
6.1). O nome tensor tem origem nesse tipo de proble
ma. Observe que nem o produto escalar nem o produ
to vetorial dos dois vetores carregarão sozinhos toda a
x2
informação necessária sobre a tensão que está sendo
examinada.
Figura 6.1 Tomemos dois vetores a e b dados por suas componentes num sistema de coorde
Para conhecer nadas: a = (ax, ay, az) e b = (bx,by,bz). Podemos formar as nove combinações:
a tensão num
corpo é necessário ax bx, ax by ax bz
ay (na superfície normal a Oy),
Ox),
conhecer a força F
az bx, ay by, az
ay bz (na superfície normal a Oz),
que atua sobre ele
e o elemento de bx, az by ,
superfície ds sobre
o qual a força é que chamaremos Tik, (i,k = x, y, z), representados na Figura 6.2.
exercida. Vimos na Seção 5.1 que as componentes ai e bi dos vetores se transformam numa
rotação do sistema de eixos coordenadas como as próprias coordenadas, portanto,
com regras bem definidas. Então, as combinações Tik também se transformarão se
gundo regras definidas, isto é, como produtos das coordenadas. Podemos agora defi
nir um tensor da seguinte maneira:
que,
Umsobre
tensor
umade
rotação
segunda
do sistema
ordem éde
umcoordenadas
agregado de
dada
nove
por
grandezas
xi = αik Tik(i, k = 1,2,3),
xk! (Equações 5.1),
transformam-se como um produto de coordenadas, isto é, de acordo com a regra
Tik = αim αkl T!ml. (6.12)
O tensor é chamado de segunda ordem, porque, nesse caso, envolve dois veto
res. Podemos de forma análoga, construir tensores de terceira ou quarta ordem com
6.5 — Tensores 107
três ou quatro vetores. No texto que segue, trataremos
apenas de tensores de segunda ordem e omitiremos, x3
por isso, a ordem.
Num referencial particular, um tensor t (em ma
T33
nuscrito represente o tensor como T) é representado
univocamente por um conjunto de nove funções que T31
são suas componentes, porém, para que um conjun T32 T13
to qualquer de nove funções represente um tensor,
é necessário que elas se transformem, numa rotação T23 T11
do sistema de coordenadas, de acordo com a regra
T21 T12 x1
dada acima (Equação 6.1). É a lei de transformação T22
das componentes que contém a essência da ideia de
tensor – a situação é idêntica à que encontramos na
definição de vetores. Em um sistema de coordenadas
particular, um vetor A é determinado univocamente
por suas três componentes ax, ay, az. Se um novo sis x2
tema de coordenadas é introduzido por uma rotação, o
mesmo vetor A é determinado por um novo conjunto
de componentes e essas novas componentes são relacionadas com as velhas por uma Figura 6.2
As nove
regra bem definida, que é a forma de transformação das próprias coordenadas. Na componentes Tik da
regra de transformação das componentes, está a essência da ideia de vetor. tensão num cubo
elementar do corpo
A independência de vetores e tensores em relação à escolha do referencial é o que são representadas
faz deles ferramentas matemáticas importantes para o estudo das leis da natureza, na figura. Na face
normal ao eixo x1:
porque esperamos que estas sejam independentes dos sistemas de coordenadas. T11, T12, T13; na face
Um tensorasé componentes
tissimétrico, simétrico se Tik
diagonais
= Tki e antissimétrico
T11 se Tik = –Tki. Num tensor an T23
normal a x2: T21, T22,
e na face normal
por exemplo, T11 , T22 e T33 são nulas, porque devemos ter, a x3: T31, T32, T33.
= –T11; existirão, portanto, apenas seis componentes independen
tes. Qualquer tensor pode ser decomposto na soma de um tensor simétrico e um
antissimétrico na seguinte forma:

Tik = 1
2(Tik +Tki)+ 1
2(Tik –Tki).

Problema 2 Mostre que (Tik +Tki) e (Tik – Tki) são tensores simétrico e antissi
métrico, respectivamente.

Podemos associar a qualquer tensor o escalar traço do tensor: tr T = T11 + T22 +


i =d
T33
ai, .kik
Oeatensor
diik==a0k,unidade
se
ouiseja,
 k. 1ÉA
éfácil
definido
= como o tensor cujas componentes são dik = 1 se
ver que para qualquer vetor A, cujas componentes são
A.
As ideias desenvolvidas até agora para tensores no espaço de três dimensões po
dem ser estendidas imediatamente para quadritensores no espaço-tempo.
108 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Para que uma equação seja um invariante de Lorentz ela deve ter uma das formas:
a = b, onde a e b são escalares; (aα)=(bα), onde (aα) e (bα) são quadrivetores; (Tμν)
= (Qμν), onde (Tμν) e (Qμν) são quadritensores de segunda ordem (na verdade, essa
equação pode ser generalizada para quadritensores de qualquer ordem). Sob rota
ções do sistema de eixos coordenados (x, y, z, τ) que, como vimos na Seção 5.6,
equivalem a transformações de Lorentz, os dois membros dessas equações se trans
formam segundo a mesma lei, portanto, as equações não são violadas.
Uma relação linear entre duas grandezas vetoriais pode ser representada por um
tensor de segunda ordem. Um exemplo bem conhecido é a relação entre a velocida
de angular de um corpo rígido e seu momento angular, L = Iv, onde L é o momento
angular, I o tensor momento de inércia e v a rotação. Essa mesma relação pode ser
representada em termos das componentes: Li = I ij ωj.
Suponhamos que dois vetores Y e X sejam relacionados linearmente pelo ten
sor T:
Y = T X. (6.13)
Vamos realizar uma transformação ortogonal a nessa relação. Uma transformação
será ortogonal se for real e deixar o módulo do vetor invariável. Uma rotação do sis
tema de eixos coordenados, por exemplo, é uma transformação ortogonal.

Problema 3 Mostre que numa transformação ortogonalx!i = aijxj, devemos ter aij
aik = δjk, onde δjk é o δ de Kronecker (δjk = 0 se j  k e δjk = 1 se j = k).
Sugestão: Considere a transformação x´i aijxj e faça (x!i)2 = (xj)2 (lembre-se de
que (xj)2 = xjxj). =

A transformação ortogonal a transformará Y em Y9, X em X9 e T em T9. A Equa


ção 6.12 se transformará em
Y9 = T9 X9. (6.14)
Mas, como se transforma o tensor?
Yi! = aijYj = aijTjkXk = [aij Tjk (ã)km)]X!m, (6.15)
porque X!m = amk Xkimplica Xk = (ã)km X!m. O til indica os termos da matriz transpos
ta: (ã)km = amk. Comparando as Equações 6.13 e 6.14, vemos que
T!im = aij Tjk (ã)km, (6.16)
que escrita simbolicamente em forma matricial torna-se:
T9 = A T Ã. (6.17)
Essa última equação, que exprime a lei de transformação do tensor T sobre a
transformação ortogonal A, nada mais é do que uma nova forma de escrever a Equa
ção 6.12.
6.6 — O campo eletromagnético | 09

6.6 O CAMPO ELETROMAGNÉTICO


Estamos agora preparados para Ver COmO OS CampOS E e B Vão aparecer COm esse
tipo de tratamento. Podemos calcular os campos a partir dos potenciais A e p pelas
equações:
OA
E = —Vq) — —, (6.18)
º==
B = V X A. (6.19)

Multiplicando Os dois membros de 6.18 por i/C obtemos:


{ { (i OA
— E = —V—(p + ——.
C zº
C 0t

Multiplicando O numerador e O denominador dO último termo por i, para introdu


zir a variável aº4 = T = ict, achamos:

#E=-V4p- A
C C OT

As três componentes dessa equação vetorial são:


• OA, OA • O OA • OA, OA
*E =#="#,
C dra 0x1
4E, _042_241
C dra drº
e *E = 0x,
C
** —*.
0xa

As componentes da Equação 6.19 são:


_04_042,
B, = — — —á- a_04_04, - - -
_ OA,
- -
dA,
-

1 — drº dra 2 - dra 0x1 3 — de drº


Podemos agora definir as dezesseis grandezas, que constituem o tensor F:

OA, dA,
piv T # ox, (6.20)

Por exemplo:
OA, OA OA, OA {
F. = −4 ——=———–4 = —– E.
14 de 0x1 (* *) c“l

Calculando da mesma forma as Outras COmponentes do tensor, Obtemos:

Fu = Fiz = Fia = Fu = 0,
{
F1= —Fu ===C E.
— ?
FM = -Fie ===E.
?
F;a==Fia ===E,
I IO Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Fiz ==F} = Ba:


F.3 ==F2 = B1,
Fal ==Fia = B2
e

O B -B ==E
?
—B, 0 B, —=E.
F= º "l (6.21)

B, —B, 0 -4E,
C

{ {
— E, — E, —E ()
C 1 C 2 C 3

O tensor antissimétrico F é formado pelas componentes do campo elétrico E e as


do Campo magnético B e é denominado tenSOr de CampO. Observe que as COmpO
nentes de B correspondem às variáveis espaciais a, y e 2 e são grandezas reais. As
COmpOnentes de E, que COrrespondem à Variável temporal T, SãO imaginárias. Nesse
nOVO formalismo, Os CampOS E e B não são grandezas independentes — eles se fun
dem num único objeto que é o tensor F.

Mostraremos a seguir como as equações de Maxwell podem ser escritas de forma


covariante utilizando esse tensor. Tomemos o divergente do tensor F, definido na
primeira igualdade a Seguir (note que estamos utilizando explicitamente O Símbolo
de SOmatóriO para tornar mais Claro O formalismo):

OFA, O ( OA, dA à v 04, 0"A


E -># -> Oxy | dra - Oxy --> Ll Oxy -> …"
V

Observe que

OA
> = D_] . (A)= 0 (Equação 6.9) e
V V

0"A
X
V
# = uo (J) (Equação 6.10).
V

POrtantO

D - F = uo (Ju). (6.22)

O leitor poderá agora escrever essa equação em forma matricial e desenvolvê-la


para obter as quatro equações das componentes. Verificará, então, que as três pri
meiras são as componentes da equação vetorial V X B = puo.J + p_0e0 ôE/ôt e a última,
a equação V. E = p/eo.
6.7 — Transformação do campo eletromagnético sob uma TL 111
Problema 4 Demonstre a identidade:

∂Fλµ + ∂Fµν + ∂Fνλ = 0. (6.23)


∂xν ∂xλ ∂xµ

lhidos
Sugestão:
entre
Utilize
1, 2, 3
aedefinição
4. de Fmn (Equação 6.20); l, m e n são três índices esco

delas,
Substituindo
em funçãona
das
identidade
variáveis 6.23
x1, x2osevalores
x3, é a equação
Fmn, obteremos
= quatro equações; uma
· B = 0 e as outras três são
as componentes da equação vetorial = 3 B = – B/t. Completamos assim o sistema
de equações de Maxwell na forma procurada: as Equações 6.22 e 6.23 representam
as equações de Maxwell em forma covariante. As associações de J e r, A e w como
componentes de quadrivetores e de E e B como componentes de um tensor de se
gunda ordem, mostram a inseparabilidade dos fenômenos elétricos e magnéticos; e,
mais ainda, que essa inseparabilidade tem raízes profundas em nossas concepções
de espaço e tempo. Mostraremos, na próxima seção, como se transforma o tensor de
campo sobre a TL.

6.7 transFormação do CamPo eletro


magnétiCo sob uma tl
Vimos na seção anterior que o campo eletromagnético é um tensor de segunda or
dem no espaço-tempo. Então, sob uma TL, suas componentes deverão se transfor
mar como as componentes de um tensor de segunda ordem em quatro dimensões
(Equação 6.12):
F9mn = ama anb Fab.
Consideraremos a configuração padrão em que o referencial R9 se desloca com velo
cidade u, em relação ao referencial R, na direção x. ATL do tensor F do referencial R
para o referencial R9 pode ser escrita na forma da equação matricial F9 = A F Ã (Equa
ção 6.16), onde A é a matriz da TL (Equação 5.8) e à a matriz transposta de A.

Problema 5 Escreva explicitamente a equação matricial F9 = A FÃ, na situação


referencialreferencial
emqueo R, e ache os
R9 termos
se desloca
F9mn com
em função
velocidade
dos termos
u na direção
Fmn. x, em relação ao

Da solução do problema anterior, obtemos:


| 12 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

B = F% = Fia = B, ,

B) = F = yFu Hi5YEu = (º …)
B = F% = y Fe + iByFA - (n. -**)
• o2 (6.24)
/ * __ TY/ • • • • Q, Q,

E-crº-ert-br… E, pºr pr)-em-º, " E = E 30 30 3. "

E = r(E, —BoB)
E = /(E + BCB)
Vemos que as componentes E, e B, na direção do movimento do referencial R"
não se alteram e que as componentes perpendiculares à direção do movimento são
alteradas, OCOrrendo um emaranhamentO de COmponentes de E COm COmponentes
de B. Fica Claro que OS COnceitOS de CampO elétricO e CampO magnéticO SãO COncei
tOS relativOS, isto é, dependem do movimentO dO Observador. Um Campo elétricO E
“puro” Ou um campo magnético B “puro” em um referencial têm componentes E e B
em OutrO referencial. ISSO não é nOVO para O leitor, bastando lembrar que uma carga
elétrica em movimentO Cria um Campo magnéticO Observável nO laboratório, mas que
é inexistente para um Observador em movimentO COm a carga. Vimos nO Capítulo 1
que foram considerações dessa natureza que motivaram as investigações de Einstein
que o levaram à criação da TRE.
As Equações 6.24 podem ser escritas de forma compacta como equações
VetOriais:

E = E, E = /[E] + uxB].
(6.25)
/

B = B, B =
/

"º.- "…]
1

Onde Os Símbolos II e Lindicam COmponentes paralelas e perpendiculares à Velocida


de u do referencial R" em relação a R.

Problema 6 Mostre que no caso em que us:< C, a transformação dos campos de


um referencial inercial para Outro pode ser descrita pelas equações Vetoriais
E = E + u X B/cº e B = B — u x E/cº.

É interessante investigar se há grandezas relacionadas às componentes do tensor


Finvariantes sob a TL. A partir da regra de transformação de tensores, Tay= au aº
T, substituindo os coeficientes ause aw por seus valores dados pela matriz que re
presenta a TL (Equação 5.8), podemos mostrar que, para tensores antissimétricos,
Os seguintes escalares são invariantes numa TL;
6.8 — Campo de uma partícula carregada em movimento uniforme 113
TmnTmn, Tlm TmnTnl e Tkl Tlm Tmn Tnk.

Problemade
invariante Demonstre que, se (Tmn) é um tensor antissimétrico, TmnTmn é um
7 Lorentz.

Podemos aplicar os resultados enunciados antes ao tensor eletromagnético


(Equação 6.21). Da invariância de FmnFmn e de Fkl Flm Fmn Fnk deduzimos a inva
riância de
E2 – c2B2= I1
e de
(E·B)2 = I2.
I1 e I2 exprimem características absolutas do campo eletromagnético, porque não
dependem do referencial. Pode-se demonstrar (mas, não faremos isso aqui) que são
os únicos invariantes do campo eletromagnético independentes – qualquer outro in
variante do campo eletromagnético pode ser escrito como função desses dois.
Da invariância de I1, concluímos que, se |E| = c |B| em um referencial inercial,
a igualdade valerá em qualquer outro referencial inercial. Da invariância de I2,
concluímos que se E e B são perpendiculares em um referencial inercial, serão
(ou |E| em
|perpendiculares
E| |ualquer
<<cc|qB B em umoutro então
referencial
referencial, em qualquer
inercial. outro
É também referencial
óbvio que, se
> c|B| |)
| |).

Problema 8 Mostre que, se E · B = 0 num referencialinercial, mas |E|  c|B|, será


sempre possível achar outro referencial no qual o campo é puramente elétrico ou
puramente magnético, se E2 – c2B2> 0 ou < 0, respectivamente.

Concluímos que não podemos, em geral, transformar o campo eletromagnético


em campos E ou B “puros”, escolhendo referenciais apropriados, porque, para que
isso fosse possível, seria necessário que o invariante E · B fosse nulo.

6.8 CAMPO DE UMA PARTíCULA CARREGADA EM


MOVIMENTO UNIFORME
Vamos mostrar como a TRE pode ser aplicada na solução de problemas da teoria ele
tromagnética. Um bom exemplo é o cálculo do campo criado por uma partícula com
carga q que se move com velocidade constante u no laboratório.
Examinamos o problema num referencial em que a solução é óbvia e, em seguida,
fazemos uma transformação para o referencial do laboratório R. Nesse caso, a solu
ção é imediata no referencial R9 de repouso da partícula. Supondo a partícula situada
na origem do referencial R9, a solução nesse referencial é um campo coulombiano
estático da forma:
| |4 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

/
E" 1 Qr 3º
Az" =

B" = 0 (º = aº + yº …")
4Teo (r')
(6.26)
Os eixOs dos referenciais são respectivamente pa
ralelos e o referencial R" move-se ao longo do eixo aº
do referencial R com velocidade u (Figura 6.3). No
instante t = 0, as Origens dos referenciais coincidem.
AS COOrdenadas da carga em R, no instante t, são aº =
ut, y = e = 0. Agora transformamos para o referencial
R do laboratóriO. Os CampOS no referencial dO labora
tóriO podem ser obtidos usando as inversas das Equa
l/ l/
ções 6.25, deduzidas simplesmente pela substituição
Figura 6.3 de u por —u (R tem velocidade —u em relação a Rº).
R" é o referencial
da partícula de
carga elétrica q As equações de transformação de R" para R são então:
que se move ao
longo do eixo Ox E = E, E = y[E. —uxB].
do referencial R
1 (6.27)
Com Velocidade
u. NO instante t
= 0, a partícula
B = B, Bl -",…e C

está na origem
do referencial Aplicando essas transformações às Equações 6.23 obtemos os campos no la
R. O campo E é bOratório:
observado no ponto
P cujo vetor posição 1 / 1 / 1 /

é r (x —ut, y, z) em R
e r" (x, y, z) em R".
E = E === *#
4Teo (r')
E, = yE === **,
4Teo (r')
E =YE === ** (628)
4Teo (r')
De acordo com a TL,
ac" = 'y (x — ut), y' = y, z" = e.
Portanto,

p/2 … +4
2 .

#
y
-2

|- yºrº,

Onde introduzimos a notação:


2 -.2

rº =(x-ut)" + ?/ #
Y

O campo (Equações 6.25) pode ser então escrito na forma:


1 qr 2
E = ——(1 — Bº]; •

É3 = u/c e r = (x — ut, y, z) é O raio Vetor da carga q ao ponto de COOrdenadas (x, y,


2) Onde O Campo é determinado.
6.8 — Campo de uma partícula carregada em movimento uniforme 115
Para descrever o campo de forma pictórica, vamos introduzir o ângulo u entre o
raio vetor r e a direção do movimento. É claro que y2 + z2 = r2sen2 u e
r*2 = (x – ut)2 + (1 – b2)(r2 sen2u) = [(x – ut)2 + r2sen2u] – b2r2 sen2u =
= r2(1 – b2sen2u).
Então
qr 1− β2
1 0 r3
E= 4πε 2
3
. (6.30)
(1− β2sen 2θ)

O menor valor do campo ocorre na direção do movimento (u = 0, p) e o maior


valor na direção perpendicular ao movimento (u = 6 p/2):
1 q
E|| = 4πε0r 2 (1− β2 ), E⊥ =
4πε
1 0 rq 1
1− β2 .
(6.31)

Portanto, o campo elétrico criado por uma carga em movimento não tem simetria
esférica como o de uma carga em repouso – ele é, de fato, contraído na direção do
movimento. Na direção Ox, o campo é menor do que
perpendicular
o campo eletrostático
a Ox é por
maior
umpelo
fatorfator
(1 – (1 no plano
b2)–eb2)–1/2. A (a) (b)

Figura 6.4 representa as linhas de força do campo nos


casos de carga em repouso (a) e de carga em movi
mento (b), de acordo com a Equação 6.30. O estudan 2 u
te poderá mostrar que, para velocidades próximas de
c, o campo elétrico será observado num intervalo mui
to estreito em torno de u = 6 p/2, isto é, na vizinhança
do plano equatorial da partícula em movimento (a di
reção do movimento tomada como eixo).
O potencial escalar w tem um valor constante na Figura 6.4
superfície do elipsóide Linhas de força
do campo elétrico
(x – vt)2 + (1 – b2) (y2 + z2) = constante, criado por carga em
repouso (a) e em
que é obtido de uma esfera comprimida na direção Ox por um fator (1 – b2)1/2. movimento (b).
Podemos agora calcular o campo magnético criado pela carga no referencial do
laboratório. De acordo com as Equações 6.25, B|| = B9||, mas o campo magnético é nulo
no referencial R9 de repouso da partícula; então

Bx = B|| = 0.
Para calcular a componente perpendicular à direção do movimento, utilizaremos
as relações 6.25 para B e para E:

B⊥ = γ ⎡⎢⎣′B⊥ +c12u ×′E⎤⎥⎦ = cγ2u× ′E⊥ = cγ2u× ⎡ E⊥ ⎤⎥⎦ = c1


⎢ γ1 2 u × E⊥ .

116 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica

Então,

B = c12 u ×E.
(6.32)
As linhas do campo magnético são, portanto, círculos centrados na trajetória da
carga.
Para velocidades u << c, obtemos da Equação 6.26 E < (1/4p0) qr/r3 e,
portanto,
B≈ 1 q u ×r
4πε0 c r 3 . (6.33)

Problemas
6.1 As grandezas dij (i, j = 1, 2, 3) são assim definidas no referencial R: dij = 1, se
i = j e dij = 0, se i  j. No referencial R9, dkl são definidas da mesma forma. a)
Mostre que grandezas definidas dessa forma são componentes de um tensor de
segunda ordem. b) Por que as nove grandezas aij, em que os índices são livres,
não são componentes de um tensor de segunda ordem?
6.2 Mostre que o caráter de simetria (simétrico ou antissimétrico) de um tensor
independe do sistema de coordenadas.
6.3 Seja (Tij) um tensor antissimétrico de segunda ordem em três dimensões.
a) Escreva a lei de transformação de suas componentes entre dois sistemas de
coordenadas. b) Mostre que as três componentes independentes se transfor
mam como componentes de um tensor de primeira ordem. c) Uma das diferen
ças entre um pseudovetor e um vetor é que as componentes do primeiro mu
dam de sinal se o sistema de coordenadas é mudado de direito para esquerdo.
Mostre que o tensor considerado é um pseudovetor.
6.4 Uma certa TL é representada geometricamente (Seção 5.7) pela matriz
rotação:

A=⎛ 1 1 0 i ⎞
⎜ ⎟
⎜ −1/2
0 −1/2
1/2
0 1
0 0⎟
.
⎜ 0⎟
⎜ ⎟
⎜⎝ 2 ⎟⎠

Interprete fisicamente a transformação.


6.5 desenvolva-as,
Escreva as equações
e mostre
Sn f
que se nobtêm
mn/x = m0jas equações de
m (Equações 6.21)
Maxwell.
em forma matricial,

6.6 Escreva as equações da TL: a) Para os potenciais eletromagnéticos A e w;


b) Para a corrente J e a densidade de corrente r.
Problemas 117
6.7 Uma partícula carregada move-se numa região em que há campos uniformes E
e B perpendiculares. Mostre que, se E  cB, é possível achar um referencial no
qual um dos campos é nulo.
6.8 Mostre que, se num evento no referencial R o campo eletromagnético sa
tisfaz as relações E2 < B2 e E · B = 0, é possível achar um referencial R9 no
qual E = 0. Mostre que existe uma infinidade de referenciais que se movem na
mesma direção que R9, nos quais E = 0.
6.9 Mostre que as equações de movimento de um elétron de massa m e carga – e
num campo eletromagnético definido pelo tensor (Fmn) são:
d 2x
d2τ 2
µ
m = − eFµνuν.
118 Capítulo 6 — Relatividade e eletrodinâmica
119

teoria da relatividade
geral

Não é proposta deste texto tratar a teoria da relatividade geral (TRG). Ao con
trário da teoria da relatividade especial (TRE), que, como vimos, pode ser estudada
com conhecimento matemático relativamente simples, essa teoria requer um bom
domínio da geometria diferencial. Quem estudou a TRE, terá, no entanto, uma natu
ral curiosidade a respeito da teoria geral, que pretendemos satisfazer parcialmente.
É nossa intenção expor brevemente neste capítulo os fundamentos físicos da teoria
e discutir alguns testes experimentais (que não são muitos!) que auxiliam a com
preensão dos fundamentos. Como o principal campo de aplicação da teoria geral é
a cosmologia, faremos também uma apresentação rápida de um objeto cosmológico
que, por suas propriedades estranhas, tem despertado em anos recentes grande in
teresse entre físicos e astrofísicos: os buracos negros.
Quando publicou sua TRE, em julho de 1905, Einstein era analista do Escritório
de Patentes da Suíça, em Berna, e completamente desconhecido no meio científi
co. Ele esperava que seu artigo, por suas características revolucionárias, provocasse
uma enxurrada de comentários dos físicos. Tal, porém, não aconteceu. Alguns meses
passados, ele recebeu, no entanto, uma carta de Planck, o mais respeitado físico na
época, que pedia alguns esclarecimentos. A partir daí, a reputação de Einstein come
çou a crescer no meio científico europeu. Dois anos depois já era convidado a escre
ver um artigo de resenha (“artigo de revisão”, no jargão dos cientistas) sobre a TRE
para o Jahrbuch der Radioaktivität und Elektronik, publicação anual dedicada a
desenvolvimentos recentes da física. Em um relato escrito em 1920, ele explica como
a preparação desse artigo levou-o a uma das ideias básicas que permitiria a incorpo
ração da gravitação à TRE:

“Quando, em 1907, estava preparando um artigo de revisão sobre a teoria da


relatividade para o Jahrbuch der Radioaktivität und Elektronik, tentava
modificar a teoria newtoniana da gravitação de modo que se ajustasse à teo
ria (da relatividade especial)… Ocorreu-me então um dos pensamentos mais
felizes de minha vida, na seguinte forma. O campo gravitacional tem apenas
120 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

existência relativa, de maneira semelhante ao campo elétrico gerado por indu


ção magneto-elétrica. Porque, para um observador que cai livremente do
teto de uma casa, não existe – pelo menos na vizinhança próxima – campo
gravitacional. Na verdade, se o observador deixa cair alguns corpos, eles per
manecem em relação a ele em estado de repouso ou de movimento uniforme,
independentemente de sua natureza química ou física particular (a resistência
do ar é obviamente ignorada nessa consideração). O observador tem então o
direito de interpretar seu estado como ‘de repouso’”(1).

Foi a partir da ideia de que uma pessoa em queda livre não sente o próprio
peso que Einstein formulou o princípio de equivalência (PE), que seria um dos pila
res conceituais da TRG. Vamos nos preparar para a discussão desse princípio exami
nando sua formulação na mecânica clássica.

7.1 PrinCíPio da equivalênCia


Galileu diz em seu Discurso sobre as duas novas ciências: “a variação na rapidez
entre esferas de ouro, cobre, mármore e outros materiais pesados, numa queda de
cem cúbitos (aproximadamente 50 m) no ar, é tão pequena que a esfera de ouro não
se adiantaria em relação à de cobre nem quatro dedos. Tendo observado isso, con
cluí que, num meio totalmente sem resistência, todos os corpos caem com a mesma
rapidez”. Na linguagem científica de hoje, diríamos que todas os corpos caem com a
mesma aceleração. Podemos estender um pouco os resultados empíricos de Galileu
e formular o seguinte princípio: O movimento de qualquer partícula de prova
em queda livre é independente de sua constituição e estrutura. Utilizamos uma
partícula de prova para enfatizar que a partícula deve ser suficientemente pequena
para que a heterogeneidade do campo gravitacional no interior de sua superfície te
nha efeito desprezível em seu movimento.
Muitas vezes passa despercebido que são entidades físicas diferentes a massa mi
que aparece na segunda lei da dinâmica de Newton, F = mi a, e a massa mg presente
na lei de gravitação universal,

F=G mrg′m
2gˆr.

Chamamos a primeira de massa inercial, porque mede a inércia do corpo ao


movimento, quando submetido à ação de uma força e a segunda denominamos ob
viamente massa gravitacional.
É um fato notável da natureza que, para todos os corpos, a massa gravitacional
seja proporcional à massa inercial dentro da precisão experimental atingida até nos
sos dias (por uma escolha conveniente das unidades, as duas massas podem, na ver
dade, ser tomadas como iguais). Dizemos que essa igualdade das duas massas é um
fato extraordinário, porque a mecânica e a teoria da gravitação de Newton funcio
nariam perfeitamente bem mesmo que elas fossem diferentes. A massa gravitacional
7.1 — Princípio da equivalência 121
poderia ser independente da massa inercial, da mesma forma que a carga elétrica na
lei de Coulomb é independente da massa da partícula.
A experiência mais simples para mostrar a igualdade das massas inercial e gra
vitacional é baseada na queda livre dos corpos. Suponhamos dois corpos de massas
inerciais mi(1) e mi(2) e massas gravitacionais mg(1) e mg(2) em queda livre a par
tir da mesma altura. Sobre o corpo 1 atua a força da gravidade
mg(1)M
F(1)= G ,
r2

sendo M e r, respectivamente, a massa gravitacional e o raio da Terra (estamos su


pondo que o corpo cai de pequena altura; podemos assim substituir a distância dos
centros de gravidade dos dois corpos pelo raio da Terra). Mas, pela 2.ª lei de Newton,
F = mi (1) a(1); então:
mgr(1)M
mi(1)a(1)=G 2
.

Analogamente, podemos escrever para a segunda partícula


mi(2)a(2)= Gmg(2)Mr2
.

Dividindo as duas equações anteriores membro a membro, obtemos:


mi(1)a(1) = mg(2)
mi(2)a(2) (1)
. (7.1)

A experiência de Galileu sobre a queda livre dos corpos mostra que a(1) = a(2);
portanto, a razão das massas inerciais é igual à razão das massas gravitacionais dos
dois corpos. Por uma escolha adequada das unidades, podemos fazer essa razão igual
a 1, o que leva à igualdade das massas inercial e gravitacional. Esse princípio
é chamado princípio de equivalência (PE). Como mostraremos depois, Einstein
estendeu esse princípio a toda a física, numa forma que é, às vezes, qualificada como
forte, em comparação com o PE fraco de Galileu, restrito à mecânica.
Depois da experiência quase qualitativa de Galileu, a igualdade das massas iner
cial e gravitacional foi verificada várias vezes, com precisão cada vez maior, sendo
hoje uma das leis mais bem comprovadas da física. Eötvös realizou, em 1889, uma
engenhosa experiência (Figura 7.1) com um pêndulo de torção. Nessa experiência,
feita a 45° de latitude da Terra, duas esferas de materiais diferentes e mesmo peso
(mesma massa gravitacional) são suspensas em uma balança de torção cujo braço
é orientado na direção leste oeste. Devido ao movimento de rotação da Terra, for
ças centrífugas atuarão sobre as massas inerciais das esferas. Essas forças seriam
diferentes se as massas inerciais fossem diferentes (observe que as massas inerciais
poderiam ser diferentes já que os materiais das esferas são diferentes) e o torque re
sultante provocaria uma torção no fio de suspensão. A leitura da torção foi feita por
um sistema óptico muito sensível, representado na Figura 7.1, e nenhuma torção foi
122 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

Figura 7.1
Vistas lateral (a) (a) (b) Norte
e de topo (b) de
um esquema do Fonte
aparelho de Eötvös. de luz
torção
Fio de

Oeste Leste
Espelho
Espelho

Sul
mg mg graduada
Régua Vista de topo

observada, com uma precisão de 5 partes em 108. Eötvös e colaboradores(2) repeti


ram a experiência nos anos 1906-1909, obtendo novamente resultado negativo, com
melhor precisão. Mais recentemente, nos EUA, Dicke e colaboradores(3) fizeram mo
dificações na experiência, utilizando técnicas modernas e medidas das acelerações
das massas de prova relativamente ao Sol, em vez de relativamente à Terra, como
fizera Eötvös. Obtiveram dessa forma o mesmo resultado negativo, mas com precisão
três ordens de grandeza melhor (1 parte em 1011).
O PE foi testado mais recentemente pela comparação das acelerações da Lua e da
Terra em direção ao Sol, utilizando medidas muito precisas da distância Lua-Terra
(precisão de aproximadamente 2 cm). Essas medidas são obtidas por reflexão de um
feixe de laser, enviado da Terra, em espelhos colocados na superfície da Lua(4).
Retornamos agora ao comentário de Einstein de
que, se uma pessoa estiver em queda livre, ela não
perceberá o próprio peso. Considere um elevador cujo
cabo de suspensão é cortado e cai em queda livre (Fi
gura 7.2). O observador dentro do elevador não só dei
xará de sentir seu peso, como também sentirá que a
gravidade desapareceu de sua vizinhança. Se deixar
cair um objeto, como consequência da equivalência
das massas inercial e gravitacional, o observador o
verá parado a sua frente como se nenhuma força atu
asse sobre ele. De fato, nenhuma experiência de me
cânica feita dentro do elevador será capaz de indicar o
movimento do elevador. O laboratório em queda livre
é equivalente, para experiências de mecânica, a um
g laboratório livre da ação de um campo gravitacional –
tudo se passa como se a gravidade fosse “desligada”. A
mecânica de Newton opera nesse elevador exatamen
Figura
Para
livre,
“desligada”.
um
tudo
7.2
observador
se passa como
num elevador
se a gravidade
em queda
fosse te da mesma forma que num laboratório que estives
se no espaço, muito longe de massas atrativas, isto é,
num laboratório que fosse estritamente inercial.
7.1 — Princípio da equivalência 123
Os satélites artificiais estão nessa situação. Seu mo
vimento é a combinação de um movimento uniforme
em relação às estrelas com um movimento de queda
livre para a Terra; constituem, portanto, laboratórios
nos quais a gravidade foi “desligada” e podem ser con
siderados referenciais inerciais em relação às estrelas.
(Figura 7.3).
Satélite
Da mesma forma que podemos eliminar a gravidade
g
usando um laboratório em queda livre, é possível criar Terra
gravidade por meio da aceleração. Suponha um astro Queda
livre
nauta de massa m, em um foguete, em repouso na pla v
taforma de lançamento, na Terra; ele poderá verificar
seu peso numa balança de mola dentro de seu compar
timento e achará mg. Numa região do espaço em que
a gravidade é nula, estando o foguete com velocidade
uniforme, o peso do astronauta medido na mesma ba
lança, será nulo e ele, de fato, flutuará no comparti
mento do foguete. Se, porém, o foguete recebe uma
aceleração positiva g, o astronauta é forçado contra o
fundo do foguete por uma força mg e seu peso medi Figura 7.3
do na mesma balança será mg. As duas situações – o Um satélite artificial tem movimento de queda livre no
campo gravitacional da Terra e pode ser considerado
foguete em repouso num campo gravitacional g ou o um referencial inercial.
foguete com aceleração g numa região sem gravida
de – são equivalentes. Na verdade, a equivalência vale
para todas as leis da mecânica e o astronauta será in
capaz de decidir por meio de experiências mecânicas (a) g (b)
se o foguete está acelerado a g ou está submetido a um
campo gravitacional g (Figura 7.4).
Vimos no Capítulo 2 que Einstein generalizou o
princípio da relatividade de Galileu supondo-o apli
cável a toda a física e não apenas à mecânica newto
niana. Aqui procedeu da mesma forma e postulou seu
princípio da equivalência (PE):
g g
um laboratório local, não-girante, em queda livre,
é equivalente, para a realização de qualquer ex
periência física, a um referencial inercial numa
região do espaço sem gravidade.

Veja que é introduzida a equivalência de um labo Figura 7.4


ratório em queda livre num campo gravitacional com (a) Foguete com aceleração g numa região livre de
um laboratório inercial (na verdade, uma infinidade gravidade e (b) em repouso num planeta onde a
gravidade é g. As duas situações se equivalem para a
de laboratórios inerciais) e, portanto, a TRE é aplicá realização de qualquer experiência mecânica no interior
vel nesse novo contexto. Podemos, então, formular o da cápsula do foguete.
124 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

princípio de equivalência de forma a ressaltar a aplicabilidade da TRE em laborató


rios em queda livre:

as leis da física válidas num laboratório local em queda livre são as leis da re
latividade especial, válidas num referencial inercial.

A restrição a laboratórios locais – laboratórios que abrangem apenas a vizinhan


ça imediata do experimentador – é necessária para limitar o laboratório a regiões
em que a gravidade é homogênea, porque somente um campo homogêneo pode ser
anulado completamente por uma escolha apropriada do referencial. Suponha, por
exemplo, um referencial em queda livre no Rio de Janeiro e que seja suficientemente
amplo para abranger Petrópolis. É claro que a gravidade seria anulada no Rio, mas
não seria em Petrópolis, onde tem intensidade e direção ligeiramente diferentes.
Se o mesmo referencial fosse suficientemente não-localizado para abranger Tóquio
– antípoda do Rio –, o campo gravitacional seria anulado no Rio, onde está em queda
livre, e teria a intensidade duplicada em Tóquio, onde teria movimento acelerado
oposto à gravidade local do Rio.
Em referenciais não locais poderão surgir for
(a) (b) ças gravitacionais do tipo das forças causadoras das
marés. Considere, por exemplo, um objeto longo em
queda livre num campo gravitacional uniforme, como
mostra a Figura 7.5a. A força da gravidade na extremi
dade inferior é maior do que a que atua na superior e o
objeto será, portanto, esticado. No caso de estar o ob
jeto em queda livre com sua maior dimensão perpen
dicular ao campo gravitacional (Figura 7.5b), as forças
gravitacionais nos dois extremos têm componentes ao
longo dele, em sentidos opostos, e espremem o objeto.
É claro que essas forças de “maré” são desprezíveis em
Figura 7.5 campos gravitacionais usuais, mas podem ser imensas em campos fortes como os de
Um objeto em queda um buraco negro.
livre num campo
gravitacional sofre
a ação de forças
gravitacionais que o
esticam (a) e que o 7.2 Curvatura da luz num CamPo
comprimem (b).
gravitaCional
Vamos analisar a seguinte experiência imaginária feita na cabine de um elevador
em queda livre. Uma partícula é lançada no interior da cabine numa direção per
pendicular ao movimento de queda. Para um observador na cabine a trajetória da
partícula é retilínea (Figura 7.6a), porque, de acordo com o PE, um laboratório em
queda livre se comporta como um referencial inercial. Mas, para um observador
fixo no solo, fora da cabine, a trajetória é uma combinação do movimento uniforme
da partícula na cabine (linear com o tempo) com o movimento de queda da cabine
(quadrático com o tempo); a trajetória será, portanto, uma parábola como mostra
a Figura 7.6b.
7.2 — Curvatura da luz num campo gravitacional 125
Figura 7.6
y Trajetórias de
partícula (ou de
(a) (b) pulso de luz)
lançadas no interior
da cabine de um
elevador em queda
livre, vistas por
observador no
v interior da cabine (a)
e no solo (b).

t=0
t=1

g g x

t=2

t=3

Como o PE é aplicável a todos os fenômenos físicos,


podemos imaginar a mesma experiência feita com um
pulso de luz. A mesma análise mostra que o movimen Estrela Posição
aparenteda
to do pulso de luz em relação ao solo é semelhante ao estrela
movimento da partícula. É claro que o desvio do pulso
de luz nessa experiência é imperceptível, porque a ve
locidade horizontal c é imensamente mais alta do que
o valor que a componente vertical pode ganhar; Eins
tein sugeriu, no entanto, uma observação astronômi
ca, descrita a seguir, capaz de verificar o desvio da luz
num campo gravitacional.
Sol
Ele propôs que durante um eclipse solar total fos
sem observadas estrelas cujos raios de luz passassem
rasantes ao Sol. Pela TRG, os raios de luz provenien
tes dessas estrelas deveriam ser defletidos de 1,75” de
arco pela gravidade do Sol. A Figura 7.7 mostra como,
por causa desse efeito, elas seriam vistas com peque Terra
no deslocamento angular para fora, em relação à po
sição prevista no caso em que não houvesse efeito da
gravidade. O astrofísico inglês A. S. Eddington orga Figura 7.7
A deflexão do raio de luz de uma estrela pelo campo
nizou duas expedições astronômicas para observar o gravitacional do Sol faz que ela seja observada
eclipse solar de 1919: na cidade de Sobral, no Ceará, deslocada de sua posição real.
126 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

e na Ilha do Príncipe, no oceano Atlântico, localidades situadas na faixa de sombra


total. Os resultados de Sobralmostraram uma deflexão do raio de luz pela gravidade
solar de 1,98” 6 0,30”, de acordo com a previsão da teoria. Essa primeira comprova
ção da TRG teve grande repercussão na imprensa e tornou Einstein famoso em todo
o mundo.
O mesmo método foi repetido recentemente, sem a necessidade de eclipse solar,
pela observação das emissões de quasares, na faixa de comprimentos de onda de
rádio, desviadas pelo campo gravitacional do Sol; a razão da deflexão prevista pela
TRG para a medida foi de 0,9998 com incerteza de 0,0008(5). Tal resultado, com essa
precisão, constitui uma extraordinária comprovação da TRG.

7.3 dilatação gravitaCional do temPo


A dilatação gravitacional do tempo é uma consequên
(a) (b) cia do PE que pode ser explicada pela experiência ima
Relógio A
ginária seguinte, proposta por Einstein (Figura 7.8a).
Pulsos Imagine um relógio atômico A, que emite pulsos de luz
com frequência muito alta, colocado no topo de uma
torre, e um relógio idêntico B, colocado no segundo
piso. Cada um deles, é claro, marca como flui o tempo
em sua posição. Quando o relógio A emite um pulso,
deixa-se que caia livremente. Ao emitir o pulso se
guinte, ele terá percorrido uma distância quase imper
ceptível, de modo que o intervalo entre os dois pulsos
mostrará ainda como corre o tempo no topo da torre.
Relógio B Quando o primeiro pulso chega ao relógio B, deixa-se
que este caia livremente e, quando o segundo pulso o
atingir, ele terá percorrido também uma distância im
perceptível, de modo que ainda indicará o correr do
tempo no segundo piso. Como os dois relógios estão
em queda livre podem ser considerados em referen
Figura 7.8
A experiência
ciais inerciais, por causa do PE, e a TRE pode ser aplicada. Como A iniciou a queda
imaginária antes de B, sua velocidade é sempre maior do que a de B e ele se aproxima deste.
(a) mostra que o Portanto, no referencial de B a luz proveniente de A será observada com um desvio
tempo flui mais Doppler para o violeta, isto é, com frequência mais alta (Figura 7.8b). Isso significa
lentamente no
relógio B do que no que no referencial do relógio B o tique-taque do relógio A será mais rápido do que o
relógio A; do relógio B. Como os relógios A e B medem o correr do tempo no topo e no segundo
(b) representa o piso, respectivamente, o tempo flui mais lentamente no segundo piso do que no topo
efeito da gravidade
na frequência da luz da torre; ou, em outras palavras, a gravidade dilata o tempo.
emitida pelo relógio
A dilatação gravitacional do tempo, discutida na experiência imaginária acima, foi
A (desvio para o
violeta). confirmada em várias experiências em que foram comparados relógios atômicos co
locados a diferentes altitudes em relação ao nível do mar. Uma das mais precisas foi
realizada em 1976 pelo Observatório Astrofísico Smithsoniano (EUA): um oscilador
maser foi enviado num foguete a uma altitude de 10.000 km e foram feitas compara
ções da frequência dos pulsos com a frequência dos pulsos de um oscilador idêntico
7.4 — O “peso” da luz 127
colocado no laboratório terrestre. Pela TRG, na altitude máxima, o relógio do foguete
deveria ter uma rapidez de 4,5 partes em 1010 maior do que a do relógio terrestre. As
comparações foram repetidas várias vezes durante as duas horas de queda livre da
cápsula do foguete. Nessa experiência, a concordância da medida da dilatação gravi
tacional do tempo com a previsão teórica foi de 0,01%.

7.4 o “Peso” da luz


Terá o fóton massa gravitacional? Vamos mostrar que há evidência experimen
tal de que tem. Mas antes vamos mostrar por que se
pode falar em massa inercial do fóton. Considere um Estado excitado
núcleo de massa M em repouso num estado excitado
(Figura 7.9). Suponha que ele vá para o estado funda
mental pela emissão de um raio g e tomemos o eixo x g
como a direção de emissão. O raio g tem frequência
n, energia E = hn e momento p = E/c = hn/c (veja a Estado fundamental
Equação. 4.8). Ao emitir o raio g, o núcleo deverá re
cuar com velocidade vn e para que haja conservação
de momento, devemos ter
Mvn =−p=−Ecˆx. (7.2) v M p=E
– xˆ
c

rioO
então
centro
supor
de massa
que o do
raiosistema
g tenhapermanecerá
massa inercial
emm,
repouso
para que
(vCM = 0) e será necessá Figura 7.9
Um núcleo de
massa M, num
vCM = Mv n + mcˆx estado excitado,
= 0. em repouso, decai
M+m para o estado
fundamental pela
Então Mvn + mcxˆ = 0. Substituindo o valor de Mvn dado pela Equação 7.2,
obtemos emissão de um raio
g; ao emitir o g, o
núcleo recua com
m = cE hν
c velocidade vn.
2 = 2
. (7.3)

Essa é a massa inercial correspondente à energia E do fóton, de acordo com a


equação de Einstein. Observe que ela não é a massa de repouso do fóton, que é nula.
Podemos agora responder à questão proposta no início desta seção: terá o fóton
peso? Mostraremos que é consistente com a teoria supor que um fóton de massa
inercial m tem massa gravitacional m e que a evidência experimental confirma essa
hipótese.
Considere a seguinte experiência: um observador situado num laboratório onde a
aceleração da gravidade é g, analisa o feixe de luz de frequência n9 emitido por uma
fonte colocada à altura L, acima dele (Figura 7.10). Como mostramos na Seção 7.1, a
experiência é equivalente à realizada num laboratório situado numa região sem gra
vidade, que se deslocasse no sentido da (para a) fonte com aceleração g (Figura 7.4)
e podemos fazer então a substituição do laboratório em repouso pelo laboratório ace
128 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

lerado. No tempo L/c que o feixe de luz leva para atin


Fonte de luz gir o observador, este terá adquirido uma velocidade
u = gL/c no sentido da fonte. O observador estará se
aproximando da fonte e verá um desvio da frequência
da luz para o violeta, pelo efeito Doppler. Ele medirá a
frequência (Equação 3.13).
n = n9 (1 – b).
Então
− ′ν =−β= gL
ν ′ν
,
c2
g
onde a velocidade u do observador é negativa, porque
ele se aproxima do emissor. Portanto:
Figura 7.10
Feixe
por uma
de luz
fonte
emitido Δν c2 = Δϕc2 ,
′ν = gL (7.4)

colocada a uma
altura L acima do que nos dá a variação relativa de frequência em função da variação Dw do potencial
observador, num
laboratório onde gravitacional entre emissor e observador. Escrevendo a equação anterior na forma
a aceleração da
gravidade é g. ν = ′ν + ′ν gL
,
c2

multiplicando os dois membros pela constante de Planck h e introduzindo a massa


inercial m, dada pela Equação 7.3, obtemos:
h′ν
hν = h′ν + gL = h′ν + mgL, (7.5)
c2
que nos permite interpretar mg = (hn9/c2) g como o “peso” do fóton. A variação de
frequência (Equação 7.5) é extraordinariamente pequena, por causa do valor de c2
no denominador; para uma altura L  10 m, Dn/n  1 · 10–15, que corresponde a 1 s
em 30 milhões de anos.
Se imaginarmos um fóton emitido com frequência n9 a uma distância infinita da
Terra, a frequência na superfície terrestre será (Equação 7.4):
ν=ν´1+
⎛⎜⎝Δϕc2⎞⎟⎠=′ν⎛⎜⎝1+ GM ⎞⎟⎠ (7.6)
T
RT c2

onde G é a constante de gravitação universal e MT e RT a massa e o raio da Terra,


respectivamente. Ao contrário, um fóton de frequência n9 que escapa de uma estrela
(massa ME e raio RE) será observado no infinito com a frequência
ν=′ν⎛⎜⎝1− GMREE2c⎞⎟,⎠ (7.7)
7.4 — O “peso” da luz 129
portanto, com desvio para o vermelho. Essa é a frequência da luz de uma estrela,
observada na superfície da Terra, desde que a gravidade na Terra seja muito menor
do que na estrela. O desvio para o vermelho tratado aqui é gravitacional e não deve
ser confundido com o desvio Doppler para o vermelho, por causa do afastamento da
estrela discutido na Seção 3.6.
A descoberta do efeito Mössbauer levou ao desen
volvimento de uma técnica espectroscópica de reso
mental, pode emitir um raio g sem recuo. Analoga- Ee Ee
e
lução
Rebka
extraordinariamente
medirem o desvioalta,
gravitacional
que permitiu
em a1960.
PoundA

fazer
ideia básica
a transição de um
do efeito Mössbauer
nível excitado
é que um
paranúcleo,
o funda
ao g

Ef Ef
mente, um núcleo idêntico pode absorver o mesmo g
sem se mover. Nesse caso, a energia do g corresponde
exatamente à diferença entre os níveis de cada um dos
núcleos e ele pode ser capturado de maneira resso Detetor
nante(6).
g
O arranjo clássico de um espectrômetro Möss
Emissor Absorvedor
bauer é mostrado na Figura 7.11: uma fonte de raios
g, um absorvedor, um detector de raios g e um siste
ma de movimento da fonte para produzir um deslocamento Doppler na radiação Figura 7.11
emitida pela fonte. Na figura, a fonte e o absorvedor são representados pelos es Arranjo clássico de
um espectrômetro
tados nucleares fundamental e excitado. Movimentando-se a fonte, pode-se com Mössbauer:
pensar pelo efeito Doppler qualquer pequena diferença que possa existir entre a uma fonte, um
energia do raio g emitido e a diferença entre os níveis excitado e fundamental do absorvedor e um
detector de raios
núcleo-alvo. g; um sistema de
Na experiência de Pound e Rebka, realizada na Universidade de Harvard, uma movimento da fonte
permite produzir
fonte radioativa de raios g de 57Fe foi colocada no topo de uma torre de 22,5 m e o um deslocamento
absorvedor e detector em sua base (Figura 7.10). Qualquer desvio Dn, resultante de Doppler na
efeito gravitacional, na frequência do g emitido no topo da torre destroi a absorção frequência da
radiação emitida
ressonante pelo absorvedor na base. O desvio Dn pode, no entanto, ser compensado pela fonte.
pelo efeito Doppler obtido movimentando-se a fonte com velocidade controlada. No
arranjo da experiência de Pound, era possível trocar as posições de fonte e absor
vedor, permitindo medir o desvio gravitacional a favor da gravidade e contra ela. O
excelente resultado dessa experiência foi Dn/n = (2,195 ± 0,040) 3 10–15, que, quan
do comparado ao valor predito pelo PE de Dn/n = 2,226 3 10–15, corresponde a uma
precisão melhor do que 1s em 15 milhões de anos.

Problema 1 Um espectrômetro Mössbauer é capaz de medir desvios de frequên


cia Doppler correspondentes à velocidade da fonte radioativa de 1 mm· s–1. Qual
deve ser a altura da torre para que seja medido, com esse espectrômetro, um des
vio gravitacional como o da experiência de Pound e Rebka?
130 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

7.5 Curvatura do esPaço-temPo


Vimos na Seção 7.2 que, como consequência do PE, o raio de luz se curva no campo
gravitacional, como se fosse formado por partículas pesadas. Se o leitor examinar a
experiência da Seção 7.2 com atenção, verá que a única hipótese necessária para que
o encurvamento da trajetória da luz ocorra é que a luz tenha uma velocidade finita. É
óbvio, pela argumentação usada, que qualquer outro fenômeno que se propague com
velocidade finita num referencial inercial, na presença de campo gravitacional, será
forçado pela gravidade a percorrer uma trajetória curva. Somos levados a concluir
que a experiência mostra não uma propriedade da luz, mas, antes, uma propriedade
do espaço na presença de um campo gravitacional. Imagine que o espaço se curve
nas proximidades de uma massa; então, a trajetória reta característica de um fenô
meno qualquer, por exemplo, um raio de luz, encurvar-se-á naturalmente nessa re
gião, como mostra a Figura 7.12.

A curvatura do espaço-tempo e o princípio de equivalência constituem as bases


conceituais da teoria da relatividade geral, de Einstein.

As ideias sobre curvatura do espaço foram desenvolvidas durante o século XIX


por vários matemáticos, a partir da rejeição do quinto postulado de Euclides (por
um ponto fora de uma reta passa sempre uma única reta paralela à reta dada).
Gauss, Lobachevski e Bolyai verificaram que a rejeição do quinto postulado leva
va a outras geometrias – não-euclidianas – tão coerentes como a de Euclides. O
sistema axiomático de Euclides descreve a geometria do espaço normal de três
dimensões, mas qual será a geometria de um espaço de duas dimensões imerso no
espaço tridimensional?
Considere um plano como sendo o espaço bidimensional que pretendemos anali
sar. Tome uma reta nesse plano e um ponto do plano fora da reta; por esse ponto pas
sa uma única paralela à reta dada e podemos dizer que o plano satisfaz à geometria
euclidiana e é, portanto, um espaço euclidiano. Considere agora uma superfície esfé

Figura 7.12
Um raio de luz é Espaço bidimensional
encurvado pela
curvatura do
Trajetória de
espaço-tempo. um raio de luz
superfície) a
(acompanha

Estrela
7.5 — Curvatura do espaço-tempo 131
rica, que também é um espaço bidimensional, imersa
em nosso espaço ordinário de três dimensões. A linha Polo
sobre a qual se mede a distância mais curta entre dois Norte
pontos numa superfície é denominada geodésica; por
exemplo, no plano, as geodésicas são retas e, na su
perfície esférica, são os círculos máximos. Tome um
círculo máximo (geodésica) arbitrário como equador
da superfície esférica. Dois meridianos (que também b
são geodésicas, porque são círculos máximos) próxi g
 Equador
mos podem ser considerados localmente como parale
los – a situação é semelhante à de duas retas perpendi
culares a outra reta no plano. Porém, globalmente, os
meridianos se encurvam para se encontrar nos polos
(Figura 7.13) e não podemos dizer que são paralelos.
O quinto postulado de Euclides é, então, violado na
superfície esférica e a geometria nessa superfície não
poderá ser euclidiana.
Gauss descobriu isso de uma maneira concreta, ao fazer um levantamento topo Figura 7.13
gráfico numa região próxima de Göttingen, na Alemanha, por encomenda do princi Tomamos como
equador da
pado local. Ele verificou que, no maior triângulo de seu levantamento, a soma dos ân esfera um círculo
gulos internos era ligeiramente diferente de 180°, o que mostrava que, na superfície máximo arbitrário;
esférica da Terra, não era possível aplicar uma geometria euclidiana. Seres bidimen dois meridianos
próximos que
sionais limitados a viver numa superfície esférica poderiam comprovar a curvatura podem ser
de seu espaço, ao verificar que a soma dos ângulos de um triângulo é sempre superior considerados
a 180°, ou que a razão da circunferência de um círculo para o raio é menor do que localmente
2p. Esses seres seriam compelidos a construir uma geometria, válida em seu espaço paralelos,
globalmente se
curvo bidimensional, que seria obrigatoriamente não-euclidiana. encurvam para se
encontrar nos polos
Gauss chegou a especular se nosso espaço tridimensional não seria curvo – se a
e o quinto postulado
geometria euclidiana não seria incorreta nesse espaço –, mas foi seu discípulo Ber de Euclides é
nhard Riemann quem deu um corajoso passo à frente. Riemann foi um matemático violado.
com extraordinário senso físico. Numa notável conferência que proferiu sobre os
fundamentos da geometria, em 1854, quando era ainda um jovem matemático, co
mentou que a verdade sobre o espaço deveria ser procurada na experiência e não
no estudo dos tratados de Euclides. Afirmou ainda que o espaço, apesar de parecer
regular (liso) nas dimensões ordinárias do ser humano, talvez fosse irregular em
distâncias muito pequenas e que em grandes distâncias, poderia apresentar uma
curvatura que, se fosse positiva, mesmo que muito pequena, curvaria o universo e o
fecharia numa estrutura finita(7).
Mas a mais notável previsão de Riemann foi a de que o espaço não devia ser ape
nas uma espécie de suporte para os fenômenos físicos, parado, rígido, homogêneo,
independente da matéria e da energia, como se pensava então, mas, ao contrário,
que a geometria do espaço devia de alguma forma participar dos fenômenos físicos
e que a curvatura do espaço devia ser determinada por forças externas. Para ele, as
propriedades do espaço não poderiam ser deduzidas de considerações matemáticas,
mas da experiência física.
132 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

Poderia Riemann ter ido adiante e relacionado a geometria do espaço com a gra
vitação? Com certeza não, porque ele trabalhava com a ideia de espaço tridimensio
nal. Na mecânica clássica, uma partícula confinada a uma superfície, livre de forças
externas e atrito, percorre uma geodésica. Não é possível supor que, ao incluirmos
um campo gravitacional no espaço curvo de três dimensões, a partícula seguirá tam
bém uma geodésica, porque uma órbita gravitacional depende da posição inicial e da
velocidade inicial. Mas, no espaço-tempo – que contém um eixo temporal – a posição
inicial inclui a velocidade inicial e é assim satisfeita a condição para determinação
unívoca da órbita. O espaço-tempo de Minkowski foi, por isso, essencial para o novo
avanço. É interessante notar que Einstein, de início, rejeitou a ideia de espaço-tempo
de Minkowski como um floreio matemático que complicava sem necessidade sua
TRE; no entanto, como ele reconheceu depois, a concepção de Minkowski foi essen
cial para a formulação da TRG.
Einstein desenvolveu a teoria geral à medida que progredia na carreira universi
tária. Fez a primeira tentativa para incorporar a gravitação à TRE no artigo já men
cionado, escrito para o Jahrbuch, ainda como técnico do escritório de patentes de
Berna. Diante das dificuldades para formalizar a teoria, deixou de lado o problema
e dedicou alguns anos a questões relacionadas com física atômica, só voltando ao
problema da gravitação em 1911, quando já era professor em Praga. Foi então que
descobriu que a gravidade é uma manifestação da curvatura do espaço-tempo –
essa é a essência da TRG. O objetivo de Einstein durante os anos seguintes passou a
ser encontrar as equações que relacionariam quantitativamente a matéria com a mé
trica do espaço-tempo, ou seja, determinar como a matéria encurva o espaço-tempo.
Retornando a Zurique, naquele mesmo ano, como professor do Instituto Politécnico
(ETH), teve a colaboração de seu antigo colega de universidade Marcel Grossmann,
então professor de matemática; e foi este quem sugeriu como ferramenta adequada
para tratar o problema o cálculo diferencial absoluto (chamado hoje análise tensorial
ou geometria diferencial), inventado e desenvolvido na segunda metade do século
XIX sucessivamente por Riemann, Gregorio Ricci e seu discípulo Tulio Levi-Civita.
Era uma matemática muito complicada, levando Einstein a comentar, numa carta ao
físico teórico A. Sommerfeld, que o problema com o qual lidava, então, fazia a TRE
parecer brinquedo de criança.
Einstein e Grossmann chegaram a uma primeira forma da lei de curvatura em
1914. Ela era restrita a alguns referenciais – não obedecia, portanto, ao princípio da
relatividade (PR) – e não satisfazia, por isso, à expectativa de Einstein, mas foi publi
cada assim mesmo. A forma final da TRG seria desenvolvida no ano seguinte, quan
do Einstein já era professor em Berlim. Nessa teoria, a força de gravitação (como
a de Newton) não existe, sendo substituída pela geometria – na ausência de forças
externas, as trajetórias de partículas são geodésicas do espaço-tempo. As equações
de campo de Einstein, como são chamadas as equações básicas da teoria, são in
variantes sob transformações entre quaisquer referenciais. Elas permitem calcular
quantitativamente como o espaço-tempo é encurvado na vizinhança da matéria pela
densidade de massa (expressa como densidade de energia) e pela pressão de ma
téria. Exceto em alguns casos (por exemplo, no interior de estrelas de nêutrons) a
pressão de matéria é desprezível em comparação com a densidade de massa e é essa
que determina a curvatura do espaço.
7.6 — Avanço do periélio de Mercúrio 133
Imediatamente, a partir de suas equações de campo, Einstein calculou o desloca
mento do periélio de Mercúrio – que vinha utilizando desde 1907 como contraprova
de suas ideias – obtendo ótima concordância com a observação astronômica. A teo
ria permitiu ainda calcular a deflexão da luz de estrelas pelo campo gravitacional do
Sol com alta precisão e prever a existência de singularidades no espaço-tempo, que
foram relacionadas, um quarto de século depois, aos buracos negros. A detecção de
ondas gravitacionais, previstas pela teoria, tem sido tentada exaustivamente por mé
todos terrestres sem sucesso ainda. Porém, Joseph Taylor e Russell Hulse descobri
ram em, 1974, a primeira pulsar binária. Por métodos extraordinariamente precisos
de medição do tempo, verificaram uma pequena, mas constante diminuição de sua
velocidade orbital, cuja única explicação até agora é que seja causada pela emissão
de ondas gravitacionais, em completo acordo com a previsão da TRG.
Em 1917, Einstein escreveu seu primeiro artigo sobre cosmologia – marcando o
início da moderna cosmologia –, em que foi introduzido, um pouco à força, o termo
cosmológico, com o objetivo de se obter um universo estacionário, pois no meio
científico acreditava-se que assim deveria ser o universo. O termo cosmológico teve
uma vida aventurosa: inicialmente bem-sucedido, chegou depois a ser considerado
pelo próprio Einstein “a maior tolice de sua vida”, desapareceu das teorias cosmoló
gicas e reapareceu recentemente para explicar a aceleração na expansão que, segun
do as observações mais recentes, o universo parece estar sofrendo.

7.6 avanço do Periélio de merCúrio


Antes da formulação da TRG, um fenômeno bem co
nhecido dos astrônomos permitiu a Einstein testar suas Δ
ideias durante o desenvolvimento da teoria. As órbitas Periélio
dos planetas têm um movimento de precessão muito
lento em torno do Sol, que pode ser explicado em parte
pela perturbação dos outros planetas, mas é em par
te inexplicável pela mecânica clássica (Figura 7.14).
Sol
Era esse o único caso observado de falha da mecânica
newtoniana antes da construção dos aceleradores nu
cleares, quando se tornou comum a observação delas. O Planeta
avanço do periélio (ponto da órbita de um planeta mais
próximo do sol) da órbita de Mercúrio é maior em rela
ção ao dos outros planetas por causa de sua proximida
de ao Sol: 1,38” de arco a cada órbita completada. Desse
arco, 1,28” se deve à perturbação dos outros planetas
e pode ser calculado pela lei de gravitação de Newton,
mas 0,10” ficam sem explicação; em um século observa-se, portanto, um avanço em Figura 7.14
excesso de 43” de arco do periélio. Várias tentativas foram feitas pelos astrônomos Precessão do
periélio de órbita
para explicar essa anomalia – introdução de um planeta interno à órbita de Mercúrio planetária.
ou de um satélite deste e até mesmo alteração do expoente de r na lei de gravitação
de Newton – sem sucesso. Einstein obteve o valor correto do avanço secular (43”) pela
aplicação direta de sua teoria, resolvendo assim um problema astronômico que perdu
rava havia sessenta anos e essa continua a ser a explicação aceita até hoje.
134 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

7.7 os buraCos negros e o temPo


Buracos negros são modelos de objetos cosmológicos criados ainda no contexto da
física clássica, no século XVIII. A lei de gravitação de Newton leva à conclusão de
que, para que uma partícula lançada da superfície de um astro possa se libertar de
seu campo gravitacional, precisa ter uma velocidade superior a uma velocidade limi
te – velocidade de escape. A condição para que a partícula não retorne, desprezan
do-se a resistência do ar, é que sua energia mecânica não seja negativa:
12mv2−GmMR ≥0, (7.8)

onde m e M são as massas da partícula e do astro, R o raio do astro e G a constante


de gravitação universal. A velocidade de escape corresponde à igualdade na equação
anterior, será, então:
1
⎛ 2GM ⎞ 2
vesc = ⎜
⎝ R ⎟⎠ . (7.9)

Observe que a velocidade de escape independe da massa da partícula e que será


tanto maior quanto maior for a massa do astro e menor o seu raio. Se o raio tendesse
para zero, a velocidade de escape tenderia para o infinito. Para objetos lançados da
superfície da Terra e do Sol, as velocidades de escape são respectivamente de 11,2
km· s–1 e 617 km · s–1.
John Michell, astrônomo inglês do século XVIII, teve a audácia de combinar a
teoria de gravitação e a teoria corpuscular da luz, de Newton, e fez a conjetura de
que as partículas da luz seriam pesadas. Deduziu então que era possível imaginar a
existência de astros, que denominou estrelas escuras, para os quais a velocidade de
escape seria c. As partículas de luz não seriam capazes de se libertar da gravitação
desses astros – nenhum raio de luz escaparia – e ele seria, portanto, invisível. Para
que um astro com massa igual à do Sol se comportasse dessa maneira, ele deveria ser
extremamente compacto: sua circunferência não poderia exceder 18,5 km! Laplace
chegou a encampar a conjetura de Michell – ou talvez a tenha proposto indepen
dentemente – nas duas primeiras edições de sua enciclopédica obra O sistema do
mundo, porém, no início do século XIX, experiências de interferência da luz come
çaram a dar vantagem à teoria ondulatória de Huygens sobre a teoria corpuscular de
Newton e a conjetura das estrelas escuras, baseada na teoria corpuscular da luz, foi
abandonada e esquecida.
Objetos semelhantes aos imaginados por Michell e Laplace só apareceriam no
vamente na astronomia a partir da TRG, porque então tornou-se possível calcular
o efeito da gravidade de uma estrela sobre a luz que ela emite. Karl Schwarschild,
imediatamente depois da publicação da TRG nos Anais da Academia Prussiana
de Ciências, em Berlim, em novembro de 1915, dedicou-se à solução das equações
de campo de Einstein. Dois meses depois, enviou uma comunicação à Academia, por
meio do próprio Einstein, na qual calculava a curvatura do espaço-tempo causada
pela gravidade de uma estrela esférica.
7.7 — Os buracos negros e o tempo 135
A resolução por Schwarschild das equações de campo de Einstein predizia a exis
tência de uma circunferência crítica, dependente da massa da estrela, abaixo da qual
a luz não escaparia da estrela. O valor dessa circunferência crítica era igual ao da
teoria de Michell e Laplace. O raio crítico de Schwarzschild pode ser obtido por um
artifício simples fazendo a velocidade de escape, dada pela Equação 7.9, igual a c:

2GM
RS = (7.10)
c2.
O leitor deve observar que o que fizemos antes não é uma dedução válida do raio
crítico RS, mas apenas um artifício que gera a solução correta. A explicação correta
deve levar em conta a dilatação gravitacional do tempo.
Numa estrela com circunferência muito maior
do que a crítica – por exemplo, o Sol –, o espaço
-tempo é pouco encurvado; à medida que a circun
Espaço plano
ferência da estrela diminui, a curvatura do espaço
tempo aumenta, até que, ao atingir a circunferência
crítica, a curvatura aumenta indefinidamente – a
circunferência crítica envolve uma singularidade. A
Figura 7.15 apresenta uma analogia no espaço bi
que
dimensional,
foi descrito
imerso no espaço tridimensional, do
acima.
Horizonte

A dificuldade em aceitar a existência de singu


laridades no mundo real, por parte de Einstein e
da maioria dos físicos relativistas da época, fez que Singularidade
a singularidade de Schwarzschild ficasse esquecida
por um quarto de século. Einstein chegou mesmo a publicar um artigo no qual pro Figura 7.15
curava mostrar a impossibilidade da singularidade. Em 1939, o estudo da evolução das Representação
estrelas trouxe novamente o tema à discussão. Robert Oppenheimer e colaboradores no espaço
bidimensional da
iniciaram nessa época o estudo da relação da influência relativa das forças nucleares e curvatura causada
gravitacionais nas estrelas de nêutrons. Essas pesquisas culminariam com um artigo de no espaço-tempo
Snyder e Oppenheimer, mostrando que uma estrela suficientemente pesada, quando por uma estrela
cuja circunferência
suas fontes de energia termonuclear se esgotassem, sofreria um colapso e sua contra é igual à
ção continuaria indefinidamente. Esse artigo marcou o início da física dos buracos ne circunferência
gros, nome dado por John Wheeler ao estado final de colapso dessas estrelas. crítica. A figura
mostra geodésicas
É claro que a contração indefinida de uma estrela leva a uma singularidade no es paralelas nas regiões
paço-tempo e o modelo puramente matemático de Schwarschild foi dessa forma res plana e curva do
espaço.
gatado e ligado a um fenômeno do mundo físico. A superfície esférica perfeitamente
definida em torno da singularidade, que marca a região de onde a luz não pode esca
par, define o horizonte de eventos do buraco negro, nome dado em analogia com o
horizonte na Terra, além do qual nada se vê. A massa do buraco negro não está distri
buída homogeneamente no volume do horizonte, mas se concentra na singularidade;
entre a singularidade e o horizonte há apenas vácuo.
Estamos tratando de espaço-tempo, não podemos, portanto, esquecer-nos que o
tempo também é encurvado pela gravidade da estrela. Essa curvatura se manifesta
136 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

pelo gradual alentecimento do tempo, como discutimos na Seção 7.3. No referencial


da estrela de circunferência crítica, um relógio que se aproxima dela torna-se cada
vez mais vagaroso, até parar completamente, ao atingir o horizonte de eventos. Isso
provoca um desvio de frequência da luz: quanto mais lento o tempo, maior o desvio
para comprimentos de onda maiores, até que, ao parar o tempo, o comprimento de
onda tende para o infinito e a luz desaparece, ou, de outro ponto de vista, a frequência
tende para zero e a energia dos fótons se anula. Essa é a razão por que não se vê luz
emitida pela estrela. Essa explicação substitui, num contexto relativístico, em que a
velocidade da luz é uma constante, o modelo de Michell e Laplace de fótons pesados
num campo gravitacional, para justificar a ausência de luz emitida por estrelas de
raio crítico ou inferior.
O estudo do buraco negro envolve, além da TRG, a mecânica quântica e a termo
dinâmica e constitui hoje um dos temas mais ativos e polêmicos da astrofísica, por
causa das previsões exóticas que gera(8). A confusão de conjeturas discordantes é
um sinal de que é um campo de estudos em progresso, mas que não há ainda um mo
delo bem estabelecido, suportado por observações astrofísicas seguras. O leitor deve
estar atento para o fato de que modelos e teorias físicas são criações livres da mente
que exigem comprovação pela experiência ou observação cuidadosa. Com esses mo
delos e teorias, construímos uma imagem do mundo que não é o mundo real, ob
jetivo, que existe fora de nossos sentidos (ampliados pelos instrumentos), mas uma
representação dele. Desejamos que os dois – o mundo real e o mundo físico criado
pelas teorias – sejam idênticos, mas nunca estaremos seguros disso.Os observadores
procuram evidências de um objeto no mundo real que corresponda ao modelo pro
posto. No caso do buraco negro, temos um belo modelo ou, de fato, vários modelos,
mas o autor deste texto, que não é um especialista nesse campo, sente desconforto
com a ideia da existência real de singularidades no universo. Provavelmente, a teoria
quântica da gravitação, ainda por ser criada, eliminará essas singularidades e levará
a novos modelos do buraco negro. Enquanto esperamos o acúmulo de evidências, é
sempre bom ter cautela e aceitar os modelos propostos como modelos de trabalho.

Notas
(1) Manuscrito não-publicado, existente na Biblioteca Pierpont Morgan de Nova York, con
forme citação de A. Pais*.
Enquanto escrevia o artigo de resenha para o Jahrbuch, Einstein percebeu que os fenô
* Pais, Abraham, Sutil é menos da natureza, exceto a gravitação, podiam ser tratados no contexto da TRE. Estava
o Senhor – a ciência e procurando meios de incorporar a gravitação à teoria, quando, sentado à escrivaninha no
a vida de Albert Eins escritório de patentes de Berna, – talvez, examinando um pedido de patente –, ocorreu
tein. Rio de Janeiro, lhe a ideia de que “se uma pessoa cai livremente ela não sente o próprio peso”. Abria-se
Editora Nova Fronteira,
1997. assim o caminho para uma teoria da gravitação. J. Hadamard, um eminente matemático,
discute o processo de criação matemática num livro muito interessante**; para ele, mui
** Hadamard, Jac
tas invenções e descobertas científicas são feitas quando a mente, depois de um esforço
ques, An essay on the
psychology of inven inicial sem resultado, afasta-se do problema e se distrai com outros pensamentos.
tion in the mathema
tical field. New York,
Einstein manifestou, em diferentes ocasiões da vida, suas ideias a respeito do processo
Dover Publications, de criação científica. Para ele, não há um caminho lógico que leva à criação de uma teoria
1954. a partir de resultados empíricos. A mente, controlada pelo exame cuidadoso dos fatos,
Notas 137
tateia entre diferentes caminhos construtivos e só depois de muitas tentativas começa
a aparecer alguma ordem que indica ser possível uma solução. Muitas vezes a solução
correta surge por meios indiretos; às vezes inesperadamente, como se o subconsciente
continuasse a trabalhar, enquanto o consciente desempenhasse outras tarefas, como no
caso que acabamos de narrar. Para ele, a teoria não é criada indutivamente a partir da
experiência por uma sequência de argumentos impostos por fatos empíricos, mas é, an
tes, uma livre criação do espírito humano.
Einstein acreditava que uma teoria não pode ser construída a partir da experiência, no
entanto, exige ser comprovada pela experiência. Na verdade, para ele, não podemos
comprovar uma teoria, mas apenas verificar sua falsidade (posição semelhante à do cri
tério de falseabilidade do filósofo Karl Popper): “O cientista teórico não deve ser inve
jado. Porque a natureza, ou mais precisamente o experimento, é um juiz inexorável. Ele
nunca diz ‘Sim’ a uma teoria. Nos casos mais favoráveis, diz ‘Talvez’ e, na maioria dos
casos, simplesmente ‘Não’. Se um experimento concorda com uma teoria, isso significa,
para esta, ‘Talvez’, e se não concorda, ‘Não’. Provavelmente, toda teoria sofrerá algum dia
o seu ‘Não’ – a maioria das teorias, logo após sua concepção.”* (Os itálicos são nossos).

(2) Depois de publicados os resultados das experiências de Roland von Eötvös (1848-1919),
a Real Sociedade Científica de Göttingen instituiu um prêmio com a seguinte justifica
tiva: “Um modo muito sensível para fazer uma comparação entre a inércia e a gravida
de da matéria foi criado por Eötvös. Considerando isso e o novo desenvolvimento da
eletrodinâmica, assim como a descoberta das substâncias radioativas, a lei de Newton
referente à proporcionalidade da inércia e a gravitação deve ser provada tão extensiva
mente quanto possível.” Foi isso que levou Eötvös a repetir a experiência, com maiores
precauções experimentais ainda; os novos resultados só foram publicados, no entanto,
postumamente**.

(3) Robert H. Dicke (1916-1997), um dos grandes experimentalistas do século XX, acredita
va, a respeito do trabalho do físico experimental, “que um experimentalista não deveria
ser indevidamente inibido por pesquisa teórica descuidada... e, quanto mais significativa
e fundamental for a pesquisa experimental, maior é a incerteza teórica permitida”. Esse
lema encorajou-o a aventurar-se em campos fundamentais da física, onde deixou sua
marca. Seu interesse em gravitação levou-o a analisar cuidadosamente a experiência de
Eötvös e a repetir a experiência com modificações que deram um ganho de precisão de * Dukas, Helen e Hoff
três ordens de grandeza***. E, dessas pesquisas, partiu para propor uma teoria de gravi mann, B., Albert Eins
tein o lado humano.
tação – que não superou os testes experimentais – para substituir a TRG de Einstein. Brasília, Editora Univer
Dicke ajudou a dar à cosmologia uma face experimental. No início da década de 1960, sidade de Brasília,1984.
estava trabalhando sobre a conjetura do big bang e, desconhecendo o artigo mais im ** Eötvös, R. v., Pekár,
portante de Gamow sobre o assunto, recalculara com seu estudante de doutorado J. D., Fekete, E., Annalen
der Physik, 68, 11,
P. Peebles a temperatura da radiação cósmica de fundo remanescente. Tinham chega 1922 (Existe tradu
do a uma temperatura da radiação com um limite inferior de aproximadamente 10 K, ção em inglês do USA
que corresponde a um comprimento de onda na faixa de microondas. Para detectar Department of Energy,
essa radiação, trabalhava com estudantes de doutorado no aperfeiçoamento do radiô separata 40048-13-N6
da University of Wa
metro, inventado por ele quando esteve envolvido em pesquisa sobre o radar durante shington).
a Segunda Guerra Mundial. Foi então que recebeu um telefonema de Penzias e Wilson,
radioastrônomos dos Laboratórios Bell, a respeito de um ruído isotrópico na antena de *** Roll, P. G., Krotkov,
R e Dicke, R. H., Annals
comunicações com que trabalhavam, para o qual não conseguiam explicação. Percebeu of Physics., 26, 442,
imediatamente que a origem do ruído era a radiação cósmica de fundo, que procurava, e 1964.
138 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

sugeriu a eles a solução do problema. Como não participou diretamente da descoberta,


mas apenas da interpretação, ficou fora do Prêmio Nobel com que os dois radioastrônomos
foram agraciados em 1978. As observações da radiação cósmica de fundo (1964) e da re
cessão das galáxias, feita por Hubble 35 anos antes, desviaram a cosmologia de uma dire
ção puramente especulativa e foram responsáveis por enorme progresso dessa ciência.

(4) Adelberger, E. G., et al., Nature 347 (1990) 261-263.

(5) Essa observação foi feita em 1995 por meio de interferometria de base muito longa
(VLBI), com um interferômetro formado por uma rede de radiotelescópios situados nos
extremos leste e oeste dos EUA*. Em 2003, foi feita outra medida pela mesma técnica,
observando-se a deflexão da luz causada por Júpiter**.

(6) Imagine que desejamos levar um núcleo A de massa M, em repouso, a um estado excita
do, utilizando um raio g emitido no processo de desexcitação de outro núcleo B da mes
ma espécie, também em repouso (Figura 7.11). Encontramos a seguinte dificuldade. O
fóton de energia hn = Ee – Ef = E0, emitido pelo núcleo B, transporta um momento

= E0=hν
p
c c

e, para que haja conservação de momento, o núcleo B recuará com um momento igual.
Como a massa M do núcleo é grande, ele se moverá com velocidade pequena, e podemos
utilizar a expressão clássica para sua energia cinética de recuo:

p2 E02
R= .
2M = 2Mc2

A energia de recuo R do núcleo virá da diferença de energia dos dois níveis e, por isso, o
g será emitido não com a energia E0, mas com uma energia menor E = E0 – R.
Ao atingir o núcleo alvo A, pela lei de conservação de momento, o fóton comunicará a
ele o momento p e ele se moverá no mesmo sentido do movimento do fóton com energia
cinética R. Essa energia é cedida pelo fóton, que terá, portanto, a energia E = E0 – 2 R.
Vemos, assim, que a energia do raio g não é suficiente para excitar o núcleo A do estado
fundamental para o estado excitado e não observaremos a absorção ressonante do g.
Rudolf Mössbauer descobriu, no entanto, que é possível obter a absorção ressonante se
os núcleos emissor e alvo estão aprisionados em redes cristalinas a temperaturas sufi
cientemente baixas. Nesse caso, para a conservação de momento, a rede cristalina intei
ra deveria se mover; podemos considerar M como sendo a massa do cristal todo – infinita
para nossos cálculos – e a energia cinética R dos dois núcleos será nula. A energia do
fóton será, portanto, E = E0 e haverá captura ressonante.
* Lebach, D. E., et
al., Physical Re O efeito Mössbauer pode ser utilizado em espectrometria de energia, porque mudanças
view Letters, 236,75
extremamente pequenas da energia do fóton em vôo ou das energias dos níveis nucleares
(1995)1439.
da fonte ou do alvo (uma parte em 1013) podem destruir a ressonância. A recuperação da
** Fomalont, E. B.,
ressonância se faz produzindo-se o efeito Doppler na frequência do g, pelo movimento
e Kopeikin, S. M.,
arXiv:astro-ph/0302294 muito fino e bem controlado da fonte ou do alvo (representado esquematicamente na
v2, 11.07.2003. Figura 7.11).
Problemas 139
(7) Em 1870, William Clifford fez uma comunicação à Cambridge Philosophycal Society
(publicada nos Proceedings da entidade, 2, p.157) que continha a seguinte afirmação
(citada no excelente livro de Kenneth W. Ford, Classical and modern physics, vol. 3,
p. 1108, New York, John Wiley and Sons, 1974):

“Eu sustento: (1) Que pequenas porções do espaço são, de fato, de natureza semelhante
a pequenas protuberâncias (hills) numa superfície que é na média plana, isto é, que as
leis ordinárias da geometria não são válidas nelas. (2) Que essa propriedade do espaço
de ser curva ou distorcida passa continuamente de uma posição para outra, como uma
onda. (3) Que essa variação da curvatura do espaço é o que realmente acontece no fe
nômeno que chamamos movimento da matéria, seja ponderável ou etéreo. (4) Que no
mundo físico nada mais acontece senão essa variação, sujeita (possivelmente) à lei de
continuidade.”

(8) Os buracos negros são tratados em artigos e livros especializados que requerem bom co
nhecimento da TRG. O leitor poderá obter informações no mesmo nível deste texto nos
livros de divulgação científica referidos a seguir, de astrofísicos que têm tido extraordi
nária participação em pesquisas sobre o tema:
Hawking, Stephen W., A brief history of time from the big bang to black holes. New
York, Bantam Books, 1988.
Hawking, Stephen W., O universo numa casca de noz. São Paulo, Editora Mandarim,
2001.
Penrose, Roger, A mente nova do rei. Rio de Janeiro, Editora Campus (1991)
Thorne, Kip, Black holes and time warps: Einstein’s outrageous legacy. New York, W.
W. Norton and Company, 1994.

Problemas
7.1 Mostre que a frequência de um pêndulo de comprimento L, numa região onde
a aceleração da gravidade é g, é dada por n = 1/2p (mg/mi · g/L)1/2, onde mg e
mi são as massas gravitacional e inercial da esfera na extremidade do pêndulo.
(Newton fez experiências com o pêndulo para investigar uma possível diferen
ça
precisão
entre m
deg uma
e mi parte
e Bessel
emdemonstrou
6·104.) a igualdade delas, por esse método, com

7.2 A Terra está na periferia da Via Láctea. Faça uma estimativa do desvio gravita
cional para o vermelho, observado na Terra, da luz emitida no centro da galáxia.
O diâmetro da Via Láctea é  105 anosluz e sua massa é 1042 kg. Trate a dis
tribuição de massa dentro da galáxia como aproximadamente uniforme.
7.3 Astrônomos observaram um objeto cósmico que irradiava intensamente na
faixa de radiofrequências. Conseguiram identificar no espectro óptico uma
linha característica do espectro atômico do oxigênio, que, em condições nor
mais no laboratório, tem comprimento de onda l = 372,7 nm, com uma linha
em l = 509,7 nm; havia, portanto, um imenso desvio do espectro para o ver
melho. Faça as duas hipóteses seguintes: a) O objeto está em nossa galáxia e o
desvio é gravitacional; b) o objeto está fora de nossa galáxia e se afasta dela,
140 Capítulo 7 — Teoria da relatividade geral

sendo o desvio causado pelo efeito Doppler. A primeira hipótese é razoável? De


acordo com a segunda hipótese, qual seria a velocidade e a distância do objeto
em relação à Via Láctea? (Esse objeto foi denominado quasar.)
Sugestão: Calcule, na primeira hipótese, a relação da massa do objeto para a
massa da galáxia.
7.4 Na experiência citada na Seção 7.3, em que um oscilador maser é enviado num
foguete até a altitude de 10.000 km e tem sua pulsação comparada com a de os
cilador idêntico, no laboratório terrestre. Calcule a relação dos tempos medidos
por esses dois osciladores, quando o foguete está na altitude máxima.
141

constantes úteis

Velocidade da luz no vácuo...................................c = 2,997925· 108 m·s– 1


Constante de gravitação universal de Newton...G = 6,672598 · 10–11 N·m2·kg–2
Constante de Planck............................................ h = 6,626076· 10–34 J·s
Carga elementar do elétron..................................e = 1,602 177·10–19 C
Unidade de massa atômica...................................u = 1,660 540 · 10–27 kg =
.................................................................................. = 931, 494 MeV/c2
..................................................................................
Massa do elétron ................................................me = 9,109390 · 10–31 kg =
= 5,485799 . 10–4 u =
.................................................................................. = 0,510999 MeV/c2
Massa do próton.................................................mp = 1,672623· 10–27 kg =
= 1,007 276 u =
= 938,272 MeV/c2
Massa do nêutron.............................................. mn = 1,674929 · 10–27 kg =
.................................................................................. = 1,008665 u =
.................................................................................. = 939,565 MeV/c2

Dados astronômicos
Massa da Terra......................................................... 5,98· 1024 kg
Raio da Terra........................................................... 6,37 · 106 m
Raio médio da órbita terrestre............................... 150 · 109m
Velocidade orbital média da Terra.......................... 29,8 · 103m s–1
Gravidade média na superfície da Terra................ 9,81 m·s–2
Massa do Sol............................................................ 1,99· 1030 kg
Gravidade média na superfície do Sol.................... 274 m s–2
Diâmetro da Via Láctea........................................... 70· 103 < D < 100·103 anos-luz
142 Teoria da relatividade especial
143

BIBLIOGRAFIA

Esta bibliografia não é extensa – pretende apenas indicar leituras que possam
complementar o tratamento dado no texto. Além dos livros citados nas notas dos
capítulos, são indicados alguns outros. Os livros marcados com asterisco contêm
problemas no mesmo nível deste texto, exceto o livro de Rindler, cujos problemas
são um pouco mais difíceis.

BELL, ERiC T. Men of mathematics, the lives and achievements of the great mathema
ticians from Zeno to Poincaré. New York: Simon and Schuster, 1986.
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145

Índice remissivo

Aberração da luz das estrelas, 16, 17, 23 Curvatura da luz num campo Eletrodinâmica de Maxwell-Lorentz,
Absoluta, gravitacional, 124 102
grandeza, 83 Curvatura do espaço-tempo, 130 Energia, cinética, 64
lei física, 27 de ligação, 75
Absorção ressonante de radiação gama, Decaimento nuclear, 92 de repouso, 79
129, 138 Defeito de massa, 76 potencial, 65
Academia Olímpia, 37 Deflexão magnética, 74 total, 66
Aceleração absoluta, 7, 8 Desvio, Eötvös, R. v., 137
Ampère-Maxwell, lei de, 9 Doppler para o vermelho, 53 experiência de 121, 122, 137
Anderson, C.D., 73 gravitacional da frequência, 129, 138 Equação da continuidade, 9, 102
Aproximação clássica, 60 Determinismo de Laplace, 2, 19 de onda, 11
Aqui-agora, 86 Dicke, R.h., 122 Equações de Maxwell no vácuo,
Dilatação do tempo, 28, 38 forma covariante, 110,111
Berkeley, G., 7 Dilatação gravitacional do tempo, 126 forma diferencial, 102
Big bang, modelo padrão do, 53, 54, 86 forma integral, 103
Bolyai, J., 131 Efeito, no sistema gaussiano de unidades,
Bradley, J., 16 Cherenkov, 77 21
Bridgman, P. W., 3 Compton, 70 Equivalência, de massa e energia, 65-66
Buracos negros, 97, 134 Doppler Clássico (do som), 49-50 princípio de -- de Einstein, 120
e o tempo, 135-136 Doppler relativístico, 51-52 princípio de -- de Galileu, 123
Doppler transversal, 53 Espaço, absoluto, 7
Campo eletromagnético, potenciais do, Mössbauer, 53, 129, 138 curvatura do, 130
105 Ehrenfest, P., 37 homogêneo, 2, 27
de carga em movimento, 115 Einstein, A., isotrópico, 2
Campo magnético, movimento de avanço do periélio de Mercúrio, 133 Espaço-tempo, 42, 81,83
partícula em, 73-74 constante cosmológica de, 53 Espectrometria de energia, 138
Causativo, 85 curvatura do espaço-tempo, 130-132 Estabilidade nuclear, 76-77
Cefeidas, 53, 58 dilatação gravitacional do tempo, 135 Estrelas,
Centro de massa, referencial do, 8, 9 deflexão da luz no campo Cefeidas, 53, 58
Cherenkov, P. A., 77 gravitacional do Sol, 133 colapso das, 135
efeito, 77 e a cosmologia moderna, 53, 133 Éter, 11, 12
Clifford, W., 139 e a experiência de fizeau, 16 arrastamento do, 15, 16
Colisão de duas esferas, 61 e a experiência de Michelson localmente estacionário, 16, 17, 21
Comprimento, Morley, 17, 23, 55, 56 vento do, 12
contração do, 33,44 e a transformação de Lorentz, 37 Evento, 4,83
próprio, 33, 44 e a unidade da física, 56-67 Experiência
Compton, efeito, 71 e experiências imaginárias, 19 de aberração da luz das estrelas, 16,
Cone de luz, 78 e formalismo de Minkowski, 82,94, 23
Conservação 95,97 do balde, de Newton, 8
de carga elétrica, 102-103 e Grossmann, 132 de Dicke e col.
de energia, 66, 69, 72 e Laue, 58 de Eötvös, 121-122, 137
de massa-energia, 66 e Mach, 7, 8, 20, 21 de fizeau-fresnel, 16, 49
de momento, 61, 69, 72,89 e Planck, 20, 27, 30, 37, 58 de ives e Stilwell, 52
de momento-energia, 65, 72 motivação para criar a TRE, 25 de Michelson e Morley, 12-15, 17,
e invariância, 102, 103 o princípio da equivalência de, 120 21-22, 34
Constante cosmológica, 53 postulados de, 25-27 de Pound e Rebka, 129
Corrente de deslocamento, 9 Eletrodinâmica de Maxwell, 17 imaginária, 19-20
Covariante, formulação, 101, 103, 105 assimetrias na, 25 faraday, lei de, 9
146 Índice remissivo

fitzgerald, G.f., 22 do campo magnético, 113 Michelson A., 21


hipótese de -- Lorentz, 17 momento-energia, 99 experiência de Michelson e Morley,
força, isotropia 12-15, 17, 21, 22, 34
de Coriolis, 8 do tempo, 1 Minkowski h., 97
de Lorentz, 58 do espaço, 3 espaço tempo de, 82,97
de Minkowski, 94 força de, 94
eletromotriz, 10 kronecker, delta de, 108 Momento (momento linear), 61
fictícia, 8, 121 relativístico, 64
fóton, massa inercial do, 127 Laboratórios locais e nãolocais, 123-124 Múons, dilatação da vida média de, 30
peso do, 127
idade do, 90 Laplace, P.S., 19, 134 Nebulosas, 53
friedmann A., 54,97 Larmor, J., 57 Nêutrons,
futuro absoluto, 85 Laue, M. v., 58 estrelas de, 135
Lei de conservação térmicos,76
Galáxias, 3, 4, 53, 54 de massa-energia, 66 Newton, i., 18
Galileu, de momento-energia, 92 leis de Newton, 1-2
princípio da relatividade de, 4 Lei de Gauss, 10 religião de, 18
transformação de, 5 é a – invariante sob a transformação
Gamow, G., 54 de Galileu, 9-10 Oppenheimer, R., 135
Gauss, C. f., Lei de inércia, 20
e a curvatura do espaço, 131 Leibniz, W., 7, 18 Par elétron-pósitron,
lei de, 10 Leis de Newton, 3 aniquilação de, 72
Geodésicas, 132 Lemaître, G., 54,97 produção de, 72
Gravidade como manifestação da Levi-Civita, T., 132 Paradoxo dos gêmeos, 31
curvatura do espaço, 134 Limiar de energia, 72 Passado absoluto, 85
Grossmann, M., 132 Linha do universo, 97 Peebles, J. P., 137
Grupo local, 53 Lobachevski, N.i., 130 Penrose R., 54, 139
Lorentz, h. A., 57-58 Penzias, A., 54
habicht, k., 36 condição de, 56 Periélio de Mercúrio, avanço do, 133
hadamard, J., 136 força de, 102 Planck, M., 20, 27, 36
hawking, S., 54,139 invariante de, 59,63 Poincaré, h., 27, 36-37
hertz, h., 9 transformação de, 39-42 e a interpretação dos tempos na
hipercone, 84 transformação geral de, 82 transformação de Lorentz, 57
hooke, lei de, 2 Luz, e a velocidade limite da luz, 36
horizonte de eventos, 135 cone de, 84 e a nova mecânica, 37
hoyle f., 54 constância da velocidade da, 26 e o princípio da relatividade, 57
hubble, E.P., 53 deflexão da luz pela gravidade do Popper, k., 137
constante de, 53 sol, 124-126 Positrônio, 72
hulse R., 133 peso da, 127-129 Postulados de Einstein,
huygens, C., 7 relógio de, 29 da constância da velocidade da luz,
velocidade da, 11, 12 26
intervalo no espaço-tempo, da relatividade, 26, 27
absoluto, 83 Mach, E., 20 Potenciais do campo eletromagnético,
tipo-espaço, 85 princípio de, 7-8 105
tipo-tempo, 85 Massa Pound, R.V., 129
invariância, 102 de repouso, 63,65 Principia Mathematica, 1, 18
das equações de Maxwell sob a densidade de – e curvatura do Princípio da relatividade,
transformação de Lorentz, 10 espaço, 132 de Einstein, 26
das leis da mecânica sob a transfor conteúdo de energia da, 65-66 de Galileu, 4-7
mação de Galileu, 7 gravitacional, 65 Princípio da equivalência,
de Galileu e a lei de faraday, 10 inercial, 65 de Einstein, 120, 122-126
de Galileu e a lei de Gauss, 9 relativística, 63,66 de Galileu, 120-122
do intervalo sob a transformação de Maxwell, J. C., Princípio de Mach, 7
Lorentz, 95 teoria eletromagnética de, 8 quadrivetor, 87-94
teoria da, 27 Mecânica clássica (de Newton), 1-8 densidade de corrente, 104
invariante Métrica euclidiana, 95 força, 94
de Lorentz, 59 Michell, J., 134 momento, 90
Índice remissivo 147
momento-energia, 91 Slipher, V., 53 matriz da, 88
produto escalar de, 89 Solovine, M., 36 ortogonal, 108, 111
velocidade, 89 Snyder, h., 135
tipo-espaço, 89 Sommerfeld, A., 132 Unidade da física, 56-57
tipo-tempo, 89 Stilwell, G. R., 58 Unidade de massa atômica, 75
Universo, 86
Reações nucleares, 74-76 Taylor, J., 133 idade do, 54
Rebka, S. jr., 129 Tempo, linha do, 97
Referencial do centro de massa, 72,78 absoluto, 1, 2, 20, 26, 36, 57,97 raio do, 55
Referencial inercial, 3 dilatação do, 28, 38
a Terra como, 3 dilatação gravitacional do, 135 VLBi, 138
definição operacional de -- de homogêneo, 1 Velocidade,
Bridgman, 3 imaginário, 87 absoluta, 12
local, 23 isotrópico, 1 da luz, 11, 12, 13, 16, 17, 21
Relógio de luz, 28-29 próprio, 30, 31, 33, 43, 63, 79,90 da luz como velocidade limite, 64, 77
Riemann, B., 131 Tensor, 106-108 da luz em líquido que flui, 16-17, 48
e a curvatura do espaço, 131-132 antissimétrico e simétrico, 107, 112, 49
Ricci, G., 132 116 de escape, 134, 135
Rotação de sistema de coordenadas, de campo, 110 do centro de massa, 78-79
81,95 escalares invariantes do, 113 transformação da – sob a
quadritensores, 108 transformação de Lorentz, 47,
Satélites artificiais, 7, 40, 123 Teoria, 48
Schwarzshild, k., 134 eletromagnética de emissão, 17
raio crítico de, 135 quântica da gravitação, 136 Vetores, 81-82, 87,89
singularidade de, 135 Termo cosmológico, 133 Via Láctea, 86
Simultaneidade Terra, movimento da, Voigt, W., 57, 101
no mesmo referencial, 27-28 anual, 4
em referenciais inerciais diferentes, diário, 3 Wheeler, J., 135
28 Transformação, Whittaker, E., 37
Sincronização de relógios, de Galileu, 5, 10, 11 Wilson, R., 54
no mesmo referencial, 27 de Lorentz, 40-42
diferença de -- em referenciais interpretação geométrica da, 95, Zeeman, W., 58
diferentes, 45 o campo eletromagnético sob a,
Singularidade, 87, 135 111-113

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