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EVOLUÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL NO PAÍS

Até meados da década de 1920 a aviação no país era um tanto quanto arcaica, não havendo uma regulação
que regesse oficialmente o modal. O entusiasmo pelas ‘máquinas que voam’, como eram chamadas na época,
impulsionou em 1914 a criação de um clube civil com apoio militar, o Aeroclube Brasileiro.
A extensão continental do Brasil tornava o desenvolvimento do setor imprescindível para a integração
territorial. O engajamento militar no setor é histórico, já que foi com a Aviação do Exército como a Aviação
Naval que criaram na década de 30 os correios aéreos.
Foi apenas em 1927 com a liberação à iniciativa privada que surgiram as primeiras linhas comerciais. As
companhias Aéropostale e Condor Syndikat, de origem francesa e alemã respectivamente, e posteriormente
as primeiras companhias brasileiras: VARIG (Viação aérea Rio-Grandense em 1927), Sindicato Condor
(nacionalização da empresa alemã também em 1927), Panair do Brasil (1930) e VASP (Viação Aérea São Paulo
em 1934).
Cerca de 20 companhias foram criadas entre as décadas de 1940 e 1950, incentivando a política
governamental a estender sua influência regulatória para pelo menos fiscalizar as operações e conceder
abertura de empresas. Surge então o Departamento de Aviação Civil (subordinado ao Ministério de Viação e
Obras Públicas), em 1931, e posteriormente a importante publicação do Código Brasileiro do Ar, em 1936.
A estratégia de integração nacional utilizando o modal aeroviário já havia demonstrado um futuro promissor.
A década de 1940 comprovou-se benéfica para a expansão da frota de aeronaves, já que a Segunda Guerra
Mundial gerou um excedente de aviões e equipamentos usados, reduzindo-se significativamente seu custo
de aquisição.
Assim, em 1941, o então Presidente Getúlio Vargas cria um ministério próprio e unificado (Ministério da
Aeronáutica) para facilitar as operações civis e militares. Esta última passa a ser chamada de Força Aérea
Brasileira (FAB), que já no ano seguinte é enviada para defender os Aliados na Europa.
A década de 1950 foi a que melhor caracterizou o ritmo de expansão da aviação brasileira. Chegou-se a
conclusão que uma instituição de caráter técnico, com especialistas em engenharia deveria ser criada. Dessa
forma, nasce no mesmo ano o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e logo depois, em 1953, o Centro
Técnico de Aeronáutica (CTA).
O mercado, entretanto, apresentava sinais de saturação, o que acabou resultando no enfraquecimento de
companhias menores. Isso trouxe uma onda de fusões, aquisições e falências, gerados principalmente pelo
excesso de oferta aliado aos desequilíbrios financeiros, tornando a atividade pouco rentável.
Estava assim armado o ambiente de crise que se instalaria na década de 1960 e que colocou em risco tanto
a operação regular dos serviços de transporte aéreo como sua segurança. As 3 razões fundamentais para
compreender a conjuntura do período: dificuldades operacionais por parte das empresas, que não usufruíam
mais de cotações especiais para suas importações; retorno piorado pelo excesso de concorrência e, por fim,
piora dos serviços por falta de investimentos no setor, que necessitava reconstituir sua frota
(predominantemente constituída de aeronaves do pós-guerra).
O Governo então se vê obrigado a alterar sua linha de conduta, apoiando uma nova rodada de fusões para
que houvesse o fortalecimento das companhias em 4 grandes: VARIG, VASP, Transbrasil e Cruzeiro. O papel
do Estado começa a se definir com mais precisão a partir deste momento, passando a atuar na reformulação
das linhas e definindo diretamente o valor das passagens. Em 1966 é promulgado um novo Código Brasileiro
do Ar, redefinindo a regulação para o setor.

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Uma participação mais ativa significava ouvir e entender outras reivindicações e carências do setor aéreo.
Inicia-se uma série de reuniões, batizadas de Conferências Nacionais de Aviação Comercial (CONARC)
realizadas nos anos de 1961, 1963 e 1968. Esses debates serviram para definir as políticas para os anos
seguintes, sendo a principal delas a que estabelecia uma situação de competição controlada.
A filosofia nacionalista em relação ao setor se concretiza em 1969 com a criação da EMBRAER, simbologia
máxima das políticas que viriam a seguir. A chamada fase de “competição controlada”, descrita
anteriormente, se consagrou como a primeira das duas grandes Reformas Regulatórias pela qual o país
passou entre o final da década de 1960 até o início da década de 1990.
As mudanças no transporte aéreo foram acontecendo gradualmente e podem ser divididas em seis fases de
transição.
A primeira, batizada de Regulação com Política Industrial (1972 a 1986), estabelece uma tentativa de
implementar políticas desenvolvimentistas através de iniciativas de fomento ao setor. Nessa linha, foi criada
em 1972 a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO).
A evolução tecnológica teve papel importante, e acabou obrigando as companhias a operarem apenas nas
cidades com maior infraestrutura, capaz de suportarem as aeronaves mais modernas e de maior porte. Foi
assim que um grupo de somente 92 municípios (de um total anterior de 358) foram selecionados por
apresentarem melhores serviços e condições de mercado que viabilizassem as atividades.
Vigilante quanto à situação, o Ministério da Aeronáutica estabelece em 1975 a estrutura do SITAR – Sistema
Integrado de Transporte Aéreo Regional. O objetivo da entidade era ampliar novamente a rede de linhas
aeroviárias por meio da criação de companhias regionais. Dessa forma, o país foi divido em cinco grandes
áreas, especialmente desenhadas para a operação deste tipo de companhia aérea, sob o regime de
monopólio.
A regulação estendia-se não somente às operações das companhias – definindo frequências e preços dos
voos – mas também estabelecendo fortes barreiras à entrada de novos competidores. Tanto no âmbito das
empresas nacionais (ou segmento “tronco”) como no das regionais (ou alimentadores – também chamados
de feeder), não havia nenhuma competição.
Cada empresa funcionava de forma a movimentar o esquema de alimentadoras e linhas-tronco,
principalmente para impulsionar o uso das já consagradas aeronaves Embraer EMB-110, conhecidas como
“Bandeirante”. Para que fosse viável, a Suplementação Tarifária implementada juntamente com o SITAR,
financiava os serviços aéreos de baixa e média intensidade (até 30 assentos) por meio de linhas de crédito.
A segunda fase, batizada de Regulação com Política de Estabilização Ativa, se estende de 1986 até meados
do Governo Collor, em 1992. Esse período foi caracterizado por uma forte tendência global de viés mais
liberal para o setor. No Brasil, o esgotamento de políticas industriais e de intervenção nas tarifas de serviços
controlados pelo governo também deixava evidente essa necessidade de mudança.
Os crescentes problemas macroeconômicos do período afetaram fortemente o setor aéreo. As políticas de
estabilização, como desvalorização cambial e o congelamento de tarifas, prejudicaram muito a rentabilidade
das companhias. Do lado dos custos, preços de peças e combustível possuem alta correlação com o dólar, o
que gerou uma pressão enorme. Isso sem contar as inúmeras dificuldades para importação de insumos e
componentes essenciais para a atividade. Já lado das receitas, o congelamento de tarifas impunha um
limitante para repasses de custos aos clientes.
O fracasso das diretrizes governamentais foi fundamental para a adoção de uma nova política sobre o setor.
A começar pela substituição em 1986 do Código Brasileiro do Ar pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, mais
moderno e adequado às novas tecnologias.

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Outro marco significativo foi a realização de novas rodadas da Conferência Nacional da Aviação Comercial
(CONAC), em 1986 e 1989, que resultaram no processo de flexibilização das tarifas. O Ministério da
Aeronáutica passou a adotar novas orientações para seu órgão regulador (DAC - Departamento de Aviação
Civil) no sentido de encaminhar gradativamente para uma suavização do controle artificial de preços. O
resultado: formação de preços mais flexíveis via bandas ou, em outras palavras, faixas de variação.
Estava assim plantada a ideia de que as forças de mercado levariam a uma alocação mais eficiente de capital.
Ao mesmo tempo, se esperava também atrair o capital disponível por conta de retornos mais satisfatórios
que o setor passaria a oferecer. Inicia-se, dessa forma, a segunda grande reforma regulatória caracterizada
pela Política de Flexibilização.
A terceira fase de transição, chamada de Liberalização com Política de Estabilização Inativa – isto é, através
da ausência de políticas que interferissem no mercado – foi implementada logo no início do Governo Collor,
através do Programa Federal de Desregulamentação.
As distorções por conta da crescente competição entre as companhias regionais, em busca de maior escala
de operação, e as companhias nacionais, foram definitivamente abolidas. Com exceção das Linhas Aéreas
Especiais, que conectavam os aeroportos de São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Rio de Janeiro, constatou-se
a entrada de novas empresas pequenas atraídas pela perspectiva de maior retorno.
O ano de 1994 trouxe com o Plano Real uma série de modificações necessárias para o reajuste
macroeconômico, influenciando diretamente a aviação civil. Destaca-se o aumento do número de viagens ao
exterior que, aliado ao poder aquisitivo de algumas classes em ascensão, gerou um aumento na demanda
pelo transporte aéreo.
Outro evento importante, que demonstra a transição da postura governamental, é a privatização da
EMBRAER naquele mesmo ano. A partir de então, o Estado muda definitivamente seu papel, passando de
produtor a fomentador da atividade, atuando de forma proativa apenas no financiamento de projetos e
exportação de aeronaves via BNDES.
A fase seguinte, que vai de 1998 a 2001, dá continuidade ao processo de transição. Chamada de Liberalização
com Restrição de Política de Estabilização, ela é marcada especialmente pela Segunda Rodada de
Estabilização, que abole de uma vez por todas o sistema de bandas tarifárias e as operações privilegiadas das
empresas regionais nas Linhas Aéreas Especiais.
Vale destacar que apesar de uma maior liberdade para a formulação de preços, as companhias ainda não
tinham autonomia para reajustar suas tarifas cheias anuais. A tendência da desregulamentação, no entanto,
incentivou o que a imprensa denominou na época de “guerra de preços” e “corridas por frequência”,
movimentos de curto prazo em resposta ao novo ambiente, com o objetivo de atrair passageiros.
Em termos institucionais, o maior destaque foi a extinção dos Ministérios da Aeronáutica, do Exército e da
Marinha, em 1999. Estes passam para o status de Comandos, agora subordinados ao Ministério da Defesa.
No ano seguinte, é constituído o Conselho da Aviação Civil (CONAC), designado para amparar diretamente o
Presidente da República nas formulações de política para a aviação civil.
A quinta fase é breve, entretanto decisiva, uma vez que determinou o ponto culminante para a extinção de
praticamente todos os mecanismos regulatórios. Com duração entre 2001 e 2002, o período batizado de
Quase Desregulamentação contemplou a Terceira Rodada de Liberalização, que abrangia medidas de
flexibilização de diversos processos ligados à atividade aérea, como pedidos de novas rotas, frequência de
voo e remoção da barreira de entrada de novas companhias.
A tentativa de total liberalização foi frustrada na sexta e última fase, chamada de Re-regulação e Transição,
que teve inicio em 2003 e perdura até o momento. O período contemplou uma reformulação das diretrizes

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setoriais durante o segundo Governo Lula, readotando alguns procedimentos regulatórios de combate ao
excesso de capacidade e buscando eliminar qualquer tipo de competição predatória no mercado.
A preocupação em adequar oferta e demanda acendeu os holofotes dos órgãos antitrustes, que também
passaram a monitorar o setor aéreo. O DAC, por sua vez, também passou por duas reformulações. A primeira
de forma a englobar uma função moderadora e a segunda que acabou por decretar sua extinção.
O remanejamento do Departamento de Aviação Civil resultou na criação da Agência Nacional de Aviação Civil
(ANAC, em 2005), totalmente subordinada ao Ministério da Defesa e com o objetivo de organizar o setor em
conformidade com os padrões internacionais, além de acumular as funções de gerenciadora, controladora e
planejadora das atividades aéreas.
O surgimento da ANAC refletiu a necessidade observada ao longo da década anterior. É incontestável que a
liberalização, junto com os indicadores macroeconômicos que indicavam uma melhora significativa na renda
da população, contribuiu para o aumento da demanda do modal. Entretanto, o mesmo nível de liberalização
não foi aplicado aos outros agentes da cadeia produtiva do transporte aéreo, como os aeroportos e o
controle de tráfego aéreo.
O rápido crescimento do serviço aliado à infraestrutura deficitária gerou como sequela a maior crise da
aviação civil da história brasileira. Chamado de “Apagão Aéreo” o período entre 2005 e 2007 expôs as graves
falhas estruturais que causariam muitas filas, atrasos e cancelamentos em massa por todo o país.
O episódio do Apagão gerou um conflito entre os que defendiam e os que criticavam a liberalização. Os
benefícios gerados pela liberalização foram sem dúvida vantajosos no início, mas com o tempo alguns
gargalos estruturais se evidenciaram pela utilização do espaço aéreo cada vez mais esgotado, além da
concentração das atividades e piora na cobertura geográfica.
Este último preocupava, já que era de conhecimento das autoridades que o Brasil seria o país sede de dois
grandes eventos esportivos, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. O chamado problema de
“hubinização”, ou a concentração da frequência de voos em torno dos principais aeroportos, seria agravado
se alguma providência não fosse tomada com urgência.
Não apenas a concentração, mas o acentuado tráfego de passageiros, assim como uma estrutura preparada
para receber turistas, imprensa e delegações exigiriam espaços para estacionar aeronaves, terminais com
maior capacidade, entre outros requisitos.
Nessa linha de raciocínio foi publicada a nova Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), juntamente com a
criação da Secretaria de Aviação Civil (SAC) ligada ao Ministério da Defesa. Posteriormente, em 2011, foi
vinculada a Presidência da República, para que a então governante Dilma Rousseff e sua equipe pudessem
observar com maior atenção às necessidades do setor.
A partir de então, uma nova diretriz é adotada buscando melhorias dos gargalos estruturais, que haviam
chegado ao limite. A nova política de fomento ao setor seria contemplada pelos investimentos do PAC,
Programa de Aceleração do Crescimento, que estimou mais de R$ 7,1 bilhões para realizar as melhorias
necessárias ao setor.
Entre as destinações dos investimentos estavam melhorias em 270 aeroportos regionais, para solucionar o
problema da concentração, e nos aeroportos das capitais-sede da Copa do Mundo, para suportar a demanda
esperada. Destaque também para a nova política de incentivo a programas de concessão, integração dos
órgãos públicos e financiamento via mecanismos como o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC).
O programa de concessão de aeroportos internacionais foi bem-sucedido e apenas entre 2011 e 2012 quatro
foram leiloados: São Gonçalo do Amarante (RN), Brasília (DF), Guarulhos (SP) e Viracopos (SP). Em 2013,
Galeão (RJ) e Confins (MG), e em 2015, Fortaleza (CE), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS).
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Em 2017, mais quatro aeroportos foram concedidos: Pinto Martins, em Fortaleza (CE); Luiz Eduardo
Magalhães, em Salvador (BA); Hercílio Luz, em Florianópolis (SC); e Salgado Filho, em Porto Alegre (RS).
Com o objetivo de melhorar a gestão e a operação das atividades aeroportuárias foram criados o Programa
de Treinamento para Profissionais de Aeroportos Regionais (TREINAR) em 2013 e a Bolsa Piloto, visando o
incentivo a formação destes, em 2015.
Entre as principais deliberações para modificar o cenário Institucional, foram criados em 2011 o Comitê
Técnico de Operações Especiais (CTOE), voltado para a organização de grandes eventos, e a Comissão
Nacional de Autoridades Aeroportuárias (CONAERO), com o intuito de integrar todas as instituições parceiras
nos aeroportos.
Finalmente, também surgiram mecanismos de avaliação das estruturas aeroportuárias por parte dos
passageiros. O primeiro deles em 2013, a Pesquisa de Satisfação Permanente do Passageiro, que entrevista
os usuários diariamente a fim de investigar a qualidade dos serviços ofertados. O segundo, em 2015, foi
batizado de Prêmio Aeroportos + Brasil seleciona e premia o melhor colocado na pesquisa de satisfação.
É inegável a evolução pelo qual passou o setor de transporte aéreo brasileiro. O capítulo a seguir trata dos
dados e estatísticas que embasam e comprovam tal afirmativa, através da análise da evolução recente de
variáveis como preços das passagens, estruturas criadas, número de passageiros beneficiados, entre
inúmeros outros. Em seguida, analisa a conduta tomada pelas empresas do setor e seus respectivos
desempenhos.

Quadro 1 – A Evolução do Transporte Aéreo nas Últimas Décadas

Durante as décadas de 1980 e


Até a década de 1970 Atualmente
1990

Movimento de
Indústria altamente desregulamentação nos EUA e Meio de transporte popular,
regulamentada, governos definem Europa permitem que operadoras especialmente nos EUA e na
todas as rotas de assentos, etc definam as rotas, oferta de Europa
assentos, etc

Meios de transporte acessíveis


Liberalização de rotas
somente a pessoas com alta Baixa de preços
internacionais
renda

Alto índice de crescimento para


Maior acesso a pessoas de menor tráfego de passageiros,
Preços altos
renda alavancado principalmente por
mercados em desenvolvimento

Baixo Volume de tráfego de Participação elevada na matriz de


Maior tráfego de passageiros
passageiros transportes

Participação Reduzida na matriz Maior importância na matriz de


Preços acessíveis
de transportes transportes

Alto grau de cobertura

Fonte: BNDES (2010) apud U.S. Department of Transportation, Burean of Labor Statistics, análise da equipe do
autor – Elaboração Própria

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2. ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO

Esta seção tratará das especificidades que envolvem as atividades das companhias aéreas brasileiras, de
modo a apresentar o ambiente em que estão inseridos, como reagem frente às adversidades e quais
resultados obtiveram recentemente. O modelo selecionado para expor as peculiaridades da aviação civil no
país baseia-se nas análises de Estrutura, Conduta e Desempenho (ECD) das principais empresas do setor.
A análise ECD procura destacar as variáveis que influenciam na capacidade de produção das empresas através
de um mecanismo de comparação simples. Primeiramente, examina a Estrutura a que estão sujeitas, como
mão-de-obra especializada disponível, número de concorrentes, market share, nível de concentração e
barreiras à entrada e saída.
Em seguida, analisa-se sua Conduta. Isto é, como se comportam para maximizar seus retornos, buscar
soluções para a melhoria da competitividade e eficiência operacional. Por fim, examina-se seu Desempenho
baseado nas influências macroeconômicas, como câmbio, taxa de juros e PIB e de que forma afetaram as
variáveis microeconômicas, por exemplo, preço do combustível e reposição de aeronaves.

2.1 ESTRUTURA DO MERCADO BRASILEIRO

Foi a partir da criação da ANAC em 2005 que se identificaram as principais consequências para o mercado
em livre concorrência, onde qualquer empresa (desde que certificadas por este órgão e respeitadas as
condições de qualidade e capacidade dos aeroportos) pode atender a qualquer linha aérea. Observa-se
também a liberdade tarifária, totalmente formada pelo mercado e suas variantes, como oferta, demanda,
concorrência, custos e etc.
Segundo o Anuário do Transporte Aéreo mais recente com dados de 2018, existem treze empresas nacionais
em operação no setor de transporte aéreo público, onde três prestaram serviços apenas de carga. Em
contrapartida, o número de companhias estrangeiras atuando no Brasil chegou a setenta e nove em 2018,
sendo vinte e três essencialmente transportadoras de carga.
Das empresas nacionais, destacaram-se as quatro principais em participação do mercado: Latam, Gol,
Avianca e Azul. Conjuntamente foram responsáveis pelo serviço de transporte aéreo para cerca de 98,2% dos
passageiros em trânsito doméstico.
A Latam, resultado da fusão entre a Tam e a chilena Lan, é atualmente a empresa brasileira com maior tempo
de atuação no mercado, desde a década de 70. Ainda segundo o Anuário, possui operações em
aproximadamente 48 aeroportos nacionais e em cerca de 35 aeroportos de 19 outros países.
Sozinha é responsável por 31,9% dos passageiros por quilômetros transportados (RPK- Revenue Passengers
Kilometers) no país e 20,9% do RPK para voos internacionais. Isso lhe conferiu o título de co-líder no território
nacional e como segunda companhia que mais transportou passageiros pagantes em voos domésticos e
internacionais, 28,5 milhões e 4,9 milhões respectivamente.
Possui a maior frota de aeronaves dentre as quatro companhias, com 156 aviões que suportam de 144 a 379
passageiros. Além disso, é a maior empregadora do setor, com cerca de 18.200 funcionários em 2018, entre
2.000 pilotos e co-pilotos e 4.600 comissários de bordo.
A liderança é dividida com a Gol, que em 2018 atuou em 59 aeroportos brasileiros e em cerca de 29
aeroportos de outros 18 países. Sua frota de 121 aeronaves com capacidade para 138 a 177 foi responsável
pelo emprego de quase 12.300 funcionários, dentre esses 1.400 pilotos e copilotos e 2.700 comissários.

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Fundada no início dos anos 2000, virou líder do mercado brasileiro em 2016 tendo transportado 35,7% dos
passageiros por quilômetro em voos domésticos e 13,6% em voos internacionais. Foi a segunda em termos
de transporte de passageiros pagos em viagens ao exterior, cerca de 2 milhões em 2018, e a primeira em
viagens domésticas, com 31,5 milhões no ano.
A Azul, em operação desde 2008, é a terceira maior empregadora do setor e conta com aproximadamente
12.000 funcionários, sendo 1.700 pilotos e copilotos e 2.500 comissários de bordo. Sua frota de 128
aeronaves capazes de transportar de 47 a 271 passageiros chegaram à marca de 18,6% de representatividade
em RPK no mercado brasileiro, o que corresponde a mais de 21 milhões de passageiros pagos distribuídos
em 106 aeroportos no país e 4 no exterior.
Atuando desde 2008 no país, a Avianca alcançou o número de 11,6 milhões de passageiros pagos em 2018
representando 13,4% dos passageiros por quilômetros transportados em voos domésticos. Atuou em 29
aeroportos de 19 estados e uma frota de 47 aeronaves com capacidade entre 100 e 162 passageiros.

Figura 1 – Participação na Oferta em RPK entre as 4 maiores companhias em 2018 para voos domésticos

Fonte: Anuário do Transporte Aéreo (2018)

A figura acima representa a participação das quatro companhias com maior representatividade em termos
de passageiro transportado por quilômetro percorrido (RPK). Gol e Latam praticamente dividem a oferta de
passagens domésticas. A Azul vem em seguida, com participação de 18,6%, Avianca 13,4%, e as demais com
menos de 1% de representatividade.
O cenário muda de configuração quando se direciona a análise para a oferta de voos internacionais, onde as
companhias estrangeiras ganham destaque com 69% de participação, seguidas por Latam com 20,9%, Gol
com 4,5% e Azul com 2,9%.
Antes de se concluir algo sobre o setor, outra variável a ser analisada em detalhes é o índice de concentração
do mercado. O índice selecionado é o mais comumente utilizado na indústria, chamado de Herfindahl-

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Hirschman, ou HHI. A metodologia de cálculo baseia-se na soma dos quadrados do market share das
empresas que operam em cada um dos mercados.
O gráfico abaixo ilustra o indicador HHI em ordem crescente, dos menos para os mais concentrados. Os vinte
maiores mercados representados na figura correspondem a aproximadamente 93% da demanda doméstica
mundial, tendo por convenção para o setor um nível de concentração alto a partir de um HHI de 2500.
Como observado a seguir, a mediana mundial é um pouco mais elevada do que a convenção para o setor,
atingindo um patamar de 3.692. De maneira geral, não se pode afirmar que o Brasil é um pais de mercado
concentrado, já que se posiciona bem abaixo da mediana global. A diferença entre o primeiro e último país
no ranking é gritante, sendo os Estados Unidos o que possui o menor índice e o Vietnã o maior.

Figura 2 – Concentração do Setor Aéreo doméstico nos 20 maiores mercados mundiais – Índice HHI

Fonte: Panorama Abear (2017)

A partir dos dados acima relatados, podem-se observar três características do setor. A primeira é que o grau
de concentração parece depender muito de questões internas das nações, já que pela comparação
internacional é nítido que não há um padrão. Em outras palavras, tanto países emergentes como
desenvolvidos possuem indicadores distintos, muito provavelmente pelas peculiaridades que os
caracterizam, como qualidade do mercado de trabalho, quantidade de capital disponível e claro, a legislação
vigente.
Segundo, para exercer tal atividade é necessário não apenas um aporte de capital vigoroso no início do
empreendimento como ao longo de sua operação. O valor de seus ativos (especialmente aeronaves), a alta
complexidade e a decorrente necessidade de recursos financeiros são fatores limitadores. Assim como o
capital, o número de funcionários por companhia é alto, ou seja, além de intensivo em capital o setor é
também intensivo em mão de obra.
Por fim, os próprios fatores que caracterizam o setor de transporte aéreo são os mesmos que definem as
suas barreiras de entrada e de saída. Poucos grupos empresariais estariam aptos para atuar no segmento,
que demandam altos montantes de capital e recursos humanos (barreiras de entrada).

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Por outro lado, quando uma companhia aérea decide deixar o mercado, muitos custos estão envolvidos,
especialmente os relacionados a desligamento de pessoal. O ganho de relevância do setor aéreo nos últimos
anos tornou as empresas essenciais para o transporte de massa no país, que também perderia em eficiência
se alguma destas viesse a sair do nicho de mercado ou falissem (barreiras de saída).
No caso, a retração econômica e a forte sensibilidade das companhias aéreas às variáveis macroeconômicas
geraram milhares de demissões nos últimos anos, já que conjuntura recente obrigou vários players a
cortarem seus custos de forma mais intensa. Se a situação financeira das empresas não passa pela melhor
de suas fases, o mesmo não se pode afirmar sobre o setor.
Há evidências dos últimos dez anos, a partir do marco da liberalização tarifária e concorrencial, da evolução
pela qual o segmento passou. Segundo o Anuário do Transporte Aéreo mais recente, o ambiente criado nesse
intervalo propiciou “a inovação, a otimização de custos, a melhoria da eficiência, a modicidade tarifária e a
manutenção da oferta em níveis compatíveis com o crescimento da demanda”.
Prova disto, o avião tem superado desde 2010 a preferência dos passageiros pelo modal rodoviário em
viagens acima de 75 km. Há dez anos a participação do transporte aeroviário era de apenas 38%, contra 63%
em 2014 e 67,3% em 2018; já o modal rodoviário decaiu de 62% para 37% e 32,7%, respectivamente.
Desta forma, em 2018 um novo marco foi quebrado: o de maior número de passageiros pagos já
transportados. Segundo as estimativas, ao longo dos dez anos anteriores mais de 63 milhões de pessoas
foram incluídas e puderam usufruir do transporte aéreo. Apenas em 2018, foi registrado um total de 117,5
milhões de passageiros pagos no país, sendo 23,9 milhões para voos ao exterior e 93,6 milhões dentro do
país.
As quatro empresas aumentaram o número de passageiros transportados em 2018, algo que não ocorria
desde 2014.
A demanda interna variou 4,4% em 2018 comparativamente a 2017 e impressionantes 133% de 2006 a 2015,
crescendo em média 9,8% ao ano. Tendo o RPK mais do que dobrado no período, representou um incremento
11 vezes maior que o crescimento da população brasileira e 4 vezes maior do que o PIB.
Com mais intensidade que a demanda doméstica, a internacional tendo como origem ou destino o Brasil
cresceu 9,6%, uma grande aceleração quando comparado ao crescimento de outros anos. No longo prazo
continuou não decepcionando e obteve crescimento médio de 8,2%, tendo dobrado desde 2006.
Impactos positivos foram observados principalmente na Tarifa Aérea Média Doméstica, onde de cada 100
assentos vendidos 11 tinham tarifas abaixo de R$ 100,00 e 50,8% tarifas abaixo de R$ 300,00. A média do
valor das passagens passou para R$ 374,12, outro indicador que comprova o aumento real do valor das tarifas
em 1% na comparação anual.
Em termos qualitativos, a Pesquisa de Satisfação Permanente do Passageiro (SAC) tem fornecido dados
satisfatórios na avaliação das condições do transporte aéreo. Segundo esta pesquisa divulgada
trimestralmente desde 2013, 85% dos entrevistados consideram a gestão, os serviços e a infraestrutura dos
quinze principais aeroportos como “bons” ou “muito bons”.
A pesquisa fornece alguns indicadores qualitativos que permitem traçar um perfil da maioria dos passageiros
que utilizaram o modal nos aeroportos verificados. Segundo a Secretaria de Aviação Civil (SAC): 32,7%
utilizaram aplicativos como meio de transporte para chegar ao aeroporto; 63% tem como motivo da viagem
o lazer; 35,7% pertencem a faixa etária de 26 a 35 anos; 28% ganham de 4 a 10 salários mínimos; 60% estavam
viajando sozinhos; 56% dos que não estavam sozinhos viajaram com 1 acompanhante e 39% possuíam ensino
superior completo.

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Lembrando que tais características não são suficientes para traçar um perfil exato dos usuários em geral. É
apenas a amostragem dos passageiros entrevistados no período, mas que fornecem uma noção básica. Assim
sendo, pode-se dizer que na amostragem coletada, grande parte dos passageiros ainda são de classe média
ou média-alta e possuem boa escolaridade.
A melhora dos serviços e da qualidade em geral refletiu em outros indicadores, como a taxa de
aproveitamento dos assentos das aeronaves em voos domésticos (RPK/ASK). Em 2006 o aproveitamento era
de apenas 12,7% contra 81,3% em 2018, recorde nos últimos dez anos. Já as viagens internacionais
diminuíram seu aproveitamento em 2,3% em relação a 2017, com nível de 82,1%.
É nítida a melhora consistente de grande parte dos indicadores, demonstrando que de fato a guinada para a
liberalização da política pública voltada ao setor da aviação civil surtiu efeito para o setor, mas as empresas
continuam dando prejuízo

2.2 CONDUTA DAS EMPRESAS AÉREAS

A escolha da estratégia operacional e do modelo de negócios de uma companhia aérea está intrinsecamente
ligada a uma série de transformações da própria indústria de transporte aéreo, tanto no mercado em que
está inserida como no cenário econômico mundial. Algumas questões de grande complexidade começam a
surgir e se mostram decisivas para a conduta das empresas, como questões de segurança, problemas
ambientais, tendência comportamental dos consumidores e necessidade de novas tecnologias e inovação.
Por estratégia operacional e modelo de negócios, subentende-se todas as decisões que vão desde o
marketing até as escolhas mais cotidianas: em que aeroporto operam, em que tipo de rede, com qual
aeronave, quais sistemas de distribuição e de gerenciamento de custo, etc.
A partir da década de 1990, com a tendência mundial da desregulamentação do setor, surgem novas tomadas
de decisões. Há uma convergência entre as companhias de forma a priorizar os aeroportos em que vão
operar, criando um sistema de alianças globais e de gerenciamento de rede e o surgimento das companhias
de baixo custo (Low Cost Carriers).
Das quatro maiores companhias, Latam, Gol e Avianca se enquadram no modelo de negócios regular,
enquanto que a Azul segue a linha de companhia de baixo custo. As principais diferenças entre ambas as
estratégias estão expostas na tabela a seguir.

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Quadro 2 – Diferenças entre os Modelos Regular e de Baixo Custo

MODELO DE NEGÓCIO REGULAR BAIXO CUSTO

Curto tempo para


reabastecimento;
Alta capacidade de utilização (70%
Operam com diferentes tipos de a 80%);
aeronaves e equipamentos;
Operação em aeroportos
Maior disputa por market share; secundários;
mistura de trajetos de
Tripulação de cabine mínima;
Arquitetura Organizacional longo/médio/curto curso;
Flexibilidade das condições e
Média de capacidade de utilização
termos de trabalho;
em 60%;
Utilização de um tipo de aeronave
Participação global; utilizam
em rotas geralmente de curto ou
aeroportos centrais;
médio curso;
Alta frequência de voos;

Otimização de custos com


marketing;
Maximizam a oferta através da
Estrutura de Receitas e Custos
gestão da demanda e das frotas; Baixo preço;

Foco em apenas um tipo de


classe;
Vendas por meio online ou
Múltiplos canais de venda; diretas;
Tipo de Serviço Oferecido Opção serviços dedicados desde a Refeições e bebidas cobradas a
primeira classe até a econômica; parte;
Não há oferta de serviço de
bordo, marcação de assento ou
programa de milhagens;

Grande número de consumidores


pagantes; Passageiros sensíveis a tempo e
Mercado Alvo
Combinação entre turistas de preço;
lazer e de negócios;

Desenvolvimento de alianças;
Relação com a Cadeia de Valor Grande número de parceiros de Possuem vínculos simples.
cooperação.

Dentro do modelo regular, observa-se que as empresas aéreas do Brasil (e até mesmo em escala mundial)
tem baseado suas estratégias em quatro tipos de conduta. O primeiro grande eixo de conduta é a busca por
competitividade em custos, ou seja, a busca por tentar reduzi-los ao máximo, levando a uma competição de
preços.

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Tal tendência refletiu-se primeiramente no aumento médio da quantidade de assentos oferecidos por voo
afim de diluir custos. O número de assentos saltou de 100 por voo nos anos 2000 para 140 em 2010. Essa
tendência sofreu uma leve desaceleração a partir de 2010 com a entrada da companhia de low-cost Azul,
que utiliza para rotas regionais aeronaves de menor capacidade da também brasileira Embraer.
Outra forma de competitividade por custos utilizada pelas companhias é a imposição de trechos mais longos
para voos non-stop. Isto, dado o maior custo no voo durante o procedimento de taxiamento, decolagem e
pouso, que exigem grande parte do combustível consumido. Assim, voos mais longos são outras fontes de
contribuição para uma diluição dos custos. Entre 2000 e 2010 as distâncias médias entre voos passaram de
550km para 800km.
Outro grande eixo de conduta é também o da busca por aumento nas taxas de ocupação. Essa busca consiste
nas empresas migrarem para cidades de maior concentração demográfica, ou seja, com grandes aeroportos
e maior demanda. Isto faz com que os custos fixos das companhias sejam menores e suas margens,
consequentemente, maiores. Tal busca teve efeito direto na malha aeroviária do Brasil, afetando todas as
regiões do país. Por exemplo, a região Norte perdeu 26 aeroportos desde o ano 2000, principalmente por
concentrar uma grande quantidade de municípios menores e de menor renda per capita. Já no Sudeste
aconteceu o efeito inverso, ocorrendo uma maior concentração da malha.
A terceira forma de conduta se dá pela homogeneização dos serviços e das estruturas tarifárias. Foi notado
que para um certo voo para a mesma localização, na mesma hora e data, existe pouca diferença entre as
tarifas da maioria das empresas participantes do sistema, assim como os serviços oferecidos por estas tanto
em voo quanto em solo.
Por fim, para maximizar os ganhos de competitividade, a indústria de aviação encarou o problema como uma
oportunidade e passou a desenvolver acordos e grandes alianças. Geralmente, essa estratégia está ligada à
tentativa de conquistar novos mercados através de empresas que já possuem market share e escala em suas
regiões de atuação.
Essa tática é uma forma de garantir a sobrevivência da companhia. Cria-se então, mecanismos de defesa
através de operações de interline, que permitem ao passageiro realizar viagens com duas ou mais
companhias em apenas um itinerário – exemplo parceria entre Latam e OneWorld. Outras possibilidades são
acordos em codeshare, alianças simétricas com ganhos semelhantes para ambas as participantes, e joint
ventures, com divisão dos lucros, riscos e responsabilidades da parceria.
Devido à dificuldade de previsibilidade de fluxo de caixa, margens e lucratividade das próprias companhias
do setor, existe um grande incentivo para que essas busquem receita em fusões e aquisições ou até mesmo
em políticas informais. Leia-se uma grande coordenação de esforços conjuntos para uma estratégia benéfica
a apenas alguns players, como forma de melhorar suas rentabilidades.
Por isso é de vital importância para o setor o papel das instituições fiscalizadoras e reguladoras. A principal
atribuição das autoridades reguladoras é a controlar os níveis de concentração e poder de mercado das
empresas, constituindo um conjunto de mecanismos legais e institucionais afim de aumentar a eficiência
econômica e o estímulo a competição, caracterizando a política antitruste.
No Brasil, seguindo a lei 12.529/2011, foi estabelecido o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC)
que é composto por dois órgãos governamentais: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e
a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).

2.3 DESEMPENHO DAS COMPANHIAS AÉREAS

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Observadas as condutas tomadas pelas companhias aéreas e o ambiente concorrencial em que estão
inseridas, é possível agora estabelecer uma conexão com seus desempenhos ao longo dos dez anos
anteriores a 2018.
Difícil descrever a atuação das empresas sem antes traçar um panorama dos principais custos e fatores
macroeconômicos que as influenciaram. A ilustração abaixo elenca estas principais variáveis, com destaque
para a participação dos combustíveis, que entre 2012 e 2014 chegou a representar quase 40% dos custos.

Figura 3 – Evolução dos custos para as companhias aéreas em voos domésticos e internacionais

Fonte: Panorama 2018 (ABEAR, 2018)

A ênfase no combustível se dá pelo fato de ter sido o único item cujo preço variou acima do IPCA em vários
dos anos acima relacionados. A queda dos gastos com querosene, ou no jargão do setor, QAV (querosene de
aviação) de uma média de 40% até 2014 para menos de 30% em 2015 é positiva, mas poderia ter sido mais
significativa.
Se considerado isoladamente, a queda do petróleo em 2015 de fato significou uma evolução positiva para o
preço do querosene de aviação, que chegou a ficar 15% menor na época. Entretanto, outros fatores
macroeconômicos se demonstraram mais relevantes na sua precificação. Primeiramente, porque apesar de
grande parte do combustível utilizado ser produzido no Brasil (monopólio por parte da Petrobrás) é com base
nas negociações do Golfo do México que se define o preço do QAV.
De forma resumida, o preço final do combustível para aeronaves será o cotado pelo mercado internacional
mais os gastos com frete para internação do produto. Surge então um paradigma de precificação
intermediário entre a paridade de preços de importação (PPI) e paridade de preços de exportação (PPE). A
solução seria, então, simplesmente acompanhar o preço do combustível no mercado de referência, sem a
adição do custo de frete para o Brasil.
Com o problema da paridade de preços praticados no exterior contra os preços internalizados no país, surge
uma segunda variável de destaque para as companhias aéreas: o câmbio. Segundo estudo do BNDES (2010),
mais de 50% dos insumos empregados na aviação brasileira são importados, o que justifica seu constante
acompanhamento.

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Assim é justificável o aumento da participação dos outros custos, principalmente com arrendamento,
manutenção e seguro das aeronaves, que juntos representam quase 51%. Estes sofreram alterações
significativas já que também são atrelados ao dólar.
Outro fator de considerável representação para o custo com combustível são os impostos cobrados sobre
estes, que contribuem para que o QAV no Brasil seja um dos mais caros do mundo. A tributação brasileira é
responsável por essa diferença de preços praticada no país e no resto do mundo: o ICMS incidente sobre a
querosene de aviação.
O ICMS cobrado sobre o combustível é altíssimo, em média cerca de 20%, somados ao peso de 7% que o PIS
e a COFINS oneram no preço em refinaria. No total, os voos domésticos são encarecidos em 22% se analisados
contra os voos internacionais, que são isentos de ICMS. As elevadas margens comerciais praticadas na cadeia
de comercialização e os tributos mencionados fazem com que esse insumo seja entre 35% a 50% mais caro
do que nos mercados desenvolvidos.
Isto sem contar uma peculiaridade da tributação brasileira: a diferença entre as alíquotas de ICMS entre os
Estados. Por exemplo, nos aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Distrito Federal,
que correspondem a cerca de 70% do movimento de aeronaves no país, a diferença é relevante, com
alíquotas de 25%, 12%, 7%, 11% e 12%, respectivamente.
Essa distinção leva a um comportamento por parte das companhias aéreas de planejar a malha para
abastecer no ponto de menor incidência de ICMS, esta prática é chama de tankering e consiste no
carregamento de combustível além do tecnicamente necessário.
Essa prática pode levar a algumas consequências prejudiciais ao setor, já que há um aumento na emissão de
gases poluentes quando se consome mais combustível. Há também uma queda da eficiência operacional das
empresas, além de gerar uma guerra fiscal entre os Estados e incrementar o repasse desses custos ao preço
da passagem.
Dessa forma, pode-se agora discutir com mais propriedade os resultados encontrados no desempenho
operacional e financeiro apresentado pelas principais empresas da aviação civil brasileira. Somente em
receitas de voo, foram gerados R$ 43,2 bilhões em 2018, um incremento de 14,2% versus 2017. Entre os anos
de 2009 e 2015 a taxa média de crescimento foi de 13,5% ao ano.
A principal receita do setor foi auferida com transporte de passageiros, com representatividade de 83,5%,
seguida pela receita com o segmento de carga em 7,2% (o restante representa o montante gerado pelas
receitas com fretamentos e malote postal) e uma novidade: receitas geradas com bagagens, já
representando 1,7% das receitas.

Figura 4 – Incidência detalhada de custos para as companhias aéreas em voos domésticos e internacionais

Fonte: Panorama 2018 (ABEAR, 2018)


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Os custos e despesas são sensíveis no tocante às companhias aéreas, somando R$ 41,9 bilhões no setor em
2018, um incremento de 21% na comparação anual. Como era de se esperar, os Combustíveis e Lubrificantes
de aeronaves foram os que se destacaram nestas contas, representando 32,2% dos custos totais. Em seguida
têm-se custos com Seguro, Manutenção e Arrendamento de Aeronaves com 20,3% e por fim, custos com
Pessoal, na casa dos 15,2%.
Como já mencionado, a desvalorização do real não permitiu que os ganhos com a queda do petróleo no
mercado internacional fossem absorvidos pelas companhias, que registraram alteração significativa de
participação relativa em todos os custos.
Outro indicador interessante é o Resultado Financeiro, que registrou um prejuízo acumulado entre todas as
empresas de cerca de R$ 2,2 bilhões, mais de 40% em relação a 2017. O resultado financeiro analisa as perdas
e ganhos com instrumentos financeiros e variação cambial, assim como em todas as operações de
financiamentos, empréstimos e seus respectivos juros. Destaque negativo para a Gol, que sozinha foi
responsável por um montante de R$ 1,3 bilhões.
Por fim, tem-se o indicador de desempenho principal, o resultado líquido. O setor tem acumulado perdas
nessa apuração desde 2011, com exceção de 2017, chegando a uma perda conjunta de aproximadamente
R$ 1,9 bilhão em 2018. Os maiores prejuízos foram os apresentados pela Gol, com R$ 1,1 bilhão. A última vez
que a companhia apresentou lucro foi em 2010. A Azul foi a única a apresentar lucro por dois anos
consecutivos, alcançando a cifra de R$ 170 milhões em 2018.

3. Por que o Barsi não investe?

Nas sessões anteriores foi possível obter uma visão geral do setor, como está estabelecida sua infraestrutura
e de que maneira se comportam as companhias e seus agentes reguladores. Em resumo observa-se que a
avião civil evoluiu de forma surpreendente nas últimas duas décadas, tornando-se um modal de transporte
de massa.
Entretanto, há ainda muito que ser feito e estudado. Isto fica claro ao analisar as projeções para a demanda
em um futuro não muito distante. Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), o fluxo de
passageiros estimados a passar por todos os aeroportos do país pode chegar a 211 milhões de viagens/ano
até 2020.
Em termos relativos, representa um incremento de cerca de 109% em relação à demanda de 2012 em apenas
8 anos. Segundo estudo do BNDES (2010), ainda que se reduzidos ou eliminados os custos evitáveis e as
barreiras estruturais já mencionadas nas sessões anteriores, o potencial poderia ser alavancado em 18%.
O estudo salienta que por outro lado, se uma redução de custos eficiente conseguisse ser implementada, a
demanda poderia atingir um crescimento de 11% a 18% adicional do que a projetada para 2030. Assim sendo,
os aeroportos também demandarão investimentos, tanto de curto e médio prazo como de longo.
Segundo Estudo do Setor de Transporte Aéreo no Brasil do BNDES (2010), as estimativas por tipo de
investimento e por período em que as obras necessárias devem ser realizadas deixam nítido que os terminais
de passageiros demandarão parte significativa dos valores, que poderão variar de R$ 25 a R$ 34 bilhões até
2030. Por outro lado, grande parcela deverá ser executada no médio para o longo prazo, no período que se
estende de 2021 a 2030.
Todo esse potencial de crescimento deverá, segundo a ABEAR, estimular a geração de aproximadamente 660
mil novos postos de trabalho, direta e indiretamente. Destes, a associação estima que 100 mil possam ser
propiciados diretamente pelas empresas aéreas e mais de 250 mil pelo estímulo ao turismo.

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Os retornos dos investimentos se farão sentir na contribuição do setor ao PIB, que nas projeções da
Associação que representa as companhias aéreas, o incremento pode chegar a R$ 146 bilhões até 2020 (em
valores nominais), atingindo uma representatividade de 2,0% do Produto Interno Bruto no mesmo ano.
Como já justificado, o desenvolvimento da aviação civil está intrinsecamente ligado com o aprimoramento
das infraestruturas e das instituições que as regulam. Portanto, sua política de modernização e inovação deve
estar sempre em congruência com as melhores práticas, sob pena de prejudicar todo o sistema.
Algumas medidas já tomadas, como a implementação de obras em diversos aeroportos, incentivo à
participação da iniciativa privada através de concessões, apoio a rotas de média densidade e a reestruturação
do controle de tráfego aéreo vieram em encontro com o objetivo do Governo de fomentar o setor nos últimos
5 anos, principalmente depois dos grandes eventos esportivos.
A ABEAR disponibiliza publicamente em seu site suas propostas compiladas em uma Agenda Emergencial
para o setor aéreo. A Associação explana que as soluções para o setor deveriam ser pautadas principalmente
pelo esforço para a redução de custos e melhora da conectividade.
As características fundamentais da programação de emergência são centradas: na padronização e fixação do
preço do querosene (QAV) em sintonia com as cotações internacionais; e na mesma linha, a unificação das
taxas de ICMS para o QAV em todos os Estados. A justificativa é clara, já que como visto na seção 2, o
querosene representa o maior fator de custo para as companhias.
Temos um problema neste quesito que foge ao controle das vontades do setor: a situação tributária do Brasil
é caracterizada pela Guerra Fiscal de ICMS entre os Estados, que competem para atrair investimentos através
de incentivos como isenções ou reduções de alíquotas, por exemplo.
Dificilmente chegaremos a um denominador comum em breve. O Governo de São Paulo foi o primeiro a se
mostrar mais flexível, baixando uma das maiores taxas de ICMS do país de 25% para 12%. Bahia, Rio Grande
do Sul e Rio de Janeiro também já estudam mudanças.
O segundo grande problema envolve as próprias características inerentes ao setor: margens extremamente
comprimidas pela estrutura operacional de custos e despesas altíssimos. O segmento sempre foi reconhecido
pelo seu intenso dinamismo e dificuldade de previsão relacionada a constantes turnovers de colaboradores,
nova destinos regionais, tecnologia, regulação e falências...
A mais recente abalou o mercado de forma significativa: a Avianca Brasil pediu recuperação judicial e teve
sua licença para operar retirada em maio. Desde então, as medidas tomadas não foram suficientes para
baixar os preços das passagens. Na comparação de maio 2019 com maio de 2018 a evolução média segundo
dados da Anac foi de 27%.
Desde que a companhia saiu do mercado brasileiro, a disputa pelos 41 slots, ou seja, autorizações diárias de
pouso e decolagem, no Aeroporto de Congonhas (o segundo mais movimentado do país) foi acirrada. O
resultado foi a distribuição de 15 slots para a Azul, 14 para a Passaredo 12 para uma pequena companhia
chamada MAP. A iniciativa buscou promover a maior competição e vinha com a promessa de redução dos
preços das passagens, ainda não identificada.
Os problemas financeiros não são exclusivos do Brasil, já que nos nove primeiros meses de 2019 dez
companhias ao redor do mundo já declararam falência. A lista vai desde empresas de pequeno porte até as
mais tradicionais, com quase 100 anos de existência. O número de falências em 2019 já é quase o mesmo de
todo o ano passado, quando 13 companhias aéreas deixaram de operar no mundo. Em 2017 outras 22
empresas desistiram da forte instabilidade do setor.
O caso mais emblemático ocorreu com a britânica Thomas Cook, considerada a companhia de turismo mais
antiga do mundo e que detinha uma forte operação aérea própria. Fundada em 1841, a falência da
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companhia chamou a atenção pela sua estrutura diferenciada, até então considerada uma das mais robustas:
a Thomas Cook oferecia além de passagens avulsas, pacotes fechados e outros serviços turísticos.
Especialistas indicam que ao abraçar varias atividades em só negócio ela acabou por perder a sua eficiência
frente as novas plataformas de viagens online.
Assim, concluímos que o setor de aviação, por maior que seja a tendência de expansão na demanda ao redor
do mundo, dificilmente se tornará rentável como outros setores típicos de uma carteira previdenciária. Este
é um claro exemplo, em que crescimento físico dos serviços não deverá refletir na mesma proporção em
rentabilidade ao acionista em forma de proventos.

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