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1.

INTRODUÇÃO

O setor de frigoríficos é parte integrante do dia-a-dia de grande parte da população brasileira e


mundial. Estima-se que, em média, o brasileiro consuma cerca de 42,1 Kg de carne bovina por
ano, número muito próximo ao dos Estados Unidos e que coloca o Brasil em uma das primeiras
posições no ranking global, bem à frente da média de consumo mundial.

Mas curiosamente, a carne bovina não é a carne mais consumida nem no Brasil nem no mundo.
No Brasil, a proteína mais consumida é a de frango, com um consumo de cerca de 44,4 Kg por
habitante por ano. A carne de frango sempre competiu com a bovina, mas passou a ser a carne
mais consumida em 2007, quando seu preço se tornou bem mais competitivo que o da bovina.
Aliás, nesse quesito, a carne de frango costuma levar vantagem. Já no mundo, principalmente
por influência da China, de outros países asiáticos e da União Europeia, a carne mais consumida
é a suína. No Brasil a carne de porco ocupa a terceira posição.

O consumo de proteínas animais está sempre associado a alguns fatores, como a renda, fatores
culturais e questões religiosas. Países com população e renda per capita crescentes são os que
apresentam maior potencial de aumento no consumo, como é o caso de diversos países
asiáticos, incluindo a China. Nesses casos, qualquer aumento populacional ou da demanda per
capita gera um crescimento relevante no volume absoluto consumido.

Outro fator que também influencia o nível de consumo de uma proteína é sua disponibilidade
interna. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA),
atualmente o Brasil o ocupa a segunda posição no ranking de maiores produtores mundiais de
carne bovina, atrás apenas dos norte-americanos. A oferta brasileira de carne corresponde a
cerca de 16% de toda oferta mundial. Já com relação à exportação, o Brasil se consolidou nos
últimos anos como o principal exportador mundial da proteína.

A Figura 1 mostra a evolução das exportações brasileiras de carne bovina (em milhões de
toneladas) de 2010 a 2018.

Figura 1 – Exportações brasileiras de carne bovina (milhões de toneladas)

Fonte: Abiec, a partir de dados da Secex


A cadeia produtiva do setor pode ser dividida quatro segmentos principais:

 Fornecimento de insumos
 Produção
 Processamento ou transformação
 Distribuição (mercado interno ou externo)

Independente do tipo de proteína produzida – bovina, suína ou de frango – existem no Brasil os


agentes especializados, isto é, que atuam em apenas um desses segmentos, e os verticalizados,
que atuam em vários deles. Atualmente, as grandes empresas do setor atuam (e dominam) boa
parte da cadeia produtiva, desde a fazenda ou granja, até a colocação do produto na gôndola
dos supermercados.

No primeiro segmento, atuam empresas especializadas no fornecimento de insumos dos mais


variados tipos, como insumos agrícolas, farmacêuticos, nutricionais e máquinas e
equipamentos.

Na cadeia da carne bovina a produção é representada pela criação de gado, a chamada pecuária
de corte, feita por pequenos ou grandes pecuaristas. Esses pecuaristas comercializam o boi
gordo diretamente aos frigoríficos. Já na cadeia do frango, os agentes responsáveis pela
produção são as granjas.

O trabalho de um frigorífico, que é responsável pelo abate de animais e processamento da carne,


pode ser comparado ao de uma montadora de veículos, mas de forma inversa. A montadora
recebe as peças de fornecedores e ao final da linha de produção entrega o veículo montado.
Nos frigoríficos é o contrário. Eles recebem os animais vivos, realizam o abate e, após todo
processamento dentro das unidades, comercializam as partes individuais do animal. Quase
como se fizessem um trabalho de desmontá-lo.

Em geral, ao final do processo, parte da produção é exportada e parte é destinada ao mercado


interno. No caso da carne bovina, o produto é vendido no atacado em três partes: traseiro,
dianteiro e ponta de agulha. Se o destino é o comércio varejista o produto é vendido na forma
de cortes in natura.

Não nos restam dúvidas de que o setor de frigoríficos seja um setor perene e de extrema
importância para o país. Isso porque ele é parte integrante de duas indústrias essenciais para o
ser humano: a agropecuária e a indústria de alimentos. Estima-se que a produção de proteína
animal represente cerca de dois terços do agronegócio brasileiro que, por sua vez, chega a
representar mais de 20% do PIB do país.

Entretanto, por diversos fatores que abordaremos em detalhes mais adiante, as empresas do
setor não conseguem ostentar uma característica de perenidade.

A bolsa de valores brasileira B3 possui atualmente uma quantidade pequena de empresas do


setor listadas. Mas isso tem uma explicação muito simples: ao longo das últimas décadas houve
um grande movimento de consolidação entre as empresas do setor. Assim, a maior parcela da
produção dos três principais tipos de proteína animal ficou concentrada nas mãos de poucas
empresas, com destaque para JBS, BRF, Marfrig e Minerva. Todas elas possuem capital aberto e
estão listadas no segmento de Carnes e Derivados, debaixo do subsetor de Alimentos
Processados, que por sua vez integra o setor de Consumo Não-Cíclico.

2. EVOLUÇÃO DO SETOR DE FRIGORÍFICOS NO BRASIL

Antes do surgimento da indústria frigorífica no Brasil existiam apenas matadouros, que foram
introduzidos pelo Estado e nasceram para atender preocupações sanitárias e de higiene. Esses
matadouros municipais foram criados nos principais centros urbanos com o objetivo de
regulamentar a atividade do abate e de eliminar todo o transtorno causado pelo trânsito
indevido de animais, mau cheiro, etc.
De acordo com historiadores, um dos primeiros matadouros do Brasil foi inaugurado em 1881
no Rio de Janeiro e contou com a presença de D. Pedro II na cerimônia de inauguração.
Mas mesmo com a tentativa do Estado de melhorar questões de sanidade, a maioria dos
matadouros municipais operavam em condições pouco higiênicas e sem inspeções sanitárias.
As exceções eram somente alguns matadouros, como os de Manaus, Belém e Recife, que
contavam com projetos e equipamentos europeus. O matadouro de Santa Cruz, no Rio de
Janeiro, e o de Carapicuíba, em São Paulo, também eram referências.
Com a criação dos matadouros pretendia-se facilitar também a distribuição da carne através de
açougues. De certa forma, essa sistemática até funcionou por um bom tempo, principalmente
para os consumidores das cidades grandes. Mas como a maior parte da população morava no
campo, o acesso a carne continuava sendo obtido de forma informal e precária.
Outra dificuldade existente era com relação ao aproveitamento dos subprodutos do animal.
Havia muito desperdício, baixa qualidade e até danos ambientais.
A indústria frigorífica somente viria a surgir no Brasil no início do século XX, próximo ao ano de
1910. Segundo registros históricos, o primeiro matadouro-frigorífico do Brasil foi a Companhia
Frigorífica e Pastoril, inaugurado em 1913 na cidade de Barretos, no interior do Estado de São
Paulo. Já as exportações de carne do Brasil tiveram início pouco tempo depois, em 1914, com
um embarque de 200 toneladas.
Nessa mesma época, em 1915, foi criado o Serviço de Inspeção de Fábricas de Produtos Animais.
Esse órgão foi o precursor do SIF (Serviço de Inspeção Federal), que em 1921 foi instituído
oficialmente ainda sob o nome de Serviço de Inspeção dos Produtos de Origem Animal. Sua
criação veio para acompanhar o desenvolvimento da indústria e do mercado exportador, e
contou com o apoio integral dos empresários, na sua maioria estrangeiros das multinacionais.
Diferente do que aconteceu em outros países mais desenvolvidos, no Brasil a indústria da carne
teve um processo de profissionalização relativamente tardio. Quando esse processo finalmente
aconteceu, a indústria frigorífica brasileira passou a ser dominada por empresas multinacionais
inglesas e norte-americanas. Tanto que em 1923 a própria Companhia Frigorífica e Pastoril viria
a ser comprada pela Sociedade Frigorífico Anglo, da família britânica Vestey. Essas empresas
estrangeiras já traziam na bagagem a experiência adquirida com seus empreendimentos em
outros países, além de conhecimento da tecnologia de processamento, transporte e
comercialização dos produtos finais e subprodutos.
A Anglo juntamente com a Wilson, Armour e Swift – os três principais frigoríficos americanos –
dominaram sozinhas o mercado brasileiro de carne até 1940, quando começaram a surgir os
primeiros matadouros-frigoríficos de cooperativas, principalmente no Rio Grande do Sul.
As décadas seguintes seriam marcadas pela dominância dos grandes frigoríficos multinacionais,
mas com novos atores regionais também assumindo algum protagonismo através dos
frigoríficos familiares ou de cooperativas. Nas décadas de 1950 e 1960 novos frigoríficos
surgiram por todo o território nacional, incluindo Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso. Alguns deles, principalmente os de origem paulista, já começaram
a se destacar, em especial o Bordon (Sumaré), T. Maia (Araçatuba) e Kaiowa (Presidente
Venceslau). Alguns anos mais tarde viriam a figurar entre os principais líderes do setor.
De acordo com o especialista Leopoldo Costa, a década de 1970 foi uma década de grande
crescimento para a indústria, já que a política de tabelamento nos preços da carne e de
formação de estoques reguladores acabaram beneficiando fortemente as empresas. Isso atraiu
uma quantidade enorme de investimentos em novos frigoríficos. Atraiu também a possibilidade
de alguns frigoríficos usarem meios ilícitos para obterem lucros, como fraudes e sonegação
fiscal.
Outro marco da década de 1970 foi a entrada da Sadia, maior empresa dos segmentos de carne
suína e de aves, no mercado de carne bovina. Outros frigoríficos, que mais tarde se tornariam
nacionalmente conhecidos, também já operavam naquele momento, como o Minerva, de
Barretos/SP, e o Bertin, de Lins/SP.
Foi nessa época que as multinacionais estrangeiras do setor começaram a perder sua liderança
para as empresas nacionais, que possuíam um trânsito melhor com o governo e maior influência
política. Assim, pouco a pouco as empresas estrangeiras foram saindo do Brasil ou sendo
adquiridas por players locais.
Em 1971 o Wilson foi vendido ao grupo argentino Comabra. No início dos anos 90, a empresa
foi incorporada pela Sadia.
Em 1972 a Swift foi incorporada pela Armour criando a gigante Swift-Armour e, no ano seguinte,
foi adquirida pelo fundo canadense Brascan em sociedade com a brasileira Icomi, do empresário
Azevedo Antunes. Quase duas décadas mais tarde, em 1989, a empresa seria vendida ao Grupo
Bordon.
Por último, o Frigorífico Anglo encerrou suas atividades no Brasil em 1993, vendendo a marca e
as instalações a dois ex-diretores da empresa.
Nas décadas de 1990 e 2000, muitos frigoríficos até então considerados imbatíveis, quebraram.
Foi o caso do Bordon. O grupo criado por Geraldo Bordon foi considerado o maior do Brasil em
número de funcionários, gado abatido e quantidade de carne exportada. A decadência da
empresa teve início na década de 1990 e no ano de 2000 ela sucumbiu, pedindo concordata.
Os anos se passaram e, nas décadas mais recentes, o setor voltaria novamente a ser lembrado
por casos de problemas financeiros das empresas, mas dessa vez causados por fraudes,
corrupção e relações obscuras com agentes de Estado.
Em 2007, durante o governo Lula, o Estado iniciou uma nova política batizada de política dos
“campeões nacionais”. Nela, o governo federal com o apoio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), buscava fomentar o desenvolvimento de
empresas nacionais, fortalecendo seu protagonismo em determinados setores da economia,
dentro e fora do país. Assim, o BNDES passou a atuar como o financiador, investidor direto e
articulador de fusões e aquisições. Além de frigoríficos, também foram eleitos alguns outros
setores prioritários, como telecomunicações, petroquímico e papel e celulose.
O BNDES apoiava as empresas através do fornecimento de empréstimos a juros subsidiados,
compra de debêntures conversíveis em ações e aquisição de ações pela BNDES Participações
(BNDESPar). Dessa forma, com a ajuda do governo – e também do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) – formaram-se verdadeiros gigantes empresariais.
Buscando captar recursos para seus planos de expansão, em 2007 a JBS-Friboi e a Marfrig
abriram capital na bolsa de valores. O apoio do BNDES a essas empresas, que já tinha começado
antes das aberturas de capital, passou a ocorrer de forma mais intensa a partir daí.
A crise financeira global de 2008 abalou fortemente a Sadia, que teve enormes perdas em
operações com derivativos cambiais. Como resultado, com o apoio do BNDES e dos fundos de
pensão estatais, foi costurada uma operação de fusão entre as duas maiores do setor de aves e
suínos, na qual a Perdigão acabaria absorvendo a Sadia. Ao final de 2009, os fundos de pensão
detinham 31,5% do controle da nova empresa, que foi batizada de Brasil Foods (BRF) e que já
nasceu como a maior exportadora de frango e uma das maiores empresas de alimentos do
mundo.
Com o passar dos anos JBS e Marfrig também cresceram exponencialmente, principalmente
através de diversas aquisições de outras empresas, boa parte delas no exterior. Mas até hoje
não se sabe ao certo porque somente essas empresas foram eleitas na política do BNDES. O
Minerva, também um grande frigorífico do país, apesar de ter solicitado recursos, não foi
contemplado pelo BNDES. O Bertin, outro entre os maiores do Brasil, chegou a receber R$ 3,3
bilhões do BNDES, mas acabou sendo absorvido pela JBS, em processo igualmente apoiado pelo
banco.
O resultado da política de “campeões nacionais” sempre foi muito questionado, já que os
benefícios reais para o consumidor e os retornos obtidos pelo BNDES nunca ficaram
demonstrados. O setor, que antes era relativamente fragmentado, passou a ser altamente
concentrado. No caso da carne bovina, por exemplo, 11 grandes exportadores respondiam por
70% das exportações em 2007. Oito anos mais tarde, em 2015, somente três empresas (JBS,
Marfrig e Minerva) realizaram 80% das exportações.
O segmento de frigoríficos ainda viria a ser manchado por dois episódios de corrupção
envolvendo empresas do setor. Primeiro, a JBS foi alvo de diversas operações da Polícia Federal,
entre elas a Operação Lava Jato e a Greenfield, ligando a empresa a inúmeros casos de propina,
doações a políticos e corrupção. Joesley e Wesley Batista, proprietários da empresa, chegaram
a ser presos e acabaram firmando acordo de delação premiada com a Justiça.
O dia 18 de maio de 2017 ficou conhecido por “Joesley Day” e foi um dos pregões mais agitados
da história recente da bolsa. Com a divulgação na noite anterior de áudios envolvendo o então
Presidente da República Michel Temer e Joesley Batista, o mercado entrou em pânico e o
Ibovespa chegou a cair mais de 10% logo após a abertura do pregão, ativando o circuit breaker,
e encerrando o dia com 8,8% de queda.
O outro episódio que também agitou o ano de 2017 foi a Operação Carne Fraca, uma operação
deflagrada pela Policia Federal que acusava a BRF, a JBS e outras empresas de vender carnes
adulteradas nos mercados interno e externo. Além de suborno a fiscais e autoridades sanitárias,
o processo ainda envolvia a venda de mercadoria estragada, adulteração da carne com produtos
químicos e mudança nas datas de vencimento dos produtos.

3. ESTRUTURA, CONDUTA E DESEMPENHO

Nesta seção vamos tratar de questões mais específicas que envolvem as atividades das
empresas do setor de frigoríficos. Apresentaremos o ambiente em que estão inseridas, a
dinâmica setorial e seus desempenhos individuais mais recentes. O modelo selecionado baseia-
se nas análises de Estrutura, Conduta e Desempenho (ECD).

3.1. ESTRUTURA DO SETOR DE FRIGORÍFICOS

O principal órgão fiscalizador do setor de frigoríficos é o Ministério da Agricultura, Pecuária e


Abastecimento (MAPA). De acordo com o website do próprio MAPA, os estabelecimentos
responsáveis pela comercialização de carne bovina e seus derivados são submetidos à inspeção
sanitária do Ministério da Agricultura. Essa inspeção é importante para que os consumidores,
tanto nacionais, quanto internacionais, possam ter a confiança de que o produto atende todas
exigências sanitárias.

O MAPA é também o órgão responsável pela emissão do selo SIF, que atesta a inspeção e o
registro do Serviço de Inspeção Federal. O selo é garantido aos estabelecimentos que atendem
os critérios de qualidade sanitária, indicando procedência segura ao consumidor. Os
estabelecimentos que possuem SIF estão autorizados a comercializar seus produtos em todo o
território nacional e também a exportá-los.

Para um entendimento mais aprofundado da estrutura do setor de frigoríficos utilizaremos a já


conhecida análise das Cinco Forças de Porter. Relembrando que as cinco dimensões de análise
são: ameaça de novos entrantes, ameaças de produtos substitutos, poder de barganha dos
fornecedores, poder de barganha dos clientes e rivalidade do mercado de atuação
(concorrentes).

Na primeira dimensão avaliamos a ameaça de novos entrantes na indústria. Como já pudemos


ver, o setor de frigoríficos passou por diversas fases de evolução no Brasil. Primeiro, era um
oligopólio formado por empresas multinacionais. Em seguida, com o surgimento de diversos
players regionais, passou a ser um setor relativamente fragmentado. Atualmente, voltou a ser
um setor altamente concentrado, mas dessa vez com concentração em poucas empresas
nacionais.
Em qualquer setor de commodity, como é o caso do setor de frigoríficos, o preço é geralmente
determinado (fixado) pelo mercado. Resta assim às empresas competir em custos para gerar
melhores resultados. E para se atingir maior eficiência de custos, é necessário que busquem
ganhos de escala. Assim, empresas sem escala suficiente dificilmente conseguem acessar o setor
com competitividade. Outras barreiras de entrada no setor são as adequações às exigências
ambientais e sanitárias e acesso à tecnologia e aos mercados consumidores.

A segunda força de Porter considera a ameaça de produtos substitutos. Temos acompanhado


há anos algumas tendências alimentares de redução no consumo de carne vermelha ou, até
mesmo, das proteínas de origem animal. O surgimento recente de hambúrgueres que “imitam”
carne, mas que são produzidos à base de vegetais, é um exemplo. É claro que, dificilmente, a
carne deixará de fazer parte do cardápio da população por conta dessa tendência. Ela poderia
até impactar, minimamente, o consumo per capita em escala global. Mas isso poderia ser
mitigado pelo crescimento populacional, urbanização e aumento da renda. Eventuais boicotes
por conta de doenças, como o que aconteceu há alguns anos com o mal da vaca louca, ou com
as gripes aviária e suína, também são sempre possibilidades.

A terceira força trata do poder de barganha dos fornecedores. Considerando que as líderes do
setor são empresas de grande porte que operam em escala global, sua força afeta toda a cadeia
de fornecimento de insumos e matérias-primas. Assim, possuem grandes vantagens e
conseguem obter grandes benefícios nas negociações com produtores (fazendas e granjas),
fornecedores de equipamentos, etc. Com todo esse controle e concentração nas mãos dos
frigoríficos, o poder de barganha de qualquer fornecedor é bastante limitado.

Na quarta força de Porter olhamos para o poder de barganha dos clientes. Neste caso, estamos
falando principalmente das grandes redes varejistas. Apesar do varejo alimentar também ser
formado principalmente por redes de grande porte, ainda assim o volume produzido e
comercializado pelos grandes frigoríficos confere a esses um elevado poder de barganha. Isso
porque ao varejista não restam outras alternativas a não ser comprar dos poucos players que
atuam no mercado.

Finalmente, a quinta força considera a rivalidade no mercado de atuação. Para as empresas


líderes do setor, que disfrutam de uma posição privilegiada em um mercado que se assemelha
a um oligopólio, essa rivalidade não é uma preocupação. A existências das barreiras de entrada
já citadas fazem com que atualmente o número de concorrentes seja relativamente pequeno
no setor, beneficiando os incumbentes.

Mesmo com alguns aspectos favoráveis para as empresas atuantes no setor, como a presença
de barreiras de entrada e o baixo número de concorrentes, o setor de frigoríficos não deixa de
ser um setor de commodities de baixo valor agregado. E como tal, inevitavelmente, sempre
estará sujeito a oscilações de preço influenciadas por inúmeros fatores internos e externos.
Além de considerar o equilíbrio entre oferta e da demanda, a formação de preços também leva
em conta o nível de exportações, sanidade do rebanho, câmbio, clima etc. São inúmeras as
variáveis que afetam o preço do produto, mas sobre as quais as empresas do setor têm pouco
ou nenhum controle.
Isso sem contar os embargos sanitários impostos por países importadores que, de tempos em
tempos, também prejudicam a comercialização dos produtos.

3.2. CONDUTA DOS FRIGORÍFICOS

Apesar do tamanho e da importância que tem na economia brasileira, o setor de frigoríficos


sempre teve a “fama” de operar na ilegalidade (sonegação), informalidade, falta de
transparência e amadorismo. Entretanto, esse modus operandi das empresas parece ter ficado
para trás, afinal as empresas que respondem pela maior fatia do mercado atualmente são
listadas em bolsa e possuem balanços auditados por empresas respeitadas.

Por outro lado, as situações recentes de corrupção envolvendo as maiores empresas do setor e
seus profundos laços com políticos voltaram a colocar em xeque a segurança de se investir nessa
indústria.

De qualquer forma, pode-se afirmar que a profissionalização dos frigoríficos observada nas
últimas décadas vem trazendo alguns benefícios para a sociedade. Por ser um setor tão
relevante na economia, qualquer melhoria trazida por essa formalização das empresas gera
ganhos significativos. Aumento na arrecadação de impostos, geração de empregos com carteira
assinada e redução dos abates clandestinos são alguns exemplos de benefícios trazidos pela
profissionalização dos frigoríficos.

Com relação à conduta estratégica dos frigoríficos podemos observar algumas tendências
setoriais.

A primeira já pudemos observar ao longo dos últimos anos: o crescimento via fusões e aquisições
e a internacionalização das empresas. Para citar como exemplo a JBS, a empresa realizou uma
série de aquisições no Brasil e no exterior para se tornar a líder global que é hoje. Ao longo do
caminho comprou empresas como Bertin, Seara e Frangosul no Brasil, Swift e Pilgrim’s Pride nos
EUA e Moy Park na Irlanda para formar seu império. Com essa estratégia vêm conseguindo
acessar mercados internacionais com maior velocidade através de marcas já estabelecidas
localmente e avançar no crescimento de outras proteínas de origem animal, tal como a de
frango e a suína.

Outra tendência observada é a da chamada “descomoditização”. Por ser um setor de


commodity, no qual a baixa diferenciação é uma das principais características, as empresas do
setor vêm buscando cada vez mais agregar valor aos seus produtos finais. Quanto mais bem-
sucedidas forem nessa empreitada, mais caro conseguirão cobrar por seus produtos
(aumentando margens) ao mesmo tempo em que geram uma maior fidelização às suas marcas.
Produtos de nicho, como carnes premium, ou que acompanham tendências de consumo, como
de alimentação saudável ou de sustentabilidade, também fazem parte dessa estratégia.

Finalmente, a terceira tendência é a da integração vertical na cadeia. Apesar de não ser uma
verticalização completa, onde a empresa tipicamente é proprietária dos ativos, os players do
setor estão buscando cada vez mais estabelecer parcerias e associações com produtores,
fornecedores e outros agentes nos diferentes elos da cadeia.
3.3. DESEMPENHO DOS FRIGORÍFICOS

Como é característico em setores cíclicos, depois de alguns anos difíceis, a partir do fim de 2018
o setor voltou a ter um desempenho mais forte, o que fez com que as ações das empresas se
recuperassem e essas passaram a ter perspectivas mais positivas. Entre os principais fatores
destaca-se o aumento no volume das exportações, impulsionado pela abertura de novos
mercados e pelo efeito gerado pelo surto de peste suína na China, país que detêm o maior
rebanho suíno do mundo.

Por conta desse surto, a dinâmica mundial do mercado de carnes vem sendo profundamente
alterada. No Brasil, seus efeitos acabaram sendo benéficos para os produtores, mas péssimos
para os consumidores, já que o preço da carne teve uma alta significativa.

As maiores empresas brasileiras do setor possuem capital aberto e são listadas na B3. Somados,
os valores de mercado das quatro principais empresas – JBS, BRF, Marfrig e Minerva – atingem
atualmente a cifra de R$125 bilhões de reais.

A JBS, líder disparada do setor, possui hoje em dia um valor de mercado de mais de R$80 bilhões
de reais, o que corresponde a quase dois terços do valor total de todas empresas do setor
somadas. A BRF aparece na segunda posição com um valor de mercado próximo de R$30
bilhões. A empresa, que viu suas ações derreterem nos últimos anos – saindo de R$71 em 2015
para a mínima de R$18 em 2018 – já nota uma recuperação recente.

Em seguida vêm as duas empresas do setor com menor valor de mercado em bolsa: Marfrig e
Minerva. Suas ações também não tiveram um bom desempenho ao longo últimos anos, mas
recentemente tiveram uma valorização expressiva, acompanhando o movimento de todo o
setor. O valor de mercado da Marfrig atualmente gira em torno de R$9 bilhões e da Minerva em
torno de R$6 bilhões.

No último resultado anual disponível, o de 2018, as quatro empresas apresentaram de forma


agregada um prejuízo de R$ 4,3 bilhões, número afetado principalmente pelo elevado prejuízo
da BRF. Expurgando a BRF desses resultados, o setor lucrou apenas R$ 160 milhões naquele ano,
já que a Minerva também apresentou prejuízo e algumas empresas foram afetadas por despesas
não-recorrentes.

Olhando adiante o cenário global parece ser favorável ao setor de frigoríficos. Estima-se que a
demanda mundial por proteína animal cresça cerca de 60% até 2050, saltando de uma
população de cerca de 7,7 bilhões de habitantes e consumo per capita de 39 Kg/ano atualmente
para 9,6 bilhões de habitantes e mais de 50 Kg/ano.

Para suprir essa demanda, entretanto, existem alguns desafios, como a necessidade de aumento
da produtividade, maior aplicação de tecnologia e melhorias genéticas em animais.

4. POR QUE O BARSI NÃO INVESTE

É inegável que o setor de frigoríficos tenha crescido e evoluído nas últimas décadas, passando
por um grande processo de profissionalização. Também fica claro que é um setor que produz e
comercializa produtos essenciais para a humanidade. Mas isso é apenas uma parte de todo um
contexto a ser avaliado quando se considera o investimento de longo prazo em um setor.

A natureza cíclica do setor de frigoríficos, que é essencialmente um setor de commodities,


naturalmente faz com que suas empresas passem por momentos de glória e de desespero ao
longo do tempo. Em alguns momentos desfrutam de lucros recordes e posição privilegiada no
mercado, mas em outros se veem altamente alavancadas e sem condições de gerar lucros e
distribuir dividendos. Isso por si só, automaticamente, já torna as empresas do setor altamente
vulneráveis.

Outra característica que não nos agrada é o fato das companhias operarem com margens muito
baixas. A baixa diferenciação de produtos, que tipicamente é o que confere a uma empresa a
possibilidade de precificar seus produtos acima da concorrência, praticamente não existe no
setor.

Além de tudo, enxergamos diversos riscos que não estamos dispostos a correr, como efeitos de
variações cambiais, surtos e doenças no rebanho, como a febre aftosa, e embargos de países
importadores. Isso tudo sem contar os riscos de governança e dos controladores, que na grande
maioria das vezes optamos por não correr (por melhor que a oportunidade possa parecer).

Por todas essas razões o setor de frigoríficos não integra as carteiras de ações do AGF.

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