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PROJETO DE FORMAÇÃO DE FORMADORES

INSTITUTO VERA CRUZ E INSTITUTO ANÍSIO TEIXEIRA


SALVADOR - BA
Formação em Matemática
Carla Naíra Milhossi
Samuel Gomes Duarte
ANEXO 5
Encontro 3 - setembro de 2020

Indicação de leitura

Os riscos didáticos de equiparar os contextos extramatemáticos aos contextos


intramatemáticos
Patricia Sadovsky1

Procurar estratégias que facilitem a compreensão faz parte do trabalho dos docentes. Nesse
afã, costuma-se propor suportes externos à matemática, aptos a funcionar como referência para
a reflexão sobre determinado assunto. A propósito, analisaremos dois exemplos, um relativo ao
uso da balança como modelo para tratar da equação, e outro referente ao que ocorreu no
contexto de um trabalho didático, que desenvolvemos, sobre divisão inteira.
Quando se introduz o trabalho com equações, recorre-se muitas vezes ao uso da balança
como suporte das relações que o aluno deve elaborar para compreender seu funcionamento. É
difícil demonstrar como essa referência é esclarecedora para os alunos, e seguramente não se
pode formular sentenças universais a esse respeito, visto que os alunos reelaboram de
diferentes maneiras as relações implícitas nas analogias propostas com a finalidade de ajudar a
compreensão. Porém, mesmo considerando a impossibilidade de controlar os processos
individuais dos alunos, é fundamental que o docente tenha certo "controle didático" sobre as
referências que propõe.
Em relação ao uso da balança para "representar"as equações de primeiro grau com uma
variável, digamos em primeiro lugar que o modelo restringe as equações que podem ser
concebidas. O modelo da balança, efetivamente, pode "comportar", por exemplo, a equação 3x
+ 10 = 100, mas não a equação 3x + 100 = 10, pois esta última tem solução negativa e o
significado da incógnita como "peso" perde sentido. Em segundo lugar, concentremo-nos na
natureza das propriedades utilizadas para justificar as transformações numa equação com o
objetivo de resolvê-la. Como observam Campos (2000) e Balachef (2000), as justificativas

1
SADOVSKY, P. ​O ensino de matemática hoje ​ - enfoques, sentidos e desafios. São Paulo: Ática,
2007. p. 98-
elaboradas para sustentar tem sobre o conceito em torno do qual atuamos. Nessa perspectiva,
justificar uma transformação da equação dizendo ​subtraio 10 em ambos os membros não é
mesmo que afirmar ​retiro 10 quilogramas de cada prato da balança​. A identificação das duas
justificativas é possível para quem já as elaborou, mas compreender a segunda não permite
necessariamente interpretar a primeira. De fato, uma se refere a um fato físico (tirar pesos dos
pratos) e a outra, a uma propriedade matemática (propriedade uniforme). A ilusão de
identidade entre as duas situações pode levar o aluno - no caso de se apelar para o recurso da
balança para tratar equações - a transformar os significados elaborados num dos contextos, para
que possam ser reinterpretados em outro. Ressaltemos que não se trata de um libelo contra o
uso da balança - embora não nos entusiasme, já que muitas vezes observamos que os alunos
têm dificuldade para compreender a "equação" através da "balança". Nossa intenção é que, não
obstante tenha o propósito de colaborar com o aluno, afasta-o das relações que deve elaborar.
Passemos ao segundo exemplo "prometido". No âmbito de uma proposta didática cuja
finalidade era levar os alunos a conceber operações aritméticas em termos de relações entre os
seus elementos, levamos em classes de sétimo grau uma série de problemas sobre divisão
inteira. A eles os alunos deveriam propor "contas de dividir" que atendessem a certas condições
(por exemplo, ​Proponha contas de dividir nas quais o divisor seja 32 e o resto, 27​). A ideia era
que eles pudessem considerar a conta como um assunto de que se pode falar e a que se pode
impor condições, sem alusão, na pauta de trabalho, ao valor instrumental da divisão para
resolver diferentes tipos de problemas (como, por exemplo, os de distribuição). Numa reunião
de especialistas em educação matemática em que relatamos esse trabalho, um colega nos
perguntou por que não havíamos proposto problemas de distribuição, já que esses contextos
são mais significativos para os alunos. Respondemos que não era possível equiparar as duas
situações. Para fundamentar a resposta, citamos um fato ocorrido numa das classes. Os alunos
estavam resolvendo um primeiro problema da sequência (deviam sugerir uma conta em que o
divisor fosse 34, o quociente 18 e o resto, 12). Um grupo de alunos estava paralisado diante da
tarefa e a docente propôs a seus integrantes o que parecia um problema similar, mas num
contexto de distribuição: ​Suponhamos que vocês tivessem distribuído caramelos entre 34
meninos, desses 18 a cada um e lhes sobrassem 12. Quantos caramelos distribuíram? O ​ s alunos
visualizaram imediatamente o problema como uma questão de multiplicação e soma, e o
resolveram sem estabelecer nenhuma relação com o problema originalmente apresentado, ou
seja, sem relacionar a multiplicação e a divisão. Ou seja, na situação apresentada, em um
contexto intramatemático, as relações concernentes à divisão inteira que se deve mobilizar
ficam a cargo do aluno, ao passo que, se se apresenta a situação aparentemente equivalente,
mas contextualizada, não é necessário estabelecer relações entre a multiplicação e a divisão. A
referência ao contexto de distribuição - fecundo para a construção do sentido da divisão - não
permite chegar às relações que apresenta a situação descontextualizada por nós proposta.
O exemplo ajuda a sustentar a ideia de que o contexto interno à matemática mostra
relações que o contextualizado no cotidiano não pode mostrar. Em outras palavras, não estamos
dizendo: ​Nesse caso o contexto externo não contribui,​ mas sim: ​Nesse caso o contexto externo
oculta aquilo que queremos que seja tratado.

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