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didática da matemática1
Grecia Gálvez
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Capítulo I da tese de doutorado "A aprendizagem da orientação no espaço urbano. Uma proposta para o ensino da geometria na
escola primária", apresentada pela autora para obter o grau de doutor em Ciências na Especialidade de Educação no Departamento
de Inovações Educativas do Centro de Pesquisas e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, México, em 1985. O
Coordenador da tese foi o professor Guy Brousseau.
A bibliografia correspondente a este capítulo está incluída no Capítulo 8 "A geometria, a psicogênese das noções espaciais e o ensino da
geometria na escola primária", da mesma autora.
para controlar e produzir tais ações sobre o ensino. Pode-se, em outros termos,
trazer a pesquisa científica para os processos que têm lugar no domínio do
ensino escolar da matemática.
Um dos pesquisadores que vem liderando tanto a promoção como o
desenvolvimento deste projeto, é Guy Brousseau, professor e pesquisador do
IREM de Bordeaux. Brousseau propõe o estudo das condições nas quais são
constituídos os conhecimentos; o controle destas condições permitiria reproduzir e
otimizar os processos de aquisição escolar de conhecimentos.
Parte-se do pressuposto de que o conhecimento dos fenômenos relativos ao
ensino da matemática não seja resultado da simples fusão de conhecimentos
provenientes de domínios independentes, como a matemática, a psicologia e a
pedagogia, mas algo que exige pesquisas específicas. Jean Brun (1980) defende a
ideia de que aplicar modelos gerais dos processos de aprendizagem ou
desenvolvimento intelectual para organizar tanto a aquisição de conhecimentos
matemáticos como a de quaisquer outros conteúdos escolares, indistintamente,
acarreta um isolamento dos modelos psicológicos da realidade a partir da qual
foram construídos. Assim, acontece a transposição destes modelos a outra
realidade, como se fossem entidades autônomas, atribuindo-lhes um
funcionamento ideológico e não científico. Em outro texto, o mesmo Brun (1981)
contestando a aplicação dedutiva de uma teoria psicológica à educação, afirma:
A análise de uma situação didática passa por sua comparação com outras
situações didáticas, obtidas por meio de transformações da primeira. Por
exemplo, o esforço de modelização de uma situação didática está subordinado
ao propósito de identificar os elementos que poderiam ser mudados para
conseguir efeitos didáticos diferentes dos que seriam obtidos com a situação
original. Constitui-se, assim, toda uma família de situações didáticas, relativas ao
conhecimento específico que se quer ensinar, na hipótese de que cada uma delas
faça funcionar tal conhecimento sob uma modalidade diferente. Postula-se que
entre estas situações existe uma, designada como fundamental, que é capaz de
gerar todas as demais, através da distribuição de diferentes estágios de variação
ou escalas de valores particulares às variáveis que a caracterizam. Uma situação
é fundamental quanto ao conhecimento que interessa ser ensinado, quando é
possível, por meio do jogo das variáveis nela presentes, fazê-la coincidir com
qualquer situação na qual intervenha esse conhecimento.
Enunciado: "Este é o desenho de um quebra-cabeça com algumas medidas
de suas partes. É preciso fabricar um quebra-cabeça que seja igual a este,
porém maior, de maneira tal que um lado que neste quebra-cabeça mede 3
centímetros, no outro meça 5 centímetros".
O enunciado é facilmente compreendido pelas crianças da última série da
escola primária e utiliza, em primeira instância, a estratégia de base que consiste
em adicionar 2 centímetros (sendo que 2 + 3 = 5) a cada um dos lados das figuras
que compõe o quebra-cabeça dado. O fracasso desta estratégia constitui uma
grande surpresa para as crianças. Voltam a insistir nela, procurando efetuar as
medições com maior precisão. Por fim se dão conta que devem Procurar outra
estratégia, cujo desenvolvimento contribuirá para a construção do conceito de
número racional (já que 3 x [5/3] = 5). Uma variável de comando desta situação é a
relação numérica entre os tamanhos dos quebra-cabeças. Se pedimos que
aumentem o lado de 3 centímetros, grande parte dos alunos recorrerá a um
modelo multiplicativo (3 x 2 = 6) em vez do modelo aditivo que empregaram na
situação anterior (3 + 3 = 6), porque, neste caso, o fator desconhecido é um
número inteiro.
Pensamos que a breve caracterização que fizemos de situações didáticas
quase isoladas é suficiente para dar uma ideia de sua complexidade. Este tipo de
situação não é encontrada frequentemente ao observar aulas organizadas de
maneira tradicional, nas quais o professor provoca, recebe, corrige e interpreta
todas as respostas significativas de cada um dos alunos. Justifica-se, assim, o
trabalho do pesquisador em didática na produção e implementação experimental
das situações didáticas que necessita estudar. Uma consequência direta do
anteriormente exposto é a dificuldade para propor aos professores as situações
utilizadas na experimentação didática. A identificação e reprodução de uma situação
didática específica, diferenciando-a de outros membros de uma mesma família de
problemas, requer um alto grau de compreensão das condições variáveis que
exercem influência sobre o saber produzido. A gestão destas situações, por
parte do professor que conduz as aulas experimentais, é difícil, na medida que
representa o abandono de práticas fortemente arraigadas em sua atividade
cotidiana. Observamos, por exemplo, que quando um professor conduz uma
mesma situação didática durante vários anos sucessivos, sua gestão piora, porque
realiza trocas sutis na situação para reproduzir a história dos comportamentos
dos alunos, obstaculizando assim o curso natural dos processos intelectuais
subjacentes a estes comportamentos. Este fenômeno tem sido descrito como
"obsolescência". Ultimamente, tem-se experimentado recorrer a um
microcomputador para apresentar uma situação didática aos alunos, com a
finalidade de facilitar a reprodução da situação.
Um comentário que nos parece conveniente fazer refere-se à difusão dos
resultados da didática da matemática entre os professores. Já que o estudo das
situações didáticas tem por finalidade conhecer e controlar os fenômenos
relativos ao ensino da matemática, é a comunicação de seus resultados o que
permitirá ao professor uma maior compreensão de sua prática no trabalho e um
incremento de seu controle. No entanto, é certo que a difusão passa também
pela tentativa de repetir as situações didáticas que foram construídas com
finalidade experimental. É válido, neste momento, aludir à distinção entre a
experimentação de laboratório, em física, e a inovação dos processos produtivos,
na indústria. Ninguém se atreveria a criticar, na atualidade, um projeto
experimental realizado em um laboratório, argumentando que isto não pode ser
levado à prática na indústria2. No entanto, é frequente pensar que tudo o que se
faz na sala de aula com caráter experimental deve poder repetir-se em uma
"aula qualquer".
Nosso ponto de vista a respeito é estimular a réplica das situações
broussonianas em condições o mais controladas possíveis e utilizá-las como
modelo para fomentar a reflexão dos professores sobre as condições que
influem no aprendizado dos alunos. Evidentemente, estas situações coexistirão,
durante longo tempo, com outras situações organizadas de uma maneira
tradicional, que possibilitarão o alcance de programas e normas instituídas
oficialmente no sistema educativo, independentemente dos juízos sobre sua
eficácia que nós possamos dar, a partir de uma perspectiva técnica.
2
'Há um par de séculos, no entanto, os trabalhos de Newton sobre a decomposição da luz foram criticados pelo seu elevado custo, já que
precisavam de espaços muito amplos. Afirmou-se que Newton fazia "física para ricos".