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CURSO DE GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA

TRAJETÓRIAS DO SABER E A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Antonio Mandu Amorim Filho1


manduamaf@gmail.com

Resumo

Este artigo agrega algumas reflexões sobre o debate acadêmico que orbita a “Didática da
Matemática e suas Tendências”, buscando, entretanto, se ater mais especificamente as
implicações do contexto que envolve a “Transposição Didática”. Deste modo, por acreditar
que o universo de teses e concepções teóricas sobre o tema, com seus respectivos
desdobramentos é muito diverso, buscou-se aqui ancorar a construção das ideias deste
trabalho na obra literária de Pais (2011), que de forma pertinente e concreta coloca em pauta
questões fundamentais que envolvem este campo de estudo e pesquisa. Assim, seguindo
consoante com o raciocínio deste pesquisador, este artigo traz a discussão temas pontuais, tais
quais, a Trajetória do Saber, a Transposição dos Saberes, as Criações Didáticas, o Saber
Científico e o Saber Escolar, as Dimensões do Fenômeno Didático e finalizando, a
Contextualização do Saber.

Palavras chave: Transposição Didática. Educação Matemática. Conhecimento. Saber.


Científico.

1Acadêmico do Curso de Matemática - Licenciatura da Universidade do Sul de Santa Catarina – Campus


UnisulVirtual.

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1. Introdução

Dentro de um ponto de vista filosófico-científico, podemos considerar que a perspectiva de


sobrevivência em um mundo onde as transformações e as mudanças de paradigma se dão
numa velocidade cada vez mais assustadoras, tem conduzido a indagações não menos
intrigantes sobre o futuro. Neste quadro de ideias, no que se refere ao conhecimento humano,
pesquisadores acreditam na necessidade urgente das novas gerações adaptarem-se de forma
ágil às mudanças, de estarem aptos a novas descobertas e encontrarem soluções para os
problemas modernos. Ou seja, poderem superar os desafios deste novo mundo de tecnologias
avançadas, mudanças rápidas e incertezas.

Esta nova ordem do conhecimento requer transformações efetivamente concretas nas práticas
educacionais que de algum modo se reflitam nos processos cognitivos de aprendizagem ou em
outros termos, culminem em uma mudança real e efetiva na forma que se dá a propagação do
conhecimento intelectual. Assim, tem se percebido muitas vozes no campo educacional que
tem questionado os métodos tradicionais de ensino da matemática nas nossas escolas, bem
como, muitos pesquisadores renomados que têm cobrado, uma consequente e urgente
reestruturação dos referidos currículos escolares. Uma causa disso são as numerosas pesquisas
relacionadas às várias tendências em educação matemática, cujos reflexos têm influenciado e
inspirado cada vez mais práticas pedagógicas inovadoras.

É dentro desta nova concepção das “Tendências em Educação Matemática” que se encontra a
“Transposição Didática”, foco central deste trabalho. Entretanto, antes de principiar qualquer
abordagem, faz-se necessário justificar o porquê da opção em utilizar como base para o
desenvolvimento deste trabalho a obra de Pais (2011), em meio a outras obras literárias como,
por exemplo, Almeida (2007). Primeiramente por considerá-la abrangente e com um coerente
encadeamento de ideias e conceitos e em segundo lugar porque toda construção das
argumentações em que o autor apoia as suas ideias se fundamentam nos referenciais teóricos
da corrente de pensadores e filósofos franceses como Bachelard (1996), Brousseau (1998),
Chevallard (1991) e Vergnaud (1996), pioneiros em muitas das concepções didáticas e
científicas nesta área.

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2. Trajetória do Saber

Chevallard (1991) é um dos pioneiros a pesquisar a Transposição Didática, tornando-se difícil


falar nesta tendência da educação matemática sem mencionar os seus trabalhos. Neste sentido,
Pais (2011) considera que estudar a trajetória dos saberes possibilita diagnosticar as suas
fontes de influências nas diversas áreas do conhecimento humano, as quais, nesta trajetória,
contribuem nas redefinições dos aspectos e nas reformulações da forma de apresentação do
conhecimento. Nesta perspectiva, para Chevallard (1991, apud Pais 2011, p.19) o conjunto
destas fontes de influência, que de alguma forma interagem e alteram a seleção dos
conteúdos, chama-se noosfera e dela fazem parte cientistas, professores, especialistas,
políticos, autores de livros e outros agentes que, deste modo, atuam e influenciam o processo
educativo. Deste modo, Chevallard (1991, apud Pais 2011) afirma que o resultado da
influência da noosfera condiciona todo o sistema didático. Neste contexto, a necessidade que
se dá de existência da transposição didática decorre exatamente da trajetória percorrida pelo
conhecimento dentro da noosfera até transformar-se em saber ensinado.

Assim, para Pais (2011, p.17), “a transposição didática pode ser entendida como um caso
especial da transposição dos saberes, sendo esta entendida no sentido da evolução das ideias,
no plano histórico da produção intelectual da humanidade”. Chevallard (1991, apud Pais
2011, p.19) esclarece ainda que um certo conteúdo de conhecimento para se tornar um “saber
a ensinar”, por sua vez, passa por um conjunto de transformações e adaptações que vão torná-
lo um “objeto de ensino”. É a esse processo que torna um objeto de saber a ensinar em um
objeto de ensino que se define como transposição didática.

3. Transposição dos Saberes

No caso específico da aprendizagem, podemos analisar a noção de transposição didática a


partir do modo como se caracteriza o fluxo de cognição relacionado à evolução do
conhecimento, já que essa dimensão da transposição está associada à aplicação de
conhecimentos anteriores para a assimilação de um novo conceito. Neste sentido a
transposição didática proposta por Chevallard (1991), vem corrigir um equívoco tradicional
da reflexão pedagógica em que a discussão dos saberes escolares foi secundarizada ao longo
das décadas, quando considerada a complexidade das relações estabelecidas entre os três
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pólos do sistema didático: “o saber”, “aquele que ensina” e “aquele que aprende”. A teoria da
transposição didática pretende mudar esse entendimento, expondo claramente a distância que
há entre o saber ensinado e seus saberes de referência. Mais do que isso, propõe que se pense
o sistema didático a partir dessa dimensão, com base na abordagem epistemológica do saber
ensinado.

4. As Criações Didáticas

A escolha dos conteúdos a serem abordados pelo docente é definida principalmente pelos
parâmetros, programas e livros didáticos, todavia Pais (2011), alerta que os educadores de
hoje devem estar vigilantes quanto ao processo de criações didáticas, pelo qual podem ser
gerados conteúdos que inseridos de forma desvinculada de sua finalidade principal, passam a
figurar como um objeto de ensino em si mesmo e perdendo seu objetivo real. É o caso, por
exemplo, dos produtos notáveis. Os educadores devem estar atentos todo tempo neste caráter
da transposição didática, pois é no conjunto das criações didáticas que se evidencia a
diferença entre o saber científico e o saber ensinado. Leivas e Cury (2009, p.4) nos alertam
também quanto ao perigo da educação por axiomas:

Um dos problemas do ensino de conteúdos matemáticos é o distanciamento entre o


conteúdo abordado, a realidade do aluno e as origens do conhecimento em questão.
A apresentação axiomática parece simplificar o ensino, pois os conteúdos são
articulados em uma sequência rígida, em que toda nova definição depende das
anteriores, todo teorema exige que já esteja aceito certo número de axiomas e
demonstradas as proposições das quais ele depende. De certa forma, talvez por ser a
axiomática euclidiana o modelo para o ensino de Matemática por tantos séculos,
esse tipo de apresentação é considerado pelo professor como o mais fácil, pois lhe dá
a sensação do “dever cumprido”, tendo mostrado a construção de um determinado
saber. (LEIVAS e CURY, 2009, p.4)

A escolha por este tipo de prática pedagógica muito menos trabalhosa, geralmente
tradicionalista se caracteriza por uma falta de espírito de análise e por um distanciamento do
processo de transposição dos saberes. O grande problema é que ela geralmente conduzirá a
um ensino descontextualizado, deslocado do seu território original e sem uma aprendizagem
significativa.

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5. Saber Científico e Saber Escolar

Na trajetória descrita dentro da noosfera pelo saber científico até o saber previsto para a
educação escolar, ocorrem vários fenômenos que, relacionados à aprendizagem, se traduzem
na criação de vários recursos didáticos, cujos frutos, como já mencionamos, são as criações
didáticas. Estas, por sua vez, fornecem o essencial da intenção de ensino da disciplina. Dentro
desta perspectiva é importante ter a visão que o trabalho daquele que ensina deve ser
direcionado, pois o saber acadêmico está vinculado às descobertas da ciência e o trabalho do
docente envolve simulações destas descobertas (PAIS, 2011).

Enquanto o saber científico é apresentado através de artigos, teses, livros e


relatórios, o saber escolar é apresentado através de livros didáticos, programas e de
outros materiais. O processo de ensino leva finalmente ao saber ensinado, que é
aquele registrado no plano de aula do professor e que não coincide necessariamente
com a intenção prevista nos objetivos programados. (PAIS, 2011, p.22)

De um modo geral, o saber escolar se encontra representado no conjunto dos conteúdos


previstos na estrutura curricular, porém trazendo muitas vezes heranças valorizadas no
contexto histórico da educação, o que deve suscitar cuidado, pois é comum os assuntos
apresentados aos alunos se vincularem aos conceitos matemáticos tal como foram criados e é
aí que deve prevalecer a noção de transposição didática.

A aprendizagem da matemática não se realiza da mesma forma sequencial, tal qual


aparece na redação textual da matemática. Até mesmo o matemático somente
consegue uma clara linearidade ao apresentar uma demonstração, como resultado de
uma longa e complexa trajetória de raciocínio e não como ponto inicial de uma
aprendizagem. (PAIS, 2011, p.24)

Neste sentido, o educador deve manter-se em constante vigilância, pois diferentemente de


quem trabalha com a criação das ciências, onde os objetivos se restringem apenas a estes
fenômenos, seu olhar deve estar sempre deslocado para o objeto educacional, não podendo ele
permitir que os fatos científicos predominem sobre o objeto pedagógico, o que vem a afetar
sensivelmente o fenômeno cognitivo, ao que Pais (2011) chama de deslocamento de
explicações. O saber ensinado coloca em evidência os desafios da metodologia de ensino e
deve estar sempre norteado pelos valores e objetivos da aprendizagem.

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6. Dimensões do Fenômeno Didático

As dimensões do fenômeno didático se referem a duas variáveis vinculadas a temporalidade


do fenômeno de ensino: o tempo didático e o tempo de aprendizagem, os quais são critérios
fundamentais em um planejamento didático. O tempo didático é o tempo oficialmente
marcado nos calendários dos programas escolares e que cumpre uma exigência legal e
reguladora, prevendo um caráter acumulativo e irreversível dos conteúdos. A grande questão
é que isto pressupõe equivocadamente que a aprendizagem matemática seja sempre
sequencialmente lógica, seguindo linearmente uma lista de conteúdos, o que diverge dos
desafios reais do fenômeno cognitivo em um processo de aprendizagem.

O tempo de aprendizagem por sua vez, é o tempo necessário para uma assimilação real do
conceito ensinado e isso não é sequencial e nem linear, variando de sujeito para sujeito.

O tempo de aprendizagem é aquele que está mais vinculado com as rupturas e


conflitos do conhecimento, exigindo uma permanente reorganização de informações
e que caracteriza toda a complexidade do ato de aprender. É o tempo necessário para
o aluno superar os bloqueios e atingir uma nova posição de equilíbrio. Trata-se de
um tempo que não é sequencial e não pode ser linear na medida em que é sempre
necessário retomar concepções precedentes para poder transformá-las e cada sujeito
tem o seu próprio ritmo para conseguir fazer isso. (PAIS, 2011, p.25)

Segundo Pais (2011), a melhor maneira de estabelecer uma conexão entre estes dois tempos e
tentar mensurar a relação do que já está assimilado e o novo conhecimento é a resolução de
problemas, que é o motor propulsor do saber escolar da matemática. Entretanto, desta
problemática educacional entre o tempo didático e o tempo de aprendizagem, decorrem os
diversos casos de bloqueio em que o aluno arrasta por muitos anos dificuldades referentes à
aprendizagem de conteúdos estudados nos primeiros anos escolares e que perduram por
longos anos.

7. Contextualização do Saber

No sentido da contextualização do saber, existe uma diversidade de recursos e referências


vinculados ao cotidiano do aluno que podem ser trabalhados, como jogos, recreações,
problemas científicos, técnicas e dinâmicas educacionais ou ainda recursos associados às
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próprias tendências da educação matemática como a modelagem matemática ou os recursos


tecnológicos e a informática. A princípio, todos estes recursos são legítimos em termos de
contextualização. O que não deve ocorrer é o ensino da matemática ficar atrelado a uma única
fonte de referência, reduzindo o significado do conteúdo didático.

A contextualização do saber é uma das mais importantes noções pedagógicas que


deve ocupar um lugar de maior destaque na análise da didática contemporânea.
Trata-se de um conceito didático fundamental para a expansão do significado da
educação escolar. O valor educacional de uma disciplina expande na medida em que
o aluno compreende os vínculos do conteúdo estudado como um contexto
compreensível por ele. (PAIS, 2011, p.27)

Outro ponto importante dentro das dimensões que abarcam a contextualização do ensino
consiste em, além de vincular os conteúdos estudados às situações da vida cotidiana do
estudante, também criar-se a articulação entre estes assuntos e os estudados pelo aluno em
outras disciplinas. Neste ponto devemos tomar cuidado, pois Segundo Pais (2011), o ensino
escolar deve ter início na vivência do aluno, mas isto não significa que ela está restrita ao
saber cotidiano. Deste modo, o desafio didático consiste, exatamente, em estabelecer as
condições para que haja uma evolução dessa situação inicial na direção dos conceitos
previstos. E reforçando essa ideia, afirma: “O objeto da aprendizagem escolar não é o mesmo
do saber cotidiano. O saber escolar serve, em particular, para modificar o estatuto dos saberes
que o aluno já aprendeu nas situações do mundo-da-vida (PAIS, 2011, p.28).”

Neste sentido, observamos que o autor alerta para o fato de que a aprendizagem escolar tem
por missão transformar aquele patrimônio de conhecimento trazido pelo estudante da sua
realidade de vida em função dos objetos de estudo do programa curricular.

8. Considerações Finais

Apesar de ser relativamente recente, o campo de pesquisa da educação matemática recebeu


um grande impulso nas últimas décadas, se consolidando enquanto objeto de estudos e
pesquisas. Tais concepções inovadoras, já apresentam resultados impressionantes, os quais
têm conduzido a uma necessária revisão nas metodologias e práticas pedagógicas de ensino da
matemática. Neste contexto, pode se dizer que este artigo abarca apenas uma pequena parte

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das questões que permeiam tanto a educação matemática e suas tendências, como a própria
transposição didática.

Por fim, deve ficar claro que este texto buscou, sem maiores pretensões, fazer uma análise
teórica de pontos que chamam a atenção pela sua importância no campo epistemológico do
universo da transposição didática. Ao mesmo tempo, acredito que as concepções didáticas
colocadas neste artigo se referem a situações práticas que merecem toda atenção no sentido de
contribuir para o aperfeiçoamento das metodologias de ensino que conduzam a uma
aprendizagem significativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Geraldo Peçanha. Transposição Didática - Por Onde Começar? Cortez editora.
2ª edição, São Paulo. 2007. 72 p.

BACHELARD, G. A Filosofia do Espírito Científico. Ed. Contra-ponto, São Paulo. 1996.

BROUSSEAU, G. Théorie des Situations Didactiques. Paris. La Pensée Sauvage, 1998.

CHEVALLARD, Y. La Transposition Didactique. Paris, La Pensée Sauvage, 1991.

LEITE, Mirian Soares. Contribuições de Basil Bernstein e Yves Chevallard para a


discussão do conhecimento escolar. Dissertação de Mestrado (Departamento de Educação) -
Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2004. 131 f.

LEIVAS, José Carlos. Cury, Helena. Transposição Didática: Exemplos Em Educação


Matemática. In: Educação Matemática em Revista–RS, n. 10, v. 1, p.65-74, 2009.

PAIS, Luiz. Didática da Matemática, uma análise da influência francesa. Coleção


Tendências em Educação Matemática, 3ª edição, Editora Autêntica, 2011. 136p.

VERGNAUD, G. La Théorie dês champs conceptuels. In: BURN, J. (Org). Didactique des
Mathématiques. Lausanne-Paris. Delachaux, 1996.

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