Você está na página 1de 19

Aula 4

A Teoria das Situações Didáticas,


A Teoria dos Campos Concei-
tuais e As Avaliações de Apren-
dizagem

Raquel Tavares Scarpelli


Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

Meta(s)

Apresentar ao aluno a Teoria das Situações Didáticas, a Teoria dos Cam-


pos Conceituais e levá-lo a refletir sobre as avaliações de aprendizagem.
Nesta aula, pretende-se que os alunos observem a importância da cons-
trução dos conceitos na prática do docente que ensina matemática.

Objetivo(s)

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. compreender a importância da construção dos conceitos na aprendi-


zagem da matemática;

2. observar a necessidade de eliminar obstáculos epistemológicos por


meio de atividades focadas na formulação de conceitos por parte dos
alunos;

3. refletir sobre a diversidade das representações de uma problema no


plano de execução de sua solução;

4. perceber a complexidade da discussão sobre as avaliações de apren-


dizagem e o quanto ela se relaciona com o contrato didático e os
obstáculos epistemológicos;

5. pensar a respeito das avaliações formativas de aprendizagem.

58
Tendências em Educação Matemática

Introdução

Na aula anterior vimos os conceitos de contrato didático, trans-


posição didática e obstáculos epistemológicos. Ao longo daquele texto
percebemos também o quanto eles estavam intrinsecamente relaciona-
dos.
Um assunto também abordado foi a apresentação dos obtáculos epis-
temológicos como um entrave para a aquisição do conhecimento. Isso
porque, para Bachelard (1996), ela se daria através da eliminação deles
por meio de uma sequência de atividades que fossem suficientemente
desafiadoras ao estudante para perceberem os erros que cometem.
Na direção das ideias de Bachelard, Brousseau (1983, 1986) propôs a
Teoria das Situações Didáticas, a qual trabalha com o conhecimento de
forma similar a uma pesquisa cientı́fica, com etapas especı́ficas para a
atividade docente junto aos alunos. Nesta teoria, o foco está na concei-
tualização formulada a partir da escolha de um problema matemático.
Outra Teoria Cognitivista que também se foca na conceitualização é
a Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud (TCC), cujo foco princi-
pal está na análise da trı́ade problema-representação-invariantes opera-
cionais. Apesar de não ser propriamente direcionada à aprendizagem da
matemática, Vergnaud (1993) apresentou a definição de adição e multi-
plicação como campos conceituais e não como operações matemáticas.
Na aula de hoje apresentaremos estas duas teroias, assim como uma
breve discussão acerca das avaliações de aprendizagem.

A Teoria das Situações Didáticas

A Teoria das Situações Didáticas constitui-se de um modelo teórico


de ensino-aprendizagem desenvolvido por Guy Brousseau (1986) que
trata de formas de apresentação, a alunos, do conteúdo matemático sob
um modelo que se contrapõe aos trabalhos formalistas caracterı́sticos do
Movimento da Matemática Moderna. Ela se baseia em outras teorias
construtivistas, como a Epistemologia Genética, de Jean Piaget. Brous-
seau coloca como idéia básica aproximar o trabalho do aluno ao tra-
balho de um pesquisador, testando conjecturas, formulando hipóteses,
provando, construindo modelos, conceitos, teorias e socializando os re-
sultados, com o devido auxı́lio do professor, que deverá providenciar
situações favoráveis para que o aluno aja sobre o saber, transformando-
o em um conhecimento.
Um conceito de extrema importância nesta teoria, é o conceito de
”milieu” que, em tradução literal do francês para o português, seria a
palavra meio. O ”milieu” é tudo que interage com o aluno de forma

59
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

antagônica, ou seja, de forma a desafiá-lo a encontrar respostas para as


situações-problema. O meio é onde ocorrem as interações do sujeito,
é o sistema antagonista no qual ele age. É no meio que se provocam
mudanças visando a desestabilizar o sistema didático e o surgimento de
conflitos, contradições e possibilidades de aprendizagem de novos conhe-
cimentos. Num dado meio, em cada momento, as situações didáticas
são regidas por um contrato didático.

A noção de situação didática


A situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explicita-
mente e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num
certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um
sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a esses
alunos um saber constituı́do ou em vias de constituição, tendo como ca-
racterı́stica crucial aproximar o trabalho do aluno ao de uma pesquisa
cientı́fica como garantia de uma construção efetiva de conhecimentos
pertinentes. O envolvimento do aluno dependerá da estruturação das
diferentes atividades de aprendizagem através de uma situação didática.
Existirá uma situação didática sempre que ficar caracterizada uma in-
tenção, do professor, de possibilitar ao aluno a aprendizagem de um
determinado conteúdo.
Para Brousseau, o aluno somente constrói o conhecimento quando
se envolve pessoalmente com o problema proposto pela situação, exata-
mente como propõe o método dialético de ensino que delimita o apren-
dizado em 5 passos (URBANETZ; MELO, 2008): prática social, proble-
matização, instrumentalização, catarse e retorno à prática social. Assim
como o método dialético procura trazer o aluno de sua prática social, ou
seja, dos elementos que ele vive, e transpor esta vivencia em problemas
para que o aluno desenvolva seu aprendizado, Brousseau faz com que o
aluno se envolva com o problema proposto trazendo-o para o conteúdo
a ser aprendido.
Vale ressaltar que quando se fala em aproximar o trabalho do aluno
ao de um “pequeno cientista” devemos ter ciência de que não se trata
de igualar um trabalho ao outro, ou seja, não se está reproduzindo o
trabalho cientı́fico. De fato, no trabalho de pesquisa, o matemático pes-
quisador, antes de encontrar um resultado ou desenvolver uma teoria
geral, realiza inúmeras reflexões, escolhas inadequadas, tentativas erra-
das e mudanças de percursos que não aparecem, não são descritas na
publicação dos resultados gerais encontrados. Pode-se dizer, sob esse as-
pecto, que a linguagem utilizada na divulgação é despersonalizada. Já o
professor deve fazer um trabalho diferente do realizado pelo matemático
pesquisador, qual seja, recontextualizar e observar os registros de todos
os passos dos alunos. Dessa forma, o trabalho do aluno apresenta-se

60
Tendências em Educação Matemática

em uma linguagem personalizada. Segundo essa concepção, o professor


deve efetuar, não a simples comunicação de um conhecimento, mas a
devolução de um bom problema. A devolução, aqui, tem o significado
de transferência de responsabilidade, uma atividade na qual o profes-
sor, além de comunicar o enunciado, procura agir de tal forma que o
aluno aceite o desafio de resolvê-lo, como se o problema fosse seu e não
somente porque o professor quer uma resposta. Se o aluno toma para
si a convicção de sua necessidade de resolução do problema, ou seja, se
ele aceita participar desse desafio intelectual e se consegue sucesso nesse
seu empreendimento, então inicia-se o processo da aprendizagem.
É evidente que, entre a devolução do problema e a efetiva aprendiza-
gem, diversas etapas são percorridas. É necessária, portanto, a análise
de certos tipos particulares de situações didáticas, que permitem essa
progressão de aprendizagem. Nessa progressão de aprendizagem há in-
terferências de diversas variáveis, algumas sobre as quais o professor não
tem nenhum controle e outras que são razoavelmente controláveis pela
ação didática. Na perspectiva de melhor compreender as variáveis sobre
as quais o professor não tem um controle direto, faz-se necessário apre-
sentar a noção de situação adidática, também introduzida por Brous-
seau (1986). Uma situação adidática caracteriza-se essencialmente pelo
fato de representar determinados momentos do processo de aprendiza-
gem nos quais o aluno trabalha de maneira independente, não sofrendo
nenhum tipo de controle direto do professor relativamente ao conteúdo
matemático em jogo. Sobre esse papel do professor na transferência ao
aluno da responsabilidade pela busca da solução do problema, Brous-
seau afirma que:

A concepção moderna de ensino vai, portanto, requerer que o


professor provoque no aluno as adaptações desejadas, por meio
de uma escolha cuidadosa dos problemas, de modo que o aluno
possa aceitá-los, agir, falar, refletir, evoluir por si próprio. En-
tre o momento em que o aluno aceita o problema como seu e
aquele em que ele produz sua resposta, o professor se recusa a
intervir, como alguém que propõe os conhecimentos que deseja
ver surgirem. O aluno sabe que o problema foi escolhido para
que ele possa adquirir um novo conhecimento, mas também deve
saber que esse conhecimento é justificado pela lógica interna da
situação e que ele pode construı́-lo sem apelar a razões didáticas.
(BROUSSEAU, 1986, p. 49)

Quando os alunos se apropriam da situação, o professor pode deixá-


los com a responsabilidade da pesquisa, e, a partir daı́, fica caracterizada
a situação adidática. Desse modo, o professor prepara, organiza a si-
tuação e tem controle sobre o andamento dela, de modo que o aluno
possa vivenciá-la como se fosse um pesquisador que busca encontrar a
solução sem a ajuda do mestre. É preciso ficar claro que toda vez que

61
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

for possı́vel caracterizar uma intenção, por parte do professor, de ori-


entação de um aluno para a aprendizagem de um determinado conteúdo
especı́fico, fica caracterizada a existência de uma situação didática.
As situações adidáticas representam os momentos mais importantes
da aprendizagem, pois o sucesso do aluno nelas significa que ele, por
seu mérito próprio, conseguiu sintetizar algum conhecimento. Nesse
sentido, elas não podem de modo algum ser confundidas com as chama-
das situação não-didáticas, que são aquelas que não foram planejadas
visando a uma aprendizagem. Nesse caso, o problema surge de modo
eventual na vivência pessoal do sujeito.
O modelo de aprendizado no qual se insere a Teoria das Situações
Didáticas está diretamente associado à proposta construtivista, no sen-
tido em que esta se caracteriza pela intenção de colocar o aprendiz em
uma situação que envolve a produção de conhecimento. Essa produção
pode também envolver adaptações, reformulações ou mesmo a geração
de conflitos com conhecimentos anteriores. Nesse processo, pode ser ne-
cessário o rompimento com algumas certezas que figuram como obstáculos
epistemológicos.

Tipologia das situações didáticas


Brousseau (1986) desenvolveu uma tipologia de situações didáticas,
analisando as principais atividades especı́ficas da aprendizagem da ma-
temática:
• situação didática de devolução: ato pelo qual o professor cede ao
aluno uma parte da responsabilidade pela aprendizagem, incluindo-o no
jogo e assumindo os riscos por tal ato;
• situação didática de ação: o aluno reflete e simula tentativas, ao ele-
ger um procedimento de resolução dentro de um esquema de adaptação,
por intermédio da interação com o milieu, tomando as decisões que fal-
tam para organizar a resolução do problema;
• situação didática de formulação: ocorre troca de informação entre
o aluno e o milieu, com a utilização de uma linguagem mais adequada,
sem a obrigatoriedade do uso explı́cito de linguagem matemática formal,
podendo ocorrer ambiguidade, redundância, uso de metáforas, criação
de termos semiológicos novos, falta de pertinência e de eficácia na men-
sagem, dentro de retroações contı́nuas; os alunos procuram modificar
a linguagem que utilizam habitualmente, adequando-a às informações
que devem comunicar;
• situação didática de validação: os alunos tentam convencer os in-
terlocutores da veracidade das afirmações, utilizando uma linguagem
matemática apropriada (demonstrações);

62
Tendências em Educação Matemática

• situação de institucionalização: o professor expõe os conhecimentos


relevantes levantados pelos alunos durante a validação e sua relação com
os outros conhecimentos e saberes já estabelecidos. O saber passa a
caracterizar-se como referência cultural que extrapola o contexto pessoal
e localizado, passando de um saber personalizado para um saber formal
a ser incorporado como patrimônio cientı́fico e/ou cultural.
Na situação de ação o aluno utiliza seus conhecimentos e procedimen-
tos mais imediatos para a resolução de um problema. Nela prevalecem
os aspectos experimentais e argumentativos e o aspecto teórico dos con-
ceitos envolvidos permanece recuado. Nessa etapa o aluno é capaz de
fornecer a solução para o problema proposto, mas não consegue ainda
explicitar os mecanismos e elementos utilizados em sua elaboração.
Na situação de formulação o aluno utiliza alguma elaboração de na-
tureza teórica para a resolução do problema, de forma a apresentar um
raciocı́nio mais elaborado do que um mecanismo experimental e, para
isto, faz uso de informações anteriores. O objetivo desta fase é a troca
de informações, composta de elementos em que o aluno explicita as
ferramentas utilizadas e a solução encontrada. Contudo, o aluno faz
afirmações sem ter a intenção de julgar a validade do conhecimento,
embora elas contenham implicitamente as intenções de validação (o co-
nhecimento está sendo elaborado e não possui ainda a obrigatoriedade
de justificação e de controle de ações).
Na situação de validação o foco é voltado para o plano da argu-
mentação racional, na qual é importante a questão da veracidade do
conhecimento. Nessa fase, o aluno é capaz de utilizar na solução do
problema proposto alguns modelos e esquemas teóricos explı́citos, sendo
possı́vel apresentar argumentações de cunho teórico de forma bem mais
elaborada. A caracterı́stica principal dessa situação é o debate sobre a
veracidade das assertivas. Neste esforço e motivações intelectuais, em
conjunto com os procedimentos de argumentação a respeito do saber, o
aluno pode contestar ou mesmo rejeitar proposições que ele ainda não
compreende, podendo experimentar a condição da dúvida, buscando
aportes teóricos que o façam concordar e aceitar uma proposição, ou
desmascará-la com argumentos especı́ficos e verdadeiros.
Na situação de institucionalização o papel do professor fica em evidên-
cia com o propósito de juntar os debates, argumentos e ideias surgidas,
oficializando e conferindo um status de saber ao conhecimento produ-
zido pelos alunos. Nesta situação ocorre a passagem do conhecimento
do plano individual e particular para a dimensão histórica e cultural do
saber cientı́fico. Para Brousseau, o papel do professor é a instituciona-
lização que se realiza tanto sobre uma situação de ação como também
sobre uma situação de formulação.
As quatro primeiras situações têm um componente psicológico fa-
vorável, uma vez que, engajando o aluno no seu processo de aprendiza-

63
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

gem, elas o predispõem a ser o seu coautor, dentro de um projeto pes-


soal. Ocorre ainda uma quinta situação – a de institucionalização –, em
que a institucionalização do saber é destinada a estabelecer convenções
sociais e a intenção do professor é revelada. O professor, aı́, retoma a
parte da responsabilidade cedida aos alunos, conferindo-lhes o estatuto
de saber ou descartando algumas produções dos alunos e definindo, as-
sim, os objetos de estudo por meio da formalização e da generalização.
É na institucionalização que o papel explı́cito do professor é manifes-
tado: o objeto é claramente oferecido ao aluno. Há, portanto, uma real
aprendizagem, reconhecida pelo professor. Brousseau pondera que o
papel da institucionalização é “prover o sentido de um saber”. O foco
sobre a Teoria das Situações Didáticas deve privilegiar os procedimentos
adotados dentro das situações de devolução, de ação, de formulação, de
validação e, finalmente, de institucionalização. O professor, obedecendo
àqueles procedimentos, não fornece, ele mesmo, a resposta, fazendo com
que o aluno participe efetivamente da elaboração da cognição. O aluno
pode, então, desenvolver novos saberes com base em suas experiências
pessoais, com sua própria interação com o meio.
Nas situações de ação são validadas as ações; nas situações de for-
mulação são validadas as mensagens; nas situações de validação são va-
lidadas as afirmações e na institucionalização são validados os sentidos
e as convenções oficiais dos conhecimentos. As situações de devolução,
ação, formulação e validação caracterizam a situação adidática, em que
o professor permite ao aluno trilhar os caminhos da descoberta, sem
revelar sua intenção didática, tendo somente o papel de mediador. Já
a situação de institucionalização é puramente didática, com atuação
exclusiva do professor na sı́ntese e apresentação do conhecimento ad-
quirido pelos alunos.
As proposições de Brousseau podem ser resumidas da seguinte forma:
• A comunicação didática fornece aos seus envolvidos um instru-
mento de controle ou regulariza um determinado meio. Deste modo,
faz-se necessário que o sujeito aprendente tenha consciência da capaci-
dade de exercer o controle de uma situação ou um meio.
• Os instrumentos culturais de reconhecimento e organização de co-
nhecimento são saberes, objetos de atividades das instituições. Neste
sentido, a compreensão torna-se a mobilização de saberes e conhecimen-
tos que possam servir de controle desses conhecimentos que regulam o
saber.
• O sentido de um conhecimento é uma imagem cultural da com-
preensão. Pode ser decomposto em três tipos didáticos: componente
semântico - o conhecimento mobilizado se relaciona com um campo
de situações, componente sintático - relaciona a diferentes repertórios
(lógico e cientı́fico) e componente pragmático - descreve as caracterı́sticas
da utilização.

64
Tendências em Educação Matemática

• A ação de um professor contribui para a regulação dos processos


de aquisição do aluno. O aluno aprende pela regulação de suas relações
com seu meio.
• A aprendizagem se dá na relação intrı́nseca entre o aluno e o pro-
fessor com o meio que exige controle das situações que conduzirão a
aprendizagem.
• Nesta relação entre professor e aluno, Brousseau, apresenta a figura
do professor de acordo com dois pontos de vista: o primeiro como o
professor que organiza as aulas e o segundo como o professor que leciona.

Exemplo
Brousseau usa a diferença entre conhecimento e saber em sua Teo-
ria das Situações, por exemplo, quando sugere a lição “Quem vai dizer
20?”. Trata-se de um jogo entre dois oponentes, em que um deles ini-
cia, escolhendo entre duas opções - o número “1” ou o número “2” ,
e o adversário acrescenta mentalmente uma unidade ou duas, anunci-
ando somente o resultado. O jogo prossegue, alternadamente, e vence
quem obtiver primeiro o número vinte. Após algumas partidas, os alu-
nos percebem que não é uma boa estratégia responder aleatoriamente.
A estratégia vencedora neste jogo consiste em utilizar inicialmente o
número 2 e escolher valores que resultem na sequência 2, 5, 8, 11,14,
17, 20. Quanto ao algoritmo vencedor, este é obtido pela divisão eu-
clidiana do número 20 por 3, do que resultam, como quociente, 6; e
como resto, 2, que é o termo inicial da sequência otimizadora (Pro-
gressão Aritmética (PA) de razão 3 e primeiro termo 2); ou, então, a
descoberta da sequência por subtrações sucessivas de 3, a partir do 20.
Assim, a utilização dos números “1” e “2” não é casual - são os restos
possı́veis, diferentes de zero, para o divisor 3 (número subsequente aos
próprios valores “1” e “2”). O jogador que inicia, se souber aplicar a
estratégia descrita, sempre vence.
Vale observar que o jogo, após ser entendida a sua estratégia para ga-
nhar, permite a abordagem do objeto matemático em diferentes nı́veis:
divisão euclidiana e subtrações sucessivas (4º/5º/6º anos do Ensino
Fundamental) e Progressão Aritmética (1º/2º anos de Ensino Médio).
Também há a possibilidade de uma abordagem na linguagem da Con-
gruência Modular (Ensino Superior).
O estudo das situações como a do jogo “Quem vai dizer 20?” per-
mite revelar o papel da estratégia a ser utilizada para vencer o jogo
(conhecimento não explı́cito, por exemplo, subtrações sucessivas), ou,
até mesmo, o papel do conhecimento não válido, ambos presentes no
estabelecimento e na aprendizagem de saberes matemáticos. Portanto,
para Brousseau, o aluno traz para sala de aula certos conhecimentos

65
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

que ele utiliza para construir o saber.


As situações, segundo Brousseau, devem ser concebidas de maneira
a provocar o aparecimento dos conhecimentos que os alunos trazem,
em respostas, espontâneas ou não, e em condições apropriadas. Elas
devem ser, porém, sem nenhuma relação visı́vel para o aluno, com uma
intenção didática desejada e sem qualquer intenção complementar. As
crianças são hábeis em achar respostas para questões propostas, sem
mesmo examinar seu sentido e sua validade, em alguns casos. O aluno,
nessa situação, mostra conhecimento, mas não, necessariamente, o saber
matemático. Esse saber vai sendo construı́do durante todo o desenvol-
vimento da situação, e essa construção do saber só evolui em função das
decisões do ator - aquele que resolve - e das condições objetivas.

Atividade 1

Elabore um roteiro com situações didáticas para o ensino de um


determinado conteúdo. Debata com seus colegas, no Fórum da Semana,
sobre o problema que você escolheu para trabalhar em sala de aula com
os alunos.

A Teoria dos Campos Conceituais

A teoria dos campos conceituais visa à construção de princı́pios que


permitem articular competências e concepções constituı́das diante de
uma situação e os problemas práticos e teóricos em que essas com-
petências e concepções se constituem. A natureza dessa relação é uma
questão epistemológica, cuja discussão não cabe no âmbito desse texto.
Entretanto, é importante salientar que essa relação imprime ao conhe-
cimento muitos traços locais e um domı́nio de validade restrito, que
varia com a experiência e o domı́nio cognitivo. Um conceito não é so-
mente uma definição dada por meio de um enunciado e texto, mas é
também aquilo que é subjacente às competências e permite que a ação
seja operatória. Porém, apesar de serem pouco explı́citos, os conhe-
cimentos subjacentes às competências não são menos precisos e ope-
ratórios. Exatamente no centro dessas ideias é que se situam as noções
de classes de situações e de esquema. Cabe ressaltar que nesta teoria,
uma situação significa um evento sobre o qual os alunos agem cogni-
tivamente, diferenciando-se do conceito de ”situação didática”definido
na seção anterior.
Quanto às classes de situações, Vergnaud considera que em toda
situação pode-se estabelecer com os dados pertinentes, conhecidos e
desconhecidos, uma combinação de “relações de base” , o que permite
um trabalho cientı́fico de classificação.

66
Tendências em Educação Matemática

Para o autor, a classificação de situações e o binômio desenvolvi-


mento/funcionamento consideram a evolução das condutas de um su-
jeito diante de uma classe de situações. A operacionalidade de um con-
ceito abrange uma diversidade de situações, manifestando-se sob uma
variedade de ações e de esquemas. Um esquema é a “forma estrutural”
da atividade. Compreende a pergunta “o que fazer diante da situação
apresentada”, à organização das atividades do sujeito sobre uma classe
de situações dada.
Um esquema não é um estereótipo e sim uma função temporalizada
de argumentos que permite gerar diferentes sequências de ações e ob-
tenção de informação em função dos valores das variáveis na situação.
Isso só é possı́vel porque um esquema comporta:
• invariantes operatórios (teoremas em ato e conceitos em ato) que
pilotam o reconhecimento pelo sujeito dos elementos pertinentes da si-
tuação e a apreensão da informação sobre a a situação a tratar;
• antecipações do objetivo a alcançar, dos efeitos a considerar e das
etapas intermediárias eventuais;
• regras de ação do tipo “se...então”, que permitem gerar a sequência
de ações do sujeito;
• inferências, que permitem calcular as regras e as antecipações a
partir das informações e dos sistema de invariantes operatórios (teore-
mas, propriedades, algoritmos envolvidos etc) de que dispõe o sujeito.
Entre esses componentes dos esquemas, são objeto particular de dis-
cussão os invariantes operatórios , determinantes das diferenças entre
um esquema e outro, elementos essenciais dos campos conceituais.
Vergnaud (1993) ressalta a necessidade de considerar os tipos lógicos
próprios dos conhecimentos, analisando a forma e o status de cada
um deles. O papel da linguagem verbal e de outros modos de repre-
sentação simbólica, nos processos de conceitualização do real é muito
importante. De fato, a simbolização não representa apenas um papel
de comunicação, mas de instrumento de organização de experiências,
um instrumento de conceitualização do real. Uma avaliação correta
da função adaptativa do conhecimento deve, portanto, conceder um
lugar central às formas que esse conhecimento assume na ação do in-
divı́duo, buscando uma interpretação correta da função dos sı́mbolos ou
dos sinais (significantes). Na teoria proposta por Vergnaud (1993), essa
compreensão perpassa pela noção de representação. Vergnaud insere-se
entre os teóricos que consideram a existência de uma mediação entre
os modos simbólicos de representação (os significantes) e os objetos do
mundo material ( a realidade). De fato, os significantes (sı́mbolos e
sinais) representam significados de ordem cognitiva e psicológica. O
conhecimento consiste de significantes e significados: ele não é formado
somente de sı́mbolos, mas também de conceitos e noções que refletem

67
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

ao mesmo tempo a percepção do mundo material pelo sujeito em ação


e atividade do sujeito em relação a esse mundo.
A partir dessas últimas colocações, Vergnaud considera um conceito
como algo que se constitui de três objetos:
• situações em que o sentido é formado (referência);
• invariantes operatórios, “conceitos-em-ação” e “teoremas-em-ação”
(conceitos e teoremas, nem sempre corretos, dos quais o sujeito faz uso
diante da situação que lhe é apresentada) que intervêm nos esquemas
de tratamento das situações (o significado);
• representações linguı́sticas e não linguı́sticas que permitem repre-
sentar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações às
quais ele se aplica e os procedimentos de tratamento que dele se nutrem
( o significante).
Um campo conceitual é, portanto, o campo de desenvolvimento de
um conceito, o qual é mobilizado por uma variedade de situações sob
as quais atuam diferentes esquemas, representações e invariantes ope-
ratórios. Os invariantes operatórios empregados pelo sujeito para a
resolução de um dado problema podem nos apontar, por exemplo, se
ele está diante de situações de um campo multiplicativo ou se ele está
diante de situações de um campo aditivo.
Ao observar os possı́veis esquemas mobilizados para a resolução de
diversos problemas, Vergnaud (1993) pôde classificar os tipos de si-
tuações do qual eles fazem parte. A partir do momento em que um
aluno passa a usar um mesmo esquema para a resolução de uma gama
de problemas, o conceito já está para ser assimilado por ele.
Vejamos um exemplo. O campo conceitual multiplicativo consiste
em um conjunto de situações, representações e ivariantes operatórios
que exigem o cálculo de uma multiplicação ou de uma divisão para
serem resolvidos. Vários são os tipos de situações que demandam uma
multiplicação e vários são os conceitops matemáticos adjacentes a esse
campo. Ao ler um enunciado, o estudante estipula um esquema e,
com os dados em mente, representa matematicamente o problema. A
tı́tulo de ilustração, suponha que um aluno tivesse de resolver a seguinte
questão ”Uma cartela de um certo iogurte possui 4 iogurtes. Quantas
cartelas precisarei comprar para ter 20 iogurtes?”. Você deve ter feito 20
dividido por 4 e obteve como resposta 5 cartelas. Mas, de que maneiras
um aluno poderia pensar a respeito desse problema? Diante dos dados
que possui a partir do enunciado, um aluno pode fazer um desenho com
setas ligando 4 a 20 e 1 a um valor desconhecido x. Como de 4 para
20 houve a multiplicação por 5, o aluno pode fazer corresponder a 1 o
valor x, que representaria a mesma proporção de crescimento de 4 para
20. Logo, x = 5. Ao pensar assim, o estudante estaria mobilizando
o conceito de proporção. Por outro lado, se a seta do aluno associa 1

68
Tendências em Educação Matemática

a 4, ou seja, se f(1) = 4, onde f é a função que associa o número de


cartelas à quantidade de iogurtes correspondente, ou seja, f(z) = 4z,
o aluno responderia que x = 5, uma vez que f(5) = 4.5 = 20. Neste
último caso, o conceito mobilizado pelo aluno teria sido o de uma função
linear. Assim, percebe-se o valor das representações para a formulação
de conceitos, segundo a Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.
Conhecer variadas possibilidades de trabalho em sala de aula é de
grande relevância para que o professor construa sua prática. Dentre
essas práticas, a Resolução de Problemas, como metodologia de ensino,
é um caminho que vem sendo discutido como ponto de partida e como
meio de se ensinar Matemática. E é nesse espı́rito que trabalha a Teoria
dos Campos Conceituais, dado que é por meio de uma situação que o
aprendiz evidencia suas percepções e construções conceituais.
Gèrard Vergnaud foi um psicólogo pertencente à tradição piagetiana,
que procurou investigar o sujeito do conhecimento em resposta a uma
situação de ensino. O autor procurou redirecionar o foco piagetiano
do sujeito epistêmico para o do sujeito-em-situação. Esse deslocamento
de objeto central de análise procurou responder à pergunta central de
como o sujeito aprende agindo sobre uma determinada situação.
Com a proposta de Vergnaud, podemos pesquisar e compreender
melhor a evolução temporal do conhecimento dos sujeitos à medida
que aprendem, bem como pensar em planejamentos de intervenções
didáticas centradas nas caracterı́sticas dos conteúdos que serão estuda-
dos. Para o autor, o desenvolvimento cognitivo é fortemente influen-
ciado pelo conteúdo do ensino. A sua Teoria dos Campos Conceituais
afirma que o ponto fundamental da cognição é o processo de conceitu-
alização do real, atividade psicológica interna ao sujeito que não pode
ser reduzida nem a operações lógicas gerais, tampouco às operações
puramente lingüı́sticas.
Para finalizar esta seção, frisamos que Vergnaud (1993) apresenta
três justificativas para a utilização de sua teoria, a saber:
• Um conceito não se forma a partir de um só tipo de situação, o que
sugere a necessidade de se diversificarem as atividades de ensino em um
movimento que permita ao sujeito a aplicação de um dado conceito em
diversas situações e que faça a integração entre as partes e o todo. A ne-
cessidade de diversificação de situações cumpre um papel importante na
conceitualização, pois fornece uma base para que os estudantes possam
testar seus modelos explicativos em contextos diversos, enriquecendo
tais modelos ou reformulando-os;
• Uma situação não se analisa com um só conceito, o que implica
na necessidade de uma visão integradora do conhecimento. Atividades
didáticas que permitam uma visão generalizante do conhecimento po-
dem contribuir para uma melhor apropriação do mesmo por parte dos

69
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

estudantes. Alguns pesquisadores defendem, inclusive, que a redução


na quantidade dos conteúdos trabalhados em sala de aula em favor da
centralização em conceitos-chave provê a chave para que os estudantes
tenham tempo de construir, testar e validar seus modelos explicati-
vos. Acreditam que, trabalhando os conceitos que estruturam um dado
campo conceitual com profundidade e durante um intervalo de tempo
suficiente, fornecem elementos para que os estudantes construam uma
visão integradora do que está sendo aprendido;
• A construção e apropriação de todas as propriedades de um con-
ceito ou todos os aspectos de uma situação é um processo longo, o que
está em perfeita sintonia com o que se afirma acerca da progressão dos
modelos pessoais em direção aos modelos cientı́ficos. É importante,
pois, que os diversos patamares que podem ser atingidos pelos estu-
dantes ao longo de sua instrução sejam levados em conta no desenho
e na posterior aplicação de intervenções didáticas. Mesmo que falsos
no plano cientı́fico, alguns modelos explicativos intermediários podem
cumprir um importante papel na trajetória de aprendizagem de um
dado sujeito.
Vergnaud (1993) afirma que o processo de desenvolvimento cogni-
tivo, por ser fortemente dependente das situações a serem enfrentadas
pelo indivı́duo, tem como cerne a construção de conceitos, ou seja, a
conceitualização. E a conceitualização é um processo longo, que requer
uma diversificação das situações. Daı́ a importância de os docentes
variarem os problemas a serem resolvidos por seus alunos.

Atividade 2
Represente de três maneiras distintas a seguinte situação-problema:
”João possui 3 calças, 5 camisas e 2 gravatas. De quantas formas distin-
tas ele pode se vestir usando uma calça, uma camisa e uma gravata?”

Avaliações de aprendizagem

Na aula anterior, foram apresentados os conceitos de contrato didático,


de transposição didática e de obstáculos epistemológicos. Vimos que,
muitas vezes, os alunos pensam uma coisa e respondem outra por possuı́rem
concepções acerca do professor ou da matemática. Muitas dessas crenças
podem se constituir em obstáculos epistemológicos e, portanto, afetam
a aprendizagem dos estudantes. Além disso, os próprios professores po-
dem adotar hábitos que propiciam o crescimento de tais obtáculos. Por
exemplo, ao dizer que “o amigo do meu amigo é meu amigo” e que “o
inimigo do meu inimigo é meu amigo” para ensinar que o produto de
números de mesmo sinal é sempre positivo (aqui “amigo” representaria
um número positivo e “inimigo”, um número negativo), o(a) docente

70
Tendências em Educação Matemática

ignora a construção conceitual, preocupando-se apenas com a memo-


rização de regras. Essa forma de abordar a multiplicação de números
reais não favorece o entendimento correto dela. Logo, que aprendiza-
gem uma avaliação escolar observaria quando aplicada a alunos deste(a)
professor(a)? Observaria a capacidade de eles memorizarem ou o que
eles realmente sabem sobre números negativos e positivos?
Uma outra pergunta que nos caberia fazer tendo isso em mente é:
de que forma a avaliação elaborada por um(a) professor(a) evidencia
também suas falhas no ensino de um conteúdo? Observar isso não é
irrelevante, se pararmos para pensar que a aprendizagem não se disso-
cia do ensino. Embora haja alunos que possam se dedicar menos aos
estudos que outros, todos têm sua aprendizado influenciado pela ma-
neira como o professor aborda um conteúdo. Em particular, se todos os
alunos vão mal em uma avaliação, como saber se isso se deve ao desin-
teresse geral ou à qualidade da aula de um professor? Perguntas como
essa requerem uma análise criteriosa e envolvem diversos fatores que,
nem sempre, dependem dos professores para serem resolvidas. Por ou-
tro lado, o que deve fazer um(a) professor(a) diante de uma turma que,
majoritariamente, tenha se dado mal em uma prova de matemática?
Ele deve continuar a matéria como se nada tivesse acontecido, por ter
de cumprir uma ementa? Ele precisa atender alunos em horário extra,
com exercı́cios de recuperação? Que ações os resultados das avaliações
motivam os professores a adotarem? Para que servem as avaliações, no
que tange ao trabalho do professor?
Que sentidos há para a palavra “avaliar”? Se a procurarmos em di-
cionários, encontraremos, pelo menos, os seguintes: 1) apreciar valor ou
mérito, classificar; 2) refletir; 3) cotar, orçar; 4) mensurar, dimensionar,
calcular; 5) presumir, conjecturar. Segundo Perrenoud (1999, p. 9):

Avaliar é - cedo ou tarde - criar hierarquias de excelência, em


função das quais se decidirão a progressão no curso seguido, a
seleção no inı́cio do secundário, a orientação para diversos tipos
de estudos, a certificação antes da entrada no mercado de trabalho
e, frequentemente, a contratação. Avaliar é também privilegiar
um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas
de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns,
imaginativo e autônomo para outros... Como dentro dessa pro-
blemática, sonhar com um consenso sobre a forma ou o conteúdo
dos exames ou da avaliação contı́nua praticada em aula?

Segundo Perrenoud (1999), a avaliação escolar é tradicionalmente as-


sociada à criação de hierarquias de excelência. A grande questão é se ela
avalia o desenvolvimento gradual do aluno ou não e se possibilita uma
análise criteriosa dos fatores que desencadeiam em suas dificuldades de
aprendizado.

71
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

Uma das funções atribuı́das à avaliação é verificar se os estudantes


adquiriram ou desenvolveram as competências estipuladas pela Base
Nacional Comum Curricular ( BRASIL, 2017) para cada uma das disci-
plinas. Por sua vez, considerando que o(a) professor(a) de Matemática
costuma ensinar exatamente o que está no programa que deve lecionar
na escola, como esperar que alunos desenvolvam todas as competências
estipuladas pelos documentos oficiais? Além disso, Perrenoud (1999)
aponta que, nem sempre, as exigências aos alunos são fáceis de eles
identificarem, uma vez que, de um modo geral, os critérios de correção
sequer são divulgados no momento em que são avaliados. Se soubes-
sem, talvez fossem mais detalhistas na exposição de seus argumentos.
Seria justo fazer uma avaliação sem antes saber que competências e
habilidades estão sendo avaliadas nela?
Além disso, nem tudo que é ensinado em sala “cai na prova” e há
professores que adotam algumas “pegadinhas” só para ver se os alunos
estão atentos. Resta-nos perguntar se a atenção deveria ser objeto de
avaliação de aprendizado. Em outras palavras, como avaliar se um aluno
sabe ou não fazer um exercı́cio quando comete um erro de desatenção?
E como saber quando apenas é desatenção? Em que momento a imagem
que um docente tem de um estudante afeta a sua certeza sobre ele ter
apenas cometido um erro por desatenção ou por não dominar certa
habilidade?
Não menos incomum são julgamentos sobre um aluno “colar” em
uma prova se o docente já traz uma imagem ruim do estudante em
questão. É evidente, e todos nós já presenciamos isso, que o contrato
didático afeta a análise que um professor faz sobre o raciocı́nio dos
alunos. A imparcialidade nem sempre se faz presente já que os critérios
de correção também adotam meios de análise muitas vezes subjetivos
que dependem da interpretação dos docentes.
Segundo Perrenoud (1999), os textos legislativos e regulamentares a
respeito da educação dizem o que se deve ensinar e menos claramente
o que os discentes devem aprender. Apesar de a Base Nacional Co-
mum Curricular (BRASIL, 2017) executar, em parte, esse papel, esse
documento ainda é recente e muitos professores necessitariam de ca-
pacitação para se adaptarem ao currı́culo atual. Sobretudo porque os
cursos de licenciatura em matemática nem sempre dão a devida atenção
aos saberes matemáticos a serem ensinados, focando-se mais nos saberes
matemáticos cientı́ficos. No que tange à questão da avaliação escolar, os
textos oficiais não identificam as exigências que a subentendem (PER-
RENOUD, 1999). Por exemplo, a imposição da avaliação do “domı́nio
da expressão escrita” não diz como os professores procedem para me-
dir concretamente esse domı́nio e nem os fatores sociais e culturais que
o determinam, por mais que se saiba que o hábito de leitura é mais
influenciado pela atuação da famı́lia que pela escola. Ainda assim, o

72
Tendências em Educação Matemática

instrumento que mede o aprendizado desconsidera tais interferências


na medição que fazem acerca de sua qualidade. Fato é que, por esse
aprendizado não depender unicamente da escola, como os resultados de
um aluno evidenciam a influência efetiva do ensino no desenvolvimento
dessa habilidade? Seria o ensino ou a famı́lia o principal responsável
pelo bom desempenho? E, caso seja a famı́lia, como considerar tal aluno
como padrão de uma boa aprendizagem escolar? Perguntas dessa natu-
reza nos mostram que estabelecer como um estudante deve ser avaliado
é algo que merece a atenção de todo professor.
Nas seções anteriores apresentamos duas teorias com implicações no
ensino. A primeira delas consiste em uma teoria didática. A segunda,
porém, consiste em uma teoria cognitivista. Seja como for, ambas de-
fendem que o conhecimento se dá pela formulação de conceitos e que
estes estão em constante formulação e reformulação ao avançarmos na
aquisição do conhecimento. Essa aquisição passa por diversas etapas
e em muitas delas o professor precisa mediar situações didáticas que
auxiliem o aluno a perceber os erros que comete. A análise dos erros
faz parte da avaliação do professor. Por outro lado, os alunos não come-
tem, necessariamente, os mesmos erros. Deste modo, cabe ao professor
observar mais metodicamente os alunos, de modo a ajustar de maneira
mais sistemática e individualizada suas intervenções pedagógicas e as
situações didáticas que propõe. Em outras palavras, é recomendável
que os professores passem a adotar avaliações formativas.
Uma avaliação formativa é aquela que possibilita a gestão das apren-
dizagens dos alunos. Deste modo, ela tende a atuar em meio a abor-
dagens que regulam as aprendizagens em curso em uma sequência ou
situação didáticas. Assim, ela parte de uma intervenção em tempo real,
praticamente indissociável das interações didáticas.

Atividade Final

No Fórum da Semana 4, debata com seus colegas sobre modelos de


avaliação formativa, argumentando sobre sua viabilidade e eficácia.

Conclusão

De tudo que foi exposto nesta aula, pudemos concluir que os proces-
sos de ensino e aprendizagem envolvem situações que são desafiadoras
aos alunos. Do contrário, o aprendizado não será efetivo, uma vez que
o ensino não possibilitará uma formulação adequada dos conceitos.

73
Aula 4. A Teoria das Situações Didáticas, A Teoria dos Campos Conceituais e As Avaliações de Aprendizagem

Resumo da aula

Na aula de hoje você pôde refletir sobre duas importantes teorias com
implicação no ensino da matemática. Ambas apresentando como foco
a conceitualização, a qual se dá por sucessivas quebras de obstáculos
epistemológicos. Além disso, foram tecidas considerações acerca das
avaliações formativas para a construção do conhecimento dos alunos.

Informações sobre a próxima aula

Dando prosseguimento às questões relativas à Didática da Matemática,


na próxima aula falaremos sobre os registros de representação semiótica.

Leituras recomendadas

CHEVALLARD, Y. La transposition didactique. Du savoir savant au


savoir enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1991.
DAVIS, P; HERSH, R. A experiência matemática. Rio de Janeiro: Fran-
cisco Alves, 1985.

Referências

BACHELARD, G. A formação do espı́rito cientı́fico: contribuição para


uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.


Brası́lia, 2018.

BROUSSEAU, G. Fondements et Méthodes de la Didactique des Mathé-


matiques. Recherches en didactique des mathématiques, n. 7, v. 2, p.
33-115, 1986.

FREITAS. J. L. M. Teoria das Situações Didáticas. In: MACHADO,


S. D. A. (Org). Educação Matemática: uma (nova) introdução.São
Paulo: Educ, 2015.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendiza-


gens entre duas lógicas. São Paulo: Editora Artmed, 1999.

74
Tendências em Educação Matemática

VERGNAUD, G. Teoria dos Campos Conceituais. In: NASSER, L.


(Ed).S eminário Internacional de Educação Matemática, 1, 1993, Rio de
Janeiro. Anais do Seminário Internacional de Educação Matemática. p
1-26.

URBANETZ, S. T; MELO, A . Fundamentos de didática. Ed. IBPEX;


Curitiba, 2008.

75

Você também pode gostar