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Resumo
O artigo narra a experiência de uma professora de primeiro ano do Ensino Fundamental
ao ensinar gráficos de setores para as crianças e sua própria aprendizagem docente
baseada na pesquisa da própria prática (COCHRAN-SMITH E LYTTLE, 1999)
Fundamentado na teoria da experiência de Dewey (1979) e atento aos contextos de
aprendizagem na infância, o texto costura teoria e prática, reflexão e ação tendo como
pauta principal a educação estatística. O formato narrativo da pesquisa fundamenta-se em
Clandini e Clonelly (2015) que consideram a continuidade, a interação e a situação como
dimensões simultâneas da investigação e, portanto, tem o seu foco na vida das pessoas
que acontece no ambiente escolar. Buscamos embasamento em Lopes (2012) para
entender o pensamento estatístico das crianças e concluímos que as crianças são capazes
de pensar e raciocinar estatisticamente, apesar do conceito de gráfico de setores estar em
construção.
1. Introdução
1
UFSC, Prefeitura Municipal de Florianópolis; robertaschb@gmail.com
2
UFSC; regrando@yahoo.com.br
XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X
Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula
trazer apenas uma resposta certa ou errada, mas diferentes formas de ver a realidade. Este
artigo busca evidenciar a importância de entender sobre “como” se dá o pensamento
estatístico infantil e para isso, narra de forma reflexiva uma experiência de representação
de dados em tabelas e gráficos de setores em uma sala de aula do primeiro ano do Ensino
Fundamental. A narrativa (CLANDININ; CLONELLY, 2015) traz as reflexões de uma
pesquisa da própria prática (COCHRAM-SMITH; LYTTLE, 1999) que promove
experiências educativas (DEWEY, 1979) que visam desenvolver o pensamento estatístico
das crianças (LOPES, 2012), bem como o papel do professor na tarefa de compreender
como ele se dá e de fomentar esse tipo de pensamento. Trata-se de parte da pesquisa de
doutorado em andamento da primeira autora desta comunicação.
Uma pesquisa narrativa é uma história em desenvolvimento, que flui, que vai e
vem no tempo, no contexto material e social, e na vida das pessoas. As interpretações dos
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eventos a serem narrados dependem da reflexão daquele que escreve e por isso podem ter
um senso provisório. Experienciar a experiência (CLANDININ; CLONELLY, 2015) é
pesquisar sobre uma experiência, um fragmento de uma história contínua, um ponto, uma
escolha. A narrativa mantém sua dimensão temporal ao deixar claro que a escolha de um
fragmento se dá no meio de uma história, que aconteceram muitas coisas antes, e a história
seguirá seu curso na narrativa. Com essa concepção, a narrativa presente nesta
comunicação é um fragmento de aula, de uma história de uma professora e seus alunos e,
ao mesmo tempo, o fragmento de uma tese.
Naquele dia fui para a escola cheia de objetivos, certa de que ensinaria gráficos
de setores para as crianças a partir de uma experiência de tomar decisões, de escolher
entre “isto ou aquilo”.
Então, como as crianças nunca haviam trabalhado com este tipo de gráfico, resolvi
primeiro mostrar como ele funcionava logo no início da aula: contei as crianças que
Eles logo responderam que ele dizia quantos vieram e quantos que não vieram na
aula hoje. A partir das falas, escrevi o título do gráfico. As crianças ainda comentaram
que o gráfico parecia uma pizza, uma roda de carro, roda de bicicleta. Confirmei então,
que aquele gráfico também era muito conhecido como gráfico de pizza.
Logo depois, li o poema “Ou isto ou aquilo” de Cecília Meireles. Perguntei por
que o poema tinha esse título e pedi que alguns explicassem o que haviam entendido.
Depois, pedi que eles contassem situações das suas vidas em que tinham que escolher
entre uma coisa ou outra, ou isto ou aquilo. E todos eles tiveram sua vez para contar
histórias de vida. Em muitas falas, percebi que as crianças diziam “eu escolhi um gato”,
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mas não diziam “entre um ter um gato ou um cachorro, eu escolhi um gato” ou “havia
uma ninhada de três gatinhos e eu escolhi o gatinho com tais características”. Então, em
suas falas, no momento em que organizavam seu pensamento eu os questionava “escolheu
um gato, mas quais eram suas opções de escolha? Gato ou....?”.
Com a leitura do poema e as histórias de vida, nós refletimos sobre o efeito causa
e consequência, em que implicam as escolhas que realizamos na vida. Dewey (1979)
explica que a relação causal se manifesta de forma concreta para as crianças, que seus
cotidianos estão repletos de relações de meios e consequências. Dessa forma, é papel da
escola criar situações para que a criança passe a perceber esta relação e então se torne
mais capaz de selecionar, organizar categorias, avaliar e tomar decisões.
Tendo em vista tal necessidade, convidei as crianças para brincar de “Ou isto ou
aquilo”? Seria uma atividade simples de apenas escolher esta ou aquela opção e colorir
sua escolha na folha.
Imagem 3: Tabulação coletiva das escolhas das crianças sobre suas preferências
Fonte: registro de aula feito por Roberta S. Buehring
Tenho consciência de que aprendi com essa experiência e o lugar que ocupo na
sala de aula, de adulto, de pessoa mais experiente me dá condições de retomar, refletir e
avaliar a própria experiência para então, planejar as próximas ações do grupo. O ponto de
partida será, sempre, a experiência atual de vida das crianças, sua realidade (DEWEY,
1979). Mas, o lugar do adulto é daquele que vê o mundo do ponto de vista das crianças
e também com suas próprias lentes de professor capacitado a promover novas
experiências que ampliem o mundo infantil. Então, após muito refletir, no outro dia,
demos continuidade ao trabalho. Mostrei novamente o gráfico com os presentes na aula,
o retomamos lendo o título e a legenda e experimentamos para que eles servem. Vimos
como foi importante ter um título, uma legenda e a fonte no gráfico pois assim, foi
possível compreender que a informação tratava de certo momento (a aula anterior neste
caso).
Lancei o desafio que cada grupo de 4 crianças, com a posse de uma das tabelas de
contagens feitas na aula anterior, transpusesse as informações das mesmas para gráficos
de setores. Entreguei à cada grupo, um prato de papelão para servir de base para o círculo
(100%) e também muitas fatias de e.v.a, cada uma correspondendo a 1/24 do círculo em
conjuntos de 3 cores diferentes. Depois, ainda teriam que colorir e escrever a legenda e
então copiar o gráfico de setores para uma folha que já estava com um círculo desenhado.
Um grupo preencheu toda a bandeja com 24 fatias de uma cor só, olhando para a
questão espacial, essas crianças partiram da premissa de que primeiro precisariam
encontrar o total e preencher o círculo para depois retirar as peças das “minorias”. Assim,
depois de fazer contagens totais na tabela, preencheram a bandeja com 24 fatias
vermelhas. Depois, retiraram 3 fatias vermelhas para trocar por 3 pretas que
representavam “os que não vieram na aula”. Depois, ainda retiraram mais 3 vermelhas,
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trocando por fatias amarelas que representariam “os que preferem dia de chuva”. As
outras 18 fatias restantes representaram os que preferiam dia de sol. Essas crianças
demonstraram um raciocínio que teve o todo como ponto de partida e, depois, olhou para
as partes menores.
Outro grupo pensou das partes para o todo e foi contanto os totais de cada variável
da tabela e colocando em correspondência um a um na bandeja. Uma criança com o dedo
em cima dos risquinhos da tabela fazia a contagem em voz alta, enquanto as outras
pegavam uma fatia para cada palavra dita (ou número ditado). Depois que a
correspondência da categoria “prefere jogar videogame” estava encerrada, o grupo ainda
conferia o total de risquinhos com o total de fatias no gráfico. E assim, fizeram para a
categoria “prefere jogar bola”. No entanto, houve conflito nesse grupo em relação ao total
de fatias a colocar no gráfico: uns esqueceram que 3 alunos ausentes na aula (ou que não
opinaram) deveriam ser representados e outros queriam simplesmente encher a bandeja
de fatias, umas por cima das outras, para utilizar todas. Nesse ponto, as crianças
discutiram, colocaram e recolocaram as peças até que chegaram a um consenso.
Os exemplos dos três grupos mostram que as crianças precisaram coordenar várias
informações para produzir o gráfico: localizaram informações no gráfico de setores que
mostrava os presentes e ausentes no dia da pesquisa, consultaram a legenda e ainda leram
as tabelas que mostravam as escolhas feitas na última aula em colunas e linhas.
Precisaram também, mobilizar seus conhecimentos sobre contagem, correspondência um
a um e perceber o número como quantidade total de uma contagem. Desse modo,
estabeleceram relações lógicas entre informações e produziram no gráfico uma síntese de
juízo, demonstrando sua capacidade de raciocínio dedutivo (LOPES, 2012).
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Ao final do trabalho, quando os gráficos estavam prontos, passei pelos grupos
fazendo questionamentos do tipo “então nessa sala a maioria das crianças mora em casa
ou apartamento”, ou “vocês acham que se eu quisesse agradar a maioria das crianças da
turma, deveria trazer uma bola ou um videogame”. As crianças proferiam respostas
imediatas e me deixavam claro que eu estava fazendo perguntas muito fáceis ou óbvias.
Um dos grupos respondeu “a maioria mora no Morro, professora!” e ainda quis fazer uma
contagem para me provar isso. As suas reações me mostraram que meu objetivo para
aquela aula havia sido alcançado, que muitas daquelas crianças já estavam raciocinando
para além do que aqueles dados diziam. Seria necessário dar outro passo adiante, seria
necessário ampliar questionamentos, estabelecer outras relações e então outras
conclusões poderiam surgir a partir daqueles dados.
5. Considerações Finais
Relacionando a narrativa com o referencial teórico, foi possível “ver” e até mesmo
provar que as crianças pensam e resolvem problemas usando a estatística como meio de
organizar dados e compreendê-los. Elas são capazes de raciocinar de forma dedutiva para
tirar conclusões por meio da estatística. Da mesma forma, foi possível observar que há
um caminho repleto de conexões a ser percorrido para chegar a tal raciocínio.
Vimos que a estatística na escola deve ser uma experiência de vida e, portanto,
imersa em contextos culturais e sociais para resolver questões e tomar decisões que façam
sentido na atualidade. As crianças, quando procuram respostas à questões significativas
por meio da estatística, se colocam em busca ativa de novas questões e novas relações de
raciocínio se estabelecem. Podemos entender que o ensino de estatística para as crianças
é muito mais do que o ensino de números ou técnicas, mas está centrado na
democratização da sala de aula pois a educação não prepara para a vida porque ela é vida
(DEWEY, 1979)
6. Referências
DEWEY, John. Experiência e Educação. 3ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1979.
MOUTON, D. L. The Concept of Thinking. Noûs, vol. 3, no. 4, 1969, pp. 355–372.
JSTOR, www.jstor.org/stable/2214371. In LOPES, C. E. A educação estocástica na
infância. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP: UFSCar, v.6, no. 1, p.160-174,
mai 2012. Disponível em http://www.reveduc.ufscar.br