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Introdução
Segundo Goleman e Senge (2015), é preciso entender que, muitas vezes, os problemas
- tanto nas relações do ser humano consigo mesmo, quanto entre seres humanos, como
também entre o ser humano e o meio ambiente - são entendidos como se não houvessem
causas. Segundo Goleman e Senge (2015, p. 55), não percebemos de imediato as
consequências ruins de nossos hábitos diários e, por isso, acaba-se por ignorá-los e não
analisar as causas. Quando aplicamos esse pensamento dos autores ao contexto escolar,
percebemos que os professores exercem a sua profissão numa sociedade cheia de
desequilíbrios de várias naturezas e em escolas que, no meio de sucessivas reformas, tardam
em encontrar um rumo que vá ao encontro das necessidades dos diferentes alunos e pais
(Coelho, 2012; Canário, 2006). Ao desenvolvermos a nossa inteligência emocional junto à
uma visão de mundo sistêmica, aprendemos a tomar decisões cada vez mais bem pensadas
com base em uma visão empática, que olha tanto para nosso mundo interior quanto para o
mundo exterior de um modo contextualizado. Segundo Goleman (2015), com uma
compreensão mais profunda dos sistemas, alicerçados no sentimento de afeto, enfrentaremos a
vida com mais preparo e tomaremos decisões benéficas para todos e todo o meio ao nosso
redor. Assim, entendemos que a inteligência emocional é um elemento fundamental da
profissão docente. Com esse estudo, pretendemos explorar sua relação com o pensamento
sistêmico.
O pensamento sistêmico
Departamento de Educação
Uma das ideias que orientam a aprendizagem dentro de uma organização, como a
escola, segundo Goleman e Senge (2015, p.106), é a de que quando há lacunas que persistem
ao longo do tempo entre o que se fala e o que se faz, é porque por trás de tudo há pressupostos
que com frequência vão em direção oposta à fala abraçada. O importante, portanto, é que os
educadores testem os pressupostos, identificando o problema e redesenhando um mapa que
rompa com ciclos viciosos. Segundo os autores, certos pressupostos ficam invisíveis, por não
serem ditos abertamente. Para que a verdadeira mudança ocorra, são necessárias conversas
honestas sobre os modelos mentais. Além disso, tais conversas profundas exigem ainda certo
nível de inteligência socioemocional.
A inteligência emocional
O conceito de inteligência emocional surgiu pela primeira vez em 1990, por Peter
Salovey e John D. Mayer, que redefiniram as inteligências pessoais de Gardner. A
inteligência emocional foi popularizada com a publicação, em 1995, por Daniel Goleman, do
egundo Sharabi-Nov e Hen (2014), o modelo de
seu livro Emotional Intelligence. S
inteligência emocional é composto por quatro funções inter-relacionadas de: perceber com
precisão a emoção no eu e nos outros; compreender a emoção no eu e nos outros; usar a
emoção para auxiliar o pensamento e a tomada de decisões; e administrar efetivamente a
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interligada. Faz parte do pensamento sistêmico saber que nossa espécie evoluiu e evolui a
partir da interdependência. Nesse sentido, dispomos de capacidades inatas para entender a
interconectividade e toda espécie depende dessa compreensão para perdurar.
Para eles, ainda, o foco interno, o foco no outro e o foco nos sistemas mais amplos são
inteligências possibilitadas pelas nossas capacidades de lidar com a nossa atenção. Os autores
colocam, em relação à atenção, o seguinte: que ao percebermos um perigo, geramos
adrenalina e focamos a nossa atenção em possíveis ameaças imediatas. Ao contrário, quando
nos sentimos seguros, podemos desenvolver a capacidade de diminuir o ritmo e ficar mais
calmos e conscientes quanto ao nosso ambiente interno e externo, e assim aprendemos a
acessar uma consciência mais holística do momento presente. Isso nos gera a reflexão: pode o
pensamento sistêmico estar relacionado com um bom nível de inteligência emocional? Se, ao
desenvolvermos as habilidades de foco e empatia, possibilitamos o pensamento sistêmico,
como podemos criar um ambiente escolar propício para esse desenvolvimento? Para os
autores Goleman e Senge (2015), se uma criança ou adulto puder entender e acalmar suas
emoções, conseguirá pensar sobre os sistemas com maior clareza. Para eles, as habilidades
emocionais somadas aos insights sistêmicos permitem uma compreensão mais abrangente das
dinâmicas humanas, permitindo uma melhor tomada de decisão intra e interpessoal e, além
disso, em prol da sociedade.
Segundo Goleman e Senge (2015, p.97), a educação sistêmica pode se beneficiar de
uma abordagem pedagógica com ênfase em aulas baseadas na experiência, na aprendizagem
baseada em projetos, e na aprendizagem pela ação, além da aprendizagem cooperativa.
Nestas, os alunos engajam-se em questões fundamentais para suas vidas. Os autores acreditam
que determinados princípios pedagógicos deveriam ser trabalhados, em conjunto, por
educadores, tais como: focar em questões que sejam reais para cada aluno; manter o foco na
ação e no pensamento, no modo de agir, não apenas pensar; permitir que cada um construa
seus próprios modelos e conceitos e testem as próprias maneiras de compreender problemas.
Goleman e Senge (2015, p.100-101) colocam a importância fundamental do
envolvimento dos pais nos novos projetos da escola. Segundo os autores, para ser respeitoso
com o mundo da criança, o educador precisa estar em contato com ele e, além disso, mesmo
que o educador não se dê conta, está educando as famílias dos alunos também.
Nosso aprendizado é feito de uma interação contínua entre pensar e agir, e o que,
segundo Goleman e Senge (2015, p.102-103) acontece, é que a formação de professores é
muito teórica e ao mesmo tempo fragmentada. Para se sustentar uma mudança, é necessário
construir ecologias de liderança eficazes em múltiplos níveis- ou sistemas dentro da
comunidade escolar.
Finalmente, segundo os mesmos autores, o dilema da atualidade está em aprender a
compreender de modo sistêmico as consequências de nossas ações, em escala global. Assim,
não é fundamental tornar-se mais inteligente ou esperto nos modos de pensar não-sistêmicos,
que causaram e causam até hoje, inclusive, danos ambientais graves, mas desenvolver nossas
inteligências voltadas para o foco interno, no outro e no mundo ao redor, em uma época que
pede isto. Ainda muito pequenas, muitas crianças já têm consciência de problemas ambientais
e sociais de modo contextual, entendendo que o futuro é feito pelas ações do presente. Elas
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sentem necessidade de contar com a escola para poder ajudá-las a se preparar para serem
capazes de agir em prol do planeta. (Goleman e Senge, 2015, p.115).
Metodologia de pesquisa
por atitudes diante do conhecimento. Ela permite não só o diálogo entre as disciplinas, mas,
sobretudo, a conscientização em relação ao sentido da presença do homem no mundo. O
professor interdisciplinar, com intenção consciente, clara e objetiva, possibilita o encontro, a
interdependência e as transformações, além do autoconhecimento, ou conhecimento da
totalidade. Superar a visão fragmentada não só das disciplinas, mas de nós mesmos e da
realidade que nos cerca, é fundamental. (TRINDADE, 2005). Para Goleman e Senge (2015), a
ênfase nas aulas baseadas em projetos é essencial.
Interconexão (IC): entende-se que as unidades elementares só podem ser compreendidas
nas inter relações, e não a partir de sua decomposição. Mais especificamente, nessa categoria
falamos, por exemplo, das relações eu-outro, sociedade-escola, os quais não podem ser
entendidas separadamente. Para o eu existir, ele necessita do outro, assim como a escola
necessita da ligação profunda com a sociedade ao redor. Na pesquisa anterior, uma das falas
apresentou a conexão entre a mídia e a escola, que é propriamente a relação sociedade-escola.
Esta categoria vai de encontro ao que Goleman e Senge valorizam: o foco em questões que
sejam reais para o aluno e, principalmente, a inovação dentro da escola deve sempre envolver
os pais; Além disso, segundo os autores, é essencial a encorajar dinâmicas de pares em que os
alunos ajudem uns aos outros a aprender. Isto é uma das formas de fortalecimento da relação
entre eu e o próximo.
Pensamento em rede (PR): característica-chave do pensamento sistêmico, a partir desta
o mundo vivo é percebido como uma rede de relações. Cientistas e filósofos ocidentais têm
utilizado a metáfora do conhecimento como um edifício, com bases fundamentais ou como
um encadeamento rígido e linear, que vai do mais simples ao mais complexo necessariamente.
Porém, no pensamento sistêmico é valorizada a metáfora da rede. Assim, podemos descrever
uma rede interconectada de concepções e de modelos, na qual não há fundamentos (CAPRA,
2006). Tudo depende da ênfase em determinado ponto da rede, de acordo com os interesses de
quem a vê. Goleman e Senge (2015) apontam ser imprescindível permitir que os alunos
construam os próprios modelos e conceitos e testem as próprias maneiras de compreender
problemas em suas vidas. Nesse sentido, os autores também valorizam o foco em ambos: ação
e pensamento. Dessa forma, para eles, a aprendizagem com base na experiência é importante.
Resultados parciais
A partir da análise das falas obtidas do grupo focal, percebeu-se que a maioria dos
professores enxerga os problemas relacionados à falta de formação para o desenvolvimento de
habilidades emocionais básicas. Nenhum deles menciona as palavras empatia, tomada de
decisões, porém concordam que a inteligência emocional deveria estar mais presente na
escola.
Sobretudo, uma professora, de educação física, apontou a inteligência emocional como
conhecimento extremamente importante como base para saber lidar com as diversas
informações e menciona a palavra autocontrole de forma positiva: Conhecimento é tudo que
a gente pesquisa, adquire, guarda pra si, seja informação, seja sobre qualquer assunto,
qualquer tema... são vários conhecimentos que você pode ter. E tem a inteligência emocional,
que eu acho que se você não tiver inteligência emocional você não vai saber lidar com as
outras. (...) Por exemplo, a gente pra trabalhar aqui, se a gente não tiver uma inteligência
emocional, a gente não consegue trabalhar. (...) Não basta ter o conhecimento, exatamente. A
gente não consegue trabalhar. Então você precisa ter um...um… eu diria um autocontrole,
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mas ao mesmo tempo, às vezes a gente se descontrola também. A lém disso, ela entende que as
emoções não devem ser inibidas, mas usadas para saber lidar com as situações: Não só isso,
não é o controle; é você saber lidar com o que vem.
Analisando a fala da professora de educação física, pode-se perceber que se encaixa na
categoria de pensamento em rede, pois ela entende que o conhecimento não é construído
através de um encadeamento rígido e linear, mas está em uma rede, na qual a pessoa que
conhece é quem determina qual ponto considerar mais relevante no momento.
Diversas formas de conceber a construção do conhecimento são abordadas na literatura,
utilizando imagens e metáforas. Nesse sentido, de acordo com MACHADO (2000),
destacam-se a imagem do balde, a ideia de cadeia, a imagem do iceberg e o paralelepípedo de
valor. Na perspectiva da ideia do balde, o conhecimento é algo que se acumula. Na ideia de
cadeia, o conhecimento é concebido, principalmente nos meios escolares, como uma
sucessão, na qual se parte do simples para o complexo, numa organização linear. Essa ideia é
fundamentada no cartesianismo, no qual o trabalho do professor é norteado pela ordem rígida,
reforçada pelos livros didáticos. Já na imagem do conhecimento como um iceberg, existem
dois aspectos a serem considerados: o implícito e o explícito. A outra visão do conhecimento
apontada por Machado, o paralelepípedo do valor, advém da economia, e associa um
paralelepípedo assentado na origem de três eixos, com escalas de zero a um, denominados
eixo concreto/abstrato, eixo codificado/não-codificado e eixo difundido/não-difundido. No
entanto, estas duas últimas metáforas não são comuns no contexto teórico que fundamenta as
questões escolares.
Nesse âmbito, de acordo com Andreolla et al (2008), a partir da globalização e do
desenvolvimento de novas tecnologias, das descobertas científicas e do maior intercâmbio
com diferentes culturas, novas metáforas foram criadas, gerando uma nova forma de
percepção da realidade, como a imagem do conhecimento como rede de significações. A
visão de rede se opõe às tradicionais visões de encadeamento. Segundo Machado (2005), na
rede, os nós são os conceitos, enquanto as linhas que partem deles, ligando uns aos outros, são
as múltiplas relações que se estabelecem, proporcionando a compreensão desses conceitos.
Por isso, segundo Andreolla et al (2008), a aprendizagem deve ocorrer de modo dinâmico,
significativo, estimulando o aparecimento de diversas e crescentes conexões ou relações. O
professor, nesse sentido, precisa respeitar as diferenças individuais, levar em consideração os
aspectos afetivos, cognitivos e os valores de cada um; o papel que este assume é o de
condutor, caminhando com o aluno pela rede, estabelecendo mapas de relevância e tecendo
significados.
Retomando à fala da educadora, compreende-se que ela vê a inteligência emocional
como um conhecimento-chave que permite com que os professores possam trabalhar,
caminhando da na rede de significações junto aos alunos e lidar melhor com qualquer
informação que possa chegar. O que a professora não destacou foi a aprendizagem com base
na experiência, ou pragmática.
fundo, eu sou professora, eu sou a pessoa mais velha, eu tenho que me controlar, mas eu
também estou aqui como humano e uma hora eu vou me abrir, como ela já se abriu aqui na
escola e ela foi muito entendida por um grupo de alunos.
Quanto à fala acima, classificada na categoria da interconexão, a professora entende que
para gerar uma conexão entre eu-outro, é preciso expor os sentimentos. Se abrir para os
alunos pode ser uma forma de fazê-los entender que todos são vulneráveis, e isso pode ser
positivo para que o outro te entenda e se coloque no seu lugar. Assim, os problemas ficam
mais claros e tudo pode fluir de forma mais harmoniosa.
A professora de educação física responde à de língua portuguesa: Sim, e a gente cria
laços, relacionamentos com eles. A gente... tem certos momentos, né? Porque vários
momentos você tem que ser o professor e eles os alunos; outros vocês são amigos e a gente
conversa de igual pra igual, de entendimento mesmo, de... “como você tá”, “o que que
aconteceu”, “hoje você tá diferente”. Essa fala demonstra claramente a interconexão no nível
eu-outro. Porém, nessa fala, não menciona o trabalho com a comunidade de pais e as
atividades que gerem mais trocas entre os alunos.
Considerações finais
A partir da definição do que é o pensamento sistêmico e de suas características-chave,
além dos princípios básicos definidos por Goleman e Senge (2015) para uma formação
sistêmica eficaz e uma formação socioemocional eficaz, tem-se claro que é necessária uma
formação em habilidades emocionais para os que estão envolvidos na escola, em especial para
o professores. É importante repensar também o projeto político pedagógico da escola, onde se
fala sobre as relações entre os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, como
professores e os pais. Entende-se que é possível criar um ambiente no qual a confiança na
relação professor-aluno é constantemente trabalhada e onde haja momentos disponíveis para
se terem conversas francas, sobre desejos e anseios por parte de todos os atores da escola. É
importante lembrar que, segundo Jennings e Greenberg (2009), professores socialmente e
emocionalmente competentes desenvolvem com os alunos uma relação de interconexão, de
suporte e encorajamento e que, segundo Sharabi-Nov e Hen (2014), professores empáticos
revelam-se indivíduos altamente morais que se ligam mental e emocionalmente aos seus
alunos. Tal interação positiva também proporciona o envolvimento do aluno na aprendizagem
e a alta qualidade dos relacionamentos, baseados na valorização e no compartilhamento
(Schutz & DeCuir, 2002). A partir dos resultados apresentados nesse estudo, fica evidente que
os professores possuem uma relação de conexão com certos alunos. Os professores são
emocionalmente competentes, na medida em que conseguem desenvolver uma boa relação
com determinados alunos de suporte e encorajamento.
Após a identificação e análise das falas dos professores, constatou-se que há presença de
elementos do pensamento sistêmico nestas, mas ainda de modo incipiente, da mesma forma
que ocorre na pesquisa anterior “Letramento Ecomidiático, Tecnologias e Práticas
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Pedagógicas”, o que revela a lacuna nos debates epistemológicos das formações ou trajetórias
dos professores da rede municipal. Além disso, apesar da literatura apontar que o pensamento
sistêmico possui relações com a inteligência emocional, o pensamento sistêmico ainda precisa
ser desenvolvido presencialmente com os professores, bem como a inteligência emocional e a
prática decorrente da associação entre os dois, já que, apesar de serem inteligências inatas, são
pouco comentadas e trabalhadas. Os educadores reconhecem a importância da inteligência
emocional e concordam que esta é imprescindível para um trabalho de qualidade na escola,
principalmente no que se refere à relação entre eles e os alunos. Nota-se que é preciso que os
professores se encontrem mais, em momentos específicos com espaço para dinâmicas em
relação às habilidades emocionais, para que estes possam se fortalecer e, assim, proporcionar
mais experiências que desenvolvam o máximo potencial dos alunos na sociedade.
Referências
[1] ANDRADE, Aurélio L. O CURSO DO PENSAMENTO SISTÊMICO. In: São Paulo:
Instituto Sistêmico, 2014.