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A nova lei que tipifica a violência psicólogica contra a mulher descreve-se

como: “Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e


perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento humilhação, manipulação, isolamento, chantagem,
ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que
causa prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.”
Essa norma possui um tipo penal cujo grau de abstração e de
indeterminação é tão profundo que se torna incompatível com a estrutura da
norma penal e com a estrutura do delito. Existe nessa norma uma falha
normativa que prejudica a própria determinação do fato punível, não há
como, através dela, interpretar uma ação ou servir critérios racionais para a
tipificação do delito na realidade.
Primeiramente, é preciso entender que o Direito existe para garantir uma
convivência externa ordenada àqueles que se submetem a ele (Mezger). E,
mais especificamente, toda norma jurídico-penal deve ser guiada através de
critérios objetivos, seja segundo a proteção de bens jurídicos penalmente
relevantes (Claus Roxin) ou segundo à função de motivar o indivíduo a
realizar condutas socialmente valiosas e a se abster de condutas socialmente
danosas (Muñoz Conde e Gimbernat).
O que se deve entender a partir disso é que o Direito e a norma penal
possuem funções objetivas, devendo tipificar o delito segundo critérios
racionais e delimitados. O tipo penal delimita o âmbito do injusto penalmente
relevante (Vives Antón e Cobo del Rosal) e segue-se desse tipo a
antijuridicidade que é quando a conduta que se adequa ao tipo contradiz e
desvaloriza o ordenamento jurídico como um todo, em sua unidade.
Além disso, de acordo com Vives Antón e Cobo Del Rosal, o tipo possui
duas funções primordiais: Uma função indicativa, segundo o qual representa
um indício de que uma ação possa ser anti-jurídica e uma função de garantia
segundo o qual o tipo seria uma expressão das exigências deduzidas do
próprio princípio da legalidade.
Nesse sentido contribui Juarez Tavares que afirma que uma norma
jurídico-penal para ser legítima precisa estar vinculada a um contexto fático e
objetivo. E através dessa realidade, Tavares afirma, segundo Habermas, que
a norma deve poder subsistir em uma situação onde o indivíduo pode avaliar
a sua própria conduta e a dos demais, sendo capaz de interpretar o contexto
segundo a norma jurídica.
Desse modo é possível perceber que a norma jurídico-penal não pode
prescindir de critérios objetivos. Visto que, a norma que determina um delito -
um tipo antijurídico e culpável - está atrelada a possibilidade de ser
compreendida e avaliada, de possibilitar que a ação do indivíduo possa ser
interpretada significativamente segundo o sentido normativo, e de possuir
uma relação objetiva com um bem jurídico.
Mostra-se precisamente o problema da nova lei penal que tipifica a
violência contra a mulher: todos os critérios normativos estabelecidos e
expressados são exclusivamente relativos à estrutura subjetiva da mulher
(dano emocional, manipulação, crenças e valores, isolamento etc), carecendo
de critérios objetivos. Além disso não determina um bem jurídico específico
visto que a norma é polissêmica, plural e indeterminada.
Além disso, a norma não permite o exercício da dupla-função do “tipo”
primeiro porque não há indícios de antijuridicidade e principalmente porque
não segue as demandas do princípio da legalidade. Do mesmo modo não é
capaz de oferecer um sentido próprio à ação ou critérios significativos que
permitam que o indivíduo seja capaz de interpretar a sua própria conduta
como um delito.
Dessa forma, segundo essa norma, não há como atribuir nenhuma
culpabilidade ao agente, posto que não há como ter consciência da ilicitude,
ou anteriormente não há como enquadrar analogamente ou diretamente a
ação ao tipo, visto que o próprio tipo carece de objetividade e significado
estrito.

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