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Movimentos Femininos Afropindorâmicos
Movimentos Femininos Afropindorâmicos
Tereza Onä
1 - As ondas feministas
Sojourner Truth
Eu não sou uma mulher
“Bem, crianças, onde há muita confusão deve haver algo de errado. Penso que entre os
negros do Sul e as mulheres do Norte, todos falando sobre direitos, os homens brancos vão
muito em breve ficar num aperto. Mas sobre o que todos aqui estão falando? Aquele homem
ali diz que as mulheres precisam ser ajudadas a entrar em carruagens, e erguidas para
passar sobre valas e ter os melhores lugares em todas as partes. Ninguém nunca me
ajudou a entrar em carruagens, a passar por cima de poças de lama ou me deu qualquer
bom lugar! E não sou mulher? Olhem pra mim! Olhem pro meu braço! Tenho arado e
plantado, e juntado em celeiros, e nenhum homem poderia me liderar! E não sou uma
mulher? Posso trabalhar tanto quanto e comer tanto quanto um homem - quando consigo o
que comer - e aguentar o chicote também! E não sou uma mulher? Dei à luz treze filhos, e vi
a grande maioria ser vendida para a escravidão, e quando eu chorei com minha dor de mãe,
ninguém, a não ser jesus me ouviu! E não sou mulher?
Então eles falam sobre essa coisa na cabeça; como a chamam mesmo? [alguém na plateia
sussurra, "intelecto"] É isso, meu bem. O que isso tem a ver com os direitos das mulheres
ou dos negros? Se a minha xícara não comporta mais que uma medida, e a sua comporta o
dobro, você não vai deixar que a minha meia medidazinha fique completamente cheia?
Depois aquele homenzinho de preto ali disse que as mulheres não podem ter tantos direitos
quanto os homens, porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o
seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com Ele. Se a
primeira mulher feita por Deus teve força bastante para virar o mundo de ponta-cabeça
sozinha, estas mulheres juntas serão capazes de colocá-lo na posição certa novamente! E
agora que elas estão querendo fazê-lo, é melhor que os homens permitam. Obrigado aos
que me ouviram, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer.”
É quando Simone de Bouvoir em 1949, lá na França, publica o livro O segundo Sexo, onde
denuncia o Homem que toma pra si a identidade feminina por se considerarem
representantes da humanidade colocando a mulher num lugar de diferente de si e inferior.
Em 1963, Betty Friedam publica A Mística Feminina, que aborda o papel da mulher “do lar”.
É nessa “segunda onda feminista” que Kathie Sarachild, em 1968 nos traz o conceito de
sororidade, no panfleto que contém o discurso da primeira ação pública do grupo “mulheres
radicais de Nova York”. A segunda onda foi um “engrossador de caldo” nos Estados Unidos
e Europa.
“Por toda a Europa Ocidental, de maneira simultânea, por mais de dois anos, na
Inglaterra, Holanda, Suécia, Dinamarca, Alemanha, França e agora na Itália, grupos de
mulheres se formaram espontaneamente para pensar em maneiras de lutar contra a
sua opressão” (La Liberation, 1970).
Feminist_Suffrage_Parade_in_New_York_City, _1912.jpeg (800 × 564 pixels, tamanho: 189 kB, tipo MIME:
image / jpeg ) - Foto: domínio público
2 - As vertentes do Feminismo
Existem várias vertentes quando se trata dos movimentos feministas. O feminismo liberal
está centrado no indivíduo e em sua liberdade de escolha e na crítica ao lugar dos homens
que, nessa linha de pensamento, é ao lado das mulheres. Esse movimento não é pra abalar
as estruturas e sim inserir a mulher nela.
Um dos exemplos recentes do movimento feminista liberal foi a hastag #HeforShe, criada
pela britânica Emma Wattson, que buscava incorporar a participação dos homens na luta
das mulheres por igualdade. Em crítica ao feminismo liberal, surge o feminismo marxista
ou socialista, outra vertente do feminismo que defende que a opressão sofrida pela mulher
é causada pelo sistema do capitalismo e da propriedade privada. A principal crítica feita a
essa corrente é a valorização excessiva da condição econômica da mulher (como tudo no
marxismo [nota da autora]), esquecendo que a dominação e a exploração precisam ser
abordadas também, considerando-se também fatores culturais e raciais.
O feminismo radical ou RadFem é uma corrente que surgiu na década de 60 e 70. O
termo radical em seu nome por ter a proposta de atacar a raiz do problema de dominação e
opressão feminina do patriarcado e os papéis sociais atribuídos, por esse, aos gêneros. são
contra a pornografia e prostituição (processos de objetificação dos corpos) e protestam
contra o sexismo que demarca lugares e funções sociais e militam para que os órgãos
sexuais sejam apenas uma característica física. Neste sentido, não haveria necessidade em
determinar mulheres cis e mulheres trans, pois não deveria existir o conceito de gênero.
O feminismo interseccional pauta o conceito de interseccionalidade, que é conhecido por
Kimberlé Crenshaw, mulher negra, advogada, em 1989. Ela nos diz que em determinadas
situações, acontecem interseções em diferentes identidades sociais, e uma vez que não
sejam observadas as interseções, as discriminações passam a ser vistas de forma isolada.
Falemos de hoje, agora. O “feminismo interseccional” pensado nos Estados Unidos,
reunindo mulheres de raças, classes e contextos tão diferentes, tem dado conta dessa
proposta? Tem conseguido abarcar, por exemplo, nossa pauta afropidorâmica? E as
pessoas transsexuais? Convido a assistirmos o vídeo: https://youtu.be/FgK3NFvGp58.
Transfeminismo, que é uma pauta que discute questões de pessoas trans. Pauta de
pessoas que têm sua identidade de gênero diferente da esperada e ovacionada pela
sociedade hegemônica. A falta dessa pauta no feminismo interseccional tornou necessária a
construção dessa e de outras estruturas de conversa.
Existe ainda O Feminismo Negro está integrado à terceira onda feminista, que diz que para
se falar de gênero é preciso também considerar as lutas de classe, a identidade de gênero e
o racismo. O movimento feminista de mulheres negras não se vê nos diálogos e debates
feministas convencionais já que as mulheres negras também precisam lutar contra o
racismo, além do seximo e do patriarcado. O feminismo negro aborda as questões do
genocídio contra a juventude negra, preconceito contra as matrizes africanas, solidão da
mulher negra, moradia, aborto, saúde da população negra… A precursora do feminismo
negro é Soujorn, escravizada ao nascimento, vivente entre o século XVIII e XIX, cuja foto e
discurso foram mencionados acima e intitulam a obra de Bell Hooks.
Daqui de onde eu falo, o movimento feminista negro brasileiro, ainda carece de muitas
discussões, para que a pauta da mulher negra não se limite à fala e à dinâmica apenas
acadêmia e de congressos que, apesar de sua importância, acabam não dialogando com
mulheres não acadêmicas ou moradoras dos quilombos rurais e urbanos. O feminismo
negro brasileiro, talvez por ainda replicar a lógica hegemônica da meritocracia utilizada pela
Branquitude ao longo das manifestações feministas da história tem ainda dificuldade na
interação prática com mulheres que não tiveram as mesmas oportunidades ou vivências.
Como vimos, Darwin estava totalmente equivocado, para não dizer que era misógino,
racista e machista. Oxalá seja, que nossos “intelectuais” contemporâneos não criem mais
tijolos que prejudiquem a construção de nossa sociedade no Bem Viver.
O feminismo no Brasil surge no Brasil por Nise Floresta Augusta, considerada precursora do
feminismo e Josephina Alvez de Azevedo (1851-1913), jornalista, professora e escritora.
Assim como na Europa, os meios de comunicação foram fundamentais na divulgação da
ideia do feminismo brasileiro. Josephina fundou em 1890 a revista “A família”, onde divulgou
suas ideias feministas
Se considerarmos todas as nuances do surgimento do primeiro movimento feminista
brasileiro em seu contexto histórico político e social, nem vamos falar do racial nesse
momento; parece que nesse início havia dúvidas sobre o que é ser “uma mulher” e nessa
monento tanto as mulheres negra quanto pindomicasnem éramos gente pra ciência,
fiosofia…. vigente.
Lélia Gonzales (1935-1994), conhecida no meio feminista à época como “criadora de
casos”, é pioneira em olhar o feminismo sob a perspectiva racial no Brasil e Améfrica
Ladina, termo cunhado por nossa querida Lélia. Lélia era historiadora, geógrafa e jornalista.
Essa mulher negra trazia para a cena do debate pluralidade e questões da mulher
brasileira, antes não observadas pelo conceito de “feminismo” vigente. Em seus dois livros
‘Lugar de Negro’, em 1982, com autoria de Carlos Hasenbalg e ‘festas populares’ em 1967,
aborda a perspectiva de um feminismo afro latino americano. Compartilho o vídeo com Lélia
Gonzalez. Gozem!!! Lelia Gonzales e o feminismo negro
Temos também Francisca Edwiges (1847), Chiquinha Gonzaga, filha de rico militar e Rosa,
escravizada alforriada. Personagem feminino importante em nossa história entre outras…
A verdade é que nós mulheres afropindorâmicas, não nos identificamos com a palavra
feminismo e pronto! Enquanto mulheres, não temos um assunto mais importante que outro
pois, nossas opressões não são desassociadas uma das outras. O feminismo branco por
razões óbvias, nessa sociedade, tende a ter dificuldades com nossas narrativas e é aí que
ouvimos as malditas expressões: mi mi mi, racismo reverso, somos todas iguais e
blá.blá.blá…
A verdade é que nós, mulheres afropindorâmicas, temos outra pegada na discussão. Nossa
grande e querida filósofa Lélia Gonzales, mulher negra em diáspora, por ocasião de um
encontro feminista branco, levantou a discussão sobre saneamento básico e mesmo tendo
que encarar a falta de interesse do grupo, salientou que “pra nós, mulheres negras o
saneamento é salutar”.
É necessário que as discussões sobre gênero, ainda mais no Brasil, nos acessos ao serviço
de água e coleta de esgoto, nos atinjam enquanto direito das mulheres à saúde, segurança,
moradia adequada, educação e alimentação, ou seja, nosso movimento feminino luta por
igualdade nas políticas públicas que considere as necessidades materiais e estratégicas
das mulheres afropindorâmicas.
As demandas do movimento feminista branco, até muito tempo, afunilou o leque das
discussões plurais. Nós mulheres afropindorâmicas não disputamos (ou não deveríamos)
por lugar de destaque (mas se tem nós gosta!). Nosso destaque é fortalecer os direitos do
gênero em todas as suas formas.
As mulheres da etnia Baré, lá do Amazonas, por exemplo, não reconhecem esse termo, na
divisão dos gêneros. Elas falam de Bem Viver.
“A sociedade não-indígena nos vê como feministas, mas essa palavra não existe para
a gente” Nara Baré, coordenadora das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.
Muitos autores dizem que a primeira reivindicação pela instrução feminina partiu dos
homens pindorâmicos brasileiros. Segundo eles, os índios pediram ao Pe. Manuel da
Nóbrega que instruísse também as mulheres. Esses homens não entendiam a diferença nas
oportunidades com suas mulheres, já que elas sempre foram vistas como companheiras.
Sendo assim o padre decidiu enviar uma carta a Portugal pedindo licença para instruí-las
também, mas seu pedido foi negado pela então rainha, Dona Catarina.
Mas apesar disso, algumas mulheres pindorâmicas conseguiram ultrapassar esses códigos.
A autora Arilda Ribeiro afirma ter encontrado registros de que Catarina Paraguassu,
também conhecida como Madalena Caramuru, teria sido não apenas a primeira indígena,
mas a primeira mulher a aprender a ler e a escrever, tendo feito uma carta de próprio punho
ao padre Manoel de Nóbrega em 1561.
A condição de gênero no Brasil, criada pelo regime colonialista capitalista branco cristão,
tem sido a pauta dos movimentos afropindorâmicos que sugerem, criam, participam
enquanto movimento em favor da mulher e pela garantia de direitos plurais e indissociáveis.
Minhas referências femininas, primeiro, vêm de Afrika. As Amazonas (nome dado pelos
europeus). São mulheres do reino de Daomé, hoje República do Benin. Inspiração para as
guerreiras reais no filme Pantera Negra e em nossas vidas.
Em Áfrika, para os africanos da etnia fon, eram chamadas de Ahosi ou minos, que quer
dizer ‘Nossas Mães”. Essas mulheres negras tinham autoridade para agir como
controladora do poder masculino. Foram as mulheres mais temíveis do mundo. Em Afrika, a
rainha Njinga Nmbanse, que lutou contra a invasão portuguesa e foi diplomata e chefe
militar do século XVII. Njinga Mbande, rainha angolana que usou todos os seus meios para
combater o poder colonial português em Angola. É considerada uma das maiores
personalidades na resistência africana ao colonialismo. Aqualtune,princesa e comandante
militar
Mulher negra. Avó materna de Zumbi dos Palmares. Aqualtune, simboliza liderança e luta
dentro do sistema escravocrata e passou isso adiante através de seus herdeiros e de seu
comando na República de Palmares.
Imagem que personifica Aualtune
Minhas referências vêm das manas do Movimento de mulheres indígenas do Brasil que com
seus corpos e existência seguem sendo resistência, para manter viva nossa história
afropindorâmica. Mulheres como Sônia Guajajara, uma das principais vozes do movimento
pindorâmico nacional. Valdelice Veron, uma das principais lideranças Guarani Kaiowá, está
na linha de frente na luta pela demarcação das terras tradicionais do seu povo, no Mato
Grosso.
O que me fica: não somos onda. Somos um movimento de mulheres que desde sempre
esteve nas lutas e na construção do Bem Viver.
Outras referências:
https://www.geledes.org.br/o-falso-feminismo-interseccional-ou-o-que-importa-e-repr
esentar/?noamp=available&gclid=Cj0KCQjw2NyFBhDoARIsAMtHtZ7IhTiUGlOCcZwRT
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Feminismo no Brasil