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CONSELHO EDITORIAL

Alcino Leite Neto


Ano Lucio Busch
Antonio Manuel Teixeira Mendes
Contordo Calligaris
Helio Schwartsmon
Luciana Maia
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Marcos Augusto Gonçalves
Otovio Frias Filho
Sérgio Dóvilo
Vinicius Torres Freire
FOLHA
EXPLICA

MELANIE
KLEIN
I

LUIS
CLAUDIO
FIGUEIREDO
E
ELISA
MARIA
DEULHÔA
CINTRA

PUBLIFOLHA
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Editoração eletrônica
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Publifolho

Imagem do copo
© Welcome Librory, Londres
Retroto de Melonie Klein, realizado em 1952 por Douglas Gloss

Dados lntemodonois d@Cotologoçõo no Publicação (CIP}


(C6moro Brasileiro do livro, SP, Brasil)

Ftgueiredo,Luís Clóudio
Melonie Klein,· luis Clóudio Figueiredo
e Elisa MQrio de Ulhôo Cintra 2-' ed. - Sóo Paulo
Publifolho. 2013 - (Folho Explico;v. 76)

1• re,mpr do 2~ed de 2010


ISBN 978-85-7402-910-8

J _ Klein, Melonie, 1882-1960 2 PstConólise


1 Cintra, Eliso Morio de Ulh6o li Titulo III Série

08-04217 CDD-150 195


lndices poro catálogo sistemotico
1. Psiconolise KleinKJno 150 195

Estelivrosegue os regrosdo Acordo Ortográficodo Ungoo Porrugueso( 1990),


em vigor desde 18 de janeiro de 2009

PUBLIFOLHA
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AI. Barão de Limeira, 401, 6• andor
CEP 01202-900, São Paulo, SP
Tel.. (11) 3224-2186/21872197
www.publifolho.com. br
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO:
O UNIVERSO KLEINIANO ....................• 7

l. MELANIE KLEIN:
PESSOA,PERSONAGEME CONTEXTOS . . . . . . . . . 19

2. A DÉCADA DE 1920:
O INÍCIO DO PERCURSO ..................... 29

3. A DÉCADA DE 1930:
TRABALHANDO A PARTIR DO LUTO ...........• 39

4. A DÉCADA DE 1940:
RUMO AO MAIS PRIMITIVO ................... 55

5. A DÉCADA DE 1950:
UM PASSOA MAIS NA DIREÇÃO DAS RAÍZES ..... 71

6. O PROCESSOANALÍTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

7. EVOLUÇÕESE DIFUSÃO ................... 89

CRONOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

BIBLIOGRAFIA ............................ 101


APRESENTAÇAO:
O UNIVERSOKLEINIANO
ntes mesmo de situar Melanie Klein
(1882-1960) na história do movimento
psicanalítico e expor didaticamente suas
ideias, vale a pena um mergulho no uni-
verso kleiniano para, de saída, assinalar o que está em
jogo. Sugere-se ao leitor que não recue diante dos pon-
tos obscuros ou dificeis (eles serão explicados depois),
mas se entregue ao turbilhão de imagens e conceitos
que compõem esse universo. Mergulhar nas águas tur-
bulentas de uma teoria que tenta fazer contato e dar
conta do psiquismo infancil pode ser a melhor forma
de introdução ao tumulto da vida meneai primitiva.
Se perguntássemos aos estudiosos da área qual
teria sido, depois de Freud (1856-1939) e ultrapas-
sando-o, o autor que mais contribuiu para que se
compreenda o _{t1ncio11a111ento psíquico inconsciente, não
haveria dúvidas quanto à resposta: Melanie Klein,
seguida de seus discípulosWilfred Bion (1897-1979)
e Donald Winnicott (1896-1971). A estranheza das
Apmenraiâo 9

formações do inconsciente e das primeiras expe-


riências desafia todas as nossas medidas de bom-senso.
Melanie Klein ensinou a pôr de lado a razão e o sen-
so de medida para compreender o caráter autônomo
e demoníaco das fantasias inconscientes e das angústias.
O termo "demoníaco" aponta para o fato de
que essas fantasias e ansiedades irrompem à nossa re-
velia, possuindo-nos e buscando expressão através de
nós e fora de nosso controle, e sem que tenhamos de-
las uma clara consciência. Os casos clínicos da autora
ajudam a captar o caráter autônomo - a alterídade- do
funcionamento inconsciente em relação às experiên-
cias cotidianas e à nossa maneira habitual de entender
o mundo e a nós mesmos.
Há uma canção de Chico Buarque ("O que
será") que fala daquilo "que não tem medida nem
nunca terá", nossas onipotentes e desmedidas paixões
- amor, ciúme, vontade de controle e posse, ambição,
gula, inveja, raiva, ódio, desejo de morte e destruição
- com seu caráter indomável, ilimitado e insaciável,
"que não tem governo nem nunca terá", paixões que
sobrevivem em cada ser humano apesar de todos os
controles da vida civilizada. É um mundo de desejos,
medos, culpas e angústias fantasmagóricos e avassala-
dores que disparam sem controle e ameaçam nos ul-
trapassar, transbordando.
Diante da autonomia dos grandes medos e "que-
reres" incomcientes (para citar outro cancionista, Cae-
tano Veloso), vindos de um "outro lugar" e que nos
marginalizam em relação ao nosso "eu" mais bem com-
portado, o poeta se pergunta:"O que será que me dá?",
mostrando seu espanto diante do desejo que quer tudo
abarcar: plenitude da sausfação, onipresença e posse
exclusiva do objeto de amor, ou destruição homicida
dos obstáculos e rivais; ou, ainda: autodestruição,
lenta ou abrupta (suicídio). Demanda grandiosa
de amor absoluto, urgente, irrealizável, fadada à frm-
tração e, devido à nossa inaptidão constitucional,
destinada ao desespero e à angústia: é isso que Klein
considera o caráter infantil - isto é, insaciável e de-
samparado - de todo desejar humano em sua fonte
mais mcomciente e arcaica.
É esse o ponto de nascimento da angústia, das
ansiedades mais primitivas e dificeis de atravessar e
dominar, mas também ongem de nossa necessidade
de reparação e criação compensatória a todo estrago
real ou imaginário pelo qual nosso desejar é respon-
sável. O Í1!fi111til
é uma dimensão fora do tempo, um
fundo ameaçador (dada a imensidão de sua demanda),
insistente e repetitivo, imorredouro. Não sossega nem
dá sossego. É o idioma primitivo do ser que ainda não
aprendeu a falar - it!fa11s,infante, quer dizer: "o que
não fala"-, fazendo um apelo à figuração, querendo
se revelar e articular em imagens e palavras e, ao mes-
mo tempo, opondo uma resistência à simbolização e
à linguagem.
O infantil é o indizível que simultaneamente está
na origem de tudo que de mais sublime pode vir a ser
dito. Ele existe no mais inconsciente recesso, secreto e
pulsante, em todos os processos psíquicm e em todas
as idades, não apenas no início da vida. É invasivo,
posto que busca um intérprete que possa lhe dar nome
e figura; não o encontrando, busca uma saída, proje-
tando-se sobre o corpo, que adoece, e sobre o mundo
e sem objetos, que adquirem então feições persecutó-
nas e terríveis. "O que será que me dá?"

1
Apresem,1çâo11

INVEJAE GRATIDÃO
Ouçamos, aqui, a voz da própria Melanie KJein, sem
tentar reduzir sua estranheza nem o impacto que nos
provoca, na ausência de alguma preparação, o encon-
tro com esta dimensão da vida psíquica:

Meu trabalho ensinou-me que o primeiro


objeto a ser invejado é o seio nutridor, pois o bebê
sente que o seio possui tudo o que ele deseja e que
tem um fluxo ilimitado de Iene e amor que guarda
para sua própria gratificação: assim é [também] o
primeiro objeto a ser invejado pela criança ... Não
presumiria que, para ele [o bebê], o seio seja sim-
plesmente um objeto fisico. A totalidade de seus
desejos instintivos e de suas fantasias inconscientes
imbui o seio de qualidades que vão muito além da
nutrição real que ele propicia.Vemos na análise de
nossos pacientes que o seio em seu aspecto bom é
o protótipo da "bondade" materna, de panência e
generosidade inexauríveis que de tal modo enri-
quecem o objeto originário que ele permanece
como a base da esperança, da confiança e da crença
no bom. [... 1 .\las é ig11a/111c11tc,
co11101i111os
acima, o 1

ol1ictoq11ctem e não dá, gerando 11111ita


i1111cja.

É muito estranho para um adulto ouvir falar do


sentimento da inveja em um recém-na\cido, ainda
que se trate de inveja do seio e das fontes fisicas e psí-
quicas de nutrição, presentes desde o início da vida.
Pode-se admitir que a inveja sentida conscientemente

Klein. Mcl.mit..·. t' ~r.mdão" l 1957J. ln: 0/ir.Húm1plrt115.


"l1wc..'jJ Rto Je Jant.•1ro:
lnuµo.
1991. v. 111.pp. 211 r 21-1.
12 Melanie
Kld11

por um adulto seja diferente dessa primeira forma,


presente desde o berço. Mas é bom insistir: a inveja
infantil, que opera em um plano inconsciente e não
chega a ser "sentida", não é privilégio do bebê. Em
maior ou menor grau, está em todos nós e, em alguns
momentos, chega a dominar nossa mente.
A inveja primária, de que fala nossa autora em seu
último grande trabalho - Inveja e gratidão,de 1957 -,
na verdade é uma outra maneira de falar a respeito da
força bruta do desejo em suas origens. Nesse sentido,
invejar é desejar de modo muito, muito incenso, a
ponto de querer possuir o que se deseja de forma que
não sobre nada para os outros - nem para a própria
fonte do que está sendo desejado, que ficaria, assim,"es-
vaziada", o que será, por sua vez, uma fonte de grande
culpa e ansiedade, gerando, em contrapartida, o movi-
mento de reparação ou criação compensatória.
O desejo de possuir o objeto amado pode chegar
ao ponto em que o invejoso quer se confundir com o
amado. Invejar, nesses termos, é forma primária, um es-
tado de exaltação passional: desejo de "ter e ser a pes-
soa amada", fundir-se com ela, sentindo, ao mesmo
tempo, a trágica impossibilidade de "sê-la" por dentro;
mas essa inveja também comporta uma fanta,ia diante
do bom objeto (desejado e admirado): a de, pene-
trando-o, destruí-lo ou danificá-lo e, em consequência,
perdê-lo. A cada experiência em que a fonte de amor
se nega e retrai, mais aumentam o desejo e a inveja, o
ressentimento e o ódio, bem como o e,trago imaginá-
rio produzido no bom objeto. Contendo uma fantasia
de incorporação e posse, o amor em suas origens en-
contra-se tão infiltrado da im·eja primária que é dificil
identificá-los em separado.
O amor do recém-nascido e o de um adulto que
se sente arra,tado pela incorporação e posse de um ser
Aprestntaçiw 13

amado são aqui colocados lado a lado, como se não


houvesse diferenças significativas entre seus protago-
nistas. Isso mostra que estamos nos referindo a desejos
e ansiedades em sua dimensão inconsciente e fora do
tempo. São possibilidades latentes ao longo de toda a
vida e que podem ser revividas na idade adulta, prin-
cipalmente em situações críticas da existência, quando
o funcionamento mental é posto à prova. Encontram-
-se, portanto, fora do tempo cronológico, em uma tem-
poralidade mítica, o tempo das origens primárias e
irredutíveis, o tempo do originário primordial e do
eterno, que permanece como um núcleo vivo, capaz
tanto de vitalizar quanto de obturar a abertura às ex-
periências afetivas atuais, em qualquer idade.

PULSÃODE VIDA E
PULSÃODE MORTE
A saúde e a doença psíquicas decorrem de um jogo
entre forças instintivas (ou "pulsionais") antagônicas -
um conflito primário - e de uma relação entre a pes-
soa em processo de formação e o ambiente acolhedor
ou hostil, ao longo do tempo.
Para Melanie Klein, duas polaridades regem a
vida psíquica: a pulsão de vida é a tendência que con-
du? a uma maior integração do aparelho psíquico e ao
crescimento, enriquecimento e fortalecimento do
ego;já a pulsão de morte é a tendência à desintegra-
ção e à desorganização, pela destruição dos outros e de
si mesmo.A pulsão de vida expressa o investimento de
amor: conduz ao movimento de colocar libido e in-
teresse nas pessoas e no mundo e a fazer ligações ca-
pazes de produzir integração e sentido e, muito
14 Mela,1íe
Klem

especialmente, conduz à capacidade de produzir re-


parações e criações compensatórias.
Do outro lado, a pulsão de morte corresponde à
tendência mortífera, isto é, ao apagamento e à disso-
lução de si e da importância e significado das outras
pessoas; é a tendência que se manifesta, no plano dos
afetos, a desprezar os outros, a tornar-se indiferente, a
anestesiar a sensibilidade e a percepção das emoções,
a embrutecer-se e fechar-se, ao mesmo tempo em
que seus objetos mais caros são despedaçados e ani-
quilados. Essa força produz desligamentos em todas
as esferas, no mundo interno do sujeito e nas suas re-
lações com o mundo externo e seus objetos.
Essas duas polaridades da vida pulsional são ener-
gias que muito cedo entram em contato com o do-
mínio da linguagem e dos significados, estabelecendo
o campo da sexualidade humana, território canto da
biologia quanto da comunicação: o recém-nascido
entra em contato com a sexualidade consciente e in-
consciente de seus pares, de seus pais e de outros adul-
tos. Entra em ação um verdadeiro "campo magnético"
que dá origem a um tumulto interminável de estí-
mulos, sensações e excitações, atrações e repulsões,
"banho libidinal", que inclui crenças, valores e julga-
mento, morais.
Grande parte das forças e dinamismos que ba..:
nham o recém-nascido é enigmánca, estranha, incensa
e desproporcional à capacidade de contenção ou de
compreensão do ego do bebê, criando os aspectos
mais e,crangeirm de '>eu inconsciente. A estranheza
dessa "ganga impura", que são as fantasias incons-
cientes, continua nos desafiando \ ida afora. No plano
da vida psíquica inconsciente, tais fantasias são corre-
latos de impulsos afetivos ambivalences, dirigidos a
seus objetos de amor (pulsão de vida) e ódio (pulsão
Apresenr.içâo15

de morte). São também correlatos das defesascontra


esses impulsos, como a cisão, a negação, a idealização,
a recusa e o recalcamento. A inveja primária, como
fantasia inconsciente, é um exemplo da combinação
entre pulsão de vida e de morte: a face escura e sem
medida do desejo libidinal vampiresco - pulsão de
vida - e a atração e cobiça, que se combinam à des-
trutividade - pulsão de morte.
O alvo para o qual se dirige a inveja é o bom,
o belo, a felicidade do outro; ou ainda, por exemplo,
o admirável dom de um artista.A inveja quer a posse
imaginária da felicidade e da criatividade, da aptidão
que a outra pessoa cem para gerar, daquilo que há de
mais secreto e singular em cada um. Ela dá expressão
clara à voracidade, à avidez do desejo. O bebê se di-
rige ao seio como vampiro: ele quer sugar tudo e essa
voracidade tramforma-se em desejo de estrangular e
estreitar, de descobrir tudo o que há de quente e pre-
cioso no corpo materno, de retirar-lhe todos os seus
preciosos conteúdos e apropriar-se deles. Para o
bebê, eles têm um caráter mágico e o corpo materno
passa a ser o horizonte concreto e metafórico de
tudo que há de bom. A sexualidade varnpiresca rea-
liza a combinação do amor e do de-;ejo de morder o
objeto amado, de fazê-lo em pedacinhos, de cobri-
lo de urina e de fezes, de atacá-lo com substâncias
venenosas e mágicas, de abrir esse corpo para ver
como é por dentro, para apropriar-se do que ali há
de valioso; digamos enfim que é a própna ambição
desmesurada desse amor que o torna sádico, exigindo
reparações no plano ético - é preciso fa:::ero bc111- e
estético - é preciso criaro belo- capazes de compen-
sar e restituir.
Eis aí a fantasmagoria kleiniana que levou ou-
tro grande psicanalista,Jacques Lacan (1901-1981),
16 MefomeKlem

a chamar Klein de "açougueira genial", 2 por dar


nome e figura às mais inconfessáveis fantasias sexuais
e agressivas, aí também revelando as fontes mais pri-
mitivas do que de melhor o homem é capaz. Melanie
Klein é uma autora que nos convida a deixar de lado
nossos preconceitos estéticos e a necessidade de uma
bela teoria. Ela nos leva consigo num movimento de
rebaixamento, de degradação do que é abstrato, para
o plano material e corporal, em concordância com as
palavras de Mikhail Bakhtin, descrevendo o estilo gro-
tesco na literatura renascentista:

Rebai.-..;:ar
consiste em aproximar da terra, en-
trar em comunhão com a terra concebida como
um princípio de absorção e, ao mesmo tempo, de
nascimento [... ]; significa entrar em comunhão
com a vida da parte inferior do corpo, a do ventre
e dos órgãos genitais, e, portanto, com atos como
o coito, a concepção, a gravidez, o parto, a ab~or-
ção de alimentos e a satisfação das necessidades na-
turais. Precipita-se não apenas para baixo, para o
nada da destruição absoluta, mas também para o
baixo produtivo, no qual se realizam a concepção e
o renascimento e onde tudo cresce profusamente.-1

A teoria kleiniana aproxima-se da arte do gro-


tesco nesse desmesurado e despudorado avanço para
as regiões mais baixas e obscuras da mente, mas que
são igualmente as mais vitais e fecundas. Introduzir-se

2 l JC.Jn,J.u.:que~. "Juventude de G1de. ou .i letrJ e o de,eJo·· ln: 1:.. ,,,11t1!Ó. R.10 de

J,neiro: ZJhJr. l 9'JX. p. 761.


' l3J.khnn.,\.11k.hJ.1I. A (H[turJ l"''rul.1r n.i J.1.,.fe Jf, .f1J r ,i~1 Reu,1:-timcr1M. ,, úmtc\hl dt·
l-'r,m{,10:R,tbd,t,s.Tr-.iduçjodeYa.ra Fn.tn4..·h1Vietr.J. S.io Paulo/ Brasílu: Hu,ne..:/ UrtB.
l '!'19. h' eJ., 20ü>I.
Apresenraçâo17

nela é, assim, mergulhar em águas revoltas e som-


brias, que são, ao mesmo tempo, a fonte mais intensa
da vida e da criação.

SIMBOLIZAÇÃO
A falta de razão e medida de nosso modo mais pri-
mitivo de amar costuma ficar inconsciente, negada,
reprimida e irreconhecível por nós, em nossa vida co-
tidiana. O mais comum é nos defendermos dessa
"realidade" com grande horror, num movimento de
abjeção:"Nunca senti nada disso"; "Que exagero! que
nojo!","Como ela sabe que existe isso no bebê?".Vale
dizer, desde logo, que foi a partir das sessões de aná-
lise com seus primeiros pacientes infantis (à luz tam-
bém dos pacientes adultos em análise) que ela inferiu
a presença de uma força sádica no amor das origens,
com toda a sua dose de violência pulsional.
Melanie Klein enfatizou a descoberta freudiana
de que sexualidade infantil é "polimorfa" e exibe tra-
ços de violência e sadismo. Trata-se de uma formação
heterogênea, berçário de todas as ansiedades (ou an-
gústias) arcaicas.
Essas fantasias inconscientes de desejo e angús-
tia só se transformam em algo tolerável, benéfico e
enriquecedor por meio de um trabalho do pensa-
mento, chamado simbolização.Esse processo coincide
com o trabalho psicanalítico que é, simultaneamente,
uma arte de cuidar, curar e propiciar o desenvolvi-
mento da capacidade de pensar, de reparar e criar,
emancipada das figuras parentais e dos mestres.
Coube a Wilfred Bion a tarefa de elaborar uma
sofisticada teoria do pensar a partir das raízes l<leinianas.
Não se trata do pensamento puramente intelectual,
18 Mcl,1111c
Klcm

dissociado de suas fontes pulsionais e afetivas.Ao con-


trário, trata-se do pe11sarcomo forma de transforma-
ção e elaboração da vida emocional, embora inclua e
alcance, a partir daí, as mais elevadas manifestações do
espírito nas artes e nas ciências. Mas é da relação com
o "mais baixo" do corpo, com afetos e impulsos, que
o pensamento se alimenta e de onde retira seu po-
tencial criativo e sua possível originalidade.
Nos tempos atuais, a independência do pensar vive
ameaçada. De modo geral, as pessoas não se autorizam
a seguir o con\'ite iluminista de ousar pensar por conta
própria, incapazes de tomar a necessária distância das
formas dommantes de sentir, comportar-se, pensar e fa-
lar. Ousar pensar e criar por conta própria exige certa
irreverência fecunda, uma capacidade de separar-se dos
ídolos, dos pais e dos mestres, separar-se, enfim, dos
"mais altos valores" e modelos dominante,. Deve-se,
portanto, retomar a tarefa civilizatória - Melanie Klein
era uma iluminista -, mas desde baixo, desde o corpo,
dos afetos e dos impulsos, desde o mais indecoroso e
atávico, o mais vergonhoso e inconfessável, abrindo \'ias
para a elaboração simbólica, a reparação e a sublimação.
Por outro lado, será preciso admitir que nem
tudo pode ser transformado em espírito e que haverá
sempre, no mais fundo de no,sa vida psíquica, um
conjunto de elementos poderosos e incontrolá\'eis
com os quais temos de nos haver. Fazem parte de
nosso tesouro pessoal, mesmo que estejam na origem
de munas dificuldades e confusões com que nos de-
batemos pela vida afora. Toda descoberta em ciência,
toda invenção nas artes e na literatura se nutrem desse
tesouro. Fazer contato com esse plano da existência e
desenvolver os recursos psígwcos para encarar o hor-
ror e dele fazer combustível para o pensamento livre
e para a line cna,;ão é a mera da psicanálise kleiniana.
l. MELANIE KLEIN:
PESSOA,PERSONAGEM
E CONTEXTOS
elanie Klein nasceu Melanie Reizes,
nome de família de seu pai. Adotou o
Klein só aos 21 anos, após o casamento
com Arthur Klein. Ela veio ao mundo
em Viena, no dia 30 de março de 1882, em uma fa-
mília de origem hebraica bastante humilde, embora
dotada de certo nível cultural. Era a quarta e última fi-
lha do casal Moriz (médico e dentista) e Libussa (dona
de ca~a e proprietária de um pequeno comércio).
Dois de seus irmãos, aos quais era especialmente li-
gada, morreram precocemente: sua irmã Sidonie, aos
sete anos, quando Melanie contava apenas quatro, e
seu querido irmão Emanuel, quando ela chegava aos
vinte. Os temas da perda e da melancolia insinuaram-
-se bem cedo em sua existência e marcariam profun-
damente seu pensamento teórico. Mais adiante, a
morte acidental de seu filho veio, ao que tudo indica,
dar um impulso e uma direção ainda mais importan-
tes em suas teorizações.
Pwca,
personagem
econtexros21

Tudo indica que Melanie Klein sofreu muito


com as mortes de seus irmãos, especialmente Emanuel,
gue foi para ela uma espécie de mentor intelectual.
Pouco tempo depois dessa perda, ela se casaria com um
dos amigos do irmão, o engenheiro químico Arthur
Klein, de quem estava noiva desde os 17 anos. Ao lado
de Emanuel, ou por seu intermédio, Melanie entrara
em contato com o riquíssimo mundo cultural, arástico
e filosófico da Viena da virada de século; e, desde os
14 anos, acalentara o sonho de se tornar médica.
Tudo isso foi impedido pelo casamento e pelo
nascimento de seus três filhos: Mellita, em 1904, Hans,
em 1907, e Erich, em 1914, quando seu casamento já
ia mal e Melanie Klein começava a buscar novos ho-
rizontes. No entanto, nunca cursou uma universidade:
é a única dos grandes criadores da psicanálise gue ja-
mais teve uma vida acadêmica de base. Nem médica,
como a maioria, nem psicóloga nem socióloga, an-
tropóloga ou linguista (como foram alguns analistas
de renome no seu tempo), ela foi sempre uma pes-
quisadora autodidata - talvez por isso mesmo absolu-
tamente original, embora um tanto inepta na
comunicação escrita de suas ideias.
Após o casamento, o casal Klein deixou Viena e
residiu em diversas cidades do Império Austro-Hún-
garo, até chegar a Budapeste, na Hungria, em 191O.
Durante esses primeiros anos, Melanie Klein teve di-
ficuldades de cuidar de \eus dois primeiros filhos e
entrou em estados de profundo desânimo e desespero,
o que a aproximou do tratamento psicanalítico. Para
ela, a psicanálise, antes de ser uma profissão ou um in-
teresse intelectual, foi uma experiência de cresci-
mento e cura pessoal.
O ano de 1914 trouxe acontecimentos impor-
tantes. No âmbito mundial, estourava a Primeira
Grande Guerra. No plano privado, morria Libussa, a
mãe de Melanie, muito amada e muito invejada - seja
por sua força e capacidade de apoio, quando tomava
conta dos netos (durante os afastamentos de Melanie
por razões de saúde e/ou depressão), seja por sua ten-
dência à intrusão na vida das filhas. Uma "iídiche
mama" exemplar.
Por fim, em 1914,já com 32 anos, deu-se o en-
contro de Melanie Klein com a psicanálise: ela leu um
texto de Freud sobre os sonhos e começou a sua pri-
meira análise com Sándor Ferenczi (1873-1933), o
grande discípulo húngaro de Freud, buscando livrar-
-se da depressão. Pouco depois, quando o filho caçula
Erich começava a apresentar alguns sinais de inibição
intelectual (dificuldade de aprendizagem generali-
zada), ela daria início a uma intervenção analítica com
ele, guiada pelas teorias psicanalíticas. Erich nasceu no
mesmo ano em que nascia a psicanálise na vida de
Melanie Klein e foi seu primeiro "paciente". Anos
mais tarde, a morte acidental de outro filho, na década
de 1930, ensejaria a redação do primeiro dos trabalhos
mais influentes da autora, dedicado à compreensão
dos estados depressivos e maníacos.
Em 1918, Melanie Klein participou do 52 Con-
gresso Internacional de P<;icanáfüe,sediado em Budapeste,
e escutou Freud ler um texto sobre os avanços da terapia
psicanalítica. No ano seguinte, ela escreveu e apresentou
seu primeiro texto, baseado no tratamento de Erich, e
ingressou na Sociedade Psicanalítica de Budapeste.
Em 1921, mudou-se para Berlim, um centro de
atividade e formação p<;icanalítica quase tão impor-
tante quanto Viena. Na Alemanha, em 1922 - com 40
anos de idade -, Melanie Klein ingressou como mem-
bro-as<,ociado na Sociedade Psicanalítica de Berlim e,
em 1924, começou uma segunda anáfüe com Karl
Pessoa,
personagem
eco11tex@ 23

Abraham (1887-1925), outro dos mais destacados


discípulos de Freud.
Já em 1925, ela foi convidada a dar algumas pa-
lestras em Londres, para onde se mudaria no ano se-
guinte. Essa mudança respondia aos convites dos
analistas ingleses - muito impressionados pelo pensa-
mento ousado e pela singularidade da jovem senhora
Klein, que começou a se converter em personagem -
e também ao sentimento de orfandade de Melanie,
após a morte inesperada e precoce de Karl Abraham,
no final do ano anterior. Sem seu analista e protetor,
ela ficava exposta às críticas de membros mais con-
servadores da Sociedade às suas ideias relativas ao
atendimento de crianças, completamente novas e ori-
ginais, e divergindo do que pensavam Freud e sua fi-
lha Anna, que também se dedicava à extensão da
psicanálise ao atendimento de crianças.
Em 1927, Melanie Klein tornou-se membro da
Sociedade Psicanalítica Britânica. A partir de então, sua
ascensão foi fulminante. Os primeiros pacientes infan-
tis eram filhos de colegas que nela já depositavam
muita confiança, apesar do caráter revolucionário do
que propunha. Havia, de fato, uma oposição radical
entre sua proposta para a análise de crianças, que de-
veria ser o mais próxima possível da análise de adultos,
e o modelo defendido por Anna Freud, muito mais
conservadora nesse aspecto. Para ela, a psicanálise com
criança~ se aproximava mais de um trabalho de feição
pedagógica e preventiva, enquanto para Klein o aten-
dimento mesmo de crianças muito pequenas exigia
modificações técnicas, mas não diferia do tratamento
psicanalítico de adultos em seus objetivos e metas.
Em 1932, Melanie Klein publicou seu primeiro
livro, A psicanálise
de crim1ças,que expõe os fündamentos
técnicos da análise infantil mediante o brincar e aborda
z4 Melaníe
Klein

as ansiedades precoces e seus efeitos no desenvolvi-


mento: em excesso, as ansiedades bloqueiam o desen-
volvimento emocional e cognitivo, mas sua ausência
também é contraproducente. Como desenvolver a ca-
pacidade de a criança acolher, experimentar, enfrentar
e dominar suas ansiedades de modo a tornar-se apta à
vida, à aprendizagem e à criação? É a questões como
essas que o livro procura trazer respostas.
No âmbito familiar, a década de 1930 traria duas
grandes dores: a morte de seu filho Hans, em 1934, ao
escalar uma montanha, e as agressões da filha Mellita,
que se tornara analista e ingressara na Sociedade Britâ-
nica. A morte de Hans afetou-a profundamente. Foi na
elaboração dessa perda que Melanie Klein escreveu o
seu primeiro texto realmente ousado e totalmente ino-
vador: "Uma contribuição para a psicogênese dos es-
tados maníaco-depressivos" (1935), em que o tema da
perda e da melancolia ingressava no campo de sua teo-
rização. No outro fro11t,suas relações com a filha Mel-
lita iam de mal a pior e jamais puderam ser recuperadas.
Freud e Anna Freud não apreciavam as propostas
kleinianas.A partir da década de 19--1-0 - depois que os
Freud se refugiaram do nazismo em Londres - for-
mam-se dois blocos na Sociedade Britânica: de um
lado, os adeptos de Melanie Klein, que aos poucos foi-
-se tornando uma figura carismática, verdadeira chefe
de escola; do outro, os adeptos do freudismo clássico e
os "inimigos de Melanie", como sua filha. É bom que
se diga que muitos analistas importantes da Sociedade
Britânica procuraram se manter equidistantes e equili-
brados, mas o período foi marcado pela polarização.
Tal controvérsia ficaria mais intensa a partir do
texto de 1935. Durante toda a década de 19-1-0,outros
textos de Klein e de seu grupo de seguidores (em sua
maioria, analistas mulheres) alimentara a polêmica.
t co11rexr,,i
Pwoa,perso11uge111 25

O "grupo kleiniano" tinha à frente Suzan lsaacs, Paula


Heimann e Joan Riviere; a própria Melanie Klein
exerceu desde então seu domínio com mão de ferro.
A partir dessa época, à pessoa da psicanalista sobre-
põe-se de fato a personagem" Melanie Klein", repre-
sentando uma linha evolutiva do pensamento
psicanalítico e uma posição institucional.
Apesar da contundência dos debates, é notável o
fato de que Melanie Klein e seu grupo permaneceram
na Sociedade Britânica de Psicanálise e na Associação
Internacional de Psicanálise (IPA), não sendo expulsos
- como viria a acontecer com Lacan na década se-
guinte - nem abrindo uma dissidência contra Freud,
como haviam feito Adler e Jung anteriormente.
Na segunda metade da década de 1940, Melanie
Klein lançou mais um texto impactante, uma nova
radicalização de seu pensamento teórico: "Notas
sobre os mecanismos esquizoides", e no início da dé-
cada seguinte o grupo kleiniano publicou Dese11vol-
uimentosem psicanálise,com artigos de Melanie Klein,
Joan Riviere, Suzan Isaacs e Paula Heimann, produ-
zidos no contexto das Co11trouérsias Freud-Klei11,4e
que reuniu e aprofundou as divergências entre a teo-
ria kleiniana e a freudiana, dando um maior acaba-
mento ao "sistema kleiniano". Desde então, o
kleinismo se converteu em uma "escola" de pensa-
mento psicanalítico, o que lhe deu grande força ins-
titucional e criativa, mas também um impulso na
direção do dogmatismo e da autorreferência.
Na verdade, a emergência do kleinismo inau-
gurou a "era das escolas": passaram a existir freudianos
Oigados a Anna Freud e aos autores da E,_e,o Psyc/10/oiy,

King. P \temer. R. ( ,,11mwfu1d) 1-rn,d-Klem.Rio de J.1nt-1ro:lnugo. 1998.


26 Melanie
Klem

vienenses emigrados para os Estados Unidos, como


H. Hartmann), kleinianose "independentes" (os analis-
tas britânicos não alinhados às duas posições anterio-
res); mais tarde, surgiriam os lacanianos(freudianos a seu
modo), os bionia11os, os psicanalistas da Seff Psyclzology,
como H. Kohuc, os intersubjetivosetc. Cada grupo pas-
sou a se referir quase só à literatura científica dos que
pensam e atuam de forma idêntica ou muito seme-
lhante, excluindo os demais. Três décadas do movi-
mento psicanalítico estiveram sob a égide da "era das
escolas" e da dispersão teórica inaugurada pelo klei-
nismo. Hoje, essa divisão tende a ser superada, e o pen-
samento kleiniano, entre outros, está muito mais
integrado ao conjunto da psicanálise contemporânea.
No entanto, enquanto a era das escolas estava em
seu apogeu, o kleinismo foi sempre muito atuante, e
ainda hoje autores estritamente kleinianos continuam
em atividade e publicando. Em 1955, saía uma nova
coletânea dos pensadores alinhados com a teoria klei-
niana - l\'ew Directionsin Psycho-Analysis (!\'ovas dire-
ções em psicanálise)-, incluindo, ao lado de textos de
Klein, capítulos de autoria de Bion, Money-Kyrle,
Elliot Jacques e Herbert Rosenfeld, com artigos de
duas novas colaboradoras: Marion Millner (1900-
-1998) e Hanna Segai (1918-2011), esta última uma
das mais lúcidas e equilibradas kleinianas. A obra tem
uma parte clínica e outra dedicada à interpretação psi-
canalítica da vida institucional, da ética e da estética:
seu conjunto revela a força e a abrangência das teori-
zações kleinianas e seu poder de inspiração para no-
vos pensadores.
Finalmente, em 1957, seria publicado o último li-
vro de Melanie Klein com grandes novidades teóricas:
Inveja e gratidão,um livro pequeno em tamanho, mas
denso, mostrando as duas disposições afetivas básicas do
Pe.ssoa,
personagem
eco111rx10J 27

ser humano, amor e ódio, desde os primeiros anos e


ao longo de toda a existência.
Um texto mais antigo, de sua autoria, seria logo
em seguida editado: Narrativada a11álise de uma criança,
no qual Melanie Klein esteve trabalhando até poucos
dias antes de morrer, em 1960. Trata-se do relato, passo
a passo, de seu trabalho clínico com um paciente de 1O
anos, que apresentava graves comprometimentos psí-
quicos e relacionais, a quem ela atendera intensiva-
mente durante quatro meses. Todas as sessões tinham
sido anotadas e discutidas em seus aspectos clínicos e
teóricos. A análise fora conduzida no início dos anos
1940, durante a guerra, quando analista e paciente se
achavam refugiados em uma pequena cidade próxima
de Londres, para fugir dos bombardeios. Durante os
anos seguintes, Melanie Klein foi relendo e comen-
tando em notas de rodapé as 93 sessões transcritas, em
um grande exemplo de seriedade e honestidade inte-
lectual.
No livro, o seu trabalho clínico de duas décadas
antes é exposto, revisto e analisado com base em tudo
que ela descobriria e elaboraria teoricamente nos
vinte anos seguintes. É um exemplo excepcional da
analista em atividade e evidencia como nunca o pro-
cesso reflexivo e produtivo de Melanie Klein.
2. A DÉCADA DE 1920:
O INÍCIO DO PERCURSO
esde o início da década de 1920 até <;ua
morte, em 1960, Melanie Klein não parou
de produzir, fazendo observações clínicas
originais, criando conceitos e teorias e pro-
pondo avanços nas técnicas da psicanálise. Embora di-
vidir esses 4-0 anos em períodos não faça totalmente
justiça à evolução da autora, muito mais nuançada e or-
gânica, para efeito didático serão destacadas quatro épo-
cas e quatro questões básica'>nas elaborações kleinianas.
É bom que se diga que a própria Klein enfatizava a pro-
funda continuidade entre essas"épocas", nunca se esque-
cendo de suas obras anteriores ou as descartando.

PRIMEIROSTRABALHOS
Melanie Klein começou a fazer suas observações clí-
nicas, a escrever e apresentar seus trabalhos em con-
gressos a partir da década de 1920. Nesse período,
ainda não existia um pensamento kleiniano estrutu-
rado, mas ela já era capaz de chamar a atenção de seus
mestres e colegas pela originalidade de suas intuições
e pela coragem de suas propostas clínicas e teóricas.
Analisando crianças psicóticas, neuróticas obses-
sivas graves e também crianças mais saudáveis, Mela-
nie Klein descobriu formas de violência associadas à
sexualidade, como já vimos na Apresentação. Por isso
mesmo que a preocupação com o excesso, a desme-
sura e a insaciabilidade do desejo marcou o seu pen-
samento desde os primórdios.
Nesses primeiros textos da década de 1920, Klein
falou da voracidade,presente nos dinamismos oral, anal e
falice. Na dinâmica oral, ocorrem a fantasia inconsciente
de sucção vampiresca e a incorporação oral do objeto de
amor. Em sua dimensão sádico-anal, a voracidade se ex-
pressa pelo desejo excessivo de posse, assim como pelo
desejo de controle e completo donúnio muscular sobre
o objeto - o que leva o dinamismo "esfincteriano" à fan-
tasia inconsciente de estreitar e estrangular o objeto.
Em sua forma uretra! e falica, trata-se da ambição
desmesurada ou ainda da competição e da fantasia in-
consciente de penetrar, tomar posse e triunfar sobre o
objeto de amor. Em seu texto "Tendências criminosas
em crianças normais" (1927), por exemplo, ela sugere
que o imaginário sádico e ideias ,emelhantes às que
levaram aos piores crimes também estão presentes no
desenvolvimento normal de crianças absolutamente
saudáveis.5

5 Para melhor conhcçer e'>Y t:-poc:J, pode-,c..•recorn:r JO\ texto, c,c..:ntosentre 1920
t' 1932 ou seJa,até .1data de eJ1ç:io do seu livro l':;icm1álisrdr a1,mç,1l-, qul· \l' cn-
contr.un no pnme1ro volume da, obras completas. Um e,tudo mu1unoso dc,,e pro-
co,,1,ccm.1 kle1mano pode ser encontrado no primem:> volumt· J.1 obra dt' Pétot .
.\fcla,11,· J..:kml. SJ.o P.1ulo: Pí'r,pt't:t1v;;a.
1987
J2 Me/ame
Klern

Indo além da ênfase no excesso e na violência


pulsional, uma intuição genial dessa época - inspirada
no ensaio "Pulsões e seus destinos", de Freud - fez
Klein dizer que a violência pulsional sofre uma infle-
xão sobre a própria pessoa, originando um "superego
precoce", isto é, uma moralidade vingativa e tingida
com a violência da pulsão. A lei de Talião e essa forma
primitiva de "moral" - ou de fazer justiça com as
próprias pulsões - mostram que são as próprias for-
ças do id que, dispostas umas contra as outras, criam
um universo de punições selvagens e sem medida. O
amor pré-genital e a dificuldade de moderá-lo en-
contram-se entrelaçados aos mais cruéis castigos ima-
ginários, tal como Freud havia intuído no caso O
homemdos ratos,com a fantasia cruel dos ratos e de sua
penetração anal.
Nessa época, o interesse de Melanie Klein tam-
bém foi atraído pelo problema da inibição intelectual
- ligada, pelo avesso,à curiosidade e ao desejo de co-
nhecer. No universo freudiano, a pulsão de saber es-
tava ligada à sexualidade, ao desejo de saber sobre sua
origem. Antes de Freud, na linguagem bíblica," conhe-
cer" e amar se.i...--ualmente
estão estreitamente associados.
Desde os Três ensaiossobrea sexualidade(1905),
Freud considerava que a chamada "pulsão de domí-
nio" - uma pulsão do ego - acabava se convertendo
em sadismo oral e anal - por infiltração da pulsão se-
xual, e podia então vir a sublimar-se, virando pulsão
de saber. Nessa concepção, todo ato de conhecer en-
volve algum "domínio" sobre o objeto: o dinamismo
oral de "devorar" e "incorporar", o falice de "invadir"
e "penetrar" associam-se ao erotismo sádico-anal com
seus desdobramentos do erotismo muscular, pois será
preciso "controlar, segurar, possuir, manipular, abrir e
dissecar" o objeto a ser conhecido. Mesmo quando
A ,ficada
dt 1qw JJ

todas essas formas de sadismo são sublimadas em cu-


riosidade e desejo de conhecer, pode-se discernir
sempre uma manifestação de violência, intrínseca a
toda forma de conhecer e de aprender (ou apreender,
capturar).
Melanie Klein observou crianças com inibições
intelectuais e levantou a hipótese de que elas não ha-
viam tolerado o seu sadismo infantil, reprimindo-o
muito precocemente, pois foram invadidas de angús-
tias muito intensas, ao passo que crianças mais "livre-
mente sádicas" teriam tido tempo para sublimar sua
violência, na forma de curiosidade e desejo de saber.
Estas podiam aprender, brincar e criar. Sua prática te-
rapêutica foi, então, desentranhar as fantasias sádicas do
paciente inibido, e através da palavra e do settíng ana-
líticos, criar condições para que se transformassem em
desejo de saber, libertando-o da inibição intelectual.
Para desenvolver suas considerações, Klein par-
tiu de alguns trabalhos de Sándor Ferenczi e Ernest
Jones. Esses autores mostravam que a erogeneidade do
próprio corpo infantil era "transferida" para o mundo:
as crianças buscavam fora de si as "zonas erógenas",
transportando para elas o valor de prazer de certas
partes do corpo e conferindo-lhes significado simbó-
lico sexual. Ora, essajá é a descoberta de um trabalho
da imaginação: o prazer da boca transforma-se em
prazer com a comida, muito além de seu valor nutri-
tivo e da sua capacidade de satisfazer uma necessidade
biológica. A comida e sua fonte primitiva - o seio -
viram objetos de prazer, objetos sexuais imaginános.
Começa assim a ideia da construção de um
mundo interno, pois é dessa rede de equivalências que
surgirão os primeiros elos simbólicos, que constituem
as nervuras da fantasia. A fantasia seria uma espécie
de "tecido" que se vai tecendo sobre uma estrutura
34 Melaníe
Klein

simbóüca.Aqui, também, está o germe do "objeto in-


terno" - conceito essencial ao pensamento l<leiniano.
Quando o prazer oral permite que boca, seio materno
e leite sejam equacionados (ou identificados, isto é,
tornados equivalentes entre si), segundo o seu valor de
prazer e desprazer, criam-se os objetos internos "seio
bom" e "seio mau", que representam a experiência de
prazer e desprazer no interior do psiquismo. A ênfase
na construção e no dinamismo dos objetos internos
levou a formulações geniais a respeito da fantasia in-
consciente e fez com que o grupo l<leiniano viesse a
ser conhecido como o "grupo dos objetos internos".

PRINCÍPIOSDA ANÁLISEINFANTIL
O período entre 1926 e 1928 foi bastante fecundo
para a elaboração dos "princípios da análise infantil".
Foi quando se realizou também um simpósio sobre o
assunto, em que Anna Freud apresentou concepções
diferentes, gerando uma polêmica que ajudaria a con-
soüdar a técnica psicanalítica do brincar, a importân-
cia de centralizar a receptividade do analista nas
angústias e culpas da criança e a liberdade de inter-
pretar os conflitos infantis baseando-se na neurose de
transferência, tal como se fazia na análise de adultos.
Nesse período, Klein publicou um texto mar-
cante: "Estágios iniciais do complexo edipiano"
(1928).Já em 1926,Melanie Klein afirmara que o su-
perego existia antes da resolução do conflito edipiano,
contrariando o que tinha sido postulado por Freud,
para quem o superego era o "herdeiro do complexo
de Édipo". Esse superego primitivo, composto de
identificações surgidas nas fases oral e sádico-anal, re-
presentava um grande peso para a criança e uma das
A ,ficadadei9zo 35

tarefas da análise era diminuir seu poder de constran-


gimento. Essa seria, aliás, a condição para a superação
das inibições intelectuais.
A hipótese do superego arcaico já havia obri-
gado Melanie Klein a antecipar o início do com-
plexo de Édipo para o começo do segundo ano de
vida. Mais tarde, ela desvincularia o surgimento do
superego arcaico da questão edípica e acabaria por an-
tecipar o próprio complexo de Édipo em sua dimen-
são mais arcaica para os seis meses de idade, quando
surge a primeira "posição depressiva", o que se verá
mais adiante.
Mais importante que antecipar o início do con-
flito edipiano, nesse trabalho de 1928, foi a com-
preensão do complexo de Édipo em seu plano mais
metafórico e simbólico; isto é, como estrutura de luga-
res cambiantes e como dinâmica de inclusão-exclusão,
presença-ausência, o que tornou possível constatar o
complexo de Édipo desde a época do desmame, por
volta dos seis meses de idade.
Vejamos como Melanie Klein chegou a tais ideias.
Desde os Trêsensaiossobrea sexualidade(1905),
mas sobretudo em Inibição,sintoma e anJttístia(1926),
Freud nos remetera à situação essencial que pode
conduzir à hipótese do Édipo precoce, se soubermos
lê-lo de modo "kleiniano": trata-se do sentimento de
abandono que a criança sente por parte da pessoa
amada e da angústia de ser abandonada pelo objeto
de amor. Claro que apenas o afastamento da mãe não
será suficiente para provocar angústia: é preciso que
haja uma necessidade que só a mãe pode resolver.
Quando a criança torna-se capaz de reconhecer a
mãe, basta a mera aparição de uma pessoa estranha no
lugar dela para desencadear aquela angústia que rela-
cionamos ao perigo de perda do objeto.
36 Melanie
Klein

Estas eram as palavras de Freud em 1926. A in-


tuição de Melanie Klein foi perceber que temos aí
uma situação triangular precoce. Os personagens
desse triângulo ou drama edipiano precoce são: a
criança,cujo ego começa a constituir-se de forma mais
nítida no momento mesmo em que pode perceber a
mãe como objeto total e quando ela se ausenta; a mãe,
que começa a ser reconhecida no momento em que
reaparece; e o estranho,isto é, qualquer outra pessoa
que apareça no lugar da mãe e cuja existência é do-
lorosamente descoberta justamente porque vem assi-
nalar a ausência da mãe. Isso começa a acontecer entre
seis e nove meses do bebê.
Embora o estranho venha a recobrir a ausência
materna como pura negatividade, é esse estranho, com
sua alteridade, que marca a perda da mãe e a desco-
berta de sua objeta/idade(no sentido de objetar-se ao
desejo), momento em que ela, a mãe, poderá come-
çar a ser verdadeiramente investida como um "outro
objeto".Justamente quando se furta que ela pode ser
desejada: esse, na verdade, é o aspecto trágico do de-
sejo. Só nesse momento, quando a mãe pode ser in-
vestida como um objeto que se move por iniciativa
própria (e não mais como continuação do próprio
corpo infantil), que se instala a angústia da perda, o
desejo pelo objeto em falta e uma primeira forma de
triangulação edípica.
Nessa época, mais precisamente em 1928, Mela-
nie Klein assumiu a interessante atitude de falar em
termos de "posição oral" ou "anal" ou "genital", como
se começasse a pensar que, na cena da fantasia, o sujeito
ocupa diferentes posiçõesem relação a seu objeto.A no-
ção de posiçãoseria mais tarde adotada pela autora com
um sentido algo distinto; voltaremos a isso, pois se trata
de um dos seus conceitos mais básicos e originais.
A década
de1920 37

Nesse primeiro momento, ela afirmou que, desde a po-


siçãooral,a criança estabelece dentro de si a imagode-
voradora, que decorre do próprio desejo de devorar
voltado contra si mesma. Era dessa maneira que se
construíam as primeiras camadas orais do superego.
Vai ficando claro ao longo desse texto de 1928
que o ódio, a voracidade e a destrutividade domina-
vam o quadro durante as etapas pré-genitais e, por
essa razão, as "camadas" do superego que se forma-
vam nas posições oral e sádico-anal resultavam ne-
cessariamente em um superego cruel. Esse superego
cruel determinava uma repressão do sadismo oral e
anal e interferia no desenvolvimento genital poste-
rior. Quanto menos repressão houver nesse mo-
mento, mais rapidamente a criança atinge a etapa
genital, que permite uma identificação maior com os
aspectos amorosos da mãe e a capacidade de levá-la
em consideração como um sujeito que tem necessi-
dades e desejos.
A relação de objeto que corresponde às etapas
pré-genitais é parcial: significa incorporação, posse, ri-
validade e consumo, ao passo que a percepção do ob-
jeto total, alcançada apenas na etapa genital, leva ao
desejo de cuidar dele e à preponderância do amor. Na
fase pré-genital, a existência de alguma forma de amor
é quase indiscernível, ou melhor, o amor é selvagem
e radical, quer devorar, roubar, destruir o outro.
O que sempre impulsiona a passagem de uma
"posição" para a seguinte é a frustração vivida nas po-
sições anteriores, e a busca de novos objetos de satis-
fação decorre do ódio sentido dos primeiros objetos.
Nesse texto, o conflito entre tendências pré-genitais e
genitais parece ser um precursor do que mais tarde
será a oscilação entre a posição esquizoparanoide e a
depressiva, como se verá adiante.
38 Melaníe
Klein

A PSICANÁLISEDE CRIANÇAS
O livro A psicanálisede crianças,de 1932, traz vários
escritos anteriores e um relato mais sistematizado de
18 análises infantis, com elementos clínicos que fo-
ram as fontes de inspiração para a criação de suas teo-
rias sobre o funcionamento mental. Embora editado
na década de 1930, esse livro reúne o que de mais im-
portante Melanie Klein produzira na década de 1920.
No conjunto, ela propõe que o ego forma um
mundo interno, de figuras internalizadas, que intera-
gem com os objetos reais pelo processo de projeção
e introjeção. Como resultado do sadismo para com
seus objetos, o ego sofre de ansiedade. Sua principal
tarefa é elaborar suas ansiedades psicóticas,
que aos pou-
cos, à medida que o desenvolvimento se dá, transfor-
mam-se em ansiedades neuróticas.
Aqui, o conceito de "ansiedades psicóticas" re-
fere-se à intensidade e à destrutividade das ansiedades
que ocorrem nas etapas pré-genitais, como já vimos.
De início são ansiedades de perseguição e aniquila-
mento; em seguida, são ansiedades relacionadas à
perda do objeto amado, destruído ou danificado pelo
próprio sujeito. No conjunto, são as ansiedades co-
nhecidas como "terror inominável".
Nesse livro aparecem as primeiras noções de maior
alcance, como a discriminação entre angústia persecu-
tória e culpa, e a importância de transformar o supe-
rego arcaico em um superego desenvolvido, capaz de
experimentar o sentimento de culpa e capaz de levar o
outro em consideração. Quando isso ocorre, no lugar
das ansiedades psicóticas podem emergir as ansiedades
neuróticas, relacionadas ao confronto entre o desejo e
as interdições, o que produz culpa: são angústias peno-
sas, mas bem mais suportáveis que as anteriores.
3. A DÉCADA DE 1930:
TRABALHANDO A PARTIR
DO LUTO
pós o livro de 1932, vinculado à produ-
ção dos anos 1920, Melanie Klein escre-
veu dois textos muito significativos, nos
quais trabalhou intensivamente, sobre o
conceito de "posição depressiva". São eles:"Uma con-
tribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressi-
vos", de 1935, e "O luto e suas relações com os estados
maníaco-depressivos", de 1940, que a ajudaram a ela-
borar o luto pela morte de Hans, seu filho mais velho.
Essa perda levou-a a um profundo trabalho de
luto e a um mergulho nas regiões mais escuras e pri-
mitivas de sua história, com perda do apetite para a
vida e certo isolamento do convívio social. O luto é
um processo de aprofundamento da relação do sujeito
com seus objetos internos, a vivência de um despe-
daçamento do mundo interno, que leva à sensação de
caos. A reconstrução do mundo interior e da capaci-
dade de interessar-se novamente pelas pessoas e pelo
mundo envolve, muitas vezes, a criação de uma obra
A dicada
de1930 41

artística, científica ou literária. Há vários relatos desse


,.
remanejamento do amor, antes dirigido à pessoa que
partiu. O próprio Freud relata ter-se dedicado à ela-
boração de A interpretaçãodos sonhos depois da morte
de seu pai.
Pode-se argumentar - como dizia Winnicott -
que a contribuição mais valiosa de toda a obra de Me-
lanie Klein foi a sua teoria da posição depressiva, vista
como a tarefa mais importante da infancia, e como
modelo de trabalho psíquico que precisará ser reto-
mado ao longo da vida inteira. A teoria criada por
Klein vai postular que no primeiro ano de vida, en-
tre seis e nove meses, ocorre uma mudança na relação
do bebê: de objeto parcialpara objeto total.

OBJETOPARCIALE OBJETOTOTAL

No primeiro semestre de vida, as angústias do bebê


são paranoicas: ele tem medo e terror de ser destruído
e devorado pelo objeto que, originalmente, era o alvo
de seus investimentos violentos e vorazes, e oscila en-
tre a violência e o medo.Já a relação de objeto total é
a capacidade nascente do bebê de identificar-se com
seu objeto. No segundo semestre, surgem complexos
sentimentos ambivalentes - isto é, amor e ódio siinul-
taneamence - e angústias depressivas sobre a condição
do objeto. Ele passa a sentir medo de ter machucado
e de perder o objeto amado e bom; a essas angústias
depressivas somam-se as angústias persecutórias da
primeira etapa. O bebê começa a sentir culpa por sua
agressividade contra o objeto bom e vive um forte de-
sejo de repará-lo e reanimá-lo por amor. Mudam, por-
tanto, as suas defesas, o teor predominante de suas
4! Melanie
Klern

angústias e a sua posição diante do objeto: esse grupo


específico de relações de objeto, angústias e defesas re-
ceberá o nome de posição depressiva.
Antes de avançar nesse assunto, vale a pena de-
finir melhor a diferença entre uma relação de objeto
parcial e uma relação de objeto total. Nos primeiros
meses de vida, o bebê se relaciona com o objeto de
amor como um objeto a ser devorado e consumido:
isso define uma relação de objeto parcial, ou seja, o
objeto de amor não possui autonomia em relação ao
corpo do bebê, sendo visto como parte ou prolonga-
mento daquele e como um pedaço do mundo a ser
consumido ou rejeitado, na medida das necessidades
e desejos do bebê. A mãe do bebê não será reconhe-
cida como um sujeito autônomo, íntegro e desejante,
mas sim como "partes recortadas desta totalidade",
com interesse tão só na medida em que alimentam e
acolhem, e que o bebê pode apoderar-se delas para
seguir vivendo.
Por outro lado, na época do desmame, quando a
criança tem um primeiro vislumbre da mãe como ob-
jeto total, poderá começar a levá-la em consideração,
mteressando-se pela sua preservação e temendo pelo
,eu desaparecimento. Quer dizer: surgem os primei-
ros sinais de preocupação com o outro e de capaci-
dade de cuidar dele.
Tal mudança põe o ego numa nova posição, onde
consegue identificar-se com o seu objeto, reconhecê-
-lo como alguém a ser preservado e não consumido.
Somente quando o bebê consegue identificar-se com
o objeto é que surgem os primeiros sentimentos de
culpa, pois para -;emir culpa é preciso ter assumido, em
relação ao objeto, essa nova posição.
Na posição paranoide, estar diante do objeto in-
dicava o seu consumo \·oraz ou sua destruição raivosa
A dica,f.i
del~Jo 43

e, inversamente, o medo de sua perseguição, pois as


partes excluídas de si e maltratadas vinham a se tor-
nar fontes de ameaça. Na posição depressiva, estar
diante do objeto é antes de tudo reconhecê-lo corno
alguém que desejo preservar - e que posso perder.

REPARAÇÃO
A reparação é um mecanismo de defesa que Melanie
Klein havia observado nas sessões de análise, sempre
que as crianças sentiam culpa pelos ataques imaginá-
rios a seus objetos de amor e desejavam devolver a
eles a sua integridade ferida. Nesses momentos, é
muito frequente que as crianças façam desenhos,
queiram colar e consertar os brinquedos quebrados e
expressem com toda clareza a aspiração ao bem-estar
e à saúde das pessoas que amam.
As operações de reparação nem sempre aconte-
cem na medida necessária, podendo ser excessivas,
transformando-se então no que foi chamado de "defe-
sas maníacas". Estas últimas expressam o desejo de anu-
lar todos os ataques realizados na posição paranoide e
devolver a vida e a integridade a todos os objetos ata-
cados. Com a anulação mágica dos efeitos dos ataques
sádicos, são dissolvidos igualmente os perseguidores.As
defesas maníacas libertam a criança da culpa e do medo.
Habitualmente, as crianças gostam de assistir a
desenhos animados na televisão. Neles, muitas vezes os
personagens caem de grandes alturas, devoram-se, es-
traçalham-se, fragmentam-se, voltando logo em se-
guida à sua condição íntegra e à vida. Pode-se dizer
que as defesas maníacas têm essa mesma onipotência,
capaz de fazer e desfazer a morte e anular, pela cura,
todos os ferimentos. Há nas defesas maníacas sempre
44 MelanitKlein

uma tentativa de anular o desespero e a culpa, frutos da


constatação de se ter destruído coisas valiosas, neces-
sárias para a própria sobrevivência e integridade. Além
disso, também conseguem libertar a criança do medo
dos ataques que poderiam vir dos objetos danificados.
A onipotência e a negação dos perigos e riscos
dominam essa modalidade de defesa. Se ocorrerem de
forma muito predominante, impedem o contato com
a dor, com o arrependimento e com os gestos de ver-
dadeira reparação. Entretanto, em menor escala, elas
têm uma importante função reguladora da intensi-
dade das paixões e emoções. São essas defesas que nos
fazem considerar "que isto não foi nada", pois são
sempre redutoras da força e das nuances do senti-
mento, tornando-as superficiais. Na posição depres-
siva, ao perder alguém significativo, as defesas são
necessárias para evitar a dor e o desespero muito in-
tensos. Com o tempo, precisam ir cedendo lugar aos
movimentos efetivos de reparação.
Uma coisa é negar magicamente os estragos (em
grande parte, fantasiados) no objeto amado; outra é ser
capaz de diferenciar a realidade da fantasia, os estragos
reais dos imaginários, até efetivamente aceitar a res-
ponsabilidade pelos primeiros, procurando reduzi-los
ou remendá-lm. Certas pessoas não conseguen-i alcan-
çar esse nível de funcionamento psíquico, oscilando
entre, por um lado, profundas depressões e desesperos,
carregados de culpa e medo de aniquilamento e, por
outro, estados maníacos completamente fora da reali-
dade, negações radicais do mal, do sofrimento e da
morte. Oscilam entre a fossa e a festa, sem abrir um ca-
minho de contato com a realidade externa e com a
sua própria realidade psíquica; e sem poder efeti-
vamente se engajar com responsabilidade em tarefas
reparatórias de cunho ético e estético. A produção de
A década
du930 45

obras de arte é um dos mais fortes exemplos de repa-


ração bem-sucedida, mas toda forma de trabalho e
prestação de serviço aos outros corresponde a urna
forma de reparação, com destaque para todas as profis-
sões ligadas à medicina e à psicologia, em que se busca
alguma forma de alívio para o sofrimento das pessoas.

POSIÇÃODEPRESSIVA
E POSIÇÃOPARANOIDE
Um dos resultados patológicos mais graves da oscila-
ção entre depressão e mania são as psicoses maníaco-
-depressivas, os estados bipolares e todas as formas de
depressão e melancolia.
Durante os primeiros cinco anos de vida, ocorre
urna alternância entre posições paranoides e depressi-
vas muito característica, embora, ao longo de toda a
vida, haja uma certa oscilação entre as duas posições e
isso faça parte da saúde mental. Melanie Klein consi-
derou que a elaboração da posição depressiva é o ponto
mais importante do desenvolvimento infantil: nos ca-
sos mais bem-sucedidos, ocorre um predomínio da
posição depressiva sobre a posição paranoide, o que
significa uma firme introjeção do objeto bom, aspecto
que será decisivo para a capacidade de amar e de repa-
rar. Sem isso,as defesas maníacas continuarão prevale-
cendo, e o retorno à posição paranoide será inevitável.
Mas o que significa introjeção do objeto bom?
A introjeção, ao lado da projeção, é um dos me-
canismos de defesa mais fundamentais. Ambos são res-
ponsáveis pela constituição do aparelho psíquico e dos
objetos internos. São também mecanismos regulado-
res de prazer e desprazer.
4b Klein
Mei,111ie

Introjetar o objeto bom é colocar para dentro


do aparelho psíquico todas as experiências de prazer,
formando um registro dinâmico, isto é, uma "reserva"
interna de experiências de prazer, que pode funcionar
como garantia de acesso ao prazer e à segurança, au-
mentando a capacidade de se tolerar estados transitó-
rios de privação ou frustração. Nessa medida, o bom
objetoé mais do que o mero registro das experiências
de satisfação, pois tem uma eficácia e um dinamismo
próprios: ele instaura a confiança e a esperança. Trans-
forma-se em uma fonte de bem-estar, fonte das pul-
sões de vida e da capacidade de amar.
Por outro lado, os objetos "maus" ou persegui-
dores são percebidos pela criança como perigosos: vão
devorá-la, esvaziar o interior de seu corpo, cortá-la
em pedaços, envenená-la, promover sua destruição
com todos os meios que o sadismo é capaz de inven-
tar. Essas imag()sou objetos internos se instalam no
mundo interior e, projetando-se sobre o mundo ex-
terno, criam monstros e perseguidores.
Para Melanie Klein, o mundo dos objetos inter-
nos faz parte das fantasias,que são os representantes das
pulsões de vida e de morte. Na verdade, todas as pulsões·
manifestam-se sob a forma de fantasias inconscientes
e inatas - ou plumtasi,1s,
escritas de forma diferente para
marcar a distinção entre esse nível inconsciente e o
fantasiar diurno, os devaneios.As phamasiascorrespon-
dem e dão uma figurabilidade núnima aos objetos das
pulsões. Para cnar essa ideia de fantasia, Klein baseou-
-se na ideia freudiana de "realização alucinatória de

6
CJ.bt"~henur .iqm que o termo em mftl~ por eLt u\.ado - 11u1m~:h- corn.-sponde
•·111c.tmto,". mJ, C'i\J traduç.io mgle'íJ do termo alem.lo Tnrh é bJ.'ít.lntedt\l"unda
,1

N'J Fran,·a e no Dr.1,11.o termo ''pul.Jo .. veto J se impor.


A dica,Li
de1930 4;

desejo", mas considerava que a criança já vem ao mun-


do com a capacidade de alucinar (e portanto, fantasiar),
ao passo que, para Freud, a alucinação era posterior a
uma experiência de satisfação e de perda do objeto.
Para Klein, embora a experiência possa enri-
quecer e tornar a fantasia mais elaborada, esta não de-
pende da experiência para existir. Ao contrário, todas
as experiências estão, de algum modo, predetermina-
das pelo campo e pela dinâmica da fantasia, que
ocorre desde sempre no nível inconsciente. Ela acre-
dita que as fantasias primitivas são experimentadas,
primeiro, em forma de sensações; mais tarde, assumem
a forma de imagens, mas não dependem de palavras,
ainda que estas acabem sendo incorporadas aos rotei-
ros e às cenas da fantasia.
Voltemos agora a considerar os perseguidores in-
ternos, pois são eles que compõem a realidade psí-
quica dos primeiros tempos de vida. Melanie Klein
considera que um dos métodos mais antigos de defesa
contra essa dimensão aterrorizadora da realidade psí-
quica é a sua 11egação,
o que leva a um fechamen~o so-
bre si mesmo do aparelho psíquico nascente. E isso
que ocorre nas psicoses graves e pode gerar inibições
intelectuais acentuadas. A negação da realidade psí-
quica acaba levando a uma negação da realidade ex-
terna: essa defesa é um método poderoso para evitar
o sofrimento psíquico, mas acarreta uma inibição dos
processm de introjeção e projeção, isto é, da própria
dinâmica interacional, único processo que poderia re-
sultar no desenvolvimento psíquico.
Pode-se estabelecer uma comparação aproxi-
mada: do ponto de vista orgânico, inspirar e expirar
são fundamentais para que o metabolismo de trocas
com o ambiente tenha início; analogamente, inter-
romper ou diminuir o ciclo de introjeção-projeção
48 Mel.iníeKlem

seria corno diminuir a respiração. A negação da reali-


dade psíquica é uma estratégia de congelamento ou
anestesia do funcionamento psíquico, que acaba sendo
usada na posição paranoide, e mesmo na depressiva,
sempre e quando a criança acha insuportável ser ha-
bitada e "mordida" por pulsões, tendências e angústias.
Outro método para defender-se dessa "abomi-
nável realidade psíquica" - considerada intrinseca-
mente má, um acréscimo insuportável de estímulos e
tensão - é sumariamente projetá-la, expulsando-a de
si mesmo. O mecanismo de excisão é precisamente
isso: promover uma cisão absoluta entre o bom e o
mau, e expulsar sumariamente o "mau", aquilo que
provoca incômodo ou exige trabalho de acomodação.
Esses mecanismos de defesa mais radicais (negação,
excisão e projeção) produzem um alívio imediato,
mas têm sempre a desvantagem de inibir a capacidade
de conter e elaborar a realidade psíquica. Tais meca-
nismos estão muito presentes no começo da vida.
Em contrapartida, a posição depressiva está asso-
ciada à possibilidade de conter e elaborar a realidade
psíquica. Por isso mesmo, é uma posição tão impor-
tante para o desenvolvimento psíquico e para a cria-
ção da capacidade de amar e de reparar. Sua dinâmica
pode ser comparada a uma gestação: por meio do tra-
balho de elaboração da realidade psíquica é que se cons-
titui o sujeito psíquico, num trabalho de gênese.
Por outro lado, o que caracteriza a posição pa-
ranoide anterior (que mais tarde será chamada de es-
quizoparanoide) - a dinâmica de negar, projetar e
expulsar a realidade psíquica - parece oferecer um alí-
vio imediato, mas acaba gerando angústias persecutó-
rias: todo o mal posto do lado de fora tornará
ameaçador e persecutório o ambiente. Essas ansieda-
des são muitas vezes perceptíveis nas crianças, quando

J
dt 1930 49
A di<.ida

elas manifestam medos diversos, como o medo de es-


curo, de barulhos fortes, de mágicos, bruxos, palha-
ços e bichos selvagens. As angústias paranoides, que,
ao lado das angústias depressivas, Melanie Klein
chama de "angústias psicóticas infantis", podem ser
enfrentadas pela criança por meio de mecanismos ob-
sessivos, como o exercício do controle, por exemplo,
sempre uma estratégia imaginária de imobilizar, pren-
der e dominar a "maldade" que produz ameaça.
Na posição paranoide predomina a desconfiança
na bondade dos objetos e é grande a tendência a que-
rer livrar-se deles como se fossem fezes. Aliás, mesmo
os objetos bons, por terem características ideais, são
inassimiláveis e rapidamente se transformam em per-
seguidores, podendo então ser eliminados como deje-
tos. Na posição paranoide, os objetos são quase sempre
parciais e descartáveis, isto é, só interessam enquanto
proporcionam satisfação, do contrário devem ser eli-
minados. Predomina a desconfiança, e as crianças apre-
sentam dificuldades com a alimentação ou têm
diminuída a sua capacidade de receber qualquer oferta
do ambiente. Também se manifestam todas as formas
de inibição simbólica e das demais capacidades egoicas.
Quando predomina a posição depressiva, a
criança se identifica de forma mais completa com o
objeto bom, e seus anseios libidinais aumentam. Ela
precisa introjetar o objeto bom de modo voraz e re-
petitivo, para se assegurar de que ele continuará pre-
dominando e também porque sente medo de perdê-lo
e ser tomada de novo por perseguidores internos.
O ego é impelido pelo amor e pela confiança nos
objetos, e o processo de introjeção do bom objeto
converte-se numa fonte de segurança e bondade, que
ajuda a intensificar as trocas com o ambiente e o pro-
cesso de desenvolvimento como um todo. O que torna
50 MeianíeKlem

dificil a instalação da nova dinâmica depressiva é que os


processos da posição paranoide continuam existindo.
E essa coexistência é fonte de perpétuo conflito.
O sofrimento da posição depressiva atira a pessoa
de volta para a posição paranoide, por isso o desenvol-
vimento é tão lento. É no instante em que incrojeta o
objeto como um todo que a criança consegue dimen-
sionar o desastre criado por seu canibalismo e sua vo-
racidade; e ela sofre por isso. O ego depara com a
realidade psíquica de que seus objetos de amor foram
despedaçados, e o remorso e o desespero são muito
grandes. Essa angústia depressiva se expressa em uma
dúvida de como juntar os pedaços, como dar vida ao
objeto que precisa ser reparado para ressurgir com vida.
Elaborar a posição depressiva é então permitir
que os objetos sejam reparados, e a capacidade de
amar predomine sobre o ódio e a desconfiança - é
isso que leva a uma firme introjeção do bom objeto.
Para que tal elaboração aconteça, é preciso um au-
mento da tolerância à frustração, o que significa au-
mento de tolerância à própria realidade psíquica.
Quando bem elaborada, a posição depressiva cria e
amplia um espaço psíquico onde os conflitos poderão
ser enfrentados e elaborados.
Do outro lado, a posição paranoide fica asso-
ciada às situações de gratificação e frustração intensas
e imediatas, às operações defensivas radicais que en-
volvem rápidas oscilações entre tudo e nada, o bom e
o mau absolutos.
O aprofundamento da ideia de uma posição de-
pressiva através dos primeiro'> anos da infancia levou
Melanie Klein a estabelecer uma relação entre essa
posição e os processos de luto normal e anormal, e
ainda os estados maníaco-depress1vos, como se verá
adiante. A criança vai aprendendo a um ficar as i11,ag()s

'
A ,Jicada
de1930 51

dissociadas da posição paranoide e aprende a conviver


com os pais e outras pessoas, tendo em parte supe-
rado a ambivalência, embora não seja possível eli-
miná-la completamente.
A posição depressiva arcaica, isto é, a que ocupa
os primeiros anos da infancia, consiste em um árduo
trabalho de elaboração de angústias psicóticas - tanto
a persecutória quanto a depressiva - por meio de um
longo processo de organização e integração psico-se-
xual que ela chamará de "neurose infantil", já que
ocupa os anos da primeira infancia. O processo terá de
ser retomado na análise, nas mudanças, nas separações,
em quase todos os momentos da vida que exigem
acomodar-se a novas situações (a passagem de uma
fase a outra, as doenças, o envelhecimento, as dores de
que ninguém escapa). Normalmente, a criança passa
pela neurose infantil e estabelece uma boa relação
com as pessoas e a realidade; tal estado de saúde de-
pende da vitória contra o caos interior - a posição
depressiva - e do firme estabelecimento dos objetos
internos bons.

O LUTO
O texto de l 940, "O luto e suas relações com os es-
tados maníaco-depressivos", começa falando do luto
e relembrando que é preciso tempo para que se cum-
pra o processo de luto e para que se aceite a perda de
alguém, conformando-se com o veredicto da reali-
dade. Aqui devemos sublinhar a questão do tempo.
É preciso tempo, o tempo da infancia inteira (e ainda é
muito pouco), para elaborar o caos de emoções ambi-
valentes e aceitar, acolhendo-as, tanto a realidade psí-
quica quanto a realidade externa, com suas exigências,
J

52 MeianítKlein

seus inexoráveis juízos. Transformar em cosmos o caos


interior requer tempo: o tormentoso tempo da neu-
rose infantil.
Também durante a infancia celebram-se muitos
lutos, pois não apenas se criam vínculos, como se ini-
cia um quase interminável processo de separação dos
pais, conduzindo à vida adulta e autônoma. Além
disso, muita coisa precisa desaparecer: os sonhos de
perfeição pessoal, a onipotência, os amores ideais, os
devaneios em que tudo parece absoluto, grande, gran-
dioso. Os ídolos e os ideais precisam morrer e renas-
cer modificados.
E o que dizer dos lutos de milhares de microfe-
rimentos decorrentes de desatenções vividas ou ima-
ginadas? Tais lutos terão de ser feitos e refeitos
milhares de vezes ao longo da infancia e outras mi-
lhares de vezes pela vida e pela análise, não apenas no
momento em que ocorre uma perda por morte ou
separação, mas porque a transitoriedade de tudo
obriga, constantemente, a fazer o luto do momento
presente para se ter acesso ao momento seguinte.
Melanie KJein é a teórica das perdas, do luto, da me-
lancolia, não só como episódios contingentes e aci-
dentais, mas como partes integrantes e indispensáveis
da travessia existencial de cada um de nós. A saúde
mental não significa escapar a esse destino, e sim, ao
contrário, assumi-lo.
Freud já postulara que o complexo de Édipo
era a crise fundamental da infancia. Entretanto, atra-
vessar o complexo de Édipo é realizar uma série de
lutos e separações: é preciso renunciar à posse abso-
luta e exclusiva dos objetos de amor, é preciso acei-
tar substituições e remaneJamentos.A intensidade dos
afetos sexuais e da destrutividade tem que sofrer uma
transformação por meio dos chamados mecanismos
A dicada
de1930 5J

de filiação. Será que a plenitude do amor sexual pos-


sessivo e com aspiração à exclusividade absoluta, ao
ter que passar à ternura do amor filial, não envolve
morte e luto? Por outro lado, será que essas mortes
não celebram um lugar no grupo social e na cultura,
o acesso ao mundo simbólico e a toda uma série de
possibilidades garantidas para o sujeito - inclusive a
realização do amor sexual, interditado com relação às
figuras parentais?
O complexo de Édipo e a posição depressiva são,
portanto, duas maneiras diferentes de abordar esse nó
cego e nuclear da vida, que envolve temporalização e
transitoriedade. O complexo de Édipo está sempre as-
sociado ao complexo de castração; quer dizer, à pas-
sagem dos ideais absolutos para os que podem se
realizar. Passagem do "tudo", do "máximo" para "al-
guma coisa"; do "sempre", do "já", do "neste mesmo
instante" para o "daqui a pouco"; do "eterno" para
aquilo que seja bom, que chega a ser "infinito (mas)...
enquanto dure". É a descoberta última da verdade
amarga que se esconde atrás do complexo de castra-
ção: finicude, transitoriedade, morte.
Podemos então afirmar que é a inserção de to-
dos os processos psíquicos no tempo e na transito-
riedade que fazem da posição depressiva a posição
central do desenvolvimento infantil. Em todo
processo de luto há aceitação da morte e algum tipo
de renascimento. Temporalização e constituição do
sujeito. Morte, luto, renascimento: esse movimento
cíclico é também a melhor metáfora do processo de
constituição do sujeito.
A primeira emergência de uma posição depres-
siva dá-se em torno do desmame. O luto primordial
é a perda do seio da mãe e abrange tudo que o seio
representa: o amor, a bondade, segurança, a base da
54 MelimieKlein

sobrevivência. O bebê sente como se tivesse perdido


tudo isso em decorrência de sua voracidade. A me-
lancolia surge quando não é possível passar pela perda
e recuperação das boas experiências iniciais, gerando
uma nostalgia interminável do que ficou para trás - e
instalando o desejo.
Se, ao ser desmamado, o bebê achar que ficou
relegado a uma terra desolada, inóspita e vazia, e se à
medida que cresce se aprofunda essa impressão de que
tudo perdeu a cor e o valor, que nada vale a pena, te-
remos um quadro melancólico. Por outro lado, se a
função parental e a união conjugal entre os pais favo-
recer a criação de objetos internos vivos e vitalizados,
o luto pode chegar a bom termo. Melanie Klein afir-
mava que os pais incorporados são sentidos como se
fossem pessoas vivas dentro do corpo da criança;
quando essas pessoas estão em paz umas com as ou-
tras, o resultado é a harmonia, a segurança. Desses pais
internos que se amam brota, de forma viva, um prin-
cípio de ordenação que ajuda a transformar o caos in-
terior em cosmos. Por outro lado, se estão em guerra,
em litígio, o caos se adensa e se aprofunda.
Todo prazer sentido junto aos pais é uma garan-
tia de que o objeto interno não está ferido nem se
transformou em vingador. As experiências felizes di-
1ninuem o medo e aumentam a confiança: isso é im-
prescindível para que a depressão e o sentimento de
perda sejam superados. O que deve ser introjetado
como bom objeto é uma dupla parental unida e
fecunda, que permite um contato íntimo e feliz com
a criança. Os sentimentos de pesar e penar, e o desejo
de recuperar o objeto amado, ocorrem em todos os
momentos da vida em que se sente angústia, medo de
ter machucado uma pessoa querida, desolação ante a
possibilidade de "ter estragado tudo".
4. A DÉCADA DE 1940:
RUMO AO MAIS PRIMITIVO
00
m 19~6 foi publicado um dos mais im-
portantes trabalhos de Melanie Klein:
"Notas sobre alguns mecanismos esqui-
zoides". Ela ali aprofunda sua compreen-
são dos momentos 1111c1a1sda vida de um
recém-nascido e de alguns estados ligados à psicose.
Essa "camada" de nosso funcionamento psíquico
nunca é totalmente superada, embora perca a predo-
minância (espera-se), desde que o ambiente familiar
favoreça o desenvolvimento de um repertóno simbó-
lico para lidar com ela. Trata-se da "posição esqmzo-
paranoide", uma das dimensões do i1!fà11til, irredutível
e permanente, ao longo de toda a existência.
Na posição esquizoparanoide, a angústia domi-
nante é o medo de ser aniquilado e devorado, e a
preocupação dominante é com a preservação do ego.
Essa posição caracteriza os pnmeiros seis meses de
vida, momento em que predominam o sadismo e os
ataques sádicos imaginários contra o corpo da mãe,
A década
de1940 57

de quem se quer extrair tudo de bom e em quem se


quer depositar tudo de ruim. Os mecanismos de de-
fesa usados são a cisão, a projeção e a negação da rea-
lidade psíquica.
Antes de 1946, a violenta expulsão do desprazer
fora chamada de "excisão" - uma primeira formulação
do mecanismo de identificação projetiva. Este é o prin-
cipal mecanismo de defesa na posição esquizopa-
ranoide, em que se constroem relações de objeto
narcisistas,ou parciais:trata-se de consumir e usar o ou-
tro como depósito para tudo aquilo que recusamos em
nosso próprio funcionamento psíquico, principalmente
as emoções negativas, como a raiva, a inveja e o ciúme.
Melanie Klein estava preocupada em descrever
os mecanismos que antecediam a repressão (o recal-
camento). Esse movimento de expulsar de si o sadismo
para aliviar o ego parece conter um "grito de socorro"
do ego imaturo, endereçado ao seu ambiente. Sendo
ainda tão precário e vendo-se assaltado por pulsões tão
violentas, o ego arcaico não encontra outro caminho
senão enviar partes do seu se!fao ambiente, para que o
ambiente providencie algum tipo de processamento
desses seus aspectos "insuportáveis". 7
Aqui se percebe também uma concepção dife-
rente da de Freud: não há projeção apenas de pul-
sões; toda projeção comporta alguma "perda" do ego
que viaja junto com as pulsões para fora. É o con-
junto das identificações ligadas ao desejo de destruir
- o ego violento destruidor - que é assim eliminado,
ficando enfraquecido sempre que há um excesso de

7
O termo sr[{refere-se, no, texto, de Mebme Kle111,ao conJunto dos elemento, da
persorulidade do su1e1to- o que mdu1 c.imo o ego. \eu\ metam\1110) de defesa e Je
mccg:raçãoe ,uas attv1dade,de cemura (o ,upcrego). quanto a vida puls1on.1l.ou 111\•
tmnv.1 que Freud h.w,a alorado no 1d
58 Me/ameKle111

identificação projetiva. O problema será sempre o uso


excessivo do mecanismo acima descrito, pois, em cer-
ta medida, na saúde, o ego arcaico precisa utilizar-se
desse mecanismo.
A identificação projetiva moderada participa da
gênese da empatia e pode ser usada para conquistar
uma pseudoidentidade (como descrito no texto "So-
bre a identificação", de 1955) e para servir ao propó-
sito de comunicação entre as pessoas.
A frase clássica de Melanie Klein caracterizando
a identificação projetiva como protótipo de uma re-
lação de objeto agressiva pode ser substituída, para
aprofundar e ampliar seu sentido, para ''protótipo de
uma relação de objeto narcisista, em que há uma pro-
funda indiferenciação entre eu-outro", o que cumpre
uma função importante na comunicação entre os
seres humanos.
A partir de 1946, a antiga "posição paranoide",
postulada em textos anteriores, passaria, portanto, a ser
chamada de "posição esquizoparanoide", pois Klein
percebera os estados e defesas esquizoides a ela asso-
ciados. O nome "defesas esquizoides" reúne todos os
mecanismos de defesa da posição, mas será útil notar
que alguns deles levam mais claramente ao isolamento
esquizoide e outros a estados de confu~ão eu-outro,
mais típicos da paranoia.
Os mecamsmos esquizoides são os que possuem
a propriedade de isolar o ego do ambiente e as partes
do ego entre si, produzindo estados de incomunica-
bilidade e solidão, os "estados esquizoides". Esses me-
canismos operam por meio de cisões que levam a um
rígido fechamento do aparelho psíquico sobre si
mesmo, visando à autossuficiência, negando a impor-
tância dos objetos e da dependência em relação aos
outros diferences de si.
Por outro lado, os "mecanismos paranoides" são
os que criam um estado de indiferenciação entre o ego
e os objetos externos. O efeito disso é a instalação de
um estado de fusão, de caráter narcísico, entre o ego e
seus objetos.
A maior preocupação de Melanie Klein era
compreender o funcionamento do ego primitivo e
seu estado de não integração. Nas psicoses, tal estado
primitivo pode evoluir para situações de desintegração,
fragmentação e despersonalização.As novas teorias klei-
nianas presentes nesse texto de 1946 abrirão horizon-
tes para o estudo da esquizofrenia, da paranoia e dos
estados de despersonalização e fragmentação do ego.
No começo do texto, Melanie Klein lembra que
a cisão entre um objeto bom e outro mau tem efeito
organizador sobre o psiquismo, permitindo que a
"mãe boa" se mantenha separada da "mãe má".A mãe
boa é a que corresponde às necessidades e anseios do
bebê, e a má é a que não corresponde - em especial,
a mãe ausente.
As primitivas fantasias sádico-orais e sádico-anais
- assaltar o corpo materno para dali retirar tudo que
há de bom e depositar em seu corpo tudo que causa
desconforto e dor - são importantes para o desenvol-
vimento da paranoia e da esquizofrenia. Para dimi-
nuir a estranheza dessa descrição das fantasias sádicas,
podemos nos valer da observação do comportamento
de criminosos. É comum que os ladrões que assaltam
uma casa não apenas tentem apoderar-se de tudo que
tenha algum valor, mas também queiram sujar e des-
truir o interior da casa; em muitos casos, urinam e de-
fecam dentro das salas e quartos, o que pode ser
considerado uma forma primitiva de agressão, nesse
caso uma verdadeira "atuação", calcada nos primitivos
roteiros da fantasia sádica.
60 MdaníeKlein

Na posição esquizoparanoide, a cisão entre o


amor e o ódio, e entre o bom e o mau objeto, aparece
muito pronunciada, pois é preciso construir um ob-
jeto muito bom - um objeto idealizado - capaz de
combater a periculosidade extrema dos objetos per-
secutórios. Outras razões para a idealização do bom
objeto podem ser atribuídas, do lado da pulsão de
vida, à insaciabilidade da demanda de amor,já que as
pulsões de vida aspiram a uma gratificação ilimitada,
levando à construção de "um seio inexaurível e sem-
pre generoso - um seio ideal". 8
Mas a idealização provoca uma superintensifica-
ção dos aspectos gratificantes da realidade, querendo
anular a percepção de tudo aquilo que provoca des-
prazer e desconforto; e tais intensidades exageradas
podem, em si mesmas, tornar-se fontes de muito des-
conforto e perturbação.
É aí que se aciona um outro mecanismo: a "ne-
gação da realidade interna". Consiste em negar aque-
les aspectos da realidade psíquica que provocam um
aumento muito grande de excitações, ou seja, tanto o
ódio quanto o amor intenso. Quando esse mecanismo
é usado para modular ou relativizar a excessiva inten-
sidade das emoções, funciona como um importante
recurso de regulação do prazer. O problema surge
quando a negação maciça da realidade psíquica pro-
duz um estado "anestesiado".
Um dos casos mais extremos de negação da rea-
lidade psíquica é o "abafamento das emoções", uma
estratégia radical de tornar-se insensível. Foi o que se
viu no caso clínico de Dick, um menino psicótico tra-
tado por Melanie Klein em 1930, que parecia ter-se

' Klem. Melame, op. rn .. p. 26. I


A década
de1940 61

tornado indiferente a tudo, completamente desinte-


ressado do mundo.
Quando os medos persecutórios e, em contra-
partida, as idealizações são muito intensos, não é pos-
sível passar da posição esquizoparanoide para a
posição depressiva e todo o desenvolvimento da ca-
pacidade afetiva fica interrompido. A inibição da vida
afetiva provoca um estancamento da curiosidade e da
capacidade intelectual. Muitos casos de deficiência
mental podem ter, na origem, problemas afetivos gra-
ves, psicóticos, que alteram radicalmente a aceitação
da realidade psíquica e da realidade externa, e inibem
a capacidade simbólica. Essa observação de Melanie
Klein levou-a de volta a seu interesse inicial pela ini-
bição intelectual e pelas dificuldades de aprendizagem,
dominantes na década de 1920.

PULSÕESDO EGO ARCAICO


Melanie Klein descreve o ego arcaico como um ego
embrionário,já em ação desde o começo da vida psí-
quica - desde o nascimento, de fato, exercendo fun-
ções defensivas e organizadoras da vida mental. É um
ego sem coesão, oscilando entre um.a tendência à in-
tegração e outra à desintegração, ao despedaçamento.
A necessidade de postular um ego arcaico desde
os primeiros momentos de vida de um recém-nascido
decorre da descoberta psicanalítica de que há
angústias muito intensas desde os primeiros instantes
de vida. E as angústias requerem a construção de defe-
sas.A ideia seria de que onde há angústia é preciso ha-
ver um ego que dê conta do caos, da maneira que for
possível. Certos autores, como Freud (em certos traba-
lhos, mas nem sempre) e também Lacan, colocavam
6! Mrla11ie
Klem

mais ênfase no processo de co11stn1ção do ego, não re-


conhecendo sua presença nos primeiros instantes de
vida. Lacan costumava dizer que o recém-nascido hu-
mano era apenas "um montinho de carne", não pos-
suindo, nesse momento, nem ego organizado nem
qualquer forma de aparelho psíquico. Não é a posição
de Melanie Klein.
Segundo Klein, a principal fonte de angústia da
posição esquizoparanoide e o principal desafio à
capacidade defensiva e integradora do ego inicial é a
simples presença da pulsão de morte, que ameaça o
organismo de ser aniquilado, "desde dentro".A pul-
são de morte é para ela a matriz do ódio, na região li-
nútrofe entre o somático e o psíquico. Do outro lado,
a pulsão de vida corresponde a um princípio de in-
tegração, matriz do amor e de seus derivados. Ambos
os princípios operam no organismo desde os pri-
mórdios da vida psíquica, um ajudando o ego a se
construir e fortalecer, o outro submetendo o ego a
uma enorme pressão.
A pulsão de morte, embora seja uma ameaça de
aniquilação em abstrato, logo se objetaliza e passa a
manifestar-se em conexão com os objetos primários,
tornando-se angústia persecutória: a aniquilação deixa
de ser uma ameaça abstrata e torna-se medo de ser
aniquilado por perseguidores concretos, que provo-
cam terror.
Haveria ainda duas fomes subsidiárias para a an-
gústia arcaica: o trauma do nascimento e a frustração
das necessidades corporais. Podemos então pensar que
a separação introduzida pelo nascimento e todo tipo
de demora no acendimento das necessidades produ-
zam quebras de equilíbrio, que func10nam como
ameaças, e, portanto, evocam a angústia. Há nessas ~
situações frustração e desconforto, fatores geradores /
A dicada
de1940 63

de raiva; e esta, sendo manifestação direta da pulsão


de morte, faz a balança pender para o lado da desin-
tegração, o que evoca a angústia de aniquilação.
Claro que desde o começo da vida há também
forças construtivas e de integração, decisivas depois
para o desenvolvimento do ego e de suas capacidades
defensivas e organizadoras. Para Melanie Klein, o
amor, mediante a sucção amorosa, leva à introjeção de
um objeto bom e inteiro, que funciona como princí-
pio de integração, ou o que ela chama de um "ponto
focal no ego". Ele contrabalança os processos de cisão
e dispersão, é responsável pela coesão e integração, e
instrumental na construção do ego. No início, essas
forças e partes boas introjetadas ainda são muito vul-
neráveis; só podem sobreviver se as forças e partes más
estiverem mantidas sob controle, através dos mecanis-
mos esquizoides.
Ocorre sempre uma oscilação entre introjeção
amorosa e integração do ego, de um lado e, do outro,
introjeção sádica do objeto e despedaçamento do ego.
Isso tudo se passa no mundo de fantasia, mas os efei-
tos são bem reais, como se vê na forma de pensar que
ocorre em um caso e no outro.
Melanie Klein nos recorda a descrição freudiana
da alucinação do seio, à qual a criança faminta recorre.
Além da gratificação alucinatória (que tem o efeito
real de acalmar a criança e fazê-la capaz de esperar
mais um pouco pela gratificação real), o objeto e a si-
tuação ideais são invocados no plano da fantasia, ao
mesmo tempo em que ocorre a aniquilação onipo-
tente do objeto mau persecutório e da situação de dor.
Tais processos se baseiam na cisão do objeto e do ego.
Negar a dor e a frustração é querer"formatar" de
modo onipotente a realidade. No exemplo da gratifi-
cação alucinatória, é facil perceber como negação e
64 Me/ameKleí11

idealização andam sempre de mãos dadas, tendo em


comum essa maneira onipotente de formatar a reali-
dade e como pressuposto a cisão - o mecanismo que
permite isolar, como duas qualidades purificadas, o
"bom" e o "mau", sempre entrelaçados na experiência
real.Tal entrelaçamento só será reconhecido e admitido
quando e se vier a donúnar a posição depressiva; vol-
tará a ser recusado cada vez que a posição esquizopa-
ranoide voltar a se impor, ao longo da existência.
Negar a realidade psíquica envolve uma tripla
operação: não apenas se negam os 111a11s se11time11tos
e
o objeto 111a11,
mas aniquila-se também a parte do ego
que corresponde aos sentimentos de ódio. Qual o re-
sultado disso? Temos, de um lado, os bons sentimen-
tos extremos e o objeto ideal, que se fazem sempre
acompanhar de um ego insuflado pela megalomania;
do outro lado, sentimentos, objeto e ego dinúnuídos,
depreciados, aniquilados, um quadro que lembra a nú-
cromania ou o delírio de inferioridade. Delírio de
grandeza de um lado, delírio de inferioridade do ou-
tro: temos aí os dois polos radicais que reaparecem
nas descrições de casos de paranoia e e5quizofrenia.
Outra linha de ataque sádico deriva de impulsos
anais e uretrais, e envolve a fantasia de expulsar tudo
aquilo que for considerado mau (portanto, tudo que
vira dejeto e matéria fecal), enviando-o para dentro da
mãe; trata-se, como já vimos, de um aspecto impor-
tante da identificação projetiva. Esses excrementos e
essas partes más do se![são usados para "danificar, con-
trolar e tomar posse do objeto" - isto é, revelam a pro-
ximidade imaginária entre "destrutividade" e "força",
e produzem um sentimento de indiferenciação entre
a criança e a mãe.A mãe passa a ser a representante do
se[f mau, e o ódio que a criança sente contra partes 1
do seu se[f é agora dingido contra a mãe.
A década
de1940 65

O objetivo disso é danificar, destruir, mas tam-


bém controlar e tomar posse da mãe; isto é, trans-
formá-la em um boneco vazio habitado pelos
próprios impulsos. A evacuação das partes más do se!f
é a forma mais eficaz de afastá-las das partes boas, que
precisam ser resguardadas. O trabalho da fantasia en-
volve a onipotência de depositar no outro aspectos da
própria realidade psíquica e ter com ele uma relação
de objeto narcísica, quer dizer, pondo nele aquilo que
não pode suportar em si mesmo.
O sujeito não se reconhece conscientemente
nesse outro que recebeu as projeções, embora no
plano inconsciente mantenha com ele uma estreita li-
gação. Em um plano, a identificação é tal que não há
espaço para a separação e a alteridade; em outro, a su-
posição de diferença é tamanha e tão radical que não
há espaço para uma alteridade reconhecível e aceitá-
vel para a convivência. Desaparece o Nebenmensclz,
"meu próximo", e a possibilidade de estabelecer com
ele alguma comunicação inteligível. Este é o problema
de toda relação narcisista: o outro não pode ser levado
em consideração, ele é um mero suporte para que eu
tenha um endereço aonde enviar minhas projeções.
Depois, posso descartá-lo, como dejeto. A identifica-
ção projetiva pode ser bastante eficaz em termos ime-
diatos, mas logo dará lugar a grandes tormentos.
Ao projetar sobre o outro a fúria do meu ódio,
eu crio o pior tipo de perseguidor, pois a fúria que
passa então a vir"dele" me parece particularmente real
e convincente. É como se eu dissesse: "Não consigo
me lembrar bem, mas conheço essa fúria de algum
lugar, sei que ela é real, que é verdadeira e que exige
que eu odeie de volta com todas as forças de que for
capaz". Está instalada a espiral da violência que se
alimenta, antes de qualquer outra coisa, da minha
66 Mel,mieKlein

própria \'iolência. Na psicose. a identificação de uma


pessoa com as partes odiadas de si contribui para a in-
tensidade do ódio dirigido contra esta e outras pessoas.
Livrar-se, porém, de todo o ódio e da agressivi-
dade leva também a um excessivo enfraquecimento
do ego, segundo Melanie Klein. Os sentimentos de
força, potência e capacidade de conhecer estão todos
alicerçados na pulsão de domínio e na descoberta do
prazer de ser forte e poderoso, de ter donúnio sobre
si mesmo, sobre a natureza e sobre os outros. A pul-
são de domínio é a forma pré-sexual da pulsão sá-
dico-anal: costuma-se situar na fase sádico-anal a
descoberta da força muscular e da força do intelecto,
e os prazeres daí derivados, como o prazer de domi-
nar a musculatura, de lutar, de vencer o outro pela
força ou pela astúcia.
Nas fases sádico-anal e fãlica, as brincadeiras in-
fantis giram ao redor da rivalidade, dos ideais de po-
der, velocidade, astúcia e potência, todos ele, ligados
inconscientemente à agressividade em estado bruto
ou sublimado. Sentir muito medo da própria violên-
cia, expulsá-la, por mtermédio de uma identificação
projetiva excessiva, leva, portanto, a sentir-se esvaziado
da força e da potência, do desejo de saber e dominar.

INTROJEÇÃO,PROJEÇÃO,AMOR
Se a identificação projetiva foi apresentada, em pri-
meiro lugar, como uma relação agressiva, como pode
ocorrer a projeção do amor?
O leitor que vem acompanhando a lógica
"agressiva" desse mecanismo surpreende-se ao en-
contrar a descnçào de que aspectos amorosos são
também expelidos e projetados. Nesse caso, os excre-
A decada
de1q40 67

mentos, que antes eram usados como armas, ganham


agora o significado de presentes. É preciso projetar o
amor para desenvolver boas relações de objeto e in-
tegrar o ego. Se esse processo ocorre de forma exces-
siva, partes boas da personalidade são sentidas como
perdidas, e a mãe (ou outra pessoa) torna-se aquele
ideal inalcançável, que joga sua sombra sobre o eu,
enfraquecendo-o.
A contradição entre essa forma de identificação
projetiva e a anterior não é explicada nesse trabalho de
1946. Ficará para a posteridade de Klein a explicitação
de que há muitos tipos diferentes de identificação pro-
jetiva. Em alguns deles, a função comunicativa prinú-
tiva é predonúnante; em outros, o objetivo é guardar
em alguém confiável as partes boas que estão em pe-
rigo dentro do seff,quando este é tomado pela des-
trutividade. Mesmo nesses casos, há uma penetração
violenta do psiquismo alheio em função das necessi-
dades do indivíduo. No entanto, quando essa dimen-
são de violência abranda, o que se dá quando a
posição depressiva pode ser vivida e atravessada, a
identificação projetiva não cessa, mas se aproxima do
processo de empatia: sentir-se dentro e em comunhão
com o outro.
Outra coisa que se pode depreender do que foi
dito é que um bom equilíbrio entre processos introje-
tivos e projetivos e certa dose de identificação projetiva,
envolvendo tanto aspectos odiados quanto amados,
serão necessários para que haja integração do ego e o
objeto possa ser reconhecido e amado empaticamente.
Os casos patológicos devem-se a um desequilí-
brio entre introjeção e projeção, como no caso de
uma paciente esquizofrênica que sentia que o mundo
era um cemitério, isto é, havia desvitalizado e assas-
sinado o mundo mediante a projeção de seu ódio.
68 Mela111e
Klem

Por outro lado, essa paciente achava que a única pessoa


que valia a pena e tinha vida era Greta Garbo - que
ela mais tarde revelou ser ela própria, ou seja, havia
construído um objeto bom excessivamente idealizado
e entrara em um estado de megalomania intenso.
Além da questão quantitativa, isto é, de um va-
lor ótimo no equilíbrio entre introjeção, identifica-
ção projetiva e identificação introjetiva, a saúde
psíquica pode ser garantida pela ocorrênoa de pro-
cessos de assimilação mais eficazes. Quer dizer,
quando os objetos introJetados podem fundir-se ao
ego de maneira mais completa, por meio de uma
identificação introjetiva que leva à assimilação dos ob-
jetos ao ego, pois o problema do objeto ideal perfeito,
ou do perseguidor terrível, é que eles permanecem
como objetos cindidos do ego - uma forma de en-
clave superegoico impondo grandes obrigações e
grandes proibições - e as energias pulsionais que pro-
duzem não ficam à disposição do ego. É facil imagi-
nar que, se houvesse uma assimilação mais profunda
desses objetos ao ego, este sairia fortalecido.
Outro critério de saúde psíquica é que haja
maior integração entre os objetos bons e maus, e en-
tre o "ego bom" e o "ego mau". O enfraquecimento
do ego causado por uma identificação projetiva ex-
cessiva torna-o menos capacitado a assimilar os obje-
tos internos. Um dos trabalhos da análise é criar
condições favoráveis para que a assimilação dos obje-
tos arcaicos possa ocorrer. A criação de um relaciona-
mento de confiança ajuda a diminuir os medos
persecutórios, pois quando estes são muito intensos
acabam impedindo a integração do ego, do amor e do
ódio e criam um sentimento de apns1onamenco para
o paciente paranoico, por exemplo, que se sente pres-
sionado por situações persecutórias internas e externas.
A década
de1940 69

Quem projetou a sua destrutividade sobre um


outro sente um obscuro sentimento de culpa com re-
lação àquele que recebeu as projeções. Isso dá origem
a um vínculo com fortes traços obsessivo-compulsi-
vos; ou seja, quem projetou sente-se compelido a per-
manecer vinculado e dependente do depositário de
suas projeções, como se precisasse resgatar alguma
coisa importante que foi perdida.
Um dos primeiros sinais do caráter narcísico
desse tipo de relação é o desejo de controlar a outra
pessoa: isso corresponde à necessidade de ter algum
controle sobre as partes amadas e odiadas do self que
foram nela projetadas. Permanece sempre uma ameaça
de intrusão, de ser invadido ou invadir o outro. O me-
do de ser invadido lança uma suspeita com relação à
possibilidade de ligar-se a um outro e costuma alter-
nar-se, por defesa, com a tendência a isolar-se e ficar
retraído, que caracteriza os estados esquizoides. Esse
movimento oscilante, entre um excesso de "fusão" e
um retraimento exagerado, seria a "sístole e diástole"
do batimento esquizoparanoide.
5. A DÉCADA DE 1950:
UM PASSOA MAIS
NA DIREÇÃODAS RAÍZES
ublicado em 1957, o livro lllv~ia e gratidão
é o último grande trabalho teórico de
Melanie Klein. Ela ali enfatiza a impor-
tância, numa análise, de se tratar repetidas
vezes das ansiedades e defesas ligadas à inveja e aos
impulsos destrutivos. É preciso um trabalho paciente
e persistente, que leve o analisando a ter acesso aos
seus mais obscuros sentimentos de inveja, decorrentes
da vivência com a fonte primária da vida.
A inveja é sempre inveja da vida: inveja das raí-
zes em nossas próprias raízes. O mais difícil de admi-
tir e integrar no psiquismo é essa inveja da força, da
fecundidade e generosidade de uma fonte de vida da
qual proviemos e da qual dependemos. Esse afeto in-
consciente impede a mtrojeçào do bom objeto, tão
poderoso, amado e odiado. Todm os proces~os de in-
tegração psíquica e desenvolvimento emocional de-
pendem da introjeçào de um bom objeto; se esta é
impedida, tudo fica prejudicado. Uma de suas teses
A década
de1950 73

básicas é que o paciente possa reviver,junto ao ana-


lista, todo o espectro de seus mais amargos ressenti-
mentos oriundos dos primeiros tempos de vida, para
que possa diminuir a cisão dentro do sc!f
A boa relação com a mãe é o que dá origem ao
núcleo gerador de pulsões de vida. A memória bem
estabelecida das experiências de acolhimento - ou in-
trojeção e enraizamento do objeto bom - garante a
disposição para a gratidão, ao passo que a voracidade
e a intolerância à frustração predispõem à inveja. Em-
bora Klein tenha afirmado que há um elemento cons-
titucional na maior ou menor tendência à inveja,
precisamos entender que não se trata de uma herança
direta ou genética da inveja ou da gratidão.
O que ela observara é que há crianças recém-
-nascidas mais ou menos aptas para "usar" o objeto
bom, o que as deixa mais bem-resolvidas em sua sa-
tisfação e, portanto, mais aptas a sentir gratidão. Por
outro lado, crianças muito vorazes sugam com maior
violência e podem levar os capilares maternos que
transportam o leite a se contrair, diminuindo o fluxo
do leite e dificultando a vivência de satisfação desses
bebês. É suficiente observar em um berçário a pre-
sença de crianças mais irrequietas e nervosas, ao lado
de outras mais pacatas e pacientes, para compreender
que a maior voracidade leva a um acréscimo na mar-
gem de insatisfação e daí diretamente ao ressenti-
mento e ao desejo de apropriar-se da fonte de
suprimento, um traço típico da inveJa primária.

A INVEJACOMO ESTRUTURA
DO DESEJO
Existe na inveja um componente libidinal, uma forte
nostalgia por um estado pleno de satisfação, que se
74 ,\,fef,mie
Klein

teve e se perdeu, mesclada com ódio, ressentimento e


a sensação de algo que se tornou para sempre inal-
cançável. Se o seio real não fornece aquele nível de
prazer proporcionado pelo seio ideal, vem a sensação
de ser lesado e o desejo de destruir o seio real. Se pen-
sarmos agora que o seio real não conseguirá nunca
atingir a plenitude imagi11ária da vida intrauterina, ha-
verá sempre espaço para o surgimento da inveja. Esta
seria uma outra maneira de entender por que a 111-
veja pode ser considerada "constitucional", pois, em
princípio, a própria descontinuidade entre a vida in-
tra e extrauterina é o elemento estrutural que torna
possível a inveja. Hoje (depois de Lacan) diríamos que
a inveja participa da estrutura do desejo, assinalando o
seu aspecto insaciável.
Embora Melanie Klein coloque a inveja como a
expressão protocípica da pulsão de morte e de seu po-
der de dissolução, é obrigada a admitir, por outro lado,
que toda inveja está endereçada a Eros: essa inveja é a
força dirigida a desfazer o nó origináno entre pulsões
de vida e de morte, e seu objetivo é realizar um si-
lencioso e sinistro trabalho de dissolução dos víncu-
los eróticos, pois o que precisa ser destruído pelo
impulso invejoso é a própria dependência em relação
às fontes de vida e de prazer e plenitude. Além disso,
a inveja excessiva impede a formação de elos associa-
tivos necessários à construção do pensar. É isto que
torna a reflexão sobre a inveja tão interessante: o fato
de que, sendo a manifestação por excelência da pul-
são de morte, ela surja do próprio "ninho" de onde
brota a pulsão de vida, com o objetivo de destruir
Eros, a capacidade de associar e a de pensar.
A inveja incide sobre a criatividade da mãe em
todas as suas formas, desde a capacidade de procriar
no plano biológico até a criação de uma atmosfera de
de1950 75
A décad,1

confiança e a capacidade de prestar cuidados e aten-


der necessidades, sobretudo a capacidade materna de
oferecer-se como presença que faz companhia, toca,
estimula, alimenta, presta atenção e produz uma troca
significativa de olhares e palavras. Por que invejamos
tudo isso?
A vida emocional arcaica oscila entre ter e per-
der o contato com essa fonte vital que parece possuir
tudo de que se precisa - a presença materna traz uma
abundância de estímulos e excitações e a sua ausência
torna-se muito cruel pela privação de tudo. É, pois, a
transitoriedade do objeto e sua incapacidade de aten-
der plena e continuamente à insaciabilidade do de-
sejo que dão origem ao ódio e ao ressentimento que
englobamos sob o nome de "inveja". Invejar é, então,
um modo de diminuir o valor da dádiva materna, e
uma estratégia para que ela se torne menos desejada,
sendo, pois, um ataque ao desejar com seu cortejo de
tormentos. Atacar invejosamente as boas qualidades
do outro é, assim, atacar nossa dependência em rela-
ção a ele e, no fundo, atacar nosso desejo, pois é dele
que se sente derivar o maior sofrimento.

A GRATIDÃO
A fruição daquilo que é bom, por outro lado, dá ori-
gem à gratidão e diminui a voracidade e a agressivi-
dade; é necessário sentir gratidão para poder saborear
o que há de bom em si mesmo e nos outros.
A gratidão nasce de um sentimento de perten-
cer, de poder unir-se com o outro e estar feliz: cor-
responde a um sentimento de riqueza interna que
decorre da introjeção de todas as experiências de con-
tato íntimo e feliz que se pôde ter. Esse núcleo de
70 Mei1111íe
Kleí11

amor e proteção é o centro de todos os sentimentos


éticos, pois o mundo coma-se confiável. O sujeito en-
contra aí a origem de sua própria confiabilidade, de
sua capacidade de comprometer-se com valores e prá-
ticas, mantendo o seu compromisso ao longo do
tempo. As pessoas que se sentem ameaçadas e perse-
guidas, ao contrário, são levadas a agir de qualquer
maneira - é o regime do "vale tudo"-, pois conside-
ram que "não têm nada a perder". O núcleo de amor
e proteção é também responsável pela capacidade de
conservar o amor pela mãe, ape~ar de suas imperfei-
ções, a capacidade de tolerância.
A inveja vivida na relação primária com a mãe
dá origem a outras formas de inveja, ao longo do de-
senvolvimento. Freud mencionou a inveja do pênis, e
Melanie Klein, por meio de sua reflexão sobre a in-
veja do seio, vai discernindo a lógica que preside toda
forma de inveja. O invejoso admira e abomina a alte-
ridade, busca a autossuficiência, recusa a dependência
e gostaria de possuir em si mesmo a fonte de todo o
seu prazer, de maneira que invejará o seio ou o pênis
como órgãos capazes de dar prazer e por serem doa-
dores de vida. Entretanto, seio e pênis devem ser lidos
como metáforas de todas as manifestações de algo
desejável: capacidade de oferecer prazer, dar vida,
alimento, energia, amor, dinheiro, talento ou com-
preensão. Klein acredita que todas as aspirações hu-
manas, mesmo a ambição por poder e prestígio, têm
na sua origem a aspiração mais profunda de alcançar
alguma forma de autoria ou paternidade, simbolizada
pelos objetos invejados e suas funções criativas. Há
duas maneiras contraditórias de defender-se dos sen-
timentos de inveja para que eles não se tornem evi-
dentes e conscientes: a depreciação extrema ou a
excessiva exaltação do objeto e seus dons. Ora, esses
A década
de1950 77

são exatamente os dois procedimentos que, combina-


dos, levam à constituição de um objeto onipotente-
mente idealizado (um deus), ou muito mau (um
demônio). Nenhum desses extremos pode ser cons-
cientemente invejado.
A separação entre bom e mau relativos corres-
ponde ao trabalho de ponderação e comparação que
leva ao pensamento claro, ao passo que as formas ex-
tremas de cindir o objeto são delirantes, o que acon-
tece no pensamento religioso fundamentalista e em
toda ideologia vivida de forma fanática. A realidade
constantemente demonstra que formas puras de bem
ou mal absolutos não existem, a não ser na imaginação.
Não é difícil perceber que toda forma de idealização
abriga em seu avesso uma inveja negada e uma destru-
tividade que não foi neutralizada, mas encontra-se dis-
farçada e, nessa condição, pronta a explodir sob a forma
de ódio e desejo de destruir. Os assassinatos passionais
são exemplos de que a superexaltação do objeto de
amor não conduz à preservação, mas à aniquilação. En-
tretanto, a defesa mais frequente contra a inveja é a des-
valorização do objeto, cujo valor diminuído permite
que ele não seja mais invejado nem desejado.
Um dos pontos mais importantes ressaltados por
Melanie Klein é o papel desempenhado pela inveja
na chamada "reação terapêutica negativa": a inveja é
capaz de destruir e minar todo o trabalho do analista,
transformando-o em algo completamente destituído
de valor e significado.
Mas a gratidão e o desejo de fazer reparações
podem contrabalançar a inveja, mobilizando as pul-
sões de vida. Toda a análise seria um processo cons-
tante de oscilações entre inveja e gratidão para que,
aos poucos, esta venha a predom.inar. Quando ocorre
alguma integração no paciente, logo em seguida surge
;8 Me/ameKlem

uma de,confiança dele em seus impulsos amorosos. O


processo da análise envolve ennquecer o ego, inte-
grando nele a pulsionalidade do id, ampliando assim
a sua capacidade de amar, reparar e agradecer.
Para isso, é necessário fazer contato e recuperar
- assumindo-as - as potências destrutivas, em especial
as da inveja, que tanto atacam as possibilidades de boas
experiências. Na infância, as experiências de ser nu-
trido e amado; em análise, a eficácia e a verdade das
interpretações levam a que o analma e, recrospectiva-
mente, o objeto origináno sejam erigidos como figu-
ras boas, proporcionando um profundo sentimento de
segurança. É isso que permite que seja criada uma ca-
pacidade de fruição do objeta, transformando a inveja
em gratidão e capacidade de reparação nos dois planos,
ético e estético: reconhecer e respeitar o outro e ser
capaz de criar são as duas metas da análise kleiniana.
6. O PROCESSOANALÍTICO
A ESSÊNCIADO KLEINISMO:
MUNDO INTERNO E FANTASIAS
o longo de toda a obra, Melanie Klein
centralizou seu enfoque teórico e sua
atuação clínica nos cenários da fantasia.
Afirmava que a importância da fantasia
inconsciente para a vida cotidiana, a arte e a produ-
ção científica nunca seria "exageradamente estima-
da". A infraestrutura pulsional do psiquismo - tudo
que o movimenta como "necessidades (... ], desejos,
medos, ansiedades, triunfos, amor ou tristeza" 9 -
transforma-se em fantasias inconscientes, o estofo do
mundo interno.
Por outro lado, tanto as ansiedades como os me-
canismos de defesa nas posições esquizoparanoide e

' KJem, Melarue. op. c1t.. p. ~85.


O proetsso
ana/rtico81

depressiva, bem como na elaboração da neurose in-


fantil, também se expressam através de fantasias:"Tudo
é fantasia", dizia ela, referindo-se ao mundo interno.
Para Klein, a fantasia não se reduz à vida da ima-
ginação e aos devaneios diurnos, e nem mesmo aos
sonhos propriamente ditos, mas corresponde à forma
em que as mais arcaicas experiências de prazer e des-
prazer, segurança, conforto e pavor são configuradas
e registradas - o que corresponde à ideia de que a
fantasia inconsciente tece a estrutura subjacente de
todo fenômeno psíquico nas crianças e nos adultos,
nos neuróticos, nos psicóticos e nos "normais". Toda
a clínica se volta para o mundo interno do paciente,
para a escuta, nomeação, interpretação, elaboração e
transformações no tecido das suas fantasias.
Cabe enfatizar que as sensações corporais são
muito importantes na formação das fantasias: estas
são as configurações psíquicas básicas das mais arcai-
cas sensações e sentimentos, formando e consti-
tuindo os lugares psíquicos nos quais se criam as
mais profundas imagens inconscientes do corpo e
das memórias pré-verbais. Trabalhar clinicamente as
fantasias inconscientes é, assim, fazer um contato
vivo com o corpo sensível e pulsante do indivíduo
na composição de seu mundo interno.
O tecido das fantasias inconscientes é a primeira
forma de um ser humano, desde o início da vida, ten-
tar dar algum sentido ao conjunto caótico de estímu-
los, excitações, reaçõe~ e tendências que atingem o
seu corpo de fora e de dentro, e que dele se origi-
nam. A essa trama originária podem depois - quase
sempre, devem - vir a se juntar as palavras, seja para
formular as fantasias, trazendo-as ao plano consciente,
seja para modificá-las e dar-lhes um destino favorável
ao crescimento e enriquecimento da vida mental
Klem
82 Mela111e

(pela elaboração e transformação), o que será essencial


no tratamento analítico.
Se fôssemos construir uma imagem mítica das
origens, seria como se "tudo fosse fantasia" e "tudo se
concentrasse dentro do psiquismo", embora haja tro-
cas com o ambiente desde o primeiro instante. Toda
a persecutoriedade, todo o medo, e também toda a
capacidade de amar, admirar, sentir gratidão: é como
se tudo nascesse do interior, do mundo interno.

ORIGINALIDADEDE MELANIE KLEIN


Melanie Klein é lembrada, em primeiro lugar, como
a psicanalista que lançou as bases e desenvolveu a téc-
nica da análise de crianças. Isso não está errado, mas
não é suficiente. A partir de sua experiência com
crianças, ela ampliou o campo da clínica psicanalítica
para áreas tidas, por Freud, como inacessíveis ao tra-
tamento: pacientes psicóticos, autistas e borderli11e.
Trouxe também um novo estilo de trabalho para o
atendimento de pacientes neuróticos adultos. Ou seja,
todo o campo foi transformado.
Klein e seus discípulos insistem, com razão, no
fato de que não estão renegando nem produzindo um
desvio degenerativo na~ onentações freudianas, mas
apenas avançando e se aprofundando nos rumos aber-
tos por Freud. A partir de certo ponto, porém, essa
expansão ena um novo paradigma, mesmo permane-
cendo na tradição instituída pelo mestre vienense.
O grande ÍIIS((?lit de Klein na década de 1920 foi
perceber que as brincadeiras das crianças, seus dese-
nhos e jogos, as histónas que inventam e os comen- 1
tários que fazem (ou calam) podem ser recebidos
exatamente como as associações livres dos pacientes
O proces5iJ
anal,tíco83

adultos no divã. Melame KJein viu também que as in-


terpretações, desde que formuladas em uma lingua-
gem compreensível, de preferência com os termos
usados pelas crianças, produziam profundas alterações
no mundo interno, com significativos reflexos na vida
emocional, intelectual e nas relações sociais dos pe-
quenos pacientes.
Há sempre uma limitação para o manejo fanuliar
espontâneo das angústias básicas: trata-se da aversão ci-
vilizada à verdade do sexo e da destrutividade. Melanie
KJein - uma espécie de iluminista radical - acreditava
no valor curativo da verdade e da possibilidade de se
fazer contato natural, profilático e terapêutico com a
dimensão instintiva e pulsional dos homens, indepen-
dentemente de sua idade. Apesar de "iluminista", seu
projeto terapêutico não será o de civilizar, domesti-
cando as crianças. Trata-se, ao contrário, de pernútir
que, por meio do contato com o mundo interno - as
fantasias inconscientes e todas as suas conexões cor-
porais, emocionais, cognitivas e comportamentais-, as
crianças pudessem renunciar às defesas radicais contra
as angústias (cisão, negação, idealização, identificação
projetiva etc.) e encontrar melhores vias para lidar com
a realidade interna e externa.
Na prática, a análise kleiniana é guiada, ou atraída,
pelas angústias e culpas do paciente, e o analista se move
guiado por uma espécie de sensor de angústias, apto a
captá-las em seus pontos de eclosão, 111esmo quando
ainda latentes. Não se pode esperar que as ansiedades
apareçam espontaneamente, até porque muitas vezes
pertencem a uma camada pré-verbal (ou pré-narrativa)
do psiquismo e não dispõem de recursos para serem
formuladas. E também porque, em geral, são eficiente-
mente evitadas pelo pronto funcionamento das defesas
e pelas inibições.
84 Melaníe
Klem

Klein considera que as ansiedades mais arcaicas


projetadas sutilmente sobre, ou dentro do analista, são
de uma urgência imperiosa e exigem dele uma pron-
tidão extraordinária. O analista deve ser capaz de ir
ao encontro delas, mobilizá-las, recebê-las em sua
mente e em seu corpo e, em seguida, dar-lhes alguma
formulação, colocando-as em palavras e abrindo es-
paço para as simbolizações.
Outro aspecto importante do estilo kJeiniano de
analisar crianças ou adultos é a suposição de que tudo
que importa no processo analítico virá na forma da
traniferência:ou seja, mais do que narrar, trata-se de
reeditar experiências e padrões de relacionamento
com objetos externos e internos encarnados na figura
do analista.Tudo que há de importante no mundo in-
terno é ativado na situação analítica, diante desse per-
sonagem enigmático e propiciador de projeções que
é o analista para o seu paciente.Todas as interpretações
que atingem os estratos mais complexos e primordiais
do mundo interno mobilizam uma vasta gama de res-
postas transferenciais. Tudo o que o paciente diz, tudo
o que relata, suas brincadeiras, seus desenhos, os so-
nhos, suas reações às interpretações oferecidas, tudo
precisa ser visto e escutado como endereçado ao ana-
lista de uma forma em que este é percebido con10 tal
ou qual figura significativa da experiência do paciente
e efetivamente colocado nesse lugar.
A situação analítica é dotada de uma extraordiná-
ria complexidade, em que diversos tempos e lugares con-
fundem-se, sobrepõem-se ou, às vezes, desdobram-se e
multiplicam-se. O objeto da análise não é o passado tal
como se passou, mas este presente complexo, multiface-
tado, em que o it!fa11tilestá presente - tanto nas crianças
como nos psicóticos ou nos adultos neuróticos - como
um modo determinado de funcionamento mental.
O processo
anal,rico85

Em um texto de 1950 sobre o final de análise,


Melanie Klein considera que uma análise é a oportu-
nidade de se reviver e reelaborar separações antigas; na
verdade, a análise pode ser vista como uma longa pre-
paração para o seu próprio término, isto é, para uma
separação. Há um trecho do processo analítico que só
pode ocorrer quando se anuncia o seu término e que
só se desenvolve durante e depois do término, ao
longo da vida, quando as dores de uma separação po-
dem e devem ser novamente tratadas, em certa solidão.
Há uma experiência de solidão saudável e inevitável,
e um dos efeitos de uma análise é aprender a convi-
ver com essa solidão e saber aproveitá-la para o traba-
lho psíquico.
O alvo da cura analítica é o atravessamento da
posição depressiva e a solução do complexo edipiano;
vale dizer, a ampliação da capacidade de experimen-
tar relações complexas e ambivalentes com objetos
integrais, admitindo a relativa autonomia desses obje-
tos e suas ligações com os outros e com eles próprios.
Trata-se da superação dos padrões narcisistas de rela-
cionamento, para a conquista da possibilidade de fa-
zer contato com a altendade dos objetos de amor e
ódio - um forte aspecto ético do kleinismo, o que já
fora verificado quando se tratou da gratidão.
No plano intrapsíquico, a condição para que -;e
assuma essa postura ética é a capacidade de suportar
a frustração decorrente dos limites, das perdas e das
separações, sem recorrer aos mecanismos esquizopa-
ranoides e às defesas maníacas, com seus ingredientes
de onipotência e desprezo. Isso requer um ego sufi-
cientemente forte para lidar com a pulstonalidade e
com as pulsões destrutivas. A força do ego não deve
<;erentendida como uma blindagem contra o pulsio-
nal, mas, bem ao contráno, como a capacidade de
86 Mel11111e
Klem

lançar suas raízes no id, de integrar a vida pulsional e


dar liberdade à expressão dos afetos. Para que essa in-
tegração possa ocorrer, as grandes idealizações e cons-
truções persecutórias devem ter sido dissolvidas, assim
como devem ter sido assumidas e elaboradas as pul-
sões libidinais e destrutivas, e as fantasias inconscientes
a elas correlatas, dando lugar a um contato mais com-
pleto e verdadeiro com as realidades externa e interna.
No entanto, para que se possa fazer a travessia
do complexo de Édipo e da posição depressiva, é pre-
ciso ter introjetado o bom objeto, que não deve ser
confundido com o objeto bom dos primórdios da
vida. Aquele objeto originário, idealizado e invejado,
era expressão máxima do narcisismo. O bom objeto,
cuja introjeção espera-se que esteja ocorrendo em um
término de análise, não pode ser alvo de idealizações
extremas, não é "um extrato purificado do sumo
bem", pois o que é idealizado nem pode ser objeto de
gratidão nem pode ser objeto de reparação alguma.
Uma reparação só faz sentido quando algo de bom
pôde ser preservado ao lado de estragos e imperfei-
ções, tornando a reparação - fazer o bem e criar o
belo - alimentada pela gratidão, possível e necessária.
Qual seria então a natureza do bom objeto que
permite um. equilíbrio psíquico mais estável e fe-
cundo? O bom objeto que fortalece o ego, capa-
citando-o a reparar e criar, a suportar frustrações
e conviver com ambivalências, é o ví11rn/oparc11tc1/.
É a esse objeto que se pode efetivamente ser grato -
e a gratidão é o principal antídoto contra a inveja.
Trata-se de introjetar a ligação erótica entre os geni-
tores como possibilidade de controlar a destrutivi-
dade, através das forças de vida e de amor. Mas ele
é também uma fonte insuperável de solidão, pois
implica alguma exclusão.
O pr(l(CS51J
a11a/11ico
87

Introjetar o vínculo parental não implica negar


a dependência, mas, pelo contrário, envolve aceitar
uma dependência dos objetos dos quais se está sem-
pre parcialmente excluído, porém dos quais necessi-
tamos, objetos que nos foram e são indispensáveis e
aos quais podemos agradecer. Melanie Klein afirma
que o estado interno de solidão, vivido nas situações
de exclusão, é o resultado da ânsia por um estado de
perfeição sempre inalcançável. Conviver com esse de-
sejo e moderá-lo pela aceitação dos objetos, das fon-
tes possíveis de satisfação e também de suas impurezas
e imperfeições é o que ela considera "saúde mental".
Em acréscimo, essa solidão relativa não exclui as alian-
ças, mas é, ao contrário, a condição de possibilidade
para que se criem outras alianças, tanto com as pessoas
do mundo externo quanto entre aspectos do próprio
universo psíquico.
No plano social, o kleinismo abre espaço para
alguma forma de fraternidade entre indivíduos autô-
nomos - e de democracia. Entretanto, há sempre um
resíduo de inveja, rivalidade e ciúmes que são inassi-
miláveis e exigem constante trabalho de elaboração.
As posições esquizoparanoide e depressiva retornam e
se alternam, e as passagens para um estado mais
integrado ganham caráter de guerra e paz, o que,
segundo Melanie Klein, vai caracterizar tanto um
processo analítico quanto mais amplamente a vida so-
cial e política dos indivíduos e comunidades.
1
7. EVOLUÇÕESE DIFUSÃO

\
elanie Klein morreu em 1960, com
78 anos. Sua fama já estava consolidada
na Sociedade Britânica, bem como em
algumas sociedades de psicanálise mais
jovens e dependentes da formação na Inglaterra,
como as latino-americanas. Franceses e, principal-
mente, norte-americanos resistiram durante muito
mais tempo às suas ideias.
Depois dt.>seu falecimento, a influ<7:ncia de Klein
não cessou de se estender pelo mundo afora, tendo
uma forte incidência na psicanálise que se praticava
e ensinava na Argentina e no Brasil nas décadas de
1960 e 1970, bem como, naturalmente, no seio do
grupo kleiniano de Londres.
Passaremos agora rapidamente em revista al-
guns marcos da evolução e da difusão do pensa-
mento kleiniano.
Na Inglaterra, Elizabeth Spillius organizou dois
importantes volumes intitulados .\lc/a,1ic K/611 1bday

l1L....--..-------
ed!fwão 91
Evo/11ç;Jes

(,\fela11ieKlein hoje) com as novas contribuições no


plano teórico e clínico, apresentadas por autores in-
gleses como Bion, Hanna Segal, Michael Feldman,
Herbert Rosenfeld, Edna O'Shaughnessy, Betty Joseph,
Robin Anderson, Ronald Britton, John Steiner e
Elizabeth Bott Spillius, entre outros. Pouco tempo
depois (1992), apareceu outra coletânea intitulada
Cli11icalLect11res011 Klein and Bion (Co1!ferêt1cias
clínicas
sobreKlein e Bion), organizada por Robin Anderson e
prefaciada por Hanna Segal, também com textos de
autores britânicos como os mencionados acima. Vale
dizer que esses livros já se encontram traduzidos para
o português e publicados no Brasil, sob a coordena-
ção de Elias Mallet da Rocha Barros.
Outra coletânea foi publicada na Inglaterra,
em 2001, por Catalina Bronstein: Klei11ia11 Theory.
A Co11te111porary Perspective (Teoria kleiniana: 11ma
perspectiva contemporânea),mostrando a vitalidade
dessa tradição de pensamento nos anos 1990. Infe-
lizmente, esse livro não está disponível para leitura
em português. Em 2007, porém, foi publicada no
Brasil uma coletânea de textos de Elizabeth Bott
Spillius, U111a visão da evoluçãoclínicakleiniana:da an-
tropoloJ!iaà psica11álise.
Duas outras obras de proveniência britânica
merecem menção especial e já se encontram tradu-
zidas para o português: a grande biografia de Phyllis
Grosskurth, O 1111mdo e a obrade Mela11ieKlein (1986),
e o Dicionário do pensamento klciniano, de Robert
Hinshelwood (1989), que também escreveu Clinicai
Klein (1994), ainda não traduzido. Nesse livro, os con-
ceitos kleinianos são exemplificados com o recurso a
situações clínicas.
Vejamos agora a difusão em outros territórios,
fora da Inglaterra.
Klein
92 Meia11it

Na região da Califórnia - Los Angeles e São


Francisco - a difusão do pensamento kleiniano se deu
por meio da obra de um de seus seguidores, o britânico
Wilfred Bion, criador de um pensamento original, com
fortes raízes em Melanie Klein, e que emigrou para os
EUA na década de 1970. Um analista norte-americano,
Robert Caper (com diversos livros publicados no Bra-
sil), vem desenvolvendo um pensamento original den-
tro da referência kleiniana de base. Há também muitas
repercussões instigantes de sua obra em autores que não
são kleinianos de estrita observância, como Thomas
Ogden e James Grotstein, psicanalistas norte-america-
nos muito influenciados por Bion.
Algo semelhante ocorreu na Itália. A partir de
Bion, autores como Antonino Ferro vêm dando
contribuições muito originais à tradição kleino-bio-
niana. Seus livros obtiveram uma boa repercussão em
nosso país.
Em 1997, Schafer, analista norte-americano de
formação não kleiniana, lançou uma grande coletâ-
nea, The Contemporary Klei11ia11sq( Lo11do11( Os klei-
nianos co11temporâ11eosde Londres), com textos dos
principais kleinianos em atividade na Inglaterra; essa
coletânea assinala a expansão do interesse no universo
kleiniano em território norte-americano.
Na França, a despeito do peso de Jacques Lacan
- que era, ele mesmo, um leitor atento de Klein,
crítico, mas muito elogioso -, a presença direta de
Melanie Klein também se tornou significativa. No fi-
nal da década de 1970,Jean-Michel Petot lançou dois
volumes sobre o seu pensamento, dedicando-se a uma
sistematização histórica e epistemológica da obra de
Klein. Os dois volumes do seu livro (o melhor no gê-
nero até hoje editado) também foram publicados no
Brasil.Para comemorar o centenário de seu nascin1ento,
Evoluções
edifusão 93

no início da década de 1980, duas sociedades de psi-


canálise na França reuniram-se e lançaram o volume
Mclanie Klein at~Jourd'/111i (,\telanie Klein hoje), com a
participação de Didier Anzieu, Victor Smirnoff, Jean
Bégoin e André Green, entre outros. Finalmente, as
análises sugestivasde Julia Kristeva sobre a vida e a obra
de Melanie Klein, publicadas em 2000, contribuíram
para a renovação dos estudos kJeinianos na França e no
mundo, e para a renovação do pensamento psicanalí-
tico francês. O livro de Kristeva já foi publicado no
Brasil: O gêniofeminino II - Melanie Klein.
Como se vê, quase todos os mais importantes au-
tores kJeinianos, kJeino-bionianos ou neokleinianos
foram traduzidos e publicados no Brasil. Uma outra
dimensão do processo de expansão, evolução e difusão
está presente, por exemplo, na coletânea Readi11g Klein
(1998), organizada por John Phillips e Lindsey Stone-
bridge. Ali se revela a importância concedida ao pen-
samento kleiniano no campo dos estudos literários,
da filosofia e das ciências sociais. O volume inclui um
pequeno texto inédito de Melanie Klein sobre o filme
Cidadão Km1e,de Orson Welles.

MELANIE KLEIN NO BRASIL


Sob a competente editoria de Elias Mallet da Rocha
Barros, psicanalista paulistano formado em Londres,
toda a obra de Melaníe Klein foi publicada em por-
tuguês, naquele que até hoje é o mais bem-sucedido
empreendimento de tradução e edição da obra com-
pleta de um psicanalista no Brasil. Foi Mallet da
Rocha Barros também quem organizou uma boa
coletânea de ensaios - /vfelanieKlein: evoluções- pu-
blicada em 1989.
94 Mei1111it
Kltrn

O conjunto do pensamento kleiniano foi apre-


sentado ao leitor brasileiro em dois livros que reúnem
de forma sistemática as ideias, conceitos e práticas de
Melanie Klein e seus seguidores: lntrod11ção à obra de
.\fela11icKlci11,de Hanna Segai (1975), e Mela11ieKlein
- estilo e pensamet1to,dos autores deste volume, Elisa
Maria de Ulhôa Cintra e Luís Claudio Figueiredo
(2004). Uma breve apresentação comentada da obra,
acompanhada de textos selecionados, fora publicada
antes no Brasil por Fábio A. Herrmann e Amazonas
Alves Lima, em 1982. Recentemente, um número da
Revista .\fe11tee Cérebro- História da Psica11álise foi
dedicado a Melanie Klein, incluindo diversos artigos
escritos por psicanalistas brasileiros. Na Argentina,
Willy Baranger publicou, em 1981, um outro livro im-
portante como introdução aos conceitos kleinianos:
Posiçãoe o~ieto11aobrade ,\1ela11ic
Klci11,játraduzido em
português (1981).
No mais, são inumerh-eis os artigos que atestam
a forte presença do pensamento kleiniano entre nós,
escritos por psicanalistas brasileiros e publicados em
revistas especializadas.

'
CRONOLOGIA
1882 - Nasce, no dia 30 de março, em Viena (Áus-
tria), Melanie Reizes, filha de Mariz Reizes
e Libussa Deutsch.

1903 - Casa-se com Arthur Klein: passa a assmar


Melanie Klein.

1904 - Nasce a primeira filha, Mellita Klein.

1907 - Nasce o segundo filho, Hans Klein.

1914 - Nasce o terceiro filho, Erich Klein, seu pri-


meiro "paciente" alguns anos depois. Melanie
Klein muda-se para Budapeste (Hungria), lê o
texto sobre os sonhos de Freud e começa a
sua primeira análise com Sándor Ferenczi.

1919 - Melanie Klein apresenta seu primeiro traba-


lho e torna-se membro da Sociedade Psica-
nalítica de Budapeste.
Cronología97

1921 - Muda-se para Berlim, onde abre consultório.

1922 - Torna-se membro da Sociedade Psicanalítica


de Berlim. Divorcia-se de Arthur Klein.

1924 - Começa uma segunda análise com Karl Abra-


ham (que morre no ano seguinte), de quem
recebe forte influência teórica.

1925 - Melanie Klein é convidada por Ernst Jones


para dar palestras em Londres.

1926 - Muda-se para a Inglaterraa convite de ErnstJones.

1927 - Torna-se membro da Sociedade Britânica


de Psicanálise.

1932 - Publica, simultaneamente, na Inglaterra, The


Psyclzoanalysis of Children e, na Alemanha,
Die Psychoanalyse des Kindes (A psicanálise de
crianças), uma elaboração das experiências
clínicas e inovações teóricas dos dez anos
anteriores (na Hungria e Alemanha), apresen-
tadas inicialmente nas palestras em Londres
em 1925 e 1927.

1934 - O filho Hans morre praticando alpinismo.

1935 - Publica o primeiro texto sobre a posição de-


pressiva, uma revolução teórica na psicanálise.

1937 - Publica Love, Hate and Reparation (Amor, ódio


e reparação),em coautoria com Joan Riviere.
98 MtlmúeKlem

1941-45 - Período das concrovérnas entre kleinianos


e freudianos na Sociedade Britânica de Psi-
canálise; Klein vive a ameaça de expulsão, mas
ao final do período institui-se oficialmente
um grupo kleimano no mundo psicanalítico
britânico e mundial.

1946 - Publica o texto sobre a posição esquizopara-


noide, completando o núcleo do seu grande
sistema teórico-clínico.

1948 - Publica Contrib11tio11s to Psychoanalysis1921-


-1945 (Co11trib11içc>es
à psica11á/ise),
com artigos
das décadas anteriores ainda não acessíveis a
leitores da sua obra em inglês e textos funda-
mentais do kleinismo lançados até 1945. É sua
primeira publicação de peso após o encerra-
mento das controvérsias com Anna Freud,
prefaciada longamente por Ernst Jones, que
faz alusão à nova situação institucional do
kleinismo, agora oficialmente reconhecido
como uma corrente dentro da psicanálise.

1952 - Publica o ensaio" Algumas considerações teó-


ricas sobre a vida emocional do bebê", uma
visão de conjunto de suas ideias, em 17zeDe-
l'elopmmt cf Psyclwa11alysis
(Os pnwressosda psi-
ca11álise),
uma compilação dos textos de Klein
e várias seguidoras, escritos no período das
controvérsias entre kleinianos e seguidores de
Anna Freud na década de 1940.

1955 - Publica com colaboradores a coletânea ,,:e,,,


Directio11scm Psyclwa11alysis(.\:0!'11ste11dê11cias
da psic,wá/ise e remas e111
ps1c,111ál,sc),
em dois
eronologia99

volumes; o kleinismo se expande para tratar


de questões sociais, éticas e estéticas.

1957 - Publica Envy and Cratitude:a Study ofUncons-


ciousSources(I11vejae gratidão).

1960 - Melanie Klein morre em Londres, no dia


22 de setembro.

1961 - É publicado o livro NarrativeoJa Child Ana-


lysis (Narrativa da análise de uma criança),em
que Klein havia trabalhado até sua morte.
Capo da edição inglesa de Inveja e gratidão (Yirogo Press, 1988).
BIBLIOGRAFIA
s obras completas de Melanie Klein, em
inglês, foram reunidas em dois volumes,
editados pela Virago Press: Love, Cuilt and
Reparation (1921-1945) e Envy and Gra-
titude (1946-1963). A mesma editora publicou, sepa-
radamente, The Psycho-Analysis efChildren.
A literatura sobre Melanie Klein é imensa não só
em inglês, mas também em francês, espanhol, italiano
e outras línguas. Nas indicações abaixo foram privile-
giados títulos de fácil acesso ao leitor brasileiro, em
boas traduções, além de uma seleção de textos críti-
cos de autores brasileiros.

ABRAHAM, Nicolas;Torok, Maria. "Quem é Melanie


Klein hoje?". In: A cascae o ntÍcleo.São Paulo: Es-
cuta, 1995.
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de Freud,]mtj?,Melanie Klein, La-
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CINTRA,Elisa Maria de U1hôa; Figueiredo, Luís Cláu-
dio. Melanie Klein: estilo e pensamento.São Paulo:
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104 MelaníeKlein

ças;v. III: Inveja e gratidãoe outrostrabalhos(1946-


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www.melanie-klein-trust.org. uk

Bibliografia kleiniana:
http://homepage.ntlworld.com/kate. broom/ ths/Klei
n/klein_biblio.htm
SOBREOS AUTORES
Luís Claudio Figueiredo é psicanalista, mestre, doutor
e livre-docente em psicologia pela USP. Professor do
Instituto de Psicologia da USP e do Programa de
Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC/SP, é
autor de dezenas de artigos e capítulos publicados em
revistas e coletâneas especializadas no Brasil, Argen-
tina, Inglaterra e EUA, e escreveu mais de dez livros
sobre psicologia e psicanálise, publicados no Brasil e
no Chile. Entre eles, destacam-se A1atri.:::cs do pc11sa-
mc11topsicol6gico(1991), Rcvisita11doas psicoloiias: da
à éticados dismrsospsicológicos(1995, 3 1 ed.
epistc111ologia
revista e ampliada, 2004), ambos pela Editora Vozes; e
A i1111e11çqodo psicológico.Quatro séwlos de subjetiuação
(1992), Etica e téwica em psicanálise,em coautoria com
Nelson Coelho Junior (2000, 2ª ed. revista e ampliada,
2008) e Psica11álise:elementospara a clínicaco11te111poránea
(2003), todos pela editora Escuta.

Elisa Maria de Ulhôa Cintra é psicanalista, mestre e


doutora cm psicologia clínica pela PUC/SP; sua
dissertação de mestrado foi sobre as origens do pen-
samento de Melanie Klein (Raízes do pensamento klei-
niano, 1992). Publicou diversos artigos em revistas
especializadas sobre Freud, Klein, Winnicott e Bion.
Ministra uma disciplina na Faculdade de Psicologia
da PUC/SP dedicada ao pensamento de Melanie
Klein e Winnicott e leciona também no curso de es-
pecialização em Psicologia Clínica: Teoria Psicanalí-
tica, na mesma universidade.
FOLHA
EXPLICA

1MACACOS Drauzio
Yarella
2 OSALIMENTOS
TRANSGÊNICOSMarcelo
leite
3 CARLOS
DRUMMOND
DEANDRADE
francisco
Achcar
4 A ADOLESCÊNCIA Contardo
Calligaris
s NIETZSCHE Oswaldo
Giacoia
Junior
6 O NARCOTRÁFICO ManoMagalhães
7 O MALUFISMO Maurício
Puls
a A DOR joáo
Augusto
Figueiró
9 CASA-GRANDE
& SENZALA Roberto
Ventura
10 GUIMARÃES
ROSA WalniceN~eiraGalváo
11 AS PROFISSÕES
DOFUTURO Gilson
Schwartz
12 A MACONHA Fernando
Gabeira
13 O PROJETO
GENOMAHUMANOMônicaTeixeira
14 INTERNET Maria
Ercilia
e
Amorno
Graeff
15 2001: UMAODISSEIANOESPAÇO Arnir!,ibaki
16 A CERVEJA JosimarMelo
17 SÃOPAU LO RaquelRolnik
18 A AI DS MarceloSoares
19 O DÓLAR JoãoSayad
20 A FLORESTA AMAZÔNICA Marceloleite
21 O TRABALHO INFANTIL AriC1pola
22 O PT AndréSinger
23 O PFL flianeCantanhêde
24 A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA GustavoPatu
25 JOÃOCABRAL DEMELONETOJoão AlexandreBarbosa
26 JOÃOGILBERTO ZuraHomemdeMello
27 A MAGIA Antôruo
Ra\io Pieruco
28 O CÂNCER RiadNaimYoones
29 A DEMOC RACIA RenatoJanine
Ribeiro
30 A REPÚBLICA RenatoJanine
Ribeiro
31 RACISMO NOBRASIL Lilia
MorinSchwarcz
32 MONTAIGNE Marcelo
Coelho
33 CARLOS GOMES Lorenzo
Mamm1
34 FREUD Luiz
Tenório0lileira
Lima
35 MANUEL BANDEIRA Murilo
Marcondes
deMoura
36 MACUNAÍMA ~oemiJaffe
37 O CIGARRO Mano CesarCarvalho
38 O ISLÃ PauloDaniel
Farah
39 A MODA Erika
Palomino
40 ARTEBRASILEIRA HOJE AgnaldoFarias
41 A LINGUAGEM MÉDICA MoacyrScliar
42 A PRISÃO luisFrancisco
Camlho Filho
43 A HISTÓRIADOBRASIL
NOSÉCULO 1920 (1900-1920) OscarPilagallo
44 O MARKETINGELEITORAL CarlosEduardoLlnsdaSilla
45 O EURO ~lmBinencoun
46 A CULTURADIGITAL Rogério
daCosta
47 CLARICELISPECTOR Yudith
Rosenbaum
48 A MENOPAUSA Silm
Campolim
49 A HISTÓRIADOBRASIL
NOSÉCULO 1920 (1920-1940) OscarPilagallo
50 MÚSICAPOPULAR
BRASILEIRAHOJE Anhur
Nestro~~
(org.)
51 OSSERTÕES Robeno
Ventura
52 JOSÉCELSO MARTINEZCORRÊA Atmar
L"lba~
53 MACHADODEASSIS Alfredo
Bosi
54 O DNA Marcelo
leite
55 A HISTÓRIADOBRASIL
NOSÉCULO 1920 (1940-1960) OscarPilagallo
56 A ALCA Rubens
Ricupero
57 VIOLÊNCIAURBANA Paulo
Sergio
Pinheiro
e
Guilherme
Assis
deAlmeida
58 ADORNO Mareio
Seligrnann-~11-a
59 OSCLONES Mama
L"lchterrnacher-Triunfol
60 LITERATURABRASILEIRA
HOJE Manuel
daCosta
Pinto
61 A HISTÓRIADOBRASIL
NOSÉCULO 1920 (1960-1980) OscarPilagallo
62 GRACILIANORAMOS Wander
Melo
Miranda
63 CHICO BUARQUE Fernando
deBarros
eSilva
64 A OBESIDADE Ricardo
Cohen
e
Maria
Rosaria
Cunha
65 A REFORMA
AGRÁRIA Eduardo
xolese
66 A ÁGUA jose
Galiz1a
Tundisi
e
Takako
Matsumura
Tundi~
67 CINEMABRASILEIRO HOJE Pedro
Butdier
68 CAETANOVELOSO Guilherme
Wisnik
69 A HISTÓRIADOBRASIL
NOSÉCULO 1920 (1980-2000) Oscar Pilagallo
70 DORIVALCAYMMI Francisco
Bosco
71 VINICIUSDEMORAES Eucanaã
Ferraz
72 OSCARNIEMEYER Ricardo
Ohtake
73 LACAN Vladimir
Safatle
74 JUNG TitoR.deA.Cavalcanti
75 O AQUECIMENTO
GLOBAL Claudio
Angelo
76 MELANIEKLEIN luísClaudio
figueiredo
e
Elisa
Maria
deUlhôa
Gntra
77 TOMJOBIM CacaMachado
78 MARX jorge
Grespan
79 ROBERTOCARLOS Oscar
Pilagallo
80 DARWIN Marcelo
le11e
81 PAULOFREIRE Fernando
josé
deAlmeida
a2 VILLALOBOS Fábio
Zanon
83 FUTEBOL
BRASILEIRO
HOJE jose
Geraldo
Couto
84 POLÍTICAS
PÚBLICASMana
M.Assumpção
Rodrigues
85 MÚSICACLÁSSICA
BRASILEIRA
HOJE Sidney
Molina
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FOLHA I
PsicanálisE
EXPLICA

MElANIE
KLEIN
LUÍS
CLAUDIO
FIGUEIREDO A

ELISA
MARIA
DEULHOA
CINTRA
A estranheza dos formações do inconsciente e dos experiências
primordiais desafia todas as nossas medidas de bom-senso. Foi
Melanie Klein ( 1882-1960), depois de Freud, quem mais contribuiu
para que se compreendo o funcionamento psíquico.
Demanda grandioso de amor, destinado ao desespero e
à angústia: é isso que Klein considera o caráter infantil - quer
dizer, insociável e desamparado - de todo desejo humano, em
sua fonte mais inconsciente e arcaico.

Luís C/audio Figueiredo é psiconalista, professor do Instituto


de Psicologia da USP e do Programo de Pós-graduação
em Psicologia Clínica da PUC/SP Elisa Maria de Ulhôa
Cintra é psicanalista, professora da Faculdade
de Psicologia e do curso de especialização
em Teoria Psicanalítica da PUC/SP

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