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Vol. 4 Nº 2 págs. 135-142.

2006

www.pasosonline.org

Patrimônios, Museus e Subjetividades 1

Alexandre Fernandes Corrêa †


Universidade Federal do Maranhão (Brasil)

Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre a importância da política cultural enquanto política pública
emancipatória e autonomista. Como exercício crítico enfoca-se o modelo clássico de preservação de
objetos e coleções – expresso na equação museu-monumento-patrimônio – em diálogo com as novas
formas de subjetividade contemporânea. Através de uma nova etnologia regional identifica-se o surgi-
mento de novos objetos e coleções marginais, que subvertem a lógica cultural burguesa. Novos museus e
novos lugares da memória convidam ao desafio de repensar novas perspectivas e vertentes para a patri-
monialização e a promoção cultural e étnica da sociedade brasileira e latino-americana.

Palavras-chave: Memórias Sociais; Patrimônio Cultural; Etnologia Regional; Subjetividade; Museus

Abstract: This article is a reflection about the importance of the cultural politic while autonomist and
emancipates public politic. Propose as critic exercise squander the classic model the preservation of the
objects and collections – show in the equation museum-monument-patrimony – dialoging with the news
forms of the contemporary subjectivity. The new regional ethnology identify the emerging of the news
objects and outsiders collections, that subverting the bourgeoisie cultural logic. News museums and the
news memory places invite at the challenge of the reflect news perspectives and slopes to the cultural
and ethnic heritage promotion in the Latin-American and Brazilian society.

Keywords: Social Memories; Cultural Heritage; Regional Ethnology; Subjectivity; Museums


• Prof. Adjunto em Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (DEPSAN). Doutorado em Ciências So-
ciais (PUC/SP-2001). Coord. do Grupo de Pesquisa Patrimônio e Memória (GPPM). E-mail: alex@ufama.br

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Usos Culturais dos Acervos Patrimoniais e Contudo, desta vez, estes museus (ou Cen-
Museológicos tros/Casas de Cultura) são para os turistas
nacionais e estrangeiros, isto é, para os
Que significa um ‘patrimônio da outros, que visitam as nossas cidades turís-
humanidade’, quando ele mesmo não ticas5.
funciona como patrimônio local, munici- A realidade museológica em São Luís é
pal, regional? (Menezes, 1996: 98). limitada ao convencionalismo, como se pode
imaginar. O que merece alguma atenção
Introduzindo o tema central desta re- são as transformações que vêm ocorrendo
flexão, desejamos enfatizar aspectos que se num contexto de espetacularização dos
revelam cada vez mais significativos num símbolos e signos culturais locais, usados
ambiente efervescente e que sofre na atua- como mercadorias pela indústria turística e
lidade um intenso investimento econômico hoteleira incipiente e voraz. O artesanato e
e político-cultural. Trata-se do setor terciá- o folclore regional vêm sofrendo o mesmo
rio da economia local de São Luís do Ma- impacto. Promovendo a produção de uma
ranhão2. Nossa atenção aqui recai sobre os nova série de reproduções de imagens e
“usos culturais” dos acervos patrimoniais e objetos de cultura regional, os signos da
museológicos – especialmente os etnográfi- identidade local recebem um tratamento
cos e os folclóricos – agenciados pela indús- mais moderno. Trata-se na verdade de uma
tria turística e hoteleira recentemente im- re-leitura tecnologicamente sofisticada e de
plantada nesta parte do País. No sentido de uma apropriação dos signos e símbolos cul-
propor uma reflexão etnológica sobre estes turais – tanto os bens culturais populares
fenômenos, escolhemos caracterizar suma- marginais6 como os integrados ao Panteão
riamente o modelo clássico de preservação Tradicional Maranhense7.
de objetos e coleções representado na No que tange mais diretamente ao Cen-
equação museu-monumento-patrimônio3. tro Histórico da capital, temos alguns mu-
Este modelo, aqui caricaturado grosso mo- seus tradicionais como o Museu Histórico e
do, é o que tem predominado, mesmo de Artístico, o Museu de Artes Sacras, o Mu-
maneira precária, na museologia provin- seu de Artes Visuais, Centros de Folclore e
ciana do Maranhão. As características des- Arte Popular, entre outros. Todavia, estes
te modo de fazer e conceber museus são lugares da memória sacralizada funcionam
bem conhecidos de todos nós, mas é inte- de forma precária e sem regularidade na
ressante sublinhar alguns pontos para que produção de novas exposições ou pesquisa
possamos vislumbrar as alternativas possí- propriamente dita. Mais recentemente sur-
veis a este modelo, que se esgota a cada dia. giram a Casa do Maranhão, o Museu Histó-
Em poucas palavras, trata-se de um proce- rico Natural, Arqueológico e Paleontológico,
dimento museológico conhecido, o qual a além de novos lugares de comercialização
população em geral resume numa frase de artesanato e especiarias regionais, como
simples: o museu é “um depósito de coisas o Mercado das Artes. Todos seguem o mo-
velhas”. delo referido reproduzindo a mesma con-
Como é sabido de todos, não temos na cepção museológica. Contudo, deve-se res-
América Latina uma cultura museológica saltar que estes novos estabelecimentos
nos mesmos moldes que nos países da Eu- incorporam novas linguagens, mais sofisti-
ropa e da América do Norte. Nestas nações cadas, usando de suportes tecnológicos para
os museus fazem parte do cotidiano das um processo efetivo de espetacularização
pessoas, estão integrados aos sistemas edu- dos recursos turísticos dessa região do País.
cativo, recreativo, moral e econômico. Entre
nós raramente vemos algo semelhante ou Desafio do Investimento Museológico nas
que tenha tal alcance social4. Subjetividades Populares
Desponta como novidade na repetição do
esquema de percepção museu-monumento- É nesse contexto que propomos algumas
patrimônio, o surgimento de novos lugares interrogações concernentes ao campo do
onde se guardam objetos e coisas da cultu- patrimônio e da museologia contemporâ-
ra, da culinária, do artesanato e do folclore. neos. Numa pletora de significantes cultu-

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rais plurais, excesso transbordante de refe- tísticas da realidade social. E como foi colo-
renciais étnicos diversificados, pergunto: cado por Davallon e Carrier, em texto in-
como ainda pode se manter hegemônica a formativo sobre as novas práticas museoló-
subjetividade dominante? Será possível gicas possíveis, existe a chance de uma
imaginar novas formas de gestão cultural nova trilha, muito mais interessante e es-
em que as subjetividades marginais possam timulante:
escapar da lógica cultural burguesa? Por Do ponto de vista dos princípios, conclui-
quê num país com tamanha diversidade se que a museologia popular não está diri-
cultural e étnica, as formas de expressão gida aos objetos a conservar ou a exibir a
dos seus diferentes grupos formadores não um público, mas sim aos sujeitos sociais10
são objeto efetivo de um investimento cole- (Jeudy, 1990: 31).
tivo nas memórias sociais plurais?
Na primeira tentativa de responder a Museologia Etnológica Regional Não-
estas perguntas vamos às fontes e aos clás- Exótica
sicos da sociologia e antropologia brasilei-
ra8, neles encontramos as análises clássicas O ponto crítico desta reflexão se funda
da mestiçagem e do sincretismo cultural na possibilidade futura de uma museolo-
brasileiro. O que tem implicado um cruel gia dirigida aos sujeitos sociais. Pensa-
apagamento e esquecimento das singulari- mento que emerge inspirado numa nova
dades e particularidades culturais da reali- etnologia não-exótica e não-colonialista
dade brasileira e latino-americana. Pode se (Jeudy, 1990). Um novo modo de pensar
dizer que os clássicos têm se limitado a museus em que as mentalidades, as ma-
descrever as estratégias da “ideologia do neiras de sentir e de agir – para além
branqueamento”. Entretanto, estes cânones dos objetos, coleções e edifícios – tornam-
não têm conseguido responder as interro- se foco de uma investigação museológica
gações mais profundas do dilema social e patrimonialista criativa e transforma-
brasileiro. O problema é bem mais com- dora. Pois, a conservação e a preservação
plexo, pois emerge num contexto contem- natural e cultural só adquirem sentido
porâneo novo e mutante chamado globali- no cumprimento de uma integração, isto
zação. é, da inserção concreta do sistema de
No que se refere mais propriamente a museus no contexto econômico e sócio-
pesquisa dos patrimônios e dos acervos cultural mais amplo.
museológicos, somam-se, àquelas indagaç- Percebemos que o museu tradicional
ões anteriores, outras, ainda mais instigan- perde cada vez mais seu significado polí-
tes: de que maneira o social pode ser objeto tico habitual e eventual. Transforma-se
de museologia? Quais são as formas reno- gradualmente, sob o impacto da globali-
vadoras possíveis à museologia dominante? zação atual, num centro onde se exprime
Podemos falar de uma museologia popular a dinâmica social de grupos que traba-
alternativa, capaz de dar conta de um tra- lham sobre a identidade, a filiação e a
balho coletivo de investimento nas memó- legitimidade, utilizando a memória e o
rias sociais e naturais9 dos grupos popula- passado como “motores” de tal reflexão.
res negligenciados pela museologia tradi- Objeto cultural polimorfo, o social po-
cional? É viável propor uma nova gestão de se prestar então a todas as manipula-
política do teatro das memórias sociais re- ções de sentido (Jeudy,1990: 32).
gionais e nacionais? Como pensar num in- Como exemplo de um trabalho social
vestimento coletivo nos sujeitos sociais a de gestão do patrimônio numa lógica não
margem da lógica cultural burguesa? clássica, temos o Écomusée de la Maison
Vislumbramos como campo de reflexão du Fier-Monde de Montreal no Canadá:
emergente neste domínio o surgimento de Esse ecomuseu foi implantado no
uma nova etnologia regional que investigue bairro centro-sul, um dos bairros mais
as transformações locais dos paradigmas pobres da metrópole, e sua intenção é
globais de ação cultural. Através de um fazer da preservação do patrimônio um
trajeto interpretativo e crítico, que passa instrumento de educação e de ação cole-
pela antropologia simbólica contemporânea, tiva, criando assim um espaço que servi-
se pode ir para além das constatações esta- ria de lugar de encontro para reuniões de

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todo tipo. Portanto não se trata mais da ção patrimonial e museológica radical,
cultura técnica, nem de uma conservação isto é, uma nova paidea, uma nova peda-
museográfica de objetos ou de documen- gogia das viagens pelo país e pelo mun-
tos. Pesquisa e exposições são realizadas do:
a partir de uma tentativa de tornar atual Essa pedagogia parte muito natural-
e viva a história do bairro. Esforços de mente da cultura vivida, isto é, do con-
animação cultural preparam e prolon- junto de conceitos, atos e acontecimentos
gam as exposições construídas com habi- da vida cotidiana, e num marco tridi-
tantes do bairro que, na sua maioria, são mensional, isto é, o espaço, o tempo e o
operários (Jeudy, 1990: 33). contexto social. A ação cultural acha-se
O referido ecomuseu, como se pode voltada para problemas reais de traba-
perceber, apresenta-se como um centro lho, habitação, lazer, família, vida grupal
de interpretação da vida, da cultura e da etc., e deve enfocar também os problemas
tecnologia operárias: algo sem preceden- existenciais (Binette apud Jeudy, 1990:
tes no contexto regional maranhense. 34).
Esse eco-museu canadense passa a ser
uma espécie de centro “motor”11, que se Novos Patrimônios e Novos Museus
quer “museologia comunitária” e que se
propõe uma missão. Para os autores des- Das nossas pesquisas em São Luís do
te projeto, é preciso pôr fim a ideologia Maranhão percebemos que amadurecem
segundo a qual existe uma cultura uni- cada vez com maior intensidade novos
versal, que agrupa a todos sem frontei- pontos de referência cultural coletivos.
ras de classe ou cultura 12. É um projeto Apesar de vivermos um contexto político
militante, engajado, que não esconde e econômico nacional e latino-americano
suas ambições de uma revalorização das muito complexo; novas esperanças têm
culturas de classes sociais subalternas e se sedimentado no campo das políticas
dominadas, opondo-se a museologia bur- culturais desde a Constituição Federal
guesa passiva e consumista. de 1988 (Corrêa, 2003). Em lugar de
Vê-se então que o social é com isso to- morrerem nos seus cantos abandonados
talmente investido aí, tornando-se o ob- com suas lembranças pessoais, suas ale-
jeto absoluto das ações culturais. O cha- grias e tristezas, os habitantes de bair-
mado ecomuseu preocupar-se-á doravan- ros urbanos e rurais, vizinhanças de
te com o bem-estar dos residentes, mora- parques e de monumentos, de terreiros e
dores e habitantes. Preocupar-se-á com a de vilas, etc., começam a partilhar suas
vizinhança e com os pontos de referência memórias e a assumir as relações que
coletivos, e não mais com o futuro de um estas possam ter com o tempo presente.
“novo” turismo cultural ansioso por com- As ruínas da sociabilidade estão postas
preender as transformações de um bair- como novas apostas coletivas – aquelas
ro, ou sítio histórico, expressão de uma “velhas e amareladas cartas” – e dessa
vã curiosidade. Não é que este novo tipo redistribuição caleidoscópica ao infinito
de prática e empreendimento seja finca- nasce a troca comunitária museal em
do num princípio “romântico” ou “utópico que se pretende abolir a alienação siste-
anti-capitalista”, que nega a mercadoria- mática (Jeudy, 1990).
turismo, mas, pelo contrário, por que Trata-se, sem dúvida, de um desafio
acredita que o próprio turismo há de se lançado contra essa negação e esse es-
transformar num produto de qualidade magamento produzido pela cultura bur-
nova, no qual as viagens ganham sentido guesa dominante. O programa é de longa
como viagens de aventura, de fruição data: difícil e repleto de idas e vindas.
quase filosófica: viagens de troca simbó- Muitos começos e re-começos irão se re-
lica que não sejam fruto da ansiedade petir, muitas alegrias e frustrações vão
consumista vazia e niilista. O turismo se revezar: nem todas as sementes,
cultural não pode ser uma pílula exótica mesmo que boas, germinam. O certo é
para aplacar o tédio da padronização que o reconhecimento dessa força latente
sufocante das contemporâneas ditas pós- de uma vida social reencantada não tem
modernas. Daí defendermos uma educa- mais fim, e, quem sabe, poderão continu-

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ar presentes nas animações culturais do e da natureza surgem num contexto de


futuro. resistência das identidades culturais nacio-
Percebemos que o desejo de retomar nais e regionais, frente a um processo de
uma forma simbólica da troca aparece homogeneização planetário avassalador,
claramente na maneira pela qual os ha- chamado globalização, que tem colocado em
bitantes de uma região se reúnem, discu- risco diversos acervos ainda não inventa-
tem, intercambiam documentos e proje- riados pelas instituições oficiais e não-
tos para transcrever e inscrever os traços oficias de pesquisa. Novos museus e novos
da memória coletiva. Para além do cui- lugares para as memórias plurais convidam
dado em preservar as identidades cultu- ao desafio de repensar e inaugurar novas
rais ameaçadas de desaparecimento, se perspectivas e vertentes para a patrimonia-
manifestam desejos ainda impotentes – lização e promoção das diferenças culturais
posto que presa das armadilhas da con- e étnicas na sociedade brasileira e latino-
servação – de recuperar a vida social e americana.
afetiva em práticas simbólicas autenti-
cas13. Por trás das representações da Política Cultural em Perspectiva
memória coletiva estabelece-se à vontade
de restabelecer verdadeiramente moda- Por fim, arriscamos colocar alguns pon-
lidades de troca que foram e que ainda tos a cerca de uma possível política cultural
estão sendo destruídas14. como exercício de política pública emanci-
Em suma, pretendemos aqui enfocar cri- patória e autonomista15. Ao tentar enfocar
ticamente o modelo clássico de preservação a problematização de temas específicos em
de objetos e coleções – expresso na conheci- política cultural, privilegiamos o foco nas
da equação museu-monumento-patrimônio memórias sociais e nas políticas do pa-
– no diálogo político com as formas de sub- trimônio implementadas em São Luís16.
jetividade contemporânea. Esse trabalho se Porém, isto é mais do que certo, antes de
dá num novo contexto sócio-cultural em que apresentar soluções, a política cultural deve
emergem novas séries de objetos e coleções tratar de construir problemas17.
expressando novas subjetividades que dis- De um modo direto cabe ressaltar que as
putam a cena patrimonialista atual. A re- soluções devem ser buscadas pelos próprios
flexão desenvolvida percorre o trajeto da “sujeitos” das políticas culturais – que têm
lógica da preservação do objeto antigo à seu papel a representar também no equa-
construção do espaço museal da memória cionamento dos problemas pertinentes. A
do presente. Cotidiano e alteridade em diá- construção de um problema nesta área do
logos transversais colocam em questão o conhecimento é já o passo necessário para
modelo estabelecido de fossilização do vivi- resolvê-lo e esse passo cabe à política cultu-
do. ral. Em outras palavras, a política cultural
Através de uma etnologia regional não- assume sua expressão máxima na figura da
exótica novos objetos e coleções marginais ação cultural, entendida como a criação das
emergem subvertendo a lógica cultural condições para que os indivíduos e grupos
dominante. Faz-se necessário, em alguns criem seus próprios fins emancipatórios
casos, um trabalho terapêutico da memória. (Coelho, 1999, 2001).
Este trabalho invoca uma outra cena, uma Nas nossas pesquisas temos tentado
nova cenografia da sociabilidade. Nesse analisar as transformações recentes que
caminho, talvez resulte uma nova gestão a noção de patrimônio tem sofrido na
política do teatro das memórias, desenca- sociedade brasileira contemporânea. Ge-
deando um novo processo de investimentos ralmente associada a um significado eco-
nas heranças bio-culturais populares. O nômico e quase sempre a disputa por
espírito deste trabalho, portanto, se funda espólio ou herança familiar – passando
no princípio constitucional em vigor que é o pelo significado jurídico ligado a propri-
de promover uma verdadeira cidadania edade ou conjunto de bens e valores de
cultural, com a inclusão social de todos os diferentes instituições sociais – a noção
grupos humanos numa sociedade mais de- de patrimônio se expandiu na sociedade
mocrática e plural. ocidental para área artística e arquitetu-
Nesse sentido, os novos museus do social ra, desenvolvendo-se intimamente vincu-

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lada à idéia de monumento histórico. ria social em nosso País.


Atualmente observamos metamorfoses
que alastram ainda mais o domínio desta Referências
noção, ao menos no contexto dos idiomas
neo-latinos. Percebemos seu uso difun- Azevedo, Fernando de.
dindo-se por diversas áreas do conheci- 1971. A cultura brasileira. Ed. Universi-
mento humano, como a genética, a ciên- dade de São Paulo. São Paulo.
cia, o meio ambiente, a linguagem, o fol- Buarque De Holanda, Sérgio.
clore, os conhecimentos tradicionais e 1995. Raízes do Brasil. São Paulo: Com-
assim por diante. Considerando o vasto panhia das Letras.
domínio que a noção hoje abarca, tenho Castro Maya, Raymundo Ottoni de.
procurado através de uma perspectiva 1967. A floresta da Tijuca. Rio de Janei-
antropológica, compreender as transfor- ro: Bloch.
mações desta noção especificamente no Castoriadis, Cornelius.
meio popular, isto é, perceber como a 1992. As encruzilhadas do labirinto III: o
população tem representado estas mu- mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz
danças e como tem assimilado as varia- e Terra.
ções semânticas e políticas. 1998. A autonomia em política. In, Margem
O foco principal da análise é o geren- N. 7, São Paulo, PUC. Agosto de 1998.
ciamento político e administrativo na 2002. As encruzilhadas do labirinto IV: a
área preservacionista regional da cidade ascensão da insignificância. Rio de Ja-
de São. Cumpre afirmar que esta pesqui- neiro: Paz e Terra.
sa não se limita apenas a mais uma in- Coelho, Teixeira.
terpretação dos significados populares da 1999. Dicionário crítico de política cultu-
noção de patrimônio cultural ou coletivo ral . São Paulo: Iluminuras.
– tema intimamente vinculado ao grande 2001. O que ação cultural?São Paulo:
tema da cidadania cultural, dos direitos Brasiliense.
culturais e dos direitos difusos, promovi- Corrêa, Alexandre Fernandes.
dos após a Assembléia Constituinte de 2003. Vilas, parques, bairros e terreiros:
1988. O trajeto político desta pesquisa novos patrimônios na cena das políticas
implica num engajamento efetivo e pro- culturais de São Luís e São Paulo. São
positivo no ambiente social e cultural Luís: EDUFMA.
local. Ferretti, Sergio F.
Levando-se em conta a possibilidade 1998. O futuro do tambor de mina no ma-
uma ação-cultural prospectiva, consta- ranhão. VIII Jornada sobre Alternativas
tamos a necessidade emergencial de se religiosas na América Latina. ST03 “Os
articular um novo investimento coletivo afro-brasileiros”. São Paulo.
nas memórias sociais, especialmente as Freyre, Gilberto.
que estão marginais à lógica cultural 1972. Casa Grande & Senzala. Rio de Ja-
dominante18. O cenário geral que se es- neiro: Record.
boça hoje, apesar de repleto de confor- Jeudy, Henri-Pierre.
mismos de toda ordem, parece demandar 1990. Memórias do social. Rio de Janeiro:
um debate franco sobre um novo geren- Forense.
ciamento político do teatro das memó- Lévi-Strauss, Claude.
rias, tanto naturais como sociais. O di- 1975. Antropologia estrutural. Rio de Ja-
lema da exclusão e da inclusão da maio- neiro: Tempo Brasileiro.
ria da população no processo social re- 1976. Antropologia estrutural dois. Rio de
percute inevitavelmente nas políticas de Janeiro: Tempo Brasileiro.
preservação e promoção dos valores cul- Menezes, Ulpiano T. Bezerra de.
turais nacionais e regionais. Deste modo, 1996. Os “usos culturais” da cultura. In,
adentrando no domínio mais específico IAZIGI, E. (Org.) Turismo: Espaço, Pai-
da política cultural, nos propusemos aqui sagem e Cultura. São Paulo: Huci-
a estimular uma reflexão crítica e demo- tec/FINEP.
crática sobre as políticas públicas na Moreno, Júlio.
área do patrimônio cultural e da memó- 1996. Memórias de Armandinho do Bixi-

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ga. São Paulo: SENAC.


Museu das Crianças. floresta da Tijuca na região metropolitana do
1994. Associação Acordar História A- Rio de Janeiro.
dormecida. Lisboa: Loures.
Ribeiro, Darcy. 10 Davallon, Jean e Carrier. La Société des
1995. O povo brasileiro. São Paulo: Com- musées québécois. Musées, 8:29-31, primavera
panhia das Letras. de 1985.

NOTAS 11 Idéia que lembra muito as propostas de


arte-ação de Mário de Andrade (Coelho, 1999,
1
Texto originalmente apresentado na XXIIIª 2001).
Reunião da Associação Brasileira de Antropo-
logia. Gramado-RGS-2002. Fórum de Pesqui- 12 No Brasil podemos citar o trabalho em tor-
sa: Objeto, coleções, museus e formação da no das Memórias de Armandinho do Bixiga
subjetividade. (Moreno, 1996) e em Portugal a proposta do
Museu das Crianças (1994).
2
O Centro Histórico de São Luís foi inscrito
na Lista do Patrimônio Cultural da Humanida- 13 Lévi-Strauss no seu livro Antropologia
de no ano de 1997, a partir desta data se inten- Estrutural I coloca em destaque o que designou
sificaram os investimentos nesta parte da cida- como as Missões Próprias da Antropologia.
de. Neste texto, intitulado O lugar da antropologia
nas ciências sociais e problemas colocados por
3 Modelo patrimonial que se desenvolveu no seu ensino (Unesco-1954) o autor estabelece
Brasil sob o lema da política da pedra e cal que a tarefa do antropólogo é “reconhecer e
desenvolvido pelo IPHAN desde 1937. isolar níveis de autenticidade” (1975: 408-9).

4 Podemos destacar, no entanto, exceções 14 O recente processo de tombamento da Casa


como o Museu Histórico Nacional e o Museu das Minas ilustra este pensamento. Como re-
Paulista (ou do Ypiranga), que têm desenvol- gistrou Sérgio Ferretti: “As vodúnsis... não
vido trabalhos pedagógicos de longa data. querem que a Casa se acabe. Dona Amância
reclamava que havia pessoas querendo trans-
5 Para Lévi-Strauss estes centros e casa de formar... em Terreiro de Umbanda. No passa-
cultura nada mais são do que álibis para a do, as velhas falavam que, quando não houves-
destruição do meio ambiente promovida pela se mais ninguém, a Casa ficaria para o Estado
civilização urbana (1976: 291). e viraria Museu. Também... nos disseram que
as antigas combinaram entre a Casa das Minas
6 Os bens culturais aqui designados “marginais e a de Nagô, se uma delas fechasse, a outra
populares” incluem os bens produzidos pelos cuidaria das coisas” (1998: 278).
indígenas, negros, grupos de imigrantes e po-
pulares propriamente ditos: operários, campo- 15 Ver os trabalhos de Castoriadis, especial-
neses, etc. mente o texto A Autonomia em Política (1998)
e a série de textos que compõem As Encruzil-
7 Constituído principalmente pelos herdeiros hadas do Labirinto (1992, 2002).
da aristocracia luso-brasileira escravocrata,
que forjaram a mitologia da Atenas Brasileira 16 Deve-se lembrar que há 10 anos que não se
através dos vultos poéticos, literários e intelec- tem uma política cultural articulada e geren-
tuais. ciada por um Conselho de Cultura legitimo e
democrático.
8 Gilberto Freyre (1972), Fernando de Azeve-
do (1971), Darcy Ribeiro (1995), Sérgio Buar- 17 O Grupo de Pesquisa Patrimônio e Memória
que (1995), ente outros clássicos. do PPGCS/UFMA está empenhado em partici-
par de novas propostas de ação cultural do
9 A importância das memórias da paisagem e Programa de Educação Patrimonial do Núcleo
da natureza é cada vez mais intensificada. Por Gestor da Prefeitura de São Luís. Recentemen-
exemplo, os tombamentos do bairro rural do te realizamos trabalho de coleta de fotos e de
Cafundó em São Paulo; os terreiros de Can- criamos uma Oficina de Fotografia com crian-
domblé em São Paulo, Maranhão, Bahia; e a ças de 9 a 14 anos, moradoras do bairro de

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Desterro e do Portinho, no Centro Histórico da


Capital.

18 Terreiros de Mina, Candomblé e Umbanda;


Bairros Rurais; Vilas Caiçaras; Aldeias Indí-
genas; Remanescentes de Quilombos; Memó-
rias de Imigrantes: p. ex. os sírios-libaneses no
Maranhão e Amazônia. Patrimônios e memó-
rias dos Brasis na História: Crioulo, Caboclo,
Sertanejo e Caipira (Ribeiro, 1995).

Recibido: 25 de agosto de 2005


Aceptado: 1 de diciembre de 2005
Sometido a evaluación por pares anónimos

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