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A R T E E C U LT U R A C O N T E M P O R Â N E A
JUL/AGO/SE T 2021 VOL. 10 N. 51
COMUNIDADES
Xapiri (2012), de Gisela Motta e Leandro Lima
Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra
Bruce Albert
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ANITA EKMAN MAHKU BROOK GARRU ANDREW MIGUEL CHIKAOKA ABEL RODRÍGUEZ
GÊ VIANA JAIDER ESBELL ALINE ROCHEDO PACHAMAMA LABÔ YOUNG GUSTAVO CABOCO
TERRITÓRIO
TERRA DE ARTE,
MEDITAÇÃO
E CONFLITOS: NO SUDESTE
MARABÁ DO PARÁ, O
POTENCIAL DE
UMA CIDADE
PARA ESCREVER
UMA CENA
PULSANTE,
MARISA MOKARZEL
MESMO QUE
INVADIDA POR
ADVERSIDADES E
AGRAVADA COM
O RETROCESSO
POLÍTICO
QUE AFETOU
A CULTURA
BRASILEIRA
Castanheiras de Eldorado dos Carajás (1999), monumento erguido por Dan Baron e
a comunidade local, com 19 troncos da árvore da castanha, no lugar do massacre de
trabalhadores rurais pela polícia em 1996
À esq., o antigo Galpão das Artes de Marabá (GAM), criado em 1997 e hoje vazio;
abaixo, vista e detalhe da instalação Casa Temática: El Dorado (1996),
de Klinger Carvalho, que homenageia as vítimas do massacre de Carajás
PROMOVIDOS POR
KLINGER CARVALHO
E MARCONE MOREIRA
MANIFESTAM-SE SOBRE
AS CRUÉIS ARMADILHAS
QUE GERAM TANTOS
MASSACRES E VARREM
DO SISTEMA DA VIDA OS
QUE SÃO CONSIDERADOS
INDESEJADOS
PERFORMANCE FLUVIAL
O Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais, Tocantina complementa a denominação. A culminância da ação deu-
em 2013, selecionou o Projeto Carajás Visuais -se com a performance fluvial sobre o Rio Tocantins, em que barcos
Entre Rios e Redes, realizado pela empresa Tal- encenaram o movimento da Buiúna, a Cobra Grande. Além da estética
Ensaio Caos, da série Mil [Quase] Mortos (2018)
lentus Amazônia, coordenada por Deíze Botelho. adotada, havia o propósito de refletir sobre os possíveis impactos so-
O projeto previa o intercâmbio e a interlocução cioambientais que grandes projetos, como o da implantação da Hidro-
entre profissionais das artes visuais das regiões via Araguaia Tocantins ou da Hidrelétrica de Marabá, podem causar.
Norte e Sudeste do Brasil. Tinha como proposta a A mostra Onde o Rio Acaba teve como curadoras Camila Fialho, que
cooperação inter-regional entre Marabá e a cida- esteve em Marabá para conhecer os trabalhos dos artistas da região de
de de São Paulo. Foram pensadas e realizadas três Carajás, e Thaís Rivitti, representante do Ateliê 397. A exposição levou
ações: o I Encontro Cultural de Carajás Entre para São Paulo obras de artistas e ativistas culturais do sul e sudeste
Rios e Redes, que aconteceu em Marabá; a resi- paraenses. A intenção era colocar em pauta questões relevantes para a
dência artística de Mauricio Adinolfi (São Paulo), região, como a transformação do Rio Tocantins em hidrovia, visando o
em colaboração com Marcone Moreira, Antônio escoamento de minério. Os eixos curatoriais foram formados por três
Botelho e mais 30 barqueiros da Associação dos palavras-chave: rio, território e exploração. A abertura da exposição é
Barqueiros Marítimos de Marabá; e a exposição acionada, simbolicamente, pela Porteira (2013), obra concebida por
Onde o Rio Acaba, com artistas de Marabá, reali- Marcone Moreira. Nela estão presentes o ato restritivo de permitir ou
zada no Ateliê 397, em São Paulo. proibir entradas e saídas. O campo rural muitas vezes funciona como
BarcoR (2013) foi o nome dado por Adinolfi às território de conflitos de terra, como área de trabalho escravo, como solo
ações desenvolvidas com os barqueiros. Estética de queimadas, de crimes ambientais.
Ausente Presença (2013), díptico fotográfico de Marcone Moreira, com os nomes das 19 vítimas do massacre de Eldorado do Carajás
NOVAS TESSITURAS
Importante perceber a dinâmica das ações, as tra- de terra 11D. A intenção, revestida de humor e ironia, era de que a insta- do Xingu e Tucuruí. A primeira turma de artes da pesquisa, com download gratuito.
mas traçadas que reverberam em novas tessituras lação fosse premiada e as pedras entrassem para o acervo do Arte Pará. A Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Cinthya Marques, fotógrafa, pesquisadora e, desde 2017, professora do
da vida. José Viana, que morou em Marabá, conhe- premiação não aconteceu. (Unifesspa) surge em 2014, e pode-se dizer que o curso de artes da Unifesspa, investiga a trajetória das artes visuais nas
ce a gaúcha Camila Fialho, que decide deixar São O projeto de salvaguarda ficou frustrado, mas não por muito tempo, pois curso está se transformando em polo importante regiões sul e sudeste do Pará. Um de seus projetos, O Nanquim de Ma-
Paulo e morar em Belém. Pouco depois, tornam-se Armando Queiroz, na época diretor do museu Casa das Onze Janelas, fez nessa rede de arte que se está constituindo. Gil rabá – Patrimônio e Memória na Arte de Augusto e Pedro Morbach, tem
parceiros e formam o Duo Raio Verde. A experiên- um gesto afetivo de acolhimento, viabilizando o sonho da dupla. Surgiu, Vieira e Alixa Santos estão presentes desde a cria- como propósito catalogar as obras desses dois artistas, representativos
cia vivida em Marabá os conduzirá à construção assim, a Exposição na Casa: Registro do Presente, concebida como regalo ção do curso. Vieira tem realizado pesquisas sobre de uma técnica que ficou conhecida como Nanquim Amazônico. Cin-
do S11D – Projeto de Salvaguardar Pedras, que saído de uma mineradora para ocupar salas expositivas e depois integrar a arte na Amazônia e dedicado muitos de seus thya ainda dá prosseguimento a mais três iniciativas, entre elas o Proje-
foi apresentado no Arte Pará de 2014. A ideia era o acervo de um museu. O gesto poético dos artistas e do diretor do mu- artigos a Marabá. Desenvolve o Projeto Arquivo to Fotográfico Ver-a-Cidade, que a Galeria de Arte Vitória Barros realiza
transformar uma pedra sem valor monetário em seu permitiu que as pedras fossem salvaguardadas. Digital de Artes e Culturas Visuais na Amazônia desde 2010. Inaugurada em 2002, a galeria tornou-se instituto em 2015.
obra museal, salvaguardada em um acervo. A pe- O sistema de arte que vem se estabelecendo em Marabá repercute em (ACVA), iniciado em 2021. O objetivo é promover Há quase 20 anos funciona como espaço independente, no qual prevale-
dra seria coletada no Complexo Industrial de Ca- outros municípios, como Canaã dos Carajás, Parauapebas, Paragomi- o acesso digital a diferentes coleções e acervos que ce “o espírito colaborativo da comunidade artística local”, de acordo com
rajás, na Serra Sul, mais especificamente na fatia nas, Eldorado do Carajás, Redenção, Conceição do Araguaia, São Félix estarão reunidos em uma mesma plataforma de o site do Instituto de Artes Vitória Barros (IAVB).
as consequências da exploração de minérios. e animal, habitada por povos [...] armados de um saber de experiência
Fiquei impactada com os discursos de abertura feita de um imenso gozo de viver e de uma alegria espantosa, vão se
do evento, proferidos por Evandro Medeiros e convertendo em obsolescências num mundo caduco, cego para a vida,
Ayala Ferreira, representante do MST. Por ter para o humano e para a beleza.
presenciado esses discursos e observado a po-
tência da programação, percebi que Marabá se Mesmo no atual mundo sombrio, demarcado por políticas assassinas.
abria à possibilidade de uma cena artística vigo- Mesmo que nos encontremos diante da ameaça da “queda do céu”, pre-
rosa, construída com valores éticos e estéticos vista por David Kopenawa, acredito que se possa reverter a cegueira e
muito próprios. praticar a beleza.