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AS AVENTURAS DE ELÓI

Nossa caçula disse que no condomínio há um gato chamado Elói, que convive com outros
tantos, de idades e pelagem as mais variadas. Tem um, aliás, que de tão velho parece sempre
mal humorado, isto quando não está a dormir. Tem também uma gata de rua que foi ficando,
arredia como só ela, e até mesmo uma gata de madame, que faz toalete, anda de coleira e
parece entender as ordens que sua dona dispara. Apesar da quantidade, vivem em harmonia, o
que garante noites sem brigas nos gramados ou lamentos nos telhados.

Fiquei curioso sobre Elói e colhi algumas informações, que ora resumo. Elói nasceu na Zona
Nova, último de uma família de quinze filhos. Sua mãe chama-se Eloísa e seu pai é o Calói, o
que explica seu nome.

Saudável, estudou na Escola Borba Gato. Nunca esteve entre os melhores alunos. Não gostava
muito de estudar, mas muito cedo mostrou-se um talento nos esportes. Ganhava na corrida de
José Coelho, de Ademar Mota no salto em distância e até mesmo de Jurema Caco no salto em
altura. Ganhou muitas medalhas na Borba Gato e atualmente é coach numa Acade Mia.

Soube que anda pelo condomínio somente de madrugada porque, durante o dia, além de
trabalhar, dedica-se à organização de um grande evento, que reunirá todos os gatos do litoral
norte: as Eloimpíadas.

Pois o tal do Elói me fez lembrar do legendário Gato Félix, cujas histórias acompanhei com vivo
interesse. Astuto, usava o próprio rabo como ferramenta, fosse um taco de hóquei ou uma
bengala. Também dispunha de uma bolsa mágica, que lhe conferia infinito poder de criação,
traço que o tornava imbatível, por maiores que fossem as confusões em que se metesse. Ao
menino de então, encantava esta coisa mágica, Com astúcia e malandragem, Félix era um
modelo positivo do improviso,da coragem diante de todas as adversidades.

A história do gato Elói foi o sonífero para embalar o sono da nossa caçula, quase minado pelas
risadas abafadas da esposa. Dizer um pouco de bobagem desopila o fígado. Faz bem não se
levar muito a sério e, quem sabe, ouvir um “Tu és meu Helói ...”. O certo é que não resisti ao
cansaço e acabei adormecendo, deitando por terra os planos originais de assistir algum filme
naquela noite de sábado e prosseguir na leitura da autobiografia do Visconde de Taunay.

Na manhã seguinte caminhei à beira mar, respirando fundo, rezando e catando conchas.
Descarto as quebradas ou muito pequenas e admiro a diversidade, cuja amostra se espraia a
cada maré, revelando um pouco do tanto submerso. Na verdade padeci sob as aulas de biologia
no ensino médio, sobretudo pela decoreba. Só gostei das aulas de genética, desvelada por
Gregor Mendel, o monge das ervilhas.

Para identificar as peças coletadas, recorri à rede mundial e talvez tenha identificado algumas
delas, como Olivancillaria vesica vesic, Amiantis purpurata, Laevicardium brasilianum e
Strombus pugilis. Todas têm sua beleza, mas a última delas, além de bela, tem em seu núcleo
uma forma geométrica que remete aos helicóides da engenharia mecânica. A perfeição das
hélices é um convite à milenar pergunta: pode-se imaginar que algo com tamanha
funcionalidade, com propósitos funcionais insuspeitos, possa resultar do acaso, de combinações
aleatórias, de uma sopa de aminoácidos, de um caldo orquestral sem regência?

Minha filha inventou o gato Elói e sobre sua fantasia construí uma historieta que pudesse diverti-
la, com nuances humanos. Gosto de imaginar que noites embaladas pela imaginação terão boa
influência em sua vida, neste mundo não apoiado exatamente sobre o alicerce espiritual.
Imaginar, transpondo o pão-pão-queijo-queijo, é fonte de alegria e de esperança nos momentos
difíceis. De liberdade nos dias que não passam.

Observando as conchas, tendo na retina a paisagem percorrida, tenho a convicção de que é


muito mais fácil acreditar que o gato Elói foi acolhido pela vizinha, que disputa competições e
tem o talento da organização do que descrer de tudo e acreditar que a natureza decorre da
estatística, que tanto poderia ter colocado um chifre nos elefantes ou uma tromba nos bodes.

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