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LYNCH DIPLOMACIA – ORIENTAÇÃO DE ESTUDOS PARA O CACD

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BIBLIOGRAFIA – HISTÓRIA da POLÍTICA EXTERIOR do BRASIL

HPEB5
Conteúdo Programático (Guia de estudos 2011) __________________________
A política externa da República Velha: a obra de Rio Branco; o pan-americanismo;
a II Conferência de Paz da Haia (1907); o Brasil e a Grande Guerra de 1914; o Brasil
na Liga das Nações. Política Externa da Era Vargas (1930 – 1945).

Bibliografia Básica ____________________________________


→CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília:
Editora da UnB, 2008*.
- capitulos: A política exterior da república (1889) ;Rio Branco: prestígio, soberania e
definição do território (1902 – 1912) ; Do apogeu ao declínio da Primeira República : a ilusão
de poder (1912- 1930) ; Transição do período Vargas (1930 – 1945): nova percepção do
interesse nacional.

PEREIRA, Paulo José dos Reis. A política externa da Primeira República e os Estados
Unidos: A atuação de Joaquim Nabuco em Washington. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós-gradução em relações Internacionais da UNESP/ UNICAMPPUC-SP,
São Paulo,2005.
- p. 168 – 189.

*Os textos marcados com asterisco serão a base para o fichamento temático. Os textos
marcados com a seta (→) são imprescindíveis.

Bibliografia Complementar __________________________________


CONDURU, Guilherme Frazão. “O subsistema americano, Rio Branco e o ABC”. In: Rev.
Bras. Polít. Int. 41 (2): 59-82, 1998.

BARACUHY, Braz. “A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo Neoclássico,


Multilateralismo e a Natureza da Política Externa Brasileira”. In: CONTEXTO
INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 28, no 2, julho/dezembro 2006.

GARCIA, Eugênio Vargas. “Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil: Transição de Poder


no Entre guerras”. In: CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 24, nº 1,
janeiro/junho 2002.
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www.lynchdiplomacia.com.br -1-
A Crise da Liga
das Nações de 1926:
Realismo Neoclássico,
Multilateralismo e a
Natureza da Política
Externa Brasileira*
Braz Baracuhy**

“Not a whit, we defy augury; there’s a special providence


in the fall of a sparrow.”
William Shakespeare, Hamlet, ato V, cena II.

Introdução

A Liga das Nações foi, até o momento de sua criação, a mais elabo-
rada tentativa de organizar racionalmente as relações internacionais
a partir de uma instituição multilateral. Como assinala o historiador
Eric Hobsbawm, se a Primeira Guerra Mundial demarca o colapso

*Artigo recebido e aprovado para publicação em maio de 2006. As opiniões expressas neste artigo são de
caráter pessoal e não refletem necessariamente aquelas do Ministério das Relações Exteriores ou do go-
verno brasileiro.
**Diplomata, mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) e em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, Mi-
nistério das Relações Exteriores (IRBr/MRE), professor titular de Teoria das Relações Internacionais no
IRBr/MRE. Foi visiting scholar do Departamento de Relações Internacionais da London School of Eco-
nomics and Political Science (LSE).

CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 28, no 2, julho/dezembro 2006, pp. 355-397.

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Braz Baracuhy

do século XIX, a ordem internacional européia chega ao fim, em seu


sentido clássico, com a Liga das Nações, uma organização internaci-
onal no tabuleiro multilateral, que deveria substituir as dinâmicas de
poder tradicionais no tabuleiro geopolítico. Sua criação refletiu um
desejo profundo de ruptura com o passado europeu da política inter-
nacional.

Ao final da Grande Guerra, o “equilíbrio de poder” tornara-se uma


expressão odiosa. O presidente dos EUA, Woodrow Wilson, chegou
à Conferência de Paz de Paris, em 1919, com seu projeto de uma nova
ordem mundial, baseada na transposição dos valores e princípios do
liberalismo político para o sistema internacional. Com a Liga das
Nações, o direito deveria prevalecer sobre o poder, e os processos de-
mocráticos sobre os aristocráticos na condução das relações interna-
cionais. O “equilíbrio de poder” seria substituído por uma “comuni-
dade de poder”.

O estabelecimento da Liga das Nações ocasionou a coexistência do


velho e do novo na política internacional. Por um lado, os EUA, nova
grande potência do sistema internacional, traziam o idealismo dos
valores liberais que fundavam sua política doméstica para o campo
internacional; por outro, permaneciam em cena as potências européi-
as tradicionais, como a Inglaterra, a França e a Alemanha, habituadas
às práticas da política do poder, desconfiadas dos novos ideais, ciosas
de seus interesses vitais.

Como a política internacional do período, a política externa brasilei-


ra estava igualmente dividida entre o velho e o novo. O Barão do Rio
Branco morreu em 1912, sem assistir ao final do século XIX, cujos
1
ideais de política externa tão bem representou . Em termos gerais, a
atuação do Brasil na Liga deve ser entendida como a primeira grande
questão diplomática depois da morte do Barão do Rio Branco. O re-
gime republicano enfrentava seu batismo de fogo internacional no

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A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

campo das grandes potências, com o desafio de fazer política externa


à sombra do Barão.

Com a nova organização internacional que se criava, dois tabuleiros,


paralelos e superpostos, passavam a existir no sistema internacional.
Acima do tabuleiro geopolítico clássico, no qual as potências euro-
péias praticavam há séculos a política do poder, surgia nova instância
no tabuleiro multilateral. Organização universalista típica do século
XX e dos critérios liberais de política internacional, a Liga das Na-
ções foi expressão do novo jogo multilateral. E a crise do Conselho
da Liga de 1926 pode ser vista como um nítido sinal de vida desse ta-
buleiro multilateral, capaz de exercer influência nas relações geopo-
líticas do tabuleiro tradicional.

Nas análises da crise de 1926, prevalece a tendência entre os historia-


dores a destacar o “fiasco” do Brasil na Liga das Nações (Santos,
2002). Partindo dessa premissa, variam apenas suas causas. Alguns
culpam o presidente Artur Bernardes pelo uso da política externa
como alucinógeno para a política doméstica (Macedo Soares); ou-
tros atribuem responsabilidade à França e à Inglaterra, usando o Bra-
sil para conspirar secretamente contra a Alemanha (Heitor Lyra). O
certo é que tem prevalecido a ênfase no processo de radicalização in-
ternacional do governo Bernardes, que culminaria na crise de 1926,
como definidor da natureza da política externa brasileira no período.
Uma ação externa impulsiva e radical teria resultado no “fiasco” in-
ternacional.

Ao traçar minucioso panorama da participação do Brasil na Liga das


Nações, Eugênio Vargas Garcia (2000:139) aponta o caso de “mis-
perception” do governo brasileiro em suas demandas em Genebra
pelo assento permanente no Conselho, buscando elevar o prestígio
internacional do país, mas superestimando “as possibilidades de su-
cesso de sua aspiração”. Stanley Hilton (1980) debruça-se também
sobre as atitudes do presidente Bernardes, intransigente na política
externa em razão das pressões domésticas que sofria da oposição.

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Braz Baracuhy

Clodoaldo Bueno compartilha a tese de Hilton e assinala o caráter


instrumental da política externa “bonapartista” de Bernardes, servin-
do como fonte de prestígio e legitimidade doméstica para um gover-
no impopular (Cervo e Bueno, 2002). Em exceção à tendência, Nor-
ma Breda dos Santos (1996) procura entender a crise a partir da con-
figuração geral da política internacional, inserindo, nesse contexto
mais amplo, os aspectos domésticos que caracterizavam a ação ex-
terna do Brasil à época.

O exame da crise de 1926, dentro do marco teórico das Relações


Internacionais, sugere um processo mais amplo e complexo em cur-
so no sistema internacional. Não parece ter sido o “prestígio” ou o
“bonapartismo” o caráter essencial da política externa brasileira no
período; tampouco o fiasco absoluto seu resultado. Seria uma inter-
pretação estrita inferir-se de uma crise a natureza da política externa
de um país.

Se for certo que as motivações do presidente Bernardes – sua perso-


nalidade, os constrangimentos domésticos de seu governo –, assim
como as posições de seu inexperiente chanceler, o jornalista Félix
Pacheco, tiveram papel no desenrolar da crise de 1926 e devem ser
consideradas nas explicações sobre a política externa do período, a
política internacional deve ser o ponto de partida. Somente com a
compreensão das dinâmicas por posições de poder no sistema inter-
nacional da época pode-se vislumbrar como as elites de política ex-
terna percebiam tais movimentos, definiam seus interesses e traça-
vam suas estratégias.

O objetivo central do presente estudo é fornecer, a partir da teoria in-


ternacional fundamentada na história, um exame dos processos em
curso na política internacional pós-Versalhes que conduziram à crise
de 1926, uma visão das percepções, objetivos e estratégias de elites
diplomáticas e, em especial, uma perspectiva sobre a natureza da po-
lítica externa brasileira. Partindo de análise teórica na tradição do re-
alismo neoclássico, vislumbro a possibilidade de conciliar variáveis

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A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

sistêmicas e domésticas em modelo explicativo. Procuro dar impor-


tância inicial às dinâmicas do sistema internacional do período que,
traduzidas pelas percepções de uma elite nacional e articuladas a
seus interesses e estratégias, explicariam a natureza da política exter-
na brasileira. No processo, tento oferecer contribuição ao debate –
até então restrito a historiadores – sobre o suposto “fiasco” da posi-
ção brasileira na Liga. Creio que, considerando a nova disposição
dos tabuleiros do sistema internacional, tenha sido, no âmbito da atu-
ação externa do Brasil, um “vencer ao perder”, parafraseando o pre-
sidente Artur Bernardes.
Na primeira parte deste artigo, examino questões teóricas relaciona-
das ao modelo de análise desenvolvido dentro da tradição do realis-
mo neoclássico. Na segunda, em aplicação do modelo sugerido, pro-
curo mostrar as dinâmicas de poder no sistema internacional relacio-
nadas à crise de 1926 – o processo geopolítico europeu sobre a “ques-
tão alemã” e o processo multilateral brasileiro, com a busca de um as-
sento permanente no Conselho da Liga das Nações. Examino igual-
mente como a elite de política externa do país percebia a nova ordem
internacional e suas dinâmicas e qual a posição de poder que vislum-
brava para o Brasil nessa ordem. Na conclusão, procuro compreen-
der a natureza da política externa brasileira no período. O episódio de
1926, embora geralmente analisado como uma ação desastrosa da di-
plomacia brasileira, pode ser visto como um sinal dos novos tempos
nas relações internacionais: o jogo complexo de interações entre os
tabuleiros geopolítico e multilateral – e a capacidade de a política ex-
terna brasileira exercer influência nesse novo contexto.

Um Modelo de Análise de
Política Externa no
Realismo Neoclássico

O realismo não é uma teoria. Seria mais exato compreendê-lo como


uma tradição político-filosófica das Relações Internacionais. Essa

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Braz Baracuhy

tradição realista abrange e confere unidade a diferentes teorias, que


procuram oferecer um olhar analítico sobre a realidade internacio-
nal. Os contornos ontológicos centrais do realismo revelam-se na ên-
fase sobre o que dá aos conceitos de poder como elemento regulador
da vida internacional e sobre a anarquia como condição estrutural da
esfera política internacional (Soares de Lima, 2001; Walt, 2002).

Mesmo na tradição realista, a perspectiva epistemológica mais apro-


priada para capturar a realidade das relações internacionais é objeto
de debates, variando desde abordagens “clássicas” (com raízes polí-
tica, histórica, filosófica) a “científicas” (com raízes nos métodos das
ciências naturais). Na tentativa de desenvolvimento de modelos rigo-
rosos para análise das relações internacionais, a teoria da política in-
ternacional concebida por Kenneth Waltz representou ponto de infle-
2
xão . A partir da publicação de Theory of International Politics
(1979), marco do neo-realismo ou realismo estrutural, despontaram,
dentro da tradição realista, vertentes teóricas que buscavam aprimo-
rar e refinar a lógica waltziana.

Na teoria de Waltz, os resultados internacionais derivam de causas


sistêmicas e não, como vislumbrava o realismo clássico, de variáveis
pertencentes ao nível das unidades políticas. Na lógica dedutiva
waltziana, o eixo desloca-se para os efeitos do sistema internacional.
A estrutura do sistema seria composta de três elementos: o princípio
ordenador (a anarquia); a função das unidades (como as unidades são
funcionalmente similares, não teriam papel analítico); e a distribui-
ção de poder entre grandes potências (polaridade). A interação entre
estrutura e unidades se dá em lógica explicativa “descendente”
(top-down). Os resultados internacionais partem da estrutura do sis-
tema.

Nesse sentido, a teoria neo-realista serviria para explicar resultados


internacionais; jamais para entender políticas externas específicas.

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A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

Pressupondo uma constante no comportamento externo das unida-


des no sistema, como maximizadoras de segurança, o resultado in-
ternacional mais significativo que se depreende da teoria waltziana é
a “contraposição de poder” (balance of power).

A teoria da contraposição de poder de Waltz, que prevê padrões re-


correntes de grandes potências contrapondo grandes potências, é a
expressão da estrutura do sistema internacional sobre a política ex-
terna dos Estados. As contraposições de poder teriam caráter não in-
tencional, produto da política internacional (sistema) e não da políti-
ca externa (unidades e seus propósitos). Um corolário do modelo
waltziano é que a pressão da estrutura internacional, a restrição que
impõe ao comportamento das unidades, supera os propósitos gera-
dos internamente pelos Estados – isto é, os propósitos de sua política
externa – na medida em que molda a interação das unidades. De
modo mais amplo, o comportamento agregado do sistema internaci-
onal restringe o comportamento das unidades.

Com efeito, na lógica sistêmica de Waltz, não se faz necessário dotar


a política externa das unidades de interesses diferenciados. Todas
elas teriam, a priori, o mesmo propósito primário: a sobrevivência,
ainda que, a posteriori, seus propósitos pudessem variar, desde a ma-
nutenção de sua posição no sistema até o domínio mundial. Nesse
sentido, o neo-realismo, ao contrário do realismo clássico, considera
que o sistema internacional é composto exclusivamente de Estados
satisfeitos (Schweller, 1996).

A sobrevivência, definida por Waltz como a manutenção da posição


da unidade no sistema, é objetivo primário dos Estados. Esse objetivo
é alcançado pela maximização da segurança. Somente quando a so-
brevivência está assegurada, os Estados podem buscar outros objeti-
vos. A dedução a partir da estrutura anárquica do sistema internacio-
nal waltziano poderia ser vista do seguinte modo:

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Braz Baracuhy

ANARQUIA
9
AUTO-AJUDA
9
SOBREVIVÊNCIA POSICIONAL
9
MAXIMIZAÇÃO DE SEGURANÇA
9
DILEMA DE SEGURANÇA
9
CONTRAPOSIÇÃO DE PODER

Como as unidades são idênticas, todos os Estados estariam dispostos


a assumir custos e riscos altos para manter sua posição no sistema – e
apenas custos e riscos baixos, marginais, para melhorá-la. Por isso,
de acordo com Waltz (1979:126), “(...) a contraposição (‘balan-
cing’), e não a composição (‘bandwagoning’), seria o comportamen-
to induzido pelo sistema”.

Aaron Friedberg (1988:4) corretamente aponta para o risco de toda


teoria estrutural: sua tendência a degenerar em determinismo materi-
al. No modelo waltziano, a política externa aparecerá necessaria-
mente como resposta contrapositiva (por meio de alianças ou de in-
cremento do próprio poder nacional do Estado) a aumentos relativos
de poder na estrutura do sistema. No entanto, nada há de inevitável ou
automático nessa lógica, se considerarmos a percepção e as decisões
dos líderes nacionais na história. Do ponto de vista teórico, a obser-
vação de Friedberg abre espaço para vislumbrar a contingência pró-
pria das decisões de política externa no curso da história internacio-
3
nal .

No debate contemporâneo dentro da tradição teórica realista surgiu


importante conjunto de formulações a partir da década de 1990. Em

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artigo publicado no periódico World Politics, Gideon Rose (1998)


denominou essa vertente “realismo neoclássico”, da associação en-
tre o neo-realismo e o realismo clássico. O realismo neoclássico rein-
troduz a dimensão histórica das relações internacionais (Wohlforth,
1993; Schweller, 1997; Zakaria, 1998). Ressurge a contingência das
decisões de política externa, a escolha dos estadistas em seu tempo e
espaço, em suas circunstâncias políticas e históricas. Como notou
Stephen Walt (2002:210), “(...) enquanto Waltz insistiu que sua teo-
ria não era uma teoria de política externa, a corrente neoclássica da
teoria realista dá menos atenção às propriedades do sistema como um
todo e se concentra primordialmente na explicação das decisões de
políticas externas específicas”.

Os modelos do realismo neoclássico procuram, em princípio, supe-


rar a separação rígida entre os níveis de análise, proposta por David
4
Singer, os quais não se poderiam combinar . Política internacional e
política externa poderiam ser teoricamente integradas em modelos
5
analíticos e tratadas a partir de uma abordagem clássica . Ao contrá-
rio do que informa o neo-realismo, o comportamento atribuído às
unidades pela estrutura do sistema internacional não seria unicamen-
te a maximização da segurança. A posição relativa do Estado no sis-
tema de poder internacional poderá estabelecer o parâmetro inicial
de sua política externa. Mas a tradução das dinâmicas de poder no
sistema internacional em comportamentos de política externa não é
automática. As escolhas passam por variáveis intervenientes, ex-
pressas por certos fatores no nível doméstico das unidades.

Nesse sentido, as ações de política externa decorrem não de maneira


automática das dinâmicas de poder no sistema internacional, mas
passam por filtros intervenientes. No presente estudo, para examinar
o caso específico da natureza da política externa brasileira na crise da
Liga das Nações de 1926, procurarei dar ênfase ao seguinte modelo
analítico:

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Braz Baracuhy

Variável Independente Variável Interveniente Variável Dependente

Percepções
Dinâmicas por e
Posições de Poder nos Grande Estratégia Natureza da
Tabuleiros do Sistema da Política Externa
Internacional Elite da Política Externa

A relação entre essas variáveis indica que a natureza da política ex-


terna pode ser explicada a partir de dinâmicas por posições de poder
nos tabuleiros do sistema internacional. Mas não de modo direto. No
processo, intervêm (i) as percepções de uma elite de política externa
sobre os movimentos de poder internacional e sobre o potencial de
seu país, que dão contornos ao seu julgamento sobre interesses naci-
onais a serem perseguidos; e (ii) a grande estratégia traçada por essa
elite para alcançar a posição de poder que vislumbra para seu país no
sistema internacional.

Sugere-se a hipótese analítica de que o sistema internacional


pós-Primeira Guerra Mundial passou a organizar-se em dois tabulei-
ros, paralelos e interdependentes: o geopolítico tradicional e o multi-
lateral, superposto ao primeiro. A ascensão dos EUA à posição de
grande potência provocou não somente mudanças no tabuleiro geo-
político, mas levou à criação de uma instituição no multilateral, a
Liga das Nações, primeira grande organização política internacio-
nal. A emergência dessa organização no tabuleiro multilateral asso-
ciou-se à presença dos EUA como grande potência e às idéias do li-
beralismo político internacional que passaram a defender e a difundir
para a condução das relações internacionais.

Os dois tabuleiros, paralelos e superpostos, estariam inseridos no sis-


6
tema internacional . Acima do geopolítico tradicional, consolida-se
um multilateral. Com isso, cria-se um jogo diplomático complexo
por posições de poder, com processos em cada um dos tabuleiros e,

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sobretudo, com interconexões verticais entre tais. Dinâmicas de po-


der no multilateral passam a exercer influência considerável no geo-
político.

A avaliação das dinâmicas de poder é essencialmente estratégica.


Para as elites de política externa, isso implica um jogo constante de
percepções relativas, um processo contínuo de avaliação do próprio
potencial em relação ao poder dos demais países, nos movimentos
por posições internacionais. O potencial nacional de um país depen-
de de seus recursos de poder – tangíveis e intangíveis –, de sua estru-
tura doméstica, de sua posição geográfica, de sua experiência históri-
ca. Traduzido em estratégia e canalizado para a política externa, esse
potencial poderá transformar-se em poder efetivo no sistema interna-
cional.

Para compreender a natureza da política externa brasileira na crise da


Liga das Nações de 1926, busco analisar como integrantes da elite de
política externa percebiam tanto os movimentos de poder nos tabulei-
ros do sistema internacional, quanto o potencial nacional do país.
Essas percepções e os objetivos definidos a partir delas se articulam
em uma grande estratégia, que indicaria a posição de poder desejada
pelo país no sistema.

A elite de política externa pode ser entendida, na linha proposta por


José Murilo de Carvalho (1996), pelo critério posicional, isto é, a eli-
te de política externa é constituída pelo grupo restrito de pessoas que
ocupam posições formais de poder, decisivas para a condução da di-
plomacia de um país – presidentes, primeiros-ministros, chancele-
res, embaixadores, dentre outros integrantes do círculo de poder da
7
política internacional .

A grande estratégia de um país deve ser compreendida, em seu senti-


do amplo, como uma concepção geral sobre a posição futura que este
busca no sistema internacional. Tal concepção rege a direção dos ob-
jetivos e das estratégias e táticas diplomáticas, isto é, serve de parâ-

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Braz Baracuhy

metro para os cálculos da relação entre meios e fins na política exter-


na (Kennedy, 1991; Howard, 2001). Como observa Charles Kup-
chan (2002:3), os Estados precisam de “um mapa conceitual do mun-
do e uma grande estratégia dele decorrente, com a finalidade de esta-
belecer uma relação entre seus objetivos internacionais e os meios de
que dispõem para atingir tais objetivos”. A escolha de uma grande
estratégia é resultado de processo decisório, dentro da estrutura polí-
tica doméstica do Estado. Desse processo político, sai vitoriosa de-
terminada percepção do presente, do passado e do futuro no que tan-
ge à posição de poder do Estado no sistema internacional.

A grande estratégia dá forma e sentido aos interesses nacionais que


serão buscados pela política externa. Na ausência de grande estraté-
gia, a política externa torna-se reativa, vagando, sem rumo, em meio
aos eventos e conjunturas internacionais. E não parece ter sido esse o
caso da atuação diplomática brasileira durante os anos que teve por
objetivo claro um assento permanente no Conselho da Liga das Na-
ções.

Desde a preparação para a Conferência de Paz de 1919, o Brasil en-


xergou a oportunidade de ter um lugar reconhecido entre as grandes
potências da nova ordem internacional que se instaurava. Ele partici-
pou da comissão que discutia a estrutura da Liga das Nações, e, nessa
comissão, a atuação da chancelaria brasileira foi de alinhamento au-
tomático aos EUA. À época, essa posição se apresentava quase que
natural à diplomacia brasileira, considerando uma das linhas caracte-
rísticas herdadas da chancelaria do Barão do Rio Branco: a inaugura-
ção do chamado “paradigma americanista” da política externa brasi-
leira8.

Em fevereiro de 1919, o Projeto de Pacto da Liga das Nações estava


concluído. A cúpula da organização seria o Conselho Executivo, for-
mado por cinco potências permanentes (EUA, Inglaterra, França,

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Itália e Japão) e quatro não permanentes (com apoio dos EUA, o Bra-
sil é escolhido, ao lado da Bélgica, da Grécia e da Espanha).

O fato de o Brasil compartilhar, em um primeiro momento, as posi-


ções dos EUA em relação à importância da Liga e de reconhecer o
prestígio da organização na política internacional não deve ser visto
de maneira estática. Progressivamente, a busca por posição de poder
central na Liga consolidou-se, tomou feição de interesse estratégico
do país. À medida que avançava o jogo internacional e se moldavam
as percepções das elites nacionais sobre o papel da Liga na nova or-
dem e sobre sua importância para a conquista de posição entre as
grandes potências, a política externa brasileira revelava sua natureza
de “status quo”, de conquista incremental de poder dentro da ordem
existente, como a define Hans Morgenthau.

Analisando a natureza de políticas externas, isto é, sua essência em


certos momentos históricos, Morgenthau toma em conta as ações de
política externa em relação à ordem internacional. Desse modo, será
considerada uma política externa de “status quo” aquela que busca
ou manter as posições de poder, ou ajustar as posições de poder den-
tro do marco de uma dada ordem internacional. Em contraste, a polí-
tica externa revisionista, que busca alterar a ordem internacional, o
“status quo” existente, e impor uma ordem alternativa, será conside-
rada de “imperialismo” (Morgenthau, 1985:53, 56, 58). A política
externa brasileira do período buscará ajustes de sua posição de poder
dentro do quadro da própria ordem internacional, que tinha a Liga
das Nações em seu centro: um ajuste do status de “membro temporá-
rio” a “membro permanente” do Conselho da Liga.

Nessa perspectiva, o Conselho da Liga afigurava-se como centro hie-


rárquico de poder na nova organização internacional, e seus assentos
permanentes deveriam assegurar, quase que automaticamente, a
condição de grande potência na nova ordem internacional.

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Braz Baracuhy

A crise da Liga das Nações de 1926 deve ser entendida a partir do


choque de dois longos processos da política internacional, nos tabu-
leiros geopolítico europeu e multilateral da organização. Movimen-
tos por posições de poder em um dos tabuleiros passavam a influir
nos processos do outro. Nessa dinâmica internacional, o privilégio
dado ao tabuleiro multilateral e a experiência histórica do legado di-
plomático brasileiro condicionavam as percepções dos líderes nacio-
nais, davam parâmetros a seus interesses, suas decisões estratégicas e
táticas para a política externa. A política externa brasileira de “status
quo” buscava ganhos de poder na nova ordem, que parecia destinada
a reger o futuro das relações internacionais – e não contestar a ordem
ou demonstrar gratuitamente certo poder de que não dispunha. Nessa
busca, longe de representar um “fiasco” total, o episódio de 1926 sig-
nificou uma vitória – ainda que efêmera – do multilateralismo nas re-
lações internacionais.

Posições de Poder,
Percepções e Estratégias no
Sistema Internacional

A decisão tomada pela diplomacia brasileira, em 17 de março de


1926, de vetar a entrada da Alemanha na Liga das Nações terá pareci-
do absurda a seus contemporâneos. O Conselho da Liga das Nações
reunira-se naquele dia, em sessão secreta, para confirmar a Alema-
nha como membro permanente do Conselho. A votação seria mera
9
formalidade. Desde os Acordos de Locarno , a Europa parecia ter
entrado em nova era de cooperação. As rivalidades do pós-Grande
Guerra pareciam ter-se exaurido e, como conseqüência, nada mais
natural do que a participação da Alemanha como potência legítima
na ordem internacional. E, no entanto, o representante permanente
do Brasil em Genebra anunciava que seu país vetaria a proposta.

O veto brasileiro, que tornou insustentável a permanência do país na


Liga das Nações, foi o choque de longos processos. Há anos o Brasil

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A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

vinha seguindo sua agenda em Genebra com vistas à obtenção de


uma cadeira permanente no Conselho, assim como, em outro senti-
do, as potências européias discutiam o destino da Alemanha.

A crise, porém, foi reveladora sobre o funcionamento desse tabuleiro


do sistema internacional que começava a ganhar relevo no início do
século XX – o multilateral – e suas implicações para os arranjos clás-
sicos no tabuleiro geopolítico, a cujo funcionamento autônomo e ir-
restrito estavam acostumados os líderes das potências européias. O
fato de a decisão do Brasil no plano multilateral ter barrado, ainda
que momentaneamente, interesses vitais das potências européias no
plano geopolítico é paradigmático de uma nova era que se iniciava
nas relações internacionais. Nessa perspectiva, não importa que o
sistema de segurança coletiva da Liga tenha fracassado mais tarde ou
que a própria crise de 1926 já revelasse falhas desse sistema; importa
sim destacar a existência do tabuleiro multilateral na política interna-
cional, em cujos processos uma potência como o Brasil da época po-
deria ter peso significativo, exercendo influência nas relações tradi-
cionais do tabuleiro geopolítico das grandes potências.

Como analisou o historiador Chris Leuchars, a crise do Conselho de


1926 deve ser entendida em dois âmbitos, como o choque entre dois
processos distintos e independentes que se encontram no sistema in-
ternacional: de um lado, a questão da segurança européia e da entrada
da Alemanha na Liga das Nações (no tabuleiro geopolítico); de ou-
tro, a culminação dos esforços brasileiros em obter um assento per-
manente no Conselho (no tabuleiro multilateral). A imagem de Leu-
chars (2001) é elucidativa: eram dois navios navegando em curso de
colisão em um nevoeiro, com suas tripulações preocupadas exclusi-
vamente com suas respectivas casas de máquinas. Quando se deram
conta, foi impossível evitar a colisão.

Mas, para compreender a natureza da política externa brasileira no


processo que culminou com o veto de 1926, torna-se indispensável
examinar as percepções da elite diplomática sobre o que estava em

369
Braz Baracuhy

jogo nos tabuleiros do sistema internacional e sobre o potencial do


país para consecução dos interesses nacionais. Para o Brasil, contava
a percepção de que o processo multilateral na Liga das Nações era
definidor do futuro das relações internacionais e, por extensão, deci-
sivo para a posição de poder a que aspirava na nova ordem que se for-
mava.

O processo europeu no
tabuleiro geopolítico:
“a questão alemã”

A política internacional na Europa, as dinâmicas de poder envolven-


do potências européias no tabuleiro geopolítico do pós-Grande Guer-
ra, tinha, por pano de fundo, o chamado “problema alemão”: “Se esse
fosse resolvido, tudo estaria resolvido; se permanecesse sem solu-
ção, a Europa não conheceria a paz” (Taylor, 1996:40).

A segurança no continente europeu estava no cerne da “questão ale-


mã”. Os principais atores envolvidos eram o Reino Unido, a França e
a Alemanha. O temor que a Alemanha despertava na França ainda es-
tava aceso. No curto espaço de menos de cinqüenta anos, o território
francês fora invadido duas vezes, alterando fundamentalmente o
equilíbrio geopolítico europeu. A França passou a agir segundo o que
Henry Kissinger (1994) denominou de “política externa do desespe-
ro”, usando todos os expedientes, inclusive o Tratado de Versalhes,
para impedir o desenvolvimento germânico. Em poucos momentos
da história, a segurança e a proteção foram buscadas de forma tão ob-
sessiva. A Linha Maginot representa o ápice da postura defensiva
francesa, a expressão geopolítica de sua experiência histórica. O pró-
prio sistema de segurança coletiva da Liga das Nações, na percepção
dos líderes franceses que viveram a guerra, deveria ser um mecanis-
mo direcionado contra a Alemanha, ou, na melhor das hipóteses, ca-
paz de contê-la.

370 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

As perspectivas francesas de contar com alianças defensivas eram


pouco promissoras. Por sua própria posição geográfica, a Inglaterra
possuía uma definição de segurança distinta daquela buscada em ter-
mos absolutos pela França. Mas não interessava à Inglaterra se isolar
dos assuntos continentais. A paz européia e a conciliação faziam par-
te da definição dos interesses britânicos, sobretudo em uma época em
que as pressões populares pelo pacifismo ecoavam no Parlamento.
Os líderes britânicos estariam dispostos a cooperar com a França,
mas não a subscrever todas as invectivas francesas contra a Alema-
nha. Depois da Primeira Guerra, por razões psicológicas e materiais,
a capacidade política da Inglaterra de se contrapor à Alemanha em
conjunto com a França era limitada.

A Leste, a França já não podia contar com uma aliança com a Rússia
para dissuadir eventuais atos de agressão da Alemanha. Os destinos
da Revolução Bolchevique eram incertos. As derrotas sofridas pela
Rússia czarista até sua implosão com a Revolução de 1917 pareciam
tê-la condenado, aos olhos dos estadistas europeus, ao ocaso de sua
posição de grande potência. A garantia da independência da Polônia
e a criação de novos Estados-nação criaram um “cordon sanitaire”
que isolaria a Rússia da geopolítica européia. Na ausência da Rússia,
imaginou Georges Clemenceau, a garantia francesa contra a agres-
são alemã estaria ao Leste na Polônia e na Tchecoslováquia.

O Tratado de Rapallo (1922) entre a Alemanha e a Rússia normaliza


suas relações bilaterais, mas, contribuindo para a percepção de inse-
gurança da França, os dois países passam a considerar a Liga instru-
mento dos vencedores para perpetuar desigualdades de poder.

À medida que aumentavam os problemas políticos e econômicos do-


mésticos na Alemanha, cresciam os ressentimentos em relação ao
Acordo de 1919. A França superou Waterloo, pois se viu integrada ao
sistema internacional como potência legítima – afinal, a França não
era Napoleão, como entenderam os estadistas do Congresso de Vie-

371
Braz Baracuhy

na. Mas a Alemanha não podia esquecer Versalhes, porque cada sa-
crifício quotidiano parecia um momento de expiação.

No fundo, não importava tanto a lógica e o alcance econômico irrea-


listas das reparações impostas à Alemanha pelos vencedores da
Grande Guerra. O que importou foi sua força simbólica e psicológi-
ca. Humilhada em Versalhes, a Alemanha perdeu a guerra e territóri-
os, e foi obrigada a desarmar-se e a assumir a culpa pelo conflito. As
reparações eram simbólicas, lembranças permanentes de tudo isso
para o cidadão comum, acirradas quando o país mergulhou no caos
inflacionário. Seu efeito psicológico na estrutura política doméstica
alemã foi arrasador. As reparações criaram ressentimentos, rancores,
hostilidades que seriam capitalizadas pelo primeiro líder que deci-
disse, em seus sonhos megalomaníacos, reerguer o Reich.

A ocupação do Ruhr pela França, em 1922, sinalizou ao continente a


disposição do país em agir unilateralmente para garantir sua seguran-
ça. Pouco adveio dessa iniciativa. A coerção mostrava-se inútil como
política em relação à Alemanha. A verdade é que a França e a Ingla-
terra, por seus próprios movimentos geopolíticos, criavam para si um
impasse. A insistência da França em enfraquecer unilateralmente a
Alemanha impossibilitava o apoio britânico; a insistência da
Grã-Bretanha na conciliação – o que lhe daria nova posição de pre-
ponderância entre as potências européias – subestimava seu impacto
psicológico para a segurança da França e impossibilitava a colabora-
ção francesa.

Mas as vozes a favor do apaziguamento (appeasement) cresciam na


Europa. Era preciso trazer a Alemanha para a ordem internacional.
Como notou Taylor (idem:50), consolidava-se a percepção de que a
paz seria possível somente com a cooperação do governo alemão.

Gustav Stresemann chegou ao poder na Alemanha em 1923, com o


propósito de tornar seu país membro pleno do sistema europeu. Em

372 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

sua agenda, permaneciam os interesses alemães de pôr fim às repara-


ções, ao desarmamento imposto, à ocupação do Rhineland; e de defi-
nir as fronteiras com a Polônia. Stresemann estava disposto a negoci-
ar. Seu principal aliado era a pressão dos eventos. Ele acreditava que
a questão central não era a revisão dos tratados para reverter a posi-
ção de poder alemã; ao contrário, percebia que o reerguimento do po-
der alemão de modo legítimo, por meio de negociações, levaria ine-
vitavelmente a uma revisão dos tratados. A Alemanha desejava re-
tornar pacificamente à sua posição de grande potência. Stresemann
habilmente sugeria que a paz e a revisão dos tratados caminhassem
juntas.

o
Os Acordos de Locarno, assinados em 1 de dezembro de 1925, mar-
caram ponto de inflexão nos anos entreguerras. Sua assinatura pôs
fim simbólico à Primeira Guerra; seu repúdio, onze anos depois,
marcaria o prelúdio da Segunda. Locarno reconciliou a França e a
Alemanha. Representou também alívio para a Inglaterra, que se vira
como garante da paz européia desde a saída de fato dos EUA dos as-
suntos do continente, tendo de acomodar as posições vingativas da
França. Em última análise, Locarno foi o triunfo do apaziguamento.
Deu à Europa esperança real de segurança e suscitou a perspectiva de
que somente a integração da Alemanha asseguraria a paz.

Um dos termos de Locarno referia-se expressamente à entrada da


Alemanha no Conselho da Liga como membro permanente. Essa era
uma demanda central de Stresemann, dentro de sua estratégia diplo-
mática de reintroduzir a Alemanha como potência legítima do siste-
ma europeu. A Inglaterra, ciente do valor do apaziguamento para a
segurança no continente, mostrou-se disposta a apoiar a admissão da
Alemanha no Conselho. O método da reforma do Conselho não esta-
va definido. Mas, talvez como forma de demonstrar sua nova posição
de poder, a Alemanha lançava o princípio de que somente ela deveria
10
ser admitida como membro permanente .

373
Braz Baracuhy

O caráter dos Acordos de Locarno era, pois, de segurança regional no


tabuleiro geopolítico. A fronteira franco-belga-alemã ficava sob ga-
rantia da Inglaterra e da Itália; a solução pacífica das controvérsias
tornava-se princípio entre as partes. Acima de tudo, começava a mu-
dar o tratamento dispensado à Alemanha. De potência humilhada em
Versalhes, tornava-se parte legítima na política européia.

A partir de 1925, parecia delinear-se um procedimento de transferên-


cia dos resultados geopolíticos regionais para o campo multilateral.
As grandes potências européias buscariam vincular os Acordos ao
sistema da Liga das Nações. Ganhava forma o chamado “espírito de
Locarno”. Surgia a esperança de superação definitiva dos rancores
que assolavam o continente.

O processo brasileiro no
tabuleiro multilateral:
“vencer ou não perder”

Para o Brasil, a diplomacia multilateral no pós-Grande Guerra apre-


sentou-se como o meio, por excelência, de ganhar espaço na instância
de poder que parecia despontar como definidora dos rumos da política
internacional. A nova configuração da ordem internacional, com a
Liga das Nações em seu núcleo, era percebida como a onda do futuro
no sistema internacional. Para a elite brasileira de política externa, a
busca por uma posição de poder central no novo tabuleiro multilateral
foi essencial na definição da grande estratégia do país, que orientaria
suas estratégias e táticas diplomáticas para a nova ordem.

Se prevalece o julgamento corrente de que o exame objetivo dos re-


cursos de poder do Brasil não parecia justificar a demanda por um lu-
gar ao sol ao lado das grandes potências, isso se deve ao erro comum
de atribuir a um único fator – recursos militares tangíveis, por exem-
plo – importância determinante para o poder nacional. A avaliação
presente e futura do poder nacional será sempre incompleta caso des-

374 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

considere seus elementos intangíveis. Nesse sentido, para entender


os objetivos que perseguia o Brasil em termos de uma posição de po-
der central na ordem internacional, não se pode subestimar a força da
experiência histórica na definição das percepções sobre o potencial
nacional do país.

O sucesso e o prestígio que a diplomacia do Barão do Rio Branco ob-


tivera no continente americano deixaram pesado fardo para as elites
de política externa que o sucederam. As iniciativas diplomáticas seri-
am inevitavelmente julgadas à sombra desse legado. Quão pesado
fora o fardo das elites de política externa que tiveram de agir naquela
mesma geração, uma década após a morte do Barão do Rio Branco?
Que desafio maior poderia haver para um país, como o Brasil da épo-
ca, do que postular um espaço no palco das grandes potências com o
imperativo de sucesso que o passado diplomático lhe legara? Para
entender a natureza da atuação exterior do Brasil no período, parece
crucial ter em conta a experiência histórica das glórias diplomáticas
do Barão do Rio Branco como fio condutor das percepções da elite de
política externa sobre o potencial nacional do país e a posição que de-
veria ocupar na nova ordem.

À luz dessa experiência histórica como um dos delineadores de per-


cepções sobre o potencial nacional do país, convém observar como
foi tomando forma a grande estratégia do Brasil, tal qual definida por
sua elite de política externa, com vistas a uma posição de poder no
centro decisório do tabuleiro multilateral: o Conselho da Liga das
Nações.

Sem a participação dos EUA, logo na primeira sessão formal do Con-


selho, em janeiro de 1920, o Brasil acreditava-se representante do
continente americano na Liga, porta-voz dos ideais americanos de
prevalência da paz e do direito na nova ordem internacional. Na I
Assembléia da Liga, em setembro daquele ano, o país foi reeleito
membro temporário do Conselho por mais um novo período – o apoio

375
Braz Baracuhy

dos EUA valera ao Brasil o primeiro mandato. As sucessivas reelei-


ções do Brasil como membro não permanente do Conselho seriam
facilitadas pela ausência de regras claras (Assembléias de 1921 e
1922).

Mas o processo de intensificação da demanda brasileira por um lugar


definitivo entre as grandes potências da ordem internacional se dá
durante o mandato do presidente Artur Bernardes (novembro/1922 a
novembro/1926). Magro, teso, aparentemente impassível, Bernar-
des foi um homem profundamente angustiado. Suas decisões, mes-
mo as mais resolutas, pareciam enfrentar dilemas internos, embates
pessoais. Jamais perdoou seus adversários políticos – que cresceram
significativamente durante seu período como presidente. Via-os
como inimigos que precisavam ser combatidos e derrotados. Gover-
nando com mão-de-ferro, despertava a revolta, muitas vezes o ódio,
de seus opositores. Para o presidente Bernardes, a derrota era a antí-
tese da vitória, não vencer significava perder, princípio duvidoso
quando se trata da prática diplomática. Seu nacionalismo ferrenho
encontraria campo fértil nos desafios da política externa de seu go-
verno. Bernardes assumiu a Presidência sob estado de sítio, que seria
prorrogado várias vezes em seu mandato. A crise do Estado liberal e
do sistema oligárquico no Brasil mostrava seus sinais, com dissidên-
cias internas e crescente oposição de novos setores da sociedade. Um
país convulsionado por crises dificilmente encontra base de consen-
so sobre as diretrizes de sua política externa. As soluções radicais ga-
nham força em tempos incertos.

Para conduzir o Ministério das Relações Exteriores foi designado o


jornalista Félix Pacheco, proprietário do Jornal do Comércio. Pache-
co recebeu o cargo sem qualquer experiência no campo da diploma-
cia. Sua formação como jornalista focalizava os eventos – aquilo que
o historiador Fernand Braudel denominaria “os fogos de artifício” do
quotidiano. Faltava-lhe a compreensão ampla dos assuntos interna-

376 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

cionais, dos movimentos conjunturais, das pressões e desafios estru-


turais da política mundial.

Operava-se, na condução da política externa, importante mudança de


estilo, de tom, de ênfase. Se permanecia o objetivo estratégico de ob-
ter posição de poder entre as grandes potências que decidiriam os ru-
mos da ordem internacional a partir do tabuleiro multilateral, a forma
dessa demanda se alterava. Durante o governo do presidente Epitácio
Pessoa (1919-1922), o Brasil manteve na Liga postura low profile,
não raro reativa. O ideal de poder na ordem multilateral era persegui-
do como um direito, como uma demanda justa que seria oportuna-
mente reconhecida dentro do espírito de civilidade que inspirava
aquela ordem. Com Bernardes na Presidência, a conquista do assento
permanente no Conselho da Liga tornou-se meta central da ação di-
plomática brasileira, empreendida paulatinamente com intemperan-
ça, à medida que se mostrava frustrado um “direito natural”. Nesse
ponto, a política externa corria o grave risco de confundir “objetivo
estratégico” com “direito natural”.

Com efeito, é preciso distinguir duas motivações coexistentes que


dominariam esse período e teriam peso na condução da política ex-
terna brasileira: uma, de natureza política internacional, que via na
posição central da Liga das Nações o coroamento de uma demanda
diplomática legítima e natural na ordem futura; outra, de natureza
política nacional, que buscava explorar aquela conquista legítima e
natural da diplomacia contra oposições políticas domésticas. Por
motivos e propósitos distintos, mas por razões similares, que passa-
vam por uma posição de poder natural na Liga correspondente ao po-
tencial nacional do país, a possibilidade de sucesso do pleito em Ge-
nebra seduzia a elite de política externa brasileira.

Afrânio de Melo Franco é escolhido pelo presidente Bernardes para


representar o Brasil na IV Assembléia da Liga. Melo Franco segue
para Genebra em 1923, com instruções para a criação de dois novos
assentos permanentes a serem ocupados pelo Brasil e pela Espanha.

377
Braz Baracuhy

A tática inicial de Melo Franco em Genebra foi criativa. Sugeriu o es-


tabelecimento de um único assento permanente, que seria ocupado
pela Espanha até a reintegração da Alemanha ao sistema; o Brasil
ocuparia o lugar permanente reservado aos EUA – como cada vez
mais os EUA se distanciavam da Sociedade das Nações, o arranjo
conferiria, na prática, um assento permanente ao Brasil. Melo Franco
reivindicou tal vaga para o Brasil como direito do continente ameri-
cano – argumentava que o Brasil seria o candidato natural por sua fi-
liação aos ideais da Liga de prevalência do direito internacional.
Como a Espanha se recusara a servir de reserva para um assento da
Alemanha, Melo Franco fez modificações e propôs que os espanhóis
deveriam representar os países hispano-americanos no Conselho. A
fórmula é bem recebida pelos membros permanentes, à exceção da
Grã-Bretanha. Bernardes e Pacheco superam suas suspeitas iniciais
sobre as adaptações feitas por Melo Franco às instruções originais.
Adequações táticas são a regra no universo complexo das negocia-
ções internacionais. A demanda principal da estratégia diplomática,
o assento permanente, poderia ser atendida.

Os movimentos diplomáticos de 1923 no tabuleiro multilateral in-


centivaram o governo brasileiro. Os esforços da chancelaria brasilei-
ra em seu propósito pelo assento permanente se intensificariam. Em
março de 1924, importante passo simbólico é dado para a condução
das negociações em Genebra. O Brasil decide criar uma Delegação
Permanente junto à Liga, com status de embaixada. Afrânio de Melo
Franco foi nomeado seu chefe. A participação intensa do Brasil nos
trabalhos da Liga – Conselho, Assembléia, órgãos técnicos, comis-
sões – deveria sublinhar sua legitimidade na obtenção do assento per-
manente no Conselho. Em sintonia estratégica com Melo Franco, se-
gue em missão o embaixador Raul Fernandes a Londres, Paris, Haia,
Praga, Estocolmo e Bruxelas, com o objetivo de defender a candida-
tura do Brasil. A visita a essas capitais lhe deixa a impressão de que a
fórmula adotada por Melo Franco no ano anterior encontraria menor
resistência entre os países europeus. Nela, havia o forte argumento da

378 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

representação do continente americano em uma organização que


procurava afirmar-se por sua natureza universalista (Garcia, 2000).

A ação conjunta do Brasil e da Espanha para obtenção do assento


permanente não encontrou, todavia, eco diplomático. O Brasil con-
centrou-se, então, no recurso à suplência dos EUA no Conselho. Tan-
to Raul Fernandes quanto Melo Franco expressavam acordo sobre a
estratégia. Apoiavam-se no fato de que a Liga destinara ao continente
americano um assento permanente no Conselho. A suplência prova-
velmente se tornaria fato consumado, em favor do Brasil. A tática di-
plomática deixava de ser o aumento do Conselho para a interinidade
da posição reservada aos EUA, a ocupação de um lugar já disponível,
porém vago.

Durante a V Assembléia da Liga, em setembro de 1924, a Alemanha


faz movimento importante por posição no tabuleiro multilateral.
Encaminha memorandum aos países-membros do Conselho, pedin-
do-lhes opinião sobre sua eventual admissão na Liga das Nações. Por
sua entrada, estava evidentemente subentendida uma vaga perma-
nente no Conselho.

Para a Alemanha, a admissão na Liga e, em particular, no Conselho,


teria profundo significado diplomático. O status de grande potência
do país seria novamente reconhecido, mas, sobretudo, chegaria ao
fim seu isolamento forçado do sistema de poder europeu, objetivo
fundamental da política externa de Stresemann, cuja política de ade-
são à ordem de Versalhes criava pressão sobre a Inglaterra e a França.
Estas se mostravam um tanto desconfortáveis com os princípios da
ordem criada por inspiração wilsoniana, mas estavam dispostas a
abraçá-los, se esse era o preço da segurança no continente. Tendo
isso em vista, a Grã-Bretanha e a França comprometem-se a não ob-
jetar os planos alemães por um assento permanente. O Brasil, consul-
tado como membro não permanente, responde que “não possui obje-
ções, a priori, à admissão da Alemanha” (Santos, 2002:10), salien-

379
Braz Baracuhy

tando, porém, que a questão deveria ser tratada não de modo bilate-
ral, mas sim multilateralmente, entre os membros da Sociedade das
Nações.

Encaminhando a questão alemã para o plano multilateral, a diploma-


cia brasileira procurava espaço político para administrar sua deman-
da concomitantemente à alemã, insistindo na própria pretensão,
quando entrasse em pauta a reivindicação da Alemanha. Um clima
de reforma possivelmente favoreceria os objetivos brasileiros. De
todo modo, o Brasil foi novamente reeleito como membro temporá-
rio.

Na percepção da elite de política externa brasileira sobre as dinâmi-


cas de poder no tabuleiro multilateral, o governo britânico era consi-
derado o principal obstáculo à pretensão do país na nova ordem inter-
nacional. O embaixador brasileiro em Londres, Régis de Oliveira, re-
cebido por Chamberlain em abril de 1925, discute a questão da can-
didatura. Chamberlain, habilmente, lembra ao embaixador que todos
os membros não permanentes teriam a mesma aspiração e que sua ta-
refa “não era apoiar algum país, mas antes justificar escolhas em face
das demandas contraditórias e da necessidade de manter um equilí-
brio entre os membros permanentes e não permanentes” (idem:11).

Em julho de 1925, o Brasil envia memorandum secreto aos membros


do Conselho, expressando sua visão sobre a reforma do órgão. O
principal argumento mantém-se o desequilíbrio na representação ge-
ográfica. A Liga correria o risco de se tornar verdadeiro “instrumento
da política européia”, caso não fosse ajustado tal desequilíbrio. As
alternativas que apresentava o Brasil como solução para a distribui-
ção injusta eram ou a ocupação provisória pelo Brasil do assento re-
servado aos EUA, ou a criação para o país de nova vaga permanente
reservada ao continente americano.

Na VI Assembléia da Liga, em 1925, as grandes potências buscaram


manter inalterada a composição do Conselho, até que se resolvesse a

380 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

“questão alemã”. A discussão sobre o assento permanente é mais


uma vez adiada – agora em função das negociações européias
vis-à-vis a Alemanha.

Entre os países da América Latina, cresciam as pressões pelo reveza-


mento do assento de membro temporário do Conselho. A Venezuela
propôs resolução que previa renovação obrigatória dos assentos tem-
porários do Conselho a partir da Assembléia seguinte, em 1926. O
Brasil teve de comprometer-se a aceitar o rodízio do ano seguinte,
para ser novamente reeleito como membro temporário. A opção de
manter a condição renovável de membro não permanente parecia
ter-se apresentado pela última vez.

Na estrutura política doméstica do Brasil, a participação do país na


Liga começava a tomar contornos passionais, com forte teor nacio-
nalista. O desgastado governo do presidente Bernardes começava a
descobrir a utilidade das crises externas na mobilização da unidade
nacional. A estratégia diplomática em Genebra poderia ser canaliza-
da para ganhos de legitimidade na política doméstica, uma das for-
mas mais obtusas e eficazes de instrumentalização da política exteri-
or de um país. Com as opções se fechando à demanda do Brasil na po-
lítica internacional e com a difícil situação política interna no país,
uma inflexão na política externa mostrava-se atraente. Os contornos
de uma solução radical começavam a delinear-se.
o
Um dia depois da assinatura dos Acordos de Locarno, em 1 de de-
zembro de 1925, o tabuleiro geopolítico europeu invadiu decisiva-
mente a agenda multilateral brasileira. Quando Chamberlain infor-
mou Melo Franco de que a Alemanha seria admitida no Conselho,
parecia absolutamente claro que as questões internacionais européi-
as tinham precedência sobre as questões da Liga, e que estas deveri-
am necessariamente aceder àquelas.

O três meses que separam a assinatura dos Acordos de Locarno e a


crise de março de 1926 revelam como a situação internacional pode

381
Braz Baracuhy

deteriorar-se rapidamente, quando longos processos paralelos che-


gam a uma encruzilhada decisiva.

O choque de tabuleiros e a
retirada do Brasil da Liga
das Nações

A perspectiva de reforma do Conselho dera ânimo ao Brasil. Locarno


parecia apresentar a oportunidade pela qual o Brasil esperara de as-
sumir uma vaga permanente. Melo Franco via no “espírito de Locar-
no”, com a possibilidade de reforma geral do Conselho, a chance de-
finitiva para a pretensão brasileira de uma posição de poder entre as
potências centrais da Liga das Nações.

Em janeiro de 1926, nova dinâmica de poder começa a tomar forma


no tabuleiro multilateral. Incentivada pela França, a Polônia anuncia
sua candidatura a uma vaga permanente. Parecia inevitável aos líde-
res poloneses que, uma vez no Conselho, a Alemanha procuraria re-
visar questões geopolíticas vitais, como a do Corredor de Dantzig e
de suas minorias na Polônia. O protesto alemão foi imediato. Somen-
te aceitaria sua entrada exclusiva no Conselho. Em meio às reivindi-
cações, Brasil e Espanha renovam suas respectivas candidaturas.

A diplomacia francesa logo percebe que o tabuleiro multilateral não


anulava a política de poder tradicional; antes, dava-lhe oportunidade
de continuar a geopolítica por outros meios. Desconfianças históri-
cas não se apagam rapidamente para as gerações que viveram expe-
riências traumáticas. Para a elite de política externa francesa, a con-
tenção discreta da Alemanha no tabuleiro multilateral seria uma ga-
rantia adicional à segurança que vislumbrava. Além da Polônia e da
Alemanha, a França apóia o Brasil e a Espanha. No final de janeiro,
após conversa com Briand em Paris, Chamberlain mostrou-se favo-
rável à candidatura polonesa, mas ainda reticente ao pleito brasileiro
e espanhol.

382 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

O Brasil percebe o dilema que se operava no tabuleiro multilateral:


ou a Liga reconhecia o valor de sua candidatura ao sistema que se
pretendia universal, ou daria provas de que era efetivo instrumento da
política do poder européia. Evidentemente uma reforma ampla do
Conselho, contemplando a Polônia, o Brasil e a Espanha, diluiria o
prestígio diplomático que uma admissão exclusiva traria para a Ale-
manha no palco das grandes potências.

Em 8 de fevereiro de 1926, a Alemanha apresenta seu pedido de ad-


missão à Liga das Nações. O Conselho resolve convocar uma Assem-
bléia Extraordinária para votar a questão a partir de 8 de março.

O Brasil avaliou como “postura desleal” a atitude alemã de pleitear


sua entrada exclusiva no Conselho, uma vez que o país se comprome-
tera a apoiar a Alemanha em 1924. O chanceler Pacheco declara, em
entrevista ao United Press, que o Brasil permanecia abertamente
candidato ao assento permanente. O representante alemão no Rio de
Janeiro, Hubert Knipping, observou que sua chancelaria ignorava
qualquer outra candidatura oficial. Chamado ao Itamaraty, Pacheco
comunica a Knipping que, com a nova postura alemã, o Brasil não
mais poderia manter o apoio dado em 1924. Em nota ao governo ale-
mão, o Brasil condiciona seu apoio ao fato de que a Alemanha não
fosse o único país admitido no Conselho nem criasse obstáculos à as-
piração brasileira. Paralelamente, o embaixador brasileiro em Wa-
shington, Gurgel do Amaral, sonda Kellogg sobre a possibilidade de
apoio dos EUA às potências européias. Os EUA não estavam dispos-
tos a se envolver. As posições tornam-se inflexíveis.

Ao final de fevereiro de 1926, o veto tomava contornos definitivos


para o presidente Bernardes e para o chanceler Pacheco. Em comuni-
cação a Melo Franco, reconhecem que é chegada a hora de gesto pe-
remptório na Liga. O embaixador Melo Franco sabia que, depois de
anos de campanha, permanecer na Liga após uma reforma que não
contemplasse a aspiração do Brasil seria por demais humilhante para

383
Braz Baracuhy

o país. Por outro lado, tinha consciência sobre o que representava o


veto para o processo europeu de Locarno e para as esperanças que
suscitara.

Notando a reticência de Melo Franco em considerar o veto, o presi-


dente escreve-lhe e recorda que o Brasil não possuía qualquer com-
promisso em relação aos Acordos de Locarno. A escolha do país se-
ria entre “vencer ou não perder”.

Na véspera do início da Assembléia Extraordinária, em 7 de março


de 1926, o chanceler Pacheco, em expediente ao embaixador Melo
Franco, dá instruções explícitas sobre o uso do veto contra a Alema-
nha, caso as demandas brasileiras não fossem atendidas.

Em reunião secreta no dia 10 de março, o Brasil menciona o texto de


sua resposta à Alemanha sobre a não-renovação do apoio dado em
1924, para surpresa dos líderes das grandes potências. As posições
começam a se tornar radicais; as decisões, tensas, apressadas, ambi-
valentes. Na manhã de 12 de março, a delegação alemã propõe refor-
ma que lhe garantisse um assento permanente, reservando à Polônia
um não permanente. No mesmo dia, o governo alemão rejeita a fór-
mula proposta por sua delegação e mantém a postura de que somente
a Alemanha deveria ser admitida.

A Suécia propõe renunciar seu assento não permanente para dar lu-
gar à Polônia. O mesmo propõe a Tchecoslováquia, como forma de
resolver um impasse: um país neutro (Suécia) seria substituído por
outro com interesses geopolíticos nem sempre simétricos aos ale-
mães (Polônia). Stresemann insiste, porém, que qualquer solução,
senão a admissão exclusiva de seu país, não deveria sequer entrar em
consideração. Sem alternativas, Melo Franco anuncia sua instrução
de vetar a admissão alemã. Pedindo confirmação urgente dessa posi-
ção ao presidente Bernardes, enfatiza o “terrível erro” de pôr em ris-
co a paz européia. O presidente comunica a Melo Franco a posição
definitiva do Brasil: vetar qualquer aumento de membros permanen-

384 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

tes que não contemple o país. Retroceder em relação ao veto já era


politicamente impossível.

Em reunião no dia 15 de março, Melo Franco confirma que o Brasil


estará disposto a usar o veto. Não resta dúvida, como assinala Norma
Breda, de que as potências européias subestimaram o empenho bra-
sileiro, o quanto significava o projeto da Liga para a diplomacia do
país e sua capacidade de exercer o poder de veto. Somente depois do
anúncio de 15 de março, quando não mais existia possibilidade de
mudança de curso tático para qualquer dos atores envolvidos, Briand
e Chamberlain decidem empenhar-se. Os respectivos embaixadores
no Rio de Janeiro, Conty e Alston, são enviados para tentar conven-
cer o presidente Bernardes a alterar suas instruções. O encontro foi
inútil. As janelas de negociação já se haviam fechado. Bernardes não
se seduzirá pelos argumentos dos embaixadores, com menções ao
papel de “grande potência mundial do Brasil” ou à “demanda legíti-
ma [do Brasil], incontestavelmente consubstanciada no Direito e na
lógica” (Garcia, 2000), em relação ao seu lugar no Conselho.

Na manhã do dia 17 de março, horas antes da última reunião do Con-


selho para discutir a entrada da Alemanha, Melo Franco faz seu últi-
mo esforço de convencimento do presidente.

À tarde, o Brasil confirma seu veto à admissão da Alemanha. A


Assembléia, reunida, aprova a proposta de Briand de adiar a decisão
para setembro. Na ocasião, Melo Franco justifica a posição brasileira
em discurso, lembrando que a obra de Locarno deveria ser parte da
Liga, e não a Liga parte de Locarno.

A política de conciliação européia no tabuleiro geopolítico encontra-


va-se barrada no tabuleiro multilateral.

A obra de Locarno não desabou – não naquele momento – pela ação


diplomática do Brasil. Mais tarde, “a Alemanha foi admitida na Liga

385
Braz Baracuhy

das Nações, depois de mais atrasos do que eram esperados” (Taylor,


1996:55).

Após a crise de março de 1926, foi criada uma comissão para estudar
a composição do Conselho, ou seja, como notou Hilton, “para encon-
trar um meio de remover o Brasil” (Hilton, 1986:22).

Durante reunião do Conselho, em 10 de junho de 1926, sem apoio


tanto na Europa quanto no continente americano, o Brasil renunciou
seu assento temporário, criticando o esvaziamento dos ideais de Wil-
son – em vez de “preparar o futuro”, a Liga propunha “perpetuar o
passado”.

Dois dias depois, em 12 de junho de 1926, o Brasil notifica sua retira-


da da Liga das Nações.

Conclusão: A Natureza da
Política Externa

Na ordem internacional pós-Grande Guerra, a Liga das Nações, por


inspiração dos ideais wilsonianos, deveria ter papel central nas rela-
ções internacionais. A partir de uma organização internacional, pre-
valeceriam as regras do direito, restringindo o exercício da política
do poder. A longo prazo, a paz e a segurança internacional estariam
asseguradas pela renúncia às práticas do passado e pela adesão aos
ideais para o futuro.

A diplomacia brasileira apostou todas as suas fichas na nova ordem


internacional. Julgava que a Liga seria o centro decisório, a institui-
ção condutora do futuro da política mundial. Essa perspectiva sobre a
importância que teriam posições de poder no tabuleiro multilateral e
a percepção sobre o potencial nacional do país que sua experiência
histórica informava deram o tom à grande estratégia brasileira.

386 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

No governo do presidente Artur Bernardes, como notou Eugênio


Vargas Garcia, a meta do assento permanente no Conselho da Liga
tornou a política externa “monotemática” e “messiânica”, servindo
para contrabalançar sua impopularidade doméstica. Segundo a inter-
pretação de Garcia, o Brasil usou, na Liga, uma diplomacia comple-
xa, entre grandes potências e potências menores, entre pragmatismo
e principismo, entre realismo e idealismo, mas foi uma ação minada
por uma misperception inicial quanto às possibilidades internaciona-
is do país. Sobre essa carência de realismo inicial, para ele sinônimo
de escassez de recursos materiais de poder, Stanley Hilton (idem:19)
observou que: “O Brasil (...) era um país militar e economicamente
fraco, fato que praticamente garantia que os principais países euro-
peus não o aceitariam como parceiro do mesmo nível”.

A partir dos Acordos de Locarno de 1925, a superação de diferenças


sinalizava a reintegração da Alemanha à ordem européia. Mas havia
um preço político multilateral. A Alemanha deveria ser admitida so-
zinha como membro permanente do Conselho da Liga das Nações.
Os interesses brasileiros na organização eram postos em xeque. Com
a radicalização da política internacional das potências européias e da
política doméstica brasileira, observou Eugênio Vargas Garcia, o go-
verno do presidente Artur Bernardes procurou camuflar o fracasso
de seu objetivo principal (“vencer”) recorrendo a demonstração de
força em Genebra (“não perder”).

Apreciada em perspectiva, porém, verifica-se que a deflagração da


crise de 1926 pelo governo Bernardes não deve ser vista como defini-
dora da natureza da política externa brasileira no período. O exame
no marco teórico das relações internacionais sugere que um processo
mais amplo e complexo estava em curso no sistema internacional. O
processo de radicalização do presidente Bernardes foi uma mudança
de estilo na condução da política externa, associada a idiossincrasias
e vicissitudes políticas domésticas, e não de natureza da política ex-
terna, que se relacionava ao objetivo estratégico de uma posição de

387
Braz Baracuhy

poder central na ordem internacional, correspondente ao potencial


nacional do país.

Na elite diplomática nacional, a raiz mais profunda da percepção so-


bre o potencial nacional do Brasil, que informaria a definição e a na-
tureza da política exterior no período, estaria na idéia do legado de
sua experiência histórica internacional. Foi a busca da permanência,
de manter e aprofundar a herança do Barão do Rio Branco, de con-
quistar a posição ao lado das grandes potências na instituição-chave
que, supunha-se, regeria a nova ordem internacional.

Se houve uma misperception fundamental, esta deve ser atribuída às


expectativas quanto à Liga das Nações e ao seu papel na nova ordem
– algo que não pode ser creditado exclusivamente ao Brasil. Boa par-
te do mundo acreditava que a “comunidade de poder” da Liga substi-
tuiria a estrutura anárquica do sistema internacional e suas dinâmicas
tradicionais. Todos os barcos navegavam no mesmo oceano de per-
cepções equivocadas.

A política externa brasileira do período não teve a natureza de uma


“política externa de prestígio”, que, na definição clássica de Hans
Morgenthau (1985:87), procura “impressionar outras nações (...)
com o poder que acredita, ou quer que outras nações acreditem, pos-
suir”. Se o fosse, se não houvesse a crença naquela nova ordem mun-
dial, como explicar o fato de ter sido levada às últimas conseqüências
políticas, empenhada aos últimos recursos humanos e financeiros,
disposta a comprometer inclusive relações diplomáticas históricas?
Tampouco a natureza da política externa brasileira na crise de 1926
foi o produto de uma “diplomacia bonapartista”, que usa aventuras
internacionais para desviar as atenções de dificuldades políticas do-
mésticas. O caráter da política externa jamais pode ser julgado por
um evento específico. Se é certo que as pressões da estrutura política
doméstica do Brasil conduziram o presidente Bernardes a buscar me-
canismo de legitimação e apoio por meio de ação externa radical, tal

388 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

motivação, incidental, não deve ofuscar a natureza fundamental do


processo internacional.

O projeto de uma posição de poder entre as grandes potências na Liga


das Nações foi sistematicamente conduzido por meio de estratégias e
táticas diplomáticas, perseguido por anos a fio, em um longo proces-
so consensual de sua elite de política externa. Do lado brasileiro, o
estopim da crise de 1926 pode ser creditado a uma série de atitudes
impulsivas, que se explicam pela personalidade e situação política
dos principais decisores nacionais, mas não se confunde com a polí-
tica de Estado para a Liga das Nações. Do lado das grandes potências
européias, a única questão que parecia interessar era a reintegração
da Alemanha ao sistema internacional. Percebia-se um claro desen-
contro entre as dinâmicas por posições de poder nos tabuleiros multi-
lateral e geopolítico do sistema internacional.

No horizonte do longo prazo, ao se comparar os países da Europa ao


Brasil, verifica-se uma absoluta dissonância de percepções quanto
ao papel que a Liga deveria exercer na ordem internacional. Para o
Brasil, o multilateralismo da Liga deveria significar o fim, ou pelo
menos o apaziguamento, da política de poder tradicional nas rela-
ções internacionais; para as potências do Velho Mundo, o multilate-
ralismo era a continuação da geopolítica por outros meios. Conside-
rando que a condição estrutural do sistema internacional permanecia
anárquica, superestimou-se a expectativa de que uma instituição
multilateral suplantaria a importância do poder nas relações interna-
cionais. Desconsiderando que uma instituição multilateral se tornara
parte integrante da vida internacional, subestimou-se o fato de que as
dinâmicas no tabuleiro multilateral passariam a afetar o próprio fun-
cionamento do tabuleiro geopolítico tradicional. Assim o demons-
trou o episódio de 1926.

Parece existir motivação profunda na natureza da política externa


brasileira, quando se examinam os processos da política internacio-

389
Braz Baracuhy

nal do período, as percepções e as grandes linhas estratégicas da elite


nacional envolvida. Do ponto de vista da percepção sobre o sistema
internacional, foi essencial a certeza de que a Liga das Nações se
constituiria no centro das relações internacionais, de que o tabuleiro
multilateral substituiria o tabuleiro geopolítico tradicional. Do ponto
de vista da percepção sobre o potencial nacional do país, foi decisiva
a luz da experiência histórica que lançava o legado diplomático do
Barão do Rio Branco. Com o objetivo de uma posição de poder na
Liga cristalizado em interesse nacional, as elites de política externa
perseguiram, por meio de estratégia consistente, durante anos, um
lugar ao sol entre as grandes potências da nova ordem que se dese-
nhava.

A natureza da política externa brasileira no período foi a de uma polí-


tica externa de status quo, de conquista de posição central de poder
na nova ordem internacional, que teria a Liga das Nações como a últi-
ma instância das relações internacionais. Como definiu Morgenthau
(idem: 53; 56), a política externa de natureza “status quo” é a que busca
a manutenção da distribuição de poder, assim como aumentos e ajus-
tes de posições de poder dentro da ordem internacional existente.

A crise do Conselho de 1926 deve ser entendida, portanto, em dois


planos, como o choque entre dois processos distintos, porém interde-
pendentes, que se encontram no plano multilateral: a questão da se-
gurança européia e da entrada da Alemanha na Liga, por um lado; a
culminação dos esforços brasileiros de obter um assento permanente
no Conselho da Liga, por outro.

Nesse sentido, o Brasil não criou sozinho a crise de 1926. Desde o


início da década de 1920, vinha, ano a ano, perseguindo o objetivo de
conseguir um assento permanente no Conselho. Não foi o Brasil que
decidiu tornar a revisão do Conselho uma questão crítica para a segu-
rança européia naquele ano. Os líderes europeus escolheram descon-
siderar a autoridade da Liga das Nações, subordinando-a às suas de-

390 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

cisões geopolíticas regionais. Após Locarno, ficou claro que as ques-


tões européias eram importantes demais para deixar que países como
o Brasil tivessem poder de decisão sobre elas, por meio de instru-
mentos multilaterais. O tabuleiro geopolítico mostrava-se superior
ao multilateral, mas este dava sinais de sua existência. E nesse espaço
o Brasil barrara um processo fundamental das grandes potências eu-
ropéias.

Não houve “fiasco” absoluto da diplomacia brasileira no episódio de


11
1926 . Ao ver-se derrotada a política externa brasileira de “status
quo”, que vislumbrava uma posição central entre as grandes potênci-
as na Liga das Nações, produziu-se objetivamente uma vitória do
multilateralismo. Demonstrava-se, pela primeira vez nas relações in-
ternacionais, ainda que de modo efêmero, a importância que o siste-
ma multilateral poderia ter para a política externa brasileira.

O espaço político multilateral, esse tabuleiro típico do século XX,


dava sinais de vida, mostrando sua capacidade de afetar o tabuleiro
clássico das relações geopolíticas. Quando o embaixador Melo Franco
observa que “a obra admirável de Locarno” deveria entrar no quadro
da Liga “e não a Liga na construção política de Locarno”, tipifica-se o
conflito entre os dois tabuleiros do sistema internacional – e, para as
potências européias, o desejo de predominância do geopolítico.

Para a diplomacia brasileira, 1926 desfez o projeto de uma posição


de poder na Liga das Nações que correspondesse às suas aspirações
históricas. Na exposição sobre os motivos de sua retirada da Liga das
Nações, o Brasil lamentava: “A Sociedade das Nações se transforma,
pelo abandono do ideal americano que a criou como instituição desti-
nada a preparar o futuro, em outra que, no fundo, parece propor-se a
perpetuar o passado” (MRE, 1926: anexo A).

A crise de 1926 foi um sinal, como observou Chris Leuchars (2001),


de que as idéias do século XX estavam se movendo depressa demais
para as mentes do século XIX. Mais do que isso, uma organização in-

391
Braz Baracuhy

ternacional no tabuleiro multilateral, resultado dessas idéias, mostra-


va-se influente demais para as mentes habituadas à política do poder
no tabuleiro geopolítico tradicional do século XIX.

Notas

1. “Treinado na escola do realismo do poder”, como observou Rubens Ricupe-


ro, o Barão do Rio Branco foi “o último grande estadista e diplomata desse sécu-
lo XIX brasileiro, plenamente homem do seu tempo nos valores e objetivos, no
método e estilo” (Ricupero, 2000:48-49).
2. A tradução waltziana do modelo dedutivo da microeconomia neoclássica
para a análise da política internacional pode ser vista como a segunda grande in-
vestida “científica” – depois do behaviorismo na década de 1950 – sofrida pelas
abordagens clássicas ou tradicionais das Relações Internacionais dentro da aca-
demia, em especial da norte-americana.
3. Para excelente perspectiva sobre diferentes níveis de análise que podem ser
integrados nas explicações históricas sobre política externa, ver Kennedy
(1982).
4. Kenneth Waltz utilizou a diferenciação dos níveis, pela primeira vez na dis-
ciplina, em seu livro Man, the State, and War (1959), cuja resenha de David Sin-
ger daria origem ao famoso artigo deste: “The Level-of-Analysis Problem in
International Relations” (1969), base metateórica de várias formulações poste-
riores na disciplina.
5. O realismo neoclássico, como o realismo clássico antes dele, trata de não
confundir “rigor teórico” com “exatidão científica” ao abordar esse objeto es-
quivo, porque essencialmente político, que são as relações internacionais e sua
condução por meio da diplomacia. Na medida em que focaliza o decisor e o pro-
cesso decisório, suas condicionalidades e seus dilemas, a teoria internacional
agrega em relevância política, pois “quando as cartas estão sobre a mesa, está-se
diante do desconhecido e será preciso fazer julgamentos baseados em informa-
ções incompletas e conhecimentos teóricos. É preciso apostar e rezar para ter
apostado corretamente.” (Morgenthau, 1970:83).
6. Devo a imagem dos tabuleiros a Joseph Nye (2002), embora este autor a uti-
lize em relação a dimensões do poder internacional, e não, como procuro em-

392 CONTEXTO INTERNACIONAL – vol. 28, no 2, jul/dez 2006


A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

pregar, em relação à natureza ontológica dos espaços históricos de interações no


sistema internacional.

7. O livro A Construção da Ordem, de José Murilo de Carvalho (1996), cons-


titui minucioso estudo da elite política imperial brasileira na construção da or-
dem monárquica. Para o autor, as elites políticas são grupos especiais de elite,
marcados por características que os distinguem tanto das massas quanto de ou-
tros grupos de elite (Mills, 2000).

8. Como notou Soares de Lima (1994), esse paradigma se definia pela aproxi-
mação aos EUA – em “aliança não-escrita”, sempre que possível – como instru-
mento que elevaria os recursos de poder do país, aumentando sua capacidade de
negociação e seu status internacional.

9. Na Conferência realizada na cidade suíça de Locarno, a partir de outubro de


1925, as potências européias discutiram questões não completamente resolvi-
das ao final da Grande Guerra, sobretudo desconfianças recíprocas entre a Fran-
ça e a Alemanha. O resultado foi um conjunto de tratados, conhecidos como
“Acordos de Locarno”, louvados como o início efetivo de uma era de paz na Eu-
ropa. Seus principais aspectos foram os seguintes:
(a) a França, a Alemanha e a Bélgica comprometiam-se a respeitar suas frontei-
ras. A Alemanha comprometia-se a jamais atacar a França e a Bélgica como o fi-
zera em 1914; a França e a Bélgica renunciavam ao uso da força contra a Alema-
nha, como ocorrera em 1923, com a ocupação do Vale do Ruhr;
(b) a Grã-Bretanha e a Itália seriam fiadoras desses termos;
(c) a França comprometia-se a apoiar a Polônia e a Tchecoslováquia, caso sur-
gisse confronto entre elas e a Alemanha; e
(d) todos os países envolvidos concordavam em jamais recorrer à guerra, caso
surgisse disputa entre eles.

10. A França vislumbra, na reforma do Conselho, oportunidade para apoiar a


entrada da Polônia também como membro permanente. Os porquês desse apoio
não são claros. Talvez a França, insistindo na eleição de sua aliada, estivesse
buscando reproduzir no tabuleiro multilateral o equilíbrio de poder do tabuleiro
geopolítico europeu. A Polônia funcionaria como contrapeso à Alemanha.

11. Refiro-me especificamente à vitória, ainda que efêmera, do multilateralis-


mo; ao fato de que a ação diplomática brasileira demonstrou a capacidade de o
tabuleiro multilateral afetar as dinâmicas no tabuleiro geopolítico das grandes
potências. Devo a observação à leitura atenta deste artigo feita pelo meu colega
Eugênio Vargas Garcia, que, em recente livro sobre a política externa brasileira
durante a década de 1920, assinala as conseqüências geopolíticas negativas da-
quela ação multilateral (Garcia, 2006:598).

393
Braz Baracuhy

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A Crise da Liga das Nações de 1926: Realismo
Neoclássico, Multilateralismo...

Resumo
A Crise da Liga das Nações de
1926: Realismo Neoclássico,
Multilateralismo e a Natureza da
Política Externa Brasileira

O artigo analisa a natureza da política externa brasileira na crise da Liga das


Nações (1926), a partir de modelo teórico do realismo neoclássico. As dinâ-
micas por posições de poder nos tabuleiros geopolítico e multilateral do sis-
tema internacional e as percepções e estratégias diplomáticas da elite de po-
lítica externa brasileira são consideradas no estudo teórico.

Palavras-chave: Teoria das Relações Internacionais – Realismo Neo-


clássico – Política Externa Brasileira – Crise da Liga das Nações (1926)

Abstract

The League of Nations Crisis of


1926: Neoclassical Realism,
Multilateralism, and the Nature of
Brazilian Foreign Policy

The article analyzes the nature of Brazilian foreign policy in the crisis of the
League of Nations (1926) from a neoclassical-realist theoretical
perspective. Within this theoretical framework, the dynamics of power
positioning in the geopolitical and multilateral chessboards of the
international system and the perceptions and diplomatic strategies of the
Brazilian foreign-policy elite are taken into account.

Key words: International Relations Theory – Neoclassical Realism –


Brazilian Foreign Policy – Crisis of the League of Nations (1926)

397
A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO FHC: CONTINUIDADE E RENOVAÇÃO 59

O subsistema americano, Rio


Branco e o ABC
GUILHERME FRAZÃO CONDURU*

1. Os Tratados do ABC: dois momentos, dois projetos

Em 25 de maio de 1915, os Chanceleres da Argentina, do Brasil e do


Chile, reunidos em Buenos Aires, assinaram o “Tratado para Facilitar a Solução
Pacífica de Controvérsias Internacionais”, mais conhecido na historiografia como
“Tratado do ABC”, das iniciais dos Estados signatários.
Conforme se lê na introdução ao Tratado, a intenção explícita é a de
consolidar a amizade que ligava os contratantes, mediante a reafirmação da
“inteligência cordial” existente entre eles, proporcionada pela “comunhão de ideais
e interesses”, e o afastamento da hipótese de conflitos violentos no futuro. Exprimia-
se, ainda, o propósito de cooperar para tornar mais sólida a “confraternidade das
Repúblicas americanas”1.
A introdução deixava claro que o Tratado pretendia funcionar como “norma
de procedimento” complementar aos tratados bilaterais de arbitramento já assinados
pelos três países entre si. O objeto específico seriam precisamente as questões
não contempladas pelos tratados de arbitramento: as que não podiam ser formuladas
juridicamente e as que ferissem os preceitos constitucionais dos Estados2. A
peculiaridade do Tratado consistia em criar uma Comissão Permanente à qual
seriam submetidas as questões que não tivessem podido ser resolvidas por
negociações diretas nem por arbitramento3.
O Tratado não estipulava qualquer compromisso de natureza militar nem
possuía cláusula secreta. Nenhum dos artigos previa o estabelecimento de uma
aliança ofensiva ou defensiva nem, tampouco, criava obrigações de coordenação
em assuntos militares.
Essa iniciativa de formalizar a aproximação política entre os três principais
países da América do Sul retomava negociações desenvolvidas entre 1907 e 1909
com o mesmo objetivo, período no qual o Barão do Rio Branco ocupava no Governo
brasileiro a pasta das Relações Exteriores.

Rev. Bras. Polít. Int. 41 (2): 59-82 [1998]


*
Diplomata. Mestre em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.
60 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

Desde o início de sua gestão no Itamaraty – iniciada com a chegada como


herói nacional em 1902 e só encerrada com sua morte, em plena atividade, em
1912 –, Rio Branco considerava a conveniência de se estabelecer alguma espécie
de acordo entre as três grandes repúblicas do sul do continente. A redação de um
projeto de tratado pelo Chanceler brasileiro constitui demonstração clara da
persistência desse pensamento.
Com efeito, em 21 de fevereiro de 1909, Rio Branco entregou uma minuta
de “tratado de cordial inteligência” a Puga Borne, ex-Chanceler chileno, que
apresentara-lhe, dias antes, em Petrópolis, na condição de enviado extraordinário,
versão preliminar de um tratado político entre as três mais prósperas nações da
América do Sul 4 .
O ambiente político regional, contudo, não favoreceu a formalização de
uma aliança política entre a Argentina, o Brasil e o Chile e as negociações sobre o
projetado pacto foram abandonadas em 1909. A rivalidade pela liderança regional
superou a vontade de conciliação.
Na historiografia das relações internacionais brasileiras, nem o Tratado de
1915 nem o projeto de Rio Branco de 1909 foram objeto de estudos específicos.
As referências a eles, quando aparecem, são, em geral, lacônicas e superficiais.
Dos autores que, de alguma forma, se referem ao tema, raros vão além de poucas
linhas.
A partir de uma análise das interpretações disponíveis sobre o ABC, e
com recurso a fontes primárias, pretende-se construir um quadro analítico que
contribua para a identificação das motivações que levaram o Governo brasileiro a
participar de entendimentos diplomáticos com vistas à formalização de um acordo
entre Brasil, Argentina e Chile no período entre 1907 e 1915.

2. O ABC no sistema internacional

A fim de situar historicamente as iniciativas para a formação do ABC,


será necessário caracterizar, em suas linhas gerais, o estágio de evolução do sistema
internacional naquele período, bem como o contexto específico das relações
interamericanas.

2.1. O esgotamento do “concerto europeu”

No decurso das últimas décadas do século XIX, assistia-se ao ressurgimento


do impulso imperialista de conquista e anexação de territórios e de disputa por
zonas de influência. Esse impulso, identificado pela literatura da época como “novo
imperialismo”, resultava de motivações complexas e variadas: (I) interesses
econômicos em busca de mercados para a produção industrial e para investimentos
de capitais, bem como de mercados fornecedores de matérias-primas; (II) objetivos
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 61

militares de criação de bases em pontos estratégicos do globo; (III) busca de


afirmação do orgulho nacional e de aumento do prestígio nacional5 .
Entre os efeitos da expansão imperialista, qualquer que tenha sido sua
origem, sobressai o agravamento da contradição entre a teoria e a prática das
relações internacionais. De um lado, os princípios que fundamentavam o sistema
internacional de Estados – soberania, independência, igualdade jurídica –, valores
que forneciam a legitimidade formal do sistema europeu desde sua origem, com o
surgimento da ordem wetphaliana em 1648. De outro, a prática das relações
internacionais, caracterizada pela política de poder, pela dominação, pela
hierarquização de soberanias segundo a valoração das grandes potências6 .
No início do século XX, o “concerto europeu”, mecanismo por meio do
qual os interesses divergentes das grandes potências haviam sido conciliados, ao
longo do século anterior, sem recurso a guerras de grandes proporções entre elas,
demonstrava sinais de esgotamento. A flexibilidade que permitira a conciliação
entre o princípio do equilíbrio do poder e o desejo de ordem e estabilidade, que o
exercício de uma “hegemonia coletiva” tornara possível, se enrijecera com a
formação de dois blocos rivais. Decorrente da ascensão econômica e militar da
Alemanha, esse movimento deu origem à corrida armamentista e à política de
alianças e contra-alianças, que acabariam por concorrer para a destruição do sistema
europeu de Estados (Watson, 1992, p. 277-87).

2.2. A ascensão dos EUA, o pan-americanismo e a unificação do subsistema


americano

Como ponto de partida para se pensar o funcionamento das relações


interamericanas no contexto em que surgiu a tentativa de formação do ABC, pode-
se recorrer à seguinte proposição de Martin Wight sobre um aspecto do
funcionamento dos sistemas de Estados: “Pressões políticas não agem de maneira
uniforme por todo o sistema de estados, e, em algumas regiões culturalmente
unidas mas politicamente divididas, uma sociedade internacional
subordinada entra em cena, com um sistema de estados que reproduz em
miniatura as características do sistema de estados geral. A Itália e a
Alemanha antes de se unificarem constituem exemplos disso na Europa; o mundo
árabe e a América do Sul são exemplos num mundo mais amplo”7 (grifos do
autor).
Assim, o subsistema internacional americano, desde sua origem uma
extensão da Europa, tenderia a reproduzir as características do sistema europeu,
que, a partir do último quartel do século XIX, reforçava sua posição central nas
relações com o resto do mundo, unificando em torno de si e dando caráter global
ao conjunto destas relações. De um lado, como princípio básico de funcionamento,
o interesse dos Estados na preservação da independência e da autonomia externa,
62 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

atributos da soberania. De outro, as pressões e as habilidades para resistir ou se


aproveitar delas refletiam o diferencial de poder entre os integrantes do sistema.
De fato, a grande diferença de poder político, econômico e militar entre os
Estados Unidos e as demais repúblicas integrantes do subsistema passa a ser, a
partir das três últimas décadas do século, o traço marcante das relações
interamericanas. Essa diferença abre espaço para a projeção dos interesses
econômicos e estratégicos norte-americanos sobre o restante do continente, o que
se faz sentir com intensidade a partir da década de 1890. À medida que os EUA
assumiam um papel mais atuante no cenário internacional e projetavam sua
hegemonia sobre o Pacífico e o Caribe, na América ao sul do Rio Grande, aumentava
a desconfiança face ao vizinho do norte.
Até as vésperas da Primeira Grande Guerra, no entanto, a influência
britânica nas Américas será significativa, particularmente no que concerne ao setor
financeiro: não somente os governos da região dependiam da reputação de “bons
pagadores” para manter a credibilidade junto aos banqueiros da City londrina,
como também as outras potências imperialistas recorriam aos serviços bancários
e de seguro disponíveis no centro financeiro de Londres para suas transações
comerciais com o Novo Mundo8 .
Na passagem do século XIX para o XX, o mais importante concorrente da
Grã-Bretanha na região, embora não o único, foram os Estados Unidos. Ao passarem
a se concentrar mais nas rivalidades intraeuropéias e em suas repercussões na
Ásia e na África, os britânicos deixavam, de certa forma, campo aberto para a
expansão dos interesse econômicos, militares e políticos dos norte-americanos nas
Américas (Cains & Hopkins, 1993, p. 287; e Keylor, 1992, p. 24).
Essa expansão obedecia a impulsos internos tanto de natureza econômica
quanto estratégica. O quadro de crescimento econômico nos primeiros anos do
século, evidenciado pelo aumento acelerado do PNB e pela alta taxa de poupança
interna, abria a possibilidade de investimento doméstico e no exterior, onde a América
Latina viria a ser o principal receptor. A emergência e difusão de um pensamento
geopolítico, influenciado pelos escritos do Almirante Mahan, preconizava o
fortalecimento da Marinha e a criação de bases navais em pontos estratégicos do
globo de modo a assegurar a defesa do território e das rotas comerciais.
Seriam esses, portanto, os pressupostos econômicos e estratégicos de uma
política externa intervencionista, característica dos Governos McKinley (1897-1901),
Roosevelt (1901-9), Taft (1909-13) e Wilson (1913-21), que não hesitou em autorizar
ocupações militares em diversas ocasiões na América Central e no Caribe.
Identificada alternativamente como “diplomacia do porrete”, “do dólar” ou “da
canhoneira”, pode ser definida sob dois ângulos complementares: (I) o uso por
capitalistas norte-americanos do apoio de seu Governo no exterior; ou (II) a ação
do Governo sobre países estrangeiros com o objetivo de abrir esses países aos
capitais norte-americanos ou de aumentar os capitais já investidos9 .
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 63

Quanto à forma de organização do subsistema americano, embora a


evolução das relações internacionais na América mereça estudos mais
aprofundados, pode-se sugerir que, precisamente na virada do século, se unificaram
os diferentes subsistemas regionais do continente, que, no decorrer do século XIX,
mantiveram um baixo grau de articulação entre si. Apesar dessa unificação e da
maior intensidade de relações os Estados americanos, distinguiam-se ainda dois
subsistemas regionais em vias de unificação:
(I) O subsistema no qual os EUA exerciam um poder imperial, que
correspondia à América Setentrional, Central e a área banhada pelo mar do Caribe,
inclusive o norte da América do Sul. Fora da estrutura imperial, mas incluído na
rede dos interesses e pressões do sistema imperial, situava-se o segundo subsistema
americano composto pela maior parte dos países do sul do continente.
(II) O subsistema sul-americano, no qual Brasil, Argentina e Chile se
distinguiam pelo poderio militar e econômico e onde as disputas de fronteira
favoreciam a formação de alianças ou esboços de alianças na região. O acordo a
que chegaram, em 1902, a Argentina e o Chile por meio da assinatura dos Tratados
de arbitramento e de desarmamento teria dissolvido as respectivas áreas de
influência no Atlântico e no Pacífico, e, em conseqüência, teria dado maior fluidez
às alianças e reforçado a independência e a autonomia externa dos Estados da
região 10 .
O processo de unificação desses dois subsistemas regionais teve como
ideologia legimitadora o “movimento” pan-americanista. Por meio de um discurso
que forjava uma suposta identidade, a ideologia do pan-americanismo viria a
funcionar como justificativa moral para uma relação, posteriormente rotulada de
neocolonial, onde os EUA desempenhariam uma “missão civilizadora”. Ao pretender
construir uma identidade própria para um continente dividido e heterogêneo, o
discurso americanista assentava-se sobre dois mitos: de um lado, o mito da unidade
geográfica das Américas, que formariam um hemisfério isolado e, portanto, imune
aos problemas do resto do mundo; de outro, o mito da afinidade política, expresso
na generalização de regimes republicanos, que se diferenciariam da tradição
monárquica do Velho Mundo (Keylor, 1992, p. 23).
Assim como a expansão territorial dos Estados Unidos para o oeste ao
longo do século XIX fora justificada pela ideologia do “destino manifesto”, a projeção
da hegemonia norte-americana sobre as Américas procuraria se legitimar com
recurso a outro princípio ideológico: a “solidariedade hemisférica”. Não foi acaso,
portanto, que a retomada das conferências internacionais americanas, a partir de
1889, resultasse de iniciativa dos Estados Unidos.
Apesar da regularidade com que se realizaram as Conferências
Internacionais Americanas a partir da de 1889/90 em Washington – a qual seguiram-
se a do México (1902), a do Rio de Janeiro (1906) e a de Buenos Aires (1910) –,
poucos resultados práticos foram por elas alcançados. A despeito dos esforços, a
64 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

cooperação continental foi pouco além de enunciados retóricos. Além da


desconfiança em relação aos Estados Unidos, contribuiu para a falta de resultados
concretos do movimento pan-americanista o próprio ambiente de rivalidade regional
que predominava entre as repúblicas sul-americanas.
Verificava-se com nitidez no subsistema americano a dicotomia assinalada
acima entre a prática e a teoria da política internacional: de um lado, a retórica da
solidariedade hemisférica e da igualdade entre soberanias; de outro, as repetidas
intervenções dos EUA nos assuntos internos de diferentes países da América
Central e do Caribe11 .

2.3. O Contexto regional no extremo sul do continente

Havia na América do Sul uma semelhança formal com o sistema europeu


de Estados12 : rivalidades geopolíticas, disputa por territórios, corrida armamentista,
além da tendência à formação de alianças e contra-alianças. A formação de blocos
regionais tornara-se uma preocupação constante das Chancelarias latino-
americanas.
O desejo de freiar as intervenções norte-americanas no mundo hispano-
americano poderia representar um elemento aglutinador para uma resistência
comum ao imperialismo dos EUA. Diversos problemas de fronteira, contudo,
comprometiam a possibilidade de convergência em torno de objetivos políticos
comuns; na prática, a aproximação de dois países ensejava a formação de um
bloco contrário, tal era o temor do rompimento do equilíbrio de poder na região
(Barros, 1970, p. 613).
Dos três protagonistas do ABC, era a Argentina o único que fazia fronteira
com os demais parceiros e rivais. Ao longo do século XIX, travou com o Brasil
uma disputa pela hegemonia na região do Prata. Com a Proclamação da República
no Brasil, em 1889, iniciou-se uma aproximação, que se mostrou efêmera em razão,
particularmente, da persistência da rivalidade estratégica, evidenciada, na primeira
década do século, pelas preocupações dos meios político e militar argentinos com
o programa de rearmamento naval brasileiro.
A diplomacia brasileira, por sua vez, julgava como ingerência indevida as
propostas argentinas de limitação da marinha brasileira ou de “equivalência naval”.
A negociação de tratado de arbitramento entre os dois países em 7 de setembro de
1905 contribui para relaxar as tensões mas não superou a rivalidade.
No limiar do século XX, a diplomacia portenha abandonara em definitivo o
sonho de reconstituir o Vice-Reinado – ideal geopolítico alimentado ao longo do
século XIX –, mas não se desvencilhara da preocupação de exercer a liderança ou
a hegemonia regional. Nesse sentido, perseguia uma política que buscava modificar
a distribuição de poder na região com vistas ao exercício da hegemonia13 .
Espremido entre a Cordilheira e o mar, o Chile mantinha pendências lindeiras
com seus três vizinhos limítrofes e, por essa razão, temia o isolamento. Poderia ver
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 65

no Brasil um eventual aliado nas disputas que mantinha contra a Bolívia, o Peru e,
principalmente, a Argentina.
Após sérios desentendimentos que quase os levaram à guerra, Argentina
e Chile lograram, em 1902, um acordo que estabelecia o arbitramento das
pendências sobre limites pelo Governo britânico, ao mesmo tempo em que os dois
governos assinavam um Protocolo de desarmamento por meio do qual se
comprometiam a limitar as respectivas forças navais e terrestres.
Para o Brasil, o Chile representava uma espécie de contrapeso geopolítico,
no sentido de que obrigava a Argentina a manter suas atenções voltadas para as
duas fronteiras. Além disso, o fato de que perdera a liderança naval no subcontinente,
tornava necessário a reorganização da marinha de guerra brasileira, o que suscitava
temores em Buenos Aires.
Na verdade, as rivalidades entre os países sul-americanos eram
acompanhadas de perto pela diplomacia brasileira, que, em várias oportunidades,
ofereceu seus bons ofícios para mediar disputas regionais14 . O equilíbrio instável
do poder no subsistema sul-americano poderia ter sido um dos fatores que
influenciaram a opção brasileira por uma política de aproximação com o Governo
de Washington. Na lógica da disputa pela liderança regional, se o Chile se armava,
a Argentina respondia com compra de armamentos, o que não podia deixar
indiferente o Governo brasileiro, que, reativamente, procurava reaparelhar suas
forças armadas para manter o equilíbrio.
Durante a gestão do Barão do Rio Branco no Itamaraty, o Brasil logrou
resolver em caráter definitivo os problemas de fronteira então pendentes com os
vizinhos, seja por meio de negociação direta (na maioria dos casos), seja com
recurso ao arbitramento (no caso da Guiana Inglesa, decidido pelo Rei da Itália).
Além disso, Rio Branco assinou, entre 1905 e 1911, trinta tratados de arbitramento,
o que testemunha sua preocupação com a busca de soluções negociadas para as
divergências internacionais15 .

3. Os fundamentos da política externa de Rio Branco

Apesar de apresentarem conteúdos significativamente distintos, não seria


possível entender o Tratado de 25 de maio isoladamente, sem um exame do projeto
proposto por Rio Branco em 1909. Esse antecedente, por sua vez, insere-se no
contexto de uma década marcante para a política externa brasileira.
Entre 1902 e 1912, o Chanceler brasileiro desenvolveu em relação aos
vizinhos da América do Sul uma linha de ação baseada na convicção de que um
alto nível de diálogo diplomático era indispensável para garantir a paz na região.
No que diz respeito especificamente às relações com a Argentina e o Chile, o tom
geral da política de Rio Branco foi o de que era necessário manter e fortalecer a
convivência pacífica. Foi com este espírito que apresentou, em 1909, o projeto de
66 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

tratado de “cordial inteligência política e arbitramento” para ser examinado pelos


Governos dos três países.
Uma discussão preliminar sobre os fundamentos da ação diplomática do
Barão do Rio Branco será imprescindível para se avaliar as motivações que levaram
o Chanceler brasileiro a participar de negociações que visavam a aproximar a
Argentina, o Brasil e o Chile mediante a assinatura de um tratado político. Assim,
para refletir sobre os princípios, os métodos e o significado da diplomacia de Rio
Branco se procederá à identificação dos aspectos mais importantes desta política,
segundo as visões dos principais autores que se dedicaram ao tema.
O trabalho fundamental para o estudo da diplomacia de Rio Branco consiste
na monografia do historiador norte-americano Bradford Burns: The unwritten
alliance16 . Pela qualidade abrangente da análise, fundada em minuciosa pesquisa,
fixou-se na literatura como referência obrigatória para o estudo do período Rio
Branco.
Segundo Burns, os objetivos da ação diplomática brasileira no período 1902-
1912 teriam sido:
• a solução definitiva das questões de fronteira;
• o aumento do prestígio internacional do país; e
• o desejo de estabelecer a liderança política do Brasil na América do Sul
(Burns, 1966, p. 204).
Tanto no desejo de fixar em definitivo as fronteiras do território nacional
quanto na busca de aumentar o prestígio internacional do país, o papel desempenhado
pelos Estados Unidos teria sido fundamental. Burns salienta, contudo, que a política
de cultivar a amizade norte-americana obedeceria a um objetivo instrumental da
política externa do Barão do Rio Branco, na medida em que corresponderia a uma
política de apoio para a consecução dos objetivos indicados acima (Burns, 1966, p.
200-4)17 .
Caberia discutir qual o significado da pretendida “liderança” no sub-
continente. Corresponderia ao exercício da hegemonia no subsistema sul-
americano? Na verdade, Burns é reticente quanto a esta questão: somente na
antepenúltima página do livro fala em “pretensões brasileiras à hegemonia na
América do Sul”18 .
O seguinte trecho do Despacho Telegráfico para Joaquim Nabuco,
Embaixador do Brasil em Washington, poderia ser utilizado como evidência do
“acordo tácito” sugerido por Burns: “(....) entendo que é direito nosso operar
nessa parte do continente sem ter que pedir licença ou dar explicações a
esse governo [dos EUA], como pelas provas tantas vezes dadas da nossa amizade
temos o direito de esperar se não involva ele para ajudar desafetos nossos nas
questões em que estejamos empenhados (....).”
No mesmo Despacho, contudo, Rio Branco deixava claro que desejava
apenas defender os legítimos interesse territoriais brasileiros e que não pretendia
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 67

exercer a hegemonia no subsistema: “(....) Não pretendemos estender-nos


por toda a Bacia do Amazonas como nos aconselhou Roosevelt (....), mas
pretendemos defender livremente o que é nosso e explorado de longa
data por nossa gente (....).” (grifos do autor) (Despacho Telegráfico n.º 4 de Rio
Branco para Joaquim Nabuco, Embaixador em Washington, de 10/01/98, AHI).
As relações comerciais entre os dois países teriam sido, segundo Burns, o
fator determinante da política de aproximação com os EUA. O mercado norte-
americano era o principal consumidor das exportações brasileiras, o que tornaria a
dependência comercial mais relevante como explicação para a aproximação do
que os laços políticos e diplomáticos (Burns, 1966, p. 202).
Burns conclui sua análise com a afirmação de que Rio Branco teria operado
duas “mudanças fundamentais” na política externa brasileira, as quais viriam a ter
repercussão direta sobre a atuação diplomática nos anos seguintes.
Em primeiro lugar, Rio Branco teria sido o principal responsável pelo
deslocamento do eixo diplomático brasileiro de Londres para Washington. Esta
alteração refletia, por um lado, a percepção do novo papel dos EUA no cenário
internacional e a consciência da dependência comercial do Brasil em relação à
república da América do Norte; por outro lado, a percepção do gradual retrocesso
da influência britânica sobre o sistema americano.
Em segundo lugar, a solução pacífica e definitiva das questões de limites
teria “liberado” a diplomacia brasileira para preocupações de outra natureza, que,
naquele momento, concentravam-se em questões de prestígio e liderança (Burns,
1966, p. 205-6).
Na mesma linha de Burns, Clodoaldo Bueno enfatiza o sentido pragmático
da política de aproximação com os EUA adotada por Rio Branco. Sendo Washington
o principal centro diplomático do continente, o fato de manter íntimas relações com
o governo norte-americano neutralizaria eventuais intrigas ou pressões contrárias
aos interesses do Brasil por parte dos vizinhos sul-americanos e, conseqüentemente,
daria maior liberdade de ação nas negociações sobre fixação das fronteiras.
Além disso, ao reconhecer a ascensão dos Estados Unidos ao nível de
potência mundial e ao identificar na Doutrina Monroe instrumento de defesa da
integridade territorial do continente, parece natural que Rio Branco endossasse,
ainda que pelo silêncio, o Corolário Roosevelt e o papel de “polícia internacional” a
ser desempenhado pelos EUA19 .
Bueno salienta, contudo, que Rio Branco percebia que o interesse norte-
americano em manter relações próximas com o Brasil e a América Latina em
geral não obedecia exclusivamente a princípios morais ou à boa vontade política: o
pan-americanismo, reanimado a partir de 1888 pelos EUA, atendia ao interesse
específico de aumentar a influência norte-americana na região20 . Neste sentido,
não havia ingenuidade ou idealismo na adesão ao pan-americanismo: a aproximação
com Washington exprimia a percepção realista de que manter relações próximas
68 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

com a nova potência mundial convinha aos interesses do Brasil, sem comprometer
a soberania.
Demonstração inequívoca do realismo e do pragmatismo da política externa
de Rio Branco, bem como de sua visão da conjuntura internacional no início do
século pode ser encontrada no seguinte trecho de Despacho para a Legação em
Buenos Aires: “(....) Quando as grandes potências da Europa não tiverem mais
terras a (....) colonizar na África e na Australásia hão de voltar os olhos para os
países da América Latina, devastados pelas guerras civis, se assim o estiverem, e
não é provável que os ampare a chamada Doutrina de Monroe, porque na
América do Norte também haverá excesso de população (bem como
continuará a política imperialista) e já ali se sustenta hoje o direito de
desapropriação pelos mais fortes dos povos mais incompetentes (....).”
(Despacho para a Legação em Buenos Aires, de 22/11/1904, AHI, 207/4/8) (grifo
do autor).
Bueno retoma a análise de Burns não só quanto ao papel da amizade com
os EUA, mas também quanto aos objetivos gerais da política externa de Rio Branco,
aos quais acrescenta a promoção da agroexportação nacional. Há que se registrar
pequena, porém significativa, diferença em relação a interpretação de Burns sobre
as razões para um relacionamento próximo com os Estados Unidos: para o
historiador norte-americano, a motivação básica tinha raízes na dependência
comercial; enquanto para Bueno, o peso das considerações políticas e estratégicas
era maior do que as razões comerciais na determinação da política de aproximação.
Chama atenção o fato de que Bueno, tal como Burns antes dele, reluta em
utilizar o conceito de ‘hegemonia’: o historiador brasileiro identifica o objetivo de
elevar o Brasil “à categoria de potência regional” ou ainda o desejo de “exercer
um papel de liderança na América do Sul”21 . Essas expressões se aproximam da
vaga idéia de ‘liderança’ empregada por Burns.
A relutância em empregar o conceito de hegemonia pode ser indicativa,
em primeiro lugar, da convicção de que Rio Branco não pretendera estabelecer a
hegemonia brasileira sobre o subsistema sul-americano. Inversamente, pode
significar também um mero eufemismo para uma política de hegemonia, por meio
da qual Rio Branco pretenderia “impor a lei” sobre as relações internacionais dos
Estados sul-americanos.
Em suma, fosse ela uma política de aumento da influência moral e política
do Brasil ou uma política de hegemonia sobre a América do Sul, o fato é que a
política externa de Rio Branco tinha como balizamentos em dois contextos regionais
distintos, porém interdependentes: o subsistema sul-americano e o norte-americano.
Na visão de Rubens Ricupero, o desenvolvimento de uma “aliança não
escrita” com os Estados Unidos constituiria a marca fundamental do período de
Rio Branco a frente do Ministério das Relações Exteriores. O sucesso dessa política
teria estabelecido um verdadeiro paradigma para a diplomacia brasileira posterior22 .
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 69

Segundo Ricupero, o Barão teria concebido dois “grandes desígnios” para


a política externa brasileira: (a) o desenvolvimento de uma aproximação político-
diplomática com os EUA, ao lado do relacionamento comercial; (b) a formalização
de aliança com os vizinhos do sul da América.
No que concerne às relações com os EUA, Ricupero reproduz a mesma
argumentação de Burns e Bueno: a aproximação constituía expressão do realismo
e do pragmatismo da política externa de Rio Branco. Sublinha o caráter
complementar da amizade com os vizinhos do Sul em relação à aproximação com
os Estados Unidos: não haveria contradição entre a “aliança não escrita” e o
fortalecimento da presença brasileira nas Américas. Na verdade, Rio Branco teria
pretendido desempenhar um duplo papel: o de interlocutor privilegiado dos EUA e
o de porta voz dos demais membros do sistema.
Após sintetizar três das mais importantes interpretações acerca da política
externa de Rio Branco, pode-se proceder a uma síntese conclusiva a fim de
apreender os aspectos essenciais do tema e, ao mesmo tempo, vinculá-lo às
iniciativas para a formalização do ABC. Esta síntese se concentrará em duas
questões básicas: (I) as relações com os Estados Unidos e as motivações
determinantes da aproximação; e (II) a natureza da política regional de Rio Branco
e a conseqüente discussão acerca da pretensão à hegemonia na América do Sul.
Sobre a primeira questão, constata-se que há unanimidade entre os autores
quanto à posição central ocupada pelas relações com os Estados Unidos na política
externa brasileira a partir de Rio Branco. Além disso, todos eles identificam um
sentido pragmático na política de aproximação com Washington. Surgem diferenças,
contudo, nas opiniões sobre as motivações que teriam levado Rio Branco a
desenvolver a aproximação. Enquanto Burns tende a ver a dependência comercial
em relação ao mercado norte-americano como o principal fator que teria
influenciado a “aliança não escrita”, Bueno avalia que considerações geopolíticas
teriam sido a motivação fundamental da política de aproximação.
Ricupero associa o que considera um novo padrão de funcionamento das
relações com as potências de diferencial de poder superior ao nosso – o “eixo das
relações assimétricas” – à política complementar de buscar a aproximação com
os vizinhos sul-americanos.
Quanto à natureza da política regional de Rio Branco, não se poderia evitar
a discussão a respeito das alegadas intenções do Ministro de estabelecer a
hegemonia brasileira na América do Sul. Conforme assinalado, há uma certa
reticência no exame desta questão: (a) Burns é o único autor que utiliza a expressão
“pretensão à hegemonia”, ainda que uma única vez; (b) Bueno fala em
“supremacia”, expressão que pode ser tomada como um eufemismo em relação
ao conceito de hegemonia23 ; (c) Ricupero se singulariza por não direcionar a
argumentação para enxergar em Rio Branco uma pretensão à hegemonia regional.
Para melhor enquadrar a discussão, convém delinear duas conceituações básicas:
‘hegemonia’ e ‘equilíbrio de poder’.
70 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

Segundo Adam Watson, a hegemonia não implica o fim da independência


política do Estado sobre o qual ela é exercida. Mesmo sob a hegemonia de um
Estado mais poderoso, o mais fraco mantém autonomia na esfera da política interna
e sofre a influência, mas não necessariamente o controle, sobre sua política externa.
De qualquer modo, ao impor determinado tipo de comportamento internacional aos
Estados mais fracos, o Estado hegemônico define as regras de funcionamento do
sistema ou subsistema internacional (Watson, 1992, p. 13-8).
O conceito de ‘equilíbrio de poder’ descreve o funcionamento de um sistema
internacional onde diversos Estados em um mesmo nível de poder (militar, político,
econômico, moral) interagem, sem que nenhum deles atinja um parcela superior de
poder que leve os demais a querer destruí-lo (Watson, 1992, p. 253).
Ao se considerar o subsistema sul-americano nos primeiros anos do século,
o princípio do equilíbrio de poder parece satisfatório para descrever seu
funcionamento, na medida em que cada Estado mantém sua independência e
autonomia política e nenhum deles apresenta condições para impor aos demais
uma relação de hegemonia. Observa Watson, contudo, que, nos sistemas formados
por Estados que preservam a autonomia interna e externa – como o subsistema
sul-americano –, haveria uma tendência para o surgimento de uma ordem
hegemônica.
Não parece adequado, portanto, atribuir ao Chanceler brasileiro pretensões
ao exercício de uma hegemonia unilateral na América do Sul. Se é fato que procurou
aumentar o prestígio internacional do Brasil, não seria verdadeiro afirmar que
tencionou impor a lei ou as regras de funcionamento do subsistema regional. Ao
encetar intensas negociações sobre questões de fronteira com a maioria dos vizinhos,
procurou defender o interesse do Brasil – o que fez com habilidade – sem pretender
impor ou determinar a política externa de seus interlocutores.

4. O ABC: conformidade ou resistência?

Embora as referências ao ABC sejam, em geral, esparsas e superficiais,


as interpretações disponíveis na historiografia permitem discernir, de forma
esquemática, duas linhas de análise que avançam em sentidos opostos. De um
lado, contam-se as interpretações, como as de Clodoaldo Bueno e de Rubens
Ricupero, que não enxergam no ABC qualquer sinal de uma política contrária aos
interesses norte-americanos; ao contrário, o ABC marcharia ao compasso de
Washington ou seria complementar à política de aproximação bilateral.
De outro lado, distingui-se a interpretação de Moniz Bandeira que vê no
ABC uma tentativa de bloquear a penetração dos interesses imperialistas dos
Estados Unidos e das potências européias na América do Sul. Vinculam-se
indiretamente a essa interpretação duas proposições sugestivas, porém não
desenvolvidas pelos respectivos autores: a de Bradford Burns, segundo a qual o
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 71

ABC seria uma espécie de versão sul-americana do Corolário Roosevelt; e a de


Celso Lafer, para quem a política americana de Rio Branco teria representado um
esforço para “multilateralizar” a Doutrina Monroe.
Apresentam-se, a seguir os contornos gerais das duas linhas de análise e
examina-se a validade ou não dos seus argumentos em relação aos dois momentos
distintos – 1909 e 1915 – em que o ABC esteve na pauta da política externa da
República Velha.

4.1. O ABC ao compasso de Washington

Segundo Bueno, o pragmatismo que caracterizava a busca da aproximação


com os Estados Unidos também se manifestaria nas tentativas de aproximação
com os vizinhos hispânicos, em particular com a Argentina e o Chile. Ao procurar
a amizade dos dois mais importantes países da América do Sul, Paranhos Júnior
visava superar antigas prevenções contra o Brasil, bem como ganhar maior liberdade
de ação em uma região onde predominavam países de língua espanhola (Bueno,
1992, p. 177).
Quanto à articulação diplomática entre as potências do ABC, Bueno
sustenta que “(....) a aproximação Argentina-Brasil-Chile, nos termos em que Rio
Branco concebia, não significa nenhum agrupamento para contrabalançar a
influência norte-americana. Ao contrário. O A.B.C. agiria em compasso com o
governo de Washington” (Bueno, 1992, p. 177-8).
De fato, o Chanceler brasileiro manifestara-se contrário à idéia de formação
de alianças entre países latino-americanos que se voltassem contra os EUA: “(....)
A tão falada Liga das Repúblicas hispano-americanas para fazer frente aos Estados
Unidos é pensamento irrealizável pela impossibilidade de acordo entre povos em
geral separados uns dos outros e até ridículo dada a conhecida fraqueza e falta de
recursos de quase todos. Não há de ser com política de alfinetadas, tornando-nos
desagradáveis aos Estados Unidos que poderemos inutilizar os esforços dos nossos
contendores (....)” (Despacho para a Legação do Brasil em Washington, de 31/01/
1905, AHI, 235/2/5).
Em conformidade com observação de José Honório Rodrigues, esta tomada
de posição dava continuidade a um postulado da diplomacia imperial de não hostilizar
os EUA e de não contrair alianças antinorte-americanas (Rodrigues, 1966, p. 102).
A leitura do projeto de Rio Branco, entretanto, sugere que merece
qualificação a idéia segundo a qual “o ABC agiria em compasso com o governo de
Washington”. Malgrado a inexistência de quaisquer sinais explícitos de hostilidade
em relação à república do Norte, o texto do projeto previa troca de informações
políticas e militares com vistas a coordenação de posições conjuntas no caso de
insurreições em algum dos três contratantes ou em algum dos vizinhos: “Artigo 11:
Sempre que se dê qualquer perturbação da ordem pública, insurreição política ou
72 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

levante militar em país que confine com alguma das três Repúblicas Contratantes,
tratarão elas, imediatamente, de assentar entre si nas providências a tomar, de
acordo com os princípios do Direito Internacional, combinando sobre as
instruções que devam mandar às suas autoridades civis e militares na
fronteira, assim como aos seus representantes diplomáticos, cônsules e
comandantes de navios de guerra no país em que tais perturbações se
produzirem, de modo a que se evitem atritos ou desinteligências entre os seus
respectivos agentes no teatro dos acontecimentos” (Projeto de Tratado de Cordial
Inteligência Política e de Arbitramento, entre os Estados Unidos do Brasil, a
República do Chile e a República Argentina, anexo ao Despacho reservado n.º 1,
para a Henrique Lisboa, Ministro do Brasil na Legação em Santiago, de 26/02/
1909, AHI, grifo do autor).
Ora, mesmo que não se considere esse artigo como diretamente hostil aos
interesses norte-americanos, ele pressupunha uma nova leitura da doutrina Monroe.
Ao abrir a possibilidade para ações militares coordenadas entre as forças do ABC,
o acordo concebido por Paranhos Júnior em 1909 pode ser interpretado como uma
resposta sul-americana ao Corolário Roosevelt, ao encontro da proposição de
Burns24 .
É igualmente possível que o Departamento de Estado não objetasse esse
tipo de cláusula e que, inclusive, a apoiasse, pois representaria um ônus a menos
para os EUA não ter que se preocupar com intervenções para garantir a estabilidade
e a ordem internacionais no subsistema sul-americano. Nessa linha de raciocínio, o
dispositivo que, no projeto de Rio Branco, previa a eventual coordenação militar
para acompanhar ameaças à ordem regional pode ser associado à idéia de Celso
Lafer de “multilateralização” da doutrina Monroe, embora esse autor não faça
referência ao ABC25 .
Para que o ABC – da forma como concebido por Rio Branco – funcionasse
em conformidade com a política externa norte-americana, é preciso supor que o
governo de Washington admitia e, mais que isso, via com bons olhos a idéia de
coordenação política entre seus membros para uma espécie de monitoramento
conjunto da política internacional na região.
No citado ensaio sobre a vida e a obra de Rio Branco, Rubens Ricupero
inclui pequeno capítulo sobre a projetada aliança sul-americana, a qual considera
uma “antecipação do futuro”. Suas breves considerações, porém, restringem-se a
um esboço de contextualização e ao exame sumário do projeto de Rio Branco. Tal
como Bueno, Ricupero não se reporta ao Tratado de 1915.
Embora reconheça que o Chanceler teria, em certas ocasiões, privilegiado
a amizade com os EUA em detrimento das relações com os países latinos da
América26 , Ricupero afirma que não havia “incompatibilidade inconciliável” entre
as duas esferas de relacionamento. Esse raciocínio equivale a reconhecer que
havia uma incompatibilidade, ainda que conciliável, entre as “relações assimétricas”
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 73

com os Estados Unidos e as “relações simétricas” com os demais membros do


sistema americano (Ricupero, 1995, p. 93). Como harmonizar essas duas vertentes
da política externa brasileira parece ter sido, portanto, um dos desafios fundamentais
que Paranhos Júnior teve que enfrentar.
Para Ricupero, haveria uma complementaridade entre o objetivo de manter
um relacionamento privilegiado com os EUA e o de criar um ambiente de confiança
mútua entre os países latino-americanos. O pan-americanismo, com sua retórica
de fraternidade e de igualdade entre as nações do continente, seria tomado como
instrumento para a consecução daqueles fins, que, uma vez alcançados, ajudariam
a aumentar o prestígio internacional do Brasil.
Segundo o autor em apreço, no que diz respeito ao primeiro grande objetivo,
Rio Branco procurou assumir para o Brasil o papel de interlocutor privilegiado dos
EUA na América do Sul. Teria pretendido fazer-se intérprete, junto aos sul-
americanos, da política externa do Departamento de Estado. Como exemplo dessa
postura, o autor cita o Despacho de 31 de janeiro de 1905 para a Legação em
Washington, no qual o Ministro brasileiro não somente aceitava o Corolário
Roosevelt, como também justificava as intervenções dos EUA em países com
governos irresponsáveis, provocadores de instabilidade27 .
Mais do que curiosa ou benevolente, como sugere Ricupero, a exegese do
Corolário Roosevelt pelo Barão constituía expressão clara do realismo político do
Chanceler: para países estáveis e responsáveis na administração de suas finanças
públicas e em dia com suas obrigações internacionais, não haveria razão para
temer a ingerência norte-americana. Ao contrário, esses países deveriam aceitá-
la e apoiá-la, pois estaria contribuindo para a manutenção da ordem no sistema.
Quanto ao segundo grande objetivo, Ricupero alega que Rio Branco
pretendeu converter-se em uma espécie de porta-voz dos sentimentos latino-
americanos junto aos EUA. Para exemplificar essa dimensão da política externa
de Paranhos Júnior, o autor menciona os seguintes fatos: (I) a mediação do Itamaraty
no conflito entre o Chile e os Estados Unidos sobre a questão Alsop; (II) as gestões
em Washington para a abertura de uma Legação norte-americana em Assunção;
(III) o empenho em convencer o Secretário de Estado Elihu Root a estender sua
visita à América do Sul a outras capitais além do Rio de Janeiro; e (IV) os esforços
junto ao Departamento de Estado para retirar da pauta da III Conferência
Americana a questão do arbitramento, em apoio à posição chilena28 .
Em uma leitura alternativa, esses exemplos podem ser interpretados como
resultantes de interesses tópicos do Brasil em cada momento, e não como
manifestações de uma preocupação genérica com a posição dos latino-americanos
diante dos EUA.
Especificamente sobre a aproximação com o Chile e a Argentina, Ricupero
lamenta a falta de “condições propícias à realização de um outro desígnio do Barão,
o ABC” (Ricupero, 1995, p. 93). A existência de problemas comerciais, a
74 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

persistência da rivalidade com a Argentina, herdada do período imperial, e a oposição


argentina ao programa de rearmamento naval brasileiro são apontadas como fatores
que comprometiam a possibilidade de uma aliança política que vinculasse os dois
países.
Na concepção de Ricupero, o ABC obedeceria à finalidade de
complementar a aproximação com os EUA com um tratado que garantiria a paz e
a estabilidade do subsistema sul-americano (Ricupero, 1995, p. 93).
Para identificar o objetivo básico do acordo, o autor reporta-se ao Artigo
1º, no qual os três países propunham-se a manter um entendimento mútuo no que
diz respeito a seus interesses e aspirações comuns, nomeadamente, na garantia da
paz e no estímulo ao progresso na América do Sul. Esse entendimento se faria
possível por meio do recurso obrigatório ao arbitramento em casos de desacordos
e por meio da limitação das possibilidades de emprego da força militar para resolver
controvérsias que surgissem entre as partes.
Além disso, o projeto de tratado “(....) também previa medidas de
coordenação entre os três países a fim de impedir a organização, em seus territórios,
de expedições para promover guerras civis no território de qualquer deles ou de
outros países e uma orientação comum caso se produzissem insurreições e levantes
em nações limítrofes” (Ricupero, 1995, p. 95).
Sublinha, dessa forma, o que se poderia identificar como o objetivo
subjacente do projeto, um objetivo de alcance regional: a manutenção da ordem e
da estabilidade e, portanto, da vigente distribuição de poder no subsistema sul-
americano.
Ricupero aponta, ainda, algumas razões que explicariam a não assinatura
do acordo tripartite. Do ponto de vista argentino, coexistiriam o receio de despertar
desconfianças no Peru e, sobretudo, o temor de reação negativa dos Estados Unidos.
O autor insinua que esse temor também poderia estar presente no lado brasileiro
(Ricupero, 1995, p. 95)29 .
Afirma que o Chanceler considerou a iniciativa “prematura”, o que se
devia aos problemas diplomáticos com a Argentina. Rio Branco, de fato, tinha
sérias reservas a respeito da confiabilidade do governo argentino, as quais, no
entanto, não impediram que redigisse sua versão para o acordo ABC30 .
Em suma, ao enfatizar a complementaridade entre o projeto do ABC e a
“aliança não escrita”, Ricupero descarta a possibilidade de identificar no ABC um
sentido de resistência aos EUA, como pretende Moniz Bandeira.

4.2. O ABC com resistência ao imperialismo

Moniz Bandeira faz uma distinção clara entre o projeto de tratado elaborado
por Rio Branco em 1909 e o Tratado efetivamente assinado em Buenos Aires em
1915. Na monografia que escreveu sobre as relações Brasil-Estados Unidos,
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 75

Bandeira dedica dois capítulos ao período 1902-1912, em um dos quais ABC é


focalizado. O autor informa que, em fevereiro de 1909, o Chanceler recebeu de
Puga Borne, ex-ministro das Relações Exteriores do Chile, minuta de um “Pacto
de Cordial Inteligência”. Em poucos dias, Rio Branco redigiu outro projeto, mas
solicitou ao representante chileno que o apresentasse à Argentina como se fosse
iniciativa do Chile e não do Brasil31 .
O projeto fora redigido em um momento de graves desinteligências com a
Argentina. Por um lado, persistia a oposição de Buenos Aires ao rearmamento da
Marinha de Guerra brasileira. Por outro, a divulgação naquela capital de versão
apócrifa de telegrama sigiloso dirigido por Rio Branco à representação do Brasil
em Santiago agravara a tensão32 .
Nesse telegrama, Rio Branco julgava impossível qualquer tipo de acordo
com a Argentina enquanto Zeballos continuasse como Chanceler argentino: “(....)
Sobre o projeto de tratado político, independente das modificações e acréscimos
que teríamos de propor, devo desde já declarar, e convém dizê-lo a esse Governo,
que não achamos a opinião suficientemente preparada para um acordo com o
Brasil e o consideramos inconveniente e impossível enquanto o Sr. Zeballos for
Ministro (....)” (Telegrama n.º 9, reservado, para Henrique Lisboa, Ministro do
Brasil em Santiago, de 17/06/1908, transcrito no Despacho Circular n.º 2, reservado,
de 29/10/1908, AHI).
Desde os primeiros anos de sua gestão a frente do Itamaraty, Rio Branco
manifestara interesse em negociar algum tipo de acordo com a Argentina e o Chile
a fim de facilitar a coordenação de suas políticas na região, conforme se depreende
do seguinte trecho de despacho para a Legação em Buenos Aires: “(....) troquei
algumas idéias com o Senhor Gorostiaga sobre a conveniência de um tratado de
arbitramento geral entre o Brasil e a República Argentina e sobre a utilidade de
algum acordo entre as duas repúblicas a o do Chile com o fim de, no caso de
insurreição ou guerra civil em algum dos países limítrofes, procurarem
concorrer, quando possível, para o restabelecimento da ordem ou para a
pacificação, sem desprestígio do governo legal, e impedir que do território
das três Repúblicas sejam prestados auxílios aos revolucionários. É do interesse
de todos nós concorrer para que se encerre a era das revoluções nesta parte da
América do Sul. Tão freqüentes agitações e desordens desacreditam na Europa e
nos Estados Unidos da América todos os latinos ou latinizados da América, e
retardam e paralisam o progresso de países que, pelas obras da paz, poderiam em
pouco tempo ser ricos e fortes, e constituem um verdadeiro perigo para grande
parte do nosso continente em futuro não muito remoto” (Despacho de 22/11/1904
para a Legação do Brasil em Buenos Aires, citado por Burns, 1966, p. 153; AHI,
207/4/8; grifo do autor).
Com o mesmo tipo de pensamento, o Chanceler escrevia em 1905 ao
Ministro argentino no Rio de Janeiro: “Estoy cada vez mas convencido de que una
76 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

cordial inteligencia entre la Argentina, Brasil y Chile seria de gran provecho para
cada una de las tres naciones y tendria influencia benéfica dentro y fuera de nuestros
paises” (Carta de 3 de setembro de 1905 de Rio Branco ao Senhor Manoel
Gorostiaga, Ministro argentino no Rio de Janeiro; trecho reproduzido no telegrama
de 19 de junho de 1908 para Henrique Lisboa, Ministro do Brasil em Santiago e no
Despacho Circular n.º 2, reservado, de 29 de outubro de 1908, ao Corpo Diplomático
brasileiro, AHI).
Pode-se perceber, portanto, que o teor do Artigo 11, reproduzido acima, já
tinha seus contornos esboçados desde 1904. Segundo Bandeira, o objetivo principal
do projeto de Rio Branco era o de preservar a segurança interna dos três países
(Bandeira, 1987, p. 20). De fato, pelos Artigos 9 e 10 as partes se obrigavam a não
prestar apoio a atividades subversivas no seu território ou no dos vizinhos:
— “Artigo 9: Cada uma das Altas Partes Contratantes obriga-se a impedir
por todos os meios a seu alcance que no seu território se armem e reúnam imigrados
políticos ou se organizem expedições para promover ou auxiliar desordens ou guerras
civis no território de alguma das outras duas ou no de qualquer Estado não signatário
do presente acordo.”
— “Artigo 10: No caso de insurreição contra o Governo de uma das três
Repúblicas Contratantes, as outras não consentirão nenhuma espécie de comércio
com os insurgentes e, sem faltar aos deveres de humanidade e aos que lhe ditem
tanto as suas instituições livres como a sua própria dignidade, tratarão de colocar
os insurgentes que entrarem ou se asilarem no território de cada uma delas em
posição inteiramente inofensiva, desarmando-os se estiverem armados e entregando
as armas e quaisquer elementos de guerra ao Governo legal que elas estejam
combatendo ou tenham combatido” (Projeto de Tratado de Cordial Inteligência
Política e de Arbitramento, anexo ao Despacho reservado n.º 1, para a Legação
em Santiago, de 26/02/1909, AHI).
Além de procurar reforçar a segurança dos países contratantes, o projeto
tinha pretensões de alcance regional, que iam além de questões de segurança
interna e refletiam a preocupação com a promoção da ordem e da paz no subsistema
sul-americano. Fortalece-se, assim, a hipótese de que Paranhos Júnior contemplava
a idéia de estabelecer uma “hegemonia coletiva” sobre o subsistema sul-americano.
Ao enfatizar a busca de segurança interna – efetivamente contemplada
nos Artigos 9 e 10 –, Bandeira deixa de chamar a atenção para o aspecto mais
inovador do projeto: nas situações de revoltas armadas ou de guerra civil em qualquer
dos países vizinhos, previa-se um certo nível de cooperação militar entre os
contratantes. Essa coordenação não implicava necessariamente a possibilidade de
violações da soberania dos demais membros do subsistema por meio de intervenções
militares. Pode-se, contudo, vislumbrar que Rio Branco, no desejo de garantir a
paz e a ordem regionais, concebesse o estabelecimento de uma hegemonia
compartilhada com a Argentina e o Chile sobre o conjunto da América do Sul, sem
prejuízo da independência política dos membros do sistema.
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 77

Nos termos do Artigo 11 do projeto de Rio Branco, com efeito, caberia ao


ABC uma espécie de monitoramento da ordem regional. Em síntese, a preocupação
com a instabilidade política da região seria a motivação para o estabelecimento de
uma autoridade hegemônica compartilhada entre os três principais países do
subsistema.
Em ensaio sobre o processo de integração na América do Sul, sem
estabelecer vínculo direto entre o ABC do início do século e outras experiências
posteriores de aproximação, Bandeira afirma que a visita de Roque Saenz Peña,
presidente eleito da Argentina, ao Rio de Janeiro em 1910 teria como objetivo
negociar uma aliança política com o Brasil. Essa aliança constituiria a base para o
estabelecimento de uma “hegemonia dual” sobre a América do Sul, que evitaria a
penetração dos Estados Unidos33 .
Embora tenha utilizado o conceito de “hegemonia dual” para caracterizar
as supostas intenções dos governos argentino e brasileiro por ocasião da visita de
Saenz Peña em 1910, Bandeira não recorre ao conceito de “hegemonia tríplice”
para caracterizar as idéias subjacentes ao conteúdo do projeto de Rio Branco.
Para Bandeira, Saenz Peña pretenderia um acordo bilateral com o Brasil, ou seja,
não teria levado em consideração a participação chilena.
Ora, as negociações com Puga Borne em Petrópolis e o conteúdo da
correspondência oficial parecem demonstrar que Paranhos Júnior não pretendeu
descartar o Chile como membro integrante de um possível pacto hegemônico na
América do Sul34 .
Sobre o Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias
Internacionais, assinado em 1915, Bandeira afirma que não teria sido bem recebido
pelo Governo dos Estados Unidos. Ainda em 1909, Rio Branco afirmava em
Telegrama para a Legação em Santiago que não se justificavam as reservas norte-
americanas ao projeto do ABC35 . O não comparecimento do Ministro norte-
americano em Buenos Aires à cerimônia de assinatura seria sintomática da pouca
receptividade ao Tratado de 25 de maio por parte do Departamento de Estado. “O
Governo de Washington considerou-o, na época, inamistoso. E, embora não tivesse
a mesma profundidade e não implicasse obrigações de aliança, o Tratado do ABC,
alcançado em 1915, possibilitaria a resistência comum ao predomínio tanto da Europa
quanto dos Estados Unidos” (Bandeira, 1987, p. 20).
No momento em que os Estados Unidos estavam assegurando para si a
‘hegemonia’ e o ‘domínio’ sobre a América Central e o Caribe, no momento em
que eclodia a guerra na Europa, acenando com perspectivas sombrias para o
comércio mundial, poderia parecer compreensível, do ponto de vista norte-americano,
uma certa reserva ou mesmo apreensão em face da assinatura de um acordo
entre as três mais importantes repúblicas da América do Sul.
No entanto, conforme o próprio Bandeira reconhece, o Tratado de 1915
não previa “obrigações de aliança”, isto é, não continha cláusulas que previssem
78 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

cooperação militar ofensiva ou defensiva. Seria, portanto, infundada qualquer


apreensão por parte do governo dos EUA. A reação negativa dos norte-americanos
– por ignorância dos termos do tratado ou por arrogância característica das potências
imperialistas, o que é mais provável – não parece suficiente para atribuir ao Tratado
de 25 de maio conotação antinorte-americana.
A análise do texto do Tratado, artigo por artigo, revela, que a preocupação
maior que norteou sua redação foi a de reduzir ao mínimo as possibilidades de
conflito entre os Estados contratantes. Nesse sentido, seu conteúdo preventivo
dirigia-se às eventuais diferenças que surgissem entre os próprios países do ABC.
Não há, no texto do Tratado, qualquer indicação de que se pretendesse “resistir” à
penetração política e econômica dos Estados Unidos ou da Europa.
Assim, a opinião de Bandeira, que vê no Tratado de 1915 uma forma de
resistência ao avanço do imperialismo, não encontra fundamento na letra do próprio
Tratado.

5. De projeto de hegemonia coletiva à complementação do arbitramento

Como exercício de sistematização a partir do que foi apresentado e discutido


acima, seguem-se algumas conclusões sobre o significado das iniciativas para a
assinatura de um tratado político entre o Brasil, a Argentina e o Chile em 1909 e
em 1915. Estas conclusões procuram responder a duas questões básicas: (I) o
ABC teria uma conotação antinorte-americana?; (II) o ABC representaria uma
tentativa de estabelecer uma hegemonia coletiva sobre o subsistema sul-americano?
Com relação ao projeto de Rio Branco, duas interpretações se opõem: de
um lado, Bueno e Ricupero, que não o identificam como expressão de uma política
contrária aos EUA; de outro, Bandeira, que vê no projeto uma tentativa de resistir
à penetração dos EUA na América do Sul.
A favor da interpretação de Bueno e Ricupero, pode-se argumentar que
Rio Branco seguia um princípio oriundo da política externa imperial, segundo o
qual o Brasil não deveria participar de nenhuma aliança contra os Estados Unidos.
O argumento de que Rio Branco pretendia criar um bloco para resistir à
penetração dos EUA somente faria sentido caso se entendesse o projeto ABC
como elemento de uma política que visava ao estabelecimento de uma hegemonia
coletiva sobre a América do Sul. Ainda assim, seria necessário supor que os Estados
Unidos fossem contrários a essa iniciativa.
Burns chegou a ver no ABC uma versão sul-americana do Corolário
Roosevelt na medida em que os dois tinham o mesmo objetivo: assegurar a ordem
e a estabilidade do subsistema, bem como a vigente distribuição do poder. Burns
não investigou, porém, a respeito da reação dos EUA ao ABC. Na mesma linha,
Lafer identificou na política de Rio Branco o desejo de multilateralizar a doutrina
Monroe, atualizada pela declaração de Roosevelt.
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 79

A partir dessas leituras, torna-se plausível a hipótese de que o projeto de


1909 contemplava o estabelecimento de uma hegemonia compartilhada entre o
Brasil, a Argentina e o Chile sobre a América do Sul: ao ABC caberia, portanto,
desempenhar o papel de garante da ordem na região.
Com relação ao Tratado de 25 de maio 1915, não se sustenta a hipótese da
hegemonia coletiva uma vez que tinha como objetivo solucionar divergências que
eventualmente surgissem entre os contratantes. Nesse sentido, tinha alcance mais
restrito do que o projeto de Rio Branco. Tampouco se sustenta a idéia de que
representava uma tentativa de limitar a penetração imperialista no subsistema sul-
americano, pois, na verdade, limitava-se a complementar os tratados bilaterais de
arbitramento.

Novembro 1998

Notas

1 “Os governos da República dos Estados Unidos do Brasil, da República Argentina e da República
do Chile, no desejo de afirmar neste momento a inteligência cordial, que a comunhão de ideais e
interesses criou entre os seus respectivos países, e de consolidar as relações de estreita amizade
que os ligam, conjurando a possibilidade de conflitos violentos no futuro; de acordo com os
desígnios de concórdia e de paz que inspiram a sua política internacional e com o firme propósito
de cooperar para que se torne cada vez mais sólida a confraternidade das Repúblicas americanas
(....)”.Tratado entre a República dos Estados Unidos do Brasil, a Argentina e o Chile para
Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais, Arquivo Histórico do Itamaraty,
Rio de Janeiro (AHI), Seção de Atos Internacionais.
2 “ (....) tendo em vista que os vigentes Tratados de Arbitramento entre o Brasil e o Chile, de 18/
05/1899, entre a República Argentina e o Chile, de 28/05/1902, e entre a República argentina e
o Brasil, de 07/09/1905, que consagram o arbitramento como único meio de resolver todas as
controvérsias de qualquer natureza que surgirem entre eles, excetuaram deste recurso o primeiro
dos referidos tratados as questões que não pudessem ser formuladas juridicamente, e, os dois
últimos, as que entendessem com os preceitos de constitucionais dos Países Contratantes:
resolveram adotar agora uma norma de procedimento que facilite a solução amigável das questões
excetuadas do arbitramento, em virtude dos aludidos pactos (....)”. Tratado..., introdução, AHI.
3 “As controvérsias que por qualquer motivo originadas no futuro entre as três Partes Contratantes
ou entre duas delas e que não tiveram podido ser resolvidas por via diplomática, nem submetidas
a arbitramento, de conformidade com os tratados existentes ou com os que forem celebrados
posteriormente, serão submetidas ao exame e parecer de uma Comissão Permanente, constituída
pela forma estabelecida no Artigo III. As Altas Partes Contratantes se obrigam a não praticar
atos hostis, enquanto a Comissão, criada pelo presente Tratado, não tiver dado o seu parecer ou
não houver decorrido o prazo de um ano de que trata o Artigo V”. Tratado..., Artigo I, AHI.
4 Cf. Luís Viana Filho, A Vida do Barão do Rio Branco, Porto, Lello & Irmão, 1983, p. 434-435.
5 Cf. William Keylor, The Twentieth Century World/An International History. Nova York. Oxford
University Press. 1992. p. 4.
6 Cf. Adam Watson, The Evolution of International Society/A Comparative Historical Analysis,
Nova York, Routledge, 1992, p. 274-6
80 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

7 Martin Wight, A Política do Poder, Brasília, Edunb, 1985, p. 48-9.


8 Cf. P. J. Cains & A. G. Hopkins, British Imperialism: Innovation and Expansion/ 1688-1914,
Londres, Longman, 1993, Calling the New World into Existence: South America, 1815-1914, p.
276-315, especialmente p. 286-8.
9 Cf. Jean-Baptiste Duroselle, “From Wilson to Roosevelt/Foreign Policy of the United States
(1913-1945)”, Londres, Chatto & Windus, 1964, em especial, The Foundations of American
Foreign Policy before the Election of Wilson, p. 3-23.
10 Cf. Mario Barros, História Diplomática de Chile, Barcelona, Ed. Ariel, 1970, p. 575-8.
11 A expansão dos EUA para além dos limites da América do Norte ganhou força a partir da Guerra
Hispano-Americana (1898), após a qual anexaram as Filipinas, a ilha de Guam, o Havaí e Porto
Rico, além de estabelecerem protetorado sobre Cuba recém independente. Seguiram-se o apoio
à separação do Panamá da Colômbia (1903) e a soberania sobre a zona do futuro canal interoceânico
do Panamá (aberto em agosto de 1914), a ocupação de Honduras (1902-19), da Nicarágua
(1912-25), do Haiti (1915-34), da República Dominicana (1916-24) e a compra das Ilhas
Virgens da Dinamarca (1917). Ver, entre outros, Eric Homberger, The Penguin Historical Atlas
of North America, Penguin Books, 1995, p. 90-1.
12 Cf. Clodoaldo Bueno, “Do Idealismo ao Realismo: Brasil e Cone Sul no Início da República
(1889-1902)”, in: Contexto Internacional 12, Rio de Janeiro, IRI/PUC, p. 71-82, 1990.
13 Cf. Demétrio Magnoli, O Corpo da Pátria/ Imaginação Geográfica e Política Externa no Brasil
(1808-1912), São Paulo, Editora UNESP, 1997, p. 230 e seguintes.
14 Por exemplo, por ocasião da ameaça de guerra entre o Peru e o Equador, em 1909, e quando do
incidente entre o Chile e o Peru, provocado pela expulsão de padres peruanos da região de Tacna
e Arica, em 1910. Cf. Barros, 1970, p. 586-90.
15 Para a relação desses tratados de arbitramento ver Dunshee de Abranches, Rio Branco e a
Política Exterior do Brasil (1902-1912), Rio de Janeiro, 1945, vol. 2.º, p. 25-7.
16 Bradford Burns, The Unwritten Alliance/Rio Branco and Brazilian-American Relations. Nova
York, Columbia University Press, 1966.
17 Para explicar o caráter instrumental da política de cultivar a amizade dos EUA, José Honório
Rodrigues alega que essa política foi posta em prática com vistas a superar a rivalidade com a
Argentina, a qual considera transitória. Cf. J. H. Rodrigues, Interesse Nacional e Política Externa,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 102.
18 “There seems to have been a tacit accord whereby Brazil acknowledged the hegemony of the
United States in North America and the United States respected Brazilian pretensions to the
hegemony of South America”. Cf. Burns, 1966, p. 207.
19 Cf. Clodoaldo Bueno, “Dos Alinhamentos ao Nacional-Desenvolvimentismo”, in: Amado Luiz
Cervo & C. Bueno, História da Política Exterior do Brasil, São Paulo, Ática, 1992, p. 135-328;
sobre o período em apreço, ver p. 162-81.
20 “Rio Branco não alimentava um idealismo ingênuo quanto à natureza do pan-americanismo.
Sabia que esse fora reanimado por Blaine, em 1888, no próprio interesse dos Estados Unidos”,
Bueno, 1992, p. 167.
21 Cf. Bueno, “As Noções de Prestígio e Soberania na Política Externa de Rio Branco (1902-
1912)”. In: CERVO, Amado Luiz & DOPCKE, Wolfgang (orgs.). Relações Internacionais dos
Países Americanos/Vertentes da História, Brasília, Linha Gráfica Editora, p. 43-52, 1994,
páginas 43 e 47 respectivamente.
22 Rubens Ricupero, “Um personagem da república”, 1995, in: FUNAG, José Maria da Silva
Paranhos/Barão do Rio Branco/Uma biografia fotográfica, Brasília, 1995, p. 85-91, “Os
Estados Unidos e o Novo Paradigma da Política Externa”.
23 Demétrio Magnoli se aproxima da análise de Bueno ao identificar a pretensão de Rio Branco a
tornar o Brasil o “pólo geopolítico” na América do Sul; cf. Magnoli, 1997, p. 215-6.
24 Cf. Burns, 1966, p. 153: “Exactly at the time when Roosevelt announced his corollary, Rio-
O SUBSISTEMA AMERICANO, RIO BRANCO E O ABC 81

Branco was thinking of proposing a treaty between Argentina, Brazil, and Chile “with the goal
that in case of civil war or insurrection in one of the countries bordering on us, we would try to
reestablish, as much as possible, order and peace without detracting from the prestige of the
legal government and to prohibit the use of our territories by the revolutionnaries (....) The
objective of this plan was similar to that of the Roosevelt Corollary: the maintenance of
stable and responsible governments in Latin America”.
25 Cf. Celso Lafer, “Uma Interpretação das Relações Internacionais do Brasil”, in: LAFER, C. &
Peña, F., Argentina e Brasil no Sistema das Relações Internacionais, São Paulo, Duas Cidades,
1973, p. 83-126. “(....) não negligenciou Rio Branco o interesse geral da América Latina, pois
tentou refrear o caráter unilateral das intervenções americanas, sobretudo na América Central –
fundamentadas na doutrina Monroe, ao propor a multilateralização desta doutrina que, segundo
ele, deveria ser incorporada ao Direito Internacional Público americano para ser aplicada através
da ação conjunta das principais repúblicas do continente”, p. 87.
26 Cf. Ricupero, 1995, p. 93: como exemplos do que considera uma subordinação do “eixo simétrico”
ao “eixo assimétrico” das relações internacionais do país, o autor enumera: o reconhecimento do
Panamá (1903); a aprovação do Corolário Roosevelt (1904) e da intervenção norte-americana
em Cuba (1906); a rejeição da doutrina Drago; e o silêncio diante das manobras militares dos
EUA na fronteira com o México (1911).
27 Cf. Despacho de 31/01/1905, para a Legação do Brasil em Washington, AHI, 235/2/5: “(....) Não
vejo motivo para que as três principais nações da América do Sul – o Brasil, o Chile e a
Argentina – se molestem com a linguagem do Presidente e a do Ministro da Guerra, seu
particular amigo. Ninguém poderá dizer com justiça que elas estão no número de nações
desgovernadas e turbulentas que não sabem fazer “bom uso de sua independência (....) As
outras repúblicas latino-americanas que se sintam ameaçadas pela polícia internacional dos
Estados Unidos têm o remédio em suas mãos: é tratarem de escolher governantes honestos e
previdentes, e, pela paz e energia no trabalho, progredirem em riqueza e força (....)”.
28 Valeria ainda mencionar, como exemplo do que Lafer considera como defesa de interesses gerais
latino-americanos, as gestões junto à Santa Sé para a nomeação de um brasileiro como cardeal,
que incluíram a sugestão de criação de cardinalatos no Chile e na Argentina (Cf. Magnoli, 1997,
p. 221, nota 41).
29 Em defesa dessa proposição, Ricupero comenta que, por ocasião da independência do Panamá,
em 3 de novembro de 1903, os ministros das relações exteriores do Brasil, da Argentina e do
Chile coordenaram-se entre si para um reconhecimento simultâneo. Citando Burns, Ricupero
refere-se à comunicação ao Departamento de Estado na qual o então Encarregado de Negócios
do Brasil em Washington, Gomes Ferreira, afirmava que não havia, naquela iniciativa dos países
do ABC, nenhuma intenção de contrabalançar a influência dos EUA no Panamá. Cf. Ricupero,
1995, p. 95-6 e Burns, 1966, p. 88.
30 “Somente para condescender com nossos amigos do Chile prestei a formular o projeto de acordo
(....). Acho inoportuna ou prematura qualquer tentativa de acordo dessa natureza com a
Argentina”. Cf. Despacho reservado n.º 4 para Henrique Lisboa, Ministro do Brasil em Santiago,
de 09/03/1909, AHI, 231/4/3.
31 Cf. Moniz Bandeira, Presença dos Estados Unidos no Brasil/Dois Séculos de História, Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1973, p. 179-80.
32 Sobre o incidente diplomático entre o Brasil e a Argentina provocado pela divulgação em
Buenos Aires de versão deturpada do conteúdo do Telegrama n.º 9, de 17/06/1908, dirigido por
Rio Branco à Legação no Chile, ver, entre outros: Lins, 1995, p. 739-89; Bandeira, 1972, p. 177-
8; e o Despacho Circular de 28/10/1908 (AHI), no qual Rio Branco reproduz os conteúdos de
quatro telegramas sigilosos para a Legação em Santiago, inclusive o de n.º 9.
33 Cf. Moniz Bandeira, O Eixo Argentina-Brasil: o Processo de Integração na América Latina,
Brasília, Edunb, 1987, p. 19.
82 GUILHERME FRAZÃO CONDURU

34 Sobre as negociações com Puga Borne em Petrópolis, em fevereiro de 1903, cf. Despacho n.º 1
para a Legação do Brasil em Buenos Aires, de 26/02/1909, AHI, pelo qual Rio Branco também
informava sobre os antecedentes daquelas negociações e encaminhava os textos dos três projetos
de tratado, o seu e de dois anteriores.
35 “em Washington acreditou-se que a projetada aliança era inspirada por pensamento unfriendly
para com os Estados Unidos, e o artigo do projeto permitindo convites e adesões faria acreditar
no começo de um liga geral contra eles (....) De modo algum nos indisporemos com os
Estados Unidos e penso que o interesse do Chile é também estar muito bem com esse
país”. (Telegrama n.º 11, reservado, de 19/06/1908, para a Legação do Brasil em Santiago,
transcrito no Despacho Circular n.º 2, reservado, de 29/10/1908, AHI).

Resumo

O artigo discute as motivações e objetivos que levaram o Brasil a participar


de negociações com a Argentina e o Chile, entre 1907 e 1915, para a assinatura de
um tratado de “cordial inteligência política”, conhecido como ABC. Com vistas a
situar essa iniciativa no contexto internacional do período, examina a configuração
do subsistema americano bem como o papel do pan-americanismo. A fim de
identificar seu significado político, analisa os fundamentos da política externa de
Rio Branco (1902-1912) e as mais relevantes interpretações do ABC na
historiografia, utilizando como recursos metodológicos os conceitos de sistemas de
Estados e de hegemonia.

Abstract

The article discusses the motivations and purposes that lead Brazil to take
part in negotiations with Argentina and Chile, between 1907 and 1915, to sign a
treaty of “friendly political intelligence”, known as ABC. In order to place this
initiative in the international context of the period, the article surveys the
characteristics of the American international system as well as the role played by
pan-americanism. To identify its political significance, it studies the foundations of
Rio Branco’s foreign policy (1902-1912) and the most relevant interpretations of
the ABC in the historiography using the concepts of states system and hegemony
as methodological resources.

Palavras-chaves: Política externa. Subsistema internacional americano. Barão do


Rio Branco. Tratado do ABC.
Key-words: Foreign policy. American states system. Baron of Rio Branco. Treaty
of the ABC.
Estados Unidos e
Grã-Bretanha no
Brasil: Transição de
Poder no
Entreguerras
Eugênio Vargas Garcia

A transição de poder na política mundial da Grã-Bretanha para os


1
Estados Unidos foi um evento marcante do período entreguerras .
Após a Primeira Guerra Mundial, uma luta global pela supremacia
dominou as relações anglo-norte-americanas e a amplitude do desa-
fio dos Estados Unidos à influência britânica teve repercussões em
várias regiões do mundo, incluindo a América do Sul. No Brasil, a
situação não seria diferente.

Quando o Brasil se tornou independente em 1822, a Grã-Bretanha


desfrutava de forte posição no país, graças ao legado dos portugue-
ses. Por volta de 1900, a Grã-Bretanha ainda era a potência estrangei-
ra líder na economia brasileira – o maior fornecedor das importações
brasileiras, a principal fonte de capital financeiro para o Brasil e, de
longe, o maior investidor estrangeiro no país. Nos anos seguintes, a
posição britânica no Brasil seria desafiada em grande parte pela in-
fluência crescente da Alemanha e apenas ligeiramente pelos Estados

CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 24, nº 1, janeiro/junho 2002, pp. 41-71.

41
Eugênio Vargas Garcia

Unidos, cuja expansão econômica não havia ainda alcançado a Amé-


rica do Sul. Durante a Primeira Guerra Mundial, Grã-Bretanha e
Estados Unidos uniram forças contra a Alemanha e ambos tiveram
sucesso em expulsar interesses alemães do Brasil. Com o passar dos
anos, no entreguerras, a recuperação decidida da Alemanha, especi-
almente sob o regime nazista, renovou o desafio anterior e, na Segun-
da Guerra Mundial, os interesses de britânicos e norte-americanos
estiveram uma vez mais unidos contra os alemães. Em 1945, porém,
os Estados Unidos eram indisputavelmente a potência hegemônica
no Brasil e a Grã-Bretanha havia perdido completamente sua posição
outrora dominante no país. Uma mudança histórica havia realmente
ocorrido, com conseqüências de longo alcance.

Compreensivelmente, o desafio alemão atraiu muito interesse acadê-


mico e os historiadores devotaram particular atenção à disputa Esta-
dos Unidos-Alemanha na década de 30. Entretanto, se assumirmos
que a transição de poder Grã-Bretanha-Estados Unidos foi provavel-
mente uma das mudanças mais importantes para as relações interna-
cionais do Brasil no século XX, é justo admitir que esse tema mere-
2
ceria melhor consideração .

Nesse sentido, a importância da década de 20 foi sublinhada por Alan


Manchester em seu clássico livro sobre a ascensão e o declínio da
preeminência britânica no Brasil. Como o maior comprador das ex-
portações brasileiras desde meados da década de 1860, os Estados
Unidos tinham, por assim dizer, uma voz no comércio exterior do
Brasil. A Grã-Bretanha, por seu turno, estava mais interessada em as-
segurar o mercado brasileiro para seus próprios bens manufaturados,
uma vez que os produtos primários e matérias-primas que lhe eram
necessários podiam ser facilmente adquiridos de fornecedores ou-
tros que não o Brasil (Império Britânico, por exemplo).
“Assim, apesar do aviso ocasional verbalizado por cônsules britânicos, os
Estados Unidos figuravam como um competidor menor da Inglaterra até a
Grande Guerra, quando suplantaram a Grã-Bretanha como o principal for-

42
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

necedor daquela República sul-americana. A incapacidade da Inglaterra de


manter sua posição tradicional durante os anos que se seguiram a 1914 era
meramente o resultado natural de condições de guerra e, para os britânicos,
um eclipse temporário que seria retificado no momento apropriado. Conse-
qüentemente, a verdadeira luta pela supremacia começou após 1918”
(Manchester, 1972:334).

Este artigo busca chamar a atenção para alguns aspectos desse pro-
cesso de transição particularmente na década de 20, período em que a
rivalidade anglo-norte-americana encontrou terreno fértil no Brasil,
preparando o caminho para a ascendência dos Estados Unidos sobre
a economia brasileira. Serão abordados brevemente temas específi-
cos na área econômica, com vistas a reunir dados para o entendimen-
3
to de como essa disputa por influência tomou forma . É conveniente
lembrar, por oportuno, que nos anos 20 os Estados Unidos não eram
(ainda) uma potência hegemônica no Brasil e tampouco eram vistos
pelos contemporâneos como uma ameaça à independência ou à auto-
nomia do país. A posição da Grã-Bretanha antes da Primeira Guerra
Mundial, do mesmo modo, estava longe de ser “hegemônica”. A
transição de poder de que se fala aqui deve ser vista como uma mu-
dança histórica de longue durée e o período entreguerras como o
ponto culminante de um processo secular.

Estados Unidos: A Entrada


do Desafiante

A Primeira Guerra Mundial abriu novo capítulo na competição entre


as grandes potências pelos mercados e recursos naturais dos países
em desenvolvimento. Já antes de 1914, a expansão imperialista apro-
ximava-se de seu ponto de saturação em virtude da escassez de novos
territórios a conquistar. As principais potências mantinham cativos
seus impérios coloniais, áreas de exploração exclusiva. A América
Latina, porém, região de nações politicamente independentes, apre-
sentava-se como campo aberto para a penetração econômica estran-
geira. O Brasil, com uma população de 30.635.605 habitantes e um

43
Eugênio Vargas Garcia

dos maiores PIBs do Continente, despontava no contexto lati-


no-americano como mercado altamente promissor e alvo natural de
oportunidades de negócios4.

Nesse contexto, o avanço indiscutível dos Estados Unidos na econo-


mia brasileira, visível desde os anos da guerra, conferiu novos con-
tornos à rivalidade econômica entre as grandes potências. A queda
no comércio durante a guerra e a poderosa concorrência nor-
te-americana haviam deixado claro às potências européias que o Bra-
sil não era mais um mercado tranqüilamente ocupado e repartido en-
tre interesses estabelecidos. Vejamos três áreas de grande visibilida-
de e interesse econômico: investimentos diretos (em particular o se-
tor automobilístico), comércio exterior e finanças.

Investimentos Diretos

Quando analisada a extensão da presença estrangeira na economia


brasileira, os Estados Unidos foram de longe os grandes beneficiá-
rios das transformações engendradas pela hecatombe de 1914-1918.
Antes da guerra, algumas companhias norte-americanas já se encon-
travam instaladas no Brasil, mas foi durante aquele conflito que o rit-
mo de abertura de novos empreendimentos ganhou impulso. Um
caso típico foi o da indústria de carnes congeladas, com o estabeleci-
mento ou a compra de frigoríficos no Brasil por companhias como
Continental, Wilson, Armour e Swift, que objetivavam processar
aqui a matéria-prima para exportação.
“A guerra foi um verdadeiro terremoto econômico para este continente, o
qual não tinha o mínimo grau de preparo para enfrentar a paralisação repen-
tina e simultânea do seu comércio marítimo, investimento, comércio e imi-
gração, e financiamento de crédito. A rotina de vida foi alterada. Os investi-
dores de capitais e os clientes de seus produtos haviam desaparecido. Os re-
presentantes das firmas alemãs deixaram de obter novas encomendas; os ar-
tigos de luxo franceses, tão procurados, não existiam mais no mercado; os
estoques das casas inglesas estavam exaustos; a América do Sul tinha sido
abandonada pelos seus velhos amigos. [...] Diante desta confusão, os Esta-

44
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

dos Unidos fizeram sua investida. Foi sua entrada triunfal” (Normano,
1944:23-24).

No pós-guerra, a tendência foi de aceleração ainda maior no volume


de novas empresas e investimentos diretos norte-americanos no Bra-
sil. Em fevereiro de 1919, era fundada a Câmara Americana de Co-
mércio de São Paulo, presidida por William T. Wright, um membro
ilustre da comunidade norte-americana. Um dos primeiros boletins
publicados pela nova entidade, que pretendia impulsionar as relações
comerciais entre os dois países, informava que o Brasil estava impor-
tando mais da metade dos seus artigos de necessidade e de luxo dos
Estados Unidos e exportando para lá “quase a metade das suas
obras”. Em 1920, a Câmara já havia cadastrado 320 firmas nor-
te-americanas estabelecidas somente na cidade de São Paulo (Freitas
Jr., 1994:146-147).

Os investimentos dos Estados Unidos na América Latina, em geral, e


no Brasil, em particular, experimentaram notável crescimento ao lon-
go de toda a década de 20. Por ocasião da visita do presidente eleito
Herbert Hoover a países latino-americanos, no final de 1928, o jornal
The New York Times divulgou que os Estados Unidos tinham US$ 5 in-
vestidos na América Latina e Caribe para cada US$ 4 investidos na Eu-
ropa. (Somente na Venezuela, os investimentos norte-americanos
eram maiores do que a soma dezesseis anos antes de todos os seus in-
vestimentos na América do Sul.) Antes da guerra, os investimentos
dos Estados Unidos na América Latina eram de aproximadamente
US$ 1,2 trilhão, mas a maior parte (82% do total) estavam concentra-
dos apenas no México e em Cuba. No início de 1929, essa mesma
quantia havia quintuplicado, alcançando a cifra de US$ 5,5 trilhões,
sendo 41% desse total alocado na América do Sul, onde os maiores re-
cipiendários eram a Argentina e o Brasil. Em 1913, os Estados Unidos
tinham US$ 50 milhões investidos no Brasil; em 1929, os investimen-
tos norte-americanos no país haviam aumentado para a fantástica
soma de US$ 476 milhões (Winkler, 1929:1-7 e 275-278).

45
Eugênio Vargas Garcia

Os setores que registraram os maiores avanços foram aqueles ligados


a automóveis, petróleo, máquinas e implementos, bens de consumo
duráveis, produtos farmacêuticos, companhias de seguros e outros
que serviam indiretamente para reproduzir o American way of life,
como empresas de comunicações, jornais, cinema e a indústria de en-
tretenimento. Em 1926, 95% de todos os filmes exibidos no Brasil
eram norte-americanos. No caso do telégrafo, depois de romper, em
1917, com o monopólio britânico exercido no Brasil pela Western
Telegraph Company, os Estados Unidos ampliaram rapidamente sua
participação no total de cabos submarinos instalados em águas brasi-
leiras. Em 1920, a Central and South American Telegraph Company,
pertencente à All America Cables Inc., instalava-se no Brasil. Agên-
cias de notícias norte-americanas, como a United Press International
(1918) e a Associated Press (1919), passaram a fornecer seus servi-
ços para jornais brasileiros, que antes dependiam para o noticiário in-
ternacional quase que exclusivamente do material divulgado pela
agência francesa Havas (Rosenberg, 1978:146-148; Tulchin,
1971:208-233).

A internacionalização das companhias norte-americanas nesse perío-


do refletiu novo padrão no relacionamento econômico dos Estados
Unidos com os países latino-americanos, em especial aqueles da parte
sul do Continente. A onda de investimentos diretos dos Estados Uni-
dos na América do Sul, durante e após a guerra, sinalizava em direção
a uma abordagem global para os negócios, como passaria a ser a regra
para as empresas multinacionais típicas de períodos posteriores.

No setor de energia elétrica, por exemplo, a estratégia dos investi-


mentos norte-americanos consistia em ocupar nichos pouco explora-
dos no país. Em meados de 1923, a companhia norte-americana
Electric Bond & Share Corporation havia criado a American and Fo-
reign Power (AMFORP), cuja principal meta era expandir os negócios
da empresa no exterior mediante a aquisição de propriedades fora
dos Estados Unidos. Depois de operar, em um primeiro momento, na

46
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

América Central e no Caribe, a AMFORP iniciou suas atividades no


Brasil em 1927, com a constituição de uma empresa subsidiária, a
Empresas Elétricas Brasileiras. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o
setor encontrava-se então sob o monopólio do grupo Light, vincula-
do à Brazilian Traction, Light and Power Company, sediada no Ca-
nadá. A orientação adotada pela AMFORP foi, após avaliação das po-
tencialidades de cada região, adquirir empresas instaladas em outras
cidades no Sul, Sudeste e Nordeste e, em pouco mais de três anos, as-
sumiu o controle de concessionárias em Porto Alegre, Curitiba, Belo
Horizonte, Vitória, Salvador e Recife, entre outras. No interior do
Estado de São Paulo, foram incorporadas pela AMFORP algumas em-
presas de grande porte, como a Companhia Paulista de Força e Luz, o
grupo Armando Salles e o grupo da família Prado. Em 1930, a
AMFORP já era a principal companhia de energia elétrica operando
fora do eixo Rio-São Paulo (Leite, 1997:59 e 395-397).

O Setor Automobilístico

O caso da indústria automobilística talvez seja o exemplo que melhor


ilustra o avanço dos Estados Unidos na economia brasileira no perío-
do em estudo. Em 1913, os automóveis existentes no Brasil eram so-
bretudo franceses, alemães e britânicos, e representavam cerca de
75% das importações de carros no país. Com a queda do comércio
com a Europa, provocada pela guerra, o Brasil passou a importar
quase que exclusivamente, e de forma crescente, automóveis nor-
te-americanos. Com o aumento da importação de veículos cresceu
pari passu a demanda por bens e serviços correlatos, incluindo pe-
ças, acessórios, pneus, combustíveis e facilidades de manutenção.

A receptividade dos carros made in USA pelos consumidores brasi-


leiros estimulou as companhias norte-americanas a realizarem inves-
timentos diretos aqui. A Ford Motor Company tomou a iniciativa e
encetou planos para a instalação de uma fábrica no Brasil, que produ-
ziria carros com peças e componentes vindos dos Estados Unidos.

47
Eugênio Vargas Garcia

Em 1921, a Ford inaugurava sua primeira linha de montagem na rua


Solon, em Bom Retiro, São Paulo. Quatro anos depois, a montadora
já produzia quase 25 mil unidades por ano. Na mesma época, a Gene-
ral Motors Export Corporation também se interessou pelo mercado
brasileiro. A empresa registrou sua razão social brasileira como Ge-
neral Motors of Brazil S.A. e iniciou, em 1925, a montagem de auto-
móveis em instalações no Ipiranga, em São Paulo. Em 1928, a Gene-
ral Motors inaugurou sua nova fábrica em São Caetano do Sul, com
5
vistas à produção em larga escala .

Nos anos 20, ocorreu um boom na aquisição de carros e caminhões


no Brasil, em grande parte estimulado pela presença da Ford e da
GM. Somente no Estado de São Paulo, o número de veículos havia
crescido de 2.661, em 1917, para 59.213, em 1928. Criou-se o mito
de que os carros norte-americanos eram mais adaptados às condições
das estradas brasileiras, especialmente no interior, onde os fazendei-
ros afluentes eram vistos como compradores em potencial. As ven-
das registraram tanto sucesso que, em 1925, a Ford abriu filiais me-
nores de sua fábrica paulista no Recife, em Porto Alegre e no Rio de
Janeiro. Em 1928, a Ford possuía uma rede de setecentas agências e
mais de duas mil mecânicas autorizadas por todo o Brasil. No caso
dos veículos pesados, o Brasil tornou-se, em 1925, o terceiro maior
importador de caminhões dos Estados Unidos, depois de Austrália e
Itália (Downes, 1986:429 e 447-448).

Tirando partido do dinamismo do setor automobilístico, outras em-


presas norte-americanas vieram se instalar no Brasil, operando nas
áreas de autopeças, pneumáticos, óleos combustíveis, seguros e me-
cânica. Subsidiárias de companhias petrolíferas norte-americanas
iriam capitalizar essa demanda e, em 1929, a Atlantic Refining Com-
pany of Brazil, a Standard Oil Company of Brazil e a Texas Company
of South America eram algumas das empresas que auferiam grandes
lucros e diversificavam seus empreendimentos no país. As muitas
atividades e os interesses dessas companhias, com apoio oficial de

48
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Washington, resultaram na formação de poderoso lobby a favor do


automobilismo, que, para sua continuidade e expansão, necessitava
cada vez mais de estradas por onde os carros pudessem trafegar. Esse
era o curso defendido pelo programa pan-americano Good Roads do
Departamento de Comércio dos Estados Unidos, voltado para a pro-
moção do mercado para automóveis na América Latina via constru-
ção de rodovias, com a assistência de técnicos e engenheiros nor-
te-americanos (Seidel, 1973:266-268).

Entidades organizadas por brasileiros, como o Automóvel Club e a


Associação de Estradas de Rodagem, divulgavam a mesma mensa-
gem. Sintomaticamente, o presidente Washington Luís, um entusias-
ta do automobilismo, havia cunhado o lema “governar é abrir estra-
das”, dando bem mostra do espírito da época e da receptividade do
governo brasileiro à nova realidade econômica trazida pelos veículos
automotores. Em 5 de maio de 1928, era inaugurada com grande pu-
blicidade a rodovia São Paulo-Rio de Janeiro, obra-símbolo, consi-
derada uma das grandes realizações do último governo da República
Velha. Ainda no mesmo governo, seria também inaugurada a rodovia
Rio-Petrópolis. Desde então, o sistema rodoviário impôs-se no Bra-
sil como modelo dominante no campo dos transportes.

O advento do automóvel, produzido em série, significou o triunfo do


rodoviarismo sobre as ferrovias. Por volta de 1920, o sistema ferro-
viário brasileiro, montado para atender aos interesses da economia
agroexportadora, ainda não havia atingido um nível de desenvolvi-
mento que correspondesse às necessidades de integração nacional,
caracterizando-se pelo predomínio das estradas de ferro que ligavam
regiões produtoras aos portos de exportação. Com a concorrência en-
frentada pelo sistema rodoviário, a construção de novas ferrovias co-
meçou a estagnar e, como resultado, o país nem chegaria a completar
uma rede ferroviária satisfatória em termos nacionais. Como será
visto adiante, desde o século XIX a Grã-Bretanha havia investido em
estradas de ferro no Brasil, e defendido o setor como alvo preferenci-

49
Eugênio Vargas Garcia

al dos investimentos governamentais em transporte. A Missão Mon-


tagu de 1924 (cf. infra) incluiu em suas recomendações, sem maiores
resultados, sugestões para o melhoramento da rede ferroviária, que
deveria ser, do ponto de vista britânico, incentivada. A ascensão irre-
sistível do rodoviarismo nos anos 20, do qual os Estados Unidos apa-
reciam como líder natural, não poderia simbolizar melhor as mudan-
ças de longo prazo na infra-estrutura brasileira e a transição de poder
que se estava desenvolvendo no plano global das Ilhas Britânicas
6
para a América do Norte .

Comércio Exterior

O dinamismo econômico experimentado pelos Estados Unidos du-


rante a Primeira Guerra Mundial foi, também, particularmente visí-
vel na recém-adquirida projeção comercial norte-americana em dire-
ção à América do Sul, incluindo o Brasil. Em 1916, os Estados Uni-
dos haviam ocupado, pela primeira vez, o lugar de maior fornecedor
das importações brasileiras, uma posição historicamente ocupada
pela Grã-Bretanha. Exceto por dois anos no pós-guerra, em 1922 e
1923, quando a Grã-Bretanha voltaria a ocupar por pequena margem
de diferença o posto de maior fornecedor de importações para o país,
os Estados Unidos tornam-se o maior parceiro comercial do Brasil
desde então (Valla, 1978:145). Claro está que os Estados Unidos vi-
nham fazendo marcados progressos econômicos na década de 10, e é
lícito afirmar que, embora mais lentamente, seu desafio à competi-
ção européia na América do Sul seria levado a cabo em algum mo-
mento. A guerra funcionou como fator catalisador de uma tendência
que já estava em curso.

A estrutura do comércio exterior dos Estados Unidos havia mudado


substancialmente com o aumento das exportações de bens de origem
industrial. As vendas norte-americanas passaram a estar alicerçadas
em estratégias empresariais mais sólidas e abrangentes, ao contrário
do que ocorria antes da guerra, quando o mais comum era a exportação

50
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

pura e simples do excedente da produção norte-americana. Em 1913,


os Estados Unidos exportavam US$ 146 milhões para a América do
Sul e importavam US$ 198 milhões. Em 1920, ano particularmente fa-
vorável, pois ainda não era sentida a recuperação comercial européia,
os Estados Unidos haviam passado a exportar US$ 623 milhões e im-
portar US$ 760 milhões. O intercâmbio comercial Brasil-Estados
Unidos evoluiu na mesma proporção (Normano, 1944:26).

Paralelamente ao aumento do comércio, a maior participação de na-


vios de bandeira norte-americana em portos brasileiros assinalou o
ingresso dos Estados Unidos em setor anteriormente dominado por
rivais europeus. Em 1920, os Estados Unidos ultrapassaram em 400
mil toneladas os totais alcançados por navios alemães e austríacos
em 1913. A média anual da participação de navios da Grã-Bretanha
no movimento dos portos brasileiros, entre os anos 1909 e 1913, foi
de 51,5% contra apenas 0,1% de navios dos Estados Unidos. Em
1920, a participação norte-americana crescera para 22% e a britânica
caíra para 39,9%. Os navios britânicos ainda mantinham a liderança
no transporte marítimo do comércio exterior brasileiro, mas o rápido
avanço norte-americano era motivo de preocupação e vigilância por
7
parte da Grã-Bretanha .

Do ponto de vista norte-americano, a América Latina era vista como


mercado “natural” para o escoamento da produção industrial dos
Estados Unidos e fornecedor “indispensável” de importantes maté-
rias-primas. O único efeito colateral não planejado era o crescimento
do nacionalismo econômico e do sentimento antiamericano na Amé-
rica Latina (Krenn, 1990:143). À medida que aumentava a presença
econômica dos Estados Unidos crescia a insatisfação no Continente.
Mas, em comparação com outros países latino-americanos, como o
México e a Colômbia, o “imperialismo yankee” não inspirava temor
às lideranças brasileiras e o incipiente nacionalismo brasileiro não
representava, então, sério obstáculo aos objetivos econômicos dos
Estados Unidos no país.

51
Eugênio Vargas Garcia

Empréstimos e Finanças

No aspecto financeiro, a década de 20 foi também um período de


transição de poder no Brasil entre a Grã-Bretanha e os Estados Uni-
dos. No caso dos empréstimos, o domínio britânico no campo do for-
necimento de capital para o Brasil remontava ao período da Indepen-
dência, situação alterada apenas pelo impacto negativo da Primeira
Guerra Mundial na capacidade de emprestar da Grã-Bretanha e pela
simultânea ascensão dos Estados Unidos como exportador líquido
de capitais e maior país credor do mundo.

Depois da experiência da “diplomacia do dólar” no Caribe, o sistema


bancário dos Estados Unidos havia expandido suas operações duran-
te a guerra para os países da América Latina. No Brasil, o National
City Bank of New York começou a operar em 1915, no Rio de Janei-
ro, tornando-se o primeiro banco norte-americano no país. Outros
bancos seguiram o exemplo, como o First National Bank of Boston, o
Mercantile Bank of the Americas e a American and Foreign Banking
Corporation. Por volta de 1920, havia 99 filiais de instituições bancá-
rias norte-americanas na América Latina, as quais serviriam depois
como firme ponto de apoio para futuros empréstimos e investimen-
8
tos .

Passado o boom inicial, os primeiros anos do pós-guerra foram relati-


vamente difíceis para os negócios latino-americanos dos Estados
Unidos, e várias agências bancárias recém-inauguradas tiveram de
ser fechadas, forçando a um redimensionamento desses empreendi-
mentos no Continente (Marichal, 1988:212). Até meados dos anos
20, enquanto era alta a demanda por capital na Europa em reconstru-
ção e, ao mesmo tempo, eram negociadas e concluídas as reformas
monetárias do período, os empréstimos norte-americanos para a
América Latina mantiveram-se em ritmo controlado. A partir de
1924, contudo, superadas as dificuldades iniciais e desaparecidos os

52
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

constrangimentos sistêmicos do imediato pós-guerra, ocorreu um


9
aumento substantivo no volume desses empréstimos .

Esse crescimento teve sua origem, em parte, na atmosfera caracterís-


tica dos “anos dourados” de Wall Street, no período anterior à de-
pressão econômica mundial iniciada em 1929. Os Estados Unidos
viviam momento de prosperidade ímpar, embalada pela ilusão do
crescimento ilimitado. O excesso de dinheiro disponível e a super-
confiança dos emprestadores privados de Nova Iorque, em busca do
lucro rápido e ávidos por evitar o idle money, levaram esses agentes
financeiros a oferecer créditos em volume crescente aos países lati-
no-americanos. Estes, por seu turno, estavam igualmente propensos
a tomar novos empréstimos, tanto para cobrir suas despesas com im-
portações quanto para financiar desequilíbrios em suas contas nacio-
nais, uma vez que a fragilidade de suas economias agroexportadoras
gerava necessidades recorrentes de financiamento externo (Mari-
chal, 1988:214). Não por acaso, entre os países da América Latina, o
maior tomador de empréstimos no período foi precisamente o Brasil.

Na história do endividamento externo brasileiro, data de 1916 o pri-


meiro empréstimo em dólares no Brasil, levantado pelo município de
São Paulo, na praça de Nova Iorque, no valor de US$ 5,5 milhões. No
tocante à dívida externa federal, o primeiro empréstimo contraído
pelo governo brasileiro nos Estados Unidos só veio a ocorrer após a
guerra, em 1921, correspondente a US$ 50 milhões (Abreu,
1985:185-189). Em 1920, a parcela da dívida brasileira contraída em
solo norte-americano era praticamente nula, ao passo que, em 1929,
os Estados Unidos eram responsáveis por quase um terço do total da
10
dívida do Brasil no exterior .

Os anos 20 foram caracterizados no Brasil pela existência do pêndu-


lo financeiro entre a City de Londres e Wall Street, que influenciou
de forma marcante decisões de empréstimos externos. O mercado fi-
nanceiro londrino encontrou no financiamento à valorização do café

53
Eugênio Vargas Garcia

um nicho na disputa com Nova Iorque por empréstimos ao Brasil. A


partir de 1926, todo o capital levantado externamente para esse fim
no Brasil veio de fontes britânicas. Nos anos de 1927 e 1928, o Banco
do Estado de São Paulo, responsável pela execução financeira do
programa do Instituto do Café daquele estado, contraiu três novos
empréstimos com a casa londrina Lazard Brothers, para contrarieda-
de dos círculos oficiais e financeiros nos Estados Unidos. Mas o
aporte de capital britânico à valorização do café revelou-se um dado
passageiro na história financeira do Brasil, ao passo que a entrada de
capitais norte-americanos no país abriu um caminho de conseqüên-
cias duradouras.

À parte alguns empréstimos franceses, a City detinha o qua-


se-monópolio como emprestadora para o Brasil até a Primeira Guer-
ra Mundial, mas os anos de ouro da Pax Britannica estavam findos. A
euforia norte-americana e a propensão liberal de Wall Street a em-
prestar sem limites antes do crack de 1929 minavam as chances de
êxito das práticas britânicas estabelecidas. Do ponto de vista dos
contemporâneos, os Estados Unidos surgiam, para um país depen-
dente de capitais externos como o Brasil, como redentores e não
como “imperialistas”. A ascensão financeira de Nova Iorque foi sau-
dada por alguns como a alternativa ansiosamente esperada para ao
menos contrabalançar a tradicional primazia de Londres. Essa com-
preensão dos acontecimentos era recorrente na década de 20, razão
pela qual a penetração econômica norte-americana despertava por
vezes mais simpatia do que oposição no Brasil. A situação muda
quando os Estados Unidos se tornam hegemônicos após a Segunda
Guerra Mundial, mas, nos anos 20, era a preponderância da
Grã-Bretanha nesse campo que mais freqüentemente ocasionava
constrangimentos à liberdade de ação brasileira em matéria financei-
ra, cujos termos precisavam então ser continuamente renegociados
pelo Brasil.

54
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Grã-Bretanha: Em Defesa
do Status Quo

Influência Econômica Britânica no


Brasil

Com os interesses alemães temporariamente deslocados em virtude


da guerra, a Grã-Bretanha apresentava-se no início dos anos 20 como
o principal competidor norte-americano na América do Sul, desfru-
tando ainda de uma posição de grande influência e sólidas tradições
no Brasil. Alguns investimentos diretos britânicos existiam no país
desde o Primeiro Reinado, como era o caso da St. John d’el Rey Mi-
ning Company, em Minas Gerais, aberta em 1830 para explorar a
mina de ouro de Morro Velho, exemplo concreto de sucesso e longe-
vidade dos empreendimentos britânicos em terras brasileiras.

Durante o surto de investimentos estrangeiros no Brasil na segunda


metade do século XIX, mais precisamente entre 1860 e 1902, os ca-
pitais que ingressaram no país, liderados pela Grã-Bretanha, estive-
ram intimamente vinculados à economia agroexportadora, concen-
trados em ferrovias, portos, estabelecimento de companhias de nave-
gação, bancos, seguros, casas importadoras e empréstimos ao gover-
no (Castro, 1979:29). A participação britânica, com capital, conheci-
mento técnico e equipamentos, viabilizou a implantação de diversas
ferrovias no Centro-Sul do país, entre elas a lucrativa São Paulo Rail-
way Company Ltd., que ligava Santos a Jundiaí, fundamental para
escoar a produção de café do norte e do oeste do Estado de São Paulo.
No Nordeste, o investimento maior ficou reservado à Great Western
of Brazil Railway.

A presença da Grã-Bretanha no comércio importador-exportador era


expressiva e o mesmo acontecia no setor de seguros, nas comunica-
ções telegráficas (cabos submarinos) e no transporte marítimo, ma-
joritariamente realizado por navios de bandeira britânica. Agências

55
Eugênio Vargas Garcia

bancárias britânicas cedo começaram a ser abertas no país para dar


apoio financeiro aos novos empreendimentos, como o London and
Brazilian Bank (1862) e o English Bank of Rio de Janeiro (1863), fa-
zendo a ligação das empresas com o mercado de capitais londrino.
Como fornecedora quase exclusiva de empréstimos para o Brasil no
século XIX, a City de Londres dominava essas operações e a casa N.
M. Rothschild & Sons era a instituição bancária londrina com os
11
maiores interesses no país .

No Brasil, as exportações de café estavam concentradas em algumas


casas comerciais em Santos e no Rio de Janeiro, os principais portos de
escoamento da produção para o mercado externo. As firmas exporta-
doras estrangeiras dominavam o comércio cafeeiro, em detrimento da
participação de brasileiros. Os estabelecimentos britânicos mais tradi-
cionais ocupavam lugar de destaque desde o século XIX, tais como E.
12
Johnston & Co. e Naumann Gepp . A Brazilian Warrant Company,
formada em 1909, era uma holding com capital investido em diversas
atividades relacionadas com o café no Brasil: plantações, armazéns,
câmara de compensação, transporte e exportação. Por essa época, o
transporte marítimo era em grande parte dominado por navios de ban-
deira britânica, apoiados por uma sólida rede comercial e bancária que
estabelecia o elo financeiro com os produtores.

Os britânicos, todavia, detinham apenas uma fração desse comércio.


País conhecido pelo alto consumo de chá, não havia um mercado do-
méstico para o café na Grã-Bretanha suficientemente grande para
lastrear a atuação das casas britânicas. Papel mais saliente nesse sen-
tido coube a interesses estabelecidos no maior mercado consumidor
existente, isto é, os Estados Unidos. Várias casas exportadoras nor-
te-americanas começaram a atuar no setor já na década de 1880,
como a Hard Rand e a Arbuckles, às quais depois iriam se juntar a J.
W. Doane & Co. e a Levering. Estas e outras casas se instalaram no
Brasil com o intuito de intermediar as compras e os carregamentos de
13
café com destino ao mercado norte-americano .

56
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Nas duas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, hou-


ve um grande aumento na concorrência internacional e nas rivalida-
des interimperialistas, ilustrado não só pelo desafio crescente da Ale-
manha, mas também pela maior extroversão dos capitais franceses e
norte-americanos, com reflexos na presença econômica global da
Grã-Bretanha na América Latina. Mas a “preeminência britânica” no
Brasil, apesar de relativa em 1914 e já em declínio, ainda era notória
em alguns setores. A Grã-Bretanha era o maior fornecedor das im-
portações brasileiras, vendendo carvão mineral, tecidos de lã e algo-
dão, trilhos, locomotivas e artigos manufaturados em geral. Ao con-
trário do que ocorria no intercâmbio com a maioria das outras gran-
des potências, o Brasil registrava déficit contumaz na balança comer-
cial anglo-brasileira. Os bancos britânicos eram os maiores credores
do Brasil e a principal fonte de financiamento externo para o país,
como as negociações para o funding loan de 1914 demonstraram. As
remessas de lucros e o serviço da dívida externa (juros e amortiza-
ções) tornavam o balanço de pagamentos deficitário para o Brasil. A
Grã-Bretanha era também o país com maior volume de investimen-
tos no Brasil, estimados em mais de £ 220 milhões. O Brasil era o se-
gundo destino dos capitais britânicos na América Latina, atrás ape-
nas da Argentina, considerada, por sua posição especial, uma espécie
de “quinto Domínio”, parte do “império informal” centrado em Lon-
14
dres .

O Impacto da Primeira
Guerra Mundial

A guerra abalou esse quadro. A rivalidade anglo-norte-americana no


Brasil durante o conflito acelerou o processo de transição de poder
entre os dois países (Rosenberg, 1973; 1978). Depois de constatar
que sua beligerância vinha tendo repercussão extremamente negati-
va no país, como exemplificado pela aplicação da lista negra contra
firmas alemãs e pela proibição das importações de café, a

57
Eugênio Vargas Garcia

Grã-Bretanha ensaiou algumas iniciativas com vistas a corrigir essa


situação.

Para intensificar o comércio bilateral e defender os interesses britâni-


cos nessa área, foram fundadas, ambas em 1917, a Câmara de Co-
mércio Britânica, com jurisdição em todo o Brasil e sede no Rio de
Janeiro, e a Câmara de Comércio Britânica de São Paulo. Em maio de
1918, foi enviada ao Brasil uma missão comercial, liderada por Mau-
rice de Bunsen, com objetivos basicamente conciliatórios, ou seja,
sinalizar a boa disposição britânica em relação às suas relações eco-
nômicas com o Brasil, a qual, para alguns brasileiros, teria estado em
dúvida nos primeiros anos da guerra. Com exceção do anúncio da
elevação à categoria de embaixada da representação diplomática bri-
tânica no Rio de Janeiro, a missão colheu magros resultados e pare-
ceu reconhecer, ao menos tacitamente, que o Brasil não mais depen-
dia exclusivamente da Grã-Bretanha para a obtenção de novos em-
préstimos ou para o suprimento de suas importações (Leuchars,
1983:134).

O latente sentimento antibritânico, embora raramente adquirisse co-


notações radicais ou fosse explicitado como tal, continuou no
pós-guerra. Como mencionado anteriormente, a presença econômi-
ca da Grã-Bretanha no país concentrava-se especialmente nos seto-
res tradicionais, como ferrovias, companhias de utilidade pública,
comércio importador-exportador, seguros, telégrafo, navegação,
bancos e empréstimos financeiros. No início dos anos 20, conta-
vam-se às dezenas o número de empresas britânicas sediadas no Rio
de Janeiro e em outras cidades brasileiras.

Mas os extensos interesses econômicos da Grã-Bretanha, há muito


tempo estabelecidos, paradoxalmente atuavam contra o prestígio
britânico. Como potência conservadora, preocupada em zelar por
suas posições no país, a Grã-Bretanha se via muito comumente leva-
da a exercer um papel negativo em prol do status quo. Grande parte

58
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

da agenda britânica no Brasil era dedicada à defesa de empresas e sú-


ditos britânicos, processos legais, arbitragens comerciais, cobrança
de dívidas e indenizações, e inúmeras outras reclamações (claims)
contra o governo federal, estados, municípios e empresas privadas.
Os relatórios anuais da embaixada britânica no Rio de Janeiro eram
pródigos em suas listas de casos desse tipo. O embaixador John
Tilley reconheceu, em 1921, que o “enorme capital investido no Bra-
sil pela Grã-Bretanha”, longe de militar a seu favor, era uma “lem-
brança constante” aos brasileiros de que estrangeiros administravam
serviços essenciais que deveriam estar nas mãos de nacionais. No
caso das ferrovias, abundavam críticas à forma como elas operavam.
Muitos diziam que era dada mais atenção às preocupações dos acio-
nistas do que às necessidades do público e, naturalmente, qualquer
problema na prestação do serviço era imputado indiretamente aos
15
britânicos .

Por conta de seu papel histórico como supridora de capital, a influên-


cia mais significativa da Grã-Bretanha era exercida no setor financei-
ro. Em 1924, por exemplo, banqueiros britânicos enviaram impor-
tante missão financeira ao Brasil, chefiada por Edwin Samuel
Montagu, com o propósito de avaliar in loco a situação econômi-
co-financeira do país e verificar a conveniência de liberar novo em-
préstimo para o governo federal. Não caberia aqui entrar em detalhes
sobre o trabalho da missão, mas um de seus objetivos não declarados
consistia em buscar alguma forma de controle estrangeiro sobre a po-
lítica financeira brasileira, preservando ao mesmo tempo interesses
britânicos mais diretos. A missão negociou em posição de força com
o governo Artur Bernardes e ao final divulgou 43 recomendações
para o gerenciamento da economia brasileira no controvertido Rela-
16
tório Montagu . As finanças seriam, na verdade, a área escolhida
pela Grã-Bretanha para o esboço de uma estratégia de resistência se-
letiva à avassaladora expansão econômica dos Estados Unidos.

59
Eugênio Vargas Garcia

No comércio exterior, a evolução da política comercial britânica não


estimulava melhores condições para o incremento do intercâmbio
com o Brasil. Desde a época da guerra, quando as demonstrações de
apoio e solidariedade dos Domínios e das colônias do Império Britâ-
nico causaram profunda impressão na metrópole, fortalecia-se a cor-
rente favorável à política de privilegiar a entrada de produtos na
17
Grã-Bretanha procedentes daqueles territórios . A passagem da
Missão D’Abernon no Brasil, em 1929, pouco contribuiu para rever-
ter esse quadro. Mais tarde, em 1932, a Grã-Bretanha abandonaria
oficialmente o livre-comércio e a exceção da Imperial Preference
18
tornar-se-ia regra geral, consagrada na Conferência de Ottawa .

Na esfera da rivalidade comercial, os Estados Unidos, ao contrário,


não tinham motivos para queixas: os produtos norte-americanos do-
braram sua participação no mercado brasileiro, em detrimento dos
produtos de origem britânica, que sofreram queda nas aquisições do
19
Brasil . Na década de 30, os interesses comerciais britânicos na re-
gião iriam se voltar, prioritariamente, para o Rio da Prata, onde a dis-
puta com os Estados Unidos não indicava ainda um claro vencedor. No
frigir dos ovos, o declínio comercial da Grã-Bretanha não pôde ser re-
vertido e a participação britânica no mercado importador brasileiro di-
minuiu progressivamente, caindo de 20% nos anos 1926-1929 para
12% no período 1935-1938, como mostra o Gráfico 1.

Incapaz de recuperar os níveis de comércio pré-1914 que mantinha


com o Brasil, quando ainda era o maior fornecedor das importações
brasileiras, a tendência da Grã-Bretanha nos anos seguintes foi con-
centrar seus interesses econômicos sobretudo na Argentina, seu mai-
or parceiro comercial na região e principal destino de seus investi-
mentos na América Latina, com a qual firmou o Pacto Roca-Run-
ciman de 1933. Registrou-se, portanto, uma transição histórica no
comércio exterior brasileiro, que o passar dos anos só faria acentuar.
A posição de maior parceiro comercial do Brasil estava definitiva-
mente consolidada a favor dos Estados Unidos.

60
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Gráfico 1
Participação da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos nas Importações do
Brasil, 1901-1950 (%)
60

48
50

40

28 29 Grã-Bretanha
30 27
23 EUA
20
20 15
12 12 11
10

0
1901-1904 1910-1913 1926-1929 1935-1938 1947-1950

Fonte: Miller (1996:129).

Além disso, é importante frisar que as condições econômicas gerais


da Grã-Bretanha no entreguerras e sua perda de competitividade in-
ternacional em vários setores dificultaram qualquer tentativa de
adaptação às mudanças nos padrões da economia brasileira. O mode-
lo agroexportador, ao qual permanecia atado o capital britânico, en-
traria em crise após a depressão econômica mundial de 1929-1933.
O processo de industrialização no Brasil começava a se acelerar,
abrangendo tanto a substituição de importações em setores tradicio-
nais (vestuário), quanto investimentos diretos de capital estrangeiro
em setores não tradicionais (carros), em ambos os casos em detri-
mento dos interesses econômicos ou da capacidade produtiva da
Grã-Bretanha. Caiu a demanda brasileira por exportações britânicas
de têxteis, carvão e material ferroviário, que compunham os três pila-
res de seu comércio desde o século XIX. Os Estados Unidos estavam
melhor aparelhados para fornecer os bens e serviços de que o Brasil

61
Eugênio Vargas Garcia

necessitava para ingressar na economia industrial do século XX: má-


quinas, derivados do petróleo e automóveis (Rosenberg, 1978:151).

No final dos anos 20, os investimentos britânicos no Brasil, em nú-


meros absolutos, eram superiores àqueles dos norte-americanos,
mas os índices de crescimento das inversões dos Estados Unidos
eram muito maiores, de modo que a ultrapassagem seria questão de
tempo. O capital britânico foi suplantado em grande medida por não
ter logrado penetrar nas áreas mais dinâmicas, de maior potencial de
expansão, como a nascente indústria brasileira e o setor automotivo.
Assim, incapaz de inovar, ou desinteressada em fazê-lo, a
Grã-Bretanha foi perdendo posições no Brasil para nor-
te-americanos e alemães, os quais iriam em seguida protagonizar, na
década de 30, o principal embate na disputa por espaço na economia
brasileira.

Conclusão

Para concluir, cumpre ressaltar que a transição de poder no Brasil da


Grã-Bretanha para os Estados Unidos foi somente uma mudança de
caráter econômico. Politicamente, não houve transição alguma, na
medida em que a política externa brasileira não estava direcionada
para a Grã-Bretanha antes de 1914. Aliás, pode-se mesmo identificar
uma aparente desconformidade entre presença econômica e influên-
cia política, visto que o Brasil não olhava para Londres como um dos
eixos de sua diplomacia. A supremacia política britânica havia eva-
porado há muito tempo, na década de 1840. Mesmo durante a maior
parte do Segundo Reinado, na segunda metade do século XIX, a in-
fluência política da Grã-Bretanha sobre o Brasil era ínfima se com-
parada a seus interesses econômicos espalhados por todo o país. Em
contraste, desde a proclamação da República o novo regime no Bra-
sil buscou aproximar-se de Washington, animado pelo ideário do
pan-americanismo, que se traduziu inter alia na americanização de
suas relações exteriores.

62
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Se politicamente a influência britânica no Brasil já havia sido há mui-


to superada pelos Estados Unidos, economicamente os interesses da
Grã-Bretanha estavam firmemente estabelecidos no país e a mudan-
ça foi bem mais complexa. Na área de investimentos diretos, como a
potência que favorecia o status quo, a postura tradicional da
Grã-Bretanha e suas antigas práticas de negócios não mais se ade-
quavam às necessidades brasileiras e não podiam ser facilmente
adaptadas a um ambiente econômico em rápida mutação. A despeito
do bom desempenho britânico em termos absolutos, a tendência em
direção aos investimentos norte-americanos já era clara, mesmo an-
tes de 1929, em detrimento do futuro do capital britânico no Brasil.
No comércio exterior, as exportações britânicas tinham perdido “a
parte do leão” no mercado brasileiro de importações durante a Pri-
meira Guerra Mundial e, depois de algumas tentativas de recuperá-la
nos anos 20, suas esperanças seriam abandonadas na virada da déca-
da de 30. Após a viagem da Missão D’Abernon à América do Sul, as
atenções britânicas na região passariam a se concentrar principal-
mente na Argentina. Na área financeira, a capacidade de resistência
da Grã-Bretanha era substancial, de que foi exemplo o envio da Mis-
são Montagu ao Brasil, com objetivos ambiciosos de aumentar o
controle britânico sobre a economia brasileira. No entanto, as pró-
prias dificuldades econômicas da Grã-Bretanha e seu já limitado po-
der em assuntos correlatos impediram o governo britânico de exercer
maior influência.

Do ponto de vista dos contemporâneos, a transição de poder an-


glo-norte-americana era mais uma possibilidade do que uma certeza.
Apesar do terreno ganho pelos Estados Unidos, em muitos aspectos a
Grã-Bretanha ainda era a maior potência estrangeira na economia
brasileira durante e após a Primeira Guerra Mundial. Como a plena
recuperação da Alemanha na América do Sul ainda levaria vários
anos para atingir os níveis anteriores à guerra, a principal batalha no
Brasil ocorreu então entre os interesses conservadores da

63
Eugênio Vargas Garcia

Grã-Bretanha e o desafio crescente dos Estados Unidos. Sabe-se


hoje, com a sabedoria post facto, que os Estados Unidos tiveram real-
mente êxito em consolidar sua hegemonia no entreguerras, primeiro
deslocando a Grã-Bretanha (sobretudo nos anos 20), e depois su-
plantando a Alemanha (nos anos 30). A Pax Americana pós-1945 foi
sem dúvida muito breve e não deve ser superestimada, mas subsiste o
fato de que essa transição global afetou profundamente as relações
internacionais do Brasil, cujos efeitos de certo modo são sentidos até
os dias atuais.

(Recebido para publicação em janeiro de 2002)

Notas

1. Sobre o assunto, ver McKercher (1988; 1991; 1999). Este artigo se baseia,
em parte, na pesquisa feita para a minha Tese de Doutorado, defendida em abril
de 2001 junto ao Departamento de História da Universidade de Brasília, sob o
título Entre América e Europa: A Política Externa Brasileira na Década de
1920. O mesmo argumento foi também desenvolvido em documento de traba-
lho escrito para o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford,
“Anglo-American Rivalry in Brazil: The Case of the 1920s”, Working Paper Se-
ries, CBS-14-2000, disponível para consulta na página do CEB na Internet:
<http://www.brazil.ox.ac.uk/workpap.html>. As opiniões expressas neste arti-
go são de responsabilidade exclusiva do autor.
2. Entre os autores que de um modo ou de outro já abordaram o tema se desta-
cam: Abreu (1973; 1977; 1985; 1985a); Cain e Hopkins (1993); Downes (1986;
1992); Hilton (1977); Miller (1993); Moniz Bandeira (1973); Rosenberg (1973;
1978); Valla (1978); e Wright (1972).
3. Há, ainda, dois outros exemplos importantes de sucessos norte-americanos
em detrimento dos interesses britânicos nos anos 20, cuja análise mais detida ul-
trapassaria os limites deste artigo: o envio em 1922 de uma Missão Naval nor-
te-americana ao Brasil, contratada pelo governo Epitácio Pessoa para reorgani-

64
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

zar a Marinha brasileira; e a conclusão em 1923 de um modus vivendi comercial


de preferências tarifárias entre o Brasil e os Estados Unidos, enquanto o mesmo
tratamento era negado à Grã-Bretanha.

4. O modelo agroexportador era a base de sustentação econômica da Repúbli-


ca Velha e, nos anos 20, a despeito das mudanças no cenário mundial e da acele-
ração do processo de industrialização em diversos países, a economia brasileira
continuava “essencialmente agrícola” (Villela e Suzigan, 1975:141-142).

5. Ver Downes (1986:427) e as páginas na Internet da Ford do Brasil


<http://www.ford.com.br> e General Motors do Brasil
<http://www.gmb.com.br>.

6. Para uma análise detalhada do tema automóveis versus ferrovias, ver


Downes (1992).

7. Um escritório do United States Shipping Board no Rio de Janeiro passou a


dar apoio administrativo e coordenar a expansão da Marinha Mercante nor-
te-americana em águas brasileiras, sugerindo a abertura de novas linhas de na-
vegação ligando o Continente sul-americano à América do Norte (Tilley a Cur-
zon, telegrama, Rio de Janeiro, 4 de abril de 1921, FO 371/5540, Public Record
Office).

8. A expansão norte-americana nas finanças da América Latina teve início


logo nos primeiros meses da guerra. Com a interrupção no fluxo de capitais eu-
ropeus causada pelo conflito, os Estados Unidos tomaram a iniciativa de promo-
ver em 1915, em Washington, a I Conferência Financeira Pan-Americana. A
ocasião sinalizou uma mudança histórica nas relações entre os Estados Unidos e
a América Latina no que se refere ao avanço irresistível do primeiro sobre a vida
financeira do Continente (Valla, 1978:87-88).

9. De 1925 a 1930, em torno de US$ 1,1 bilhão em títulos de governos lati-


no-americanos foram levantados em Nova Iorque, quase três vezes o valor re-
gistrado entre 1920 e 1924 (cerca de US$ 400 milhões). A média ponderada da
parcela de empréstimos latino-americanos nos Estados Unidos subiu de 16,6%
na primeira metade da década para 48,8% no período 1926-1930 (Stallings,
1987:72 e 206).

10. Em comparação com a Grã-Bretanha, entre 1915 e 1930, os empréstimos


em Londres destinados ao governo federal ou à valorização do café alcançaram
£ 32,5 milhões, enquanto aqueles obtidos em Nova Iorque chegaram a US$
211,5 milhões, o equivalente a £ 43,5 milhões. A deterioração relativa da posi-
ção da Grã-Bretanha no período fica mais evidente no caso dos empréstimos a
estados e municípios: £ 21,8 milhões em empréstimos britânicos contra US$

65
Eugênio Vargas Garcia

208,7 milhões em empréstimos norte-americanos, o equivalente a £ 43 milhões


(Abreu, 1973:15; Winkler, 1929:87).
11. O processo de urbanização que começou a ganhar corpo na virada do sécu-
lo XX teve também substancial contribuição britânica em áreas como arquitetu-
ra e engenharia, iluminação pública, saneamento de esgotos, comunicações e
transporte urbano (bonde elétrico). As importações de produtos britânicos gera-
vam novos hábitos de consumo que iam sendo incorporados ao modo de vida lo-
cal. A indústria alimentícia, por exemplo, foi afetada pelo aumento na demanda
por produtos derivados do trigo, razão pela qual a Rio de Janeiro Flour Mills and
Granaries Ltd., fundada em 1886, se transformou no maior estabelecimento fa-
bril britânico no Brasil, conhecido popularmente como o “Moinho Inglês”
(Rippy, 1959:150-158; Graham, 1968; De Fiore e De Fiore, 1987).
12. Outras casas britânicas ativas na virada do século eram Quayle Davidson,
Norton Megaw, Nicholsons, Moore & Co. e Edward Ashworth (apud Greenhill,
1977:200).
13. Do outro lado da cadeia do comércio estavam os importadores e torradores
de café, que compravam o grão para processamento e distribuição no varejo nos
países consumidores, sobressaindo, neste caso, os operadores norte-ameri-
canos. As transações no mercado cafeeiro eram negociadas internacionalmente
nas bolsas de Nova Iorque, Le Havre, Hamburgo e Londres, que definiam os
preços e classificavam o café de acordo com a qualidade e o tipo do produto.
Efetivamente, o comércio era dominado por Nova Iorque, que negociava 50%
da produção mundial e 60% da produção de café do Brasil (Bacha e Greenhill,
1992:191-192; Greenhill, 1977:209).
14. Há várias obras que abordam essas questões, entre elas Bethell
(1989:12-21); Cain e Hopkins (1993:161-167); Miller (1996:125); e Platt
(1972).
15. O encarregado de negócios britânico H. G. Chilton enfatizou que o traba-
lho do embaixador norte-americano no Rio era “mais fácil”, visto que ele não ti-
nha de tratar das “muitas reclamações cansativas que recaíam sobre os ombros
do representante de Sua Majestade” (Tilley a Curzon, telegrama, Rio de Janeiro,
3 de março de 1921, FO 371/5540; ver, também, Brazil, Annual Report 1920,
pp.2-3, FO 371/5539, Public Record Office).
16. Sobre a Missão Montagu ver o excelente relato de Fritsch (1988:85-99).
17. No pós-guerra, o princípio das preferências imperiais ganhou expressão
prática já em 1919, ano em que foram reduzidos em 33,5% os direitos aduanei-
ros sobre o chá, cacau, café, chicória, açúcar, tabaco, sacarina e outros produtos
coloniais. A Grã-Bretanha voltava-se cada vez mais para o comércio com seu

66
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

Império, cuja participação nas exportações britânicas viria a alcançar 42% nos
anos 1927-1929 (Singer, 1975:363 e 370).
18. Delineava-se a tendência da concentração dos interesses comerciais da
Grã-Bretanha no tripé Europa, Estados Unidos e Commonwealth (Miller,
1993:217). Para uma discussão do declínio do comércio britânico na América
Latina entre 1914-1950, ver Miller (1996:130-142).
19. Em 1926, por exemplo, os Estados Unidos exportaram para o Brasil US$
113,3 milhões, enquanto a Grã-Bretanha vendeu US$ 73,1 milhões. As impor-
tações norte-americanas oriundas do Brasil somaram US$ 218 milhões, contra
apenas US$ 15,9 milhões de compras britânicas (Winkler, 1929:82, 274 e 279).

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Resumo

Estados Unidos e Grã-Bretanha no


Brasil: Transição de Poder no
Entreguerras

Com enfoque sobretudo na década de 20, este artigo tem por objetivo forne-
cer elementos para uma melhor compreensão da transição de poder no Bra-
sil da Grã-Bretanha para os Estados Unidos, processo de longo prazo que
teve conseqüências duradouras para as relações internacionais do país no
século XX. A maciça penetração norte-americana na economia brasileira é
abordada em termos de investimentos diretos (como no caso do setor auto-
mobilístico), comércio exterior e finanças. A influência britânica, por sua
vez, entrou em crise devido ao impacto da Primeira Guerra Mundial e não

70
Estados Unidos e Grã-Bretanha no Brasil:
Transição de Poder no Entreguerras

logrou reverter a tendência ao declínio no período entreguerras. Sugere-se


que, se o grande embate por supremacia nos anos 30 ocorreu entre os Esta-
dos Unidos e a Alemanha, nos anos 20 a principal disputa no Brasil se deu
entre os interesses conservadores da Grã-Bretanha e o desafio nor-
te-americano.

Palavras-chave: Brasil-Estados Unidos – Brasil-Grã-Bretanha – Tran-


sição de Poder – Período Entreguerras

Abstract

The United States and Britain in


Brazil: Transition of Power in the
Interwar Period

By focusing mainly on the 1920s, this article aims at providing material for
a better understanding of the transition of power in Brazil from Britain to
the United States, a long-term process with lasting consequences for the
country’s international relations in the twentieth century. The massive US
encroachment upon the Brazilian economy is examined in terms of direct
investments (including the case of the automobile sector), foreign trade and
finance. British influence, on the other hand, was shattered by the impact of
the First World War and the trend towards decline in the interwar period
could not be reversed. It is suggested that, if the great battle for supremacy
in the 1930s opposed the United States and Germany, in the 1920s the major
dispute in Brazil was the clash between Britain’s conservative interests and
the US challenge.

Key words: Brazil-United States – Brazil-Britain – Transition of Power


– Interwar Period

71
;
'A política exterior da República
(1889-1902)

Reações no exterior ao novo regime

No plano estritamente diplomático, não houve solução de conti-


nuidade nas relações do Brasil com os demais países que nele manti-
nham representação diplomática por ocasião do advento da Repúbli-
ca, segundo informa o Relatório apresentado pelo primeiro-ministro
das Relações Exteriores republicano, Quintino Bocaiuva, ao Governo
Provisório.1 /
l As nações americanas acolheram com aplauso e solidariedade o
novo regime. Uruguai e Argentina foram os primeiros países a
reconhecê-lo; o primeiro em 20 e o segundo em 29 de novembro de
1889. O reconhecimento do Chile ocorreu logo depois, em 13 de de-
zembro do mesmo ano. /
A legação do Brasil em Washington, em ofício de 20 de novem-
bro de 1889, deu conta a Quintino Bocaiuva que o secretário de Esta-
do norte-americano, Blaine, considerava a República fato consuma-
do e manifestava a intenção de reconhecer imediatamente o novo
regime. Com efeito, Blaine autorizou o representante norte-america-
/io no Brasil, Robert Adams, a manter relações diplomáticas com o
Governo Provisório recém-instalado. Havia boa vontade por parte do
governo norte-americano, desejoso de não baixar o nível em que en-
tão se encontravam as cordiais relações de ami/,ade entre os dois
países.
Dois dias após, alegação completava a mlbmiaçfío, observando
que o advento da República fora bem acolhido mi imprciiMi noilc

Brasil, Ministério das Relações Exteriores, RtlatàHo, 1891, p. 6.


A m , i d o l i i i / Cervo c; Clodoaldo B u e n o H i s t ó r i a da politioa exterior do Brasil Í53

americana, que enrali/,ou o fato de a transição ter sido feita sem dos Estados Unidos reconheceu a República e em 20 de fevereiro foi
derramamento de sangue. Pouco depois, voltava-se ao assunto para aprovada unanimemente pelo Congresso daquele país moção de con-
Informar que o governo norte-americano faria o reconhecimento tão gratulação ao povo brasileiro pela adoção da nova forma de governo./
logo o novo regime obtivesse adesão da maioria nacional. A administra- O Congresso Constituinte brasileiro, cuja primeira sessão deu-se
ção norte-americana passava a adotar uma atitude cautelosa e legalista, em 15 de novembro de 1890, em retribuição, votou mensagem na
embora as relações de amizade não fossem afetadas. A verdade é forma de resolução conjunta para expressar
que diminuíra o entusiasmo, e o presidente Harrison não acompanhava
o secretário de Estado, Blaine, no desejo de reconhecer formalmente
o Governo Provisório. A hesitação decorria da boa impressão que em nome do povo brasileiro ao povo dos Estados Unidos da Amé-
dom Pedro II deixara no povo norte-americano por ocasião de sua rica o reconhecimento que se acha possuído pelos termos honro-
viagem aos Estados Unidos em 1876, e dos indícios de que o novo sos e amigáveis da Mensagem Congratulatória votada e adotada
regime poderia evoluir para uma ditadura militar. A atitude de reser- pelo Congresso dos mesmos Estados; afirmar ainda uma vez e por
va norte-americana - embora por pouco tempo - causou estranheza esta forma o sentimento da solidariedade que o liga ao povo ame-
e ia contra as expectativas de Quintino Bocaiuva. ricano no empenho de manter e de honrar a instituição do governo
O ministro plenipotenciário do Brasil em Washington, Salvador republicano procurando, com o bem-estar da comunhão nacional,
de Mendonça, ao ser informado de que as potências europeias não a felicidade e a paz para todos os povos.2
precederiam aos Estados Unidos no reconhecimento, empenhou-se
no sentido de consegui-lo, fazendo chegar ao Departamento de Esta-
do, de modo indireto, sua posição sobre a "conveniência de serem os / Apesar da vacilação, o reconhecimento formal da República pelos
Estados Unidos os padrinhos do (...) batismo político" do novo regi- Estados Unidos foi relativamente rápido e antecipado ao das potências
me, antecipando-se a qualquer potência europeia. europeias. Este fato e a moção congratulatória demonstram o inte-
Em dezembro de 1889, foi posta em votação no Senado norte- resse da potência do Norte em, no embalo da mudança de institui-
americano moção de um de seus integrantes, Morgan, recomendando ções, estreitar as relações com o Brasil. Isto/vinha ao encontro do
o imediato reconhecimento formal da República. As opiniões no Con- desejo dos novos donos do poder no Brasil. Com efeito, unia das
gresso estavam divididas a respeito. Havia o receio de que a mudança mudanças mais significativas imposta pelo novo regime às relacfles
de regime fosse decorrência de simples quartelada, sem apoio da von- internacionais do país foi o direcionamento destas p;ira os Hslados
tade nacional. Os que argumentavam a favor levavam em conta ra- Unidos. Para esta aproximação à potência hegemónica do hemisfé-
zões de outra natureza: o reconhecimento serviria para "obstar as ma- rio concorreram Quintino Bocaiuva e, de modo espeeinl, Salvador de
quinações europeias, que poriam em perigo o novo regime", segundo Mendonça.3
narração do representante brasileiro. Além disso, a demora no reco- A Grã-Bretanha, logo após o Quin/c de Novembro, n > n l i n i i o i i
nhecimento alimentaria esperanças de restauração. A moção seria para mantendo relações oficiosas. O /'Y;/r/i;/; O//Íc<' amlnu n República
dar força ao Poder Executivo e mostrar ao mundo que a República da comovfato consumado, mas protelou o reconhecimento I m i i m ! a lim
América do Norte "não hesitaria em tomar uma atitude favorável às
repúblicas deste hemisfério contra as monarquias". Parte da opinião 2
Arquivo Histórico do Ilainaraly (Al I I ) , Wimllliiglun, l Itvipnrho.s.
3
vislumbrava, pragmaticamente, a oportunidade de os Estados Unidos AHI, Ofícios de Wasliiiip.lon, ,'0. ,',', K) iinv,. I I , ,'H ilr/.. I H K 9 , 24 lev. IK«)0,
terem o Brasil sob sua órbita de influência. despacho reservado para Wir.liiiiKlnii. .'() de/., I K ' X I , Siallh ( l W l, p. 5-6. " 10);
A/cvedo (1971, p. 179-1K l ) ; l l i l l ( 1 9 / 0 , p, 2M'.V>fi); TlifSnnlh .•liiKTlfiiiiJmirmil,
Apesar de, a certa altura, ter havido discrepância entre Legislativo
Londres, l" mar. IK90; Sttlvadoí Mi-ndiinvn ( | 9 | t, p, I I 7 - 1 2 K ) ; Mcehllin (1965,
e Executivo nortc-americanos, em 29 de janeiro de 1890 o governo P. 439).

L
l m / ( ri vo i- ( liidoiiliUi H u r r u i História dii poliliai exterior tio Brasil l'.'i

.li i v H n c i i n i r l r i iilo puvipilado. l'or isso preferiu aguardar a esta- terra, Bélgica, Itália, Espanha e Portugal) tenham aguardado a reali-
i . i h *:i.,iii. iln (|umlio político interno, adotando uma atitude legalista e, zação de eleições, no geral a República não teve problemas para ser
MI i ini-iiiio Ifinpo, ciiiilclosa que recomendava observar a reunião do reconhecida pelas nações do Velho Mundo. A Rússia foi exceção,
i un|'H"iM>< 'onsliliiiiile, bem como o desenvolvimento de seus traba- pois só reconheceu a República em 26 de maio de 1892, após a morte
HIH-Í/A mnndrii paeílica com que se deu a queda da monarquia-que de dom Pedro II.5 /
l n n iv.ii i-olliou inani (estações de simpatia no exterior-impressionou
litvoriwdmiMUe o ministro de Sua Majestade no Rio de Janeiro, 1

Wvmlham, Com eleito, logo após os acontecimentos de 15 de no- A imagem externa


vriiiluo, inloimou ao Foreign Office sobre a desnecessidade de o
A linii untado enviar navio de guerra para a capital da nova República Nas comunicações oficiais, o transcurso de um regime para ou-
pui u cvfiiliial proteção dos interesses ingleses, uma vez que conside- tro ocorreu de modo tranquilo. Uma observação acurada, todavia,
lon n siluaçfio deveras calma. Isto todavia não significava, na ótica revela que em outras esferas houve alguns sobressaltos. Quatro dias
d» diplomata britânico, manter-se desatento quanto à salvaguarda de após a Proclamação da República, o ministro do Brasil em Londres
liiis interesses. A intenção era evitar que entre os brasileiros se le- informou a Quintino Bocaiuva que, à vista de rumores de eventual
vantasse a suspeita de que a Grã-Bretanha quisesse interferir nos intervenção de outras potências nas questões internas do Brasil, ha-
HCUS negócios internos. Entretanto, Wyndham afirmou que, na hipó- via procurado despertar apreensões no Foreign Office, valendo-se
ITM- de os cidadãos e propriedades britânicos correrem qualquer ris- do argumento de que o Brasil estava ligado à Inglaterra por interes-
i o, i rron cr-se-ia ao auxílio naval. Mas isto não se lhe afigurava pro- ses comerciais e financeiros.6
vável.' 1 No final do mês de novembro de 1889, a legação do Brasil em
No primeiro aniversário do novo regime (15 de novembro de Londres informou que "a confiança na manutenção dos créditos do
l K')0), que coincide com a primeira sessão do Congresso Constituin- Brasil achava-se restabelecida" depois que se fizeram publicar, por
í, |f, o ministro britânico Salisbury determinou que os navios de guerra determinação do próprio Quintino Bocaiuva, notícias tranquilizadoras
smuliissem a bandeira do Brasil, atitude que, na prática, significava nos mais importantes jornais londrinos. Tal providência fizera-se
seu reconhecimento, embora, formalmente, ele só tenha ocorrido em necessária porque estava havendo especulação na Bolsa com a fi-
iiuiio ile 1X91. A França retardou seu reconhecimento em razão de nalidade de desvalorizar os títulos do Brasil à custa de boatos, au-
cMTÚpiilos políticos (não desagradar as monarquias europeias e não mentados pela censura telegráfica exercida pelo Governo Provisório.
ilur nos partidos republicanos de Portugal e Espanha ensejo para ex- A legação deu conta, ainda, de que a opinião pública, em geral, con-
plorações), em razão do decreto brasileiro de naturalização ainda não fiava no futuro do Brasil sob as novas instituições.7
suficientemente esclarecido e porque tentou resolver de maneira rá- A relativa demora do Foreign Office em reconhecer formal-
pida a qiicst.no de limites da Guiana com o Brasil. Em junho de 1890, mente a República trouxe certa apreensão, ditada pelo pragmatismo,
n França reconheceu o Governo Provisório, após este ter-lhe assegu- a uma parte da opinião inglesa identificada com investimentos nos
rudo que retomaria as negociações sobre a referida questão de limi- ehtão chamados "países novos". Os interesses britânicos no Brasil
ii". Fmbora a maior parte dos países da Europa (Alemanha, Ingla- eram de tal monta que requeriam o reconhecimento sem ddonp.as,

'' A l l l , lindos di- Londres, l l de/.. 1889, 11 e 13 dez. 1890; Relatório do MRE,
5
I K ' ) | . p 'i d, l ,yni ( l W,, p. 7.02); Sinilli (1991, p. 159-16*2); Mccham (1965, p. 440); Smith(1991,p, 159-162).
6
I . . I P (1912, p * ?, 9-41, 43-50); BnmuiUo (1989, p. VI1-VIII, v. 2, p.102-103); AH1, Ofício de Londres, I V i m v I K K 1 ) ,
1'iH/i ' A I l l . O l k i o i l i - L o i u l i i v i , t O n o v . I K K ' ) , .M 7/1/12,
l',(. A m i f d o l n i / _ Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da p o l í t i c a exterior do H n i s i l l -i /

como li/eram os hábeis nortc-americanos. Não o retardar seria be- tando-se os exageros e respectivos desmentidos. No ano de I S ( M ,
I H - I K - o nos empreendimentos ingleses. Dizia-se na Grã-Bretanha que em razão dos distúrbios internos, as notícias desfavoráveis e as c r í l i
o momento nilo era para sentimentalismos.8 cãs veementes ao Brasil se intensificaram na imprensa londrina. Sr
lím 18°0, o cônsul inglês em Santos, F. H. Cowper, mudou o gundo João Artur de Sousa Corrêa, representante do Brasil na ( i r a
lom otimista que apresentara em seus relatórios ao Foreign Office. Bretanha, os acontecimentos políticos no Rio Grande do Sul eram
Sem chegar ao pessimismo, recomendou a adoção de certa cautela muito mal apreciados, em razão do que enviava desmentidos por meio
em relação ao Brasil. Com efeito, depois de repetir informações so- de cartas às redações.10
bre o comércio brasileiro - São Paulo em particular e com destaque Mesmo após o término da Revolta da Armada e já eleito Pru-
para o porto de Santos -, sobre as possibilidades comerciais que se dente de Morais, o influente The Times de Londres, na edição de 21
apresentavam aos ingleses nos recém-instalados estados de São Paulo, de maio de 1894, fez julgamento severo a respeito do Brasil, dcmons
Paraná e Santa Catarina, e de ter reconhecido que houve liberalização trando ceticismo no que se referia a sua tranquilidade política e
na administração da coisa pública, recomendou aos eventuais comer- antevendo a possibilidade de pronunciamento, pois poderia surgir um
ciantes ou investidores interessados no Brasil serem cautelosos até novo "salvador da sociedade" no Rio de Janeiro. Dizia ainda que
que se chegasse a uma definição clara do quadro político e à conso- depois do "benévolo e pacífico governo de dom Pedro, a administra-
lidação da nova situação.9 ção do país tem caído nas mãos de especuladores e aventureiros".
A partir de então, as apreciações favoráveis sobre a Repúbli- As presidências de Deodoro e Floriano teriam sido
ca, decorrentes da maneira pacífica com que ela se instalou, desapa-
uma série de agiotagem e peculato [...]. A política na era rcpubl ica-
receram. As severas observações sobre a situação geral do país e as
na tem sido uma grande contenda entre turmas r i v a i s de
críticas à administração pública - sobretudo após a reforma de Rui especuladores [...]. Os brasileiros na verdade têm pouca rã/Só paru
Barbosa - não cessaram e prolongaram-se até o advento do governo congratular-se pelos resultados da mudança, que em 1889 foi acla-
de Campos Sales. mada como a inauguração da idade de ouro."
Em 1891, a grave crise política interna que se instalou, causada
pelos desentendimentos entre o Congresso e Deodoro, e pelas acu- / As apreciações feitas pelos observadores estrangeiros pareciam
sações de favorecimento imputadas a este, foi atentamente acompa- confirmar as preocupações dos monarquistas. O barão do Rio Bran-
nhada pela imprensa londrina. Com a renúncia de Deodoro e a con- co, por exemplo, ainda na condição de cônsul em Livcrpool, v i s l u m -
sequente ascensão de Floriano, renovaram-se as visões sombrias sobre brou a possibilidade de a República provocar a anarquia e, eonse
o futuro do Brasil. O conde Paço d'Arcos, ministro de Portugal no qiientemente, equiparar o Brasil às muitas chamadas i c p ú l > l u - a : : do
Rio de Janeiro, vislumbrou o ingresso do país numa era de pronuncia- mundo hispano-americano. Temia pela manuiençflo da ordem, da in-
mentos, exacerbação da crise financeira, com risco de conflagração tegridade, da prosperidade, e pela consolidação das Iilieidade.s no puis,
generalizada e até de desmembramento. Tais projeções coincidiam Escrevendo imediatamente após o advento do novo iv/',mif, obsei vou
com as de outros observadores europeus. Mas, comparada à dissolu- que o momento não era para se lii/er opção e n l i e m o n a r q u i a e
ção do Congresso levada a efeito por Deodoro, a solução de 23 de blica, mas sim entre "República e anarquia"."/
i " /
novembro de 1891, por ter sido legal, não foi tão mal acolhida, descon-
10
AHI, Ofícios de Londres, .1 c .'(, imv, I H ' J | , l H'J t (,' / 1 / . 1 / 1 ) , M i l m - l m l » .. dr ,'H l i m i ,
1893; Sérgio C. da Costa ( l V7V, p 226)
8 11
OHicial rucognition of tlie Brazilian Republic, The South American Journal, Lon- Arquivo Nacional, K i o de J i m r i m , ( 'M\ Kl ,'\ p m < i l r < >
12
dres. I S Icv. 1K«M. Carla de Rio lininr» <i Rui / U - / n > \ , / . l i v n p n o l , ,'K div I K K ' ) , npiid
'' Ilni/Jliiin commcrec, The South American Journal, Londres, 21 j u n . 1890.
A i n . u l d l u i / (Cl vo c ( ' l o t l o í i l i l o H u c n o H i s t ó r i a (l.i [rõlilir.ii e x t e r i o r d o H i , i s i l

No inicio do regime republicano, em que ainda não estavam con- Não obstante o citado representante brasileiro em Londres sus-
solidadas :is novas instituições, uma das principais tarefas da legação peitar, com frequência, de colaboração e influência de brasileiros ad-
Itia.-iddra cm Londres consistiu em procurar desfazer a imagem ne- versários do regime sobre as agências noticiosas na difusão de boa-
|.',;il i vá que o país ia adquirindo, pois esta redundaria em prejuízo para tos alarmistas visando pôr em risco a credibilidade da novel República,
as finanças c para a economia nacionais. A leitura da documentação o fato é que havia estreita correspondência entre o teor das análises
diplomática não só demonstra todo esse esforço, como confirma in- feitas sobre o Brasil e sua real situação interna. As lutas políticas c a
lormaçõcs de outras fontes. A cotação dos títulos brasileiros na pra- quebra da legalidade tinham péssima repercussão nas principais pra-
ça de Londres era, como já foi dito, sensível às mutações de natureza ças europeias e, como decorrência, provocaram efeitos danosos à
política. Além disso, havia razões mais graves que punham os res- cotação dos títulos brasileiros em Londres. Assim/uma das principais
ponsáveis pela condução dos negócios exteriores em contínuo so- tarefesjda^diplornacia brasileira, no início da vida republicana, consis-
bressalto e davam-lhes a sensação de que o país era deveras frágil ti
y
tiu em procurar minimizar no exterior os efeitos negativos dasfcõfi-
" "'"""•"í;'"'—>«.-,i«,«rfi..-«™VJÍ^-,,«.s,:,lj, ..;.:--• i="•<- w •.•----"•---*>"- ••--:"•••: •-•";•-.* ?,,-,,;„_, _<..,-,. ^_: ^ _.., . . ...

cm relação às potências capitalistas. vulsõesJntenias^Esse esforço era desenvolvido hão só pela legação
O ministro da Fazenda do Governo Provisório teve de enfrentar brasileira em Londres - então o principal centro financeiro mundial -,
sérias ameaças e pressões dos bancos ingleses e franceses. Aven- mas também por outras situadas em capitais de países com os quais
tou-sc até a possibilidade de intervenção diplomática como recurso mantínhamos expressivas relações comerciais. Nessa linha, o minis-
que eventualmente poderia ser usado por tais bancos. Com efeito, tro plenipotenciário brasileiro em Buenos Aires, Ciro de Azevedo, fez
cm 14 de maio de 1890, o ministro brasileiro em Londres informou, publicar, em 16 de outubro de 1891, no La Prensa e no La Nación,
conlldencialmente, aos ministros das Relações Exteriores e da Fa- carta a respeito da situação financeira e política do Brasil, na qual
/.ciula, respectivamente Quintino Bocaiuva e Rui Barbosa, sobre a procurou transmitir uma bela imagem do pais na capital argentina. 14
rcação dos bancos estrangeiros, que tinham filiais no Rio de Janeiro,
cm face de transferência de capitais. Os bancos estariam consultan-
do advogados brasileiros na Europa com o objetivo de recorrer à A "republicanizacão" da diplomacia e o Legislativo
ainda de seus respectivos governos. Constava, segundo as informa-
ções que obtivera de contatos na Europa, que os mencionados ban- Logo após o advento da República, os ministros que ocuparam a
cos encerrariam as suas atividades no Brasil como protesto "e recur- pasta das Relações Exteriores não eram ligados à diplomacia ou eram
so para a intervenção diplomática". Mesmo nada havendo em caráter pouco afeitos às questões de natureza internacional. Isto contribuiu
oficial, n diplomacia punha-se de sobreaviso.13 para que o Legislativo, ao receber a proposta orçamentaria, passasse
A par da crise financeira estava a crise política dos governos a suprimir, criar, manter legações e consulados, obedecendo a mais
mi lilarcs subsequentes à Proclamação da República a contribuir para de um critério. Embora as discussões a respeito nem sempre produ-
litmiar uma imagem negativa do país. Ambas apareciam enlaçadas, zissem efeitos práticos, a análise dessas fornece uma visão de como
f o r m a n d o na mente dos observadores uma única e generalizada cri- os integrantes daquele poder viam a inserção internacional do Hrasil.
NC, A grande preocupação era, na verdade, com os interesses finan- Serzedelo Corrêa, na qualidade de relator do parecer da Comis-
i eiros cm jogo. Instabilidade política traria, inevitavelmente, prejuízo são dfe Orçamento, ocupou a tribuna da Câmara dos l )eputados, cm
dr i i i d c m rcoiiômica. setembro de 1891, para justificar a supressão de várias k-f.açoes do

11
Al II. i U I . n 11.1 . i l i l i - l.diiihvi, !•! maio IK'X); Humberto Bastos (1949, 1
AHI, Ofício Keservíido cie I.oiicliv:;. .'.l <liv. I H 9 I , ofldiulc l l m - n i r , Aiu-:., . M l o u l .
l- ND 1891;/,„ N,i,-i,in, Itunios Aires, K, nu!, I H ' ) | ,
l Ml Am,ido l iii/ ( rrvo i: Clotloulclo Bueno História da política exterior do Brasil

Itnisil no exterior, (iomo as localizadas na Rússia, Suíça, Espanha, Petersburgo por entender que não havia então interesse de qualquer
l'nr;i[',n;ii c Bolívia. Com referência à Rússia, a justificativa era de ordem que justificasse sua manutenção.16
i|iK' o j.',ovemo desse império não tinha ainda reconhecido a Repú- Francisco Coelho Dante Badaró preferia os consulados às lega-
M ira. A leni disso, nosso ministro em Berlim, por estar próximo, cui- ções, sob o argumento de que países novos como o Brasil necessita-
daria cios eventuais negócios que surgissem na Rússia. Da mesma vam fomentar as suas relações comerciais, industriais e económicas.
forma, os interesses brasileiros na Espanha e Suíça poderiam ser Cético com referência à atuação da diplomacia, afirmou, recebendo
atendidos por uma única legação. No caso da Bolívia, o represen- os "apoiados" de seus pares, que "nenhuma habilidade pode suprir o
tante no Chile ou no Peru podia para lá dirigir-se em qualquer cir- prestígio que a força dá". Esse deputado era, aliás, a favor da
cunstância. A Comissão, todavia, aceitava unir a legação do Peru à regionalização das relações internacionais do Brasil, com ênfase para
da Bolívia e a da Venezuela à do México, porque iria dar no mesmo. a América do Sul.17
Em relação ao Paraguai, o deputado relator afirmou que o Brasil Opinião não distante dessa tinha o senador por São Paulo, Manoel
não cobraria a dívida decorrente da guerra ou só o faria quando ele Morais e Barros, que chegava a afirmar a desnecessidade de o Bra-
estivesse em condições prósperas. Sendo esta a principal questão sil ter um corpo diplomático. Um país ter representação numerosa
pendente entre os dois Estados, não havia razão para manter uma em outro, cheia de tradição e etiquetas, se lhe afigurava como algo
legação em Assunção.15 próprio da velha e carcomida Europa, inadequado às repúblicas ame-
/ Na discussão do primeiro orçamento republicano pelo Legislativo, ricanas. Assim, não via por que manter legações na Suíça, Áustria,
em 1891, percebe-se que, às vezes, o motivo para a supressão de Rússia e Suécia, pois o Brasil não tinha negócio de qualquer espécie
legações no exterior não era apenas por razão de economia nos gas- com esses países, tornando aqueles postos verdadeiras sinecuras.
tos públicos, mas também pela tentativa de deslocar parte dos diplo- Aceitava a existência de legações em Portugal, França, Inglaterra e
matas vindos do Império, sobretudo porque alguns deles, dizia-se, nas repúblicas confiantes com o Brasil. Na hipótese de surgir algum
manifestavam-se abertamente monarquistas. Não se pode, pois, des- problema com o país no qual não se tivesse representação diplomáti-
cartar a possibilidade de que a extinção de legações, justificada pela ca, incumbir-se-ia um enviado extraordinário para tratar especifica-
economia de recursos, visasse atingir determinado ministro extraor- mente do eventual assunto; uma vez concluído, desapareceria a respec-
dinário. Sem propor substituição específica de pessoas - atribuição tiva despesa.18
do Poder Executivo -, parte do Congresso procurava, de outra for- / A redação final do projeto de 1894 (oriundo da Câmara dos l )c-
ma, atingir o mesmo objetivo^ putados e emendado pelo Senado), que reorganizava o corpo diplo-
Os pontos de vista observados nos anos subsequentes, sobre mático, dá ideia de quais eram as áreas que o Legislativo tinha como
supressão e manutenção de representações no exterior eram os mais prioritárias nas relações do Brasil com o exterior. As legações na
desencontrados. Vejam-se os exemplos mais eloquentes. Grã-Bretanha e na França continuavam a ser vistas como mais im-
O deputado Homero Batista manifestou estranheza pelo fato de portantes, seguidas pelas situadas nos Estados Unidos, Argentina,
a Comissão de Orçamento, depois de propor a extinção de várias Uruguai, Portugal, Alemanha e Itália. A América do Sul passava a
legações, manter a do Peru, considerada de segunda classe. Para o ser objeto de mais atenção, com a criação de legações no Equador i:
parlamentar, melhor do que extinguir seria unir legações, a fim de se Colômbia e a supressão da situada no México. Os argumentos J',IM ai
evitar a inconveniência de cortar relações diplomáticas com vários
países. Concordou com a supressão da legação situada em São
16
AC D, sessão de 2 1 set. 1891.
17
ACD, sessões de 25 sei. 1891, X ;i ( ><>. 1892.
< ',i/n,ir,i ( /uv /V/w/i«/iw (ACD), scssflo cie 24 scl. 1891. '* Anuis <lo S,'H,i</,i /•'ciltrul (AST), sessilo de l K
II,,' A m . i d i » -\ n i / ( r.rvo c Clodouldo H u e n o llislóriii d;i p o l í l i a i e x t e r i o r do Hrii.sil

mniU 1 Invocados |Sara u permanência ou criação de legações na matou a argumentação afirmando que, na hipótese de o corpo diplo-
Amei iça do Sul ciam, ao lado de razões ditadas pelo romantismo e mático não estar em condições de desempenhar suas funções, deve-
diis lip.mlns nos interesses comerciais, as questões de limites penden- ria o Poder Executivo substituí-lo, mas não proceder, imprudente-
!<••, r eventuais. No referente aos consulados, além da óbvia indica- mente, ao fechamento de legações.20
i, .10 da existência de corrente comercial ou imigratória, percebia-se a A leitura dos discursos parlamentares leva à conclusão de que o
mlcncuo de se incentivar o comércio internacional com determinada Ministério das Relações Exteriores não gozava de prestígio no
ai vá. l im consulados importantes para as relações comerciais do país, Legislativo Federal. Além de se lhe destinar pequena dotação orça-
como, por exemplo, o de Liverpool, não houve qualquer alteração. mentaria (a referente ao exercício de 1892, por exemplo, não chegou
Não se questionavam as relações estreitas do Brasil com os países a 1% da receita), pedia-se o fechamento de algumas legações e a
centrais do mundo capitalista, como Grã-Bretanha, França, Alema- unificação de outras. Além disso, observava-se por parte dos recém-
nha e Estados Unidos.19 / chegados ao poder a tendência de aproximação do Brasil com países
/ Na linguagem dos parlamentares, "republicanizar" as relações situados no espaço americano, notadamente os Estados Unidos, e de
internacionais do Brasil equivalia a privilegiar o contexto americano. retraimento das relações com a Europa.
Os deputados eivados de jacobinismo tinham preconceito contra for-
mas de governo não-republicanas e contra países europeus em geral.
Assim, advogava-se a supressão da legação do Brasil na Suíça sem Reorientação da política externa
se atentar para a descortesia em relação ao governo que aceitara
arbitrar a controvérsia Brasil-França pela posse do Amapá. Pediam, / A primeira impressão que se tem sobre a política exterior repu-
tais parlamentares, que fossem extintas, entre outras, as legações blicana, ou, mais precisamente, da inauguração do novo regime ao
situadas na Rússia e no Japão, sob a alegação de que faltavam ao | 2- início da gestão Rio Branco, isto é, de 1889 a 1902, é a de que faltou
Brasil interesses nesses países. Dir-se-ia que havia confusão entre uma diretriz. Essa impressão é reforçada pelo número elevado de
ineficiência de serviço e sua desnecessidade. No referente à Améri- ministros que se sucederam na direção da pasta das Relações Exte-
ca do Sul, onde poucos eram ainda os interesses comerciais em de- riores: 11, excluindo-se os que a exerceram interinamente e não se
lerminados países, mantinham-se e criavam-se legações por senti- levando em conta o fato de Carlos Augusto de Carvalho ter servido
mentalismo republicano. Não faltaram, todavia, opiniões divergentes./ aos governos Floriano Peixoto e Prudente de Morais. Não se consi-
Nilo Peçanha, representante do Estado do Rio de Janeiro, era derando as interinidades, o governo do marechal Deodoro (1889-1891)
exemplo de voz discordante no que se referia às extinções de mis- teve dois ministros das Relações Exteriores: Quintino Bocaiuva e Justo
srk-s diplomáticas. Via nisso grave erro político, pois o Brasil não Leite Chermont; o governo Floriano Peixoto (1891-1894), sete:
poderia se auto-isolar, adotando uma postura destoante do estágio em Fernando Lobo Leite Pereira, Serzedelo Corrêa, António Francisco
i|iu- r-nlilío se encontrava a sociedade internacional. O cosmopolitismo de Paula Souza, Felisbelo Freire, João Felipe Pereira, Carlos Augusto
rui murou do discurso do parlamentar fluminense, que ainda desta- de Carvalho e Cassiano do Nascimento; Prudente de Morais (1894-
i mi u |»a|H-l representado pela diplomacia nas relações entre os Esta- 1898), dois: Carlos Augusto de Carvalho e Dionísio Evangelista de
d'i-, i orno iiu-io ile dirimir contendas de ordem internacional. O mais Castro Cerqueira; e o governo de Campos Sales (1898-1902), um:
impni l n i i l r na o arc.iimniio de que não se poderia quebrar amizades Olinto de Magalhães.21 Os períodos politicamente atribulados apic
• «l < , H > . m i . ' , ' n o serviço diplomático por espírito de economia. Arre-
1
ACD, sessão de 28 sct. 1X91.
"Al l > , Imli ' / « U M IHT, Abranchcs (191 X, v. l, p. 3-1 .VI).

i
164 A m a d o Luiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil ir,',

sentam, portanto, nútnero maior de mudanças ministeriais do que aque- A "americanização"


les de estabilidade. Floriano teve dez ministros nomeados, levando-se
em conta duas interinidades e um que não aceitou o cargo (Constantino ' Já no Manifesto do Partido Republicano de 1870 - que teve en-
Luiz Paleta), contra um de Campos Sales./ tre os seus signatários Quintino Bocaiuva e Salvador de Mendonça,
Mesmo com tantas alterações ministeriais podem-se detectar proeminentes figuras no cenário da política exterior brasileira logo
certas constantes. Houve diferenças de conduta dentro do período depois do Quinze de Novembro -, aparece de modo explícito o dese-
em tela e não raro cuidou-se apenas do dia-a-dia da repartição, rea- jo dos adeptos do novo partido em alterar a maneira pela qual vinham
gindo conforme as dificuldades se apresentaram. Mas/não há duvida sendo conduzidos os negócios exteriores do país. A parte do Mani-
de que a República provocou ruptura na política exterior que vinha festo que tratou desse aspecto começava pela afirmação: "Somos da
sendo posta em prática pelo Império. Imediatamente após sua insta- América e queremos ser americanos". Asseverava ainda que a for-
lação, procurou ser pan-americanista ao buscar a aproximação das ma anterior de governo do país era "antinômica e hostil ao direito c
nações hispano-americanas e nomeadamente dos Estados Unidos./ aos interesses dos Estados americanos" e geradora de hostilidade e
Houve críticas, naturalmente, como a que consta no livro do monar- de guerras com os países vizinhos/Dizia-se no documento que o Bra-
quista Eduardo Prado, A ilusão americana, publicado em 4 de de- sil era um país isolado tanto no mundo quanto na América, pois na
zembro de 1893. Europa era tido por "uma democracia monárquica que não inspirava
/ A República, nessa primeira fase, querendo inovar, rompeu em simpatia nem provocava adesões. Perante a América passamos por
boa parte com a tradição diplomática imperial. Assim, abandonou-se ser uma democracia monarquizada". Assim, os signatários do Mani-
o critério de não ligar o Brasil à primeira potência continental, os festo assinalavam que esforçar-se-iam para "suprimir este estado de
Estados Unidos, seja por alianças ou acordos comerciais. O convénio coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos e em
aduaneiro assinado entre os dois países em 31 de janeiro de 1891 foi, solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte".2'1
nesse sentido, a primeira ruptura, pois a diplomacia do Império já se / Dois aspectos do Manifesto merecem atenção: a exclusividade
havia negado à assinatura do tratado de reciprocidade proposto. Em que seus mentores deram à organização política do Brasil para o
1894, por ocasião da Revolta da Armada, os norte-americanos prati- diagnóstico da sua situação internacional e o componente de idealis-
caram intervenções a favor de Floriano Peixoto. O acordo aduaneiro mo que os republicanos possuíam sobre assuntos dessa natureza, l ísse
e a intervenção armada concorreram para a aceitação da preponde- romantismo foi traduzido na prática, no primeiro momento após M
rância norte-americana em nossos negócios exteriores.22/ Proclamação da República, pelo menos no que se refere ao cont inen
Mas, no final do período em tela, os formuladores da política externa te americano. O americanismo marcou, assim, a República nascente
tomaram consciência da dura realidade do poder. Quando da ameaça à como que por antinomia ao europeísmo com o qual se i d c n l i l i e a v n a
soberania nacional decorrente do contrato firmado pela Bolívia com o monarquia. Se as instituições monárquicas prendiam o Brasil à l ú i m
Bolivian Syndicate (visto mais adiante), organização capitalista para a pá, as republicanas deveriam integrá-lo ao sistema c o n t i n e n t a l . 1 ' 1 1 ' i r
exploração do Acre, e por ocasião da ocupação da ilha Trindade pela tendia-se romper com a tradição monárquica/Mesmo descontando
Grã-Bretanha,23 a diplomacia brasileira constatou que estava só no con- se arroubos de redação encontrados em documentos d;i é|>oen. mm»
tinente. Já não havia mais lugar para as expansões de idealismo, como os que constavam na mensagem de Deodoro ao ('onc.ieiiiio, min u-.
as observadas no Congresso Nacional logo após a inauguração do novo
regime, no período de euforia republicana.
24
Manifesto Republicano de 1870, c ,-liii<iliilii<lf 1'nliiini, Um i i l m .
//:3-12, 1980.
22 25
José Honório Rodrigues (1966, p. 182-184). Mensagem do Marechal Deodoro <l;i Fnirirrn nn ( 'nii|>.ii"i'in Mm Imiiil, l ' .....
23
Veja-se Arraes( 1998). 1890, in: ASF, sessão de 15 no v. 1890. Freyr» (19J2, l I . |' 1 1 1

L
Hi.slóriii clii p o l í t i c i i e x t e r i o r ilo U r u s i l U,/
l r. r, Am.id(i l lii/ ( eivo ilo H u u n o

lúvidns de que a polílica exterior do Brasil sofreu significativa / Um aspecto a ressalvar dessa "amcricanizaç3o" ó que ela nem
iroiicnlacíio eoin o advento da República. sempre se confundia com "norte-americanização". O país também
Na Câmara dos Deputados, o republicano Aristides Maia fez í? voltou sua atenção para o contexto sul-americano, inaugurando uma
de estabelecer diferenças entre a política exterior do novo política de fraternidade americana, "muito especial" segundo seus
e a do Império. Reconhecia que era preciso manter-se^em críticos, que teve no Tratado das Missões, firmado com a Argentina
28
p.uarda em relação aos vizinhos, mas ao mesmo tempo procurar meios no alvorecer do novo regime, o exemplo mais eloquente. J
para que desaparecesse a desconfiança que eles dispensavam ao
Brasil. A República teria a obrigação "de criar a amizade de toda a
As relações com a Argentina ,
América do Sul". O deputado foi mais longe para manifestar o desejo
de ver constituída uma Confederação Sul-Americana, isto é, toda a / Com referência especificamente à Argentina, cumpre inicialmente
América do Sul formando uma única nação. Reconheceu ser este observar que o advento da República foi saudado em Buenos Aires
um ideal difícil de ser atingido, mas sua busca contribuiria para o com explosões de regozijo nos dois países. Na esteira das efusões de
estreitamento da amizade das nações sul-americanas e para a com- solidariedade americana, o titular das Relações Exteriores do novo
preensão da "comunidade de interesses, a fim de mais fortemente, regime, Quintino Bocaiuva, empreendeu viagem ao Prata com o ob-
com mais firmeza, seguirmos a política [em relação à Europa] da jetivo de resolver, conforme sugerira o governo argentino, por acordo
j',ucrra comercial". Propôs, ainda no referente ao Velho Mundo, um direto, a velha questão lindeira referente à região de Palmas (ou Mis-
relacionamento mais altivo do que o de costume e que se evitasse a sões). O Tratado de Montevidéu (25 de janeiro de 1890), resultante
assinatura de tratados com países nele situados. Dentro dessa pers- das negociações com Estanisláo Zeballos, ministro das Relações Ex-
pectiva, o deputado inclinou-se pela supressão de legações naquele teriores do país vizinho, dividiria o território litigioso. Por isso foi repu-
coulinente - legações que para ele eram um luxo - em favor da diado pela opinião brasileira e transformou a viagem de Quintino
criação de consulados, pelo fato de lá serem principalmente comerciais Bocaiuva em fiasco/Se o território fosse brasileiro não havia por que
os nossos interesses. Os cônsules deveriam ser habilitados para ceder uma parte à Argentina, logo no segmento mais estreito do Bra-
exercer também as funções puramente diplomáticas, no entender de sil, de forma que, se consumado o tratado em questão, o mapa do país
Aristides Maia.26 ficaria de tal modo estrangulado que poria em risco até a unidade
O pronunciamento do deputado simbolizava o desejo que boa nacional. Se não fosse inquestionavelmente brasileira a região de
parte dos integrantes do Legislativo manifestava de afastar o país da Palmas, por que não esperar o laudo arbitrai em vez de se antecipar
Europa e "americanizar" as relações da República recém-inaugura- e conceder? Ademais, por que não esperar a instalação do Legislativo
dft/A "americanização" não se dava apenas no aspecto da organiza- ordinário para empreender negociações de tamanho vulto? O primei-
ção das novas instituições, sob a influência de Rui Barbosa, mas tam- ro ministro das Relações Exteriores do Brasil correu o risco de ser
bém 110 concernente à política exterior. Reagia-se à preeminência vaiado no seu retorno ao Rio de Janeiro.
/ O Ministério do Governo Provisório assumiu coletivarnente a
iii|-',lesii c aproximava-se dos Estados Unidos, o seu paradigma. A abo-
responsabilidade na elaboração do Tratado de Montevidéu. O Con-
11>, ;u> da escravatura c a adoção do regime presidencialista diminuíam gresso por sua vez não o referendou, até porque o próprio Q u i n t i n o
n dilcu-nça entre os dois países, que tinham também em comum pre- recomendou a não-aprovação, e a questão voltou à .situação pró-
niçiVs ronlra o imperialismo europeu.27 / República; isto é, iria para o arbitramento do presidente norte--ameri-
cano, conforme havia sido ajustado pelos dois países i-m l NKí
'" AI H. ntiliitl??. nuu. \W.<.
28
Iam!«ii-H(i<m,p i ' . ii.',,,,,.,-,(i w, p, 374), ASD, sessão de 17 ligo. 1896 (discurso du 1'oíilu A/.cvcilu),
l (,H Amiulo l u i/ Cervo c: Clodoaldo Bueno História da política exterior- do Brasil l f,«

('nrlos Augusto de Carvalho, ministro das Relações Exteriores Rio de Janeiro a respeito da necessidade de o Brasil se rcequipiu
cie 1'rmlenle de Morais, ao iniciar a sua gestão, fez declaração - pelo lado do mar/No momento em que Argentina e Chile estavam
publicada no /-,'/ Diário de Buenos Aires - amplamente pró-Argenti- armados em razão da possibilidade de conflito entre ambos por ques-
na e a li miou que a diplomacia da República era americanista. Para tões de fronteira, o governo Campos Sales evitava ligar o país a com-
ele, o patriotismo dos homens do velho regime era, na realidade, promissos de desarmamento. Isto foi bem visível quando o Brasil
chaiivinisme patriotique. Assim, para marcar a diferença, prome- declinou do convite para participar de conferência sobre o desann.i
teu desenvolver uma política internacional ampla e franca, vinculada mento, realizada em 1899, em Haia. O clima de "paz armada", pró
aos demais países da área sul-americana. Depois de protestar estima prio dos países europeus, aos poucos instalava-se, também, na Amé-
e admiração pelos argentinos, Carlos de Carvalho manifestou inten- rica do Sul. /
ção de tornar ainda mais estreitas as relações entre os dois países por f O Brasil adotou uma atitude de acompanhamento a respeito
meio de um tratado de comércio, para ele a maneira mais segura de das relações da Argentina com os vizinhos territorialmente meno-
vincular os povos.29 res do Prata e com o Chile. O idealismo do início da República cm
J Uma vez passado o período de euforia republicana, as duas relação às nações americanas foi substituído por uma atitude realis-
nações voltaram a se observar com espírito de rivalidade, embora ta, preocupada com o aumento do quadro de atração da Argentina
não houvesse qualquer problema grave e concreto a embaraçar-lhes no contexto da bacia do Prata e atenta ao equilíbrio de forças no
as relações após a solução do litígio de Palmas, arbitrado pelo presi- Cone Sul. /
dente dos Estados Unidos, Grover Cleveland. As tropelias decorren- Afora isso/entre os dois maiores países da América do Sul exis-
tes de movimentação de revolucionários nas fronteiras dos dois paí- tiam as dificuldades advindas das leis alfandegárias. Do lado do Bra-
ses não eram suficientes para estremecer as suas relações. /
sil havia o óbvio interesse em aumentar a presença de seus produtos
Durante o período de 1889a 1902, as comunicações entre o
no mercado da Argentina, que por seu turno lutava pela manutenção
Ministério das Relações Exteriores e a legação em Buenos Aires
de suas exportações, especialmente a de farinha de trigo, no merca-
centraram-se, basicamente, em três assuntos: relações comerciais,
do brasileiro. Neste, o grande rival do país platino eram os Estados
preocupação com o rearmamento naval da Argentina e eventual
Unidos, que recebiam tratamento tarifário diferenciado em razão de
hegemonia desta na região platina. /
serem o principal comprador do café brasileiro. /
A situação da Marinha de Guerra do Brasil, ao final do Império,
Junto com as questões tarifárias havia conflito de natureza sani-
não era das melhores, mas de qualquer maneira ainda era a primeira
tária, uma verdadeira "guerra e quarentenas", que irritava profunda-
da América do Sul, segundo Ouro Preto, o último chefe de gabinete
mente as autoridades brasileiras. A Argentina, ao declarar infestados
da monarquia. A República foi instaurada pelo Exército. A Marinha
os portos do Brasil, não só impunha ónus às exportações dirigidas ao
teve um papel secundário, apenas aderindo. A preeminência da força
Prata, como também causava prejuízos ao comércio c à imic.iac.io
terrestre no cenário nacional logo após o advento do novo regime, as
em geral, pois contribuía para divulgar na Europa a imagem do puis
dificuldades financeiras, as crises políticas e, principalmente, a Re-
como "foco pestilencial", na expressão de Assis Brasil, num período
volta da Armada reduziram sensivelmente o poder naval do país. Isto
em que os dois países disputavam a vinda de imigrantes. Alem das
explica a preocupação brasileira em acompanhar o que se passava
na Argentina em termos de projetos de reorganização naval. Os ar- "quarentenas", os jornais portenhos eram frequentes em veiculiii 1
gentinos, por sua vez, acompanhavam os debates que se faziam no matérias tendentes a prejudicar a imigração paia o Brnsil, o que lê
vou o referido representante diplomático a rchalC-Ins j u n l o aos pi m
cipais órgãos da imprensa.
1'uliiu ,i inlriiiíu iciiial, !•':! niurio, Buenos Aires, 29 nov. 1894.
l , , . Ain.iiln l iii/ ( 1'ryn i1 ('lodouldo Hucno 1-listóriii il;i p o l í t i c i i do Hrnsil l /1

Governo". Quanto ao item referente ao desenvolvimento dos meios


de comunicação para melhor circulação de mercadorias entre as na-
' ( h i l r o exemplo de mudança significativa nas relações internacio- ções americanas, o Império foi também reativo, com o argumento de
nais decorrente da República observou-se por ocasião da I Confe- que os meios disponíveis atendiam às necessidades do país, e quando
rência Internacional Americana (1889-1890), ocorrida em Washing- as relações comerciais exigissem seu incremento, as empresas parti-
lon, por convocação do governo norte-americano. Realizava-se o culares acorreriam de tal modo a atender à demanda. Assim, não
conclave quando foi proclamada a República no Brasil. As instru- deveria o Brasil prender-se a compromissos internacionais.33
ções recebidas pela delegação brasileira, chefiada pelo ex-republica- f Proclamada a República, Lafaiete Rodrigues Pereira deixou, a
no e então monarquista Lafaiete Rodrigues Pereira, faziam, realisti- pedido, a chefia da delegação. Substituiu-o o republicano signatário
cíiinente, várias reservas ao encontro.30 / do Manifesto de 1870, Salvador de Mendonça. No Ministério das
Os diplomatas do Império percebiam que os Estados Unidos esta- n 9 Relações Exteriores, assumiu outro signatário do Manifesto, Quintino
vam consolidando um subsistema de poder no continente americano Bocaiuva. Este autorizou Salvador de Mendonça a dar "espírito ame-
c, por isso, reagiram desfavoravelmente às iniciativas que pudessem ricano" às instruções provenientes do regime anterior. Esse "espírito
tolher i\ liberdade de ação do país. Com referência ao arbitramento - americano" era expressão um tanto dúbia. Que poderia significar
uni dos itens do encontro interamericano -, embora não tenha sido concretamente? Naquele momento significava ingressar o Brasil numa
visto pela diplomacia imperial como o objeto principal da conferência, fase de aproximação íntima corn os países da América, especialmen-
conforme se fez constar, as instruções eram claras. Considerou-se te os Estados Unidos, mudando, dessa forma, a atitude do Império,
"de muita gravidade, se o governo americano, que tende de algum que era de reticência, cautela e não envolvimento. Na I Conferência
tempo a assumir uma espécie de protetorado sobre os Estados da Internacional Americana, Quintino modificou o critério que vinha sendo
América, tiver a pretensão de ser escolhido como árbitro perpétuo".31 seguido pela monarquia com referência ao arbitramento.34/
/A posição da diplomacia imperial em face do arbitramento obrigató- / Salvador de Mendonça, com a anuência, pois, de Quintino, e jun-
rio era praticamente singular em relação à das demais nações do tamente com os delegados argentinos, conseguiu a aprovação dos
l l hemisfério, pois aceitava apenas o arbitramento facultativo.yA res- projetos de arbitramento obrigatório e da abolição da conquista, gra-
peito da conferência em si, os diplomatas do Império vislumbraram ças ao apoio conseguido, no final, dos Estados Unidos e à abstenção
ser cia "exclusivamente americana e o seu plano parece conduzir até 2- * do Chile. A missão especial junto à I Conferência Internacional Ame-
I\T|.O ponto a uma limitação das relações políticas e comerciais dos ricana, que ao partir do Rio de Janeiro recebera do Gabinete da mo-
listados independentes da América com os da Europa, dando ao go- narquia instruções que continham prevenções contra os Estados Uni-
verno americano um começo de protetorado que poderá crescer em dos, alterou sua conduta no sentido de, descontadas pequenas
pivjiií/o dos outros Estados. [...]" A diplomacia imperial valorizava diferenças, estabelecer perfeito entendimento com a delegação nor-
os míticos vínculos: "O Brasil não tem interesse em divorciar-se da te-americana. Outra mudança de atitude que merece destaque foi a
líuropu; bem ao contrário, convém-lhe conservar e desenvolver as aproximação dos pontos dê vista entre as delegações do Brasil c da
HIIIIN relações com ela, quando mais não seja para estabelecer um Argentina.35/
i - i | i i i l í b i u > cxi|'.ido pela necessidade de manter a sua forma atual de
33
Apud Azevedo (1971, p, 189-190).
34
111
Salvador Mendonça (l 913, p. 136); A/.cvedo (l')7l, p. 195, ?.OV?.0'1); Kcliitin-in,
Alll, ' M / t / - , 1891.
" VM.I A,, vtdo(!971, 35
Salvador Mendonça (1913, p. 136-1:('), H l ) ; A/.wdn (1971, p. l')'. .'().'), 1'umci
1
l, p. l l 1 , l U,) (1979, p. 17K-179).
172 Amiiilo l uix Cervo- e Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil l M

/ ( ' o i n referência especificamente às relações bilaterais com os na crítica. O próprio Rui Barbosa, ministro da Fazenda do Governo
listados Unidos, basta reforçar que a instauração da República inau- Provisório, e que autorizara as negociações, afirmou que aquele fun-
gurou uma nova fase, marcada por ampla cordialidade e entendimen- cionário exorbitara de suas instruções. Rui deixou o ministério dias
to. Para os norte-americanos afígurou-se o ensejo de aumentar sua antes da assinatura do convénio. De qualquer modo/o convénio não
influência sobre o Brasil, até então ligado ao concerto europeu, mais demorou a ser denunciado pelo próprio governo norte-americano, um
exatamente à Grã-Bretanha, em razão dos interesses financeiros e 28 de agosto de 1894, e, à falta de serviços estatísticos, as autorida-
comerciais. Do lado brasileiro, além da natural atração que a Repú- des brasileiras não obtiveram informações seguras a respeito dos seus
blica do Norte exercia sobre os recém-chegados ao poder, havia pre- reais efeitos sobre o comércio exterior do país. Mas, com ou sem
ocupação com as exportações e com a manutenção das novas insti- convénio, as trocas entre os dois países evoluíram, seguindo um cur-
tuições. Como se viu, o reconhecimento da República pelos Estados so inexorável. Continuou o café gozando de isenção de impostos de
Unidos veio com facilidade e acompanhado de congratulações do importação nos Estados Unidos - mesmo porque a isenção visava
Senado norte-americancy Nesse contexto de confraternização, Quintino baratear o produto para o consumidor norte-americano - e o Brasil,
Bocaiuva sondou a possibilidade de se firmar "aliança íntima" entre em contrapartida, ao longo de quase toda a Primeira República, reno-
as duas repúblicas, quase quebrando a tradição - que se manteve ao vou favores alfandegários às mercadorias de procedência norte-ame-
longo do período republicano - de não obrigar o país com tratados ricana a cada exercício. Com tais favores, a farinha de trigo daquele
dessa natureza. O momento, todavia, ensejou a assinatura do convé- país figurava como uma das principais importações do Brasil, o que,
nio comercial de 31 de janeiro de 1891, também conhecido como frequentemente, levava a Argentina a protestar por favores idênticos
tratado "recíproco". Seu principal mentor foi Salvador de Mendonça, para as suas farinhas. /
representante do Brasil em Washington após o término da missão O café era o principal produto da exportação brasileira e os Es-
especial junto à I Conferência. De acordo com o tratado - que tanta tados Unidos eram seu principal comprador. Assim, os homens da
celeuma provocou em razão de certas circunstâncias não suficiente- República buscavam colocar num mesmo patamar as relações eco-
mente esclarecidas durante a sua elaboração -, foi contemplada uma nómicas e políticas entre as duas nações. Os Estados Unidos, a partir
lista enorme de produtos norte-americanos com tratamento tarifário de 1898, exercitavam-se na política mundial, procuravam dar corpo
preferencial no mercado brasileiro. Parte deles isenta - como trigo ao seu subsistema internacional de poder e, ao mesmo tempo, busca-
em grão e farinha de trigo -, outra parte com redução de 25%. Em vam ampliar sua presença comercial na América Latina. A hegemonia
troca, o Brasil continuaria a colocar o café isento de direitos no mer- britânica sobre esta passou a ser desafiada pelos norte-americanos,
cado norte-americano e, o mais importante, os açúcares seriam tam- que ainda concorreram com o emergente imperialismo ulemílo.
bém objeto de favores alfandegários com os quais esperava-se com-
petir, em melhores condições, com o açúcar antilhano e, assim, dar
novo alento à produção nordestina. As exportações de couro foram A intervenção estrangeira na Revolta da Aunada (18'M-IH'M)
também beneficiadas com isenção. Mas, no momento em que os
Estados Unidos estenderam a livre entrada para o açúcar procedente A crise política do Brasil nos primeiros anos do I K I V U i rc.ime, o
das possessões espanholas das Antilhas, ficaram, na prática, anula- militarismo e o agravamento da rivalidade entre n Mui inha e o Hxér-
das as vantagens concedidas ao de procedência brasileira/Os brasi- cito, a partir da ascensão do mareeliiil Moríimo A |)ie:;ideiu-ia, forniu-
leiros sentiram-se ludibriados, e as acusações recaíram sobre Salva- ram o quadro para a eclosíio il;i i e v u l l ; i d;i forcn n a v a l eontni o )'.<>
dor de Mendonça, que não teria conduzido bem as negociações. Os verno legal, em 6 de setembro de IK'M, liderada pelo a l m i r a n t e
monarquistas como Eduardo Prado, por exemplo, não descansaram Custódio José de Melo.
Aiinnlo l iii/ C e r v o f ( lodo,ildo Bueno História d;i pulílicii exterior do Brasil 175

( ) nioviniciito iniciou-se cm nome da pureza dos princípios re- para o desenvolvimento das ações e para o movimento de navios UM
l > i i l i l u anos. No seu transcorrer, todavia, adquiriu um tom monar- baía de Guanabara. Nesse ínterim, Salvador de Mendonça la/.ia ges-
quista, sobretudo após Custódio José de Melo, antevendo a dificul- tões junto ao Departamento de Estado norte-americano.
dade (U- v i t ó r i a , ter estabelecido contato com o líder revolucionário Assim que Saldanha da Gama assumiu o comando das opera-
C.aúdio (iaspar da Silveira Martins e após a adesão do almirante ções, a luta tomou outro rumo com o bloqueio que impôs ao funciona-
l .ui/, l ; clipc Saldanha da Gama, neutro no conflito até 7 de dezem- mento da alfândega. No momento em que a vitória de Floriano pare-
l i n t (laqueie ano. cia difícil e a diplomacia europeia inclinava-se a reconhecer o estado
A revolta foi de péssimo efeito no exterior. Para o observador de beligerância aos revoltosos, Salvador de Mendonça sugeriu ao
n u o p c u , a crise política levaria o Brasil a engrossar o rol das secretário de Estado norte-americano Gresham a ruptura do bloqueio.
rcpubliquetas sul-americanas, marcadas pelos "pronunciamentos". O governo dos Estados Unidos vinha dando apoio a Floriano antes
Nflo apenas se punha em dúvida a capacidade de o Brasil se mesmo dos eventos que corriam na baía de Guanabara. Gresham,
autogovernar, mas, também, de a República manter a Unidade nacio- após entrevistar-se com o presidente Cleveland, informou ao diplo-
n a l . Na imprensa de Londres, foram lembrados os riscos que corriam mata brasileiro que o contra-almirante Benham assumiria o comando
os interesses britânicos no Brasil e aventou-se até a necessidade da das forças navais norte-americanas estacionadas no Rio e romperia
v o l t a de um monarca, de preferência alemão, para restabelecer a o bloqueio de qualquer modo. Assim foi feito/Uma vez rompido o
ordem e a tranquilidade. bloqueio à força — consumada, pois, outra intervenção estrangeira,
/ N o momento em que rebentou o movimento armado, os coman- desta feita só norte-americana -, a Saldanha da Gama só restou es-
dantes das forças navais de potências estrangeiras - Estados Uni- 7 A- tender aos navios de outras nacionalidades a autorização para em-
// dos, (i rã-Bretanha, França e Portugal — ancoradas na baía de barque e desembarque de mercadorias. A revolta estava, militar e
(iiiíinabara, em nome dos "interesses superiores da humanidade", moralmente, derrotada. Com a chegada da Esquadra Legal (também
intcnnediaram, em conjunto, um convénio, firmado em 5 de outubro conhecida como "Esquadra de Papelão"), sob o comando de Jerônimo
di- l S').i, entre o governo de Floriano e a Armada rebelada, pelo qual António Gonçalves, à entrada da baía, os revoltosos asilaram-se nas
se estabeleceram as regras de combate e se declarou o Rio de Janei- corvetas portuguesas Mindelo e Afonso de Albuquerque, não se
ro cidade aberta, com o objetivo de resguardar alvos civis e o funcio- ferindo, assim, a batalha final. /
namento do porto. Antes do convénio, isto é, em l 2 de outubro, as A intervenção norte-americana foi decisiva para a vitória de
nítidas autoridades navais, autorizadas pelo respectivos governos, Floriano, pois deu-se no preciso momento em que a diplomacia das
comunicaram ao líder da revolta, Custódio José de Melo, queresisti- ~~) f potências da Europa ensaiava retirar seu apoio ao governo legal. Os
M.mi pela Torça a qualquer ataque contra a cidade. A intervenção, Estados Unidos, assim, contribuíram para a "Consolidação" levada a
mio obstante ferisse a soberania nacional, foi bem aceita pelas auto- efeito por Floriano Peixoto e, ao mesmo tempo, consolidaram a sua
udadcs legais, unia vez que, afastada a possibilidade de bloqueio e influência sobre o governo brasileiro. /
ie:,|',uaidada a capital de bombardeio, retirava o principal trunfo dos / É preciso, todavia, advertir que a cartada decisiva do governo
irvollosos. A l u t a atingiu um impasse no seu desenrolar. Floriano norte-americano a favor de Floriano não foi contestada pela diploma-
j M i i l m v a tempo, inclusive para improvisar a formação da Esquadra 7 » cia europeia, a Grã-Bretanha em particular. É bom lembrar que a
l i i',,il, i i i n i i n b ç i i c i a da qual se encarregou Salvador de Mendonça, primeira intervenção na revolta fora consumada pelas potências da
mlfllltrotto Hrusil cm Wash i uglon A 'umpre ainda observar que Floriano Europa e pelos Estados Unidos (l 2 de outubro de 1S(J.1), visando à
MI i i i i . n ii n i i i o i idade do corpo diplomático e dos comandantes navais proteção da vida e dos interesses privados dos respectivos nacionais,
' n i i i i " n» 1 , nu i r l c i e i i l c à cxceiicao do acordo que fixou normas bem como ao desenvolvimento das alividadc:; comerciais no porto. /
l 71, A m ; i d o l . u i / Cervo c C l o d o a l d o B u e n o

Tivesse sido feita a intervenção apenas em nome dos alegados "inte-


resses superiores da humanidade", Niterói não .deveria ter ficado
excluída da proteção estabelecida pelo modus vivendi do dia 5 da-
quele mês. Os interesses dos Estados Unidos e dos países europeus
envolvidos, principalmente a Grã-Bretanha, não eram, no caso,
colidentes.
Rio Branco: prestígio, soberania e
definição do território (1902-1912)

As grandes linhas da política externa do patrono da diplomacia


brasileira foram: a busca de uma supremacia compartilhada na área
sul-americana, restauração do prestígio internacional do país,
intangibilidade de sua soberania, defesa da agroexportação e, sobre-
tudo, a solução de problemas lindeiras. /
Não se pode perder de vista que os Estados Unidos foram uma
das nações não-européias que se erigiram em potência mundial nos
primeiros anos do século XX, no apogeu da era dos impérios. As
relações internacionais adquiriam, então, escala mundial. Foi nesta
conjuntura que Rio Branco, em continuidade com o que fora inaugu-
rado pela República (l 889), desenvolveu uma política que tinha como
um dos seus principais componentes a íntima aproximação aos Ksla-
dos Unidos/Tal aproximação não significou "alinhamento automático"
.
e serviu aos propósitos políticos do chanceler no plano sub-regional
(América do Sul). Foi o momento decisivo de um processo que, mais
tarde, levaria o Brasil - em virtude da posterior bipolari/açflo do pó
der mundial - a integrar-se no subsistema liderado pelos listados
Unidos. Embora a amizade brasileiro-norte-americana remonto nu
período colonial, a gestão de Rio Branco representou um mnico. 1 f
O estreitamento das relações com os Estados Unidos iileiuliii
aos interesses das oligarquias dominantes do sistema político biu-aln
ro. O Brasil, na periferia do sistema capitalista e exportado: < K p n >
dutos tropicais, de acordo com a divisão intenuiciomil do linlinllio
estabelecida em fins do século XIX, tinha naquele pai 1 : sni miiis n u

B u m s ( l 9 6 6 , p. I X - X I ) ; l ,nR-.r c 1'eflu ( l ' ) 7 t, |. N i , K / )


l/N Anuído l iii/ C e r v o c ( lc>(lo,,"il<lo Hucno H i s t ó f i i i dii p o l í l i c i i e x t e r i o r d o H i i i s i l l /'i

I H H lnnlf merendo consumidor. Em contrapartida, a amizade do Brasil nota (que passaram à História com a designação de Doutrina l )rago),
r n i i v i n l i a aos listados Unidos pela sua posição estratégica, já que a evitando comprometer-se com a não-intervenção. Mantevc-sc neu-
Ai|',enlina m a n t i n h a estreitos vínculos com a Grã-Bretanha e repelia tro e a questão foi encaminhada para a Corte Internacional de Haia.'/
u aproximação norte-americana, pelo potencial de seu mercado e / Rio Branco teve conduta distinta da Argentina. Apesar de ter
possibilidades de investimentos. / acabado de assumir o ministério (exatamente seis dias antes do blo-
l i preciso advertir que, no período em tela, o Ministério das Rela- queio), não teve qualquer hesitação. Além de aceitar a posição norte-
còcs Exteriores teve, na prática, autonomia de ação, decorrente do americana, não acompanhou o ministro argentino Drago, no seu pro-
prestígio de seu titular. Desse modo, que a condução da política exte- testo contra a cobrança coercitiva de dívidas, por entender que não
rior brasileira deve ser atribuída quase que unicamente à ação do estava em causa a Doutrina Monroe/Ademais, o Brasil não era mau
barão do Rio Branco, que, desde sua posse, desfrutou de um lugar à pagador.4 A Chancelaria brasileira, naquele caso concreto e numa
parle no Poder Executivo. 2 /A continuidade da política externa perspectiva realista, não tinha por que assumir posição divergente da
4-, independeu das mudanças presidenciais^O barão integrou os minis- norte-americana. Os Estados Unidos foram consultados antes de se
térios de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da consumar o bloqueio. A potência do Novo Mundo, que então se exer-
Fonseca. / citava no poder de polícia internacional e que avocava o hemisfério
para a sua área de influência, deu o seu nihil obstai, pelo fato de o
bloqueio não envolver conquista de território. Qualquer protesto em
Uio Branco e o corolário Roosevelt tal conjuntura seria vão, uma vez que, além dos Estados Unidos, ne-
nhum outro país americano tinha força suficiente para opor-se a qual-
A cxata noção da influência dos Estados Unidos no concerto quer uma das potências europeias envolvidas no episódio venezuelano.
internacional levava Rio Branco a ver a Doutrina Monroe como ele- Rio Branco não aceitou a formalização de um protesto conjunto e,
i nu-nlo de defesa territorial do continente: "A Doutrina de Monroe e o
respeito misturado de temor, que pelos seus processos novos os Esta-
afora o fato de não se afinar com os princípios de Drago, adotava
uma posição de entendimento com os EUA.5 Segundo manifestações
dos Unidos inspiram às grandes potências da Europa, têm servido da opinião brasileira, desaprovava-se a atitude do general Cipriano
para impedir, desde há muitos anos, que elas pensem em violências e Castro, presidente da Venezuela, e aceitava-se a punição que os Es-
c o n q u i s t a s no nosso continente". O chanceler ilustrava essa tados Unidos viessem a impor ao seu país. A Doutrina Monroe não
constatação com o fato de o bloqueio naval anglo-germânico, impos- podia "instituir em favor dos povos americanos o privilégio de faltar
lo a Venc/.uela em dezembro de 1902 a título de cobrança de dívidas, impunemente a compromissos de honra e ainda zombando dos cre-
só UT se consumado após anuência do governo de Washington. Com dores". Assim, a doutrina era entendida como instrumento de defesa
Hc-ilo, n (irã-Bretanha, ao consultar previamente os Estados Unidos, da integridade territorial do continente em face de agressões euro-
reconhecia a nova potência e sua respectiva área de influência. Não peias. Não se vislumbrava qualquer perigo, caso as nações da Amé-
M loa, o m i n i s t r o das Relações Exteriores da Argentina, Drago, dirigiu rica do Sul "aceitassem esse convénio". Para certo setor da opinião,
nola ao l )cparlamento de Estado norte-americano afirmando o prin- a doutrina prestava "grande serviço" ao continente, pois assegurava
cipio dr que dívida pública não podia ser cobrada com o uso da força,
tílilif liinlo, o J-',OVLTIIO dos Estados Unidos não acolheu os termos da
3
Cf. Stuart (1989, p. 10-14, 20-23, 49, 144-147).
4
Cf. Lins (l945, p. 489-490).
l In» 11" i . ,i |63 I M . I . l , . , , 1973, v. l, p, 248-249); Burns (1966, p. 36-37). s
Ana Maria Stuart (19X9, p. 1X7-206).
l HO A n u í d o l u i / Orvo c. C l o c l o a l d 0 ' ' B u e n o H i s t ó r i a dí\ p o l í t i c a e x t e r i o r do K n i s i l lHl

ii libmliuk- pura o "desenvolvimento de cada nação americana", res- ca de coerção contra os Estados latino-americanos. Como
jMi:ii(l;mdo-;iK da cobiça e da conquista europeias.6, contrapartida, os Estados Unidos garantiam à Europa que as nações
/ ('oncebida originalmente como proteção e não ingerência, a latinas da América, sob sua supervisão, preservariam a ordem públi-
Doutrina Monroe foi transformada em justificativa para sancionar ca e manteriam seus compromissos em dia. 9
intervenções em países latino-americanos abrangidos pela ampliação De acordo com essa nova versão da Doutrina Monroe, conheci-
da área de segurança norte-americana.7 Ao afirmar o afastamento da como Corolário Roosevelt, aos norte-americanos estava reserva-
da ingerência europeia no hemisfério, invocando a doutrina, o presi- da a tarefa de dirigir os povos menos competentes.
dente Theodore Roosevelt (1901-1909) colocou, unilateralmente, a Rio Branco não questionou os termos da mensagem de Roosevell.
América Latina no subsistema internacional de poder liderado pelos Reafirmou sua visão a respeito da nova ordem mundial e constatou a
Estados Unidos. / formação de um novo centro de poder/
A aplicação dos princípios formulados por Monroe em 1823, que
vedavam o continente à conquista europeia, impunha também res- Mais fundamentos teriam para se molestar com as declarações da
ponsabilidades, segundo Roosevelt. Assim, os Estados Unidos tinham mensagem [de Theodore Roosevelt] essas grandes potências eu-
ropeias pelo propósito que o governo dos Estados Unidos mostra
a tarefa de zelar pela ordem e pela paz na América por meio de uma
de intervir, sempre que for necessário, na questão do oriente euro-
ação de polícia internacional. Na mensagem de 6 de dezembro de
peu e nas da Ásia, que as mesmas entendiam pertencer-lhes exclu-
1904 ao Congresso do seu país, o presidente norte-americano conci- sivamente. A verdade é que só havia grandes potências na Euro-
liou monroísmo com intervencionismo ao redefinir a doutrina: pa e hoje elas são as primeiras a reconhecer que há no Novo
• Mundo uma grande e poderosa nação com que devem contar e
O descalabro crónico ou uma impotência que resulte num afrouxa- que necessariamente há de ter a sua parte de influência na política
mento geral dos laços da sociedade civilizada, pode, na América, internacional do mundo inteiro.10
como alhures, exigir por fim a intervenção de alguma nação civili-
zada e, no Hemisfério Ocidental, a adesão dos Estados Unidos à Desde que esteve em missão especial junto ao governo da Suíça
Doutrina Monroe pode forçá-los, embora relutantemente, em ca-
para defender a causa brasileira no litígio com a França pela posse do
sos flagrantes de descalabro ou impotência, ao exercício de um
Amapá, Rio Branco receava a agressividade europeia. Tal receio
poder internacional.8
levava-o a valorizar o caráter defensivo da Doutrina Monroe e a
entendê-la como aplicável às questões de limites entre as nações
' O conceito de proteção do hemisfério contra agressões
latino-americanas e as potências europeias que ainda conservavam
extracontinentais, cerne daquela doutrina, foi retrabalhado pelo então
colónias no continente americano."
presidente norte-americano, de forma que desse justificativa à políti-

6
Gil Vidal, A Venezuela e a doutrina de Monroe, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, Perkins (1964a, p. 199-200). Vejam-se, ainda, Biims (!%(>, p. l.SO-15 l); Fohlen
4jan. 1905; Rocha Pombo, Política americana, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, (1967, p. 51-52); Renouvin (1969, p. 471); 1'cpin ( I 9 . I K , p, •!(>); Icnwii-k (I%.S,
18jan. 1905; Luís Raposo, Os congressos pan-americanos, Jornal do Brasil, Rio de p. 59); Renouvin e Duroselle (1967, p. 171); llmukirn ( 1 9 / 1 , p. 16K), J. hvd
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Rio do Janeiro, 26jul. 1907; O Congresso Pan-Americano, Jornal do Commercio, Appleman Williams (1960, p. 5 1 1 - 5 1 5 ) . Vidnl, c\\ ; Donulii ( l 1 ) / , ' , p .'K<l); l,n
Rio de Janeiro, 11 dez. 1905. doctrinade Roosevell, l.n /V<v;.v</, Uurnns Aiivi, \"\ nun.lWi.
7 10
IVrkins (1964íi, p. 192-193, 224). . ' AH1, Despacho para Wnshiiipjnii, I I jiiii, l'XI'i.
* Apud Pcnwick (1965, p. 59). Vejam-se, ainda, Fohlen (1967, p.51-52); Pépin Carta de Rio líranco n Salviitlnr ilf Mt'n<l<im'ii, l'nris, .*> de/, l K95, npiicl Awvcdo
a (1971, p. 43H-439).
( I ' H K . p. '10).
l»; Aniíiilo l lii/ ( rrvo c Clodoaldo Uucno História da polític;i e x t e r i o r do B r a s i l l Mt

Além disso, Rio Hianco aceitava a presença militar estrangeira do seu ambiente. Sua posição em relação à mensagem de Roosevelt
i-in (indo país em nome da defesa de interesses ameaçados. Por de 6 de dezembro de 1904 tinha respaldo de parte da opinião nacio-
oensiilo díi guerra civil no Paraguai, em correspondência com o mi- nal. Embora houvesse quem interpretasse o "Corolário Roosevelt"
nistro brasileiro em Washington (Alfredo de Moraes Gomes Ferreira), como a serviço do imperialismo norte-americano,13 boa parte da im-
observou que não havia razões para o "receio que certos governos prensa o apoiava com argumentos parecidos com os do chanceler
siil-iimericanos têm de próximas intervenções dos Estados Unidos brasileiro.
nos seus negócios". Ainda mais que não se tratava de intervenção O silêncio oficial de Rio Branco em face da mensagem de
estrangeira visando contribuir para que um partido suplantasse outro, Roosevelt e o equívoco gerado pela presença de Nabuco no Depar-
mas sim de colaboração no sentido de se chegar a um acordo conci- tamento de Estado, quando do incidente áa.Panther (1905),'4 suge-
liatório sem desprestígio para a autoridade legal. Para tanto, invocou riam, no exterior, que o Brasil teria aceito tacitamente a Doutrina
precedentes históricos. A diplomacia europeia assim já havia proce- Monroe nos termos em que foi reinterpretada por Roosevelt. Assim
dido no Prata. Em 1864, igualmente, astnediações brasileira, argenti- enxergou, por exemplo, o Morning Post de Londres. Segundo tele-
na e britânica foram aceitas pelas forças em conflito no Uruguai. gramas dos Estados Unidos, constou na imprensa de Nova York que
Sem questionar, e secundando a posição norte-americana, afirmou: o Brasil iria assumir "a defesa da Doutrina Monroe na América do
"Não creio que a presença de um ou dois navios de guerra america- Sul". A projetada viagem de Elihu Root, secretário de Estado norte-
nos no Paraguai, onde, durante a revolução, os argentinos tinham americano, ao Rio de Janeiro, em 1906, estaria ligada a um eventual
qualro e nós três, pudesse dar lugar a injustos reparos, pois os Esta- acordo (ou cordial inteligência) entre Brasil e Estados Unidos, segun-
dos Unidos têm também ali, como no mundo inteiro, interesses co- do o qual o Brasil contribuiria para garantir o monroísmo na América
merciais a defender em caso de perturbações políticas". O chanceler do Sul. Para o diário argentino La Nación, o rearmamento naval
via a possibilidade de as nações mais fortes desempenharem ação brasileiro, então projetado, inseria-se num quadro por demais nítido: a
benéfica em favor da paz sobre nações mais fracas. Por isso era de aproximação brasileiro-norte-americana decorreria de um pacto pelo
opinião que o governo de Washington devesse designar um ministro qual o Brasil exerceria a hegemonia sul-americana por delegação
residente no Paraguai, para norte-americana.l5
A fim de se evitar polêmica/a Doutrina Monroe não constou da
que esse diplomata possa, no interesse da paz e do progresso do agenda da III Conferência Internacional Americana, realizada em
nosso continente, exercer a influência benéfica que os Estados 1906, no Rio de Janeiro. Mesmo assim, Rio Branco, no discurso de
Unidos, em união com o Brasil e as outras potências ali represen-
tadas, podiam exercer em situações difíceis como a que acaba de abertura, na presença de Elihu Root, secretário de Estado norte-ame-
atravessar aquele país.12 ricano, elogiou a Europa, respondendo, assim, aos que imputavam ao

K io l iranco não desaprovou os termos em que Theodore Roosevelt


13
sr auto outorgou o poder de "polícia internacional", bem como era Mattos Faro, A doutrina de Monroe, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 20
out. 1905.
pdn demonstração de força em favor da paz. Num certo sentido, o 14
O incidente diplomático havido com o Império Alemão decorreu do eomporlamen-
ministro brasileiro falava a linguagem do presidente norte-americano. to contrário às normas internacionais do comandante da canhoneira l'iinlln'>; i|iif
l i i i mais ik- nina oportunidade recebeu o adjetivo de imperialista, determinou o desembarque (novembro de 1905), sem aiitori/.ncflo das autoridades
i m o i i l o na América espanhola. Não era, todavia, figura deslocada locais, de oficiais no litoral de Santa Catarina para a captura de um d c M i l m ( M i u - n u ,
1995).
15
El Congrcso Panamcricano, Lu 1'ivnxn, llnnios Aires, 2,"i, 26 mar. l')0f>; l .a d i pio
'' AIII I N .p .n IHI puni i-i iii>i. 1905. macia brasilcíui, l.u Nuciitn, Hiienos Aiivs, l l nov. IWd.
l H'l A m a d o l iii/ (.'nrvo c. C l o d o a l d o Bueno História da política exterior do B r a s i l l K'i

Mrusil o papel de co-gendarme da América Latina. Tal discurso de distinta". Assim, as repúblicas americanas formavam no mundo "uma
Kio Mniiicn pôs Hm a dúvidas, tendo até recebido o aplauso de Olivei- grande unidade política".l9
ra l ,ima, eiilílo um dos maiores críticos de sua política exterior.16 / Rio Branco fez constatações idênticas:
Kio Branco não alimentava um idealismo ingénuo quanto ànatu-
rc/a do pan-americanismo. Sabia que este fora reanimado por Elaine, A verdade é que só havia grandes potências na Europa e hoje elas
cm 1888, no próprio interesse dos Estados Unidos.17 Teve, também, são as primeiras a reconhecer que há no Novo Mundo uma grande
suficiente acuidade para perceber que a presença de Root no Brasil e poderosa nação com que devem contar e que necessariamente
l ora em benefício da influência norte-americana na América do Sul. há de ter a sua parte de influência na política internacional do
mundo inteiro.20
Quando Joaquim Nabuco sugeriu-lhe, mais tarde, uma visita aos Es-
tados Unidos, em retribuição a que fizera Root, com aparato e reser-
va nos preparativos para não ter imitadores, Rio Branco recusou a / A visão realista de Rio Branco permitia-lhe perceber, como ou-
ideia, argumentando: tros de seu tempo, o peso dos Estados Unidos na nova distribuição do
poder mundial e o fato de que a América Latina estava em sua área
Achaques [da] velhice [me não] permitiriam viagem de aparato, de influência. Dir-se-ia que o Brasil não tinha alternativa ao
além de que despesa seria grande e não houve visita especial a estreitamento das relações com os Estados Unidos, descartando a
este governo [...]. Não penso que tenhamos dever de retribuir possibilidade de uma aproximação com alguma potência europeia.
visita feita a tantos países no interesse do desenvolvimento da Para o Brasil, a amizade norte-americana não só assumia um caráter
influência americana e não por atenção especial ao Brasil. IS defensivo-preventivo, como lhe permitia jogar com mais desembara-
ço com seus vizinhos. Ademais, Rio Branco não via a possibilidade
de se formar no continente nenhum bloco de poder capaz de opor-se
O Brasil e o subsistema norte-americano de poder aos Estados Unidos, em razão da fraqueza e da falta de coesão dos
países hispânicos. /
/ Tanto Rio Branco quanto Joaquim Nabuco (primeiro a chefiar A ideia de um sistema continental tornou-se cada vez mais pre-
a embaixada brasileira em Washington, criada em 1905), embora sente no discurso daqueles que se ocupavam de política exterior. Joa-
cada um a seu modo e expressando-se por meio de linguagens dife- quim Nabuco era, entre os brasileiros, quem mais insistia e reconhe-
rentes, reconheciam os Estados Unidos como o centro de um cia a existência daquele sistema. As repúblicas americanas integravam
subsistema internacional de poder. Nabuco, na apresentação de suas "um só sistema político", o continente da paz:
credenciais de embaixador a Theodore Roosevelt, formulou votos
"para que se aumente a imensa influência moral que os Estados A América, graças à Doutrina Monroe, é o Contincnle da l'a/, c
Unidos exercem sobre a marcha da civilização e que se manifesta essa colossal unidade pacificadora, interessando (umlainenie mi
pela existência no mapa do mundo, e pela primeira vez na história, trás regiões da Terra - todo o Pacifico a bom tli/.cr , 1'oiiiiii u n i
de uma vasta zona neutra, de paz e de livre concorrência humana". / Hemisfério Neutro e contrabalança o outro l Icmislei io, que bem
Logo depois, reafirmaria que a América formava "um sistema polí- poderíamos chamar o Hemisfério Bcligei anlr.''
tico diverso do da Europa, uma constelação com órbita própria e
19
AHI, 34.6/IX, maço l, pasta 8; 27.V3/IO ( I I I ( ' . L A . ) .
"' Oliveira Lima (s.d., p. 187-188); Mccham (1965, p. 442). 20
AHI, Despacho para Washington, 11 jau. I ( X I \ Jmln l n m k il.i r.r.in ( I % H ,
" A l l l , Despacho para Washington, apud Lins (1945, v, 2, p. 567). p. 200-202).
IN 21
A l l l , Despacho para Washington, 2K maio 1908. Nabuco (s.d., p. 146-147, 191).
AltlHiln l ul/ Orvo c Cloiloiildo HuCno História da p o l í t i c a exterior do B r a s i l l H/

Simulo Nabnco, os listados Unidos lideravam a criação de "um O reconhecimento de que os Estados Unidos eram o centro de
i ( i n l m c n l c neulrali/ado para a paz, livre c inacessível às competên- um subsistema de poder não implicou integrá-lo passivamente. Não
riiiíi dn queira que l a/em do resto do mundo, da Europa, da Ásia, da significava ser o Brasil caudatário da política exterior daquele país.
A Trica, lioji- aglomerados, um verdadeiro continente beligerado". Não Para Rio Branco, a amizade norte-americana tinha um sentido prag-
vislumbrava nenhum perigo americano: "A política de aproximação mático. Um exemplo: quando da aprovação (1904) pelo Legislativo
i i i m a América Latina, em desconfiança com os Estados Unidos, do projeto de reorganização da Marinha de Guerra brasileira e o sub-
sei ia uma política insensata". Descartava de vez a possibilidade de sequente recrudescimento de sentimento antibrasileiro na Argentina,
alianças europeias, pois, "desde o dia em que a América se constituiu Rio Branco, em carta a Domício da Gama, então ministro do Brasil
independente da Europa, formou-se um sistema separado, diverso e na capital desse país, recomendou-lhe a conveniência de "estreitar
dislmlo do europeu". Uma órbita separada, para usar uma expressão relações com o ministro americano [de Buenos Aires] e ganhar a sua
que lhe era tão cara. O agrupamento político das nações americanas confiança para que ele não se deixe influenciar pela atmosfera de
sei ia, assim, um dos sistemas que com os demais dividiam o mundo, ódio e prevenções contra o Brasil em que vive/Devo informá-lo de
li ia mais longe: a Doutrina Monroe e o prestígio norte-americano que dias antes Root se oferecera para tratar da equivalência naval
garantiram a integridade da América Latina. Descontados os exage- (,..)".24 Rio Branco, se neste problema específico não procurou jogar
ros, próprios de um doutrinador, sentiu, como Rio Branco, a mudança com a influência norte-americana para atingir suas pretensões, bus-
de dircção do poder mundial. Este, embora sem a mesma ênfase, cou evitar que outro país o fizesse. Ganhar a confiança do ministro
entendia que o papel de leadership do continente cabia aos Estados norte-americano na Argentina significava ficar mais à vontade para
Unidos. 22 agir, na medida em que impedia a eventual mediação norte-ameri-
A política externa brasileira, ao tempo de Rio Branco e Joaquim cana, restringindo a questão aos dois países. Dir-se-ia que a amiza-
Nabuco, contribuiu para a consolidação do bloco de poder internacio- de, neste caso, tinha sentido preventivo, pois o que se almejava era a
nal liderado pelos Estados Unidos, mas também procurou tirar pro- não-intromissão.
veito da nova situação mundial que então se delineava. Segundo Outro aspecto a reforçar é que a aproximação aos Estados Uni-
Nabuco, em dos fazia-se em compasso com o prestígio da Doutrina Monroe que,
segundo Rio Branco, tinha sido até então um "espantalho" às interfe-
tais condições a nossa diplomacia deve ser principalmente feita
em Washington. Uma política assim valeria o maior dos exércitos, rências europeias e útil ao país em algumas ocasiões, sobretudo quando
a maior das marinhas, exército e marinha que nunca poderíamos j da questão com a França por causa dos limites na Guiana.
ter. Precisamos de atividade, de clarividência, resolução e organi- / A principal obra de Rio Branco foi a solução de pendências
zação de um serviço diplomático em Washington, onde está a lindeiras. Contando com a amizade norte-americana, não só evitava
chave das nossas relações diplomáticas. dificuldades que poderiam surgir em Washington - capital que, se-
gundo ele, era o principal foco de intrigas contra o Brasil , como
Para o nosso primeiro embaixador, a Doutrina Monroe tinha podia eventualmente utilizá-la a seu favor. A aproximação entre os
onrAlcr defensivo, pois serviria para afastar cobiças estrangeiras. dois países dava-lhe mais liberdade para negociar com as nações snl-
A alinnça com os listados Unidos, por conseguinte, só poderia pro- americanas na busca de solução para os ainda pendentes problemas
nmriomii benefícios.' 3 da fronteira.25 /

" i > / ./,„/,.,/,;; /', ,/,/n. .'l jul. 1906, p. 3; João Frank da Costa (l 968, p. 105); AHI,
24
l >c".|i;n Mu I M I . I W , i ' . l i i i i | ' i . . u , ,"> ilcy 1907; Nabuco (s.d., p. 132-133). AHI, CartíuleKio Branco a Domínio (In < i;mu K i o t l r limnm, 1'nl.v I')OX
25
" Cosln ( l ' « i K , p. I D O I O ' / ) ; Niibm-o (s.d., p. 142-143). Lins (1945, p. 491-492).
l HH A m n d o l.uiz Cervo e C l o d o a l d o B u e n o ,- História da política exterior do B r a s i l 18')

A quesito do Acre Withridge, United States Rubber Company e Export Lumber, contava
com figuras de expressão na City e Wall Street. O governo boliviano
concedeu à nova empresa poderes que normalmente pertencem ao
A viagem clandestina da canhoneira norte-americana Wilmington, Estado, fato que a igualava com as companhias privilegiadas que
que aportou em Belém em 10 de março de 1899 e foi até Iquitos, atuavam na África e na Ásia. A sua sede seria em Nova York.28 /
iilbrii o incidente diplomático que ela em si provocou, estaria ligada a ' A diplomacia brasileira procurou impedir o estabelecimento de
um acordo que o ministro da Bolívia no Brasil, Paravicini, procurou uma companhia daquela natureza em região limítrofe do país, pois
firmar com os Estados Unidos a respeito do Acre, então boliviano, abrir-se-ia perigoso precedente que envolvia riscos, uma vez que o
por meio do cônsul norte-americano K. K. Kennedy. O acordo deve- \í território arrendado só tinha acesso ao Atlântico pelos rios da Ama-
ria ser encaminhado ao presidente norte-americano MacKinley via zónia. Para evitar eventuais embaraços, o governo retirou do Con-
comandante da Wilmington e constava basicamente do auxílio norte- gresso o tratado de comércio e navegação firmado com a Bolívia em
americano à Bolívia visando à manutenção de sua soberania sobre os 1896. Todavia, indagava-se sobre a possibilidade de o Brasil suportar
territórios do Acre, Purus e laço, em troca de concessões aduaneiras eventual pressão diplomática de potências estrangeiras na hipótese
e territoriais.26 de fechamento dos rios.29 f
O representante do Brasil em Washington, Assis Brasil, protes- f O ministro das Relações Exteriores de Campos Sales, Olinto de
tou junto ao Departamento de Estado pela viagem da embarcação Magalhães, reconhecia o Acre como território boliviano, de acordo
militar, em flagrante violação da legislação brasileira. O secretário de com a interpretação republicana do Tratado de Ayacucho, firmado
Estado John Hay apresentou desculpas, mas observou que o coman- em 27 de março de 1867. Em 1899, liderados por José de Carvalho,
dante da canhoneira, Chapman Todd, não agira de má-fé e reclamou os brasileiros do Acre rebelaram-se e conseguiram a retirada do
do tratamento que este havia recebido no Amazonas. Na imprensa delegado da Bolívia do território. Logo depois, Luiz Galvez Rodri-
do Pará e Amazonas foi denunciado, sobretudo por João Lúcio de gues de Árias fundou, em 14 de julho, o Estado Independente do
Azevedo, o imperialismo económico ao qual estaria ligada a viagem Acre. O Brasil apoiou a Bolívia contra Galvez, que assinou o armistício
da Wilmington. O acordo Paravicini-Kennedy, principalmente em em 15 de março de 1900. Entretanto, manteve-se o estado de revolta
razão da celeuma levantada, não teve seguimento.27 no Acre,'cujos habitantes contestavam o direito de posse boliviano."'/
O incidente da Wilmington foi o prelúdio dos aborrecimentos / No fim de julho de 1902, o chanceler Olinto de Magalhães ainda
que o Bolivian Syndicate iria causar à diplomacia brasileira. temia uma intervenção. Para Assis Brasil era necessário afastai' os
A região do Acre foi ocupada sobretudo por nordestinos e em capitalistas da questão acriana. A sua atividade visando a impedir
1899 tornou-se conflagrada quando autoridades da Bolívia, querendo
que o Syndicate obtivesse apoio diplomático do governo norte-
impor sua soberania, estabeleceram uma aduana em Puerto Alonso.
O governo boliviano, todavia, não conseguindo fazer valer sua autori-
dade, em 11 dejulhode 1901 arrendou, por trinta anos, a região a um 28
Franco (1973, v. l, p. 253); Luiz Alberto Moniz Bandeira, O barão de Knili.srliiU
consórcio de capitalistas, que pretendia explorar as riquezas naturais e a questão ao Acre, Revista Brasileira de Política Internacional, •/<(.<)• l M) l d 1 »,
daquela área por meio de uma chartered company. Tal consórcio, 2000, p. 154; id. (1973, p. 156-158); Tocantins (1961, v. 2, p. 40\ 4 1 7 4.M),
Ricardo (l954, v. l, p. 155-159).
denominado Bolivian Syndicate, integrado pelas firmas Cary & 29
Tocantins (l961, v. 2, p, 442); Ricardo (1954, v. l, p. 164-I6.S).
30
Magalhães (l941, p. 9-45, 167-198); Ricardo (1954, v. l, p. I I . H I . \ M H l S0)|
Franco (l 973, v. l, p. 253-254); Tocantins (l 961, v. l, p, 277-27H, I I 1 ' . K. l lflj)|
•'" l o n i n l i i i N ( l % l , v. l, p. 220-221). Burns (1977, p. 384); Mensagem í/r <"<»;)/iav .Wr.s ,m < 'nmyvví,. (V,/, i,i//,//. l
'' l n n m i i i i f i ( l ' » < > l , v , l , p . 226, 228, 430); Bandeira(1973, p. 153-154). maio 1900.
A m , i d o l u i / C u r v o c ( locloiilclo H u c . n o H i s t ó r i a <l;i p o l í t i c a e x t e r i o r d o H n i s i l

iimciicano foi intonsa. Ao repelir as chartered companies, o repre- os norte-americanos do consórcio, os interesses políticos c as riva-
sculanlc brasileiro jogava com a Doutrina Monroe,,pois a empresa lidades comerciais levariam "outros governos europeus a não per-
era integrada, lambem, por capitais europeus, o que a configurava der a ocasião de concorrer para o enterro da Doutrina Monroe".
como unia exploração colonial típica, igual à que então se observava Antes mesmo de tornar-se chanceler, manifestara a opinião de que
na África e na Ásia.31 / não conviria abrir um conflito de interesses ou pôr-se em desacordo
A opinião do secretário de Estado Hay evoluíra da promessa de com os Estados Unidos, que até então constavam como aliados do
abstenção para a de eventual apoio aos cidadãos, caso seus interes- Brasil, pois isso traria "bastante dano, enfraquecendo consideravel-
ses viessem a ser prejudicados. Temia-se que os Estados Unidos mente a nossa situação aos olhos da Europa". A soberania brasilei-
acabassem por dar cobertura ao empreendimento contra o Brasil, ra sobre a Amazónia dependia em grande medida da amizade da-
que detinha o controle dos rios amazônicos.32 quele país. Daí a importância de não rompê-la, pois "[...] Se os
/ Como ocorrera por ocasião da ocupação da ilha Trindade pela Estados Unidos convidarem, por acaso, governos da Europa para
(irã-Bretanha, o Legislativo mostrou-se mais sensível à opinião públi- exploração de terras da América do Sul e para impor a completa
ca do que o Executivo. Em 1902, agitou-se a Câmara dos Deputados, liberdade do Amazonas, dificilmente recusarão o convite".35 O re-
l j) que rcflctia a rejeição nacional ao contrato.33 A divergência na con- ceio de Rio Branco no tocante à soberania da Amazónia não pou-
duta a ser seguida na questão ia se acentuando entre o Executivo e pava, portanto, os Estados Unidos^Kíão os via como desinteressa-
parle da Câmara. Assim, o problema criado pelo arrendamento do dos guardiões do Novo Mundo:
Acro ao Bolivian Syndicate ficava, do lado brasileiro, num impasse.
A opinião e o Congresso Nacional repudiavam o contrato. O Execu- Faço votos para que meia dú/ia de ambiciosos de La Paz e Nova
I i vo acionava a sua diplomacia em Washington e na Europa visando à York não consigam despertar a cobiça com que os Estados Unidos
anulação do arrendamento, mas declarava ser o Acre boliviano. / de outros tempos olhavam para o Amazonas, cobiça que acarre-
tou tantos incómodos e sobressaltos a mais de um Gabinete do
/ Rio Branco, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores
Império.36
O ile dezembro de 1902), deu outro rumo à questão e colocou o Exe-
,., cut i vo em sintonia com a opinião pública. Interpretou de outra forma
/ Modificar os termos do acordo firmado pelo governo da Bolívia
o artigo 2° do já citado tratado de 1867 e, em consequência, transferiu
e a citada companhia não seria suficiente para afastar todos os riscos
a linha divisória do território em questão no sentido leste-oeste para o que ameaçavam a integridade nacional. Segundo o próprio Rio Bran-
paralelo 10° 20' latitude sul. A área tornou-se oficialmente litigiosa.34/
co, a companhia, em 1902, tentara despertar o interesse dos gover-
/ Como outros de seu tempo, Rio Branco antevia desdobramentos
nos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Alemanha, embora
do estabelecimento de soberanias estranhas nas fronteiras nacionais,
sem nenhum resultado, em grande parte devido à vigilância das lega-
j>/> pois temia que, na hipótese de capitalistas ingleses participarem com ções brasileiras situadas nas capitais daqueles países.37 Mas, tanto
Rio Branco quanto Assis Brasil sabiam que não se podia confiar no
" Al II, Despacho reservado para Washington, 31 jul. 1902. Ofício reservado de Departamento de Estado caso estivessem em jogo interesses de ci-
A'isis Brasil 11 Olinto de Magalhães, 3 jul. 1903; Tocantins (1961, v. 2, p. 285-286, dadãos norte-americanos. /
'l K l ' I I . ' ) .
" I m . i i i i i i r , ( 1 % I , v. 2, p. 442-445); Bandeira (1973, p. 159-160); id., O barão de
35
Kiillwr.hilil,.., d!., p. 154); Ricardo (1954, v. l, p. 166). AHI, Ofício de Rio Branco a Olinto de Magalhães, 12 juii. l W.1, iipud Tournliir.
"AM. li. iK-.Ssct. 1900; ACI), sessões de!6abr, 20 maio 1902. (1961, p. 438).
36
H
l JIIN (l <)<! S, v. 2, p. 4 12); lUmdcira (1973, p. 163); id., O barão de Rothschild..., cit., Idem.
P I M . I . hi!Bintlni(IWl,V, l, p. S75);AV/í.itór/o, 1902-1903, p. 3-28; Magalhães ^Relatório, 1902/1903, p. 26; anexo l, p. 4K-49. Vq..m wi l.i loninlin;i( l % l . p
(IMl.p ;,?}. 569); Ricardo (l954, p. l X t).
l'»,' Am.ulo l ui/ Curvo e C l o d o a l d o Bueno História da política exterior do Brasil l'* t

A nolícia do arrendamento gerou novo levante dos habitantes do Um modus vivendi (21 de março de 1903) estabilizou a situaçflo,
Acre, em ii|>,oslo de 1902, sob o comando do gaúcho Plácido de Cas- após o que se ingressou na fase de entendimento.42/
tro. ()s bolivianos renderam-se em 24 de janeiro. Castro esclareceu Rio Branco e Assis Brasil concluíram com os plenipotenciários
i|iie sua lula não fora contra a Bolívia, mas em oposição ao Bolivián da Bolívia, Fernando E. Guachalla e Cláudio Pinilla, as negociações
Syiidicatc. Do triunfo surgiu o Estado Independente do Acre.38 / que resultaram no Tratado de Petrópolis (l7 de novembro de 190 t ) ,
Meses antes de tornar-se ministro, Rio Branco, quando ainda che- remetido à apreciação do Congresso Nacional pela mensagem presi-
liava a legação brasileira em Berlim, recebera de Assis Brasil a suges- dencial de 29 de dezembro. Com esse, o Brasil fez permuta, con for-
tão de afastar o Syndicate por meio de indenização, a fim de não se me estava previsto no tratado de 1867, de territórios com a Bolívia,
Z/* reforçar ainda mais a influência norte-americana 39 Rio Branco enten- cedendo-lhe cerca de 3.200 quilómetros quadrados e a indenizacilo
deu da mesma forma, pois, ao encaminhar a questão, tratou de primei- de 2 milhões de libras-ouro (em duas prestações), em troca de l') l
mil quilómetros quadrados. A incorporação do Acre, foi, de fato, uma
ro isolar o sindicato, por meio de indenização. O intermediário nas ne-
compra. Além da indenização e da compensação de território, o Bra-
gociações entre Rio Branco e o sindicato foi o barão N. M. Rothschild,
sil comprometeu-se a construir, em território brasileiro, a Ferrovia
agente financeiro do Brasil em Londres e que tinha seu representante Madeira-Mamoré, na qual a Bolívia teria livre-trânsito, juntamente,
nos Estados Unidos, August Belmont, como um dos sócios no empre- com os rios, para acesso ao oceano, confirmando uma faculdade pre-
endimento. Mediante o pagamento de 114 mil libras (incluídas as des- vista em tratados anteriores. A construção da ferrovia custaria a vida
pesas para o advogado e comissão para o intermediário August de 40 mil operários em razão da insalubridade da região. Feito à base
Belmont), o Bolivián Syndicate assinou o distrato em 28 de fevereiro de compensações territoriais e pecuniárias, no acordo do Acre não
de 1903.40 Segundo os críticos do acordo, ao indenizar o sindicato com- houve vencidos nem vencedores. As relações Bolívia-Brasil, após o
prou-se, na verdade, uma concessão praticamente caduca e inviável,
em razão do triunfo de Plácido de Castro.^, indenização pode ser
vista como uma extorsão, pois indenizou-se um grupo de capitalistas
estrangeiros para desistir de um contrato firmado com um terceiro país.
/ tratado, até melhoraram.43 /
A questão acriana, todavia, só foi encerrada após as difíceis ne-
gociações com o Peru, que culminaram no tratado de 8 de setembro
de 1909, firmado no Itamaraty. Nas negociações com aquele país,
Mas a Bolívia não dispunha de recursos financeiros para arcar com a até mais complicadas do que as relativas à Bolívia, Rio Branco, ape-
despesa do distrato e Rio Branco queria evitar complicações e encur- sar do receio, teve as mãos livres como queria e os Estados Unido:;
tar o caminho do entendimento direto.41 mantiveram-se neutros, apesar do esforço do vizinho sul-amcriciino,
/ Isolado o sindicato, Rio Branco passou às negociações com a \ A:^ disposto até a se tornar um protetorado daqueles.44 /
Bolívia depois de afastado o risco de confronto e cessados os movi-
mentos de tropas de ambos os lados em direção à área conflagrada.
O contexto sul-americano
38
Bandeira, O barão de Rothschild..., cit., p. 155; Ricardo (1954, v. l, p. 177-182).
A amizade do Brasil com os Estados Unidos dcspertnva iei em
Plácido de Castro frequentara a Escola Militar de Porto Alegre e participara da
Revolução Federalista. Agrimensor, estava demarcando terras nos seringais. (Cf.
em outros países da área, pois temia-se o imperialismo norte-nm< 1 1
Ricardo, cit., p. 177.)
''' Al 11, Carta de Assis Brasil a Rio Branco, 17 out. 1902, apud Tocantins (1961, 42
Ricardo (l954, v. l, p. 183-197).
p, 573). 43
Tocantins (1961, v. 3, p. 649); Ricardo (1954, v. l, p. 223-22.1, .' K l ) , l lrm-,1,1,1
40
Cf, Bandeira, O biirílo de Rothschild..., cit., p. 155-160; Ricardo (1954, v. l , (2000, p. 105); Gilberto Amado (l 947, p. 26); Soares ( l ' ) / \ p H / ) , l nr, l l ' M ,.
p. I'M 175). v. 2, p. 429); Ricardo (1954, v. 2, p. !«5).
" l l . i i i i l r i n i . O biirflo ilir K o t l i s c h i h l . . . , c i l . , p. 155, 160; Franco (1973, v. l , 44
Bandeira, O barflo de Rothschild..., cil., p. 16MM, Vi-jmn -.r. imiiU-m. M i,.
P !J9 (1954, v. 2, p. 95-11'l); Teixeira Soares (l97\ p. l .M l.'.1).
l 'H| l u i / Cc.rvo r C l o d o a l d o B tf e n o História d a p o l í t i c a e x t e r i o r d o K r a s i l l'»',

cano Na capital argentina, um setor da imprensa, ao analisar a polí- sileira, então em curso, se lhe afigurava como sinal de prepotência,
t i c a externa brasileira, viu-a com pretensões de domínio na América na medida em que procurava resguardar as soluções adotadas pela
do Sul, com respaldo norte-americano. Chancelaria. /
Secundo o diário argentino La Nación, a imprensa da Europa, O alarmismo do La Prensa, que via o Brasil transformando-se
cm especial a inglesa, em face da reorganização naval brasileira e da em potência militar, aumentou com a elevação da legação brasileira
aproximação Brasil-Estados Unidos previa o inicio de "uma diploma- em Washington à categoria de embaixada, em 1905. O ato adquiria
cia imperialista, uma hegemonia a ser partilhada entre o Brasil e a alcance político e diplomático. O diário portenho via no episódio o
Norte America, prestando-se o primeiro a ser agente do segundo em desejo de "ocupar diplomaticamente nos Estados Unidos uma posi-
suas ambições de domínio continental".45 ção superior às demais repúblicas sul-americanas", além de aspirar
A ideia de que o Brasil, à época, iria desempenhar o papel de co- ser a primeira potência militar da América do Sul e de querer assumir
garantc da Doutrina Monroe foi expressa também em jornais norte- a primeira posição na diplomacia sul-americana, almejando, ao mes-
amerieanos, embora formulada com outras motivações. Segundo o mo tempo, a simpatia das nações menores do Prata.47
Washington Post, o secretário de Estado Root, ao empreender via- Com efeito, Rio Branco não só procurava captar a simpatia des-
gem ao Rio de Janeiro, em 1906, pretendia delegar poderes ao Brasil: sas nações, vale dizer Paraguai e Uruguai, como também aproximar-
se do Chile, a fim de conter a Argentina e sua eventual capacidade
[...] sr. Root [...] vai visitar o governo brasileiro informalmente e arran- de influenciar aqueles países que mantinham pendências com o Bra-
jar uma enterite cordiais com aquele país, da qual a Doutrina de
sil. Fazia parte do seu estilo neutralizar forças: "A estreita amizade
Monroe será a base [...]. É a intenção do presidente delegar-lhe [ao
Brasil] a política da Doutrina de Monroe na América do Sul [...]. Se- entre o Brasil e o Chile tem servido para conter suas veleidades [dos
gundo um oficial brasileiro, aquele país estaria interessado em formu- argentinos] de intervenção franca no litígio chileno-peruano, no que
lar a Doutrina de Monroe, com o conselho dos Estados Unidos, e, tivemos com a Bolívia e no que ainda temos pendente com o Peru".48
desta maneira, ser o guardião autorizado das [...] repúblicas [...].46 Convencido das prevenções das nações hispano-americanas em
relação ao Brasil, Rio Branco sempre que tinha oportunidade procu-
f ( ) projeto de rearmamento naval brasileiro, aprovado em 1904 e rava desmanchar suspeitas das nações vizinhas. Dentro dessa linha,
modificado em 1906, despertou viva rivalidade na Argentina, em um
U pode ser vista a aproximação das três maiores nações sul-america-
| | sclor ila opinião identificado com o rearmamento do seu país. O diá- nas (Argentina, Brasil e Chile), buscada por Rio Branco desde os
rio de l hienos Aires, La Prensa, que transmitia a posição de Estanisláo primeiros anos de sua gestão no Ministério das Relações Exteriores.
/cballos, rival de Rio Branco desde a questão das Missões, foi um A aspiração chegou a ser consubstanciada em um projeto de cordial
dos maiores expoentes da oposição à sua política. Para o diário platino, inteligência, geralmente conhecido como ABC, que, aliás, não foi
n pari ir de Rio Branco a política exterior do Brasil apresentou radical concretizado no período em que Rio Branco ocupou a pasta. Convém
mudança em relação à linha que vinha seguindo desde o advento da observar que a aproximação Argentina-Brasil-Chile, nos termos em
República, com o objetivo de restaurar a preeminência do Brasil na que Rio Branco concebia, não significava criar um contrapeso à in-
AnuTica do Sul, como nos melhores tempos da monarquia. Tal políti- fluência norte-americana. O ABC seria para aluar de acordo com o
ca exibia o respaldo de um poder militar. A reorganização naval bra- governo de Washington, numa espécie de condomínio otigárquic.t de

^ N a l i i i i n ( v i l , |i l • ! . ' ) ; l o1; l i m u l i t t ilel Brasil, /','/ Piaria, Buenos Aires, 4 dez. 7


El pensamiento dei Brasil, La 1'rciixii, BIKMIUÍ; Aires, 2 l e v. l ' í ( ) V
l • ' ( i 1 ' n i M i i > i • . na v a l i " . l n . r , i l i - i l i ( . ' i , l,a Nnfiún, Buenos Aires, 19 j a u . 1905. 48
Despacho para Washington, T l mar. I 9 ( > r > . Vrjn-se Joflo 1 ' i a n k ih i ( ' ( T i l a ( l')(i!-:.
" I I . ,.,/D.M • / , ' . / Poií, .'(, mai |')d(,, u p i i d Valia < I W , p. 11-12). p. 249-250).
l') (l A n u í d o l n i / ('crvo e C l o d o a l d o Buen"o História da política exterior do B r a s i l

nações. Nesse sentido, cm 1906, ao passar instruções à embaixada Inglesa foi, também, solucionada por arbitramento, não de lodo
do Brasil em Washington a respeito do programa da. citada III Confe- satisfatória ao país. Nesta, atuou Joaquim Nabuco. Rio Branco, já
H-IK ia Institucional Americana, manifestou-se contrariamente a um ministro quando da publicação do laudo, acatou o resultado e com-
urordo geral entre as nações americanas: "Pensamos que um acordo partilhou o dissabor do defensor brasileiro. A difícil questão do Aciv
no interesse geral, para ser viável, só deve ser tentado entre os Esta- foi solucionada por Rio Branco mediante negociações diretas com a
dos Unidos da América, o México, o Brasil, o Chile e a Argentina. Bolívia, como se viu. Fixou ainda limites com a Colômbia (tratado de
Assim estaríamos bem, os Estados Unidos e o BrasiFyA ideia de 24 de abril de 1907), Peru (tratado de 8 de setembro de 1909), Uru
apoio recíproco entre os países que compunham o ABC aparece tam- guai (tratado de 30 de outubro de 1909) e com a Guiana Holandesa,
bém em documento de Joaquim Nabuco. Joaquim Francisco de As- em 1906. Firmou ainda tratado de limites com o Equador, em 6 de
sis Brasil, que defendia opinião semelhante, também não emprestava maio de 1904. Após esse país ter fixado, mais tarde, suas fronteiras
um caráter antinorte-americano à eventual entente\ esta aumentaria com o Peru, deixou de ser limítrofe do Brasil e, conseqiientemente, o
o prestígio das nações sul-americanas envolvidas e contribuiria para tratado acabou não tendo aplicação.51 Com referência ao Uruguai,
a sustentação do princípio de que não é admissível a extensão do deve-se ressaltar que o Brasil lhe cedeu, em 1909, espontaneamente
domínio ou do sistema europeu ao Novo Mundo.49 e sem compensações, o condomínio da Lagoa Mirim e do Rio
Essa projetada aliança não deixou, obviamente, de ser preocupante Jaguarão, em nome da concórdia sul-americana. Este fato, mais a
para as nações menores da área que tinham alguma pendência com atuação de Rio Branco no sentido de manter o relacionamento com
outra que fosse integrante do ABC. Os peruanos especialmente, em os países vizinhos em bom nível, contribuiu para recuperar o prestígio
razão da questão da Tacna e Arica com o Chile e da questão de do Brasil no Prata e, conseqiientemente, ampliar-lhe o quadro de atra-
limites com o Brasil, temiam o peso da influência dessa eventual ção no segmento sul do continente/O próprio chanceler resumiu a
aliança.50 posição do Brasil no contexto da América do Sul em correspondên-
cia a Joaquim Nabuco, então embaixador brasileiro em Washington:
Os tratados de limites Com o Uruguai as nossas relações são excelentes, e é imenso o
prestígio do Brasil nesse país depois da concessão que esponta-
/ A principal obra de Rio Branco foi a definição do território de neamente lhe fizemos. São também excelentes nossas relações com
seu país. Convém registrar que nenhuma das questões de limites por a Bolívia e com o Peru depois do incidente que trouxe o dcsaslra-
~L,°\ ele solucionadas o foram com argumento de força. As questões de do laudo argentino e do nosso tratado de limites, assim como O H I I
Palmas com a Argentina e do Amapá com a França foram resolvidas as demais nações da América do Sul, exccluado o Paraguai, líslc
por arbitramento, e Rio Branco atuou em ambas como representante acha-se há mais de ano sob o jugo de uma minoria despolir;!.''
do Brasil, antes, portanto, de ascender ao ministério, nos anos difíceis
do início da República. A relativa aos limites do Brasil com a Guiana

Al II, Despachos para Buenos Aires, 3 set. 1904; 21 nov. 1904; Ofício de Assis
Brasil a Rio Branco, Buenos Aires, 19abr. 1906; Carta de Joaquim Nabuco ao dr.
Cardoso, Roma, 20 mar. 1904; Despacho para Washington, 10 mar. 1906, apud
l . i n s ( l < M 5 , p. 760). J
1
Al II, < Mício conlulcucial de Francisco Xavier da Cunha a Rio Branco, Montevi- 'Cf. Franco(1973,p. 261-263,265)íVln»(l.d,,p l i'- l m)
i l r n , .'() ilr/.. !')()/, Despacho para Washington, 29 de/.. 1907. Telegrama para Washin K l,,i,. .' l n« l ' M i ' i . .ipud V.mm l .11,,, < l')59, p. 421-422),
Do apogeu ao declínio da Primeira
República: a ilusão de poder
(1912-1930)

Caracteriztçfto <l<> período


O traço principal desse período Io i o cultivo da amizade com os
listados Unidos. Política posta em prática pelo barão do Rio Branco
e mantida por seus sucessores, sobretudo Lauro Múller, Azevedo
Marques, Félix 1'adiivo e Otávio Mangabeira. Houve, todavia, quem
a questionasse, como Domício da Gama, ex-discípulo e homem de
confiança de Rio Urauco, que divergiu na embaixada do Brasil em
Washington, da forma de solidariedade que vinha sendo praticada por
l,auro MUI ler, sucessor imediato de seu mestre. Para Domício, o inte-
resse nacional impunha limites à amizade incondicional e recomenda-
va evitar-se o recurso à influência norte-americana. Contudo, é pre-
ciso ressalvar que no referente à década de 1920, a amizade não
significou, conforme afirma Vargas Garcia, alinhamento "automáti-
co" da política externa brasileira ao Departamento de Estado norte-
americano. 1 /
Importante fator para a consolidação da amizade com os Esta-
dos Unidos foram as relações económicas. Este país era o principal
centro propulsor da economia agroexportadora do Brasil, notadamente
como comprador de café. Além disso, teve participação crescente,
ao longo do período, nas importações brasileiras de manufaturados e
de produtos alimentícios, como a farinha de trigo. Os norte-america-
nos substituíram os ingleses como investidores no Brasil. Em 1922,
teve início a cooperação militar entre os dois países.2 Cumpre ainda

1
Garcia (2001, p. 476).
2
Burns (1977, t. 3, v. 2, p. 375-400).
l u i / C e r v o i: C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil 20 l

olv;ei vai t|iie iienhunili questão surgiu entre as duas nações, de modo a Desde o período anterior, os brasileiros vinham se preocupando
atrapalhar suas relações. A atuação por longo períodp (1912-1933) de em manter bem preparados sua marinha e seu exército. Tanto é as-
l .dwiu Morgan, embaixador dos EUA no Rio de Janeiro, onde gozou sim que, em 8 de setembro de 1919, em Paris, assinou contrato para
de respeito e admiração, contribuiu também para a aproximação.3 a vinda de uma missão militar francesa, cujos membros chegaram
/ A política de cooperação com os Estados Unidos foi além do ao Rio de Janeiro em março de 1920. Se do lado brasileiro a missão
período em exame, chegando até a década de 1950,4 o que torna a cumpria o objetivo de atualização nos métodos de combate, para a
viragem da diplomacia brasileira em direção àquele país uma das França a missão foi, sobretudo, um negócio visando o mercado bra-
mais significativas mudanças advindas da instalação da República. / sileiro de armas. A missão francesa permaneceu no Brasil até 1940.
Cumpre ainda assinalar qu^b país, na década de 1920, adquiriu A necessidade de recuperação da Marinha para atender às necessi-
uma sensação de autoconfiança e superestimação de seu peso inter- dades da então moderna guerra marítima ficou mais evidente após a
nacional, decorrente de sua participação, ainda que modesta, na polí- dura experiência passada pela Divisão Naval, da qual tratar-se-á mais
tica mundial em razão de sua entrada na Grande Guerra e subse- adiante, na sua travessia atlântica com a finalidade de incorporar-se
quente atuação nas conferências de paz e no Conselho da Sociedade ao esforço de guerra aliado, já quase no final do conflito. Desde o fim
das Nações (SDN), como membro eleito./ da Revolta da Armada (1893/1894), ao tempo da presidência de
O Brasil de entreguerras, na frente internacional, mostrava-se Floriano Peixoto, que a influência naval norte-americana vinha cres-
como uma nação satisfeita consigo mesma. Folgava a diplomacia cendo no Brasil. A decisão brasileira de contratar uma missão naval
brasileira, pois não havia nenhuma questão grave a resolver e não se norte-americana resultou no contrato assinado em Washington, em
punha em causa a divisão internacional do trabalho, cumprindo o país 6 de novembro de 1922. Assim, 16 oficiais da marinha dos Estados
a função de típico exportador de produtos primários. As representa- Unidos e 19 subofíciais integraram a missão que entrou em ativida-
ções diplomáticas com as potências europeias vencedoras (Grã- des no final daquele ano/Para os Estados Unidos, a missão naval no
Bretanha, França, Itália) foram elevadas à categoria de embaixa- Brasil'teve uma função estratégica de longo alcance, na qual se inse-
das.5 Comparecia o Brasil às conferências internacionais americanas ria, entre outros objetivos, a manutenção do equilíbrio entre as princi-
e às reuniões do Conselho da Liga das Nações com a ilusão de estar pais nações da América do Sul. Renovado em 1926, o contrato da
participando das decisões internacionais/Da Primeira Guerra fica- missão naval terminou no final de 1930. A notícia da missão naval
ram, praticamente, apenas três questões, cujas soluções dariam maior teve repercussão negativa na Argentina, sendo entendida, inclusive,
ou menor satisfação ao Brasil: a da dívida do café do Estado de São como uma aliança Brasil-Estados Unidos.6 /
Paulo; a dos navios ex-alemães afretados à França; e a do recebi-
/ A reação negativa à missão naval repercutiria na V Conferência
mento do montante da dívida da Alemanha a título de reparações de
Internacional Americana, realizada em Santiago, no ano de 1923,
guerra. A expansão do mercado externo era a principal tarefa da
O Brasil, já na fase de preparação do conclave, procurou afastar do
diplomacia. Afora isso, havia uma política de busca de prestígio que
ternário assuntos de natureza política ou aqueles sobre os quais havia
se traduzia no afã de elevar o Brasil à condição de membro efetivo
discordâncias, uma vez que não se desejava compromissos que im
do Conselho Executivo da Liga das Nações. /
pediriam o país de satisfazer suas necessidades cie defesa, levando
se em conta a dimensão do território, a cxtcnsflodas cosias c o lama
1
Joseph Smilh, United States dip\omacytoward...,Iníer-AmericanEconomia affairs, nho da sua população. Não conseguindo afastar o tema, uacoiilcrêiida
Washington, 2: 3-21, 1983; Mecham (1965, p. 448). o Brasil mostrou-se favorável a uma fórmula p,ernl sohre (Ic.snniia
" Monda (l973, p. 75).
1
lím 1921 forimi trocadas embaixadas entro o Brasil e a Bélgica; em 1922, com
M,'MI n. ('hili- c- Ari-.i-nliiw; c cm I9?J, com o Jnpflo. (Cf. Garcia, 2001, p. 60-61.) Garcia (2001, p. 154-156, 159-161, 161 U,l. U,M, l / U l / l . l / - , i:,,,
A l l l r t i l i i l l i i / Cervo c ( l o i l o i i l d o Kuc.no História d.i polílicii c x l c r i o i do H r . i s i l .'(i l

i In. i n.r. sem discutir reduções orçamentarias por conta de despe- leiro, que conheceu época de glória durante a Guerra de SccessHo
NIIN i i n l í i i i i v N , nrto iiccilniulo imposições relativas à segurança e defe- nos Estados Unidos, perdeu seu mercado não só pela retomada da
ndi niteioiiiiis/No final, concordava com uma limitação da tonelagem produção norte-americana, mas também em razão das plantações
(|ON nnvios capitais por um período de cinco anos, mas reservava-se desenvolvidas pelos alemães e ingleses nas suas respectivas colónias.
l i l i r i d m l e ilc açflk) quanto aos navios defensivos e à defesa da costa. A produção brasileira ficou voltada, sobretudo, para as indústrias têx-
( > Ido de tonelagem aventado pelo Brasil não foi aceito pela Argen- teis nacionais. A borracha, igualmente, sofreu a concorrência das
tina, interessada em manter o status quo naval dos três principais plantações situadas no Império Britânico. A produção nacional,
pulses sul-amcricanos. Chegou-se, todavia, a um impasse, e/da V extrativa aliás, não seria suficiente para atender à demanda mundial.
('onlcrência não saiu nenhum acordo a respeito. O Brasil sentia-se O açúcar brasileiro, de igual modo, não teve como enfrentar a con-
pi e:;| ij',iado na Europa, mas isolado no seu continente, conforme sen- corrência da Jamaica inglesa e a de Cuba, Porto Rico e Filipinas nos
l limcnlo externado ao final da V Conferência Internacional America- Estados Unidos, que recebiam esse produto com tarifas alfandegárias
MÍI, em ra/ão da controvérsia relativa ao desarmamento.7 / diferenciadas. Na Europa, o açúcar de beterraba foi sério concor-
rente do açúcar nacional. Assim, o imperialismo colonial e a disputa
interimperialista não deixaram muita margem para os produtos pri-
Declínio da influência inglesa e presença norte-americana mários do Brasil, cujo sistema económico viu-se, conforme afirmado,
reduzido a extrema especialização, com base no café.8
D u r a n t e o século XIX, a Grã-Bretanha exerceu papel O triunfo do café sobre as demais exportações decorreu tam-
hegemónico sobre a economia brasileira. De lá vinham os emprés- bém do aumento da população e da popularização do seu consumo
timos tomados pelo governo - normalmente para acorrer ao serviço tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o que levou, obviamente,
da dívida -, os investimentos em obras de infra-estrutura e a maior a um crescente aumento de sua demanda. Exportar um produto de
parle das importações. Na República, já no período anterior à Pri- procura crescente do qual era praticamente o único produtor mun-
meira (iuerra, os empréstimos passaram a vir, também, da França e dial, em vez de disputar o mercado de outros produtos tropicais, apre-
dos Uslados Unidos. sentou-se ao Brasil como solução natural.
('on forme acentuou Paul Singer, o sistema económico brasileiro, Os Estados Unidos eram o maior consumidor mundial de café e
na fase final da Primeira República, apresentava-se ainda extrema- sua economia estava em fase de expansão para além de suas frontei-
mente especializado. No período de 1924 a 1929, o café representou ras, em busca de mercado para as exportações e para os capitais.
72,5% das exportações nacionais. A inserção da economia brasileira Tais fatores acentuaram entre os dois maiores países do continente
nu capitalismo mundial dava-se, pois, pela exportação desse produto, uma duradoura complementaridade económica.
principalmente; pela importação de manufaturados e alimentos; pelo O intercâmbio comercial do Brasil com os Estados Unidos foi
i eeehimenlo de capitais destinados ao pagamento do serviço da dívi- sempre crescente na época considerada. No período de entreguerras,
dii c\lenia, as obras de infra-estrutura e ao financiamento das safras aqueles passaram a ser também o nosso principal vendedor, suplan-
P I I I Í I ulemler u política de valorização do café. Os demais produtos tando a Grã-Bretanha. No processo brasileiro de industriali/açflo, via
primários exportáveis do Brasil -borracha, algodão e açúcar, nomea- substituição de importações, os norte-americanos marcaram prcsen
d a m e n t e t i v e r a m dificuldades para se expandir nos quadros do ca nos investimentos. Não obstante os ingleses tenham m a n t i d o posi-
• . i p i i . i l i . M i i o monopolista c da luta intcrimperialista. O algodão brasi- ção de destaque no comércio de exporlacflo e na n l i v i d a d e híineái ia,

1
l ' II 1001, p, l H/l l HJ, 200, 203, 206-207,210-211,216-217). Cf. Singer (1977, p. 349-367).
Am,ido Luiz Corvo t: Clodoaldo Bueno História da política exterior do Brasil 205

o declínio da influencia inglesa sobre a economia brasileira foi acen- concedida pelos Estados Unidos com o objetivo de não encarecer o
lunclo no período citado. Tal refluxo da Grã-Bretanha deveu-se não produto para seu consumidor e não por qualquer favor especial ao
ii|H'iias i\ concorrência, mas também à perda da posição de primeira Brasil/Mesmo assim, nos exercícios de 1904, 1906, 1910,1911,1912
polència do mundo capitalista.9 O começo desse processo de declínio e 1913, como compensação da livre entrada do café no mercado
da influC-ncia inglesa situa-se no início da Primeira Guerra (1914). norte-americano, o Brasil concedeu redução de 20% - elevada a
lúmini afetados pelo conflito os transportes marítimos, o fornecimen- 30% a partir de 1910 - para a farinha de trigo e outros produtos de
to de importações e o emprego de capitais britânicos.10 / procedência norte-americana.12
Se a retração da presença da Grã-Bretanha deveu-se em parte / Apesar da queda dos preços do café no mercado norte-america-
à sua perda de poder mundial, não se pode deixar de considerar os no no final do século XIX e início do XX, a produção brasileira não se
esforços norte-americanos destinados a aumentar seu intercâmbio retraía. Nesse contexto, surgiu, nos Estados Unidos, a manobra altista
com o Brasil. Nesse sentido, vale lembrada Tarifa Mckinley, severa de 1912-1913, que ficou conhecida como a "questão do truste do
lei protecionista que vigorou no período de 1890 a 1894, mas que isen- café". Para receber um adiantamento de 75 milhões de dólares, o
tou alguns produtos tropicais entre os quais o café, o açúcar e couros./ governo do Estado de São Paulo recorreu a comerciantes europeus
O mais significativo é que a lei previa a possibilidade de o Executivo de café, que por sua vez recorreram a um sindicato de banqueiros.
impor taxas a tais produtos, caso os países que os exportavam não Em contrapartida, tal sindicato recebeu cerca de sete milhões de sa-
fizessem concessões alfandegárias aos produtos norte-americanos. cas de café e passou a controlar sua distribuição no mercado dos
Munido desse poderoso instrumento de ameaça, o secretário de Es- Estados Unidos por meio de um comité de valorização, no qual figu-
rava um comerciante norte-americano, Herman Sielkery Tal grupo
tado James Blaine obteve concessões de vários países, do Brasil in-
lançou mão, para valorizar artificialmente o preço do café, de práticas
clusive./
que contrariavam a política antitruste do presidente Taft. O controle
O protecionismo alfandegário norte-americano foi reafirmado na
da distribuição estaria sendo monopolizado por tal comité. O "café
Tarifa Dingley, de 1897, mas o Brasil foi o único país da América
valorizado" transformou-se, sobretudo em razão da pressão da im-
Latina a manter convénio aduaneiro de redução de direitos alfande- prensa, numa questão comercial entre os dois países. Devido à rea-
gários com os Estados Unidos. Tal sistema de convénio estendeu-se .ção de Domício da Gama, embaixador do Brasil em Washington, à
durante o dilatado período de 1904 a 1922." Durante boa parte da boa vontade de Morgan, embaixador dos Estados Unidos no Rio, e de
Primeira República o Brasil teve seu café isento de tarifas no merca- Lauro Múller, sucessor de Rio Branco no Ministério das Relações
do dos Estados Unidos. Estes desempenharam, portanto, importante Exteriores, a questão, embora trabalhosa, teve solução amigável, alo
papel como propulsores do pólo dinâmico da agroexportação brasilei- porque não era do interesse dos Estados Unidos abrir mais uma área
ra. Conhecendo-se a primazia do setor cafeeiro sobre o conjunto da de atrito com a América Latina num momento de dificuldade nas
economia, pode-se avaliar o nível de vinculação económica que se suas relações com o México e, além disso, havia a perspectiva ilr
estabeleceu entre os dois países, bem como o reforço da condição do guerra na Europa. A questão, na qual o Brasil apareceu assoando
Brasil como país essencialmente agrícola. As concessões aduaneiras basicamente em razão de o café estar passando por unia crise de
aos produtos importados norte-americanos eram feitas a título de re- superprodução,13 ficou circunscrita, pois a amizade exislenlc cnliv o,s
ciprocidade, embora fosse corrente no Brasil o entendimento, já no
final do século passado, de que a isenção de direitos sobre o café era
12
BRASIL, Ministério das Relações Exteriores, Rclulóriit. 1911, p. , ' ' . , ' / , Anr.Mi A,
n. 29-38.
13
" lliid,, p. 369-371; Mecham (1965, p. 448-449). Leon F. Sensabaugh, A questão do irnslc do ca K i- MS irlm/n 11 , r n l i r <> l l i n - . i l < m
111
Kidimd (iralwni (1973, p. 329,331). Estados Unidos, in: Brasil, M R l i , hlximlox iiiniii'li;niin- ./.• ln.\ti'>ri,i </n lti,nil.
" (T. Hnnifí (1939, p. 75-77). p. l85-208;Bnndcir!i(l973, p. 187-189).
- l l iii,' ( r i VD c' ( l o d o í i l i l o B u c n o História da p o l í t i c a exterior do B n i s i l 207
"'"

I . H M , i 1 ii c o n j u n t o de suas relações comerciais eram impor- longo prazo, de 25 milhões de libras para a consolidação da dívida
i m i . , n M i l u i c t i l c para impedir que a questão tomasse maiores flutuante federal. Os banqueiros condicionaram o empréstimo a uma
p|OpOlt,'ÕC!l avaliação das condições locais a ser feita por uma missão de peritos.
( i-i ciilcic.ullores e comerciantes brasileiros de café ainda ti- Essa foi a origem da missão Montagu, que chegou ao Rio de Janeiro
V( um de c i i l í c n l a r , cm 1925-1926, apoiados pela embaixada em em 30 de dezembro de 1923 e só partiu em março do ano seguinte.
VViriliinyJon, n campanha levantada pelo então secretário de Comér- No relatório aos banqueiros, satisfeita com as intenções do governo
i in dos Estudos Unidos, Herbert Hoover, contra as importações mo- brasileiro, a missão recomendou a liberação do dinheiro. O papel da
iiii|inli/.íuliis, que estariam com seus preços artificialmente elevados missão passou por amplo debate interno no Brasil, embora tivesse
pitui o consumidor. A campanha acabou não obtendo êxito, sobretu- prevalecido a versão de que ela viera a convite do governo. No que
iln ponpic prevaleceu o interesse em preservar o bom nível do con- havia coincidência de posições, as considerações do relatório foram
|uulo ilns relações entre os dois países.14 levadas em conta pelo governo. De qualquer forma, em meados da-
A política de redução de direitos de entrada para produtos norte- quele ano, o governo britânico embargaria todos os empréstimos a
niiiciicaiios manteve-se inalterada, sendo renovada para o exercício governos, por razões internas, isto é, procurava-se fortalecer a libra
de !'M'l. n A lei do orçamento para 1915 manteve a redução: 30% para seu retorno ao padrão-ouro.20
pui li n farinha de trigo e 20% para outros produtos norte-americanos Assim, tambérr/em relação aos empréstimos feitos no estrangeiro
como compensação de reduções concedidas a produtos brasileiros, houve transição da preponderância britânica para a norte-americana
iliviln leila dando ênfase à borracha.16 A mesma renovação foi dada na década de 1920. Em 1929, os Estados Unidos eram credores de
l M I , i l''l d, 1917 c 1918, sob o fundamento da isenção dos direitos do • quase um terço da dívida externa brasileira. Nessa transição, o Brasil
ciile e da redução de direitos de outros produtos brasileiros concedi- não deixou de tirar proveito da competição financeira anglo-norte-
<lns pelo governo norte-americano, ressaltando-se o fumo, além da americana no mercado internacional. Tanto é assim que, em 1926,
liiiiuchii." A convenção para redução de direitos alfandegários con- com oportunismo, levantou dois empréstimos, um em Londres, e outro
liuuoii cm vigor até 1922, interrompendo-se no ano seguinte.18 Nessa em Nova York.21 /
. i l i i u . i , os listados Unidos suplantavam a Grã-Bretanha e tornavam-
!ir, simultaneamente, os principais fornecedores e compradores do
Mrnsil. No que se refere a investimentos, cresceu sensivelmente a O Brasil e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
presença norle-americana na década de 1920. Os 50 milhões de dó-
lincs investidos, em 1913, saltaram para 476 milhões, em 1929.l9 Iniciada a guerra na Europa, o governo brasileiro adotou completa
( ) iiovcrno brasileiro, entretanto, ainda recorria aos britânicos na neutralidade. No período que antecedeu à ruptura de relações com o
di-i ;ulíi de 1920. Em 1923, temendo uma crise cambial, solicitou à Império alemão e posterior declaração do estado de guerra, ocorreu
i ir.ii bancária N. M. Rothschild & Sons, de Londres, empréstimo de intenso debate interno. Havia os germanófilos - como Monteiro
Lobato e Lima Barreto -, pró-aliados, estes em maioria - como Rui
Barbosa e Olavo Bilac -, e aqueles que não se inclinavam por nenhum
l ' ( i ( ( l , p. 250-266).
dos lados. Não escapou aos observadores brasileiros o caráler eco-
" l!,'l<it<'in'. \(>\ t l'M 4, Mensagem, v. l, p. XX, e Exposição, p. 209-212, 218.
111
/;, t.nniln, I ' H - I l'MS,|.; X p,,sivao, p. 402-403. nómico do conflito. O momento foi, aliás, rico em análises sobre o
" /.', fatAHm I ' H ' , l ' M ( > . p . 172, 174; 1916-1917, p. 120; 1917-1918, v. 2, p. 239-240.
111
HlIutÒHtm l ' ' l ' i 1 ' t . M i , p. 21; 1920-1921, p. 45; 1921-1922, Mensagem, p. X I I I ; 20
1123 1934, P 72, Cf. Garcia (2001, p. 236-249).
21
| „ , , , . , i l ' < / / . p U,'l. l / . l l / ( , ) , < i a i r i » (.'001, p. 9K). Cf. Garcia (2001, p. 269-270, 275-276).
A n u í d o l ui/. Cervo e Clodoaldo B u e n o História da política exterior do B r a s i l 20<)

I t n i s i l c suas relações com o exterior. O imperialismo e o transcorrer autorização para tomar medidas de represália. O Legislativo, cm
da erisi- p o l í t i c a na Rússia eram temas também presentes nos consequência, votou severa Lei de Guerra, sancionada pelo presidente
cserilo:;."/ em 16 de novembro de 1917, pela qual se autorizava o governo, até
/ A ru/.fio imediata da entrada na guerra foi a ação dos submarinos 31 de dezembro, a declarar o estado de sítio nas partes do território
alcmíles contra navios mercantes brasileiros. Em 31 de janeiro de da União onde fosse necessário. Ficava também autorizado o Poder
l l ) 17, o governo imperial alemão notificou o governo do Brasil, por Executivo
|f meio de seu representante em Berlim, do bloqueio naval da Grã-
Bretanha, França, Itália e Mediterrâneo Oriental, e que atuaria sem a declarar sem efeito, durante o período de guerra, os contratos e
restrições ou aviso prévio. O governo brasileiro só teve o conhecimento operações celebrados com súditos inimigos, individualmente ou
oficial em 3 de fevereiro de 1917, por meio de telegrama da.legação em sociedade, para fornecimentos e obras públicas de qualquer
natureza, e bem assim todos os que, a juízo do governo, forem
em Haia, que retransmitiu o telegrama de Berlim.23 / considerados lesivos ao interesse nacional.
/ A ruptura de relações com o Império Alemão ocorreu após o
torpedeamento, sem aviso prévio, do paquete brasileiro Paraná, que A lei autorizava, ainda, a decretação de uma série de medidas
navegava em mar largo, na noite de 3 para 4 de abril de 1917, na contra súditos alemães. As medidas eram duras. Podia-se, entre outras
altura da ponta Barfleur. O submarino alemão não prestou qualquer coisas, atingir bens e pessoas físicas e jurídicas. 26
socorro às vítimas. O afundamento teve ampla repercussão na opinião
nacional. A ruptura ocorreu em 11 de abril de 1917, por nota do governo
brasileiro, assinada pelo ministro Lauro Miiller, à legação da Alemanha A participação brasileira
no Rio.24 Em l fi de junho de 1917, o Brasil revogou a sua neutralidade
em relação aos Estados Unidos. Em 28 do mesmo mês, fez o mesmo Em dezembro de 1917, o governo brasileiro comunicou ao da
em relação à França, à Rússia, à Grã-Bretanha, ao Japão, a Portugal Grã-Bretanha a decisão de dar "expressão prática" à sua colabora-
e à Itália.25 / ção com os aliados. Uma vez aceita, o Brasil enviou 13 oficiais avia-
f A declaração do estado de guerra contra a Alemanha ocorreu dores, que, depois de treinados, fizeram parte do 16a Grupo da RAF; 27
após o torpedeamento e prisão do comandante do vapor mercante uma missão de 100 médicos-cirurgiões à França; um corpo de estu-
Macau, em outubro de 1917. Foi o quarto navio brasileiro atingido dantes e soldados do Exército para dar guarda ao Hospital do Brasil,
pelos submarinos imperiais. O presidente fez a comunicação ao que continuou prestando assistência aos feridos mesmo depois de
Congresso Nacional em 25 daquele mês. No dia seguinte, votou-se a encerrado o conflito. Isto contribuiu para o Brasil angariar simpatias
resolução reconhecendo e proclamando o estado de guerra. Wenceslau nas negociações de paz. A missão médica na França seria extinta em
Brás sancionou-a no mesmo dia. O Brasil foi o único país sul- fevereiro de 1919.28 A contribuição mais expressiva porém, foi a
americano a entrar na guerra. / formação da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNO(i), ini
Depois do torpedeamento dos navios mercantes Acary e Guaíba cialmente composta pelos cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul c
por submarinos alemães, o presidente pediu ao Congresso Nacional
26
Relatório, 1917-1918, p. 89-91,94-100.
27
" Victor V. Valia, Subsídios para uma compreensão da entrada do Brasil na Primeira Relatório, 1917-1918, Exposição, p. 109-116; Martins (1997) n o i i i i i m , íi p, .' / < > , m
Guerra Mundial, Estudos Históricos, Marília, 15, 1976, p. 44; Bandeira et alii treze oficiais (doze da Marinha e um do Exército).
28
(l%7, p. 235, passim); Mecham (1965, p. 446). Brasil, MRE, Guerra da Europa, 1918, p. 93-95; Vinhosii (\<>M, p , I K ' i I H 7 ) ,
;1 Martins (1997) informa que a Missão Médica Io i composta pui !i'> l.u u l i , i i i \ n , .
Kflnli'11-io, l')17-1918, p. 7.
além do pessoal auxiliar (p. 263). As instalações o o n m l m n l do l i i > ' ; p i l i i l l n i i i n i
•'•' MniMi|',nn..., Kcltitúriti. 1916-1917, p. l l l - I X ; Bandeira et alii (1967, p. 40). doados, quando lindou a missilo, para a l isco Ia de Medicina dn l i m v r i M i l n i l r .!.
;
' V l m m ( s . ( l . , p. 142). Paris. ((T. Vinhosa, I9M, p. l KV.)
A m . i d . i l i i i / ( c i v n c ( ludo.ililo Buem) História d ti política exterior do Brasil

I M l i r , Qontrnlorpctlairos 1'inuí, Rio Grande do Norte, Paraíba e aeroplanos e equipamentos para fotos aéreas e telegrafia sem lio.
-V,;///./ ('iitiiriiin.1'' ('i)in;iiul;ul;i polo contra-almirante Pedro Max Com efeito, desde o final daquele ano passou a atuar a missão francesa
l'1-immilo de 1'ionlin, u DNOG, depois de escalas no Nordeste e em de aviação no campo da instrução aeronáutica.33
|'Í'IHIIIH|<> i k- Noronha, em julho de 1918 seguiu para a costa africana, Entretanto, a proposta mais expressiva, surgi da naquele momento,
( i i i d r deveria aluar incorporada à força naval inglesa. Dias depois de foi de firmas britânicas que se propunham a instalar arsenais modernos
iipnilíii i-iii Dakar, a DNOG foi colhida pela epidemia de gripe espa- com capacidade para construir navios de guerra e navios mercantes,
nhola, que se manifestou a partir de 6 de setembro. O vírus da influenza aeroplanos, fábricas de armas e munições, além do material de ferro
provocou verdadeiro flagelo na Divisão Naval, cuja guarnição em e aço destinado à indústria dos tempos de paz. Dada a sua importância
liou parle faleceu. Atrasada, a DNOG entrou em Gibraltar um dia e por se estar em fim de administração, o assunto foi transferido para
M I i l e s da assinatura do armistício (l l de novembro de 1918), quefina- exame no quadriénio presidencial que se inauguraria.
li/oii a Primeira Guerra.30 / Ainda nessa fase final das hostilidades, a legação britânica no
A mirada do Brasil nó conflito deu-se não muito tempo depois Rio comunicou ao governo brasileiro, por nota de 16 de setembro de
que os listados Unidos nele se engajaram. A solidariedade hemisférica 1918, a decisão do governo de Sua Maj estade de promover a referida
foi ale oficialmente invocada pelo governo brasileiro. Já foi afirmado legação à categoria de embaixada, "como prova de apreço pela atitude
que o posicionamento brasileiro interessava aos Estados Unidos, pois do Brasil na guerra e como prova de boa vontade para com o Brasil",
in II uenciaria a posição dos demais países latino-americanos.3' Há tam- elevando assim o nivel de amizade entre os dois países.34
bém a interpretação segundo a qual o Brasil obedecera às pressões
norle-americanas. Levando-se em conta as proporções da guerra, a
participação brasileira, já na fase final, foi modesta, embora tenha Reflexos no comércio exterior
euslado caro à organização da DNOG.32
Perto do fim do conflito, a Itália e a Grã-Bretanha fizeram ao
f Dentre as dificuldades criadas pela guerra, ressaltavam a guerra
Brasil propostas de cooperação aérea e naval que transcendiam a
submarina e a Statutory List (ou Lista Negra) criada pela Inglaterra
colaboração brasileira no conflito. Em agosto de 1918, a legação da
em 1915. Tal lista afetava as atividades das casas comerciais
11 á l i a i n formou ao governo brasileiro que estava em via de constituição,
(O\ estabelecidas no Brasil, o que provocou a nota de 9 de agosto de
no Brasil, uma combinação ítalo-brasileira para a exploração das
1916 do governo brasileiro ao chefe da legação britânica no Rio de
comunicações aéreas, e pediu apoio à sua realização./Cerca de um
Janeiro. A guerra nos mares levou as companhias nacionais a
mês antes, vale dizer, em 6 de julho de 1918, por meio de nota, a
interromperem as viagens para a Europa. A exportação de café teve
mesma legação comunicou a disposição de seu governo em ceder, ao
ainda uma dificuldade específica, pois o produto foi declarado
preço do dia, aviões de combate à Marinha brasileira, bem como
contrabando de guerra pela Grã-Bretanha e, conseqíientemente, teve
enviar pilotos instrutores ao Brasil e receber pilotos brasileiros nas
sua entrada proibida naquele país pelo fato de não ter sido, juntamente
escolas italianas. Ainda nessa mesma ocasião, a legação francesa
com outros produtos, inclusive oriundos de suas colónias, considerado
informou, ern 19 de agosto, o envio de uma missão de aviação, com
género de primeira necessidade. Deu-se prioridade à importação de
outros géneros, essenciais à subsistência. O governo brasileiro lenlou
"' A c-.lns unidades forniu agregados o navio de reparos Belmonte (ex-alemão Valesa) negociar, entre 1a de junho e 18 de setembro de 1917, ohjelivaiulo a
r n i r l i n r n t l o r l.íii/rindo Pila (Martins 1997, p. 264-265). suspensão da proibição. A negociação obtinha relativo sucesso, pois
111
i fu« 1,1 ,l,i /•;///•<>/«/, l') l X, |5.75-77; Lyra (1981, v. l, p. 45); Vinhosa (l 984, p. 164- seria admitida a entrada de certas quantidades de cale, quando o
I H ' l | , M n i l n r . ( l W/, p. 263-274).
" Vnlln ( l ' ' / < > , p, 43-44); "A cntnuln do Brasil na guerra era importante para os
33
KulMilii-i l l i i i i l i i M - i n rcliiçOo A suu crusuunle inlluCncia na América Latina" (p. 44). Garcia (2001, p. 127).
" n i u - ' ) / ! . p H 1 . ) , l , v i í i ( l < ) K I , v . l , p . 45); Martins (1997, p . 275). 3
" Cucm, da Europa..., P. 120-126, 157-159, 152-154, 89-91, 86),
•/1 •}. Amiido 1-UÍx Cervo c Clodoaldo Bueno História da política exterior do B r a s i l l l t

governo desistiu por não aceitar restrição inglesa, segundo a qual o Com o retorno à normalidade da produção europeia, a si
produto deveria ser transportado por navios alemães confiscados pelo '
da balança comercial brasileira inverteu-se. Em 1920, o B r a s i l
Brasil."/ ? apresentou déficit de 17.484 mil libras. A partir do segundo scmesliv
' Em decorrência da Primeira Guerra Mundial, ou mais L de 1921, prolongando-se em 1922, voltaram os saldos favoráveis nu
precisamente do fim da neutralidade brasileira em favor dos Estados balança comercial.37 /
Unidos e potências aliadas, houve um aumento do intercâmbio Em 1920-1921 as dificuldades decorreram também do anim-nlo
comercial Brasil-EUA e, ao mesmo tempo, a diminuição do relativo do valor das importações. A quantidade de produtos importados nflo
à Alemanha. A ascendência norte-americana acentuou-se ainda mais aumentou, houve até diminuição. Em compensação, entraram no país
depois do conflito, até porque Nova York assumiu a posição que até muitos produtos caros, à época designados "ricos" ou "de luxo", como
ntão era ocupada por Londres nas finanças internacionais.36 / pianos, automóveis, filmes para cinema, sedas, o u r i v e s a r i a ,
/ De qualquer modo, durante a Primeira Guerra e imediatamente quinquilharias, maquinismos, cuja importação praticamente não ocorria
após seu término, o saldo da balança comercial brasileira foi favorável. desde o início da guerra. Outro fator apontado para explicar o
Ao mesmo tempo que o país importava menos, em razão da desequilíbrio da balança comercial era o aumento do valor da moeda
desorganização da produção europeia, aumentaram suas exportações, de certos países. As dificuldades eram tais que um dos objelivos
7 l inclusive de produtos até então pouco expressivos nas vendas para o buscados pela reforma havida em 11 de fevereiro de 1 920 no ministério
exterior, como cereais, banha e carnes congeladas. /' e no corpo consular brasileiro era o incremento das relações comeu- ia i;;
O quadro abaixo é ilustrativo. do Brasil.38
Assim/ no quadriénio Wenceslau Brás, que coincide com a
COMERCIO EXTERIOR DO BRASIL Primeira Guerra, o Brasil não teve problemas na sua balança comercial,
já que os saldos foram favoráveis. O mesmo não ocorreu no quadriénio
VALOR DA EXPORTAÇÃO E IMPORTAÇÃO DE seguinte. O mandato de Epitácio Pessoa corresponde ao imrdiain
MERCADORIAS - 1914/1919 pós-guerra. A retomada das atividades económicas na l í m o p a
repercutiu em déficit na balança de comércio e consequente c|nnl,i
VALOR EM 1.000 LIBRAS-OURO do câmbio. Junto com esses dois fatores negativos, o governo i r v r < ! < •
lançar mão de empréstimos, um deles para acorrer à valori/açao d<>
% da Importação café. Esses fatores, acrescidos pelo quadro mundial difícil ndr
Anos Exportação Importação sobre a incluída a retração dos capitais externos -, dão ideia da m a j ' . i n i i n l r
Exportação dos problemas económicos nacionais. Foi nesse período que lc vr i ..... »
1914 46,803 35.473 74,3 a contestação política da Primeira República, em 1 922. /
1915 53.951 30.088 55,9
1916 56.462 40.369 71,3
As questões do café de São Paulo e da
1917 63.031 44,510 70,3 alemães
1918 61.168 52.817 87,0
1919 117.388 71.867 61,2 Ao iniciar a guerra, o Estado de São Paulo linha cair cm drpn n»
Fonte: IBGE, Séries estatísticas retrospectivas, 1986, v. l, p. 69. nos portos de Hamburgo, Bremen, Antuérpia eTrieslc oiti m ^

" Relatórios. 1915-1916, p. 19-30; 1916-1917, p. 93-98; 1917-1918, p. 101, 134-136. 37


Pessoa (l925, p. 248-253).
'"Bandeira ( l 973, p. 200, 205). 18
Rcliitiii-io, 1920-1921, p. 40-41.
114 A n u í d o l u i / Cervo u C l o d o a l c l o B u c n o Historiei d a p o l í t i c a e x t e r i o r ilo Bi ; i s i l l l 'i

do dois empréstimos contraídos na Europa. A fim de se prevenir contra da Alemanha, às voltas ainda com as reparações. Assim, assentou-
e v e n t u a i s prejuí/.os, vendeu-se todo esse café e a importância se entre os dois governos que o produto da venda dos navios
ooiTo.spoiuIcntc ficou depositada na casa bancária Bleischroeder, de confiscados pelo governo brasileiro, depois de atendida a União e
B e r l i m . Após gestões do governo brasileiro, conseguiu-se o caso ainda houvesse saldo, fosse pago ao Estado de São Paulo.40
reconhecimento da responsabilidade do governo alemão pelo depósito. A questão relativa aos navios alemães também foi resolvida pelo
( ) pagamento seriapostpacem. Ao término da guerra, o recebimento Tratado de Versalhes, conforme informou Epitácio Pessoa. As
do dinheiro da venda foi um dos problemas que se pôs à delegação discussões a ela referentes foram mais difíceis, porque paralelamente
brasileira enviada às conferências de paz. Isto porque, na Europa, correram as do afretamento desses navios à França.41
estava vingando o entendimento de que, apesar de líquida, a dívida Sobre a requisição dos navios alemães feita pelo governo
deveria ser arrolada para fim de rateio das reparações de guerra. No brasileiro, em 2 de junho de 1917, dividiu-se a opinião no Brasil quanto
Brasil, houve quem entendesse que se deveria ligar a dívida ao confisco ao seu mérito.42 Foi levada a efeito como represália e para suprir a
dos navios levado a efeito pelo governo brasileiro, adiante exposto. tonelagem que o inimigo vinha destruindo. As embarcações foram
/ Epitácio Pessoa, chefe da delegação brasileira para as negociações consideradas nacionais pelo governo e incorporadas ao Lloyd
de paz, entendeu ser a dívida relativa à venda do café uma questão Brasileiro. Ao protesto da Alemanha, que declarou "reservar-se o
/ V separada do confisco e assim encaminhou os assuntos: a dívida não direito de uma indenização por todas as perdas", o Brasil respondeu
poderia figurar na categoria de reparações de guerra, não só pelo seu afirmando, entre outras coisas, que a medida veio após torpedeamento
caráter, mas também por ser oriunda de operações anteriores ao de navios mercantes e visava assegurar,
conflito. A questão foi discutida na Comissão Financeira da
Conferência e, depois de muito esforço da delegação brasileira, direta e imediatamente, embora pela força, a satisfação dos danos
resolvida satisfatoriamente pelo artigo 263 do tratado de paz, pois à que nos têm sido causados; foi um ato de legítima defesa, fundado
no próprio direito alemão, e que todos os povos praticam mesmo
Alemanha foi determinada a restituição da importância referente à
sem sair do estado de paz, precisamente para coagir a nação
venda do café ao câmbio do dia do depósito e com os juros
ofensora às reparações que lhes são imperiosamente devidas.
convencionados, a partir do dia do depósito/Com efeito, a Alemanha,
após discussões a respeito dos juros, colocou a importância devida - Muitos dos navios, segundo o próprio governo, requeriam reparos
superior a 125 milhões de marcos -, em Londres, à disposição do demorados em estaleiros que o Brasil não possuía. Outros não eram
Estado de São Paulo, segundo informa Epitácio Pessoa em sua adequados à navegação de cabotagem, e as viagens à Europa eram
mensagem ao Congresso Nacional, em 3 de maio de 1921. A questão então muito arriscadas em razão da guerra submarina.
só poderia ter sido mais bem resolvida se a Alemanha tivesse Assim, para melhor utilização dos navios confiscados, em 3 de
concordado em pagar juros a uma taxa de 5%, a mesma que era dezembro de 1917, foi o Ministério da Fazenda autorizado a fretar 30
P;I!',;I pelo Estado de São Paulo nos empréstimos garantidos pelo café. deles (249.500 toneladas) à França, por meio de convénio, que
As "laxas convencionadas", as mesmas que eram praticadas por estipulou, entre outras coisas, que continuariam sob a bandeira brasileira
Bleischroeder, eram de 4,5%.39 e tripulados por nacionais, e que o governo francês colocava 100 mil
Houve dificuldades para o Brasil receber a parte relativa às
alln aç<Vs de câmbio, embora apurada, em razão da situação financeira
40
Relatório, 1921-1922, p. IV-V. Garcia informa que a divida nllo Ini
paga pela Alemanha (2001, p. 47).
41
'" ( ' l l'. 1101 (I').'.S, p. 9-14; Relatórios, 1915-1916, p. 25-26; 1916-1917, p. X I I ; Pessoa (l925, p. 15-42).
OMOll(200l,p, J2), "; Vinhosa (1984, p. 228-230).
l \ í. A m a d o l n i / Cervo c C l o d o u l d o B u e n o História da p o l í t i c a e x t e r i o r do B r a s i l J \l

K-OS í1! disposioflo do Brasil, calculados sobre a base do preço médio caso quisesse incorporá-los definitivamente à sua (rola. Divergência
do livle marítimo de então, a título de compensação do arrendamento houve, também, no referente à apuração do valor das c i l a d a s
<c ilos prcjuí/,os que sofreriam as importações brasileiras. Para embarcações. Pretendia o Brasil que o encontro de contas fosse entre
compensar eventuais prejuízos às exportações, o governo francês o valor apurado em avaliação no momento da apreensão c as
comprometeu-se também a fazer uma aquisição de 100 mil francos reparações. A França opôs restrições, por entender que o acerto
cm cafó (2 milhões de sacas) e outras mercadorias.43 deveria ter por base o valor de eventual venda dos navios. A li na l,
O sequestro preventivo efetuado pelo Brasil deu origem a uma convencionou-se que só na hipótese de venda, dentro de determinado
questão difícil de ser negociada no âmbito das conversações de paz prazo, o encontro seria feito com o valor apurado na venda. O Brasil
subsequentes à Primeira Guerra. O Brasil, ainda neutro no conflito não decretaria a retenção dos navios naquele prazo a fim de aguardai'
no momento da apreensão, declarou que tais navios seriam devolvidos uma hipotética proposta de compra. Esta não ocorrendo, tomar-se-ia
e que pagaria indenização pelo seu uso. Não presidiu a ideia de confisco por base a avaliação feita pelo país.
quando da apreensão. Tais navios, entretanto, passaram a ser bens O afretamento já referido foi renovado mais de uma vê/,. l ; ,m
de propriedade inimiga no momento em que o Brasil se tornou 1920, a França pretendeu nova prorrogação a partir de P de abril até
beligerante. Assim, poderiam ter-se tornado brasileiros, caso o assunto o momento em que a Comissão de Reparações resolvesse a questão.
fosse submetido ao Tribunal de Presas. Como não o fez, o direito de A posição brasileira foi enfática: renovaria o afretamento até que
presas marítimas cessava com o término da guerra. Durante as outra coisa fosse convencionada entre os dois governos e desde que
negociações de paz, a delegação brasileira teve de fazer muito esforço a França reconhecesse o direito de propriedade do Brasil, assunto,
para conseguir a adjudicação à União, mediante indenização, dos navios aliás, já resolvido pelo tratado de paz. Caso contrário, solicitar-se-ia a
transformados em bens de propriedade inimiga. A controvertida imediata restituição dos navios. Após conversações, a França
questão acabou resolvida de modo favorável ao Brasil pela aplicação continuou a utilizá-los mediante pagamentos mensais até 31 de março
do artigo 297 do tratado de paz. Em síntese: o Brasil teve reconhecido de 1921, quando cessou o afretamento. Dois navios a França comprou;
o seu direito de propriedade dos navios, mediante o pagamento de de outro cabia indenização, pois fora afundado ainda durante a guerra;
indenização em encontro de contas entre o valor dos navios e o das os demais foram devolvidos.44
reparações de guerra devidas pela Alemanha ao Brasil. O saldo (o valor A execução cabal do que fora estipulado pelo Tratado de
dos navios era superior ao das reparações) seria entregue à Comissão Versalhes, do qual a indenização devida pela Alemanha ao Brasil
de Reparações, que o levaria a crédito da Alemanha. O Brasil ficou fazia parte, foi assunto que se arrastou na Comissão de Reparações,
isento de pagamento de indenização pelo uso dos navios. Foi difícil tendo a questão dos lucros cessantes ocupado a atenção do Ministério
atingir essa solução aparentemente simples na sua forma final. A dele- das Relações Exteriores. Havia em torno desta todo um dctalliamrnlo
gação brasileira teve de vencer muitas dificuldades nas conversações jurídico. Em 1929, as reclamações brasileiras ainda estavam cm
com os seus aliados, especialmente com a França. Houve divergência andamento na referida Comissão.45
na destinação dos navios apreendidos. Tentou-se incluí-los entre os
demais navios alemães, cujos valores deveriam acorrer despesas de
reparações, em rateio entre as potências vitoriosas. Divergiu-se Defesa das exportações e mudança na lei a
lambem no referente ao encontro de contas; as potências pretendiam
que tal encontro fosse entre a indenização a ser paga pelo Brasil e as O trabalho de divulgação do Brasil e seus produtos MM Mmopii,
suas perdas marítimas. Sendo estas de valor bem inferior àquele dos existente desde o Império, foi mantido na Primeira K c p ú h l i ç n , n
navios, ao Brasil caberia pagar soma elevada a título de indenização,
44
Cf. Pessoa (l925, p. 15-42).
" K,'l,it,>rl,i. l <M 7-1 <>l K, p. (,.|-(,.S, 71-74, H5, 1.16-13';. "" IMulóriux. 1922-1923, p. XVII-XXII; l')','.'>, p. 2(.-.">, IK. •!(),
li l Anuído l iii/ Cc.i-vo c Cloiloaldo Bueno História cia polítioi exterior do Unisll

rxi-rnplo do que Ia/iam outros países latino-americanos. Tal empenho, redução, de 156 para 136 francos cada 100 quilos, dos direitos cobrados
(|iif nilo era desenvolvido só por diplomatas, yisava, além da sobre o café. O convénio foi denunciado em 10 e 22 de março de
l > i niuoeSo das exportações, a atração de imigrantes e capitais. Nesse 1919 por meio de troca de notas. Em setembro de 1920, foram
sentido, o Hrasil marcou presença significativa na exposição de concedidos favores aduaneiros a produtos de procedência belga. Os
I t i u x d a s , em 1910. 46 favores aduaneiros foram estendidos também a outros países, cm
Além dos Estados Unidos, a Europa era o outro motor da atenção às propostas recebidas. Em 1923, já não houve mais renovação
ii|',i-oexportação brasileira. Boa parte do esforço da diplomacia do da redução de direitos alfandegários, em virtude de nova orientação
l inisil no período foi canalizado para a busca do aumento das vendas na política alfandegária. O prejuízo decorrente da guerra nas relações
de seus produtos primários. Ilustrativa é a troca de notas entre os comerciais com a Alemanha foi recuperado por esta de tal modo, na
C.ovcrnos do Brasil e da Itália, em 5 de julho de 1900, pelo qual se década de 1920, que, em 1929, forneceu 12% das importações
estabeleceu um acordo comercial provisório: o café brasileiro teria os brasileiras.49
direitos de entrada reduzidos, em troca de vantagens da mesma A exposição do ministro das Relações Exteriores que abre o
natureza concedidas aos produtos italianos. O Brasil concedia os Relatório referente a 1920-1921 evidencia que o governo renovou a
benefícios da sua tarifa mínima, desde que os direitos sobre o café na sua preocupação com a expansão comercial do país. Ao analisar a
Itália não ultrapassassem as 130 liras por 100 quilos. O acordo foi conjuntura internacional, informa que a reforma empreendida na
sucessivamente renovado nos anos subsequentes. Em 23 de setembro Secretaria de Estado e no corpo consular teve por finalidade o aumento
ile 1919,o Ministério da Fazenda aprovou nova prorrogação do acordo das exportações. Nesse sentido, reporta-se a outras medidas, como a
italiano. 47 impressão do Boletim do Ministério, órgão de divulgação, não
Ainda objetivando o desenvolvimento do comércio entre ambos obstante a falta de verba (esta não era suficiente sequer para uma
os países, a União e o Estado de São Paulo firmaram, em 10 de edição em inglês); insiste na necessidade de propaganda do café pelo
setembro de 1912, com as companhias italianas de navegação cinema nas principais praças da Europa e Estados Unidos; na
Navigazioni Generale Italiana, La Veloce, Lloyd Italiano e Itália,
nomeação de adidos comerciais temporários ou honorários - que não
contrato para o estabelecimento, com subvenção brasileira, de linha
pesariam para os cofres públicos - para divulgar o país; na importância
direta de vapores entre Génova ou Nápoles e Santos. Ao final desse
de que se revestia a criação de "Câmaras de Comércio" pelos cônsules
ano, todavia, o governo italiano suspendeu a linha, que já havia,
nas áreas de sua jurisdição; finalmente, reforça a importância da
inclusive, iniciado as viagens, sob o argumento de que os ulteriores
melhoria das comunicações do Brasil com os países limítrofes, visando
objetiyos do contrato eram a promoção da imigração.48
ao incremento do comércio. Com efeito, tanto o decreto de 11 de
Com a França, o Brasil fez um acordo, por meio de notas de 26
fevereiro de 1920, que reformou a Secretaria de Estado, quanto a
e 30 de junho de 1900, para redução de direitos alfandegários, idêntico
ao que se celebrava com a Itália. Vale dizer, o Brasil aplicava a tarifa mensagem do presidente Epitácio Pessoa ao Congresso Nacional,
m í n i m a aos produtos oriundos da França como reciprocidade pela em 3 de maio de 1920, justificam as modificações feitas segundo o
critério acima apontado. Preocupava-se o governo com a diminuição,
logo após a guerra, da vantagem brasileira na balança comercial.''"
''" liildy Slols, O Brasil se defende da Europa: suas relações com a Bélgica (1830- Como convidado, o Brasil se fez presente à Feira ile 1'ra^.a,
I''!•!), Holatim de Estúdios Latinoamericanos y dei Caribe, Amsterdam, 18: 57- apresentando mostruário de seus produtos. Da eomissa'o brasileira
71, j u n . 1975.
*' Mrnuiip.i-Ms presidenciais de 1 9 1 3 c 1914, Relações Internacionais, Brasília, 5: 94-
I I ' ) . I'W<>; K,V,//('</mv, 1913, p. 24-25; I9I3-1914.V. í, p. 212-213, 217; 1914- ^Relatórios, 1913, p. 29; 1919-1920, p. 24; 1920-1921, p. <l\ !''.'! \<>>.2, p. X I I I ;
!')|\ p KM .|(i(,; l ' ) i s l') l d, p. 174-175; 1916-1917, p. 121; 1919-1920, p. 23. 1922-1923, p. 47-48; 1923-1924, p. 73-74; ( i n r r i i i (.'001, p, I K K ) ,
111 s
191 l, p, 12-13, ° RtlatÔrlOS, 1920-1921, p. 40-44; |9|9. l').>(), p. l

i
220 Amacio L u i z Cervo e C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l 221

que participou do evento, fez parte um representante do Instituto de política aduaneira e incluíram nos seus tratados de comércio a cláusula
Defesa do Café de São Paulo, Alípio Dutra. Mpstruários foram incondicional de nação mais favorecida. 56 Nos termos do novo
também distribuídos aos cônsules, para que melhor divulgassem e convénio comercial, os dois países concederam-se, de modo
incentivassem o comércio do país.51 incondicional, o tratamento de nação mais favorecida. Ficaram fora
Ainda com a finalidade de estudar os meios adequados para do convénio as relações comerciais que os Estados Unidos mantinham
fomentar o intercâmbio comercial e a expansão económica do país, foi com certos países de modo especial, como Cuba e Zona do Canal do
criada uma comissão técnica integrada por representantes dos três Panamá.57 /
ministérios envolvidos: Relações Exteriores; Fazenda e Agricultura; Dois anos após o entendimento comercial com os Estados Unidos,
Comércio e Indústria. Não se cogitava então - 1922-1923 - em firmar o Ministério das Relações Exteriores informava que o governo estudava
tratados comerciais, em razão da instabilidade nas regras de intercâmbio acordos com outras nações. Com a Bélgica, especialmente, havia a
então reinantes no mundo. O aumento do intercâmbio seria buscado expectativa de convenção nos novos termos. Isto porque o Executivo
depois do estudo das relações do Brasil, país por país. Qualquer estava convencido do acerto da nova política, por ele mesmo classificada
entendimento que viesse a ser concretizado vigeria, segundo o ministro como "larga e liberal", que, se acreditava, iria contribuir para a expansão
das Relações Exteriores, aperras dentro de um exercício financeiro; económica do país. A tarifa máxima, até 1925, não havia sido aplicada
a qualquer outro país, pois se queria evitar guerra de tarifas.58
para prosseguimento, far-se-iam renovações anuais.52
O Poder Executivo, em 1926, mantinha-se convencido sobre o
A política alfandegária que datava de vinte anos atrás, vale dizer,
acerto da política comercial externa inaugurada há três anos, pelo
• íií. desde a gestão Campos Sales, foi alterada em 1923. A revisão dos
fato de ter melhorado a situação dos produtos brasileiros no exterior.
acordos foi levada a efeito em decorrência das alterações havidas,
A tarifa máxima continuava sem ter sido aplicada uma vez sequer.
U í.
em âmbito mundial, na política alfandegária. No lugar de concessões
Embora o governo pretendesse promover "uma revisão completa de
específicas, os tratados comerciais seriam firmados, a partir de então,
todos os entendimentos aduaneiros", sentia-se tolhido por razões de
com a cláusula de nação mais favorecida.53 Com referência especial
ordem interna e externa, decorrentes da Primeira Guerra, entre as
aos Estados Unidos, os maiores compradores de café, o Brasil
quais alinhavam-se problemas na produção e no transporte, mudanças
renovava anualmente reduções alfandegárias de 20 a 30% sobre os
alfandegárias e dificuldades tidas como "naturais" nas negociações.5''
inúmeros produtos, como já se viu. Tais reduções favoreciam também
a Itália e a Bélgica, no período de 1920 a 1923.54 /
i Em 18 de outubro de 1923, o tratado comercial com os Estados
Unidos assinalou a nova orientação, que se resumia, a partir de então,
Ilusão e frustração: participação e retirada da Liga das Nações
na aplicação das tarifas máxima e mínima, sob o critério da recipro- Afora Cuba, então sob tutela norte-americana, o Brasil Ibi o i'min>
, cidade.55 No mesmo ano, os Estados Unidos alteraram também sua país da América Latina que atuou no primeiro c o n f l i t o m u i u l i n l ,
conforme já afirmado. A participação, embora já na Case 1'inal,
51
Relatório, 1926, p. 65-66. ~^
52
Relatório, 1922-1923, p. 42-43. 56
Bemis(1939, p. 68-88).
53
A cláusula de nação mais favorecida determina "que os privilégios tarifários que 57
Segundo a cláusula em questão, "toda diminuição dídlfíltOl • < ' l i i l . i H m | m Ir»
um país concede a outro sejam extensivos a todos os demais países com os quais deria] ser concedida pelo Brasil ou pelos lísliulim llnidn'. m>'. |>HM!II|HI <lr { i u l . p i > >
tenha assinado contratos concessivos do tratamento de nação mais favorecida" terceira potência se tornará imalinlnnieiilcnplli hvel, ImlopPliilFiilriiirnliMlrprilliliu'
(Seldon e Pennance, Dicionário de economia, 2a ed., trad. de Nelson de Vicenzi, de compensação, nos proilulos ilui; r.Mmlim U i m l n , i .1.. l l i . i . i l . n | > . , i i t . m i r n l r
Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1975, p. 95). importado no outro dos dois pilhas" (/fcAtf()r'/o, l 1 ) , 1 / , p .'(II .M)2),
54 58
Relatório, 1923-1924, p. X-XII1. Relatório, 1924-1925, p. NH K'),
" Mensagem de Artur Bernardes, Relatório, 1923-1924. •™ Mensagem...,/í<'/í//<WfJ, l').'i l'),'ft, p XV X V I I ,
/,' 'l Am.ido l u i x Cervo c C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do B r a s i l

seguida d;i sua imediata integração no Conselho na qualidade de dar desfecho à questão. Na exposição, entre outras coisas, o governo
mrmhro permanente. A Alemanha contava essa integração como brasileiro afirmou que as nações americanas estavam em uma situação
certa c, para reafirmar sua condição de grande potência, opunha-se a de desigualdade e inferioridade na SDN, investiu contra os entendimentos
que se procedessem modificações no Conselho, no referente à não-públicos, bem como contra as negociações que se fizeram apenas
estrutura e ao número de integrantes, antes de seu ingresso definitivo. entre os mais fortes. O Brasil fundamentara seu pedido de integração
A resposta do Brasil à consulta que lhe fez a Alemanha, em setembro permanente no Conselho da SDN com o argumento de que o continente
de 1924, a respeito da sua inclusão na Liga e no Conselho foi favorável, americano, com a não-participação dos Estados Unidos e o afastamento
em tese e em principio, respectivamente. Ressalvou, todavia, que tais da Argentina, estava pouco representado no organismo de Genebra,
questões "não deviam ser tratadas de governo a governo, mas, de em termos de proporcionalidade. Lembrou ainda ao Conselho a
preferência, expostas e discutidas em conjunto pelos membros da contribuição à SDN, bem como sucessivas reeleições para um dos
Sociedade e no seio desta". A resposta^ entretanto, foi considerada assentos provisórios, razões que o levaram a ter como justo aspirar a
ambígua. O Brasil, mais tarde, invocou-a como uma advertência, vale categoria de membro permanente. Supôs o Brasil, na ocasião em que
dizer, concordara com a pretensão alemã de inclusão no Conselho foi tratado em Locarno o assunto relativo à entrada da Alemanha na
como membro permanente, mas não abdicara de sua aspiração a SDN, que seria processada modificação no quadro dos membros
posto idêntico. No momento em que viu perdidas as esperanças, o permanentes do seu Conselho, de tal modo que o país germânico não
Brasil queimou o seu último cartucho. Do Rio de Janeiro partiram fosse o único a ingressar nessa categoria. De fato, quando fora
instruções no sentido de vetar-se a entrada da Alemanha caso o Brasil consultado pela Alemanha a respeito da inclusão desta no Conselho -
não fosse igualmente atendido. O Brasil dizia falar em nome da continuou a exposição do governo brasileiro —, manifestou simpatia,
América. As nações latino-americanas, contrariamente, pediram-lhe entendendo que sua entrada não seria exclusiva. A manifestação
para mudar de posição na questão, pois o que se devia ter em mira brasileira chegou mesmo a ser dura na crítica à SDN. Insurgiu-se contra
era a "reconciliação entre os povos da Europa". A obstinação do a doutrina de que só as grandes potências deveriam figurar no quadro
governo brasileiro repercutiu na imprensa europeia, tendo sido, dos membros permanentes, o que não se coadunava com o caráter
inclusive, acusado de estar fazendo chantagem. O presidente Artur universal da Liga. Na opinião brasileira, aquela que deveria ser a antítese
Bernardes permaneceu irredutível. Em 17 de março de 1926, o chefe da Santa Aliança estava se distanciando do ideal americano, pois, ao
da delegação brasileira, Afrânio de Melo Franco, sustentou o veto, invés de preparar o futuro, perpetuava o passado. Pelo rumo das coisas,
embora pessoalmente não estivesse de acordo com as instruções o organismo supranacional transformar-se-ia em associação dominada
recebidas do Rio. O Brasil responsabilizou as potências signatárias pela força, fugindo pois à sua missão. A SDN foi rotulada pelo Brasil
do Tratado de Locarno por terem discutido o relativo à alteração do de "Liga das grandes potências, quase que exclusivamente europeias".
Conselho em reuniões secretas, e não no Conselho e na Assembleia, O Brasil, ao comprometer o orgulho nacional na questão, inviabilizou
de modo aberto. Na reunião do Conselho, em 10 de junho de 1926, qualquer solução negociada. Sua saída e a da Espanha figuram como
Melo Franco comunicou a renúncia do Brasil ao seu lugar temporário. as duas primeiras perdas significativas da SDN. Cabe, ainda, observar
Dois dias depois, o ministro das Relações Exteriores notificou que o veto brasileiro foi aposto em assembleia extraordinária, na
dirctamentc ao secretário-geral a retirada brasileira da SDN.65 A expo- conjuntura subsequente aos acordos de Locarno e, assim, encobriu a
sição do governo brasileiro, clara e precisa, foi redigida no Rio de verdadeira crise da Liga.66 /
Janeiro, até porque o representante brasileiro em Genebra não estava
de acordo com a forma e os termos usados por Artur Bernardes para
1
Lyra (1981, v. 2, p. l, 39, 113, 117, 275-281); Wnltei-s (1971, p. H / l . ' l , 12),
324); Relatórios, 1925-1926; 1926, p. 6-10, Anexo A, n. I; Jóia 1 ( ' m i n ' , ilr M
Soares (1927, p. 322-341); Milton (1960, p. 352-353); Girei» (200(11.. ,, / l l U,,
'"tu, .'(Kil,p Ml) kl. (2001, p. 326).
Am,ido l ui/ ( e i v o c Clodo.iltlo K u u n o História da polílica e x t e r i o r do Brasil 111

O H i n s i l checou a propor o preenchimento interino do lugar dirigentes europeus ceder à atitude brasileira, inclusive para não abrir
IK imanente que seria dos Estados Unidos. Tal sugestão, formulada precedentes. Além disso, o veto acabou por encobrir a verdadeira
antes do dês fecho da questão, guardava coerência com a defesa de crise da SDN, que se desenvolvia independentemente do Brasil.
maior presença do continente americano no Conselho, não obstante A partir do veto, a retirada do Brasil da SDN foi inevitável. Perma-
si- soubesse que os Estados Unidos manter-se-iam arredios ao orga- necer acarretaria passar por humilhação na Assembleia prevista para
nismo de Genebra. A verdade é que o Brasil, potência intermediária, setembro de 1926. A SDN era o centro da política internacional e o
tinha a respeito do seu peso no cenário internacional uma concepção Brasil, com o veto à Alemanha, num gesto de incultura diplomática,
distante daquela das potências europeias. Sabia-se que a SDN era privara-se de participar do organismo de Genebra. São nítidos o
uma organização dominada, por meio de seu Conselho, pelas grandes aborrecimento e a frustração desse autor em razão da retirada do
potências. O Brasil, que foi membro eletivo de 1920 e 1925, reivindicou Brasil, por sua própria culpa e iniciativa.67
0 reconhecimento do status de grande potência ao pleitear um assento O fato é que a questão da entrada da Alemanha no Conselho da
permanente (em 1927, os cinco membros permanentes eram SDN e o veto brasileiro não deixaram de provocar desgaste, perante
1 ii|'laterra, França, Itália, Japão e Alemanha). A posição internacional a opinião mundial, tanto do Brasil quanto da própria Sociedade. Esta
de um país, no entendimento brasileiro, não deveria decorrer apenas saiu arranhada do episódio, em razão dos conchavos secretos entre
do poder militar, mas também de outros fatores. As potências as grandes potências.68
Pandiá Calógeras, já referido, criticou também a falta de habilidade
europeias, com uma visão diferente desta, não iriam incluir o Brasil
do Brasil e a maneira equivocada com que a Chancelaria conduziu o
no rol das grandes potências, com o direito de participar
assunto. Como adepto da igualdade das soberanias, afirmou que, pela
permanentemente de um conselho que tomava decisões por
maneira como ficaram as coisas, ao Brasil só caberia retirar-se da
unanimidade.
SDN. Calógeras confirma que Afrânio de Melo Franco fez a retirada
Resta indagar por que o governo brasileiro assumiu com tanta
sem o "estardalhaço maior como [...] no Rio se parecia desejar".69
determinação uma empresa fadada ao fracasso e partiu para o tudo O presidente Artur Bernardes e seu chanceler Félix Pacheco
ou nada, num arremedo de machtpolitik que não se coadunava com conduziram a questão do assento permanente com os olhos voltados
o peso específico do país no concerto internacional. para a opinião interna, vale dizer, para angariar prestígio, conforme
Segundo Macedo Soares (1927), o Brasil deixou a SDN por bem perceberam os diplomatas estrangeiros. Mas a posição do Bra-
atitude de prepotência de Artur Bernardes, que teria procurado, sil no conceito da Liga não era compatível com a sua pretensão de
por um ato de efeito, o aplauso interno, para isso açulando o senti- forçar sua entrada no Conselho como membro permanente. Até os
mento nacional. Bernardes, que governou em estado de sítio por 42 governos latino-americanos não concordavam com a reivindicação
meses, tinha meios para influir na opinião nacional. E a crise de 1926 brasileira e chegaram mesmo a trabalhar contra.70
leria sido provocada para o Brasil fazer a retirada espetacular. Todo / Em junho de 1928, na gestão Washington Luís, portanto, o Brasil
0 episódio, até o seu desfecho, segundo sempre Macedo Soares, foi confirmou a sua retirada definitiva da SDN, sem se deixar demover
da responsabilidade do presidente Bernardes. Tanto foi assim, que i? pelo apelo de retorno formulado em março pelo seu Conselho. ( ) l irasil,
houve descompasso entre o chefe da representação do Brasil em todavia, manteve atitude amistosa e de colaboração, condi/ente com
(irndira, AlVànio de Melo Franco, e o Rio de Janeiro, que acabou
1 iiiiilii/.iuilo Ioda a ação. O governo estaria com os olhos voltados
67
puni ii shuncno interna, sem atentar para as manifestações contrárias José Carlos de M. Soares (1927, p. 7-17, 109-143).
68
(tln Survin e da Inglaterra) ao aumento de assentos do Conselho da Cf. Walters (1971, p. 321-322).
69
SI )N. ( > V I - M I h-i 1,1 'lido um.i jurada mal calculada, pois não iriam os Calógeras (l936, passim).
70
Cf. franco (1955, p. 1172, 1236); Milton (1960, p. 344, 349),
.' .' H l u i / Cervo c C l o d o a l d o B u e n o História da política exterior do Brasil

os propósitos da organização. Tanto é assim, que não deixou de prometia fazer oposição cerrada ao intervencionismo norte-americano)
pivsl i)',iar os organismos internacionais da SDN e de.continuar pagando e, assim, apoiar as fórmulas conciliatórias e consensuais." /
sua contribuição anual. Ilustrativa do espírito de colaboração foi a / Vale ainda registrar na gestão Washington Luís/Mangabcira, a
doação de um centro internacional para a investigação da lepra à citada confirmação da saída, do Brasil da Liga das Nações; a não-
;ão da Saúde, em setembro de 1931.71 / adesão ao Pacto Briand-Kellog; a manutenção da neutralidade na
questão entre a Bolívia e o Paraguai pela região do Chaco; a política
de fraternidade com a Argentina e o reforço do estreitamento da
A última etapa amizade com os Estados Unidos. Cumpre, todavia, ressalvar, como
1
ficou patente no momento em que não aderiu ao pacto citado, que o
í,
Da gestão do ministro das Relações Exteriores de Washington Brasil, ao contrariar o desejo do Departamento de Estado, marcou
l" l í
Luís (1926-1930), Otávio Mangabeira, destacam-se a demarcação e sua posição de autonomia: a amizade para com os Estados Unidos
i
liquidação de questões relativas a trechos das fronteiras do país, U
não incluía o alinhamento.^
í J
conseguidas por meio de tratados, acordos e caracterização de limites / A gestão Mangabeira marcou a esfera administrativa com a cria-
til
já fixados. Assim, foram resolvidas questões então ainda ção dos Serviços Económicos e Comerciais para dar suporte à ação
diplomática por meio da coleta, fornecimento, assessoramento e di-
remanescentes e, portanto, definidas fronteiras em trechos dos lindes
vulgação de informações/Ainda nesse aspecto, Otávio Mangabeira
nacionais com a Argentina (Convenção Complementar de Limites,
promoveu a organização do arquivo, biblioteca e mapoteca do minis-
Buenos Aires, 27 de dezembro de 1927), Bolívia (Tratado de Limites e
tério, bem como dotou-o de melhores instalações. Construiu a ala
Comunicações Ferroviárias, Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1928),
onde se encontram biblioteca e arquivo. Instituiu reformas na organi-
Colômbia (Tratado de Limites e Navegação Fluvial, Rio de Janeiro,
zação do pessoal e no serviço. Já na introdução do relatório ministe-
15 de novembro de 1928), Paraguai (Tratado Complementar, Rio de
rial referente a 1927, Otávio Mangabeira, ao justificar genericamente
Janeiro, 21 de maio de 1927) e Venezuela (Protocolo para a
as preocupações de sua administração, entre outras registra, além da
Demarcação de Fronteiras, Rio de Janeiro, 24 de julho de 1928). Em
delimitação de fronteiras, a melhora da eficiência dos representantes
1929, após negociações com a Grã-Bretanha, assentou-se a execução do Brasil no exterior, visando à centralização e divulgação de infor-
da demarcação dos limites com a Guiana.72 / mações de interesse para o comércio e o desenvolvimento económi-
Em termos de política mundial e regional, contrariamente ao que co do país. O ministro, após um ano de experiência, reconhecia que a
se observou na presidência Artur Bernardes, o Itamaraty atuou com pasta não estava cumprindo cabalmente o seu papel. Deveria o Mi-
discrição, evitando exercícios de liderança e sempre buscando a nistério das Relações Exteriores, juntamente com o da Fazenda c o
f»- conciliação. Assim foi na VI Conferência Internacional Americana da Agricultura, Indústria e Comércio, constituir-se em local de instru-
(Havana, 1928), que se reuniu em clima tenso, em razão das ção e orientação em tudo que fosse relativo a três grandes assuntos
intervenções norte-americanas no Caribe. O conclave registrou a crise nacionais: comércio exterior, crédito externo e imigração. Assim, sem
do pan-americanismo. A delegação brasileira foi instruída para adotar lançar mão de reformas, mas fazendo adaptações de modo que nfio
uma posição que respeitasse a secular amizade com os Estados Unidos onerasse o orçamento, seria possível atingir os objelivos que si- ti-
e, ao mesmo tempo, não melindrasse a Argentina (cuja representação nham em mira. Impunha-se a centralização de informações paru que

73
" K,-t,ii,lin<>, I92X, p. 34-35; Walters (1971, p. 385). Garcia (2001, p. 356-364).
74
'•' AVA/Ai/mv, I«)?.K, p. 20-21; 1929, p. X I X ; I,yra (1981, v. 2, p. 243-250); Mcnck YvesdeOliveira(1971,p. 83-105); AW,;/(;/vV>, l')?.').|t, X X I X , Wnllci-, ( \ < > l \ . \> i |j,
DÓI. v. 2, p, 3%); Garcia (2001, p. 351-355). 384);[li[ton(l960, p. 362); Ciiirdii (2001, |i.476, K,<, t / o , 174, U«i WH)
• m Anuído l ui/ C.ci-vo c. Clodo.ihlo H u e n o H i s t ó r i a chi p o l i l i i a c x l c i i o r do H n i s i l / \\

iiíi produtores c os comerciantes nacionais pudessem acompanhar criar despesas orçamentarias, e tomando medidas que se coadunavam
Itulo o c|iic ocorria no exterior no referente ao crédito externo e à com os anseios da agricultura comercial de exportação I louve
vinda de imigrantes. Para o início de tal tarefa, encarregou Hélio preocupação específica com o cacau, açúcar, fumo, cereais, madeiras,
l ,obo, cnlClo ministro do Brasil em Montevidéu, para coordenar, no carnes e algodão, embora não tivesse ficado fora das cogitações a
Kio de Janeiro, o trabalho destinado a promover melhor utilização de indústria nacional, mesmo sendo ainda pouco expressiva.
pessoal c de recursos do ministério. A preocupação do Ministério das Relações Exteriores com o
Na mesma linha de preocupação, foi alterada a orientação relativa interesse económico nacional foi uma constante na história da política
nos relatórios consulares que, segundo o ministro, datava da época do externa brasileira. No que concerne à República, tal preocupação é
visconde de Rio Branco. Sem prejuízo de eventuais comunicações a observada desde seu nascimento. As variações estão no conteúdo,
qualquer momento, ditadas pela necessidade, os cônsules deveriam, na maneira de encaminhar o assunto e nas oportunidades apresentadas
nu vê/, de relatórios trimestrais, enviar mensalmente exposição sobre pelo contexto internacional. A mudança ocorreu quando o Estado
0 que fosse observado no interesse da agricultura, comércio e indústria passou a integrar, na década de 1930, ao conceito de interesse
nacionais. Além disso, deveriam elaborar relatórios semestrais para económico nacional outros setores de atividades, como a indústria, os
publicação no Diário Oficial, do qual se extrairiam separatas para bens de capital, o setor energético.
maior circulação, pois, até então, os relatórios consulares eram
publicados no Boletim do Ministério, sem a divulgação desejável.
Para adensar ainda mais a teia de informações, aos representantes
brasileiros no exterior - embaixadores e chefes de legações - seriam
i-nviados, diariamente, dados sobre resoluções do governo e
ocorrências nacionais relevantes. Aos consulados seriam remetidas
leis e resoluções administrativas tão logo fossem expedidas, além de
Informações estatísticas sobre as exportações.
O ministro estava consciente da importância crescente dos
iissnntos económicos e comerciais no conjunto das funções de sua
pasta. Na busca do aumento das exportações nacionais, estudavam-
se modificações nos ajustes comerciais em vigor e, eventualmente,
negociação de outros. Alguns desses ajustes, com cláusula de nação
mais favorecida, datavam da monarquia. E aRepública, dizia o ministro,
1 n inara tratados e acordos "sem caráter sistemático que indique uma
l n > l il iça comercial uniforme".75
Sem questionar a estrutura das trocas internacionais, procurava-
sr, cm es Torço coordenado com os ministérios da Fazenda e da
Agricultura, dinamizar as exportações nacionais, promover a imigração
r olilcr informações sobre o crédito externo. Queria-se, portanto,
,i< Hciar a economia nacional, aumentando a eficiência da pasta, sem

' Rtlat6rto< I927,p, xvi xvm, i1) 1-202.


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

UNESP/UNICAMP/PUC-SP

A POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA E OS ESTADOS

UNIDOS: A ATUAÇÃO DE JOAQUIM NABUCO EM WASHINGTON

Paulo José dos Reis Pereira

São Paulo

2005
1

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

UNESP/UNICAMP/PUC-SP

A POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA E OS ESTADOS

UNIDOS: A ATUAÇÃO DE JOAQUIM NABUCO EM WASHINGTON

Paulo José dos Reis Pereira

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do


Programa de Pós-graduação em Relações
Internacionais da UNESP/UNICAMP/PUC-SP,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais, sob a
orientação do Prof. Dr. Clodoaldo Bueno

São Paulo

2005

1
2

À minha família, o melhor apoio

que um jovem pesquisador poderia querer

2
3

Banca Examinadora

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

3
4

Eu, em diplomacia, nunca perdi um só dia o sentido da


proporção e da realidade.

JOAQUIM NABUCO

4
5

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ....................................................................................................................................... 7

RESUMO ................................................................................................................................................................ 8

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1

A CRIAÇÃO DA EMBAIXADA EM WASHINGTON E O RELACIONAMENTO COM

OS EUA .................................................................................................................................................................. 19

1.1 – Perspectiva histórica de aproximação Brasil-Estados Unidos .................................. 22

1.2 – A política externa norte-americana e Rio Branco ....................................................... 39

CAPÍTULO 2

FATORES ESTIMULANTES DA AÇÃO E REFLEXÃO DE NABUCO A FRENTE DA

EMBAIXADA ....................................................................................................................................................... 63

2.1 – Influência direta de Nabuco na política externa ......................................................... 82

CAPÍTULO 3

CONCEPÇÕES DE NABUCO A FRENTE DA EMBAIXADA ........................................................ 97

3.1 – Nabuco e os Estados Unidos ....................................................................................... 101

3.2 – Pan-americanismos: Origens e desenvolvimentos .................................................... 108

3.3 – Nabuco, o monroísmo e o pan-americanismo: preliminares .................................. 119

3.4 – A questão territorial e a adesão ao monroísmo ......................................................... 124

3.5 – Concepções de sistema mundial e sistema continental ............................................ 132

3.6 - Aliança norte-americana e relacionamento com outros países do continente ...... 140

5
6

CAPÍTULO 4

TÁTICAS DE RELACIONAMENTO COM OS ESTADOS UNIDOS DE NABUCO E DE

RIO BRANCO ................................................................................................................................................... 157

4.1 - O cisma da Conferência de Haia ................................................................................. 166

4.2 – Críticas à aproximação com os Estados Unidos ...................................................... 188

CONCLUSÃO .................................................................................................................................................... 205

FONTES DOCUMENTAIS .......................................................................................................................... 216

BIBLIOGRAFIA GERAL ............................................................................................................................... 218

6
7

AGRADECIMENTOS

No desenvolvimento dessa pesquisa contamos com o apoio e incentivo de muitas

pessoas e instituições. Agradecê-las é um compromisso ao qual não podemos nos furtar,

apesar do risco de cometer omissões. Em primeiro lugar agradecemos ao Programa de Pós-

graduação em Relações Internacionais da UNESP/UNICAMP/PUC-SP, leia-se aqui o grupo

de professores dessas três universidades que idealizou e colocou em prática tal projeto, pelo

suporte e acolhimento da minha pesquisa. Termos feito parte de tal pioneirismo para o

estímulo do estudo das relações internacionais no Brasil, em especial em São Paulo, é um

grande privilégio que pretendemos retribuir contribuindo para o seu contínuo

desenvolvimento. Far-se-á um registro particular ao professor Reginaldo Mattar Nasser, o

qual, desde os tempos da graduação, com a orientação de nossa iniciação científica, me

encorajava tal estudo e ao prof. Tullo Vigevani, coordenador do programa, que discutiu em

oportunas ocasiões as possibilidades teóricas do nosso estudo, fornecendo sugestões de valor.

Agradecemos em especial ao prof. Clodoaldo Bueno, pela orientação sempre

competente que possibilitou ser-nos transmitida sua valiosa experiência como pesquisador da

área.

Em todos os três institutos de pesquisa que passamos, o Arquivo Histórico do

Itamaraty, a Fundação Joaquim Nabuco e o Arquivo do Estado de São Paulo, sempre

encontramos auxílio de pessoas atenciosas que viabilizaram nossa pesquisa documental, base

do trabalho, e, por isso, merecem registro.

À Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, agradecemos

por ter nos proporcionado uma bolsa de estudos.

Agradecemos, por fim, a cada um dos quatorze alunos da turma que fizemos parte e

que contribuíram, direta ou indiretamente, com amizade ou conhecimento, à nossa pesquisa.

7
8

A POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA E OS ESTADOS UNIDOS: A ATUAÇÃO


DE JOAQUIM NABUCO EM WASHINGTON

RESUMO

Rio Branco, com a criação da embaixada brasileira em Washington em 1905, deu um


novo fôlego para o movimento de aproximação com os Estados Unidos que já se verificava na
política externa desde o advento da República. Objetivamos, nesse contexto, entender as
concepções políticas e a influência que o primeiro ocupante do cargo de embaixador, Joaquim
Nabuco, teve na condução desse relacionamento para nos esclarecer melhor sua forma e
características. Por meio de um trabalho de análise histórica, tendo como base,
essencialmente, documentação primária, mas também os poucos trabalhos dedicados ao
objeto de estudo, evidencia-se que Nabuco tentou imprimir em alguns eventos significativos
da época um tom drástico para a política de aproximação com os Estados Unidos pelo embate
de idéias e posições com Rio Branco, que o conteve em parte. Estimulado pelo receio do
imperialismo Europeu e deslumbrado com o substantivo crescimento do poder mundial dos
Estados Unidos, Nabuco, apoiando-se no monroísmo como garantia de proteção para o
território brasileiro, considerando este o interesse nacional mais imediato, formulou idéias
sobre um sistema americano que deveria ser liderado pelos Estados Unidos, considerados uma
civilização modelo e irradiadores de paz, que o levou a aceitar as pretensões desse país no
continente, especialmente nas referentes ao pan-americanismo, retórica política utilizada para
intensificar o comércio com os países sul-americanos e apaziguar as tensões provocadas pelas
ações de polícia do corolário Roosevelt na América Central.

8
9

THE FOREING POLICY OF THE FIRST REPUBLIC AND THE UNITED STATES: THE
PERFORMANCE OF JOAQUIM NABUCO IN WASHINGTON
ABSTRACT

Rio Branco, with the creation of the brazilian embassy in Washington in 1905, gave a
new breath for the movement of approach with the United States that already was verified in
the foreing policy since the advent of the Republic. We objectify, in this context, understand
the politic conceptions and the influence that the first occupant of the position of ambassador,
Joaquim Nabuco, had in the conduction of this relationship to better clarifying us its form and
characteristics. By means of a work of historical analysis, having as base, essentially, primary
documentation, but also the few dedicated works to the study object, is proven that Nabuco
tried to print in some significant events of the time a drastic tone for the politics of approach
with the United States for the shock of ideas and positions with Rio Branco, that contained it
in part. Stimulated for the distrust of the European imperialism and enthusiastic with the
substantive growth of the world-wide power of the United States, Nabuco, supporting in the
monroism as a pledge of protection for the brazilian territory, considering this the more
immediate national interest, he formulated ideas on an american system that would have to be
led by the United States, considered a civilization model and irradiators of peace, that took
him to accept the pretensions of this country in the continent, especially in the referring ones
to the pan-americanism, politic rhetoric used to intensify the commerce with the south-
american countries and to calm the tensions provoked for the actions of police of the
Roosevelt corollary in Central America.

9
10

INTRODUÇÃO

Neste trabalho pretendemos jogar luz sobre alguns aspectos do relacionamento que se

estabeleceu, nos primeiros anos do século XX, entre o Brasil e os Estados Unidos. Nesse

momento nacional brasileiro os dirigentes das suas relações externas viram os norte-

americanos como potenciais parceiros estratégicos e o intento mais geral aqui foi esclarecer

alguns dos atores, objetivos e ações que contribuíram de forma significativa para produzir

essa, que foi uma expressiva conjuntura histórica de aproximação político-diplomática entre

os dois países.

Partindo dessa proposta exploraremos em que medida as idéias do primeiro

embaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco (1905-1910), transformadas em ação

política, influenciaram nos rumos da atuação externa projetada pelo Ministro das Relações

Exteriores, Rio Branco (1902-1912). Teremos então que nos deter tanto nas características e

objetivos das concepções que Nabuco defendeu durante todos os seus cinco anos atuando

como um diplomata de alto cargo, quanto na função e no lugar que elas ocuparam para o

governo republicano nesse projeto. Na medida em que essa análise nos colocar em

perspectiva certas formas que poderiam ter assumido esse relacionamento, elucidará aquela

que efetivamente assumiu, bem como seus motivos, seus acertos e equívocos.

Nessa época vivia-se uma reestruturação do sistema internacional. Novos atores

internacionais de peso (Rússia, Japão, Itália, mas especialmente Alemanha e Estados Unidos)

questionavam as reminiscências do antigo Concerto Europeu, alicerçado ainda na

proeminência econômica e militar inglesa, reivindicando parcelas desse poder e prestígio

concentrado1. Existia assim uma tendência geral à criação de sérios conflitos

interimperialistas que, não sem aviso, acabariam por desembocar numa grande guerra

10
11

mundial. Nesse processo se aprofundava a divisão internacional do trabalho entre países

periféricos, exportadores de mercadorias agrícolas e matérias primas e os países centrais,

receptores desses artigos e exportadores de manufaturados, formando um ciclo completo de

produção que tornava esses dois mundos interdependentes2.

No continente americano, que fazia parte dessa situação como uma área de disputa

acentuada entre os dois expressivos países emergentes do momento, Estados Unidos e

Alemanha, tendo como seu vigia a tradicional potência inglesa, espectadora interessada nos

riscos maiores ou menores que corriam seus investimentos externos, existia uma óbvia

vantagem para a potência regional. Atuando no sentido de se projetar sobre o hemisfério,

política e comercialmente, não sem oposição interna dos protecionistas, isolacionistas e

racistas de plantão, os Estados Unidos utilizaram como expedientes o pan-americanismo e o

monroísmo.

O Brasil, reconhecidamente um país secundário, tentava, mesmo percebendo os

constrangimentos a que estava submetida sua ação externa, encontrar nesse quadro uma

inserção internacional que lhe permitisse contemplar seus interesses. O caminho da

americanização, com ênfase nas relações com os norte-americanos, soava como a alternativa

mais coerente, estando o Brasil vinculado à potência continental por aquele pacto colonial

moderno já citado, como país agroexportador3. Nabuco, como embaixador, assume esse novo

paradigma4, fazendo com que conceitos referidos acima como o de monroísmo, pan-

americanismo e sistema, bem como o de aliança, de atraso e progresso, de raça e meio e de

desenvolvimento, ganhem forte dimensão.

No estudo que nossa pesquisa sugere, as questões chave seriam: como Nabuco e a

criação da embaixada em Washington encaixam-se na política externa de relacionamento

1
HOLSTI, K. J., 2000, p.74-80.
2
Cf. HOBSBAWM, 1998, p.33 e 66-68.

11
12

preferencial com os Estados Unidos pensada por Rio Branco? Essa aproximação significou

um alinhamento de política externa? Esse processo de relacionamento mais acentuado com os

norte-americanos teve alguma influência de Nabuco? Se respondermos afirmativamente a

essa última questão, devemos nos perguntar qual foi o alcance proporcionado pelas idéias que

a informavam e os meios pelos quais atuou.

A escolha de Joaquim Nabuco para figurar como eixo da nossa pesquisa tem sentido

quando reconhecemos que ele era parte integrante da intelectualidade brasileira da época,

exemplificado na sua presença como membro fundador da Academia Brasileira de Letras,

fazendo parte do seu núcleo forte ao lado de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Oliveira

Lima, Domício da Gama, Carlos Magalhães de Azeredo, Silvio Romero, José Veríssimo,

Salvador de Mendonça, José do Patrocínio, Graça Aranha, Eduardo Prado entre tantos outros

formadores de opinião como o próprio Rui Barbosa, representando um ícone da corrente que

acreditava ser os Estados Unidos o grande parceiro brasileiro do momento. Não queremos

dizer com isso que as idéias que ele formulou para esse relacionamento tenham coincidência

com as dessa elite ou da opinião pública, mas somente que era um personagem nacional

expressivo, ocupando cargo de inegável ascendência, e que atuou em função de uma linha de

política externa que ganhava força desde os primeiro fogos republicanos. E ao propor uma

inserção internacional ao Brasil por esse meio, com peculiaridades próprias de um espírito

inovador, Nabuco representou uma expressiva tendência nacional que ainda se estenderia por

um longo período.

Nessa mesma linha, a pesquisa ganha importância em dois aspectos. O primeiro diz

respeito ao estudo da relação entre o Brasil e os Estados Unidos nesse período histórico.

Existe um número razoável de trabalhos que abordaram de maneira geral o tema da política

externa republicana. Muito menor, no entanto, são os que se debruçaram sobre o

3
SINGER, 1997, p.349-350.

12
13

estreitamento das relações com os Estados Unidos e as eventuais nuances nela contidas,

respectivamente a criação da embaixada de Washington de 1905 e a Conferência de Haia de

1907. Pretendemos contribuir para preencher essa lacuna. Será possível identificar, numa

proposta de estudo como a nossa, algumas das linhas da assimetria de poder político-

diplomático que marcarão o tipo de relação que os dois países viriam a ter em anos

posteriores, um processo que oscilou entre alinhamento e repulsa. Como era uma época de

tomadas de decisões significativas para os países da América no que diz respeito a questões

como a de consolidação de território, relações comerciais e políticas, todas ligadas direta ou

indiretamente na pauta das discussões político-diplomáticas, um estudo, tal qual queremos,

ganha significação.

O segundo aspecto se relaciona com o próprio Nabuco. Ao ler os estudos sobre a

política exterior republicana e a sua diplomacia, nota-se que a figura de Rio Branco

recorrentemente encobriu a de Joaquim Nabuco. Pode-se explicar isto por dois fatores: Rio

Branco, enquanto ministro, era quem oficialmente coordenava as tomadas de decisões dos

assuntos exteriores, tinha grande autonomia em relação ao governo e, já na época, era tido

como um personagem glorificado da nação por sua maestria no trato dos assuntos

internacionais, praticamente um herói5. Nabuco, também, devido à sua própria história, é uma

figura basicamente lembrada por sua militância em favor da abolição, período que ocupou

grande parte de sua vida e dos seus escritos, o que colocou em segundo plano os cinco anos

que atuou como embaixador, período curto e parcamente analisado. A conseqüência disso é a

ocorrência do que podemos classificar de uma história esquecida de Nabuco, tão rica quanto a

de sua época como abolicionista só que inversamente desacreditada. Com nosso estudo será

possível retomar essa sua “história esquecida”, reinserindo-a na política externa brasileira da

Primeira República.

4
SILVEIRA, 2000, p.131.
5
LINS, 1995, p.395.

13
14

Por uma acepção convencional o estudo que será desenvolvido aqui poderia ser

classificado como parte do que se chama há muito como história diplomática. Esta definição

carrega, entretanto, um estigma anacrônico do qual pretendemos nos distanciar. Ela remonta a

uma época em que os estudos sobre as relações externas dos países se guiavam por métodos

narrativos superficiais com pouca capacidade explicativa e que incorporavam o discurso

oficial das chancelarias6. Essa história negligenciou fenômenos internacionais e

transnacionais7. Alguns representantes brasileiros desta vertente que, no entanto, marcam a

transição para um modo menos problemático de realizar este tipo de estudo são, desde os anos

20 do século passado, Pandiá Calógeras, Hélio Viana e Delgado de Carvalho entre outros. Os

degraus qualitativos avançados por este grupo foram: o incremento de objetividade dos textos,

descartando o acessório, isenção ideológica (ainda que Viana não tenha feito parte desta

contribuição) e uma cultura de avaliação das fontes utilizadas. Apesar disso continuou-se com

uma postura pouco crítica, pouco explicativa, informativa e essencialmente factual8.

É somente a partir da década de 70 que existe uma verdadeira remodelação de análise

dos estudos de história diplomática brasileira. Uma mudança de método e de objeto de estudo.

Novos enfoques que, num estudo científico, são de total relevância. Na introdução do livro

História da Política Exterior do Brasil, paradigma dessa transformação, Amado Cervo e

Clodoaldo Bueno afirmam que “a historiografia brasileira das relações internacionais adquiriu

sua maturidade quando a história diplomática foi superada pelos métodos modernos de análise

desenvolvidos nos seios das universidades”.9 Outro representante dessa nova vertente é José

6
Cf. ALMEIDA, 1998, p.48-49.
7
Aplico aqui os termos na acepção de ARON (2001, p. 266-7), onde relações internacionais são aquelas que se
realizam entre pessoas ou grupos de diferentes nações e relações transnacionais são aquelas que se dão através
de fronteiras e estão condicionadas por coletivos e organizações não vinculadas particularmente a uma unidade
política específica.
8
Cf. ALMEIDA, 1998, p.75.
9
CERVO & BUENO, 2002, p.14.

14
15

Honório Rodrigues que diria ser “o jogo da política do poder que queremos recriar, mais do

que a simples história diplomática”.10

Apesar disto não ser consenso, entendemos ser possível colocar todos eles na mesma

rubrica de historiadores das relações internacionais do Brasil num sentido muito específico,

que não se reduz a uma questão semântica. Estes estudiosos fizeram esforço na busca de

ampliar a análise do tema, deslocando o privilegiado papel que ocupava o ornamento estatal

nos estudos de história diplomática, para o que se pode chamar de amplo terreno das relações

internacionais. Deu-se importância, dessa forma, a processos internacionais tais como o

econômico e o social, alargando o escopo de análise no intuito de abranger tanto o

fundamento que rege as forças profundas da história11, quanto a relevância do ator político,

influenciado por estas mesmas forças, na formulação e implementação das políticas dos

Estados. Esse esforço bifocal é feito na tentativa de desvendar a estrutura que norteia as

relações internacionais brasileiras12, trata-se de uma nova visão que corre em paralelo e bebe

da fonte renovada da historiografia das relações internacionais francesas, escola modelada por

Pierre Renouvin e Duroselle e que tem como herdeiros René Girault e Robert Frank. Se

Amado, Bueno e Rodrigues remodelaram a historiografia de relações internacionais no

âmbito nacional brasileiro, os franceses o haviam feito no plano internacional.

Nosso estudo se compatibiliza com essa nova linha da história das relações

internacionais do Brasil, exigindo, entretanto, um esforço metodológico para figurar nela. Ao

privilegiarmos a atuação de um personagem político nos encaminhamentos da política

internacional do país, poderíamos, em princípio, cair no engodo que seria focarmos somente

os meandros chancelares e a análise dos itinerários diplomáticos, ou o culto do indivíduo aos

10
RODRIGUES, 1995, p.27.
11
Este é um conceito fundado por Pierre Renouvin que tenta compreender as grandes influências que orientam o
curso dos acontecimentos: “(...) as condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses
econômicos e financeiros, as características da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais nos
mostram as forças profundas que tem formado o marco das relações entre os grupos humanos e que, em grande
medida, tem determinado sua natureza” (RENOUVIN & DUROSELLE, 2001, p. 9-10).

15
16

moldes do que ocorria no século XIX. Edward Carr alertava para esse perigo quando dizia

que “o desejo de colocar o gênio individual como a força criadora da história é característico

dos estágios primitivos da consciência histórica”.13 Uma abordagem desta nos comprometeria.

Para nos precavermos disso, entendemos ser profícuo trabalhar na perspectiva da análise que

coloca o ator político inserido no que se denomina sistema de finalidades, fundado no

pressuposto de que “aquele que dispõe de um poder se propõe atingir objetivos e tenta realizá-

los”14, sempre influenciado pelos movimentos das forças impessoais da história.

No mesmo objetivo, outro ponto importante que será levado em conta nesse trabalho

“(...) consiste precisamente em determinar a percepção histórica que ordena as condutas dos

atores coletivos, as decisões dos chefes destes atores”.15 O ator político, ainda que em uma

posição privilegiada, pode não ter lucidez quanto às circunstâncias que envolvem alguma

decisão. Além disso, quando ela é tomada, é sempre a partir de uma visão subjetiva formada a

partir de uma história de vida e essa visão subjetiva dificilmente coincide com a realidade

objetiva. Os erros ou equívocos de percepção devem estar no cálculo de qualquer estudo que

envolva o qualitativo das ciências do homem. Tentaremos por esse plano metodológico não

cair em um enfoque restrito e obtuso, equívocos já antigos com os quais a nova linha analítica

não seria complacente.

O procedimento pelo qual fizemos esse exercício foi o de reconstruir as concepções de

Nabuco, utilizando sua documentação pessoal e diplomática original, obtida em arquivos

variados e na coleção de suas Obras Completas editada pelo Instituto Progresso Editorial,

bem como seus discursos americanos reunidos na compilação feita pelo editor Benjamin

12
Cf. ALMEIDA, 1998, p.86.
13
CARR, 2002, p.80.
14
DUROSELLE, 2000, p.44. Todos os homens fazem cálculos para realizar certos projetos. Quanto mais se sobe
na hierarquia interna dos Estados, mais as formulações de objetivos por atores individuais ganham importância.
Alguns atores, quando se encontram numa posição privilegiada desta hierarquia, têm uma grande importância, já
que suas ações têm efeito e amplitude que afetam muitas pessoas. Para realizar qualquer de seus objetivos ele se
orienta por uma estratégia de ação que tem em conta os meios e os riscos e é esse conjunto de ações conscientes
do indivíduo que se chama de sistema de finalidades.

16
17

Águila, preenchendo as lacunas que subsistiam com a escassa literatura sobre o tema, em sua

maioria biografias, donde as que têm alguma importância são as obras de Carolina Nabuco,

filha de Joaquim Nabuco, e a de Luís Viana Filho. Dentre os pouquíssimos trabalhos

especializados sobre o assunto, destacamos o de Olímpio de Souza Andrade da década de 60

que, apesar de conter análises não tanto aprofundadas e documentadas, traz contribuições

importantes, especialmente no que se refere às discussões sobre o ideal de solidariedade

continental proclamado por Nabuco. No entanto, a obra mais significativa sobre o assunto é a

de João Frank da Costa, não por coincidência, afirmando a característica fundadora dos

estudos sobre a política externa brasileira, um diplomata de carreira e não um acadêmico.

Realizada na década de 70, contribuiu em vários aspectos para o entendimento das

contribuições e idéias de Nabuco como embaixador, negligenciando, no entanto, um evento

especialmente significativo da época que representaria uma prova aos posicionamentos de

Nabuco: a Conferência de Haia de 1907. Em nossa pesquisa a abordamos, bem como a outros

eventos significativos do período, para analisar em que medida Nabuco teve sobre eles

influência ou foi influenciado por eles, sempre num processo de embate de posições com Rio

Branco. Alguns trabalhos mais contemporâneos, donde destacamos o de Helder Gordim da

Silveira (2000) e o de Ricardo Salles, trouxeram contribuições significativas para o nosso

trabalho, o primeiro ao focalizar particularmente o papel de Nabuco no processo de

representação simbólica do interesse nacional, fundado na emergência do paradigma de

americanização que dominou as relações exteriores brasileiras, o segundo nos esclarecendo

certas nuances ideológicas de Nabuco ao discutir de que tipo de elite intelectual o embaixador

fez parte como expressamente um político abolicionista da geração de monarquistas de 1870.

Grande parte do que se referiu à contextualização e avaliação da política externa desse

momento republicano foi feito com documentação secundária. Vários trabalhos, dos quais

15
ARON, 1997, p. 359.

17
18

destacamos o de Bueno (1995 e 2003) e Burns (2003), foram utilizados. Para a tarefa de

reconstrução de certas idéias e posicionamentos próprios de Rio Branco, que no decorrer da

pesquisa se mostrou necessária, utilizamos alguma documentação primária, mas em sua

maioria biografias, como a de Rubens Ricupero (2000) e a de Álvaro Lins (1996).

No Capítulo 1 mostraremos onde se insere historicamente a criação da embaixada

brasileira em Washington em 1905. Para tanto vai se esclarecer a trajetória do relacionamento

do Brasil com os Estados Unidos desde a proclamação da República até o ministério Rio

Branco, dando especial atenção a esse último momento para esmiuçar suas características e

objetivos.

No Capítulo 2 argumentaremos que existiram alguns fatores que estimularam a ação e

reflexão de Nabuco sobre as concepções políticas que deveriam nortear a forma de

relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos. A partir disso, discutiremos de maneira

mais direta como se deu a influência de Nabuco na condução desse relacionamento.

No Capítulo 3 abordaremos de maneira mais particular as concepções políticas de

Nabuco na sua época como embaixador. Aqui pretendemos discutir sua visão sobre os

Estados Unidos construída em dois momentos - quando foi adido de legação em Nova York

(1876-7) e já na sua época como embaixador em Washington -, o histórico das doutrinas

políticas do pan-americanismo e do monroísmo no continente, as origens e a base das

concepções de Nabuco que informavam o modo como devia se estabelecer o relacionamento

entre o Brasil e os Estados Unidos Brasil e suas idéias sobre o sistema continental e mundial.

No Capítulo 4, após já termos visto um quadro sistemático sobre a ação e pensamento

de Nabuco, vamos desenvolver uma análise das táticas de relacionamento com os Estados

Unidos que Nabuco e Rio Branco tentaram empregar, mostrando o conflito que isso gerou e o

evento que pode ser encarado como seu desfecho. Nesse mesmo capítulo inserimos um tópico

18
19

apontando críticas de contemporâneos de Nabuco, Eduardo Prado e Oliveira Lima, à política

de aproximação com os Estados Unidos da qual ele era um artífice.

1 - A CRIAÇÃO DA EMBAIXADA DE WASHINGTON E O RELACIONAMENTO COM OS EUA

Em junho de 1904, somente alguns dias após ter ouvido em Roma de Victor Emanuel

III, Rei da Itália e árbitro incumbido da questão de limites entre o Brasil e a Guiana Inglesa, o

fatídico laudo que salomonicamente pretendeu dividir o território em questão em duas partes,

tendo na verdade concluído implicitamente pela vitória da Grã-Bretanha que ficara com a

maior delas, Nabuco recebe uma carta de Rio Branco com o seguinte conteúdo:

Continue tranqüilamente ultimando trabalhos Missão para o que pode dispor alguns meses.
Como sabe posto mais importante para nós é Washington precisamos ali homem valor se o
puder aceitar diga-me urgência para que regule por ali movimento projetado (...) se tem
preferência Londres retiro esta consulta.16

O “movimento projetado” era a criação, nos Estados Unidos, da primeira embaixada

brasileira. Nabuco, então chefe da referida Missão Especial em Roma e da Legação de

Londres, recebeu a notícia certamente com espanto, por que retornaria a Rio Branco nestes

termos:

Perplexo quanto assunto tal modo vital ignorando condições e propósitos mudança respondo
fazendo-o meu procurador. Se você tem plano para cuja realização me supõe o mais próprio
não leve em conta preferência que circunstâncias ordinárias eu teria Londres. Dado realce
notório novo posto remoção a ninguém pareceria desfavor.17

16
Carta de Rio Branco a Joaquim Nabuco, 18/06/1904 (FUNDAJ).

19
20

Esse espanto vinha provavelmente do fato de que, de um lado Londres era ainda o

posto de maior relevância na política exterior brasileira e, de outro, ele próprio era conhecido,

desde há muito, por seu europeísmo. Quem houvesse lido Minha Formação, de 1900, não

poderia deixar de notar a passagem que certamente ofendera o “brio nacionalisteiro” de

muitos, para citar Evaldo Cabral de Mello, onde Nabuco afirma que “o sentimento em nós é

brasileiro, a imaginação européia. As paisagens todas do Novo Mundo, a floresta amazônica

ou os pampas argentinos, não valem para mim um trecho da Via Appia, uma volta da estrada

de Salermo a Amalfi, um pedaço do cais do Sena à sombra do velho Louvre.”18 Mas, uma vez

que tal preferência não impediu o convite de Rio Branco, Nabuco imaginou que ganhara do

amigo um grande infortúnio, já que realmente Londres lhe era uma atmosfera familiar e

agradável na velha Europa, estimada por todos e de importância indiscutível. A aventura

numa civilização recente do outro lado do Atlântico onde não tinha maiores intimidades ou

vivência, a não ser dos dois anos (1876-77) que passara em Nova York na juventude como

adido de legação, em uma política ainda por ele desconhecida e num posto sem precedente

histórico brasileiro, como era o de embaixador, não agradava. Além de tudo a sua remoção de

Londres para Washington poderia ser mal interpretada pela opinião pública como uma

penalização pelo malogro do laudo arbitral em Roma, o que desprestigiaria sua imagem e seu

trabalho19.

Vê-se assim que Nabuco não se entusiasmou “desde o primeiro instante”20, como

alguns afirmam. E, se pessoalmente chegou mesmo a lastimar a mudança nos primeiros dias

de vivência no novo cargo em Washington com as palavras “Deus me solte, me dê liberdade,

me deixe viver o resto dos meus dias em uma atmosfera menos oficial e estranha do que

17
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 21/06/1904 (FUNDAJ).
18
NABUCO, 1999, p. 49.
19
“A proposta do Ministro do Exterior deve ser interpretada (...) como uma honra para Nabuco, com o espírito
de confiar-lhe a direção de uma nova política americana, e não como uma conseqüência da necessidade de
removê-lo de Londres” (COSTA, 1968, p. 52)
20
ANDRADE, 1978, p.31.

20
21

esta”21, também politicamente via a criação da embaixada como uma atitude prematura,

levada por impulso e que resultaria em perdas mais do que ganhos para o Brasil. O título de

embaixador estaria fora de lugar para um país que ainda não tinha qualquer papel de

relevância no cenário mundial, a América Latina poderia se melindrar com o exclusivismo do

ato e uma embaixada demandaria uma soma maior de dinheiro do que as legações, algo que

não estava previsto nos apertados orçamentos da União. Além de tudo isso, Nabuco ainda

tinha preocupação de que o ato tivesse uma importância somente formal ou fosse tomado no

sentido de precaução contra o intervencionismo norte-americano, o que o parecer do relator

do Senado, nas discussões sobre a criação da embaixada, havia deixado implícito.

De qualquer forma, mesmo com todos esses potenciais problemas, o caso era que o ato

já estava consumado, os preparativos em andamento e sua resposta dada. Nas motivações que

levaram Nabuco a responder positivamente ao pedido de Rio Branco, destaca-se a sua postura

de encarar essa como mais uma obrigação patriótica a qual havia resolvido abraçar quando

decidiu trabalhar pelo Estado brasileiro sob a República22, já que na tradição imperial da qual

fazia parte, o serviço consular e diplomático era devido à nação e não aos regimes. Nabuco,

da mesma forma que uma série de monarquistas da geração de 1870 que havia sido ceifada da

cena política em um momento de ascensão de suas carreiras com o 13 de maio, tomou o

caminho de reinserção nos quadros governamentais a partir da crença de que encarnava uma

tarefa histórica reservada aos estadistas do Segundo Reinado, que seriam os únicos capazes de

reestabelecer as normas e padrões clássicos nessa atualidade caótica que era a República,

21
Apud VIANA FILHO, 1952, p.293.
22
“Esta manhã um terremoto, o telegrama do Rio Branco oferecendo-me Washington. Vou pensar muito antes
de responder; pensa e reza, certo que nenhum dever pode ser recusado” Nabuco escrevia a esposa alguns dias
depois de sair o laudo arbitral (Apud NABUCO C., 1958, p. 400); “(...) em diversos casos as maiores obras (veja
o Lusíadas), resultaram muitas vezes de remoções forçadas (...) quando digo remoção forçada não quero dizer
que o Paranhos não me tivesse deixado a opção material, não me deixou porém a moral, ou patriótica” Carta de
Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 05/01/1905 (Cartas II, 1949, p. 202).

21
22

conciliando os tempos a partir do retomada das tradições23. Foi assim com Rio Branco,

Rodrigues Alves, Rui Barbosa, Afonso Penna, Nabuco, etc.

Mas além da convicção do dever e da missão, a sensação do malogro no litígio, ajudou

Nabuco a definir críticas que já vinham se formando sobre o velho continente. Começava a

crer fielmente que não existia espaço para a realização de políticas amplas, característica de

seu espírito empreendedor de grandes causas, na Sagrada Europa com seus centros de poder

definidos e tradicionais e o papel de coadjuvante que o Brasil ocupava lá24. Talvez pudesse

vislumbrá-las em Washington, pela ascendência dos EUA no cenário internacional em um

momento considerado por ele de reconfiguração do sistema mundial, e que trazia uma

convicção nascente, pouco a pouco mais presente, de que uma política americana no que

considerava moldes monroístas era cada vez mais necessária ao Brasil.

Rio Branco tinha conhecimento do esboço dessas perspectivas de Nabuco por conta da

troca de correspondências entre ambos em 1902, na ocasião da nomeação de Rio Branco para

o cargo de Ministro do Exterior. À época, Nabuco já havia feito referência a como era um

“forte monroísta (...) e por isso grande partidário da aproximação cada vez maior entre o

Brasil e os Estados Unidos (...)”.25 Chamava a atenção de Rio Branco para que, se esta

política estivesse no seu horizonte, deveria fazer dele um colaborador atuando entre Londres e

Washington.26 Dessa forma poderia juntar em sua mão os dois cargos considerados mais

importantes do momento internacional, o primeiro, antigo e até um tanto empoeirado, mas

ainda o centro dos investimentos e poder mundial e o segundo, ator em ascendência, pólo de

atração das nossas exportações. Rio Branco, no entanto, decidira que ele atuaria só em

Washington, e lá foi Nabuco.

23
Cf. SALLES, 2002, p.281; LINS, 1996, p.341.
24
Nabuco também não via no cargo de Londres todo o prestígio que se julgava existir. De tal modo que vai dizer
a Tobias Monteiro, [1900], que “(...) o posto de ministro em Londres é mais importante financeiramente do que
diplomaticamente e hoje financeiramente não serve quase de nada por não haver contato direto entre a legação e
o ministro da fazenda” (Cartas II, 1949, p. 93).

22
23

1.1 – PERSPECTIVA HISTÓRICA DE APROXIMAÇÃO COM OS ESTADOS UNIDOS

Rio Branco iniciara com a criação da embaixada de Washington um movimento de

arquitetura política que utilizaria “uma moldura nova e brilhante para dar relevo a um quadro

antigo”27. Não que o quadro fosse tão antigo. Esse movimento de estreitamento de relações

políticas e apoio recíproco entre o Brasil e os Estados Unidos data propriamente do início da

República.

É verdade, no entanto, que existiram algumas marcas de harmonia entre eles na época

imperial brasileira, se bem que recheada de turbulências e inconstâncias. Num primeiro

momento, que data da vinda de Dom João VI, há de se notar que o Brasil foi o primeiro país

latino a ter um diplomata norte-americano residente e o primeiro a reconhecer a doutrina

Monroe de 1823, bem como os EUA o primeiro país a reconhecer a independência brasileira

em 1824. Os dois governos ainda assinaram em 1828 um tratado de Amizade, Comércio e

Navegação. Já num segundo momento esta harmonia de posturas e reconhecimento não teve

continuidade e esfriou aos poucos. Em grande parte isso se deve ao retraimento que

caracteriza a política externa norte-americana de grande parte do século XIX, preocupada que

estava com a formação e consolidação da nação, a ampliação do espaço territorial a partir da

ideologia de Destino Manifesto, e o desenvolvimento interno do mercado e da produção

nacional a partir dos seus ciclos econômicos e políticos28. Impulsionando essa distância entre

os dois países estavam eventos da década de 1840 e 1850 como as guerras contra o México,

25
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 07/07/1902 (Cartas II, 1949, p. 132).
26
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 07/07/1902 (Cartas II, 1949, p.132).
27
LINS, 1995, p. 315.
28
Cf. PECEQUILO, 2003, p. 31-33 e 52-57.

23
24

as notícias da ação de aventureiros como William Walker na Nicarágua29 e incidentes de

segunda ordem promovidos em boa parte por uma série de diplomatas norte-americanos

ineptos30, designados para o Brasil entre o primeiro quarto e a década de 60 do século XIX.

Suas atuações deixaram uma péssima impressão no governo brasileiro, ao se orientarem pela

impertinência desrespeitosa que acabava se refletindo inevitavelmente como postura de

Washington.

Da mesma forma, o Brasil, de sua parte, também não fazia questão de enviar

eminentes diplomatas à capital norte-americana, reservando-os para os postos europeus o que,

somado a episódios como a posição brasileira, por conta da Guerra de Secessão, de decidir

tolerar a Confederação rebelde e permitir a utilização de seus portos pelos beligerantes,

provocou ressentimentos de difícil manejo e acirramento de prevenções. Assim, por cerca de

quarenta anos, após um curto primeiro momento de proximidade, o que existiu em grande

parte do tempo foi reserva, introversão, especialmente por parte da população, já que o

isolamento de ambos os países com relação aos seus vizinhos, a utilidade de se manter boas

relações bilaterais para a manutenção de um comércio que já era significativo e a resistência à

preeminência inglesa forçasse os governantes a uma atitude de pouca agressividade e mais

cautela no trato de questões diplomáticas31.

O chamado “espírito de cordialidade” (ou a ‘amizade tradicional’) que alguns

escritores erroneamente atribuíram para todo o século XIX na realidade é uma caracterização

correta para um período mais recente”32, as últimas décadas do Império. Tendo ocorrido

alguns atos amenos como a solução de alguns imbróglios diplomáticos como o caso Webb em

1869, a votação do Congresso Americano em 1872 pela isenção do pagamento de direitos

29
TOPIK, 2002, p.410.
30
Alguns exemplos são Condy Raguet (1825-8), Henry A. Wise (1844-7) e o General James Watson Webb
(1861-9) citados a partir de BURNS, 2003 e BANDEIRA, 1973.
31
Cf. BUENO, 2002, p.139.
32
HILL, 1971, p. 259; COSTA, 1968, p.146.

24
25

sobre o café e a viagem de Dom Pedro II às comemorações do centenário da independência

norte-americana em 1876, fertilizou-se o terreno da onde, com o início da República, brotaria

um relacionamento mais estreito.

Ainda que tenha existido uma política de maior aproximação com os Estados Unidos,

a política externa iniciada em 1889 não deve ser caracterizada como “norte-americana”, mas

sim “americana”. Enquanto caudatária do Manifesto de 1870 que bradava “somos da América

e queremos ser americanos”33 ela buscou intensificar relações com todo o continente num

projeto claro cujo objetivo era se distanciar de tudo o que Império representava34. Na visão

dos que fizeram o Manifesto, o Império nos tornara rejeitados de ambos os lados do Atlântico.

Do lado europeu éramos vistos como uma “democracia monárquica que não inspira simpatia

nem provoca adesões” e do lado americano a nossa forma de governo era “antinômica e hostil

ao direito e aos interesses dos Estados Americanos”. Assim, o objetivo era “suprimir este

estado de coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos e em solidariedade

democrática com o continente de que fazemos parte.”35 Acreditava-se que o regime

republicano, enquanto evolução do Novo Mundo, não deveria vincular o país à Velha Europa.

Era necessário repensar a inserção internacional do Brasil a partir do próprio continente

pressupondo uma fraternidade por similaridade institucional. De fato, ao Brasil, parecia que se

encontrava finalmente entre irmãos depois de uma longa história de desencontros políticos e

desavenças causadas pelas circunstâncias desfavoráveis que haviam colocado uma pedra no

caminho da união americana: a monarquia36.

33
Apud BELLO, 1976, p. 17.
34
Do discurso das idéias de pacifismo e cooperação americana à prática, a votação da lei de orçamento de 1891
(primeira aprovação de orçamento do governo republicano) fazia a distribuição das legações e consulados
brasileiros num sentido americanista. Ainda que as legações mais importantes continuassem sendo a da
Inglaterra e a da França, as dos países americanos como os Estados Unidos, a Argentina e o Chile ganharam
ênfase (BUENO, 1995, p.69).
35
Apud BUENO, 1995, p. 24.
36
Este episódio da história brasileira confirma a hipótese de Aron onde a mudança de regime político tende a
mudar também a política externa de um Estado. Isso se daria principalmente por conta da diferença na seleção
das pessoas que exercem autoridade, a maneira pela qual essas mesmas pessoas tomam decisões e na própria
relação que se estabelece entre a sociedade civil e os governantes (Cf. ARON, 2002, p. 368).

25
26

A historiografia dedicada ao período tende a afirmar, com razão, que existia nestes

primeiros anos de República uma restrição da análise da situação internacional a partir da

organização do novo regime político e uma visão idealista de como se procediam as relações

internacionais, num desvirtuamento das tradições avindas do Império.37 Esta tendência foi se

atenuando com a imposição de uma realidade internacional diversa da idealizada, pautada por

interesses nacionais concorrentes entre as unidades políticas, especialmente aquelas com as

quais se faz fronteira. A solicitação de vários monarquistas de experiência para ocupar cargos

na administração interna e resolver questões externas é sintoma desse desanuviar de visão que

buscava pessoas qualificadas no trato dos problemas da época imperial.

Propostas de aproximação com os Estados Unidos na aurora republicana

No que concerne à relação com os Estados Unidos, os enganos iniciais propiciados

pela volúpia das ações não foram diferentes do que com o resto do continente. Apesar do

rápido reconhecimento da República brasileira por parte dos Estados Unidos (pouco mais de

dois meses) houve desentendimentos entre o Legislativo e o Executivo que frustraram a

certeza brasileira de um endossamento inconteste do novo regime. Um razoável trabalho

diplomático foi demandado pelo recente ministro acreditado em Washington, Salvador de

Mendonça. Mesmo assim, por ocasião da I Conferência Internacional Americana (1889-1890)

ocorrida em Washington por convocação do governo dos Estados Unidos, Quintino Bocaiúva,

mais novo Ministro do Exterior da República, também signatário do Manifesto de 1870

pediria a seu enviado que desse “espírito americano” às negociações, o que se traduziu num

movimento brasileiro para a aprovação, tanto do plano de arbitramento obrigatório, quanto da

37
Cf. BUENO, 1995, p. 24. Essa atitude acabou causando alguns constrangimentos, como na negociação de
limites de Missões dirigida por Bocaiúva (nosso primeiro Ministro do Exterior e um dos signatários do
Manifesto Republicano de 1870) em 1890, nas discussões sobre a distribuição de legações e reforma do corpo
diplomático. BANDEIRA, 1973, p.133-134; RODRIGUES, 1995, p. 207-210.

26
27

abolição da conquista, proposto pelos EUA. O entendimento entre a legação norte-americana

e a brasileira foi perfeita, bem como com a legação Argentina38.

As orientações que haviam sido mandadas para a legação brasileira pelo governo

imperial tinham sérias reservas quanto ao encontro por entender que de um lado os EUA o

tinha projetado no sentido de avançar a sua esfera de poder continental, o que poderia

acarretar para o Brasil algum tipo de perda de autonomia regional e, de outro, as experiências

dos tratados, especialmente com os ingleses, após a independência, aconselhavam precaução

no comprometimento com quaisquer outros. Fica claro assim que, a partir da ideologia que

cercava o novo regime, mudou-se de orientação para uma linha de maior participação na

conferência, o que torna esse episódio uma exemplificação do ingresso do “(...) Brasil em

uma fase de aproximação com os países da América, especialmente os Estados Unidos,

mudando, desta forma, a atitude do Império que era de cautela, de não-envolvimento”.39

Salvador de Mendonça, que passara de 1875 até 1898 nos Estados Unidos, ou seja,

mais de vinte anos, primeiro como cônsul, mas depois como chefe de Missão Especial e

finalmente ministro plenipotenciário40, foi defensor e orientador de uma política de íntima

aproximação com os Estados Unidos. Em resumo, a idéia alarmista que guiava sua ação

chama atenção pela característica de inevitabilidade que acusa o movimento histórico. O

diplomata acreditava, como que numa reedição latina do Destino Manifesto norte-americano,

que os Estados Unidos caminhavam com tal força de expansão material e política que

fatalmente chegaria “(...) às fronteiras dos países que nós outros Latinos habitamos” e, nesse

sentido, estávamos todos obrigados à escolha de como este encontro se daria: por infiltração

ou por inundação.

38
Cf. BUENO, 1995, p. 29.
39
BUENO, 1995, p. 29.
40
Cf. MENDONÇA, 1960.

27
28

Se o Brasil prosseguisse no sentido de paz e harmonia de relações com os EUA,

incentivando pela diplomacia a criação de instituições que pudessem dirimir os conflitos

continentais, a obra de canalização deste turbilhão estaria feita, trazendo os ganhos materiais,

“capitais, braços e máquinas” e “a boa lição republicana, o respeito à lei e prática da verdade

democrática”. Assim, “o contato se dará sem abalo, gradualmente, reguladamente, e essa

infiltração só nos pode ser benéfica”. Se a atitude brasileira frente a esta onda fosse hostil, ou

as nossas propostas e ações fossem desencontradas com o momento, “quando chegar seu

tempo, achar-nos-emos todos diante de uma força avassaladora, a que nunca poderemos

oferecer barreiras eficazes: a inundação virá avassaladora e inelutável.”41

Estando a América irradiada pela potência do Norte, era de necessidade brasileira

tentar, no que fosse possível, canalizar esta força em proveito próprio. É isso que Mendonça

tentou fazer, sem muito tato, no episódio do fechamento do Congresso por Deodoro em 1891.

Por conta de uma grande apreensão, correta ou não, sobre um possível desencadeamento de

movimentos monarquistas restauradores, pediu a Blaine, então Secretário de Estado, uma

intervenção diplomática dos EUA no sentido de sugerir uma ação mais moderada do governo

brasileiro e a reiteração do seu apoio às instituições republicanas. Percebendo, no entanto, o

que o ministro não percebeu, que este ato poderia ser entendido como uma intervenção

estrangeira em questões domésticas, Blaine recusa a emissão de um documento formal42. Em

mensagem telegráfica ao Ministro Fernando Lobo, Mendonça colocaria de maneira a

demonstrar a confiança que tinha na sua atuação em Washington e na amizade norte-

americana, as possibilidades de auxílio que achava estarem disponíveis para o Brasil:

41
Carta de Salvador de Mendonça a Campos Sales, 21/04/1902 (Apud MENDONÇA, 1960, p. 229-230).
42
Cf. BUENO, 1995, p.114.

28
29

Quereis apoio deste Governo contra manejos restauradores, quereis nova mensagem
Congresso Americano ao nosso, quereis nota monroísta à Europa, quereis esquadra daqui para
portos Brasil ordenai posso obtê-lo43

Tais ações, que acabaram levando-o a ser percebido como um diplomata pouco

interessado na preservação da soberania política do país, não devem ser vistas sendo

desprovidas de uma lógica nacional, ou de um interesse nacional. Retomaremos este debate

no último capítulo, pois se mostra esclarecedor a respeito da ação de Nabuco.

A característica de aproximação da política exterior do início da República não deve

ser creditada somente a Salvador de Mendonça. Na verdade Quintino Bocaiúva, Ministro do

Exterior entre 1889 e 189144, também esteve sempre disposto a um estreitamento de relações

com os EUA a altos custos que, na época imperial, nem se sonhava pagar. Ambos iniciaram,

neste sentido, uma política externa norte-americanista para o Brasil. Tal fato é exemplificado

no ofício reservado de Bocaiúva para Salvador de Mendonça de 2 de dezembro de 1890:

Tratado de Aliança.

O Sr. Blaine disse-vos, quando lhe falastes em tratado de Aliança íntima, que ele dependia de
relações comerciais ainda mais íntimas. O tratado de comércio não está feito e talvez por isso
não queira o dito ministro entrar desde já na negociação do outro.

Redijo todavia em seguida e em quatro artigos as estipulações que ao Governo Provisório


parecem convenientes.

1º) Os Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América constituem-se em Aliança ofensiva e
defensiva para defesa de sua independência, soberania e integridade territorial.

2º) Para que a Aliança se torne efetiva será necessária em cada caso uma requisição. Em ajuste especial
e imediato definirá o auxílio, o qual será prestado pela parte requerida na medida de seus recursos e sem
prejuízo da própria defesa.

43
Mensagem telegráfica de Salvador de Mendonça a Fernando Lobo, 11/01/1892 (Apud AZEVEDO, 1971, p.
242).
44
Sua gestão teve uma interrupção entre os meses de fevereiro a maio de 1890, tendo ocupado, de maneira
interina, o Visconde do Cabo Frio e Eduardo Wandenkolk.

29
30

3º) O Governo do Brasil ressalva desde já o compromisso que contraiu aderindo aos princípios de
direito marítimo adotados no Congresso de Paris, de 1856.

4º) Este tratado durará por 20 anos contados da troca das ratificações.

Pelo próximo paquete vos farei as observações que forem necessárias e oportunamente vos
mandarei poderes. No entretanto, procurareis conhecer em que disposição se acha o Sr. Blaine
e me fareis as considerações que vos ocorrerem.45

Uma aliança com os norte-americanos já estava na mira do Governo Republicano

desde os primeiros fogos de comemoração do novo regime, algo que começou efetivamente a

ser ensaiado com a atuação dos primeiros diplomatas envolvidos nesse âmbito. O tratado de

comércio aludido no ofício, que pretendia vincular politicamente o Brasil aos EUA garantindo

auxílios, é o Convênio Aduaneiro realizado entre o Governo Provisório brasileiro e os Estados

Unidos em 1891. Este foi um tratado de reciprocidade comercial que teve seu incentivo já na I

Conferência Pan-americana. De fato, o novo momento político interno norte-americano, em

desenvolvimento após o fim da guerra civil da década de 1860, refletiu-se na atuação externa

do Estado na busca por novas áreas de expansão comercial e política que acabaram

desaguando na América Latina.

No que concerne ao Brasil, era há algum tempo notório o fato de que a balança

comercial com os EUA tinha um forte desequilíbrio em seu favor46 e, de um lado por pressão

norte-americana - exemplificada tanto no caráter essencialmente comercial do programa da

Conferência de Washington47, quanto nas condições impostas por Blaine para o incremento de

relações entre o Brasil e os EUA, visto no ofício de Bocaiúva - e de outro lado por conta da

disposição de Mendonça, seguindo o espírito republicano, que via nas boas relações

45
Apud AZEVEDO, 1971, p. 291.
46
De fato o Brasil vendia para os Estados Unidos e comprava basicamente da Inglaterra, da onde recebia
também investimento de capital. Em 1902 os EUA exportaram para o Brasil 14 milhões de dólares, enquanto
importaram 65 milhões (Apud BURNS, 2003, p. 84). Se a intenção do Itamaraty era manter esta situação, os
EUA buscavam revertê-la a partir da celebração de convênios bilaterais que fornecessem preferências tarifárias.
47
PINO, 1999, p. 102-103.

30
31

comerciais motivos para a amizade entre nações48, atuou-se no sentido de amenizar essa

desproporção.

O Convênio Aduaneiro de 1891

O convênio permitiu que, a partir de 1º de abril de 1891, uma série de produtos norte-

americanos fossem isentos de impostos e mais uma série deles49 tivesse redução de 25% nas

taxas alfandegárias. Do lado norte-americano foi concedida a entrada livre de impostos do

açúcar brasileiro e do couro, bem como a continuação da isenção do café. Para o Brasil, o que

chamava a atenção no texto eram os benefícios concernentes ao açúcar brasileiro, já que o

incentivo fiscal poderia fazer decolar a indústria nordestina. Imaginava-se que, respondendo

ao estímulo externo, esta agroindústria poderia, enquanto o tratado durasse, obter uma

produção a baixo custo que suprisse o mercado norte-americano, de tal modo que, mesmo

com o término dos privilégios alfandegários, a região fornecesse produto a preço competitivo.

O convênio, no entanto, foi cercado de controvérsias no Legislativo, no Ministério da

Fazenda e repercutiu por anos na opinião pública. As maiores críticas eram que o Tratado não

teria concedido ao Brasil o privilégio de fornecimento de açúcar ao mercado norte-americano

e as facilidades alfandegárias fornecidas poderiam ser estendidas a outros países. Tais

preocupações tomaram concretude quando os Estados Unidos, após terem ratificado o tratado

em fevereiro de 1891, estenderam à Espanha os mesmos direitos sobre o açúcar em maio,

incentivando a produção das colônias de Porto Rico e Cuba50. O frete destas regiões era muito

menor que o do Brasil, o que barateava muito o produto e colocava a indústria nordestina fora

da concorrência.

48
Cf. BUENO, 1995, p. 119.
49
Para uma lista detalhada dos produtos com isenção e redução de impostos ver AZEVEDO, 1971, p.159.
50
Cf. PRADO, 1980, p. 149.

31
32

O Congresso Nacional Constituinte havia pedido que o Governo Provisório não

assinasse “(...) tratado algum internacional sem a cláusula de referenda do poder legislativo”,

Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, se demitira do cargo dias antes da assinatura do Convênio

e Eduardo Prado, monarquista ferrenho, continuava, após alguns anos, a insuflar a opinião

pública contra o Tratado e a aproximação com os Estados Unidos ao escrever no seu libelo, A

Ilusão Americana de 1893, que o Brasil havia sido “ludibriado pela esperteza americana”,

ainda que ninguém tivesse esquecido dos “importantíssimos depoimentos em que a grande

maioria dos negociantes, dos industriais e dos financeiros do Brasil, escritas em cartas ao

Jornal do Comércio, se manifestaram, em quase unanimidade, contra o desastroso tratado (...)

Eis aí mais um benefício que recebemos dos Estados Unidos”51. De fato, o Governo abrira

mão de parte importante da sua receita relativa aos impostos alfandegários, especialmente

pela isenção da farinha de trigo, além de ter agido de forma um tanto arbitrária na questão.

Toda esta pressão caiu sobre Salvador de Mendonça, que se viu obrigado pelo próprio

Governo a buscar uma alternativa que atendesse também os interesses do açúcar brasileiro o

que, em caso de recusa, tornaria o convênio insustentável. Ele, no entanto, relutava em tomar

tal atitude por entender que poderia haver conseqüências indiretas que prejudicariam o Brasil.

Temia que a denúncia do convênio pudesse criar algum mal-estar na questão do litígio de

Palmas (ou Missões) que se desenrolava entre o Brasil e a Argentina, tendo como árbitro o

presidente Cleveland dos Estados Unidos. O imbróglio que causaria a questão aduaneira

poderia se reverter de forma negativa na decisão arbitral52. Da mesma forma pensou Bocaiúva

quando decidiu adiar a negociação do tratado de aliança planejada para não causar

desconforto ao presidente norte-americano.

Assim, um problema que antes não existia, agora se impunha como uma questão que

esboçava difícil solução e só veio a se resolver por iniciativa do próprio Governo dos Estados

51
PRADO, 1980, p. 150-152.

32
33

Unidos em 1894, quando o presidente Cleveland decidiu revogar o convênio alegando não ser

vantajoso para os Estados Unidos. A verdade é que o Congresso norte-americano,

protecionista que era, não seguia as diretrizes do Secretário de Estado de buscar um

estreitamento de relações com os países latino-americanos tendo por custo a diminuição da

proteção dos produtores internos.

De qualquer forma, para Mendonça, por todo o período em que vigorou, o Convênio

funcionou como desejado. Mesmo que se pudesse objetar que houve problemas na disposição

de algumas cláusulas que trouxeram prejuízos financeiros ao Brasil, o evento que ocorrera em

1893-4 tranqüilizara Mendonça a respeito da sua importância que, para o diplomata, era

particularmente política e não comercial53. Se ele havia conseguido espremer na negociação

benefícios para o açúcar brasileiro, no intuito de que o Tratado fosse mais bem aceito pela

aristocracia industrial, o malogro deste ponto não deveria ser encarado como um problema de

essência. Isso lhe havia ficado claro à época da Revolta da Armada iniciada pelo próprio

Ministro da Marinha o almirante Custódio José de Melo e continuada com a liderança de

outro almirante, Luís Felipe Saldanha da Gama, que ameaçou gravemente a situação política

do país.

A sublevação foi a resultante de dois grupos de conflito: um entre a face política das

forças Armadas, que era a ditadura militar, e a sociedade civil e o segundo, entre as próprias

Forças Armadas da Marinha e do Exército. O primeiro se agravava pela falta de organização

partidária em nível nacional e na indefinição das regras para rotatividade do poder,

evidenciadas na queda de Deodoro e na organização forçada do Congresso Constituinte. O

segundo grupo de conflitos tinha raízes históricas, como a diferenciação social das armas e a

formação da oficialidade, ambos fatores exponenciados pela instabilidade interna.

52
Cf. BUENO, 1995, p. 132-133.
53
Ibid., p. 120.

33
34

A revolta da Armada é um episódio da história brasileira que coloca a desnudo como a

fragilidade das instituições, no início do novo regime, precipitou a instauração da

preponderância norte-americana sobre a 1ª República brasileira de forma a garantir uma área

de influência não só econômica, mas também política.54 Tal evento ganha particular

relevância para nosso estudo uma vez que Nabuco fez a análise do episódio no seu livro “A

intervenção estrangeira durante a Revolta da Armada” dando indicações sobre seu

posicionamento a respeito de temas importantes.

A Revolta da Armada e a intervenção norte-americana

Em princípio de setembro de 1893 a cidade do Rio de Janeiro e o Governo legal se

encontravam “completamente à mercê dos canhões da esquadra revoltada” 55. Estando sem

meios de proteção política e bélica, a opção escolhida pelo Marechal de Ferro foi a abdicação

da soberania pela solicitação da intervenção das beles estrangeiras que se encontravam na

Baía de Guanabara. Obteve-a em outubro, após apelar ao apoio moral dos estrangeiros no

sentido de evitar o bombardeamento da cidade e os prejuízos ao comércio, à propriedade e

vida dos estrangeiros que residiam na cidade56. No início houve resistência ao auxílio, mas

com o apoio inglês à intervenção, somente a Alemanha se recusou, por entender que não era

digno entrar em questão tão doméstica.

Assim, estabeleceu-se o acordo de 5 de Outubro. Os comandantes inglês, italiano e

americano intimaram, através de nota, Custódio de Melo no sentido de não bombardear a

cidade do Rio de Janeiro sob pena de uso da força57 e, ao mesmo tempo, solicitaram ao

Marechal, através de seus representantes diplomáticos, que se desfizesse de qualquer bateria

54
BUENO, 1995, p. 155; BANDEIRA, 1973.
55
NABUCO, 1990, p. 57.
56
Cf. NABUCO, 1990, p. 58.
57
Ibid., p. 64.

34
35

de terra que houvesse colocado para tentar proteger a cidade, bem como não tentasse colocar

mais nenhuma, pois além de as julgarem úteis, a situação de cidade indefesa seria utilizada

para conter o bombardeamento. Informaram ainda que todos estes atos, ao contrário de

quererem imiscuir nos negócios do Brasil, eram baseados “nos interesses superiores da

humanidade”58.

Instalava-se assim a primeira fase da intervenção estrangeira que tinha caráter de

mediação entre as partes, denominada pelos comandantes estrangeiros de l´entente du 5

octobre59. Não era, no entanto, o que o Governo queria. Acreditava-se que as potências

retirariam os meios de ação dos revoltosos e não do Governo legal, mas, de fato, o precedente

que seria aberto com tal conduta, os estrangeiros sabiam, seria funesto, já que a coerência

indicava que no momento em que uma nação não tem mais poder para assegurar sua

segurança frente a revoltosos é hora de fazer concessões às reivindicações. Mas o pensamento

do Marechal estava muito longe de aventar essa desistência e, enquanto o conflito estancava

neste impasse, descumprindo o acordo estipulado, ele fortalecia suas posições bélicas em terra

e fazia movimentos diplomáticos no sentido de tanto obter uma armada que pudesse combater

os revoltosos quanto buscava garantir, caso fosse necessário, a intervenção norte-americana

no evento. Salvador de Mendonça foi o grande arquiteto tanto da organização da armada

legal60 como também o aglutinador do governo norte-americano em torno da causa legal no

sentido de garantir sua influência no evento caso surgisse necessidade61. E essa necessidade

logo se mostraria, pois não tendo o governo republicano notadamente honrado o acordo de 5

de outubro, decidiram os comandantes estrangeiros a 2 de janeiro de 1894 se desobrigarem de

garantir a mediação da situação, deixando uma vez mais a cidade à sua própria sorte. Ainda

que não tanto à sorte, já que a sua defesa estava quase completa com os morros todos

58
Ibid., p. 69.
59
Ibid., p. 80.
60
AZEVEDO, 1971, p.239-265.

35
36

artilhados, os navios dos revoltosos quase imprestáveis pela falta de manutenção, as munições

praticamente acabadas, o moral da revolta desfeita e a esquadra legal próxima.62 Na verdade,

a intervenção tinha produzido o seu efeito: por uma lado, tinha desgastado, dia por dia, os
elementos ativos e destruído o moral da esquadra; por outro, tinha deixado completar-se, por
trás dos sacos de areia e das notas diplomáticas, a fortificação da cidade e dado tempo ao
Governo para organizar uma esquadrilha, ainda que improvisada, suficiente para dar combate
aos navios desmantelados de que a revolta dispunha no porto63

Nesse momento em que a revolta começa a agonizar vem o golpe de misericórdia. O

Almirante norte-americano Benham decide, seguindo ordens de Washington, furar o bloqueio

dos insurgentes ameaçando de forma contundente afundar os navios que lhe barrassem.

Nenhuma outra nação estrangeira havia tido tal atitude agressiva até então e os revoltosos

imaginaram que ela se devia às informações dadas oficialmente para as autoridades norte-

americanas, de que se buscava a restauração da monarquia no Brasil. De fato, se a nota de

assunção, por Saldanha da Gama, do comando das forças insurgentes abona inteiramente esta

interpretação64, há de se notar dois outros pontos: primeiramente o observador estrangeiro via

um país convulsionado pelo avanço dos federalistas do sul, os ataques ressentidos dos

monarquistas ao novo regime, a ditadura militar e o caos financeiro que se seguiu à reforma

de Rui Barbosa. A imagem era típica dos problemáticos países hispano-americanos e ter a

maior República do continente sul neste estado de coisas, era evidentemente contrário aos

interesses norte-americanos. Interesses estes, e aí vem o segundo ponto, que tinham forte

caráter econômico e não uma preferência determinante por um ou outro regime político65 .

61
AZEVEDO, 1971, p. 269-276; RODRIGUES, 1995, p. 220.
62
Cf. NABUCO, 1990, p. 99.
63
NABUCO, 1990, p. 109.
64
BUENO, 1995, p. 159.
65
Cf. BUENO, 1995, p. 189-190.

36
37

Alguns chegam a afirmar que foi somente no momento em que Saldanha da Gama proibiu o

desembarque de mercadorias no porto do Rio de Janeiro que se deu a decisão norte-americana

de apoiar o Governo de Floriano e furar o bloqueio naval dos rebeldes66.

Então, existindo uma preocupação com uma organização política estável, o motivo

central era não haver grandes mudanças no caminho do comércio entre os dois países e, dessa

forma, era essencial que se acabasse o conflito reconhecidamente do lado vencedor. Isso

ajudou na ação de Salvador de Mendonça já que ele conseguiu captar este espírito e

transcrevê-lo de forma a alertar e direcionar o governo norte-americano através do Secretário

de Estado Gresham para precipitar uma ação favorável ao governo já instituído. Propôs em

termos diplomáticos que os próprios Estados Unidos fizessem um vencedor do conflito, pois

estariam inevitavelmente do lado dos que os interessavam. Assim se deu a venda de

encouraçados norte-americanos ao Brasil e assim se deu a intervenção do almirante Benham,

estando, desde este último momento, acabada a revolta.67

Esse golpe de misericórdia traria os louros da vitória para a ação norte-americana na

Baía de Guanabara. Ainda que o foco revoltoso já estivesse sob controle no momento da

intervenção norte-americana, já que a artilharia de terra e a esquadra legal estavam

organizadas, e o acordo que possibilitou isso tivesse sido encabeçado pela Inglaterra, a ação

bélica norte-americana a favor do Governo de Floriano quando todas as outras potências

européias haviam se esquivado de qualquer outra responsabilidade para com ele, acabaram

por dar todos os créditos pela manutenção e vitória do regime aos Estados Unidos, vinculando

ainda mais o Brasil a esse país. Nabuco, nas suas conclusões, culpa especialmente o Marechal

e não as potências envolvidas pela situação ultrajante em que se encontrou a soberania

nacional neste episódio. Foi o governo que recorreu e justificou a intervenção considerando-a

66
BANDEIRA, 1973, p. 143. A frase do Contra-Almirante Benham a bordo do San Francisco: “Meu dever é
proteger os americanos e o comércio americano e isto tenciono fazer da maneira mais ampla” (Apud
BANDEIRA, 1973, p. 143) é particularmente ilustrativa a este respeito.

37
38

legítima para a defesa dos interesses estrangeiros (ou dos “interesses superiores da

humanidade”) na cidade do Rio de Janeiro, algo contrário a qualquer coerência internacional

do momento68. O pensamento das potências interventoras nunca teria sido o de sustentar o

governo provisório e sim proteger os seus interesses, mas seu equívoco foi não tratar a

questão de maneira imparcial, reconhecendo a beligerância dos revoltados quando obrigaram

o acordo de 5 de outubro69. Assim, o que fizeram foi parcializar o conflito a favor da

autoridade legal. Para Nabuco a diplomacia “provisória” havia dado um precedente nacional

funesto para a nação brasileira que poderia, no futuro, ser cobrado.

É por todos os eventos descritos que compõem um quadro sempre marcado por um

nacionalismo ambíguo, que anos mais tarde, já condenado ao ostracismo político70, Salvador

de Mendonça reivindica o pioneirismo no estreitamente das relações com os Estados Unidos e

critica a orientação imprimida por Rio Branco, ao qual nunca negou farpas e antipatia, a

considerando de sujeição nacional. Nesse sentido dirá com mágoa que:

Quando, pois, o barão do Rio Branco mandou o Sr. Joaquim Nabuco descobrir a América do
Norte, ela já estava descoberta, medida e demarcada.71

Salvador de Mendonça foi substituído por Assis Brasil na chefia da legação do Brasil

em Washington e modificou o tom do relacionamento. Talvez para contrabalançar o forte

norte-americanismo de Mendonça ele buscou interpretar as situações mais pragmaticamente.

Elaborou um plano de ação que tinha como eixo central a importação tecnológica. Apesar da

consciência que tinha sobre os perigos imperialistas que podiam se apresentar, Assis Brasil, já

67
Cf. NABUCO, 1990, p. 134.
68
Ibid., p.144. Nabuco dirá ainda em relação a responsabilidade do governo: “Eu não contesto que o Marechal
Floriano tivesse o direito de defender a sua autoridade; não tinha, porém, o direito de apelar para o estrangeiro;
nem de recorrer ao terror e à tirania” (NABUCO, 1990, p.170).
69
Ibid., p.146.
70
Para detalhes sobre a exoneração de Salvador de Mendonça ver MENDONÇA, 1960, p. 188-212.

38
39

em 1898, tentava investir em uma troca de experiências especialmente no que concerne à

agricultura, ponto no qual os Estados Unidos eram reconhecidamente o país mais

desenvolvido do mundo. Da mesma forma, entendendo a importância de um relacionamento

estreito do Brasil com este país, sugeria que tanto se reformasse e ampliasse a legação, quanto

se formasse um quadro de especialistas residentes que pudessem informar sobre questões

essenciais, como os desenvolvimentos militares e industriais. Joaquim Nabuco admirava a

postura do diplomata e o reconhecia como um igual no trato das questões americanas, apesar

das diferenças ideológicas que os distanciaram na época imperial e no início da república. É

nesse sentido que, quando embaixador em Washington, diz ao próprio que

É V.Ex. que eu quisera ver à frente da política Americana (...) Com o seu prestígio de
semeador da República a mocidade receberia bem de suas mãos essa nova semente, que
completaria a nossa cultura democrática (...) Eu não vejo quem possa ocupar politicamente
este posto senão V.Ex., quando outro embaixador tiver que ser nomeado.72

É dentro desta trilha de relacionamento, mais ou menos ideológico, mais ou menos

cauteloso, que Rio Branco, atuando pela experiência ganha em anos de serviço diplomático e

nos parâmetros de sua essência conservadora e monarquista, trará atualizações a estes

direcionamentos republicanos que se tornarão base para gerações posteriores.

1.2 - POLÍTICA DE RIO BRANCO EM RELAÇÃO AOS EUA

71
MENDONÇA, 1913, p. 147-8.
72
Carta confidencial de Joaquim Nabuco a Assis Brasil, 29/10/1908 (FUNDAJ).

39
40

Podemos dizer que a embaixada brasileira em Washington, de 1905, é a materialidade

da aproximação que Rio Branco buscou ter com os Estados Unidos. É nesse sentido que ela

simboliza não a mudança do eixo diplomático brasileiro de Londres, mas a aceitação de um

novo pólo de poder mundial que necessitava atenção especial.

Política interna e externa dos EUA

De fato, os Estados Unidos haviam ganhado no início do século XX uma importância

no cenário mundial e continental sem precedentes. Por essa época eles já podiam ser definidos

como o primeiro país industrial e manufatureiro do mundo73. Após a guerra civil da década de

60 o país iniciou um forte desenvolvimento econômico estimulado pela aplicação das

tecnologias geradas pela segunda revolução industrial (transporte, indústria, construção,

comunicação, agricultura), pela exploração de novas reservas de energia, pelo enorme

crescimento da mão-de-obra incentivado pela imigração, por um forte protecionismo e pela

eliminação da grande dicotomia regional, motivo de controvérsias políticas inconciliáveis,

que era a escravidão. Os Estados Unidos, com um mercado interno incomparável, teve a

possibilidade de realizar praticamente um crescimento auto-sustentável. Assim, tendo o

comércio exterior um papel pequeno no crescimento econômico74, o país pôde, num primeiro

momento, não se envolver em conflitos internacionais por áreas de expansão comercial, o que

só ocorreu nos últimos anos do século XIX quando já tinham um poder razoável para lhes

fazer guarda. A ausência de perigos estrangeiros significativos, o fluxo de capital externo e o

investimento interno transformaram o país em um colosso inimaginável há algumas décadas

atrás75.

73
MORISON & COMMAGER, s/d., p. 275.
74
KENNEDY, 1989, p.237.
75
Ibid., p. 236.

40
41

No início do século XX era coerente estabelecer uma comparação do poder potencial

entre as nações a partir da sua produção de ferro e aço76, e, por exemplo, nesses termos, os

Estados Unidos era uma nação extremamente poderosa. Por volta de 1890 eles já haviam

passado a Grã-Bretanha na produção de ferro e pelo ano de 1900 produziam mais aço do que

a Grã-Bretanha e a Alemanha juntas77. Mas se hoje esse não é um bom indicador para mostrar

a grandeza de uma nação, então podemos levantar outros dados mais significativos tais como

que os Estados Unidos, por volta de 1914, tinha mais que o triplo da renda nacional que a

Grã-Bretanha, mais que o dobro de sua população e a sua renda per capita era superior em

cerca de 35%78.

Nesses quarenta anos finais do século XIX, que foram de reconstrução e expansão da

nação, a política interna dos Estados Unidos sofreu pressões variadas que moldaram o

caminho seguido nas primeiras décadas do século XX com o chamado movimento

progressista. Reeditou-se nessa época de maneira mais incisiva o clássico debate entre

Hamilton e Jefferson ou entre o agrarismo e o industrialismo. Se durante mais de cem anos os

Estados Unidos caminharam no rumo de uma nação governada pelos que controlavam a

prosperidade do país79, ou seja, os industriais do leste norte-americano, a comunidade agrícola

do sul e centro-oeste reivindicava, após ser praticamente arrasada pela guerra civil e pelas

consecutivas depressões de preços dos produtos primários em todo mundo advindas das altas

taxas de produção nas décadas de 1870 a 1890, uma parcela desse poder para sua proteção,

subsídio e assistência. A proposta geral era contrabalançar o laissez-faire80 baseado no

darwinismo social81 que imperava em todos os níveis da política interna.

76
Na época o poder de um país era estimado a partir da sua produção industrial de materiais que poderiam ser
utilizados na industria bélica.
77
MORRISON & COMMAGER, s/d., p. 283.
78
Cf. KENNEDY, 1989, p. 237.
79
MORRISON & COMMAGER, s/d, p.275.
80
A expressão francesa significa a não intervenção do Estado na vida dos seus cidadãos, especialmente no que
diz respeito às questões econômicas. Já que o mercado se auto-regularia, qualquer ação estatal traria
conseqüências imprevisíveis e possivelmente maléficas.

41
42

Iniciou-se assim uma revisão da situação em que se encontravam os EUA depois de

décadas de desenvolvimento desenfreado. As conseqüências do crescimento foram uma forte

concentração da renda, uma grande população analfabeta, a multiplicação e amplitude das

doenças que ceifavam centenas de milhares de vidas todos os anos, os acidentes de trabalho

que deixavam mulheres, crianças e homens inválidos, a corrupção descontrolada que, presente

na política e na justiça, distanciava-se em muito do ideal decoroso pregado pelos fundadores

da república, a desigualdade de tratamento social referente às diferenças de classes, o

reconhecimento das depressões econômicas e do desemprego como males crônicos e,

finalmente, a vinculação cada vez maior entre riqueza e poder político.

O progessismo pode ser visto como um movimento rebelde e descentralizado. Nascido

com a revolta agrária das décadas de 70 a 90 ele acabou se expandindo de maneira difusa e

autônoma para outros setores sociais, mobilizando legisladores, intelectuais e economistas,

criando partidos82, iniciando movimentos civis83 e até mesmo repensando as bases religiosas

do protestantismo norte-americano para uma versão intitulada “evangelho social”84 ou

“cristianismo social”. Essa onda reestruturou, nas poucas décadas que sobravam até a

Primeira Guerra, a legislação vigente sobre as diversas áreas estratégicas estatais como

De fato, as consecutivas depressões que ocorreram num movimento global, não restrito aos Estados Unidos,
foram os últimos suspiros do liberalismo econômico, ao menos em relação ao comércio de matérias primas
(HOBSBAWM, 1998, p.63).
81
Cf. LINK, 1965, p.37-42. De forma geral essa foi uma criação de Herbert Spencer, filosofo político inglês,
que, baseado nas teorias biológicas de Darwin, procurou estruturar um mesmo sistema de sobrevivência do mais
capacitado e da evolução de organismos mais simples para os mais complexos na sociedade humana. Esse
darwinismo social tinha grande popularidade nas classes oligárquicas industriais norte-americanas nos finais do
século XIX, pelo fato de que legitimava tanto a dominação quanto a ação pessoal rumo ao auto-aperfeiçoamento
e poder. Isso abonava o laissez-faire se colocando absolutamente contra a ação estatal para remediar problemas
sociais.
82
O maior exemplo é a criação do Partido Populista em 1892 para tentar obter algum tipo de controle do âmbito
federal da União.
83
Grupos denominados “granjeiros” fundiram-se em poderosos grupos civis de reivindicação donde se destacam
a Northwestern Alliance, a Southern Alliance e a Colored Alliance; testemunhou-se também a organização de
movimentos de caridade em torno de conferências nacionais e da criação de órgãos municipais; caminhou-se no
sentido da proteção das crianças e das mulheres, o que veio a culminar na emenda décima nona (1920) com o
sufrágio feminino.
84
Basicamente esse movimento religioso se baseou em três premissas: a convicção de que Deus atua através das
instituições humanas; a crença em Deus como Pai e na irmandade de todos os homens; a convicção de que o

42
43

transportes, comunicação, imigração, propriedade e finanças, bem como as áreas sociais e

político-administrativas. A classe média norte-americana era a grande incentivadora desse

movimento que nunca chegou a ter forte apelo no operariado ou nas classes pobres e as

cidades, ao se tornarem os pontos de partida óbvios para a organização de uma nova máquina

administrativa mais sólida, transformou-se nos melhores parâmetros e laboratórios para as

experiências dos reformistas. Fica claro que de revolta agrária, o progressismo acabou

ganhando um caráter essencialmente urbano e muito mais amplo, tendo como motivações

básicas para as críticas ao status quo, em um momento de grande desenvolvimento nacional, o

medo da classe tradicional e média de ficar comprimidas entre os novos ricos advindos do

crescimento e a classe pobre85.

Nessa cruzada, a questão moral ganhou um papel importante86. Isso se explica por

vários fatores, mas especialmente pela grande confusão que gerou o rápido desenvolvimento

das cidades, do comércio e da produção em um país que continha uma religiosidade

protestante tradicional. A idéia geral é que em uma sociedade basicamente agrária a aplicação

de uma moral social é de mais fácil identificação e punição, já que os delitos são pessoais e

normalmente particulares, girando em torno da violação de algum dos Dez Mandamentos. Já

em uma sociedade industrial e urbana, mais complexa e interdependente, esses códigos

tradicionais necessitavam de uma reestruturação que comportasse os novos “pecados sociais”.

A sociedade podia ser agredida de muitas novas maneiras87 e poucas delas se enquadravam no

antigo padrão moral. Esses novos pecados eram impessoais e sem intenção ou premeditação.

Dessa forma, não havia culpa, o que se explica em grande parte na existência da engenharia

Reino de Deus é o presente e é dever da igreja melhorar esse Reino (C.f. LINK, 1965, p.71-72). No mesmo bojo
dava-se uma atenção especial às prisões, à reforma penal e uma verdadeira guerra contra o álcool.
85
Cf. LINK, 1965, p.121-122.
86
Cf. MORRISON & COMMAGER, s/d, p.475.
87
“A manufatura e venda de alimentos impuros, de drogas perigosas, de leite deteriorado, de brinquedos
venenosos, podiam produzir a morte e a doença, mas nenhum dos envolvidos no processo – retalhistas,
atacadistas, fabricantes, propagandistas, diretores de corporações ou acionistas – compreendia que era culpado
de assassínio” (MORRISON & COMMAGER, s/d, p.477).

43
44

da corporação que, por essência, é uma pessoa com características jurídicas e não morais. Era

necessário incutir nos cidadãos as novas responsabilidades que carregavam por seus atos.

Assim, “a impersonalidade do “pecado social”, a difusão da responsabilidade, representavam

talvez o problema mais grave que os reformadores tinham a enfrentar” 88.

A época que marca o auge desses movimentos é também a época de nomes essenciais

da política interna e externa norte-americana, definidos como “muckrakers”89, como

Roosevelt90, Bryan e Wilson. Roosevelt, presidente norte-americano (1901-1909) em

praticamente todo o tempo em que Nabuco atuou na embaixada, era um moralista e encarou

grande parte dos problemas de sua administração como questões morais. Era radical e

oportunista em suas posições políticas que transpiravam tanto convicções, quanto

preconceitos irredutíveis. Sempre procurou ser prático nos seus métodos e é nesse sentido que

atuou e proclamou um nacionalismo militarista. Republicano fiel, progressista praticante e

uma figura aclamada publicamente, Roosevelt agiu de maneira forte nas duas frentes da

política nacional, interna e externamente. Internamente ele seguiu os ditames do movimento

reformador no qual estava envolvido desde sua época como Governador de Nova York,

externamente, que é o que mais nos importa aqui, trabalhou numa nova perspectiva, deu

consistência a um novo tipo de relacionamento com o continente americano que oscilaria

entre repulsa e aproximação. Especialmente a presidência de Roosevelt, mas igualmente a de

McKinley (1898-1901), representaram uma reestruturação do poder Executivo norte-

americano. Buscou-se dar uma maior importância às questões externas, bem como garantir

uma maior força ao poder Executivo em relação ao Legislativo91.

88
MORRISON & COMMAGER, s/d, p.478.
89
Esse nome, que significava “raspadores de esterco”, denotava o sentido de limpeza que esses homens
apregoavam dar à administração pública.
90
Theodore Roosevelt era reconhecido como progressista, antes mesmo de se tornar presidente em 1901, por
causa das suas ações políticas em pró do “trust-busting”, a regulamentação ferroviária, o “square deal” para o
trabalho e esforços similares para a solução de problemas da revolução industrial (MORRISON &
COMMAGER, s/d, p.478).
91
Cf. PECEQUILO, 2003, p.73-74.

44
45

O movimento doméstico de reforma social que tinha como princípio norteador a

centralização do poder nas mãos de um governo forte, a extensão da regulamentação ou

controle sobre a vida social e econômica do país e o resgate de uma moral reeditada para os

tempos modernos, junto com o grande desenvolvimento econômico que acarretou largos

excedentes de produção, acabou dando expressão a uma motivação imperialista norte-

americana baseada no sentimento renovado de Destino Manifesto. Esse sentimento se traduzia

na percepção de que os Estados Unidos tinham como missão expandir suas fronteiras

(políticas e econômicas) até onde fosse possível, já que a expansão transformou-se em

sinônimo de prosperidade nacional. Tinha-se a convicção de que o equilíbrio econômico viria

a partir da abertura de mercados externos e garantia de zonas de influência.

Essas ideologias trabalharam em duas frentes: a continental e a mundial, sempre

incentivada pelos estudiosos com os argumentos científicos, pelos comerciantes mirando os

proveitos financeiros, pelos políticos proclamando honra e glória nacional. Também a opinião

pública, insuflada pela imprensa, convocava o governo a assumir novas responsabilidades. É

possível dizer que o crescimento do poder internacional norte-americano foi a tentativa de

colocá-lo em consonância com o crescimento de recursos potenciais de poder acumulados

durante todo o século XIX. Essa postura internacional norte-americana mais agressiva

caminhava na mesma direção do novo fôlego dos movimentos imperialistas europeus

direcionados pela busca de mercados consumidores de produtos manufaturados e mercados

fornecedores de matéria prima na Ásia e na África. Essa ação coincidia com uma mudança no

equilíbrio e na estrutura de poder do sistema internacional a partir do declínio relativo da

preponderância britânica e a ascensão alemã e japonesa. Os movimentos imperialistas

incentivados também por esses novos atores centravam sua expansão no rumo dos países

periféricos, da mesma forma que havia ocorrido no primeiro levante de colonização no século

45
46

XVI92. Enfrentava-se assim um novo momento de luta por zonas de influência em todo o

mundo.

Os Estados Unidos inauguraram no ano de 1898, com uma guerra contra a Espanha, o

seu ativismo no sistema internacional e, em especial no hemisfério americano. Na verdade

esse ativismo já havia sido precedido por duas iniciativas importantes: a Doutrina Monroe de

1823 e a I Conferência Internacional Americana de 1889. Esses dois episódios delineiam já os

temas básicos e permanentes que fariam parte da agenda do relacionamento continental norte-

americano. Alguns autores93 apontam que apesar de maneira geral complementares, já que

ambos tratavam de temas políticos, estratégicos e econômicos, de fato, essas ações de política

externa eram contraditórias na estrutura que propunham para o continente. A Doutrina

Monroe seria uma política unilateral reservada à aceitação da intervenção norte-americana na

área do Caribe, enquanto que o pan-americanismo, incentivado na conferência de Washington

de 1889, pregava uma idéia de cooperação e igualdade entre as nações americanas.

Há, na verdade, que se fazer certa ressalva a essa contradição. A Doutrina Monroe foi,

na prática, unilateral. Isso se deveu em grande parte ao poder desigual entre os Estados

Unidos e as outras nações centro e sul-americanas. Não havia outra nação capaz de se colocar

frente aos interesses europeus que não os norte-americanos e eles o fizeram tomando o papel

de lideres do hemisfério. Com isso, vários países entenderam a Doutrina Monroe como uma

política de defesa comum, porém encabeçada pelos Estados Unidos já que estes detinham

maior poder e, por conseguinte, responsabilidade. De fato, nunca houve qualquer

recolonização de um país americano por uma potência européia desde a doutrina Monroe e,

apesar de existirem outros motivos para isso ter acontecido, essa política não deve ser

descartada. O pan-americanismo, ao contrário, tinha a retórica da cooperação por parte dos

92
A Grã-Bretanha se expandia novamente como reação à ação francesa na África, a inquietação Alemã na
reivindicação por colônias e os inícios da retaliação da China pelo Japão.
93
ATKINS, 1991, p. 161; PECCEQUILO, 2003, p. 63.

46
47

Estados Unidos, mas era percebido muitas vezes como uma política exclusiva de interesses

norte-americanos no sentido de buscar o incremento do comércio com a abertura de novos

mercados consumidores, avançar a sua área de influência ou exercer seu imperialismo.

Assim, essas políticas, que sempre tiveram como foco o interesse nacional norte-

americano, acabaram trazendo também benefícios gerais para o continente e benefícios

particulares para certos países. Mas não se deve perder de vista que o pano de fundo de todas

essas ações era ver garantida uma zona de influência na América Latina e o caso da guerra

hispano-americana dá uma visão mais nítida, trabalhando como uma propaganda

internacional, desse objetivo. Atkins afirma, com propriedade, que os objetivos de longo

prazo com relação à América Latina são: a exclusão de influências exteriores e a promoção da

estabilidade na região, o que seria pressuposto da segurança nacional94. Toda a ação norte-

americana baseada na Doutrina Monroe, a tomada do canal do Panamá, as intervenções em

Cuba, Porto Rico e etc., a política externa de Roosevelt, seguiram essa lógica.

Apoiado pela opinião pública95, McKinley inicia a guerra contra a Espanha, à época

uma monarquia decrépita, pela libertação colonial de Cuba e Porto Rico. A vitória tranqüila

trouxe grandes benefícios para o prestígio político internacional dos Estados Unidos, que

ganharam o cartão de acesso aos negócios mundiais, ainda que tenham gerado problemas

graves de responsabilidade para com esses países recém-libertados. De qualquer forma essa

guerra e o conseqüente controle da ex-colônia de Cuba tornam palpáveis as proposições de

Atkins sobre os objetivos de longo prazo da política externa norte-americana. Nesse evento os

EUA diminuíram a presença européia no continente e direcionaram a estabilização da zona

caribenha.

94
ATKINS, 1991, p.164.
95
MORRISON & COMMAGER, s/d., p. 449 e 454.

47
48

Tendo feito a primeira investida na América, a expansão norte-americana se deu sobre

as ilhas do Pacífico. Aí a única colônia oficial norte-americana foi as Filipinas, mas há de se

notar que diferentemente dos países europeus, que estabeleciam todo um governo na

possessão, exercendo controle e administração, os EUA, por razões históricas96, econômicas e

estratégicas quase nunca incorporavam terras evitando a formalização do seu domínio97. A

Open Door Policy praticada China, proclamada em 1899 pelo secretário de Estado John Hay,

ao mesmo tempo em que repudiava uma possível partilha desse país, afirmava que os

negócios norte-americanos deveriam ter igualdade de condições, mesmo naquelas ocupadas

por outros países98. Assim, aplicava-se a mesma política de expansão e estabilidade doméstica

adotada na América, mas num outro tom, menos agressivo ainda que tão eficiente quanto.

Essas ações tendiam a internacionalizar a economia norte-americana, sem envolver o país em

agressões bélicas contra outras potências.

A literatura mostra que a Europa tendia cada vez mais a reconhecer os Estados Unidos

como um novo poder internacional atuando, ainda timidamente, por todo o globo. Talvez o

episódio mais significativo que demonstra o reconhecimento europeu da preponderância

norte-americana especialmente no hemisfério americano foi a intervenção na Venezuela. Em

1902, a Inglaterra e a Alemanha, junto com outros países europeus, decidiram que cobrariam

a dívida pública do Presidente Cipriano Castro da Venezuela na base da bala de canhão,

realizando o bloqueio naval de Valparaíso. Porém, antes da ação militar os governos de

Londres e Berlim se certificaram da neutralidade dos Estados Unidos na questão99. Mas o fato

é que, se a preocupação dos Estados Unidos não era com a cobrança de dívidas, mas com a

presença européia em território americano, qualquer precedente desse tipo poderia, em médio

96
Como já haviam sido colônia e lutado contra as práticas imperiais européias, seria um contra-senso agir da
mesma forma que esses seus rivais. Além disso, o mito do Estado mantenedor da paz e da liberdade, promotor da
democracia, tão forte nos Estados Unidos dessa época, não encontrava respaldo no imperialismo clássico.
97
PECEQUILO, 2003, p.80.
98
Ibid., p.83.
99
STUART, 1989, p. 74.

48
49

prazo, incentivar outras ações de ingerência no continente. Assim, quando em 1904 ameaçou-

se novamente a cobrança de dívidas, agora na República Dominicana, os EUA decidiram

chamar a responsabilidade dos problemas desse tipo para si e é nesse sentido que deve ser

entendida a mensagem do Roosevelt ao Congresso nesse mesmo ano. Seu teor passaria a ser

conhecido como um corolário à Doutrina Monroe que, nesse contexto, reafirmaria o papel de

líder e “irmão mais velho” das nações latinas, tutelando aquelas que não se comportassem de

maneira adequada. Roosevelt acreditava que

Se uma nação mostra que sabe agir com razoada eficiência e decência em assuntos sociais e
políticos, se mantém a ordem e paga suas obrigações, não precisa temer a interferência dos
Estados Unidos. Malfeitorias crônicas, ou a impotência que resulta num afrouxamento dos
laços da sociedade civilizada podem, na América como alhures, exigir finalmente a
intervenção de uma nação civilizada e, no hemisfério ocidental, a adesão dos Estados Unidos à
Doutrina de Monroe pode forçar-nos, ainda que com relutância, em casos flagrantes de
malfeitoria e impotência, ao exercício de um poder de polícia internacional100

Um provérbio marca a política exterior de Roosevelt: “fale suavemente e carregue um

grande bastão ... você irá longe”. Assim ficava conhecida sua política externa como a política

do big stick. No entanto, o bastão nunca quis levar à guerra101, mas sim conseguir os objetivos

100
SYRETT, 1980, p. 252.
101
Roosevelt foi o mediador de vários conflitos internacionais e chegou a ganhar até o prêmio Nobel da Paz.

49
50

nacionais norte-americanos pelo medo e tutelar pela coerção. De acordo com Kissinger,

Roosevelt deu novo direcionamento à política internacional norte-americana ao preservar a

concepção de que os Estados Unidos deveriam exercer uma influência benéfica no mundo

pela disseminação de seus valores e incorporar a idéia de que os interesses nacionais não

podiam deixar o país imparcial. Com isso reconhecia os Estados Unidos como mais uma

potência no meio internacional que deveria batalhar, com o uso da força se necessário, para

fazer valer seus objetivos102. De fato, Roosevelt tem o papel de revolucionar as bases da

política externa norte-americana ao: colocar em questão que a paz era, como a experiência

republicana pretendia afirmar, a condição normal das nações; embaralhar a distinção entre

moral pessoal e pública; apregoar que a América não poderia, dado o seu isolamento

geográfico, ser afetada pelos problemas de outras partes do mundo. Dentro dessas linhas, era

contra as tímidas idéias de desarmamento da época, bem como contra a valorização do direito

internacional sobre a força nacional. Roosevelt entendia que num mundo dominado pelo

poder a situação de equilíbrio natural do sistema internacional era se estruturar em função das

zonas de influência das potências.

Na América, atuando em função das suas diretrizes de política externa, Roosevelt

habilmente aceitou o pan-americanismo como uma política complementar. Ela foi quase que

exclusivamente implementada pelo Secretário de Estado Elihu Root no sentido de acalmar os

ânimos sul-americanos103, enquanto o big stick agredia os países centro-americanos. O pan-

americanismo trazia uma diplomacia amena e conciliadora, funcionando como uma pomada

que ajudaria na melhora dos hematomas causados pelo bastão de Roosevelt.

As ações de Roosevelt garantiram, assim, a presença norte-americana no continente a

partir de ações agressivas de patrulhamento e intervenções, aliadas ao pan-americanismo.

102
KISSINGER,1994, p.29.
103
Preocupados com o crescimento do sentimento anti-americano alguns oficiais de Washington como Elihu
Root tentaram aliviá-lo cultivando a boa vontade dos latino-americanos. (Cf. SMITH, 1991, p.35).

50
51

Percebe-se que a partir de afrontas estratégicas, como a exigência de ter controle total do

canal do Panamá104 ou a sua postura agressiva a favor da Venezuela na disputa de limites em

1895 na Guiana Inglesa105, os Estados Unidos controlavam os negócios americanos e

delimitavam sua esfera de influência, nessa época já aceita internacionalmente.

A política externa de Rio Branco e os Estados Unidos

É nesse contexto histórico instável, oscilando entre a política externa expansiva dos

EUA e o imperialismo europeu que a política externa brasileira tentava se equilibrar. Rio

Branco optou, com a criação da embaixada, por um aprofundamento de relações com os

Estados Unidos caracterizado pela vontade de diferenciação dos outros países da América

Latina.

No Brasil a elevação das legações foi bem recebida. Machado de Assis escrevia a

Nabuco que “não é preciso dizer-lhe o efeito que a notícia produziu aqui. Todos a aplaudiram

(...)”106. É certo que Rio Branco teve também algum papel no direcionamento da opinião

pública ao escrever e inspirar alguns artigos elogiosos do ato107, mas de qualquer forma a

idéia de aumentar o prestígio do país no meio internacional encontrava respaldo no

nacionalismo da época108. Algumas críticas ou descrédito do ato podem ser vistos no Jornal

do Brasil e no New York Herald109. Em sua maioria elas giravam em torno das despesas e da

falta de utilidade do ato. À outra preocupação, esta sim de maior peso, que bradava que a

104
Existia um acordo entre a Inglaterra e os Estados Unidos que dividia meio a meio as responsabilidades e
poderes sobre o canal (Cf. KENNEDY, 1989, p. 239).
105
ATKINS, 1991, p. 161.
106
Carta de Machado de Assis a Joaquim Nabuco, 11/01/1905 (ARANHA, 1923, p.153).
107
Pelo menos dois artigos são creditados a Rio Branco: um artigo de 08/01/1905 em O Paiz e um outro no
Jornal do Commercio escrito com o pseudônimo de J. Penn. Esses jornais foram em todo momento o apoio da
política governamental.
108
Cf. HOBSBAWM, 1990, p. 132.
109
COSTA, 1968, p. 65; BUENO, 2003, p. 156.

51
52

aproximação inspiraria o imperialismo norte-americano proferido por Roosevelt, Rio Branco

respondia com sua característica serenidade.

Não vejo motivos para que as três principais nações da América do Sul, - o Brasil, o Chile e a
Argentina, - se molestem com a linguagem do Presidente Roosevelt (...) ninguém poderá dizer
com justiça que elas estão no número das nações desgovernadas ou turbulentas que não sabem
fazer “bom uso da sua independência” (...) As outras Repúblicas latino-americanas que se
sentirem ameaçadas pela “política internacional” dos Estados Unidos têm o remédio em suas
mãos: é tratar de escolher governos honestos e previdentes, e, pela paz e energia no trabalho,
progredirem em riqueza e força110

A aceitação do corolário Roosevelt exteriorizado nesse despacho de Rio Branco pode

ser vista por duas perspectivas complementares. De um lado Rio Branco identificava de

alguma forma as intervenções dos Estados Unidos no Caribe com as do Brasil na zona do

Prata. A ocorrência de distúrbios fronteiriços sul-americanos poderia exigir algum tipo de

intervenção brasileira e aceitá-la da parte dos Estados Unidos era, em alguma medida,

possibilitá-la do lado brasileiro. De outro lado, pelo momento de tranqüilidade política,

estabilidade econômica e prosperidade da lavoura cafeeira, era possível ao Brasil se dar ao

luxo de acatar o corolário na certeza de que as ações advindas dele não o afetariam111. Sua

aceitação acompanhava a aceitação do papel de liderança dos Estados Unidos no continente e

é nesse sentido que o Brasil faz o reconhecimento da independência do Panamá, apóia a

doutrina Monroe e não se coloca contra as ações norte-americanas no Caribe ou nas Filipinas.

Havia, para esse posicionamento brasileiro, tanto uma forte crença na superioridade do poder

norte-americano, quanto a percepção de que cada vez mais a Europa tinha uma postura

cautelosa em relações às questões americanas. Rio Branco diria que

110
Despacho reservado para Washington - Rio Branco a Gomes Ferreira, 31/01/1905 (AHI).
111
Cf. BUENO, 2003, p.148.

52
53

A verdade é que só havia grandes potências na Europa e hoje elas são as primeiras a
reconhecer que há no Novo Mundo uma grande e poderosa nação com que devem contar e que
necessariamente há de ter a sua parte de influência na política internacional do mundo
inteiro.112

À época, a aproximação entre o Brasil e Estados Unidos era incentivada por

comparações possíveis sobre o tamanho, população e potencial de ambos os países. A

implicação disso era ver dois líderes no continente, cada um atuando na parte que lhe cabia e

apoiando-se mutuamente. Rio Branco, apesar de não fazer apologia dessa idéia, afirmava que

ambos os países deveriam ter uma influência benéfica sobre o continente. Além dessas

características parecidas, a aproximação com os Estados Unidos tinha como fundo outras

similaridades políticas como a forma de governo republicana, o federalismo e o regime

constitucional. O Brasil também estava cercado e convulsionado por grande parte dos países

limítrofes de língua espanhola, nos quais Rio Branco não confiava. Essa falta de confiança na

América hispânica e a conseqüente percepção de isolamento dentro do hemisfério o levaram a

notar o potencial de relacionamento com os Estados Unidos, outro aparente isolado.

Na verdade, se Rio Branco, pela educação européia, pelas preferências monárquicas e

pela sua característica aristocrática, cultivou certas prevenções contra os Estados Unidos,

sobretudo quando a política externa desse país parecia estar no nítido caminho de um

imperialismo político, comercial e territorial, acabou por ver a necessidade de ajustar as suas

idéias à realidade quando se tornou ministro, percebendo as mudanças que se operavam no

meio internacional com a ascensão do poder norte-americano113. A sua estadia nos Estados

Unidos entre os anos de 1893 e 1895, quando ainda não era ministro, por conta da defesa no

arbitramento da região de Missões – a questão teve desfecho favorável ao Brasil -, bem como

112
Despacho de Rio Branco para Washington. (Apud LINS, 1995, p.318).

53
54

o apoio norte-americano indireto na arbitragem do Amapá de 1898, serviu também como

lembrança preciosa para, a partir de 1902, inclinar sua política rumo a Washington.

Um episódio, no entanto, seria chave para cristalizar em Rio Branco essa política de

aproximação. A Questão Acreana (ou do Bolivian Syndicate) de 1902-3 funcionou como um

teste para a diplomacia cordial que tentaria se estabelecer entre o Brasil e os Estados Unidos

nos anos posteriores. Aqui, não o apoio, mas a neutralidade dos Estados Unidos, foi essencial

para o Brasil poder negociar e resolver a questão com o governo boliviano, mostrando a Rio

Branco que uma amizade com os Estados Unidos poderia trazer benefícios para os interesses

brasileiros114.

Resumidamente podemos dizer que quando Rio Branco assumiu o Ministério das

Relações Exteriores existia a seguinte situação: semelhante aos contratos com os quais as

empresas estrangeiras trabalhavam nas colônias da África e da Ásia, a Bolívia cedeu poderes

praticamente soberanos de administrar, policiar e explorar recursos naturais de uma região do

Acre que estava com a fronteira indefinida com o Brasil a um consórcio de capitalistas norte-

americanos e ingleses, especuladores de Wall Street e da City de Londres, entre os quais, o

primo do ainda vice-presidente Theodore Roosevelt115. Esse era um problema de grande vulto

para a diplomacia brasileira, pois além de negociar com o governo da Bolívia era necessário

negociar com o sindicato norte-americano. Para complicar ainda mais as coisas, o Peru

reivindicava uma negociação conjunta para a questão apregoando ter direitos nas terras em

litígio.

A grande preocupação nessa situação era não só a perda do território, mas também que

a aceitação da presença de uma empresa estrangeira numa área contestada, que só tinha saída

113
LINS, 1995, p. 314.
114
SMITH, 1991, p.43.
115
BUENO, 2003, p.310.

54
55

para o mar através dos rios brasileiros, era um precedente, no mínimo, perigoso.116 A bandeira

americana poderia vir acompanhando os interesses comerciais, algo que havia sido

expressado no final do século XIX pelas palavras do Comodoro Robert Shufeldt, um dos

percussores de Mahan, nas palavras “nossa marinha mercante e nossa marinha de guerra são

apóstolos ligados”117.

Não valeira a pena entrar em considerações específicas a respeito do desenlace dessa

questão que já se arrastava desde a década de 60 do século XIX, mas o caso foi que Rio

Branco lhe deu uma nova interpretação colocando a área oficialmente em litígio. Por

manobras diplomáticas em Londres, vontade política de Washington e por ações militares no

Acre, conservou-se a neutralidade norte-americana na questão, isolou-se o Bolivian Sindicate

mediante indenização, negociou-se com a Bolívia uma solução para o litígio (que viria a ser o

Tratado de Petrópolis) e desconsiderou-se a negociação conjunta pretendida pelo Peru, que na

verdade não tinha direito algum sobre a área e agia de forma oportunista.118

Trabalhando com diplomacia e força Rio Branco atingiu todos os objetivos que

poderia querer e viu na neutralidade norte-americana o seu grande trunfo. Na sua opinião,

abrir qualquer conflito de interesses com os Estados Unidos nessa questão poderia

enfraquecer a posição brasileira perante a Europa119. A criação da embaixada em Washington

poucos anos depois deve ser vista, nesse sentido, como uma tentativa de buscar garantir essa

convergência de posições pela aproximação diplomática, servindo como complemento para

dissipar indisposições provocadas pelos países latinos, já que lá seria

o principal centro das intrigas e dos pedidos de intervenção contra o Brasil por parte de alguns
dos nossos vizinhos, rivais permanentes ou adversários de ocasião (...) Todas as manobras

116
Cf. BUENO, 2003, p.310.
117
Apud SCHOULTZ, 2000, p. 109.
118
Para uma análise pormenorizada da questão ver BUENO, 2003, 309-326; BURNS, 2003, p.101-110.

55
56

empreendidas contra este país em Washington, desde 1823 até hoje, encontraram sempre uma
barreira invencível na velha amizade que une o Brasil e os Estados Unidos, e que é dever da
geração atual cultivar com o mesmo empenho e ardor com que cultivaram os nossos
maiores120

No que concerne aos pressupostos dessa política de cordialidade, os dois chefes que a

conduziram, Roosevelt e Rio Branco, parecem, num primeiro momento, aproximar-se em

certas idéias. Da mesma forma que Roosevelt, nosso chanceler fazia uma hierarquia entre as

nações de acordo com seu grau de cultura, “nível” de civilização e honestidade de seus

governos121. Seguindo a ideologia belicista da época, tinha a convicção de que somente uma

nação bem armada era capaz de defender apropriadamente seus interesses, atuar

autonomamente no meio internacional e negociar a paz. Mesmo assim não é possível atribuir

a Rio Branco uma convergência ideológica fina com Roosevelt, já que a política externa

brasileira da época era dotada de um liberalismo jurídico fiel a compromissos internacionais,

defensora dos direitos herdados, moderada e equilibrava em seus intentos que nunca tiveram

caráter de agressão ou intromissão nos assuntos de outras nações. Se as convergências

aproximavam ambos os países, as diferenças de postura, no entanto, nunca os afastaram.

Acontece que elas não se convertiam em qualquer tipo de constrangimento aos objetivos dos

dois países, por que os seus campos prioritários de ação eram do lado norte-americano, o

Caribe, e do lado brasileiro, o cone sul. Dessa forma, o que houve na maior parte do tempo foi

aproximação e o endosso brasileiro das pretensões continentais norte-americanas.

Segundo Ricupero, a política externa de Rio Branco se baseava na Realpolitik

internacional e em questões econômicas, sendo que três eixos definiriam a aproximação do

Brasil com os Estados Unidos dando o suporte de um paradigma de política externa. O

119
Cf. BUENO, 2003, p. 320.
120
RIO BRANCO, 1948, p. 151.
121
Cf. BUENO, 2003, p.129.

56
57

primeiro deles diz respeito à convicção das elites de que brasileiros e norte-americanos

partilhavam valores e percepções semelhantes sobre os critérios de legitimidade internacional.

O segundo indica que o Brasil buscou colocar o poder dos Estados Unidos a serviço de seus

objetivos nacionais. Aceitava-se assim um vínculo pragmático de apoio a pretensões norte-

americanas no cenário mundial, e em especial hemisférico, em troca de ajuda aos interesses

brasileiros. O terceiro eixo, como conseqüência dos dois outros, era dar prioridade à relação

bilateral com os Estados Unidos colocando a América Latina subordinada a esta

preferência122.

Burns afirma que o que se instituiu nessa época foi uma aliança não-escrita entre

ambos os países, onde cada qual prestaria apoio mútuo a fim de melhor servir aos seus

respectivos interesses123. Tanto essa argumentação quanto a de Ricupero nos autoriza a dizer

que esse relacionamento visou ser pragmático. Queremos dizer com isso que, ao contrário da

postura inicial dos homens da República, Rio Branco tentou conduzir uma política utilitária,

ao invés de ideológica.

De fato, Rio Branco vai pensar o relacionamento com os Estados Unidos como uma

estratégia que seria a viga mestra da sua política. Deu-lhe uma função de base, não como um

fim ou objetivo em si, mas como um meio que ajudaria a viabilizar os interesses principais de

uma política subregional e nacional124. Nacional no sentido que contemplava os interesses da

elite cafeeira.125 Como se sabe, a economia brasileira nessa época era essencialmente

agroexportadora e o café, nosso principal produto de exportação, era à época um gênero

consumido em grande quantidade por todos os países em processo de industrialização. Vindo

a receita da união em grande parte da venda desse produto, a política nacional tendia a girar

122
Cf. RICUPERO, 1996, p. 40-41.
123
Cf. BURNS, 2003, p.252.
124
Lins vai falar em motivos de caráter político e de ordem econômica. (LINS, 1995, p.320)
125
No despacho reservado para Washington de 31/01/1905 (AHI), Rio Branco diz a Gomes Ferreira que “Os
Estados Unidos são o principal mercado para o nosso café e outros produtos”.

57
58

em torno da burguesia que o dominava126. A instauração da Política dos Governadores, o

empréstimo do funding loan no governo Campos Sales, o Convênio de Taubaté que tentou a

valorização do preço do café no meio internacional em 1906, tão depreciado pelas

superproduções dos anos anteriores, são todas políticas nacionais tomadas no sentido de

preservar a oligarquia dominante, que se constituía nos grandes produtores de café127.

O comprador mais importante dos nossos principais produtos de exportação, o café e o

açúcar, eram os Estados Unidos, pois mesmo a Inglaterra continuando a ser nossa mais

importante vendedora e investidora, estava muito longe de figurar no rol dos nossos melhores

compradores. O café brasileiro não era taxado nos Estados Unidos e isso ajudou a configurar

uma situação onde, em 1897, o que era fornecido para a Europa (somando todos os principais

importadores do café brasileiro: Alemanha, França, Áustria-Hungria, Inglaterra, Bélgica e

Suíça) girava em torno de 5.085.900 sacas de 60Kg, enquanto que o fornecido para os Estados

Unidos era, no mesmo período, de cerca de 5.302.800 sacas de 60Kg128. Em 1906 esse

percentual havia diminuído, mas continuava sendo absolutamente expressivo. Os Estados

Unidos nesse ano receberam 37,9% da safra brasileira enquanto que a Alemanha, segunda

melhor compradora, não chegava a 22%129. No mesmo caminho, 94,5% das exportações

brasileiras estavam livres de impostos nos Estados Unidos, sendo que do lado brasileiro

nenhum produto norte-americano gozava de isenção e, se a média de tarifa para os produtos

brasileiros era de 4,8%, a dos produtos norte-americanos era de 45%130. Essa situação

permitia ao Brasil um acúmulo de dólares para serem gastos na compra de produtos

manufaturados europeus. O interesse do Itamaraty era obviamente manter esse status quo e,

caso isso não fosse possível, utilizá-lo como moeda de troca.

126
Cf. FAUSTO, 1997, p. 206-209.
127
Para a história da construção política e financeira de República ver BELLO,1976, capítulos XII e XIII.
128
Dados do Ministério da Fazenda (Apud BUENO, 1995, p.142 e 143).
129
Dados do Ministério da Fazenda (Apud BUENO, 2003, p.97).
130
BURNS, 2003, p.84.

58
59

Contemplava-se dessa forma o lado comercial que animava as elites de ambos os

países, pois, de fato, o comércio entre eles era um importante fator de relacionamento. Tanto

para o Brasil, que queria manter as isenções das exportações do café, a venda do açúcar,

borracha, frutas e couros, quanto para os Estados Unidos, que queria garantir certos produtos

primários na mesa do trabalhador norte-americano, especialmente o café, que havia se

transformado em um item praticamente básico. Era ainda interesse norte-americano buscar

uma maior entrada no mercado consumidor brasileiro, até então muito fechado, para os seus

produtos manufaturados. A busca por vincular politicamente, no plano internacional, o Brasil

com os Estados Unidos, deve ser entendida então como a tentativa de colocar a política

externa brasileira em compasso com a crescente vinculação econômica que se desenvolvia131.

O outro interesse da política externa de Rio Branco que utilizou a aproximação com os

Estados Unidos como meio de ação, era a política subregional de definição de limites com os

países fronteiriços latinos. É possível dizer que um dos maiores problemas nacionais na época
132
em que Rio Branco assume o ministério são as fronteiras . De fato, definir e conservar as

fronteiras nacionais são pré-requisitos para se exercer a soberania e praticar uma política

externa ativa133. Rio Branco acreditava que o apoio moral dos Estados Unidos ou a sua

neutralidade facilitaria essa tarefa, no sentido de lhe dar mais autonomia134. No caso, a

materialidade de uma aliança com os Estados Unidos não era um objetivo. O importante é que

os outros países acreditassem ou percebessem a sua existência, aumentando a capacidade de

manobra do Brasil no jogo diplomático sul-americano.

Por fim, um último benefício advindo da aproximação exemplificada na própria

criação da embaixada em Washington era o prestígio que trazia a percepção do bom

131
Ibid., p. 107.
132
Ibid., p. 57. Para maiores informações sobre os pressupostos jurídicos da ação de Rio Branco nas questões de
limites ver RICUPERO, 2000.
133
Cf. RICÚPERO, 2000, p. 33.
134
BURNS, 2003, p.213-214; BANDEIRA, 1973, p.170.

59
60

relacionamento do Brasil com a potência do continente, acreditando que “o prestígio era e é

componente não desprezível do poder”135. A Argentina, por exemplo, apesar de nunca ter

reconhecido o papel do Brasil como líder da América do Sul, preocupava-se com o crescente

destaque internacional e alianças estratégicas que dotavam o governo brasileiro de uma

envergadura diplomática, refletida em autonomia regional, sem precedentes.

Segundo Burns “o patriotismo de Rio Branco orientava a sua política destinada a

ampliar o prestígio do Brasil no mundo, dando ao seu país uma posição predominante na

América do Sul”136 Para tal empreendimento Rio Branco tentou melhorar os vínculos

diplomáticos com alguns países da América Latina, aumentou a participação do Brasil em

conferências internacionais, reformulou o Itamaraty e seu quadro de representantes, trouxe

vários estrangeiros importantes para conhecer a capital, etc...

Nesse contexto sul-americano podemos dizer que existia uma disputa constante entre o

Brasil e a Argentina pela liderança regional. Enquanto a Argentina tinha um bom

relacionamento com grande parte todos os países hispânicos, o Brasil só tinha como

verdadeiro aliado o Chile, não por coincidência o único país que não nos faz fronteira. Para o

Brasil era essencial obter o apoio norte-americano a fim de fazer a balança de poder,

influência ou liderança pender para o seu lado. Assim o Brasil estaria em boas graças.

Os Estados Unidos fizeram nesse contexto tumultuado pelo conflito bilateral entre

Argentina e Brasil o mesmo que fizeram no contexto asiático com a Rússia e o Japão. Quando

o conflito entre esses países, nos primeiros anos do século XX, ficou explícito, Roosevelt,

135
RICÚPERO, 2000, p. 39.
136
BURNS, 2003, p.65. Em carta de 26/03/1906 (FUNDAJ) Rio Branco pede a Nabuco que se encontre com o
Ministro da Turquia para convencê-lo da necessidade de este país designar um ministro residente no Rio de
Janeiro com o argumento de que o Brasil tem uma grande colônia turca. Na mesma carta explica o verdadeiro
motivo: “Não ocultarei de V. Ex ª. que o meu objetivo com esta indicação é contribuir para que o corpo
diplomático estrangeiro seja aqui mais numeroso do que em qualquer outra capital da América Latina, como
deve ser atenta a maior importância política e comercial do Brasil”. A criação da embaixada de Washington
tinha o mesmo objetivo de engrandecer a posição do Brasil nos quadros continentais e internacionais (LINS,
1995, p.321).

60
61

trabalhando com uma diplomacia de equilíbrio de poder, atuou no sentido de enfraquecer a

Rússia que buscava uma preponderância na região e apoiar o Japão, proporcionando uma

medida parecida de poder para ambos e, consequentemente, ações mais moderadas137.

Roosevelt, mediando a questão, conseguiu a assinatura de um tratado de paz.

No caso sul-americano a lógica foi a mesma. Em retrospectiva, fica claro que os

Estados Unidos nunca se inclinaram por demais, nem explicitamente, em favor de nenhum

dos dois países quando surgiam questões importantes na agenda da região. Suas ações sempre

tentaram preservar o tênue equilíbrio que havia. Foi assim com a visita do secretário de

Estado Elihu Root de 1906 à América Latina, na disputa armamentista de 1908 e na escolha

da sede da III e IV Conferência Pan-americana.

Utilizando o que lhe era possível nessa relação com os Estados Unidos, a política

externa de Rio Branco tentou definir para o Brasil um espaço internacional próprio. Fez isso

tanto materialmente com a definição das fronteiras, como politicamente com a alternância

diplomática de relacionamento entre o norte e o sul do continente. Nessa circunstância o

Brasil serviu muitas vezes de intérprete dos objetivos norte-americanos para a América do

Sul138. É o caso da doutrina Monroe que, estando em boa compreensão entre as duas maiores

repúblicas do continente, estava mais solidamente exposta para os países latinos. Da parte de

Rio Branco essa doutrina não era vista como um pronunciamento unilateral para a autodefesa

dos Estados Unidos. Da mesma forma que a encarava como uma fórmula de aproximação dos

países mais importantes da América, nunca quis ver o monroísmo como um princípio

particular do continente americano no sentido de representar uma separação da Europa139.

Entendia que o velho continente carregava uma tradição e era importante para os países novos

137
KISSINGER, 1994, p.32.
138
Cf. RICUPERO, 2000, p. 6; LINS, 1995, p. 318.
139
LINS, 1995, p.323.

61
62

estarem em contato com ela. Acreditava, além disso, que devíamos nossa construção como

entidades políticas a ela, uma dívida a ser paga com o tempo e com relacionamento.

Em conclusão, Rio Branco, um conservador dirigido pelo pragmatismo, buscou nos

Estados Unidos um parceiro mais poderoso para viabilizar o que se consideravam os

interesses nacionais do momento: adquirir mais autonomia em questões sub-regionais,

aumentar o prestígio do Brasil no meio internacional através da assunção da imagem de líder

no continente e garantir a manutenção da dependente economia nacional cafeeira. Essa

aproximação nunca representou um descarte dos relacionamentos sul-americanos e europeus,

mas colocou à diplomacia brasileira, especialmente com a criação da embaixada em

Washington em 1905, uma nova missão que ainda não tinha rumo preciso ou as certezas dos

caminhos já trilhados.

62
63

2 - FATORES ESTIMULANTES DA AÇÃO E REFLEXÃO DE NABUCO A FRENTE DA

EMBAIXADA

Depois do laudo na Itália, Nabuco volta a Londres e aguarda a chegada de Roosevelt à

capital norte-americana até meados de maio, já que tinha decidido entregar ele próprio as

credenciais ao presidente. Além disso, como seu cargo de embaixador ainda não havia sido

aprovado pelo Senado estava sem as devidas prerrogativas constitucionais e, por isso, sem

validade. Nesse ínterim Nabuco vai a alguns jantares de despedida, oferece outros, organiza

seus arquivos e recebe honras pelo seu trabalho na Missão Especial de Roma140. Embarca para

Washington em 10 de maio, chegando nove dias depois a Nova York. Gomes Ferreira, que

substituía Assis Brasil como encarregado dos negócios da Legação desde abril de 1903,

recebia suas revocatórias de Rio Branco com ordens para só deixar o cargo após apresentar

Nabuco ao consultor jurídico do Brasil, o Prof. John Basset Moore. Nabuco chega pouco

antes da cerimônia de apresentação de suas credenciais a Roosevelt, em 24 de maio de 1905 e,

apesar de já nos primeiros momentos ter causado uma boa impressão nos norte-americanos141,

sente-se apreensivo com as incertezas que cercavam esse projeto142.

A estabilização de Joaquim Nabuco no cargo de embaixador não foi fácil. Como

vimos, num primeiro momento questionou o título, a política pretendida e a viabilidade

financeira de tal empreendimento. Mas como entendia que toda a situação era uma

experiência143 que poderia ou não dar certo, era necessário dar tempo ao tempo144. Caso tudo

140
Nabuco oferece dois jantares onde convida uma série de representantes da América Latina no intuito de
entreter boas relações e estimular confiança. Graça Aranha o chamava em Londres de o leader da South America
(Cartas II, 1949, p. 127). Recebe também homenagem da Real Sociedade de Geografia (Cf. COSTA, 1968, p.
70).
141
COSTA, 1968, p.94.
142
VIANA FILHO, 1952, p.293.
143
Cf. Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/01/1905 (Cartas II, 1949, p. 207).
144
Cf. Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 05/01/1905 (Cartas II, 1949, p. 203).

63
64

corresse bem, politicamente, ele se comprometia a esquecer “as seduções da Europa”145 e se

doar ao novo cargo.

Ainda que não tivesse certeza da sua adequação a um cargo de tal importância e

dificuldade, não demorou muito para que reavaliasse as suas primeiras críticas. Já em

fevereiro de 1905 reconhecia a criação da embaixada como “um rasgo de audácia e de

inspiração que abriu ao país e à América do Sul toda novos e largos horizontes”, sendo que

“em nossa vida internacional ato algum produziu ainda o efeito desse”146.

As apreensões de Nabuco iam se deslocando para diferentes âmbitos. Primeiro sua

preocupação havia sido a validade e importância da criação empreendida por Rio Branco.

Nesse outro momento, já reconhecendo suas qualidades e a proporção que ganhava

internacionalmente, temia agora que a expectativa gerada pelo ato não fosse condizente com

seus prosseguimentos147, por isso esperava “que o autor da peça e o empresário a julguem tão

importante quanto o julga toda a gente da Europa e na América”.148 Da parte de Rodrigues

Alves, “o empresário”, Nabuco estava tranqüilo pelo que havia sido escrito em suas

credenciais de embaixador onde deixava-se clara sua capacidade para o cargo e o propósito da

elevação diplomática visando tornar mais cordiais as relações entre os dois países149.

Mas se palavras gerais vindas do Presidente da República eram suficientes, não

poderiam sê-lo se vindas do Ministro Rio Branco, o “autor da peça”. Nabuco esperava dele

uma orientação precisa para a política que deveria ser realizada em Washington. Acreditava

na convergência, ao menos geral, das suas idéias de aproximação com as de Rio Branco. Só

assim seria possível ter ações articuladas no intuito de construir uma base diplomática sólida

para o futuro. E assim, com os questionamentos e indecisões minimamente equacionados,

145
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/01/1905 (Cartas II, 1949, p. 206).
146
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 (FUNDAJ).
147
Em carta a Graça Aranha de 02/02/1905 (FUNDAJ) Nabuco diria que “os jornais norte-americanos estão
exagerando o brilho da embaixada; mas esta uma vez criada obriga a muito”.
148
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905, grifo no original (FUNDAJ).

64
65

Nabuco agora via a necessidade de “construir in perpetum”150 essa obra. Isso dizia respeito à

construção de uma política consistente, mas também a uma construção material. À primeira

necessidade era necessário responder com forte coerência na ação cotidiana durante anos e à

segunda era necessário responder com empenho e desejo de conseguir do Congresso as verbas

necessárias para manter um pessoal maior do que em Legações e adquirir uma “casa digna da

iniciativa”151, tarefa de Rio Branco.

A problemática material foi recorrente em todos os cinco anos que Nabuco esteve em

Washington. Reclamações por causa de vencimentos insuficientes, falta de pessoal, mobília e

casa inadequadas, etc. eram comuns. Nabuco nunca esteve contente neste aspecto152. Ele

entendia que nós precisávamos, para sermos respeitados da mesma forma que as potências

européias alocadas em Washington, de meios parecidos153. Isso, de fato, demandaria uma

soma muito grande de dinheiro, o que nunca foi possível fornecer integralmente na época de

Nabuco. Tudo em Washington custava três vezes mais do que em Londres, de modo que tal

legação, mesmo com sua importância, não poderia servir de parâmetro para as necessidades

dos vencimentos da embaixada.

Nabuco acabou instalando a embaixada em Lafayette Square, do lado esquerdo da

Casa Branca. Era uma casa alugada, que havia sido ocupada por seu futuro aliado na política

americana, Elihu Root, então Secretário de Guerra. A boa e permanente instalação da

embaixada sempre preocupou Nabuco que insistiria pela aquisição de uma casa própria,

acreditando que isso ajudaria na consolidação da obra iniciada em 1905. Críticas feitas a

149
Cf. COSTA, 1968, p. 71-72.
150
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 (FUNDAJ).
151
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 (FUNDAJ).
152
Podemos ver cartas de Nabuco que reclamam destas questões até final de 1908, por exemplo, em carta a
Graça Aranha de 12/11/1908 (Cartas II, 1949, p. 321).
153
Nabuco chega mesmo a encarar seriamente o abandono do cargo caso o Congresso não lhe desse os meios
necessário para se manter e manter a embaixada. Achava que era humilhante um país promover um ato de tal
magnitude e não ter recursos para mantê-lo (COSTA, 1968, p.89).

65
66

Nabuco pela utilização dos recursos da embaixada criaram a lenda de Nabuco gastando en

grand seigneur154.

Na época da apresentação das credenciais Nabuco já estava contagiado pelo cargo e

pela sua missão. E se ainda existia alguma dúvida ou prevenção de sua parte quanto à

importância da sua posição, elas foram dissipadas pela impressão e repercussão que teve seu

discurso e o do Presidente Roosevelt no jantar oficial para seu reconhecimento como

embaixador, a tal ponto que Nabuco diria em ofício a Rio Branco, no dia seguinte

Considero data 24 de maio de 1905 tão grande nossa ordem externa quanto 13 de maio 1888
nossa ordem interna155

O Evening Star, por exemplo, qualificava de “particularmente cordial e feliz” 156 as

palavras trocadas entre ambos. De fato, Nabuco utilizara toda a sua eloqüência para cativar os

presentes, tanto fazendo elogios ao cargo de presidente dos Estados Unidos onde “há horas

que se tornam épocas, gestos que ficam sendo atitudes nacionais imutáveis”, quanto

reconhecendo o poder norte-americano no continente ao afirmar que “a posição deste país no

mundo lhe faculta iniciativas (...) nessa direção do comum ideal americano”157. Roosevelt,

impressionado, diria “que recebia com mais do que o usual prazer o instrumento pelo qual o

governo brasileiro acreditava o seu primeiro embaixador, e que estava particularmente grato

por ter a escolha recaído em quem tinha tantos conhecimentos, experiência e capacidade” e,

fugindo do protocolo ao dizer “agora fazer o que não costumo, acrescentar ao que li”,

154
Cf. COSTA, 1968, p.92. Jornais como O Correio da Manhã foram especialmente críticos dos gastos do
embaixador.
155
Apud COSTA, 1968, p. 76.
156
Evening Star, 24/05/1905.
157
Discurso transcrito em Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 30/05/1905 (AHI).

66
67

continuou a manifestar prazer de ver a aproximação dos dois países e sua fé nos destinos do

Brasil158.

Feitas estas importantes preliminares de reconhecimento mútuo, agora o compromisso

assumido por Nabuco seria o de responder às expectativas159 que o ato havia gerado. Para isso

iniciaria o processo de implementação da política de aproximação com os Estados Unidos.

Como se viu anteriormente, essa política de aproximação com os Estados Unidos foi

um dos pilares da política externa que Rio Branco estabeleceu a frente do Ministério das

Relações Exteriores. Ao atentarmos para certos pormenores do período, visualizando as

concepções e ações de Nabuco à frente da embaixada, somos levados a crer que ele teve um

papel importante na orientação da aproximação que efetivamente se concretizou entre os dois

países. Na prática isso acarretou alguns embates de ações e posições com Rio Branco sobre

eventos internacionais, que refletiam também suas diferentes concepções sobre a política

externa a ser seguida em relação aos Estados Unidos.

Esses embates revelam uma discórdia importante entre os dois amigos que pode ser

colocada na base da ação, por vezes de afronta, que Nabuco teve na embaixada. Já na própria

apresentação de credenciais ele teria dado mostras de tentar elaborar uma política sua, ou, nas

palavras de Viana Filho, “fazer jogo próprio”160. Viana chega a afirmar que Nabuco atribuiu

intenções próprias às instruções de Rio Branco. Teria dito numa carta a Evelina, sua esposa:

“Emprestei-lhe na Casa Branca uma política que ele não havia sugerido no Palácio do

Catete”161. Modificara as instruções do chanceler ao exagerar as qualidades que conferiu à

influência norte-americana sobre o continente e à ênfase no interesse brasileiro em vê-la

crescer.

158
Apud COSTA, 1968, p. 72-74.
159
Nabuco diria em carta a Rodrigues Alves de 06/06/1905 que era necessário cumprir com as expectativas
depositadas na criação da embaixada (FUNDAJ).
160
VIANA FILHO, 1952, p.299.
161
Apud VIANA FILHO, 1952, p.294.

67
68

As discórdias já visíveis em 1905 podem ser rastreadas mais claramente até o

momento em que Rio Branco assumiu o ministério em 1902. Esse acontecimento começou a

modificar algo na relação que o chanceler tinha com todos os seus antigos amigos.

Especialmente com Nabuco, Rio Branco acumulava uma longa história e vivência comum.

Ambos cursaram, como era praxe para todos os nascidos em famílias distintas do Império, a

Faculdade de Direito de São Paulo, pedindo no último ano transferência para a de Recife162.

Mesmo sendo filhos de consagrados estadistas, símbolos das melhores tradições políticas,

também os dois tinham fama de bon vivant e por isso sofreram restrições de D. Pedro II, um

moralista rígido, para ingressar na vida diplomática. Somente no ano de 1876 Nabuco foi

nomeado adido de legação em Washington e, Rio Branco, cônsul em Liverpool. Transitando

entre a diplomacia e a política partidária, Rio Branco e Nabuco passam seus anos em

encontros e desencontros nos corredores do poder do Império durante todas as últimas

décadas do século XIX. Enquanto Nabuco desenvolve a campanha abolicionista, da qual Rio

Branco sempre foi adepto, apesar de nunca ter atuado, o futuro chanceler exercitava a

diplomacia na Europa.

Monarquistas por convicção, aceitaram trabalhar sob a República pelos mesmos

motivos: a crença na continuidade da nação através das mudanças de regimes. E ainda que

com uma cultura essencialmente européia e aristocrática, os dois se voltariam para a América

nos momentos finais de suas vidas. A amizade de ambos se evidencia exemplarmente na troca

de correspondências que tiveram quando Rodrigues Alves ofereceu o cargo de ministro a Rio

Branco. Enquanto este buscava a sugestão de um amigo fiel sobre o assunto, Nabuco oferecia

elogios e apelava à sua competência e fidelidade nacional para aceitar essa missão163.

162
Nabuco, da mesma forma que Rodrigues Alves, Afonso Pena, Castro Alves e Rui Barbosa, não foram colegas
de turma de Rio Branco em São Paulo. Eles pertencem à turma de 1866-1870 e, em 1866, Rio Branco estava
terminando o curso em Recife (Cf. LINS, 1995, p.34).
163
Para essa e outras mostras de amizade ver COSTA, 1968, p.129, LINS, 1995, p.246-250 e ANDRADE, 1978,
p.25.

68
69

O início das mudanças nas relações dos dois companheiros ao trabalharem juntos em

questões de grande importância como era a da Guiana Inglesa, ou de inovação e invenção

como era a criação da embaixada em Washington podem ser creditadas, em parte, às suas

diferentes personalidades164: Nabuco era um entusiasta, otimista e detentor de um liberalismo

prático que sempre buscou se traduzir em ação na política partidária; Rio Branco era

extremamente reservado, cauteloso e conservador, cultivando na política externa a

unanimidade que lhe seria impossível nas fricções da política interna. Nessa época ainda

pairava no ar uma rivalidade, às vezes velada às vezes explícita, entre grandes personalidades

políticas, homens de admiração pública e excepcional capacidade e potencial como Rui

Barbosa, Oliveira Lima, Rio Branco e Joaquim Nabuco. Ela, no entanto, só se extremava

quando dois ou mais desses homens se encontravam trabalhando num mesmo âmbito. Foi o

que aconteceu por exemplo com Rui e Nabuco no caso da Conferência de Haia, Oliveira Lima

com Nabuco e com Rio Branco durante toda gestão da política americana ou Rui com Rio

Branco na época da questão acreana e a assinatura do Tratado de Petrópolis

No caso das rivalidades entre Nabuco e Rio Branco sobre as orientações da diplomacia

americanista podemos dizer que, apesar delas terem raízes em concepções políticas diferentes

espelhadas em personalidades distintas, foram exponenciadas pela diferença hierárquica que

havia sido estabelecida entre ambos em 1902. Rio Branco nunca deixou de utilizar a

autoridade e autonomia que lhe fora conferida por Rodrigues Alves junto com o Ministério, o

que criava algumas divergências na relação pessoal de amizade que tinha com Nabuco. Este

por sua vez nunca reconheceu totalmente essa situação, até por que ele mesmo também havia

sido indicado por Rio Branco para substituí-lo no ministério quando saísse. Para pessoas que

164
Viana Filho afirma que dois momentos determinaram o progressivo distanciamento entre ambos. O primeiro
se deu em Paris, quando Rio Branco insistiu fortemente para que Nabuco acumulasse os cargos de Chefe da
Missão Especial da Guiana Inglesa e a Legação de Roma. Nabuco recusa veementemente a proposta e diria: “A
atitude dele coage-me extraordinariamente e se eu pudesse demitia-me de tudo”. Após esse desentendimento
vêm a vultuosa vitória diplomática do Tratado de Petrópolis que deixou Rio Branco um tanto “inebriado pelos

69
70

se consideram iguais, a posição de subalterno pode criar incompatibilidades inconciliáveis e,

se no caso de Nabuco e Rio Branco isso não chegou a tal extremo, foi porque, tanto Rio

Branco dava certo espaço de manobra para Nabuco, quanto porque as idéias de ambos não

eram tão distantes.

De qualquer forma, em retrospectiva é correto afirmar que, de maneira geral,

impuseram-se as posições de Rio Branco, se também pela sua posição hierárquica,

principalmente pelo desfecho de certos acontecimentos históricos do período que acabariam

por lhe dar razão. Mas como para nós, aqui, o fim importa menos que a jornada, devemos

pensar que, tendo a influência de Nabuco sua importância nesse contexto, é necessário

pressupor que ele tivesse uma concepção própria a respeito dessa política de aproximação

com os Estados Unidos que não coincidisse totalmente com a do Ministro. Tal concepção nós

já afirmamos que ele teve e trataremos dela no próximo capítulo. Precisamos mostrar aqui,

então, o que motivou Nabuco a desenvolver essas idéias.

Motivações para o desenvolvimento das idéias pan-americanas de Nabuco

Segundo Lins, quando Rio Branco decidiu escolher Nabuco para um cargo de

altíssima confiança como era Washington, o fazia acreditando que este seria o embaixador

completo “em três aspectos diferentes: mundano, nos salões; intelectual, nas universidades;

político, nos gabinetes”.165 Além disso, Nabuco era um adepto da Doutrina Monroe e de uma

aproximação estreita com os Estados Unidos, o que, somado ao fato de Rio Branco também

ter a preocupação de mandar para o exterior somente pessoas de bom aspecto e aparência

européia para dar prestígio à “raça” brasileira nos meios internacionais, fazia de Quincas, O

Belo, como era conhecido, o padrão estético e ideológico do perfeito diplomata para

seus próprios feitos” e os dois companheiros de longa data nunca mais trocaram gentilezas pessoais de outros
tempos (VIANA FILHO, 1952, p.299-300).

70
71

Washington. Junto a isso podemos somar a vontade de Rio Branco de compensar os bons

serviços prestados por Nabuco na questão da Missão da Guiana Inglesa166.

Dessa forma, o diplomata chegava ao cargo com o mesmo prestígio da embaixada e

incorporando certo protagonismo transparecido nos seus dizeres: “sou chamado a criar esse

papel”167. Essa atitude podia ser contrária à posição inviolável de Rio Branco no ministério,

mas se é verdade que a sua personalidade dominava o Itamaraty, planejando os métodos e a

política externa para alcançar objetivos definidos por ele próprio, é enganoso pensar que

tratava todos os seus funcionários como meros cumpridores de ordens. Nesse sentido, a

própria escolha de Joaquim Nabuco, mesmo a de Ruy Barbosa, homens conhecidos por

polêmicas e pensamentos independentes, para ocupar cargos estratégicos, coloca em dúvida

esse argumento trazendo a idéia que, de fato, parece ter havido algum espaço para

movimentos individuais dentro dos limites impostos pela política planejada, de forma que

alguns de seus subordinados forneciam contribuições168.

No que concerne a Nabuco, há de se frisar que não havia possibilidade de Rio Branco

não levar em conta o entusiasmo e a independência com que o amigo abraçava as causas que

defendia. De fato, essa era uma marca de Nabuco, ainda que não só dele. O embaixador havia

feito parte da chamada Geração de 70, identificada com a crise geral da elite intelectual e

política brasileira que viu seu mundo do século XIX se desfazer pouco a pouco ante seus

olhos. A maioria dos que alcançaram algum papel de destaque nesse momento se movimentou

através dos valores emergentes do positivismo, cientificismo, republicanismo, americanismo.

Esse foi o caso de Nabuco. Salles afirma que o abolicionismo, por exemplo, como ideologia,

possibilitou que vários intelectuais se posicionassem no que chama “distância reveladora” da

trama econômica, social, política e cultural excludente que o escravismo havia criado. Essa

165
LINS, 1995, p. 320.
166
Cf. COSTA, 1968, p. 58
167
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 (Cartas II, 1949, p. 207).

71
72

distância os afastava do seu velho mundo, mas ao mesmo tempo em que eram críticos do seu

presente, o eram também do futuro que se delineava, afinal, a abolição não foi uma solução

para os problemas surgidos com a escravidão presente em nossa formação histórica. Assim,

essa “distância reveladora” acaba por se revestir de uma ambigüidade quase crônica do

pensamento que marca a ação de tais intelectuais para além desse momento. Como um

monarquista reformador Nabuco incorpora bem esse papel no meio político, oscilando na sua

ação e pensamento entre reformismo e conservadorismo, liberdade e ordem, nação e

cidadania169. Amigos seus como Machado de Assis podem ser definidos como a expressão

literária desse dilema.

Nabuco havia trabalhando na adolescência em jornais como A Reforma, fortemente

crítico da monarquia de D. Pedro II. Por algum tempo não lhe fora possível escolher com

certeza que partido tomar entre a República e a Monarquia, o que viria a decidir somente

depois de suas viagens para Londres e seu contato com Bagehot170. Nabuco também atua no

partido liberal por temas liberais, mas com um radicalismo que o destaca desse meio

partidário. É nesse sentido que encara a abolição como uma cruzada nacional, suprapartidária,

que aos poucos vai ganhando caráter mais amplo de reforma social, articulando-se com certa

democracia política que visava a liberdade do voto, a preocupação com a classe pobre, o

dilema agrário e a liberdade do trabalho e do cidadão171. Nesse momento Nabuco é visto

quase como um revolucionário, adiantando questões que viriam à tona somente décadas mais

tarde, e a República prematuramente ceifa essa postura no auge de sua ação política.

Antes da chegada do novo regime, Nabuco, já antecipando a queda da monarquia, vai

se dedicando ao tema do federalismo como nova causa de vida, articulando-o com os

168
Cf. BURNS, 2003, p. 69.
169
SALLES, 2002, p.27-28.
170
Para informações detalhadas a respeito das influências que levaram Nabuco a se decidir pelo sistema
monárquico ver NABUCO, 1999, principalmente cap. II e XII.
171
NOGUEIRA, 1984, p.134.

72
73

desenvolvimentos da questão social que o abolicionismo suscitava. “Nabuco parecia antever o

esgotamento da causa abolicionista e a necessidade de encontrar, para si mesmo, uma outra

que a substituísse e permitisse a continuidade de seu empenho reformador”172. Esse seu

reformismo, já alerta à unidade nacional, buscava salvar a Coroa do Imperador através da

descentralização do seu poder para as mãos das fortalecidas oligarquias provinciais, um

esforço que se mostrou estéril173.

Num retraimento político, que também foi um retraimento do seu liberalismo radical,

justificável pelo trauma que representou o advento da República para suas aspirações,

incorpora agora uma postura defensora do antigo regime, relegando todo o resto a um

segundo plano. O Dever dos Monarquistas174, opúsculo escrito como resposta ao Dever do

Momento do Barão de Jaceguai, é o documento dessa nova fase, reedição, numa causa

diferente, dos dilemas de vinte anos atrás. Esse movimento de oscilação transparece bem

aquela “distância reveladora” citada por Salles, vista em perspectiva, entre o liberalismo

radical do abolicionismo e o liberal conservadorismo do seu monarquismo.

O americanismo, como causa pessoal, chega a ele no momento preciso em que

necessita transpor sua dedicação para outro plano que não o monarquismo, esvaziado pela sua

progressiva aceitação do novo regime a partir de 1899. Os problemas do jacobinismo

republicano e do militarismo iam se atenuando e Nabuco, justificando-se pelo patriotismo,

torna-se um diplomata. Por meio dessa substituição de causas, tendo na superfície o incentivo

da sua vaidade pessoal e nas causas profundas o pertencimento a uma geração que havia

encontrado cada uma das suas referências esfaceladas com a chegada do Quinto Século,

Nabuco tendia a buscar novamente um grande papel político175. Ao Rio Branco lhe oferecer

172
NOGUEIRA, 1984, p.148.
173
Para uma discussão a respeito do federalismo nabuqueano, ver ANDRADE & DANTAS, 1992.
174
Para consultar o documento e sua análise ver ALENCAR & PESSOA, 2002.
175
Nabuco deixaria bem claro a falta que lhe fazia a devoção a grandes causas em carta de 23/07/1905 a Sr.
Garrison (FUNDAJ). Diria que desde a abolição “eu senti o vácuo que a grande causa, uma vez ganha, deixou na

73
74

Washington, a oportunidade havia surgido e, mesmo sem saber por onde Nabuco caminharia,

o chanceler supunha pelo menos que este não ficaria indiferente à questão americana,

transformando-se num burocrata subalterno, sendo esse um novo rumo aberto a iniciativas.

A criação de uma embaixada no início do século XX não era um mero movimento

burocrático como quase o é atualmente. Ela era, ao contrário, uma “raridade diplomática”176

normalmente reservada para grandes potências. Para se ter uma idéia da excepcionalidade que

era uma embaixada, em 1905 o Brasil ainda não tinha nenhuma no Rio de Janeiro, enquanto

que Washington tinha apenas sete. Seis delas - Alemanha, Áustria-Hungria, França, Grã-

Bretanha, Itália e Rússia - eram de importantes países europeus, grandes ou médias potências.

O único país latino americano que tinha lugar nesse meio era o México. A criação desta sua

embaixada em 1899 esteve ligada a uma forte adesão a Doutrina Monroe177 e a participação,

ao lado dos EUA, na Segunda Conferência Pan-americana178. Da mesma forma que era rara

tal construção, era também politicamente poderosa. Assis Brasil, na condição de Ministro em

Washington, reclamava da diferença de hierarquia dos postos do Brasil e do México, dizendo

que depois que este último criou uma embaixada, mesmo sendo um país menos populoso,

mais pobre e menos importante, não havia quem não o colocasse como a potência mais

significativa da América Latina. O diplomata dava o diagnóstico da situação ao afirmar que

“infelizmente do presidente não posso aproximar. Especialmente depois que se criaram

Embaixadas neste país, os simples Ministros Plenipotenciários ficaram em plano inferior e os

da nossa América pior do que ninguém”.179

vida daqueles que a ela se tinham devotado e esse vácuo só pode ser preenchido na minha, pela grande tarefa de
iniciar o Brasil e os Estados Unidos em relações de amizade”.
176
BURNS, 2003, p. 119.
177
Além dessa forte adesão à Doutrina de Monroe, levanta-se ainda o fato de que a elevação da legação teria
ligação com a substituição do ministro mexicano à época pelo embaixador Aspiroz, antigo promotor do tribunal
que condenara à morte o imperador Maximiliano (Cf. COSTA, 1968, p.57).
178
Cf. COSTA, 1968, p. 57.
179
Ofício de Washington - Assis Brasil para Rio Branco, 04/02/1903 (Apud. BURNS, 2003, p. 120).

74
75

A criação da embaixada brasileira em Washington, somada à figura badalada de

Nabuco, reconhecida pela opinião pública180, juntamente com sua postura, dava um relevo

único ao relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos. Criava um título que destacava o

Brasil em toda América do Sul e o colocava em hierarquia igual ao das potências européias.

Formava-se assim, tanto aos olhos dos países americanos, como aos olhos dos nacionais, uma

imagem de que o ocupante deste cargo teria um razoável poder potencial. Isso era verdade já

que, como vimos, todo esse movimento estava intimamente de acordo e ligado à política de

prestígio de Rio Branco.

As possibilidades de ação do cargo de embaixador realmente não eram pequenas,

especialmente para o Brasil. Por seu turno também o embaixador era tido nessa época como

um importante agente político dos Estados, já que pelas suas relações diplomáticas

estabelecidas em lugares estratégicos do governo e conselhos estrangeiros, guiados pela

vivência cotidiana no país em que está acreditado, tornava-o não um mero executor de

políticas pré-definidas pelo seu Ministério, mas um contribuinte dessas diretrizes.181 Essa

situação, que promovia certa amplitude de ação aos embaixadores, era ainda dilatada pela

distância e lentidão dos meios de transporte e comunicação, que dificultava o diálogo e o

encontro entre representantes e Ministros Chefes do Exterior. Normalmente estes mesmos

Ministros entendiam que existia necessidade e benefícios em dar certa discrição aos seus

enviados, uma vez que eram eles que estavam mais bem inteirados acerca da situação

180
O Chicago Tribune de 10/07/1906 (Apud. COSTA, 1968, p. 94), por exemplo, dizia: “Ele é um homem de
esplêndida personalidade, digno e cortês, e causou impressão agradável ao Presidente e aos membros do
Governo com os quais esteve em contato”. Oliveira Lima também faz registro em suas memórias que “em
Washington Nabuco não passou unnoticed, como em Londres” (LIMA, 1937, p.197).
181
PINO, 2001, p. 91. Em carta de Azeredo a Nabuco de 25/05/1906 (FUNDAJ), o amigo diz ver “com prazer
que a sua embaixada na grande República lhe depara ocasiões e meios de exercitar a atividade política que é a
base do seu temperamento, e de influir praticamente no progresso do Brasil e da América, digno objeto de sua
nobre ambição”.

75
76

econômica e política do local onde estavam acreditados e podiam, por isso, agir com maior

clareza182.

Nabuco, quando Rio Branco em 1906 foi convidado pelo novo presidente Afonso

Pena para continuar no cargo de Ministro, dirá, no sentido de garantir uma atuação digna no

cargo de embaixador

Vejo que você será o Ministro. Pelo país estimo, pois você é uma força ao serviço da dele (...)
por mim na parte que me é direta felicito-me, pois você não me desconfessará e me dará
liberdade de ação, sem a qual nada posso fazer pela amizade Americana183

Além das motivações relacionadas intrinsecamente ao cargo, à figura de embaixador e

às características pessoais que incentivavam uma ação mais propositiva da parte de Nabuco,

existia ainda o fato de que as orientações de Rio Branco também nunca lhe pareceram claras

ou suficientes184. Faz sua primeira reclamação sobre o assunto alguns meses após a assunção

do cargo.

O Rio Branco, esse, não me escreve, nem me diz nada, de modo que não posso conjecturar

coisa alguma quanto aos planos e pensamento dele.185

Ele achava que o Chanceler, depois de ter dado força à política de aproximação, não

lhe dava a devida continuidade. Na correspondência ativa de Nabuco pode-se notar

claramente esse descontentamento desde que assumiu seu posto em Washington. Várias cartas

182
Cf. PINO, 2001, p. 91.
183
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 12/10/1906 (AHI).
184
Ver também COSTA, 1968, p.129.
185
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 21/06/1905 (Cartas II, 1949, p. 219).

76
77

mostram uma inquietação proporcionada pelo silêncio de Rio Branco quanto a política a ser

seguida em Washington, tanto de maneira geral quanto em situações específicas. Isso é

notório nos primeiros momentos de embaixada186, por ocasião da organização do Congresso

Pan-americano de 1906 que se realizou no Rio de Janeiro187 e, de modo geral, Nabuco

reclamaria da falta da correspondência pessoal e atenção de Rio Branco para com ele próprio

durante todo o tempo que atuou na embaixada188. Nabuco mescla suas reclamações sobre a

falta de orientação do Ministro Rio Branco com ressentimentos pessoais em relação ao amigo

Juca Paranhos. De fato, saber onde acabava o amigo e começava o cargo sempre foi uma

dificuldade de ambos.

Como foi colocado acima, Nabuco tinha certa vaidade ambiciosa que sempre fez com

que buscasse adquirir independência de ação nos cargos que ocupou. Essas características

faziam com que, quando recebia instruções do chanceler, pensasse que

Não teria obtido nada se me cingisse às instruções que ele me tem mandado e não procurasse
chegar aos fins desejados por outros meios ... A prática de Rio Branco é reduzir o agente a
porta-voz ... Mas que zelo admirável, que vigilância em torno de suas fortificações189

Não podemos dizer a partir dessa documentação que Rio Branco não tinha um plano

com a criação da embaixada. Na verdade isto seria um engano. Como já vimos, existiam

objetivos concretos com a criação e a aproximação com os Estados Unidos. O distanciamento

e a pouca troca de informações entre ambos pode ter se dado por vários motivos. Talvez Rio

Branco confiasse em Nabuco a ponto de lhe entregar a condução da maioria das ações da

186
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 21/06/1905 (Cartas II, 1949, p. 219); Carta de Joaquim Nabuco a
Oliveira Lima, 05/10/1905 (Cartas II, 1949, p. 224).
187
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 237).
188
Cartas de Joaquim Nabuco a Graça Aranha de 21/06/1905 (Cartas II, 1949, p. 217-219), 02/02/1906 (Cartas
II, 1949, p. 242) e 12/11/1908 (Cartas II, 1949, p. 321); Carta de Joaquim Nabuco a Cardoso de Oliveira de
22/10/1909 (FUNDAJ).

77
78

embaixada para um melhor relacionamento com os Estados Unidos sendo que um Ministro do

Estrangeiro não pode formular pensamentos detalhados sobre a política específica a ser

seguida por cada um dos postos diplomáticos no estrangeiro e mandar fazê-los cumprir no

cotidiano diplomático, ficando somente com a política mais ampla. Seria possível então dizer

que o relacionamento com os Estados Unidos era somente um dos âmbitos da política externa

de Rio Branco (ainda que essencial) e que existiam outros assuntos que mereciam atenção,

como os embates político-diplomáticos com a Argentina, as questões litigiosas ainda não

resolvidas, a manutenção de relações com a Europa apesar do privilégio dos assuntos

americanos e as tentativas de aproximação com alguns países latinos para a celebração de

tratados de segurança e comércio?

Não. Esse tipo de argumento, em resumo, retira a importância central que teve a

política de relacionamento com os Estados Unidos e sugere que, por que Rio Branco tinha

muito trabalho, não pôde cuidar de todas as necessidades. Não concordamos com isso, nem

temos um conhecimento claro sobre as possibilidades ou restrições, formais e informais do

cargo de Ministro, que propiciariam a situação descrita acima. Afirmar tal coisa seria forçar

os fatos a um esquema pré-definido. Talvez pudéssemos então chamar a atenção sobre o

caráter um pouco reservado e extremamente seguro de Rio Branco, para dizer que

desconsiderava necessário debater pormenores de sua política com Nabuco, o qual somente

deveria cumprir o determinado. De fato, Rio Branco só dava satisfação de suas ações ao

Presidente e, às vezes, à opinião pública quando o assunto requeria, tendo parado de submeter

os devidos relatórios anuais ao Congresso em 1902 e se mantendo distante das questões

internas durante quase todo o período que esteve à frente do Ministério. Mas isso é muito

questionável por que reconhecemos que Rio Branco dava alguma abertura para seus

funcionários mais prestigiados.

189
Diário de Nabuco (Apud COSTA, 1968, p.130); Cf. VIANA FILHO, 1952, p.303.

78
79

Todas essas explicações, se adotadas, soariam como um remendo mal feito. Partamos

então, por um viés político de análise para descobrir que todas as possibilidades descritas

podem ser referidas a uma questão de fundo e central: as diferentes concepções de Nabuco e

Rio Branco sobre a função da embaixada. A postura de ambos sobre esse tópico está

relacionada intrinsecamente com suas concepções estratégicas de aproximação com os

Estados Unidos190 e o seu apontamento é elucidativo no sentido de mostrar que a motivação

para a ação e reflexão de Nabuco já vinha também de uma concepção distinta sobre a

materialidade da política de aproximação, que era a embaixada em si. Mostremos essas

posições.

Quando Nabuco chega a Washington em 24/05/1905 recebe um telegrama de Rio

Branco nos seguintes dizeres

Saúdo afetuosamente o novo embaixador certo de que aí permanecerá muitos anos,


relacionando-se cada vez mais com os homens influentes para que nesse posto possa prestar ao
nosso país todos os serviços que esperamos do seu saber e patriotismo191

Aí está contida a linha geral da função da embaixada para Rio Branco. Poderíamos

descrevê-la como uma função reativa, já que o novo embaixador teria o compromisso de

conhecer os meandros do poder na capital norte-americana, estabelecendo o melhor

relacionamento possível com pessoas chaves do governo como o objetivo de garantir para o

Brasil, num momento de necessidade, meios de defesa contra intrigas latino-americanas e,

principalmente, o apoio político dos Estados Unidos. A embaixada seria assim acionada em

determinadas situações pontuais e, por isso, a comunicação do Ministro com seu embaixador

190
As táticas de relacionamento com os Estados Unidos de Nabuco e Rio Branco serão abordadas no capítulo
IV.
191
Apud COSTA, 1968, p. 89.

79
80

só era necessária, por exemplo, quando os Estados Unidos decidiram criar uma taxa para o

café brasileiro, quando se necessitou de apoio na questão do rearmamento naval ou quando os

EUA se colocaram contra as propostas brasileiras em conferências internacionais192.

Para Nabuco a embaixada tinha uma função mais propositiva. Diria em carta a

Domício da Gama

O Governo nos traça o roteiro, mas a responsabilidade da navegação é nossa. Por isso não
deve ter neles senão homens de confiança (...) são navios que não podem ser comandados de
fora193

Essa percepção de independência, ao mesmo tempo em que exigia a função de garantir

essas possibilidades para o Brasil pensadas por Rio Branco, também objetivava um trabalho

mais público, tanto promovendo eventos que estimulassem e divulgassem essa cumplicidade

com os Estados Unidos, quanto disseminando a imagem brasileira. Mas esse movimento mais

ativo necessitava de um diálogo constante com o chanceler para ser homogêneo nas suas

aparências, não dando margem para dubiedades sobre as posições brasileiras.

O importante para nós aqui é que a percepção de Nabuco sobre a situação era a de que

estava apartado das diretrizes políticas de Rio Branco e que durante a maior parte do tempo e

dos eventos que se sucederam nos seus anos como embaixador, as coisas eram pensadas sem

ele ou não eram pensadas, o que, dada sua idéia de necessidade de aproximação com os

Estados Unidos, era ainda pior. Sendo assim, tendia a formular de maneira cada vez mais

detalhada suas concepções sobre o relacionamento continental e o meio internacional e aplicá-

192
Por toda a época em que Nabuco atuou em Washington existiram fortes pressões para a taxação do café
brasileiro que culminaram numa crise em 1908-9; Rio Branco buscou rearmar a marinha brasileira que à época
se encontrava completamente defasada e enfrentou forte resistência da Argentina a esse projeto de 1908; na
Conferência de Paz de Haia em 1907 os Estados Unidos se opuseram a algumas importantes propostas do
governo brasileiro. Em todos esses episódios Joaquim Nabuco foi solicitado por Rio Branco para atuar no
sentido de beneficiar o Brasil a partir de Washington. Veremos mais a frente tais eventos em específico.

80
81

las sempre que possível dentro da ótica geral, que sabia estar aceita, de uma política de

aproximação com os Estados Unidos. Para ter algum tipo de aval, Nabuco, em algumas

ocasiões, comunicava-se por cartas particulares com os Presidentes da República Rodrigues

Alves e Afonso Pena194, que também eram amigos de velha data. Estas cartas acabavam

ganhando conteúdo político. Dirá, por exemplo, que

Você me encontrará neste posto, e eu não sei se lhe devo pedir que me deixe nele. Isto
dependerá da sua política. Se esta for francamente americana, no sentido de uma inteligência
perfeita com este país eu terei grande prazer em ser seu colaborador nele

Esse tipo de carta, até intimidadora, tinha também o objetivo de informar sobre o

momento pelo qual passavam nossas relações com os Estados Unidos. Nabuco queria que os

presidentes soubessem o que ele fazia e pensava para o país. Por vezes Nabuco dava tal tom a

sua correspondência que parecia mesmo o Ministro do Exterior. Diria , por exemplo, a Afonso

Pena que “não convém iludir os americanos” quanto aos propósitos do Brasil no continente e

na aproximação bilateral e, para que eles ficassem claros para todos os interlocutores,

nacionais ou estrangeiros, indicava no final de 1905 ser “(...) da maior vantagem que esta

(mensagem presidencial) contenha um tópico sobre as nossas relações com os Estados

Unidos”.195

Essas correspondências preocuparam Graça Aranha, amigo e confidente de Nabuco

em boa parte de seus anos como embaixador, por entender que Rio Branco poderia ver isso de

uma maneira ruim. Graça afirmava que o chanceler, por conta da popularidade, autoridade e

193
Carta de Joaquim Nabuco a Domício da Gama, 31/10/1908 (FUNDAJ).
194
Cartas de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves de 02/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 230) e 06/06/1905
(FUNDAJ); Cartas de Joaquim Nabuco a Afonso Pena de 02/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 229). Viana também
faz referência a essa atitude de Nabuco de relacionar-se com os presidentes para contornar uma eventual má
vontade de Rio Branco (VIANA FILHO, 1952, p.304).
195
Carta de Joaquim Nabuco a Afonso Pena, 02/12/1905 (Cartas II, 1949, p.230).

81
82

independência alcançada no cargo, havia se transformado em uma “avalanche” que arrastava

todos os que se colocassem contra ela. Nabuco lhe responde

Tranqüilize-se pois não darei ao Rio Branco tão justo motivo de queixa como seria esse de me
estar correspondendo secretamente com o Presidente196

A verdade é que as orientações detalhadas e diretrizes de ação que Nabuco esperava

conseguir de Rio Branco nunca vieram e sua decepção, exposta nas palavras “a mim o Rio

Branco esqueceu aqui; não me honra mais com a sua amizade”197, impulsionou-o à ação.

2.1 – INFLUÊNCIA DIRETA DE NABUCO NA POLÍTICA EXTERNA

A influência de Nabuco na política externa brasileira não poderia ter se dado pela

formulação de uma política oficial, sendo ele um embaixador. Ela se deu, na verdade, pelo

efeito irreversível causado pelas suas ações diplomáticas que chegaram ao conhecimento da

opinião pública e ganharam repercussão. Quando Nabuco agia numa certa direção frente a

determinado assunto ou evento internacional, gerando publicidade, sua ação acabava

adquirindo o caráter da política externa do governo brasileiro, um tom oficial. Era como uma

ação sem volta que imprimia num ato a marca desse seu protagonista e, mesmo que isso não

estivesse completamente de acordo com o pretendido pelo governo, ela era percebida e gerava

repercussões enquanto tal.

196
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 17/01/1907 (Cartas II, 1949, p. 263).
197
Carta de Joaquim Nabuco a Cardoso de Oliveira, 22/10/1909 (FUNDAJ).

82
83

Dizemos ação sem volta porque, mesmo quando desmentida oficialmente, ela já havia

gerado o efeito devido. Isso não foi uma regra de conduta de Nabuco, mas esses atos -

podemos chamar de desvios - aconteceram e podem ser vistos como a marca mais visível de

Nabuco na política externa brasileira. O caso expressivo é o incidente da “Panther” em 1905 e

os conseqüentes eventos da III Conferência Pan-americana de 1906.

O incidente da canhoneira alemã Panther

O caso Panther foi um incidente exclusivamente diplomático, mas de tamanha

repercussão que tomou lugar nas páginas dos principais jornais da América e da Europa. A

importância que o caso ganhou se relaciona diretamente com as circunstâncias internacionais

do momento e os lados envolvidos.

Os acontecimentos se iniciaram no dia 27 de novembro de 1905. Nessa madrugada,

alguns oficiais e marinheiros alemães do navio de guerra que dá nome ao incidente,

encarregados pelo seu respectivo comandante, desembarcaram no porto de Itajaí, Santa

Catarina, sem qualquer permissão das autoridades responsáveis, para aprisionar Jaren

Steinoffer, um suposto desertor. Após o capturarem rumaram para o lado do Rio Grande do

Sul onde permaneceram por algum tempo. O fato realmente era uma violação das normas de

conduta internacional, já que somente às autoridades brasileiras cabia em terra tal ação de

polícia praticada. A opinião pública e a imprensa nacional ficaram estarrecidas com o que

consideraram uma grande afronta à soberania nacional e exigiram represálias contra a Panther

e o governo alemão. Essa indignação deve ser contextualizada.

O evento ganhou a proporção que simbolizava. Era a mostra de como o Brasil se

inseria no embate interimperialista da época, sendo uma área de disputa, por influência ainda

que não de colonização, de duas potências emergentes – Estados Unidos e Alemanha - que

83
84

abriam espaço por entre a já declinante hegemonia inglesa. O fato ocorre no momento em que

crescia o medo da colonização germânica na região sul do continente198. Esse temor apoiava-

se na ocorrência de grupos alemães, tradicionalmente fechados, trazidos pelas correntes

migratórias do final do século XIX, que formavam cidades praticamente autônomas com

igrejas, educação, língua e escrita próprias, somada à força da questão racial que ganhava

peso com as teorias sociais evolucionistas. Esses grupos eram disseminados nos Estados

brasileiros de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, onde o temor, seja de separatismo

ou de colonização, se reforçava nesse elemento estrangeiro. O temor era ainda ampliado pelo

periódico pangermanista chamado Grenzboten, expressivo órgão publicado em Berlim que

“mantinha, com respeito ao Sul do Brasil, pretensões que de fato só poderiam trazer

inquietações, pois vislumbrava, na costa ocidental atlântica, um império colonial que

aproveitasse a base da colonização já existente”.199 Além disso, estimava-se que existiam

importantes interesses comerciais para a Alemanha no Brasil, interesses que eram

concorrentes aos norte-americanos200.

Então, se, como ficou claro mais tarde, o incidente ganhou proporções exageradas na

imprensa201, com artigos e notícias exaltadas e na opinião popular, com irritação e revolta,

tudo isso estava de acordo com a percepção do perigo que representava a Alemanha na época

e a vontade do Brasil de estar do lado americano e contíguo aos Estados Unidos.

Da imprensa nacional a notícia se espalhou com a mesma gravidade para os jornais

americanos e, depois, europeus. Nos Estados Unidos a notícia ganhou vulto especialmente por

conta do histórico de farpas trocadas em linguagens oficiais entre este país e a Alemanha.

Formava-se então, pouco a pouco entre os norte-americanos, a idéia de que a Alemanha era

198
Cf. LINS, 1995, p. 328. É dessa época, por exemplo, o opúsculo O Germanismo no Sul do Brasil, de Sílvio
Romero.
199
BUENO, 2003, p. 328.
200
Cf. BUENO, 2003, p. 337.

84
85

seu principal rival no continente e logicamente, nesse estado de tensão, a Doutrina Monroe

era citada em todo momento.

A Doutrina Monroe é erroneamente vista como agressiva em algumas partes da América do


Sul e existe uma crença popular aqui que a influência Alemã é largamente responsável por
essa condição (...) Politicamente e comercialmente a Alemanha deve ser considerada o grande
rival dos interesses americanos e sua atitude tem sido tal que pode causar um embate de
armas202

Rio Branco não queria tomar nenhuma atitude precipitada por perceber a

potencialidade explosiva da questão e esperava inquéritos conclusivos a respeito do incidente.

Nesse ínterim, acionou a figura de Nabuco na embaixada de Washington a fim de formar

opinião a favor do Brasil, deixando claro o quanto o irritara a violação de soberania e

mostrava até onde estava disposto a chegar para obter a reparação formal do ocorrido por

parte do governo alemão. Rio Branco diria então a Nabuco

Trate de provocar artigos enérgicos monroístas contra esse insulto. Vou reclamar entrega
preso condenação formal ato. Se inatendidos empregaremos força libertar preso ou metermos a
pique Panther203

No entanto, mesmo querendo estar próximo aos Estados Unidos nessa questão, Rio

Branco não admitia, tendo por base pressupostos nacionais de autonomia e prestígio, que o

Brasil pedisse apoio aos Estados Unidos para resolver uma questão de soberania e honra

como era aquela. Mas era exatamente isso que os jornais norte-americanos noticiavam. O

201
O jornal que representa essa tendência desde o início de 1905 é o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro
(Cf. BUENO, 2003, p. 334).
202
Washington Times de 27/11/1905.
203
Telegrama de Rio Branco a Nabuco, 09/12/1905 (AHI).

85
86

Chicago Tribune204 no dia 11/12/1905 exibia uma charge de título Brasil desafia a nuvem

negra onde o Brasil, representado por um português de espada e canhão, abriga-se em uma

nuvem com os traços de Bismarck vinda do navio de guerra Panther, com um guarda chuva

onde se lê a inscrição manifesta: Doutrina Monroe.

Nabuco havia assumido a embaixada fazia pouco mais de seis meses e já se deparava

com uma questão desta grandeza. Mesmo assim não teve dúvida sobre qual deveria ser sua

ação quando ficou sabendo o que ocorrera em Itajaí por meio do telegrama citado de Rio

Branco

Nesse mesmo dia fui ao departamento de Estado e não encontrando Mr. Root informei o que
havia ocorrido ao Sub-Secretário Mr. Bacon205

Alguns jornais americanos, especialmente a agência de notícias Associated Press,

divulgaram então a informação de que o governo brasileiro havia pedido ajuda aos Estados

Unidos para resolver a questão por meio da embaixada de Washington206. Rio Branco se

irritou especialmente com o fato de Nabuco não ter desmentido prontamente a notícia, ao que

este responde que não o fizera por três motivos: eram sem número no jornalismo norte-

americano informações inexatas de incidentes dessa natureza; se tivesse dito ao Secretário de

Estado que o próprio Rio Branco desejava que o governo norte-americano soubesse do grave

desacordo que havia tido lugar entre o Brasil e a Alemanha por conta de um atentado à nossa

soberania estaria fazendo algo de acordo com a prática das nações amigas e possíveis aliadas;

desmentir a notícia de modo a ser crido que ele, Nabuco, não havia atuado segundo ordens de

204
Chicago Tribune de 11/12/1905.
205
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 15/12/1905 (AHI).
206
Cf. Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 15/12/1905; Telegrama de Rio Branco a Nabuco,
12/12/1905 (AHI).

86
87

Rio Branco, equivaleria a repudiar perante o mundo a simpatia, a comunidade do sentimento

americano que uniria os dois países.207

A verdade é que Nabuco não entendia qual o problema de ter apresentado os fatos ao

Departamento de Estado norte-americano na questão, mas, mais que isso, não entendia a

preocupação de Rio Branco com as notícias que vinculavam o Brasil aos Estados Unidos por

esse episódio, o que para ele era um avanço nas relações entre os dois países mais importantes

do continente. É nesse tom que se expressa a Rio Branco

Você telegrafou que desmentira aí que me tivesse encarregado de ir ao Departamento de


Estado e estou sem atinar com a razão desse desmentido. De certo não fui lá da sua parte, mas
que pode ter havido tão desagradável na falsa notícia para você esmagar publicamente e dar-
me aviso de que o fizera?208

Justificando ainda que

Fiz assim com os Estados Unidos o que devêra fazer com uma nação nossa amiga e possível
aliada, o que aliás faz a França, a Inglaterra, a Alemanha sempre que se trata de complicações
presentes ou eventuais na América do Sul209

Mas diante da pressão de Rio Branco, que já havia feito questão de desmentir a notícia

nos jornais brasileiros, Nabuco manda uma carta para o Secretário de Estado norte-americano

Elihu Root para esclarecer que o “objetivo da minha visita foi apenas proporcionar ao

Departamento a informação mais segura sobre o incidente” no sentido de “proteger com este

documento, a ser guardado em nossos arquivos, a verdade alterada por uma notícia de

207
Cf. Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 15/12/1905 (AHI).
208
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 236-7).

87
88

agências telegráficas aqui e no estrangeiro que eu apelara ao governo americano com relação

ao incidente”, ao que Root responderia que “a declaração concorda perfeitamente com a

minha própria informação. Não apelaste para o Governo dos Estados Unidos por causa desse

incidente (...) houve simplesmente uma troca de informações”. 210

Mas o caso era que pouco importava o que ocorrera de fato, importava sim, pelo

menos para Rio Branco e sua política de prestígio, a percepção que ficou do que ocorrera de

fato e com ela a visão que o Brasil ganhava internacionalmente. Não que Rio Branco não

quisesse a seu favor o apoio moral dos Estados Unidos na questão, pois isso lhe daria maior

margem de manobra com o governo alemão, como realmente lhe deu211, mas não queria ver

vinculado esse apoio a um pedido formal do governo brasileiro, como transpareceu ao mundo

todo a ida de Nabuco ao Departamento de Estado. O Barão, pelas suas convicções, nunca

apelaria para algo como uma intervenção dos Estados Unidos, mesmo que parcial, em

incidentes internacionais. Parecia-lhe uma fraqueza, uma abdicação de soberania, ao mesmo

tempo em que um reconhecimento de um poder excessivo e intervencionista por parte dos

Estados Unidos212.

Queria sim que o auxílio norte-americano fosse tomado como uma iniciativa própria e

amigável dos Estados Unidos. O que ocorreu, além disso, foi que a imprensa norte-americana

deslocava a questão da responsabilidade do Brasil com o seu território para a responsabilidade

da Doutrina Monroe (e conseqüentemente dos Estados Unidos) com a preservação do

209
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 15/12/1905 (AHI).
210
Carta de Joaquim Nabuco a Elihu Root, 14/12/1905 (FUNDAJ).
211
O Departamento de Estado norte-americano tomou iniciativas que tendiam a favorecer o Brasil na questão da
Panther. Root conversou com o embaixador alemão Speck von Sternberg e despachou um telegrama e várias
cartas para a embaixada americana em Berlim no sentido de fornecer informações, ainda que não desse
instruções para qualquer ação. Assim a Alemanha poderia deduzir que os Estados Unidos se preocupavam com
os rumos que poderia tomar o acontecimento e ver sua inclinação para o lado brasileiro (Cf. BURNS, 2003, p.
128-129).
212
Cf. LINS, 1995, p.315.

88
89

continente213. A ênfase dada à Doutrina Monroe, somada à ida de Nabuco ao Departamento

fazia transparecer que o Brasil se escondia por não conseguir dar conta de sua soberania (fato

exemplificado na charge exposta pouco acima). Talvez seja nesse sentido, de tentar trazer

respeito e prestígio para ação positiva do Brasil na questão, que deva ser entendida a postura

“mais altiva, enérgica e sombranceira” de Rio Branco, não se mostrando “disposto a nenhuma

transigência”214 nas negociações com a Alemanha. De qualquer forma, a vinculação da

proteção, quiçá bélica, do Brasil pelos Estados Unidos, se não era simpática aos olhos de Rio

Branco, ia de encontro ao que Nabuco queria dessa política de aproximação215.

Por fim, o incidente foi resolvido nos primeiro dias do ano de 1906 com o pedido de

desculpas das autoridades alemãs e a punição dos oficiais da Panther, que, ficou provado,

agiram independente de ordens do governo alemão. Não houve maiores danos na relação com

o Brasil, mas a marca deixada pelo incidente na sua imagem internacional, de vinculação

estreita com os Estados Unidos, repercutiria por algum tempo, especialmente na reunião da III

Conferência Pan-americana de 1906.

Meandros da III Conferência Pan-americana

Nas reuniões que tomaram lugar no Bureau das Repúblicas Americanas216 no mês de

novembro de 1905, e às quais Nabuco não esteve presente, o Secretário de Estado norte-

americano Root levantou a necessidade de se reunir a III Conferência Pan-americana ao que o

213
Vários jornais fazem referência a isso, tais como: Washington Post de 11/12/1905 que dizia “este incidente
alemão no Brasil é mais importante do que parece na superfície (...) ele tem forte aparência de desafio para os
Estados Unidos” e o de 10/12/1905 que diria “Talvez [o Brasil] peça nosso suporte para assegurar satisfação da
Alemanha”; o The Chicago Tribune de 10/12/1905 ou o The Sun de 10/12/1905 que faziam a chamada de suas
matérias com o título “Doutrina Monroe em teste”.
214
LINS, 1995, p.329-330.
215
Nabuco “receava que esta chamada indignação do espírito nacional escondesse alguma intriga contra a sua
política americana” (COSTA, 1968, p. 239).
216
O Bureau foi um órgão criado na conferência pan-americana de Washington em 1889-1890 para representar a
aproximação americana com sede no mesmo local da reunião e que teria a função de divulgar informações gerais
sobre comércio, transporte, etc. dos países membros.

89
90

Ministro da Costa Rica, J. Calvo, lembrou o direito preferente do Brasil pela significação do

país no sul do continente, acompanhando-o o Ministro do Chile, Walker Martinez. Root

afirmou na ocasião que se a sede da conferência fosse no Brasil, iria ele próprio ao evento.

Nabuco, nesse sentido, nada teve a ver com a indicação formal e iniciativa do

Secretário de Estado de vir para ao Brasil a não ser em, como ele mesmo diria, “preparar a

disposição de espírito da qual o impulso nasceu espontâneo”.217 Rio Branco, movido pela

lógica de sua política de prestígio218, concorda em trazer para o Brasil a reunião e propõe,

como era normal, que esta tivesse lugar no Rio de Janeiro, a capital do país.

A junta que elaboraria o programa era formada por representantes do México, Costa

Rica, Chile, Argentina, Cuba, além de Nabuco e Root (que seriam presidente e vice-

presidente do evento) e se instalou no final de dezembro de 1905. Todos os outros países

americanos puderam opinar sobre o programa e poucos não o fizeram. Algumas questões

controversas, no entanto, tinham que ser dirimidas e excluídas do programa para a conferência

não tocar em pontos melindrosos. Era o caso do arbitramento obrigatório proposto pelo Peru

que, se vendo envolto em pendências territoriais com vizinhos, pensou em utilizar esse

expediente para facilitar suas negociações; da livre navegação de rios que, para o Brasil, era

questão delicada, relacionada à integridade territorial e ponto de controvérsias com vários

vizinhos219; da Doutrina Drago220 para a Argentina que queria vê-la constando do temário da

217
Cf. Ofício reservado de Washington - Nabuco para Rio Branco, 23/12/1905 (AHI).
218
Cf. BUENO, 2003, p.58.
219
Por conta dos preparativos para a IV Conferência Pan-americana que iria se realizar em Bueno Aires em 1910
Nabuco dirá a respeito desse mesmo tópico para o então Secretário de Estado Knox “O que nós objetivamos
quando o programa da 3ª Conferência estava sendo discutido, e poderemos objetivar agora é termos os nossos
direitos de soberania sobre os nossos rios em discussão por um corpo de nações estrangeiras que não fazem parte
do seu curso e algumas não tendo sequer um rio seu digno do nome” (Carta de Joaquim Nabuco a Knox,
11/03/1909, FUNDAJ).
220
O Ministro Drago da Argentina propôs, em retaliação ao bloqueio Venezuelano de 1902 por potências
européias para a cobrança de dívidas, a tese de direito público internacional que tomava como admissível o uso
de força nesses casos. Nabuco era particularmente contra a presença desse tema na conferência. Diria que “não
gostaria de ir as paredes do Rio de Janeiro afixadas com grandes bandeiras de cartão desta maneira. ‘Cuidado
com Obrigacionistas Estrangeiros – Dívidas públicas não mais sujeitas a pagamento compulsório mesmo no caso
do maior mal trato e depudiação mais escandalosa. Princípio adotado pelo Encontro dos Devedores no Rio de
Janeiro” (Carta de Joaquim Nabuco a Griscom, 26/03/1906, FUNDAJ).

90
91

conferência, mas em relação à qual não existia consenso dos três mais importantes países do

cone sul (Argentina, Brasil e Chile); da ampliação da Doutrina Monroe para questões de

dentro do continente, proposto pela Bolívia, tendo em vista que havia perdido um território

importante na Guerra do Pacífico.

Pelo trabalho diplomático de Nabuco e Rio Branco, somado a postura da maioria dos

países, especialmente dos Estados Unidos, de não causar constrangimentos entre si ou

transformar a conferência numa disputa de posições políticas221, todas essas questões foram

contornadas e do programa aprovado constaram itens basicamente consensuais222.

Apesar de já ter se prevenido na escolha dos tópicos do programa, Rio Branco tomava

mais alguns cuidados avisando Nabuco sobre a postura que deveria se ter durante a

conferência. Influenciado que estava pelos últimos acontecimentos do incidente da Panther,

diria que “(...) em caso algum ficaremos vencidos ou sacrificaremos os interesses do Brasil

(...) não vamos a congressos para subscrever o que os outros querem, mas sim para fazer

prevalecer as nossas idéias ou aceitar as que nos pareçam boas e convenientes”.223

Mas para Nabuco o evento passou a ter uma importância extremamente especial

quando Root declarou oficialmente em 07 de dezembro de 1905 que iria ele mesmo à

Conferência no Rio de Janeiro, entendendo que esse era “um acontecimento cardinalício”224.

É em torno desse tópico que se dará uma posição destoante com a de Rio Branco.

221
Em carta a Rio Branco, datada de 29/04/1906 (AHI), Nabuco firma que “O programa do Brasil na
Conferência é promover a harmonia e nada mais. O nosso partido nele é do bom humor e da boa vontade. Esse
deve impor a lei aos provocadores de barulhos [aqui Nabuco falava especialmente da Argentina que pressionava
para colocar seus temas controversos na pauta de discussão da conferência] e aos que inutilizam os esforços dos
outros para mostrar ao mundo uma América Unida”.
222
Para informações detalhadas sobre os tópicos constantes do programa, ver BUENO, 2003, p.63.
223
Despacho para Washington - Rio Branco a Nabuco, 30/03/1906 (AHI).
224
Carta de Joaquim Nabuco a Carlos de Magalhães de Azeredo de 09/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 234). Diria
ainda em carta a Graça Aranha de 17/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 235) que “do ponto de vista americano a visita
do Secretário de Estado (é a primeira) equivale no nosso continente às visitas reais da Europa com fim político.
É o maior passo que esta nação poderia dar (...) a reunião do Congresso perde toda a importância diante dessa
visita, exceto como quadro decorativo para ela”.

91
92

Nabuco, durante todo o movimento preliminar de organização do Congresso, fez uma

forte pressão sobre Rio Branco para que este tivesse atitudes condizentes com o que achava

ser a política externa brasileira mais acertada. Pressionava Rio Branco utilizando a observação

de que, com a criação da embaixada e a decorrente perspectiva de uma aproximação com os

Estados Unidos, percebida até mesmo como uma tentativa de aliança, era necessário

corresponder aos anseios gerados225. Isso fica patente em várias cartas enviadas por Nabuco,

que na maioria não teriam resposta de Rio Branco.

Nabuco entendeu que esse era um acontecimento único pelo fato de ser a primeira vez

que um Secretário de Estado deixava o território norte-americano. Queria que o governo

brasileiro reconhecesse a honra e a oportunidade de tal evento para utilizá-lo com o objetivo

de expandir a relação dos dois países até seu ápice. É nesse intuito que se reporta uma vez

mais ao presidente Rodrigues Alves

Eu posso fazer muito aqui até julho para que os termos dessas saudações mútuas vão até onde
seja possível atualmente a este país (...) Preciso, porém de uma palavra que me diga ou que
não me adiante, ou que trabalhe nesse sentido (...) Nada assinalaria tão notavelmente a sua
administração como uma aproximação com os Estados Unidos que fosse compreendida por
eles, por nós, pelo mundo, como uma aliança tácita226

O fato é que Nabuco achava que Elihu Root parecia cada vez mais convencido de que

era com o Brasil que melhor podia se entender numa política continental.227 Mas Rio Branco

se mostrava um pouco alheio a esse intento de tamanha volúpia, provavelmente cauteloso e

receoso de se comprometer com certas posições na vinda de Root ao Brasil. Por isso Nabuco

se encontra apreensivo em Washington ao não ver entusiasmo em Rio Branco em usar a

225
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 29/04/1906 (AHI);
226
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 18/12/1905 (FUNDAJ).
227
Cf. Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco de 29/04/1906 (AHI).

92
93

ocasião em questão para aproximar mais explicitamente o Brasil dos Estados Unidos. Para

Nabuco o saldo da conferência seria catastrófico caso os norte-americanos levassem para um

lado ruim a eventual frieza da recepção e por isso diria a Rio Branco que

Estou tremendo por pensar que você não aproveitará a ocasião maior, única, de sua vida. Eu
acredito estar chocando para você e o presidente (...) um ovo de águia, mas tenho medo de que
levado para aí ele saia gorado por falta de calor monroísta no governo e no país. Veja em que
você me meteu. Você dirá que não me encarregou disso, é certo, mas a simples criação da
embaixada criou aqui esperanças e expectativas, que a escolha de um monroísta (declarado em
cartas a você) como eu ainda aumentou e que a minha linguagem nunca desaprovada levou ao
auge (...) A questão para mim é se trabalhei em vão, se preparei um acontecimento que, por
falta de inteligência prévia com você, não chegará a sê-lo228

A conferência se reuniu entre 23 de julho e 27 de agosto de 1906229, onde participaram

as delegações de 19 países deixando de comparecer os representantes do Haiti, da Venezuela

e do Canadá, que não foram convidados. Nela, novamente o objetivo de Rio Branco era

“poder em tudo estar de acordo com os Estados Unidos”230, mas como não queria ver

novamente o Brasil citado na imprensa e na opinião pública como um subalterno dos Estados

Unidos na América do Sul, via a vinda de Root como algo importante, porém delicado e que

necessitava de cuidado. De fato, Root no Brasil, após a questão da Panther, poderia dar o tom

errado da visita. Ao invés de prestigiar o Brasil, poderia desprestigiá-lo ao colocar o fato em

termos de vinculação por demais estreita com os Estados Unidos a ponto de ficar

subentendido a negação da presença européia pela força que tomava a Doutrina Monroe e o

corolário Roosevelt e a imposição, por aval dessas, da preponderância brasileira sobre os

228
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco de 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 237).
229
Existiram problemas com a data da conferência, já que a conferência de Haia estava programada para a
mesma data. Com a intervenção dos Estados Unidos foi feita a transferência da Conferência da Paz para 1907,
mas a imprensa norte-americana não deixava passar a ocasião de enxergar a “Mão alemã na data de Haia” (New
York Herald de 08/04/1906) para prejudicar o Congresso pan-americano.
230
Despacho para Washington - Rio Branco a Nabuco (Apud LINS, 1995, p. 335).

93
94

países latino-americanos e sobre certas questões políticas na América do Sul. Rio Branco

queria essa preponderância, mas não abria mão da autonomia brasileira no sentido de uma

não-vinculação, ao menos explícita, com os Estados Unidos, o que, os eventos que se

sucediam, iam dando a entender. Por isso, nessa época, Rio Branco breca essa direção em dois

momentos: o primeiro na própria abertura da conferência pan-americana, em que faz uma

referência importante à Europa

Nações ainda novas, não podemos esquecer o que devemos aos formadores do capital com que
entramos na concorrência social. [A Europa] nos criou, ela nos ensinou, dela recebemos
incessantemente apoio e exemplo, a claridade da ciência e da arte, as comodidades da sua
indústria, e a lição mais proveitosa do progresso231

O segundo foi no pedido feito por Nabuco para Rio Branco para que se retribuísse a

cortesia norte-americana de ter mandado o seu Secretário de Estado para a Conferência

demonstrando sua amizade. Nabuco diria que

Próximo inverno espero que vocencia venha pagar visita de Root232

Rio Branco responderia que

Achaques velhice me não permitiriam viagem de aparato, além despesa seria muito grande e

não houve visita especial a este governo233

231
Discurso de Rio Branco na abertura da III Conferência Pan-americana. (Rio Branco, 1948, p. 87).
232
Telegrama cifrado de Nabuco para Rio Branco de 27/05/1908 (AHI).
233
Telegrama cifrado de Rio Branco para Nabuco, 28/05/1908 (AHI).

94
95

Nabuco via a questão de forma inteiramente diferente de Rio Branco. Achava que o

governo norte-americano havia feito sim uma cortesia que significava uma política implícita

de aproximação e que o Brasil deveria responder o ato à altura. Rio Branco sabia que uma ida

sua aos Estados Unidos poderia aumentar ressentimentos latinos com a aproximação

ascendente dos dois países que, tanto não deveria fugir ao controle, quanto deveria ser feita

em etapas e com reservas. Nabuco expõe seu ponto de vista nesses termos

O Presidente e o Secretário de Estado estão na crença de que este fez ao nosso governo, do
qual foi hóspede, uma visita formal, pois até foi feita em navio de guerra. É certo que ele não
visitou somente o Brasil, como primeiro pensou (...) Mas é sabido que as demais visitas ele fez
instado (...) e (...) o fato de ter visitado outros países não modifica o caráter da visita ao Brasil.
O Presidente e o Secretário de Estado ligam importância histórica a essa visita. Enquanto ela
não for paga, estaremos em dívida. Não reconhecer tal dívida me parece um mau efeito234

A posição de Rio Branco é definitiva e o chanceler não vai aos Estados Unidos.

Convencido de que era necessário, sem se colocar contra o governo de Washington, manter

uma boa relação com os países americanos e cuidar para que essas relações não se

deteriorassem com a proximidade aos Estados Unidos. É nesse espírito que vai iniciar

conversações mais substantivas, já em 1908, sobre o projeto de aliança entre as três

repúblicas, consideradas pelo Chanceler como as mais importantes do cone sul, Argentina,

Brasil e Chile.

Nabuco diria que “(...) será uma fatalidade, se nós não concordarmos em encarar o

futuro do nosso país do mesmo modo, por que da concordância podia nascer um grande

acontecimento, uma nova era nacional”235. De fato não houve esse acordo em nenhum dos

momentos descritos acima. A tonalidade da aproximação com os Estados Unidos era um

234
Ofício confidencial de Washington - Nabuco para Rio Branco, 29/05/1908 (AHI).

95
96

ponto essencial da política em marcha e ela era diferente em Nabuco e em Rio Branco. Se a

de Nabuco não prevaleceu nesse ínterim, a de Rio Branco também não, e isso se deveu em

grande parte à influência do embaixador nesses dois eventos que ganharam grande

significação continental e mundial. O Brasil estava, pelo menos aos olhos da opinião pública,

vinculado aos Estados Unidos como um caudatário de sua política externa para a América do

Sul, algo que Rio Branco queria ver evitado a qualquer custo, mas que já podia ser visto em

jornais como o Evening Star de 24/03/1906 que diria “é a intenção do Presidente organizar

uma aliança informal com o Brasil e delegar para ele a política da doutrina Monroe na

América do Sul”.236 Bem, isso estava de acordo com a posição de Nabuco sobre a questão.

Em resumo, dentro do propósito do capítulo, podemos dizer que a personalidade de

Nabuco ocupando um cargo de significativa responsabilidade, poder e prestígio, somada a sua

percepção decepcionada quanto à falta de atenção de Rio Branco ao cargo de embaixador e

sua respectiva política e a tomadas de atitude relativamente autônomas por parte de Nabuco,

acabaram forçando certo direcionamento da política oficial, já que lhe forneceram

oportunidade e motivação para influenciar a política externa da Primeira República com o

objetivo de vincular politicamente, mais do que o planejado por Rio Branco, os Estados

Unidos ao Brasil, ganhando este último, na América do Sul, o rótulo de subimperialista.

235
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p. 237).
236
Evening Star de 24/03/1906.

96
97

3 - CONCEPÇÕES DE NABUCO A FRENTE DA EMBAIXADA

Nabuco, ao atuar na política externa brasileira, o fez a partir de um conjunto de

conceitos, experiências e convicções. Reunimos nesse capítulo as idéias principais que

contribuíram para estruturar a sua atuação na embaixada, já que, girando em torno de pontos-

chave do relacionamento com os Estados Unidos, definiam posições e revelavam falhas e

acertos de percepção.

Essas idéias tiveram matizes variados e sutis, mas que merecem apontamento, uma vez

que ajudam na visão do quadro geral. As heranças políticas do pai, o Senador Nabuco de

Araújo, por exemplo, demonstram grande importância. A notável biografia paterna feita por

Nabuco, terminada em 1894, tendo como pano de fundo a política do Segundo Reinado, dá a

dimensão do reconhecimento do autor como filho e discípulo. Explicitamente colocaria nessas

palavras esse reconhecimento

Por onde quer, entretanto, que eu andasse e quaisquer que fossem as influências de país,
sociedade, arte, autores, exercidas sobre mim, eu fui sempre interiormente trabalhado por
outra ação mais poderosa (...) essa influência foi a que exerceu meu pai237

Deste ícone familiar Nabuco herdou tanto certos critérios de ação e postura política,

quanto seu viés liberal238. Baseava-se no que considerava a maior qualidade de seu pai -

“adaptar os meios aos fins e não deixar periclitar o interesse social maior por causa de uma

doutrina ou de uma aspiração”239 – e captava a doação necessária que exigiu seu

237
NABUCO, 1999, p. 143.
238
Nabuco dirá que o seu liberalismo é de fundo hereditário (NABUCO, 1999, p.23).
239
NABUCO, 1999, p. 146.

97
98

envolvimento com temas espinhosos como a restrição à escravidão com a lei do Ventre Livre

ou a reforma da magistratura imperial que buscava aumentar a eficiência da justiça na ordem

administrativa. Forjado na melhor estirpe dos estadistas, Nabuco de Araújo trafegou do

conservadorismo da mocidade para um liberalismo prático, empolgado e ao mesmo tempo

circunscrito às necessidades que considerava evidentes para o país. A devoção com que

encarou cada um desses temas serviria de exemplo para seu filho que, tendo em vista sua

própria trajetória política, agiu modelarmente.

O liberalismo político de Nabuco, já abordado acima, pode ser colocado como pano de

fundo das suas idéias políticas desde o abolicionismo até o americanismo. Nos anos em que

começa sua reconciliação com a República esclarecerá essa constante ao afirmar

Fui e sou monarquista, mas essa é uma caracterização secundária para mim, acidental; a
caracterização verdadeira, tônica, foi outra: liberal, - liberal não no sentido partidário, estreito,
mas no sentido que decorre destas duas consciências profundas que tenho em mim, de criatura
de Deus e de membro da humanidade. Essa é a caracterização política da minha vida, como a
afetiva é a brasileira. São essas três grandes correntes morais – Deus, pátria, Humanidade que
formaram a zona temperada do meu liberalismo, a única em que vivi240

No Brasil, o liberalismo teve o caráter ambíguo de proclamar com uma retórica

radicalizada o que se mostrava de difícil aplicação na política real e incapaz de mobilizar a

população, causando a conhecida distância entre o Brasil legal e o Brasil real. A instalação

desse recorrente paradoxo pode ser explicado tanto pela importação sem adaptação dos

modelos europeus para o contexto brasileiro, como pela falta de seriedade com que a elite

política encarava a ampliação dos mecanismos democráticos e da cidadania. De fato, segundo

240
Carta de Joaquim Nabuco a Domingo Alves Ribeiro, s/d (Cartas II, 1949, p.23).

98
99

Nogueira, esse era mais um “liberalismo conservador, elitista e antipopular, tingido de

autoritarismo, antidemocrático e sem heroísmo”241.

Em contraste, o liberalismo de Nabuco nessa fase pode ser classificado como radical

pela defesa do abolicionismo, de temas sociais, da ampliação da democracia e da

federalização ainda que tivesse limites claros tanto no parlamento como na legalidade242. Não

foi diferente com o seu americanismo que nunca deixou de lado o direito internacional e a

solução de controvérsias pela diplomacia. Assim, se no liberalismo do nosso personagem é

possível ver aspirações da fase revolucionária da Revolução Francesa, da onde se queria que

fosse a inspiração do liberalismo do país, o que se encontrava disseminado pela elite política

era algo bem diferente, mais parecido com a reação conservadora a essa fase, algo como um

jacobinismo radical, que barganhava com a liberdade e a separava da democracia.

Mesmo distanciando-se da política partidária pelo ingresso na diplomacia a partir de

1899, Nabuco pôde continuar fiel ao seu liberalismo. Ele não era, no entanto, o mesmo da

época abolicionista e reformista. Carlos Costa nos esclarece esse novo momento de Nabuco

ao afirmar que especialmente após a proclamação da República, nosso personagem incorpora

um pensamento mais conservador, evidenciado nos livros escritos nessa época, como Um

estadista do Império. Na tentativa de deixar para as gerações futuras um modelo de

civilização e política, faz uma apologia da época imperial voltando-se a temas que resgatam e

conciliam seus antagonismos243. Centra sua análise do Estado brasileiro, seus estadistas, D.

Pedro II. Podemos dizer que nesse novo momento, seu liberalismo assume um caráter

nacional ao atuar pela política externa, exercendo sua eterna empolgação cosmopolita datada

dos tempos de juventude. A questão prioritária para Nabuco se desloca para o campo do que

241
NOGUEIRA, 1984, p.67.
242
Cf. LEITE, 2001, p.92.
243
Cf. COSTA, 2003, p.130 e 220.

99
100

poderíamos determinar como “interesses superiores da pátria”244, ou seja, a inserção

internacional a partir da qual o país poderia alcançar níveis melhores de desenvolvimento e

civilização.

É nesse mesmo contexto intelectual liberal que o movimento abolicionista traz a sua

contribuição para as concepções internacionais de Nabuco. Apesar dele não ter o caráter

religioso que ganhou, por exemplo, na Nova Inglaterra245, a defesa dos escravos, somado a

decorrente preocupação com a “questão social”, estimularia a vertente humanitária de

Nabuco, advinda de suas inclinações cada vez mais cristãs246, reforçando certa visão pacífica,

senão solidária, do relacionamento entre os povos. Dar-lhe-ia ainda conceitos de raça, meio e

civilização que reformularia e transportaria para o contexto internacional. A contribuição mais

prática do período abolicionista para essa nova fase de Nabuco como embaixador, no entanto,

talvez tenha sido o desenvolvimento da oratória e o reconhecimento da propaganda como

elemento importante de ação, já que fez parte não só do abolicionismo de palanque, mas

também daquele praticado como pano de fundo dessa política parlamentar, aquele dirigido à

formação de uma opinião pública a partir da divulgação de idéias através dos meios de

comunicação da época.

As viagens de Nabuco para a Europa e para os Estados Unidos na década de 70

também tiveram uma parcela de importância nas suas concepções internacionais já que, a par

da maior importância que tinham à época para ele as questões relacionadas aos regimes

políticos e à política interna, expuseram-no ao panorama internacional norte-americano e

europeu, servindo de experiência trinta anos depois quando adquiriu seu cargo como

embaixador.

244
Cf. SALLES, 2002, p.281.
245
NABUCO, 1999, p.181.
246
Para uma melhor compreensão sobre as idéias religiosas de Nabuco ler NABUCO, 1985.

100
101

De fato, o momento em que as questões internacionais começaram a assumir um

caráter mais importante para Nabuco, estimulando sua reflexão para construir um arcabouço

mais estruturado e coeso sobre o meio externo, é após a queda do Império em 1889, já que,

sendo um monarquista assumindo e ferrenho, distanciou-se da política e encarou por dez anos

um exílio político auto-infligido. Entre os anos de 1893 e 1899 escreveu uma série de artigos

para jornais e revistas sendo que parte deles viria a ser compilada em livros como Balmaceda

(publicado em 1895) e Intervenção Estrangeira durante a Revolta da Armada (publicado em

1896). Nessa dupla de livros, discute pontos que depois vão reaparecer na agenda

internacional nos anos de atuação como embaixador em Washington, como a interrogação

sobre a legitimidade de intervenções de nações estrangeiras em assuntos nacionais, a

assimetria de poder no qual Brasil e EUA se relacionavam, o monroísmo como direito ou

dever do governo norte-americano. Essas discussões que Nabuco esboçou nesses livros serão

desenvolvidas ao longo dos anos posteriores e funcionarão como uma prévia reflexão e treino

de um olhar de observador internacional.

Esses componentes ideológicos gerais e constantes do pensamento e ação de Nabuco,

complementados por vivências pessoais, ajudam a compreender melhor o que buscaremos

abordar abaixo sobre as concepções internacionais mais significativas que pudemos

identificar e que, em conjunto, estruturaram e direcionaram as políticas do embaixador.

3.1 - NABUCO E OS ESTADOS UNIDOS

A visão de Nabuco sobre os Estados Unidos não foi homogênea. Ele teve impressões

diferentes sobre esse país em diferentes épocas da sua vida. Como num dégradé, os Estados

Unidos foram ganhando com o tempo qualidades e se transformando em um modelo de país,

101
102

no qual, os outros, latinos, deviam se espelhar. Essas mudanças se deram por dois motivos:

um histórico e outro pessoal.

Na entrega das credencias de Nabuco a Roosevelt, um jornal de Washington, Evening

Star, notando que o novo embaixador havia estado no início de sua carreira diplomática em

Nova York nos anos de 1876-77, diria que “ele escreveu muitos livros nos quais expressou os

melhores sentimentos para com os Estados Unidos”247. Essa afirmação não é de nenhuma

forma exata. Na verdade, na sua autobiografia de 1900, Nabuco teceu uma crítica severa à

cultura e à política interna norte-americana. Fazia isso recapitulando eventos e impressões do

seu serviço diplomático citado pelo jornal. Essas críticas eram ainda reminiscências da

influência inglesa predominante em Nabuco, da má impressão causada pela intervenção norte-

americana na Baía de Guanabara, da apreensão sobre os caminhos que tomaria o monroísmo

intervencionista que ganhava força e da falta de uma perspectiva útil para o relacionamento

desse país com o Brasil e com o continente americano, de modo que dirá que a missão dos

Estados Unidos na história é ainda “a mais absoluta incógnita”248.

A influência inglesa havia se firmado em seu espírito entre os anos de 1874-76,

passados em Londres com as leituras de Bagehot249. Seja em relação à idéia da superioridade

da monarquia constitucional, seja na noção de liberdade individual e igualdade de direitos ou

da atmosfera aristocrática, Nabuco acreditava na superioridade inglesa sobre as outras

sociedades. Diria assim que “a influência inglesa foi a mais forte e mais duradoura”250 e,

apesar de ambos os norte-americanos e os ingleses pertencerem a um “espírito comum de

raça”251, a comparação dos rumos que tomaram o desenvolvimento das suas culturas

mostrava-se desfavorável aos primeiros.

247
The Evening Star de 24/05/1905.
248
NABUCO, 1999, p.142.
249
Para maiores informações sobre a importância de Bagehot para as idéias política de Nabuco ler ANDRADE,
1978, p.103-109 e NABUCO, 1999, p.28-37.
250
NABUCO, 1999, p. 84.
251
Ibid., p. 109.

102
103

Os anos em que Nabuco esteve nos Estados Unidos como adido de legação foram

conturbados para a política norte-americana. Democratas e Republicanos brigavam pela

definição de quem teria o cargo executivo do governo após uma eleição de resultado duvidoso

por suspeitas de fraude. O caso foi parar em uma comissão formada por congressistas das

duas casas legislativas e do Supremo Tribunal Federal e, para Nabuco, “as qualidades e

deficiências da política americana estavam todas visíveis e patentes nesta lição de coisas.”252

Pudemos destacar alguns pontos essenciais de críticas de Nabuco aos Estados Unidos

evidenciadas em Minha Formação. O primeiro deles diz respeito à corrupção e formação da

classe dos politicians. Os norte-americanos, que compensavam com dinheiro seu

distanciamento da política, deixavam homens inferiores a dominarem, afastando assim

qualquer classe social com escrúpulos. As discussões políticas se davam como em um big

show onde o terreno em que se travava a luta não era no “(...) das idéias, mas no das

reputações pessoais” e isso era a exteriorização da “(...) degradação dos costumes públicos do

país, coincidindo com o seu desenvolvimento e cultura, com a sua acumulação de riquezas e

de energias, com os seus recursos ilimitados (...)”253.

A par dessas críticas, afirmava que, no campo individual, “ninguém que conheça o

tipo (...) desconhecerá que a característica, por excelência, do americano é a convicção de que
254
melhor do que ele não existe ninguém no mundo” . Nabuco, buscando entender os povos

também pela sua raiz cultural, via a característica anglo-saxônia de “sede insaciável por

dinheiro”255, nítida e vigorosamente ampliada no povo norte-americano. E num golpe final

Nabuco expressava o que considerava a característica viciosa por excelência do posto-chave

252
Ibid., p.111.
253
Ibid., p.129.
254
Ibid., p. 131.
255
Ibid., p.134.

103
104

da administração norte-americana ao afirmar que “uma coisa o governo americano não é: não

é o governo do melhor homem, como pretendiam as democracias antigas”256.

Mas nas questões internacionais Nabuco percebia já em 1900 que, apesar dos Estados

Unidos ainda não terem produzido culturalmente nada de relevante para a humanidade, esse

país, que caminhava para ser o mais rico e mais forte do mundo, teria que em algum momento

deixar de lado seu isolamento e entrar no cenário mundial a partir de alianças257. Nessas

alianças, no entanto, não seriam privilegiados os países latinos, uma vez que os norte-

americanos não os viam como iguais.

Segundo Silveira, da mesma forma que nos Estados Unidos, a intelectualidade

brasileira também absorvera e adaptara desde a década de 1870 os paradigmas cientificistas

de análises sociais fundamentalmente baseados no positivismo e no darwinismo social,

permeado pelas teorias raciais e do evolucionismo de Spencer, que levavam à hierarquização

dos países pelo seu nível de desenvolvimento. A assunção dessa perspectiva implicava no

reconhecimento de uma escala entre as sociedades das mais simples (ou piores) para as mais

complexas (ou melhores). Os Estados Unidos e a Europa, supostamente o topo dessa

pirâmide, eram vistos como naturalmente superiores258.

Utilizando os dois conceitos balizadores dessas teorias, “raça” e “meio”, a

intelectualidade buscava encontrar explicações e soluções para dar o rumo certo ao processo

civilizatório brasileiro259. Nabuco, que incorporara esses referenciais a partir da sua vivência

européia e do debate abolicionista260, deixava-os explícitos na sua autobiografia, dando pistas

da mudança de perspectiva, quase paradoxal, que se operaria poucos anos depois nas suas

256
Ibid., p.137.
257
Ibid., p.121.
258
Cf. SILVEIRA, 2000, p.123-124.
259
Segundo Hobsbawm, nessa época “a humanidade foi dividida segunda a “raça”, idéia que penetrou na
ideologia do período quase tão profundamente como a de “progresso”” (HOBSBAWM, 1998, p.54).
260
É segundo todas essas noções evolucionistas que a elite intelectual brasileira vai discutir temas dominantes do
contexto como “a Abolição, o aproveitamento dos ex-escravos como trabalhadores assalariados, a colonização
estrangeira associada à imigração, a consolidação institucional da República, as possibilidades de
desenvolvimento futuro da nação e sua constituição como povo” (SILVEIRA, 2000, p.126-127).

104
105

concepções sobre os Estados Unidos. Afirmava assim que a raça anglo-saxônica, da qual

descende a norte-americana, teria qualidades próprias que dariam a base do desenvolvimento

material extraordinário conseguido pelos Estados Unidos, e, que tiveram na fortuna do seu

meio, possibilidades ampliadas para prosperar. Enxergava nessa linha a criação de um povo

único a partir de cada região do mundo e isso dava as diferenças específicas tanto entre o

anglo-saxão norte-americano e o inglês261, quanto entre a Europa e a América.

O que mudou por volta de 1905 para que Nabuco enxergasse nos Estados Unidos algo

mais do que havia escrito em 1900? Antes de mais nada é necessário levar em conta o fato de

que agora Nabuco tornara-se embaixador. O cargo lhe propiciou e estimulou um novo

entendimento da situação. Como poderia desfazer do posto que agora ocupava afirmando

desconhecer sua importância? Deu-lhe assim um sentido no cenário mundial, especialmente

continental, no intento de poder atuar por uma causa, afinal, reconhecia que

A vida diplomática é de todas a que convém menos para acabar; exceto quando se trabalha
nela por uma política (...)262

Encontrou, ajudado pelas circunstâncias, um propósito para a nação norte-americana e

a importância da política que foi realizar em Washington como embaixador. Essas

circunstâncias relacionam vários aspectos. O tal desenvolvimento econômico e material, as

potencialidades das invenções e a postura de cada indivíduo na busca pelo novo e pelo

melhor, exemplificado na figura de linguagem de Nabuco do “indo sempre ahead como a

locomotiva”263, só haviam ganhado força com o passar dos anos e Nabuco reconhecia tudo

isso. Começava a dar valor a essas características norte-americanas, pois elas haviam elevado

a posição internacional do país a um nível muito alto e, apesar de continuar sem enxergar, na

261
Cf. NABUCO, 1999, p.134.
262
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 06/1908 (FUNDAJ).
263
Diário de Nabuco de 19/07 a 09/08/1876. Apud NABUCO, 1999, p. 120.

105
106

parte cultural, qualquer contribuição dos Estados Unidos para o mundo, entendeu que havia

uma outra contribuição tão importante quanto ou maior, que ganhava perspectiva: a promoção

da paz pelo exercício do seu poder. Concorreu especialmente para isso a forte impressão que

lhe causou a mediação de Roosevelt em 1904 que pôs fim à guerra Russo-Japonesa264 e a

partir daí definiu para si qual era a função dos Estados Unidos em termos mundiais. Por conta

desse evento Nabuco escreveria a Roosevelt

Eu peço que V.Ex. gentilmente aceite a expressão de nossa gratificação e comum orgulho
americano pela nobre página que você escreveu na história da civilização. Todo o mundo lerá
isso como um prefácio para uma nova Era de paz (...) Nesse sentido você criou para a
presidência americana uma função que conquistará para ela a hegemonia moral do mundo, a
única que pode ser aceita 265

Na verdade, esse era um bom exemplo de como os Estados Unidos despontavam cada

vez mais nos assuntos internacionais. Como já foi levantado quando tratamos da política

externa de Rio Branco, após a guerra hispano-americana os assuntos internacionais ganharam

relevância para a administração norte-americana e desde aí, com a intervenção na zona do

canal, as questões com a Venezuela e o corolário Roosevelt, passou-se a uma postura mais

ativa de política externa.

Todas as características do que poderíamos chamar de “civilização material” menos

importantes para Nabuco se comparadas com o peso histórico do Velho Mundo (instituições,

arte, tradição), estavam, nos Estados Unidos, produzindo frutos, à vista do nosso embaixador,

excepcionais. Assim, ele relativizou a importância que dava à Europa e atribui mais

relevância ao desenvolvimento material dos Estados Unidos, visando que tal reconhecimento

264
Por sugestão da Alemanha e do Japão, os EUA mediaram o conflito iniciado por conta da instauração de uma
zona de colonização na China e, estando o Secretário de Estado Hay já comprometido pela doença que o
vitimaria, o próprio Roosevelt, que havia acabado de assumir a presidência, encabeçou as discussões que
promoveram um entendimento forçado nos interesses do Japão, aliado norte-americano, pela assinatura do
tratado de Portsmouth (Cf. MORRISON & COMMAGER, s/d, p.520). Nabuco diria que “nesse dia foram os
Estados Unidos reconhecidos o mais poderoso fator da paz existente no mundo” (NABUCO, s/d., p.168).

106
107

pudesse trazer benefícios para o Brasil, o que, dentro do processo ideológico de

americanização em que vivíamos no início do século XX, acabou dando expressão e

significação ao que considerava uma condição modelar da sociedade mais avançada do nosso

continente, a norte-americana.

Há de se notar ainda que todas as impressões de Nabuco antes de 1905 haviam sido

do norte-americano médio que, por muitas vezes, engajava-se na política. Sendo assim ficou

impressionado, de maneira muito positiva, com o que considerou os alicerces da

administração sob a qual trabalharia em Washington. Via no presidente Roosevelt, reeleito em

1904, e no Secretário de Estado Elihu Root complementos de uma mesma política266

direcionada tanto num sentido mundial quanto continental. Nabuco diria sobre ambos que

Cada vez mais o [Root] admiro mais e tenho como uma das minhas maiores fortunas da minha
missão aqui o ser ele o Secretário de Estado. A outra foi ter encontrado como Presidente o Mr.
Roosevelt, o qual tem para o Brasil maiores aspirações do que nós mesmos e que me honra
com a sua confiança267

O fato é que Nabuco e Root tiveram uma grande empatia recíproca durante todo o

tempo em que trabalharam próximos. Pela parte de Nabuco, o cultivo da amizade de Root era

importante já que este mantinha ótimas relações com o Congresso e o Senado norte-

americano, encarregados de ratificarem tratados268. Também Root, como Secretário de

Guerra, chegara a administrar Cuba, Porto Rico e Ilhas do Pacífico durante algum tempo, fora

amigo e colaborador do Secretário de Estado Hay e era tido como o sucessor de Roosevelt

para a presidência. Era um conhecedor dos assuntos americanos e pouco depois de assumir o

cargo de Secretário de Estado fez um discurso sobre a política continental nesses termos

265
Telegrama de Nabuco a Theodore Roosevelt, 30/08/1905 (AHI).
266
Cf. Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 10/07/1905 (AHI).
267
Ofício reservado de Washington - Nabuco para Rio Branco, 27/05/1907 (AHI).

107
108

Nós não afiançamos que as Repúblicas das Américas Central e do Sul devam ser libertadas
das suas obrigações internacionais. Nós não afiançamos que as potências européias não devam
exigir seus direitos contras esses membros da comunidade de nações.
É somente quando essa exigência de direitos chega a ponto de tomar posse de território que
nós dizemos que ela é incompatível com a paz e a segurança dos Estados Unidos269

Nota-se que Root tinha idéias perfeitamente convergentes com as de Roosevelt e seu

corolário e, enquanto o continente continuava com receios e desconfianças para com essa

dupla de estadistas, Nabuco via neles uma eterna boa vontade com as questões brasileiras, um

apoio essencial à melhoria da comunidade americana e da nossa posição nela. Na sua visão

Root seria “o único da sua espécie no interesse pela América Latina”270. Realmente, da

mesma forma que Hay e Blaine, Root estava convencido da necessidade de aproximar os

Estados Unidos do resto do continente americano, tanto comercialmente, quanto

politicamente. Tinha como hábito buscar seus objetivos por contatos pessoais com os homens

certos e, no círculo diplomático de Washington, Nabuco não passou despercebido. Sempre

trocando favores e vistas suaves sobre a política para o continente em termos de solidariedade

e cooperação, ambos trabalharam no sentido de aproximar seus países, e é inegável que essa

relação ajudou na reformulação e melhoria da imagem que Nabuco passou a ter sobre os

Estados Unidos.

3.2 - PAN-AMERICANISMOS: ORIGENS E DESENVOLVIMENTOS

268
De acordo com Costa, dos 109 tratados apresentados por Root ao Senado, somente 3 foram rejeitados (1968,
p.217).
269
Apud COSTA, 1968, p.218.
270
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 20/10/1907 (Cartas II, 1949, p. 290).

108
109

Segundo Glinkin, parece ter havido duas etapas pan-americanistas na história do

continente: uma latino-americana (desde as independências hispano-americanas até o final do

século XIX) e outra norte-americana (desde o fim do século XIX).271

A idéia de solidariedade latino-americana nasceu com as batalhas revolucionárias pela

independência no primeiro quarto do século XIX e nesse sentido deve ser entendida como

uma orientação anticolonial. Bolívar, chamado de Libertador por ter sido um dos grandes

comandantes dessas revoluções, pode ser visto como o ícone dessa corrente. Em sua famosa

Carta de Jamaica de 1815, que daria a linha de ação para a guerra de independência diria

Desejo mais do que ninguém, ver formar-se na América a maior nação do mundo (...) o que
pode nos tornar capazes de expulsar os espanhóis e de fundar um governo livre é a união272

O processo de reconhecimento da independência dos países latinos foi motivo de

grandes controvérsias com os Estados Unidos que, apesar de acabarem por se ater ao princípio

de autodeterminação dos povos273, apoiando-os, mantiveram durante as primeiras iniciativas

rebeldes uma neutralidade constrangedora encorajando desconfianças que atravessariam

séculos.

Após o final dos conturbados processos de emancipação, estimulado pela idéia de

união que pairava entre parte dos líderes revolucionários, Bolívar convoca o Congresso do

Panamá para o ano de 1826, reunião que será o baluarte desse pan-americanismo latino. O

maior obstáculo que o Congresso enfrentava ao propor aliança às jovens repúblicas era o fato

das ex-colônias terem sido governadas como unidades autônomas, separadas umas das outras,

271
GLINKIN, 1984, p.46.
272
BOLÍVAR, 1992, p.67 e 74.
273
FENWICK, 1965, p.14-15.

109
110

mantendo relações mais estreitas com a Espanha do que com seus próprios vizinhos274.

Também a precariedade dos meios de transporte, a instabilidade institucional desses países

ilustrada na ocorrência de poderosas oligarquias regionais, a decorrente falta de uma unidade

nacional sólida, a fraqueza econômica e financeira evidente pela estrutura produtiva

agroexportadora e uma série de desconfianças que apontavam Bolívar como um pretenso

hegemonista, acabaram sufocando êxitos reais. Vilaboy e Gallardo afirmam ainda que um

forte fator para esse fracasso foi o intento pronunciado de Bolívar de libertar Cuba e Porto

Rico depois de obter a união hispano-americana275.

Compareceram ao Congresso somente os governos da Colômbia, América Central,

Peru e México. Atores de peso como o Brasil, o Chile e as Províncias do Prata declinaram o

convite e os Estados Unidos não foram convidados. Com todos esses problemas, somados às

dificuldades inerentes às primeiras iniciativas, não ocorreu nenhum resultado prático, ainda

que os quatro representantes tenham assinado um “Tratado de União, Liga e Confederação

Perpétua” (não ratificado posteriormente). De fato, as decisões do Congresso não afetaram em

nada o curso dos acontecimentos nacionais e internacionais das novas repúblicas, mas sua

significação, essa sim, teria reverberação por anos.

As idéias de solidariedade latina, vindas junto com o irresistível movimento de

independência que tomou lugar no continente, encontravam-se em várias partes da América

Espanhola e discutiam em sua base questões políticas e territoriais. Existiam dois planos

gerais de organização dessa união. Um deles assumia a idéia de uma América hispânica

emancipada e unida através de uma só república. Francisco de Miranda276 foi seu propositor.

Esse projeto, que tem a Junta Suprema de Caracas constituída em 1810 como seu evento mais

274
FENWICK, 1965, p.26.
275
VILABOY & GALLARDO, 2000, p.59.
276
Francisco de Miranda nasceu em Caracas numa tradicional família aristocrática. Foi comandante em chefe do
exército francês na Bélgica durante a Revolução Francesa e retornou à então capitania-geral da Venezuela com o

110
111

significativo, se inspirava nas instituições inglesas, mas buscava resgatar a base cultural da

sociedade hispano-americana. Propunha assim um Imperador Inca governando estados

indoamericanos federativos277. Esse era um projeto altamente centralizador que se mostrou

em todos os seus termos uma utopia irrealizável. O outro caminharia pela via de uma

confederação de nações, separadas no exercício de questões particulares, mas unidas

especialmente para garantia da independência adquirida e da integridade territorial contra

potências estrangeiras, promoção de relações pacíficas entre os membros desse grupo e

estimulo à pratica de uma política externa ativa. Considerava ainda que era essencial ter uma

nação liberal de peso que pudesse dar proteção a essa iniciativa enquanto ela não pudesse se

sustentar por si mesma. Essa nação seria a Inglaterra278. Essa era a proposta de Bolívar, menos

centralizadora que a de Miranda, mas igualmente de difícil implementação, pois, essas

propostas, ao definirem o relacionamento colaborativo como a solução para vários dos

problemas econômicos e sociais que assolavam todos os países recém-formados279, tocavam

num ponto nevrálgico para esses novos países orgulhosos, a soberania, a qual nenhum deles

estava disposto a abdicar, mesmo que em parte.

A precariedade econômico-social, a falta de vontade política e o fracasso do

Congresso do Panamá se somavam a uma outra questão pouco debatida, mas essencial: a

identidade cultural. A generalização das características culturais comuns da América

Espanhola que deveriam resultar numa comum identidade, sempre foi exaltada e colocada

como um benefício para a união política, mas devemos olhar mais de perto essa aparente

homogeneidade. Por trás dela vamos encontrar o fato de que nem mesmo os colonizadores

objetivo de comandar uma revolução libertadora, mas acabou derrotado e preso. Foi sucedido no comando do
movimento por Bolívar.
277
Cf. MARTINEZ, 1957, p.18.
278
Cf. MARTINEZ, 1957, p.30; 37. A orientação de Bolívar tendia a considerar a Inglaterra como o aliado mais
benéfico da causa das independências dos países latino-americanos. Pretendia que esta fosse uma política tática
de preservação de autônima e garantia de liberdade, ainda que ignorasse, no entanto, os aspectos negativos e
limitantes de tal aliança.
279
GLINKIN, 1984, p. 12.

111
112

espanhóis a tinham. Eram castelhanos, andaluzes, asturianos, galegos por sua identidade e

espanhóis somente sob a imposição do Estado. Tampouco tinham uma cultura comum os

escravos que foram trazidos da África ou os indígenas280. A verdade é que essa pretensa

identidade nunca teve base real e, por isso, nem sempre foi possível sua utilização como

ideologia mobilizadora.

Todas essas questões desencadearam forças centrífugas, exemplificadas num sem

número de guerras civis, que fizeram com que desaparecessem as alianças até então

alcançadas e os interesses locais prevalecessem sobre a unidade281. Com elas também se

arrefeceu o primeiro momento do pan-americanismo, ainda latino, que declinaria no decorrer

do século XIX, movimento transparecido nas pouco expressivas, ainda que recorrentes

conferências tentadas durante vários anos (Lima, 1848; Santiago, 1856; Lima, 1864-1865;

Lima 1877-1879; Caracas, 1883; Montevidéu, 1888-1889)282 até chegar ao início do segundo

momento pan-americano, o norte-americano.

Ainda em 1823 havia sido colocado um novo elemento nesse ambiente que ajudaria a

desestabilizar o pan-americanismo latino. Na verdade, a mensagem presidencial norte-

americana que originou a Doutrina Monroe, apesar de não ser propriamente uma proposta

integradora que rivalizasse com as idéias de integração bolivarianas, acabou lhe tirando

grande parte da força por se propor a “garantir” a independência das nações recém-

descolonizadas. As independências pareceram, assim, protegidas de investidas européias e

uma das grandes motivações da união latina se viu questionada283.

A mensagem anual do Presidente Monroe determinava três aspectos:

280
CASTILLO, s/d, p.25.
281
Cf. CASTILLO, s/d, p.24.
282
Podemos pensar nessas Conferências em dois momentos: até a segunda conferência de Lima de 1864-65 onde
ainda existia uma busca, ainda que retórica, pela confederação fracassada no Panamá e após ela, onde se
abandonaram essas ambições originais e os interesses se voltaram para as questões jurídicas e particulares dos
países. Para mais detalhes sobre as conferências latinas ver ATKINS, 1991; FENWICK, 1965, p.31-45;
VILABOY & GALLARDO, 2000, p.60-72.
283
Cf. GLINKIN, 1984, p. 27.

112
113

Primeiramente não seria aceito pelos Estados Unidos a recolonização de nenhum país

americano por parte de algum país europeu

(...) se há julgado adequada a ocasião para proclamar como princípio no qual os interesses dos
Estados Unidos estão envolvidos, que os continentes americanos, mediante a condição de
independência que alcançaram, e que mantêm, não poderão no futuro ser considerados como
sujeitos a futura colonização por parte de qualquer potência européia (...)284

Afirmava também a separação entre os assuntos europeus e americanos, considerando

qualquer intento europeu de implantar seu sistema político na América como ato inamistoso

para com os Estados Unidos

O sistema político das potências aliadas é essencialmente distinto a esse respeito do


Americano. Esta diferença se origina naquela que se dá entre seus respectivos governos (...)
devemos conseqüentemente manifestar com toda sinceridade, a luz das relações amistosas que
se dão entre essas potências e os Estados Unidos, que consideramos qualquer intento de sua
parte para estender seu sistema para qualquer porção desse hemisfério, como perigoso para
nossa paz e segurança285

E por fim dava como compromisso norte-americano não intervir nos assuntos

europeus de nenhuma forma

Nossa política com respeito à Europa (...) permanece inalterada, a saber, não interferir nos
assuntos internos de qualquer de suas potências286

284
Mensagem anual do Presidente James Monroe de 02/12/1823. Apud PINO, 1999, p.77.
285
Mensagem anual do Presidente James Monroe de 02/12/1823. Ibid., p.77.

113
114

A Doutrina Monroe foi incentivada especialmente pelo momento que se vivia e pelo

histórico norte-americano. Os impérios coloniais da Espanha e Portugal no continente

americano estavam praticamente banidos, ficando essa zona, na visão das potências do

momento, à mercê de novas colonizações. Essa era a época da Santa Aliança287, surgida no

início do século XIX como uma reação ao movimento liberal-revolucionário que havia

tomado lugar na Europa com Napoleão e se estendido para a América, buscava restabelecer a

ordem do Antigo Regime pela repressão de qualquer iniciativa alternativa aos padrões

impostos pelos seus membros. Ela se instaurou como um instrumento para manter a França

sob vigilância, reprimir movimentos revolucionários, liberais, separatistas ou nacionais

europeus, mas tendia a se estender aos seus domínios ou aspirações européias no Novo

Mundo.

A par dessa circunstância histórica, em princípio ameaçadora, uma outra questão

influiu para o estabelecimento da doutrina Monroe. Se existia uma forte rivalidade dos

Estados Unidos, herdada de sua época como colônia, em relação à postura de exploração das

metrópoles européias, o conceito que melhor define essa rivalidade é o dos dois hemisférios.

O princípio dos dois hemisférios se referia a clara sensação dos norte-americanos de que os

rumos políticos escolhidos na América, de independência, liberdade, democracia e governo

republicano, juntamente com a sua formação cultural e social diferenciada, separava-se

claramente do mundo europeu marcado por governos monárquicos, pelo Absolutismo e pelas

guerras de poder e conquista288. Esse princípio se evidencia na postura isolacionista norte-

americana desde a independência.

286
Mensagem anual do Presidente James Monroe de 02/12/1823. Ibid., p.77.
287
A proposta da Santa Aliança partiu do czar da Rússia, Alexandre I. Ele, o imperador da Áustria e o rei da
Prússia assinaram um tratado em 1815 que estipulava ajuda mútua, mas o grande artífice de tal concerto foi o
príncipe austríaco Metternich.
288
PINO, 1999, p.68. Para detalhes históricos sobre o princípio das duas esferas ver PERKINS, 1960, p.17-23.

114
115

Deve-se fazer referência também ao princípio proclamado pelo presidente Jefferson de

não-transferência territorial, que postulava a inalienabilidade dos territórios americanos

frente a qualquer potência européia. Esse princípio está claramente exemplificado nas

negociações e guerras territoriais empreendidas pelos Estados Unidos após a independência

no sentido de garantir um espaço nacional seguro289.

Junto desse princípio, ou incentivado por ele, caminhava a chamada doutrina do

Destino Manifesto, também levada às últimas conseqüências por Jefferson. Essa doutrina

postulava que os Estados Unidos estavam determinados a controlar o continente nas fronteiras

de um a outro oceano, o que acarretou a guerra contra o México e, mais tarde, também o

imperialismo no espaço caribenho290.

Fica claro, assim, que todos os elementos da doutrina Monroe já estavam presentes

na política norte-americana em 1823: separação dos mundos europeu e americano; não

intervenção européia nos negócios americanos, preponderância norte-americana no

continente. O que se fez foi juntá-las, dar-lhe liga e um tom político internacional impositivo

num momento em que nenhum país europeu pudesse lhe fazer frente. Pois se a chamada Santa

Aliança, que era a organização política européia por excelência contrária ideologicamente a

esse princípio estava, já por volta de 1820291, desmoralizada e com seu poder na escala

internacional em frangalhos, sem qualquer condição de afrontar um país grande como os

Estados Unidos do outro lado do Atlântico292. A Inglaterra, que poderia ser uma rival de peso

na questão, estava mais preocupada em garantir seus mercados consumidores livres e não

289
PINO, 1999, p.69. Em 1776 os EUA estavam rodeados pelas potências navais da Espanha ao sudeste e da
Inglaterra a noroeste.
290
ATKINS, 1991, p.159. Só para se ter uma idéia do que representou essa idéia, os Estados Unidos, em
somente cinqüenta anos (1803-1853), fez crescer o seu território das treze colônias originais até quase os limites
atuais.
291
Os esforços da Santa Aliança não haviam conseguido abafar a rebelião dos gregos contra os turcos (1821-
1827) nem a independência das colônias da América do Sul (1810-1824).
292
A idéia de que os Estados Unidos foram os salvadores da liberdade na América pertence ao reino das lendas
tão recorrentes na história internacional. A Santa Aliança não representava qualquer ameaça real de
recolonização dos países hispano-americanos (GLINKIN, 1999, p.25).

115
116

colonizados. Antecedentes diplomáticos da declaração de Monroe apontam que Canning,

Ministro do Exterior inglês, teve envolvimento direto no fato. Alguns autores afirmam que

ele, seguindo interesses ingleses, teria dado aval a Doutrina Monroe e mesmo a estimulado,

enquanto que outros questionam essa posição, afirmando que o Ministro, ao ver no anúncio de

Monroe uma atitude unilateral norte-americana, sendo que havia apresentado várias propostas

para uma declaração conjunta com o governo inglês, diria: “esse princípio vai ser combatido

pelo meu governo com todas as suas forças”.293

A declaração de Monroe e os subseqüentes princípios, doutrinas ou ações

internacionais dos Estados Unidos no continente americano se pautaram sempre, segundo

Atkins, em dois eixos específicos que teriam o objetivo essencial de garantir a sua segurança

nacional: minimizar intrusões estrangeiras e promover a estabilidade latino-americana.294 A

dita doutrina significava resolver o primeiro eixo. O segundo ainda demoraria alguns anos

para ser ativamente pensado. A atuação mais efetiva em sua função teria que esperar a política

imperialista do final do século XIX.

As diferenças entre o monroísmo e o pan-americanismo latino são bem claras.

Enquanto o último pretende-se universalista já que buscava o diálogo com as outras partes do

mundo a partir da Confederação dos países latinos, o monroísmo tende a isolar o hemisfério e

dicotomizar o mundo em duas partes. Da mesma forma, seja na sua essência, interpretação ou

desenvolvimentos, a idéia bolivariana pressupõe o multilateralismo, enquanto que Monroe

pressupunha unilateralidade. Especialmente por essa última característica fica claro que o

pan-americanismo latino visava o bem comum dos países envolvidos no movimento, algo

distante do monroísmo que tinha como preocupação essencial os benefícios para os próprios

Estados Unidos.

293 Canning foi conhecido principalmente pelo pioneirismo na defesa do princípio da não-intervenção nos
assuntos internos de outros estados, seguindo os interesses liberais ingleses pelo incremento do comércio

116
117

O final do século XIX marca o início do que denominamos o pan-americanismo norte-

americano. A composição do termo “pan-americanismo” só apareceu na imprensa pela

primeira vez no Evening Star, jornal de Nova York, em sua edição de 5 de maio de 1888295.

Ela se relaciona com a convocação, por parte dos Estados Unidos, da I Conferência

Internacional Americana para o ano e 1889. Quem disseminou o termo foram os Estados

Unidos via seu Secretário de Estado James Blaine, que já o utilizava em documentos oficiais

desde antes de 1888. Nem a data da conferência nem o termo são, obviamente, aleatórios.

Os Estados Unidos viam nessa época a necessidade do estabelecimento de um domínio

sobre o Hemisfério Ocidental, algo essencial para o seu comércio, já que estavam cada vez

mais convencidos de que a nova ordem imperial ameaçava seu potencial mercado de

exportações296. Mostrava-se assim patente que houvesse uma reorientação da política externa

do país com o objetivo de atender a esses interesses encarando as mudanças internacionais

que se operavam. É nesse sentido que se propõe o pan-americanismo como um movimento

ideológico e político orientado para criar um sistema fechado de relacionamento interestatal

com o centro sendo os Estados Unidos297. A idéia alimentada por Blaine era a de que esse

sistema interamericano poderia ser funcional, dada a existência de uma comunidade de

interesses entre os países do continente americano, desde que os Estados Unidos a

liderassem298.

Seguindo a periodização de Campos, esse é um momento de “ajuste hegemônico”299

iniciado com a guerra contra a Espanha. Depois de alcançado o controle preliminar sobre a

mundial. Para detalhes sobre as questões diplomáticas que envolveram Canning e Richard Rush (ministro dos
Estados Unidos na Inglaterra) ver PINO, 1999, p.72-76 e a posição oposta de INMAN, 1964, p.636-640.
294 ATKINS, 1991, p.150-151.
295
Cf. GOMES, 1950, p.45. De acordo com Hélio LOBO (1939, p.1) e A. GLINKIN (1984, p.45) o termo
apareceu um pouco mais tarde, na edição do Post de 27/07/1889.
296
BETHELL, 2001, p.615; LIEUWEN, 1966, p.30.
297
GLINKIN, 1984, p.4.
298
BETHELL, 2001, p.617.
299
CAMPOS, 2000, p.241. A etapa precedente é a pré-hegemônica, que compreende a doutrina Monroe e se
estende até o final do século XIX.

117
118

América Central e o Caribe, os Estados Unidos teriam iniciado o trabalho de impor sua

presença ao resto do continente com sucessivas políticas estratégicas, como a do pan-

americanismo.

Por meio do resgate da idéia de união americana300, os Estados Unidos buscaram

estimular seu intercâmbio comercial com os países centro e sul-americanos no objetivo de,

como já vimos em capítulo anterior, espraiar as mercadorias que lotavam seus parques

industriais301. Provas dessa intenção são os temas que figuraram no programa da Conferência

em Washington, como união aduaneira, pesos e medidas, direitos de invenção, moeda

comum. Antes desse momento não havia muito motivo para que os países americanos se

preocupassem com intercâmbios entre si já que eles eram particularmente repositórios de

matérias primas do centro comercial e manufatureiro europeu302, mas com o aumento da

produção e a facilitação do transporte essa necessidade foi criada especialmente para os

Estados Unidos. Sem maiores interferências da Inglaterra, que continuava a ver nesses

propósitos de liderança norte-americana a manutenção da ordem na região, uma condição sine

qua non para o aumento de seus investimos externos já expressivos na América Latina, os

Estados Unidos tinham abertura para agir.

Todos os países se fizeram representar na conferência de 1889 que marcou um novo

momento de relacionamento entre os países americanos. Apresentando-se de uma maneira

solidária, o conteúdo do pan-americanismo dessa época assumiu componentes práticos para o

comércio e resgatou a idéia latino-americana de união, já que era necessário que existisse uma

representação ideológica que possibilitasse a aproximação303. Essa representação, no entanto,

300
Há autores que afirmam que o pan-americanismo norte-americano, nesse sentido, fruto das iniciativas latino-
americanistas do início do século XIX, especialmente de Bolívar. Ver por exemplo MARTINEZ, 1957, p.29;
GLINKIN, 1984, p.46.
301
Cf. AGUILAR, 1968, p.40. O autor chega a firmar que essa perspectiva estava imbuída de algo como um
Destino Manifesto revisitado. Ver também LIEUWEN, 1966, p.52; MECHAM, 1967, p.52-53; YEPES, 1955,
p.10-11; COSTA, 1968, p.178.
302
BUENO, 2003, p. 54.
303
MAGNOLI, 1997, p.192.

118
119

não apelava para a unidade hemisférica a partir de uma correspondência cultural ou histórica,

mas da visão de destino comum compartilhado a partir da doutrina Monroe em contraposição

à Europa. Assim, as Américas começavam a ser encaradas de forma vertical, passando a

existir uma única América pautada numa proposta de reuniões multilaterais, mas com a

liderança norte-americana304. Tal insistência norte-americana em ser o ponto dessa

convergência política fez com que os países latino-americanos receassem que o movimento

destacado fosse um pretexto para o desenvolvimento de um imperialismo Yankee305.

De fato, o pan-americanismo do início do século XX foi o instrumento a partir do qual

os Estados Unidos pretendeu dirigir a inserção internacional dos países americanos para o

pertencimento a uma esfera de influência marcadamente norte-americana. Assim, integrou-se

com o passar dos anos e das conferências306, um subsistema regional americano no sistema

internacional em transição.

3.3 NABUCO, O MONROÍSMO E O PAN-AMERICANISMO: PRELIMINARES

O Brasil, a partir da política externa implementada desde o início da República e,

especialmente após a assunção do cargo de Ministro do Exterior por parte de Rio Branco,

colocava-se de maneira positiva frente a esse novo pan-americanismo norte-americano,

apoiando e promovendo iniciativas no seu sentido. Prevenções hispano-americanas em

relação ao Brasil incentivavam esse apoio que, por seu turno, também animavam um ciclo

inamistoso nas cercanias sul-americanas. Pode-se dizer que o Brasil sempre foi uma ovelha

304
Ibid., p.198.
305
LIEUWEN, 1966, p.52.
306
Oito conferências internacionais americanas e duas especiais tiveram lugar entre os anos de 1889 e 1940.

119
120

negra no sul do continente. Isso se deveu especialmente ao contraste entre o republicanismo

hispano-americano e o monarquismo brasileiro, diferença que se expandia para outros

âmbitos, como o das alianças e dos projetos nacionais. O sistema escravista brasileiro foi

outro ponto de divergência com os países latinos, bem como as questões litigiosas

fronteiriças. Alguns eventos históricos, no entanto, foram particularmente importantes para

firmar esse esplêndido distanciamento recíproco, como o reconhecimento brasileiro da

coroação de Maximilano no México em 1862 contra toda a posição latina e a Guerra do

Paraguai.

Nabuco, no quadro da política externa da Primeira República, se auto-define como

monoroísta. Além da declaração de “sou um forte monorísta”307 feita a Rio Branco e já

relatada aqui, diria a amigos “manifesto-me monroísta”308 e, como “Rio Branco me quer lá

[Washington] (...) terei portanto que ir estudando desde já a doutrina Monroe”309. A reflexão

sobre o tema monroísta vem, no entanto, de um momento anterior a seu cargo como

embaixador. Os primeiros esboços dessa futura postura já estão no ensaio Balmaceda.

Nessa análise Nabuco já descarta a possibilidade dos Estados Unidos terem uma

política agressiva, expansionista, aos moldes europeus do continente americano. Assim, ao

avaliar a posição potencial da América Latina frente aos dois processos de expansão que

ocorriam no mundo, o norte-americano e o europeu, se questiona

Se a solução não é o protetorado europeu, será por acaso o Monroísmo? Os Estados Unidos
que já assumiram a proteção do Continente, desde que se comprometeram a defendê-lo contra
as invasões da Europa, sentirão um dia que essa garantia lhes dá direitos ou que lhes impõe
deveres?310

307
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 07/07/1902 (Cartas II, 1949, p. 132).
308
Carta de Joaquim Nabuco a Gastão da Cunha, 14/12/1905 (FUNDAJ).
309
Carta de Joaquim Nabuco ao Barão de Albuquerque, 05/01/1905 (Cartas II, 1949, p.199).
310
NABUCO, 1937, p.185.

120
121

E, apelando para seu já referenciado estereótipo da raça anglo-americana dirá

Os Estados Unidos (...) rejeitariam para os Estados da União cada um dos candidatos da
América Latina. A nação americana está convencida de que todo acréscimo de população, de
hábitos, de crenças, e índole inteiramente outras, causaria um profundo desequilíbrio em seu
sistema de governo e uma incalculável deterioração de sua raça311

Acaba, assim, por reforçar aquela noção naturalizada da superioridade da civilização

norte-americana, posta nos seus atributos e no seu sistema de governo, repousando nesse

caráter superior a impossibilidade histórica do monroísmo se transformar em uma solução

colonial pela criação de protetorados ou pela anexação de territórios312. Estava preparado o

terreno, dessa forma, para sua posterior adesão a esse princípio norteador de suas ações como

embaixador.

Essa é, a nosso ver, a última fronteira em que se pode notar alguma reflexão de

Nabuco sobre a doutrina Monroe. Não há para ele, nesse sentido, uma longa história com a

idéia de monroísmo e, podemos dizer que é só na defesa do direito do Brasil na questão da

Guiana Inglesa que a concepção de uma política monroísta para o Brasil começa a fazer

sentido para Nabuco, porque ela se torna palpável e passível de efetividade ganhando uma

real dimensão política.

Quanto ao conceito “pan-americanista”, seremos mais cautelosos. Não o utilizaremos

para definir as concepções de Nabuco a frente da embaixada. Acreditamos que isso

necessariamente reduziria o escopo de análise, pois circunscrever seu pensamento a essa única

dimensão implicaria em não contemplar outros elementos que até mesmo lhes são contrários.

Na verdade, as indicações de que Nabuco pensasse politicamente à frente da

embaixada como um ardente defensor dessa causa nos termos em que usualmente se julga, ou

311
NABUCO, 1937, p.185.

121
122

seja, de um missionário da união e solidariedade incondicional de todos os países

americanos313, encontra barreiras em sua visão hierarquizada dos países, na sua idéia de

relacionamentos preferenciais independentes e na perseguição de interesses nacionais

brasileiros alheios a de outros, idéia que veremos nos próximos tópicos. Não queremos dizer

com isso que dentro de suas noções de relacionamento continental não existisse um

componente solidário e de aproximação entre os países americanos. Esse componente

realmente existiu, mas coordenado com outros elementos, de forma que ele não pode ser

definido como a característica norteadora das suas concepções.

A disposição pan-americanista de Nabuco é complexa, difusa e, o mais importante, em

alguns momentos, contraditória, característica recorrente da sua própria trajetória de vida.

Referenciando-se num liberalismo humanitário teve sempre a preocupação prática de desfazer

intrigas e mal-entendidos quando seu cargo lhe possibilitava. Distanciava-se, no entanto, dela,

quando concorriam com necessidades da política externa brasileira. Suas concepções de

relacionamento continental podem assim ser encaixadas perfeitamente na definição de Costa

sobre Nabuco para quem

Há um Joaquim Nabuco idealista, romântico mesmo, às vezes sonhador. Há um Nabuco realista,


positivo, concreto314

No que concerne a esse âmbito do pensamento de Nabuco sobre uma união americana,

a maioria dos pesquisadores do tema tenta montar também um quadro histórico da construção

dessa idéia, mas se utilizam de argumentos pouco consistentes. Costa, por exemplo, que, faça-

312
Cf. SILVEIRA, 2000, p.247-248.
313
Pode ser visto referências nesse tom em trabalhos como o de ANDRADE, 1978, p.55; NABUCO C., 1958;
GOMES, 1950, p.123-124. Esses autores e outros, pela simplicidade que apregoam ao pensamento de Nabuco,
acabam reduzindo a análise a uma abordagem moral, onde ou lhe exaltam pela defesa do que consideram nobres
ideais ou lhe rotulam de idealista.
314
COSTA, 1968, p.7.

122
123

se a ressalva, tem possivelmente o trabalho mais competente no assunto, afirma que a idéia de

uma aproximação mais estreita com as Américas era antiga em Nabuco315. Na verdade sua

afirmação não passa de um argumento já defendido por Carolina Nabuco, alicerçado no fato

de que, por ocasião da 1º Conferência Pan-americana, Nabuco havia ficado “(...) encantado

com a confraternização capaz de garantir a paz no continente americano.”316 Ora, esse

reconhecimento em 1889 não deve ser superestimado. Nada diz de substantivo, fazendo

somente referência ao já abordado liberalismo de Nabuco.

Andrade vai mais longe na história de Nabuco para mostrar essa relação. Dirá que ele

se volta “(...) desde a mocidade para a vida americana”, mas situa bem a questão lembrando

que “só no seu exílio voluntário, quando escreve Um estadista do Império, Minha Formação

e Balmaceda, aprofundara-se no estudo da história nacional e continental, cheias de

revelações apenas entrevistas na mocidade”.317 Concordamos nesse ponto com Andrade. É

possível encontrar raízes, não só da adesão monroísta como vimos acima, mas também das

idéias pan-americanas de Nabuco que seriam melhor refletidas na sua época como

embaixador. Abordaria, assim, em Balmaceda, a interdependência dos países sul-americanos

e a necessidade de irradiar uma solidariedade que teria o potencial de formar uma “Liga

Liberal no Continente”318.

Num plano geral é, assim, aceitável, que Nabuco seja interpretado como um pan-

americanista, mas devemos fazer as devidas ressalvas a essa afirmação, já que ele também

sugeriu caminhos mais restritos para a política externa brasileira, seja nas possibilidades de

seus relacionamentos, seja nos métodos para alcançar seus objetivos ou nos diagnósticos da

nossa situação continental.

315
Ibid., p.103.
316
NABUCO C., 1958, p.402.
317
ANDRADE, 1978, p.5.
318
NABUCO, 1937, p.186.

123
124

Essa prévia geral situa as concepções do nosso personagem, mas não dá a sua

dimensão real que só pode ser entendida levando em conta outros elementos do seu

pensamento como: a adesão ao monroísmo, sua idéia de sistema mundial, a aceitação dos

Estados Unidos como líder do continente e o relacionamento com os outros países latino-

americanos. Veremos adiante cada um deles.

3.4 – A QUESTÃO TERRITORIAL E A ADESÃO AO MONROÍSMO

A questão da Guiana Inglesa foi certamente um dos grandes malogros da nossa

diplomacia de limites. Ela já se arrastava há muito tempo quando, após ser colocada em

arbitramento, Nabuco foi solicitado por Campos Sales em 1899 para defender o Brasil.

Aceitou o convite num movimento de volta à política depois de tantos anos distante. Esse foi

um momento de reconciliação, que Nabuco explicava afirmando ser impróprio invocar

qualquer tipo de incompatibilidade política com o governo, sendo que ele próprio se colocou

acima disso no momento em que o requereu para uma missão tão importante319.

A história desse litígio é cheia de idas e vindas. Sua complexidade não nos permite

expor cada pormenor do fato, mas acreditamos que isso não se mostra realmente necessário.

Em linhas gerais a região era um espaço de trinta mil quilômetros quadrados de terra, na

fronteira entre a Guiana Inglesa e o Brasil, onde se encontra o rio Pirara, à beira do lago

Amucu, região salubre e povoada, próxima de minas preciosas, num corredor fluvial que

comunica, do Rupununi ao Tacutu, as duas bacias do Amazonas e do Essequibo320. Essa visão

é bem diferente da apresentada pelo ministro do estrangeiro lord Salisbury, incumbido de

319
Cf. Carta de Joaquim Nabuco a Soares Brandão, 08/03/1899 (Cartas II, 1949, p.7).
320
Cf. FERNANDES, 1927, p.12.

124
125

fazer a defesa inglesa, que afirmava com desprezo que aquela era “uma região em que não

existe uma vaca”.321 Na verdade o maior problema desse litígio para o Brasil não era que o

imenso vale tinha solo fértil, reservas minerais ainda não exploradas e imensas florestas

desconhecidas, mas que os dois grandes rios citados acima, que corriam nessa região

pendente, davam a chave para o sistema fluvial do Amazonas.

O território em questão havia sido explorado pela coroa portuguesa a partir do forte de

São Joaquim nos anos de 1781, 1784 e 1787. Quando se estabelece a soberania inglesa sobre

a Guiana ela encontra seus antecessores holandeses espalhados pelo território entre o Tucutu e

o Rupununi desde 1780. Quem cria de fato o litígio é um estudioso alemão chamado Roberto

Schomburgk que, a pedido de um tal lord Palmerston, se embrenha na mata nativa da região e

volta, num disfarçado afã cristão, pedindo com cartas a reverendos e políticos ingleses, para

que tropas recolham da região as populações indígenas que se encontram desumanamente

residentes e oprimidas. Chega enfim a revelação dos seus verdadeiros intuitos quando se vê

ignorado pelo governo inglês. Sugere que garantir acesso pelo interior do Brasil para o oceano

Pacífico é algo que não se deve descartar facilmente e propõe alguns traçados de fronteira.

Mesmo com a completa falta de esclarecimentos o governo inglês decide adotar as

sugestões de Schomburgk e ordena que se levante um mapa do local, bem como que se intime

o governo brasileiro a se retirar de uma parte da região. Com alguma relutância, mas para

evitar conflito maior, há a retirada, mas como existe uma forte contestação brasileira sobre a

questão, se decide, em 1842, colocar o território como neutro até que se resolva o litígio.

Sessenta anos depois Nabuco aceitou a incumbência de voltar a essa ardilosa história

para provar o direito do Brasil. O Rei da Itália, Victor Emanuel, era o árbitro do litígio e

Nabuco, entre Roma e Londres, defende a questão com uma habilidade reconhecida por

321
Lord Salysbury, em uma das discussões do litígio com Nabuco. Apud NABUCO C., 1958, p. 379.

125
126

todos. Procura interpretar e argumentar a questão do litígio sempre em função das doutrinas322

já utilizadas pela Inglaterra nas ocasiões em que disputou territórios com outros países, no

intuito de ganhar credibilidade. De fato, essas doutrinas pareciam dar grande força de

argumento às pretensões brasileiras, mas além de proposições abstratas Nabuco também

organizou um arquivo documental de provas de posse da região. Fez referência especial à

contradição da Inglaterra reclamar para si uma parcela da região da Bacia do Amazonas,

quando não o havia feito na época da mudança de soberania da Guiana de holandesa para

inglesa.

A Inglaterra utilizou a argumentação da posse atual, da soberania exercida e de

influência comercial, todas comprovadas com o testemunho de índios. No entanto, essas

provas se referiam a um momento posterior a 1842, quando o território havia sido colocado

em neutralidade, e, por isso, eram todos nulos, argumentava Nabuco, já que nenhum novo

título poderia ser criado. E, se a defesa inglesa demandara grande trabalho de parte do

Foreing Office, o trabalho de Nabuco foi simplesmente colossal e surpreendente.

Nabuco, em praticamente todo o tempo da defesa, a convite do gabinete

governamental, ocupou o lugar do ministro Souza Correia na Inglaterra, que havia falecido

em 1900. Primeiro teve lugar na legação como “plenipotenciário em missão especial”,

deixando sua chefia com o encarregado de negócios, e em agosto de 1900 aceitou

definitivamente o cargo de chefe da legação em Londres e tornou-se, afinal, um funcionário

oficial da República. Em julho de 1900 tomou posse do cargo e em dezembro apresentou suas

credenciais para a Rainha Vitória. Entre 1900 e 1904 seguiu debruçado principalmente sobre

a questão da Guiana e, ao seu final, o que existiam eram dezoito grandes volumes de texto,

322
São elas a doutrina do wathershed line, utilizada pela Inglaterra na disputa com a Venezuela anos antes da
questão da Guiana vir a tona, determina que a ocupação de um rio e seus afluentes em território vacante implica
a dos sub-afluentes secundários e a doutrina do ichoate title segundo a qual a descoberta, acompanhada de
afirmação pública de propriedade e seguida de explorações, ainda que esporádicas, e de estabelecimentos,
mesmo temporários, sustenta a pretensão ao domínio (FERNANDES, 1927, p.15).

126
127

documentos e mapas, todos escolhidos e examinados por ele e com mais de duas mil páginas

escritas do próprio punho revestidas da eloqüência que caracterizava seu estilo de escrita323.

Nas palavras de sua filha, “sua defesa, depois de terminada, parecia-lhe uma fortaleza

blindada, ao abrigo de todos os golpes inimigos”.324

Estava enganado. A sentença de Victor Emmanuel em 6 de junho de 1904 liquidou a

controvérsia territorial com uma clara inclinação às pretensões inglesas, mesmo que

teoricamente falasse da partilha da região entre os dois requerentes de forma igual. Dizia que

não era possível determinar, tendo em vista as provas históricas e jurídicas de soberania

apresentadas, o direito de cada nação, nem os limites que deveriam recortar a região. Essa

tentativa de agradar as duas partes era comum nas questões arbitrais, porque uma decisão

favorável a uma das partes significava uma certeza absoluta dos seus direitos e uma postura

altiva do árbitro que teria que encarar o descontentamento da outra parte.

Nabuco respeitou a decisão, como não poderia deixar de fazê-lo. Suavizaria a questão

dizendo que tudo se deveu a um amadorismo no seu estudo e não má fé325. Mas fica claro que

ela havia sido baseada em diversos erros questionáveis do árbitro, que acabaram por atribuir à

Inglaterra um território maior do que ela mesma reivindicava. Julgou-se com demasiada

severidade as pretensões do Brasil e com demasiada benevolência as inglesas, obtendo-se uma

notável falta de critério326.

Fica claro o valor que todos os que se relacionavam com Nabuco (Rio Branco, Afonso

Penna, Rodrigues Alves) tentaram dar para os seus esforços na defesa do direito do Brasil 327

323
Cf. NABUCO C., 1958, p.384.
324
NABUCO C., 1958, p.385.
325
COSTA, 1968, p.47.
326
COSTA, 1968, p.46.
327
Telegrama de Rio Branco a Nabuco, 16/06/1904 (FUNDAJ); Carta de Rodrigues Alves a Nabuco, 19/06/1904
(FUNDAJ); Carta de Afonso Penna a Nabuco, 17/06/1904 (FUNDAJ).

127
128

de tal forma que ele se convenceu de que, apesar de ter perdido a questão, “o país me fez

representante do seu infortúnio em vez de me acusar dele”.328

O malogro de Nabuco em Roma teve conseqüências importantes nas suas concepções

políticas329. O evento lhe calcou no espírito um elemento que se transformaria em um dos

eixos de sua política diplomática: o território. A partir daí elevou a importância desse

elemento a ponto de colocar a sua proteção como o seu grande baluarte. Tinha a forte

sensação de que o momento internacional tornara-se especialmente perigoso, necessitando o

Brasil fazer mais atenção às suas fronteiras.

A moralidade da sentença é que devemos fazer mais atenção às nossas fronteiras do que temos
feito. No tempo de colônia os Portugueses se interessaram mais pelos limites do Rio Branco
do que os Brasileiros depois da independência330

Nabuco requeria a Rio Branco que algum funcionário da missão especial de Roma

fizesse um estudo das questões geográficas do país, “(...) estudos para as respectivas

explorações agora indispensáveis, se quisermos conservar as nossas fronteiras”, pois “(...)

muitos sentirão que sejamos assim tão grande”.331 A inveja de existir um país pouco

desenvolvido como o Brasil com tamanho território e diversidade era motivo de preocupação.

Decisões arbitrais como essa, refletiam também disputas de poder entre os países e não

somente direitos jurídicos. Para Nabuco ficava claro que a Inglaterra, além de ser um Império

328
Carta de Joaquim Nabuco a Tobias Monteiro, 18/07/1904 (Cartas II, 1949, p.169). Mesma idéia em carta a
Rio Branco de 19/07/1904 (Cartas II, 1949, p.170-172).
329
COSTA, 1968, p.50. O autor ainda frisa a idéia dizendo que “não resta dúvidas que o ponto de partida do
americanismo ativo de Nabuco, que muitos julgaram exagerado, deve ser situado durante a Missão Especial”
(COSTA, 1968, p.50).
330
Carta de Joaquim Nabuco a Campos Sales, 03/10/1904 (FUNDAJ). E pode-se ver essa idéia mais uma série
de vezes na correspondência de Nabuco. Carta a Florence de Berends, 16/07/1904 (FUNDAJ); Carta a Graça
Aranha, 15/10/1904 (FUNDAJ).
331
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 09/07/1904 (AHI).

128
129

experiente em questões desse tipo, tinha influenciado a decisão ao seu favor por sua condição

de potência mundial. Diria que

Em questões com a Inglaterra (...) um país fraco como o Brasil pode considerar-se vencedor,
quando fica com a metade do que reclamava.

Os longos circuitos diplomáticos pelos quais a Inglaterra estendeu o território da Guiana


Inglesa até as margens do Tacutú provém da sua arte consumada da tenacidade, da
vigilância332

A decisão se ligava também à influência e centralidade do mundo europeu. O árbitro

do litígio, Itália, e uma das partes, Inglaterra, partilhavam concepções importantes sobre

critérios de ação internacional. É assim que deve ser entendido o julgamento do Rei da Itália,

segundo Nabuco, “com as idéias do Congresso de Berlim”333 de 1884.

Tal Congresso havia tomado lugar por convite do chanceler alemão, Otto von

Bismarck. Doze países que tinham algum tipo de interesse na África se encontraram em

Berlim. A Alemanha, a França e a Inglaterra fizeram reconhecimentos mútuos e firmaram

uma partilha territorial de suas respectivas áreas. Esse evento representou um novo impulso

ao colonialismo. Até 1914 a África estava completamente divida entre os principais países

europeus (Inglaterra, França, Espanha, Itália, Bélgica, Portugal e Alemanha).

Nabuco achava que, talvez, sem a mediação do Rei da Itália seria possível ter

conseguido uma maior parte do território contestado. O arbitramento, assim, não havia sido a

melhor solução para a questão e o seu precedente, estipulado nos contornos desse “direito

africano”, poderia trazer em outras situações parecidas grandes perdas para o Brasil. De fato,

332
Carta de Joaquim Nabuco [1904]. Proc. desconhecida. (FUNDAJ).
333
Carta de Joaquim Nabuco a Campos Sales, 03/10/1904 (Cartas II, 1949, p.175). O objetivo principal do
convite de Bismarck para o Congresso era o reconhecimento da Alemanha como nova potência mundial e, para
tanto, era necessário que adquirisse protetorados coloniais, no caso, na África.

129
130

já em 1902, por conta da leitura dos jornais ingleses Nabuco diria que já se discutia “a partilha

da América do Sul como se fosse a África”334

(...) se tivesse dependido só de mim teríamos talvez feito com a Inglaterra um acordo direto
que nos daria quase todo o território em litígio. Estou formidavelmente do-cumentado quanto
ao meu próprio papel na questão, mas senti duramente a perda do território incontestavelmente
nosso e a invocação de princípios que nos fariam perder dois terços ou metade do nosso país,
se ambições estrangeiras se levantassem de repente no Amazonas, no Paraguai e em todos os
nossos sertões desconhecidos, ou desocupados335

Esses elementos imperialistas implícitos na decisão arbitral fizeram com que Nabuco

decidisse de uma vez por todas que nosso território sofria de uma grande vulnerabilidade e

necessitava proteção. E esse temor não era, de nenhuma forma, ingênuo. O Congresso de

Berlim firmara o princípio jurídico, terrível para o Brasil, de que a posse atual e ocupação

efetiva do território eram o único meio de garantir e conservar a soberania territorial. Era

alarmante, no entanto, pensar que entre 1880 e 1914, a maior parte do mundo, à exceção da

Europa e das Américas, havia sido dividida em territórios sob governo direto ou sob

dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo de potências336.

Mesmo em 1900 a palavra “imperialismo” corria na boca de todo o mundo, reconhecida como

prática internacional. Para um viés analítico deveríamos nos referir a esse movimento no

plural, “imperialismos”, porque os seus objetivos e motivações foram diversos nos países que

o praticaram. Só é possível, assim, entender a ação de alguns deles num estudo

individualizado.

334
Carta de Joaquim Nabuco a Tobias Monteiro, 15/12/1902 (Cartas II, 1949, p.140).
335
Carta de Joaquim Nabuco a Dona Maria Ana Soares Brandão, 21/07/1904 (Cartas II, 1949, p.172-173).
336
HOBSBAWM, 1998, p.88; MAGDOFF, 1979, p.94; BARRACLOUGH, 1966, p.60.

130
131

O imperialismo duro, ou como Wolfgang argumenta, “formal”337, caracterizado pela

conquista territorial, é o que mais nos interessa aqui, porque é o que mais se identifica com as

preocupações de Nabuco. Apesar dos interesses políticos terem tido um grande peso para

configurar esse movimento agressivo, não podemos, como bem alerta Barraclough, fazer,

nesse contexto, uma divisão nítida entre política e economia para defini-lo. Esses elementos

são indistintos, pois cada um deles carrega interações com o outro338. Os motivos econômicos,

que seguiam a lógica de espraiar a produção manufatureira em larga expansão nos países

desenvolvidos a partir do acréscimo de novas tecnologias, para extensos mercados

consumidores, buscando ao mesmo tempo garantir o fornecimento de matérias primas para

essa mesma indústria pela implantação das plantations339, num clássico pacto colonial , só que

mais complexo, misturam-se com as motivações advindas das tendências ideológicas

nacionalistas e raciais340 da época e com o afã por prestígio e status internacional. As questões

estratégicas também não devem ser desconsideradas, já que a rivalidade entre Estados-nação

pressupunha a perda de espaço e poder de uns para a ascensão de outros.

Dessa forma, o laudo de 1904, precedente perigoso nesse estado de coisas, acabou de

cristalizar em Nabuco a adesão ao monroísmo341, tendo a questão territorial como sua maior

preocupação. Ele combinou dois pontos essenciais para Nabuco: a ameaça territorial e/ou

colonial européia e a idéia de dois mundos, o europeu e o americano, distintos em suas visões

de mundo. A doutrina Monroe deveria ser, assim, seriamente aceita “como a fórmula exterior

da independência do nosso Continente, como a lei da nossa órbita internacional à parte da do

Velho Mundo”342. Para o Brasil, em particular, ela deveria representar um grande interesse

nacional, já que vivíamos em um período histórico em que as antigas ficções de direito iam

337
DÖPCKE, 2001, p.138.
338
BARRACLOUGH, 1966, p.57.
339
RENOUVIN, 1969, p.438-439.
340
DÖPCKE, 2001, p.144.
341
COSTA, 1968, p.48-49. O autor dirá que “não resta dúvida que o ponto de partida do americanismo ativo de
Nabuco, que muitos julgaram exagerado, deve ser situado durante a Missão Especial” (COSTA, 1968, p.50).

131
132

perdendo terreno, e a força, justificada pelo progresso material que ela desenvolve por toda a

parte, avança sempre. Para o Brasil, “um mundo sobre o qual cada dia mais se dirigem as
343
cobiças das nações que têm fome de terra, das raças que precisam expandir-se” , sem

recursos de poder que pudessem ao menos se colocar perto da magnitude do problema,

Nabuco só enxergava sobrevivência na habilidade de nossa política externa.

De fato, os dois pontos que caracterizavam o laudo de 1904, levantados por Nabuco,

encontravam referências e solução na declaração de Monroe, realimentada pelos Estados

Unidos a partir das Conferências Pan-americanas iniciadas em 1889. Nabuco juntava, assim, a

adesão ao monroísmo à sua convicção de que “esta vitória [a de não ter sido pleiteada outras

partes do território brasileiro] devemo-la, principalmente, aos Estados Unidos”344, já que era

ele que havia refreado as ambições imperialistas inglesas na questão venezuelana da década

de 90, submetendo-a, ao menos, a arbitramento. Pensando de uma maneira preventiva,

Nabuco achava importante cultivar o monroísmo ao lado dos Estados Unidos como política de

defesa brasileira, quiçá continental, afirmando

A doutrina de Monroe só é uma defesa contra os estrangeiros bona fide, um interdito


possessório. Digo que é só isso, mas isso já é sem preço, pois este abrigo criou a segurança,
com toda a sua influência benéfica no desenvolvimento de nações que estão, como as nossas,
na fase de crescimento natural345

3.5 - CONCEPÇÃO DE SISTEMA MUNDIAL E SISTEMA CONTINENTAL

342
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 30/05/1905 (AHI).
343
Carta de Joaquim Nabuco a Nilo Peçanha, 15/10/1906 (FUNDAJ).
344
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 22/07/1904 (AHI).
345
Entrevista de Nabuco ao Chicago Tribune de 10/07/1905 (AHI).

132
133

A adesão de Nabuco ao monroísmo se complementa com sua concepção de sistema

continental346. A doutrina Monroe, ainda que sendo uma política particular norte-americana,

daria uma liga ideológica entre os países americanos a partir do novo pan-americanismo por

apontar um destino uno para um mundo novo diferente do europeu. Nabuco achava que as

mais importantes repúblicas do continente teriam a possibilidade de contribuir para a

consolidação e manutenção da doutrina347. Assim, ele se insere na definição de Lafer que

afirma que “a interpretação multilateral do monroísmo é parte constitutiva da doutrina de

política externa brasileira.”348 Para nosso embaixador em Washington, no entanto, a liderança

desse processo deveria estar nas hábeis, por que mais civilizadas, mãos norte-americanas.

Nesse sentido, a melhor garantia da supra-nacionalidade do monroísmo residia na sua

implementação concreta, tendo por base o caráter próprio de uma política externa nacional

norte-americana349. Essa construção intelectual tinha, na materialidade do continente

americano, a necessidade de contrapor-se a algo para criar uma identidade. Esse “algo” exigiu

de Nabuco a concepção, ainda que geral, de um sistema mundial. Basicamente pensava a

existência de um bloco internacional americano, sendo que seu poder potencial era o poder

dos Estados Unidos, ao lado de outro bloco Europeu, com centros distintos de poder350.

Partilhando da idéia de dois hemisférios sintetizada na doutrina Monroe, Nabuco acredita que

desde o momento em que a América se tornou independente, significou que “(...)

politicamente nós nos desprendemos da Europa tão completamente e definitivamente como a

lua da terra.”351.

346
Entre os brasileiros, Nabuco era o que mais explicitava a existência de um sistema continental (BUENO,
2003, p.166).
347
COSTA, 1968, p.109.
348
LAFER, 2001, p.67.
349
Cf. SILVEIRA, 2000, p.251. Gomes também afirma tal idéia ao dizer que, diante da massa colossal européia,
pensada junto com todas as suas possessões extracontinentais, para Nabuco, “a única solução (...) seria a união
de todas as repúblicas americanas sob a égide da Doutrina de Monroe” (GOMES, 1950, p.126-127).
350
Há referência a certo pioneirismo de Nabuco, no Brasil, no discernimento de um sistema mundial
caracterizado por dois tipos de poder, um americano e outro europeu (GANZERT, 1942, p.439).
351
Apud NABUCO C., 1958, p.402.

133
134

Diferentemente da definição teórica clássica aroniana de sistema mundial que entende

este como sendo o conjunto das unidades políticas que mantêm relações entre si e estão

suscetíveis de entrar em guerra352, a definição histórica de Nabuco para o início do século XX,

seguindo uma diplomacia de equilíbrio, poderia ser colocada como o conjunto dos blocos de

poder independentes, definidos a partir de áreas de influência territoriais que, mantendo

relações políticas regulares entre si, contrabalançam suas características opostas.

Quão verdadeiramente profética foi a palavra de Canning sobre a sua obra, que foi obra
também de Monroe: ‘chamei à existência um novo mundo para restabelecer o equilíbrio
antigo’. Os Estados, sem a Doutrina de Monroe, não teriam restabelecido este equilíbrio. 353

Reconhecendo o caráter imperialista dos Estados no início do século XX, os blocos de

poder seriam as entidades internacionais formadas não só pelo seu território oficial, mas

também pelos adendos coloniais advindos da política imperialista. Os Estados principais

desses blocos, as grandes potências, teriam neles centralidade e comando. Seria de grande

utilidade que eles tivessem uma política externa coesa, mas como são conjuntos de países,

teriam uma forte dificuldade para sua consolidação. De qualquer forma, continuavam a existir

atritos internacionais nesse estado de coisas, já que alguns grupos teriam um apelo fortemente

expansivo, gerando conflitos bélicos eventuais.

O que havia proporcionado a descentralização do poder internacional, criando blocos

diversos, teria sido a relativização do poder europeu pela ascensão de novos atores

internacionais de peso. Nabuco não acreditava na tese da decadência européia. Achava, no

entanto, que além do poder, seria necessário à Europa dividir também a hegemonia moral do

352
Cf. ARON, 2002, p.153.
353
NABUCO, 1949, p.450.

134
135

mundo com uma nova fonte de civilização que despontava na América, os Estados Unidos354.

Segundo Nabuco, os filhos de Washington seriam “os modelos da nossa civilização

americana”355 e seu caráter mais visível a liberdade. O papel destinado à América Latina na

história ainda era, no entanto, pouco perceptível356. Dessa forma, agradecia pelo resto do

continente ao fundador desta sociedade, Lincoln, afirmando que

Nós, como os demais países Sul-americanos, lhe devemos o haver feito, do primeiro país do
nosso continente, uma grande nação inteiramente livre, estabelecendo deste modo o verdadeiro
caráter da civilização americana357

A formação dos blocos desse mundo multipolar teria como incentivo uma série de

inovações tecnológicas que ganhavam espaço nas sociedades industriais. Os países centrais

desse processo utilizavam-nas como poder dominador a partir da organização de uma nova

força bélica e da diminuição do espaço físico, facilitando o controle e a exploração econômica

das áreas adjacentes coloniais358. Nabuco diria que

Hoje vivemos em um croud e dentro de um expresso. Não há nada mais sugestivo do que um
mapa dos caminhos de ferro do velho mundo no almanaque Hachette deste ano. Daqui a pouco
Europa, Ásia e África formarão uma só rede. E a que pequena distância dela ficaremos quando
forem reunidos por trilhos o Senegal e a Argélia! É o sistema político do globo que começa

354
NABUCO, s/d, p.205. Nesse sentido, Nabuco dirá que “há uma geografia intelectual do mesmo modo que
uma geografia botânica e zoológica” (NABUCO, s/d, p.205); SILVEIRA, 2000, p.252.
355
NABUCO, s/d, p.206.
356
NABUCO, s/d, p.205.
357
NABUCO, s/d., p.109.
358
Autores como Barraclough dão razão para Nabuco nessas observações. O autor afirma que o industrialismo
foi um dos grandes catalisadores das modificações que se operaram no que classifica como “sociedade
contemporânea” do século XX, fase posterior à “sociedade moderna” do século anterior. (BARRACLOUGH,
1966, p.43-61).

135
136

em vez do antigo sistema europeu! É um grande assunto de observação tudo isso. Pode-se
dizer que estamos nas vésperas de uma nova era 359

Se desse lado do atlântico o poder aglutinador eram os Estados Unidos, baseados na

doutrina Monroe, na Europa se podia ver pelo menos dois outros grupos, um liderado pela

Alemanha e outro pela Inglaterra, ambos em expansão por conta de suas bases imperialistas

“formais”360, se quisermos utilizar tal termo, e baseados em um sistema de alianças, algo que

não existia na América361. A unidade moral e não a conquista territorial seriam as bases para a

consolidação do bloco americano. Para Nabuco “as alianças passam, não tem elasticidade e

são cheias de perigos, ao passo que a espontânea concorrência nas mesmas linhas de ação é o

natural desenvolvimento do destino de cada nação”. Nesse sentido, “a concentração das

Repúblicas Americanas com a idéia de que todas formam, sob várias bandeiras, um só sistema

político, já é uma aliança moral”362.

O caminho da mundialização dos assuntos internacionais363, já assinalada por Nabuco,

provocava esses diferentes blocos para a defesa de suas respectivas áreas de influência e da

sua preponderância internacional. Os destinos do sistema em si e, por conseqüência, de todos

os que dele faziam parte, seria dado pelo resultado do conflito364. Nabuco achava que estava

359
Carta de Joaquim Nabuco ao Barão de Albuquerque, 05/01/1905 (Cartas II, p.200). Nabuco era deslumbrado
com os progressos possibilitados pela ciência ao homem. Diria que “A ciência aligeira sem dúvida as penas do
homem, multiplica-lhe os labores, melhora-lhe a condição, em um grau e medida que a beneficência e a caridade
nunca lograriam. Caridade é local, ciência é universal” (NABUCO, s/d., p.115); Já em Minha Formação dirá
“Sou antes um espectador do meu século do que do meu país; a peça é para mim a civilização, e se está
representando em todos os teatros da humanidade, ligados hoje pelo telégrafo” (NABUCO, 1999, p.44).
360
Nabuco diria “Europa não é mais somente Europa. É Europa com África e Ásia e mesmo para tal poderosa
combinação é bom que uma parte do globo fora disso como um terreno neutro. É um imenso benefício para toda
a humanidade” (entrevista de Nabuco ao Chicago Tribune de 10/07/1905).
361
É corrente na bibliografia que trata do tema o fato dos Estados Unidos nunca terem sido imperialistas nos
moldes que foi, por exemplo, a Inglaterra. Ainda assim, não devemos nos enganar concluindo que os Estados
Unidos não tenham praticado o imperialismo a seu modo.
362
NABUCO, s/d, p.146-147.
363
BARRACLOUGH, 1966, p.93.
364
Nabuco diria que “(...) estamos caminhando para uma época em que a sorte de todos sem exceção tem que ser
afetada pela solução que tiver o conflito de influência e preponderância entre os grandes sistemas atuais de
forças, como sejam a Tríplice e a Dupla Aliança, o Império Britânico, a doutrina Monroe, etc.” (Carta de
Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves. Apud Carolina NABUCO, 1958, p.403).

136
137

“(...) em desenvolvimento uma transformação do equilíbrio político do mundo, que

forçosamente afetará as relações internacionais/ a América do Sul/ quando se vier a

completar, e dez anos é o prazo máximo para a fixação das vistas que hoje flutuam.”365

Os dois blocos essenciais em questão, no entanto, tinham uma essencial característica

distinta que fazia toda a diferença para o nosso continente. Os europeus tendiam à

beligerância enquanto que o americano para a paz. Na cerimônia de apresentação de

credenciais de embaixador Nabuco diria que

Todos os votos do Brasil são, com efeito pelo aumento da imensa influência moral que os
Estados Unidos exercem sobre a marcha da civilização e que se traduz pela existência no
mundo pela primeira vez na história de uma vasta zona neutra de paz e livre competição
humana366

Após ser questionado pelo então Secretário de Estado Hay, antecessor de Root, sobre o

que quis dizer exatamente com “zona de Paz e livre competição humana”, Nabuco explicaria

que

(...) a influência benéfica dos Estados Unidos na história é provada pela existência, pela
primeira vez, de uma grande zona Neutra, como é toda a América independente, inclinada para
a paz, ao lado de uma outra massa (a Europa formando agora por controle, alianças, etc., um
todo com a África e a Ásia) inclinada para a guerra, real ou eminente 367

Assim, os Estados Unidos influenciariam, a partir de uma prevalência moral,

exemplificada na doutrina Monroe, o meio continental e mundial de maneira decisiva.

365
Carta de Joaquim Nabuco s/ destinatário, 1908 (FUNDAJ).
366
Discurso de Nabuco para Roosevelt por conta da entrega de credenciais (AHI).

137
138

Tinham também o compromisso, por serem o país de maior desenvolvimento econômico e

bélico e de maior importância política já nos primeiros anos do século XX, de liderarem a

América. Da mesma forma que Rio Branco, Nabuco acreditava que os Estados Unidos eram o

centro desse subsistema internacional de poder na América368, mas o embaixador ia além ao

incentivar a idéia de Destino Manifesto norte-americano colocando esse país na missão de

extrapolar a fronteira americana a partir do reconhecimento mundial de sua proteção,

intrínseca pelo passado e necessária pelo presente.

A idéia de sistema americano já estava presente, é claro, na proposta norte-americana

via conferências pan-americanas. A partir delas se vislumbrava a construção de uma relação

americana com vistas ao desenvolvimento comum. O caso é que essa retórica era nitidamente

estratégica com o objetivo de abrir os mercados latinos e a proposta de Nabuco era

obviamente outra, porque tomava o pressuposto do interesse brasileiro como veremos no

próximo tópico. Mas de qualquer forma era necessária uma atuação continental conjunta para

que esse bloco americano pudesse ganhar alcance e força. É necessário fazer referência ao

fato de que Nabuco realizava uma fragmentação sócio-cultural entre a América saxônica a e

América latina, distanciadas durante muito tempo por um temor latino e a indiferença norte-

americana. Segundo Silveira essa fragmentação, como já foi aventado anteriormente,

representava uma diferenciação entre estágios de desenvolvimento, estando a norte-americana

em um degrau bem superior369. O contato dos menos desenvolvidos com essa alta civilização

seria de grande benefício para os primeiros já que

367
Carta de Joaquim Nabuco a Sr. Hay, 21/06/1905 (AHI). Aqui Nabuco explica sua idéia de Zona Neutra de
livre competição humana sem guerras dita a Roosevelt por conta da entrega das credenciais.
368
BUENO, 2003, p.165.
369
SILVEIRA, 2000, p.253.

138
139

A América Latina (...) se impregnaria, em medida diversa, do vosso otimismo, intrepidez e


energia370

As Conferências Pan-americanas teriam o seu papel na identificação de interesses

comuns das nações americanas e no aprofundamento de suas relações, mas não bastariam,

sendo necessário avançar rumo a criação de uma “opinião pública americana”, condição

essencial para o desenvolvimento das duas Américas. Uma vez que já existia uma opinião

pública mundial, “ainda que distante e vaga”, precisaríamos de uma nossa, do continente,

“comum, ampliada pela concentração e reflexão direta de nação a nação (..) quando essa

opinião chegar a seu completo desenvolvimento, fazer parte da União das Repúblicas

Americanas importa imunidade para uma delas, não só de conquistas estrangeiras, ma

também de governo arbitrário e suspensão de liberdade pública e individual.”371 Nabuco

mostrava os elementos pan-americanos de suas concepções ao incentivar a criação de

conhecimento e compreensão entre as nações americanas; a existência de uma propaganda

para fomentar discussões e formar opiniões públicas continentais; uma comunhão de

interesses materiais e morais. No caso da alta civilização americana, os Estados Unidos, o

progresso conjunto traria a consolidação do seu poder em escala mundial e no caso da

América atrasada, a latina, haveria um desenvolvimento comum com a possibilidade da

criação de um sistema cooperativo continental.

Alguns fatores facilitavam ainda essa comunhão de ideais e progresso frente ao resto

do mundo. Para Nabuco os preconceitos históricos e raciais que promoviam um sem-número

de conflitos entre os povos, encontravam-se, na América, menos acentuados. E apesar das

diferenças de raça, de línguas, de crenças, uma origem sociológica comum constituía um fator

370
NABUCO, s/d, p.143.
371
NABUCO, s/d, p.149-150.

139
140

de unidade372. Nabuco acreditava que o movimento histórico fez com que os países

americanos se encontrassem todos em convergência de posição política, fazendo referência ao

fato de que “o interesse que antes me inspiravam as coisas sul-americanas aumentou

naturalmente depois da revolução de 15 de novembro. Desde então começamos a fazer parte

de um sistema político mais vasto.”373 Nossa mudança da forma de governo monárquica para

a republicana teria como causa importante nossa circunstância geográfica americana, estando

ligado a isso a idéia de promoção da união americana374. Nabuco afirmava que, em relação às

nossas ambições nacionais, a partir de então

Sem fazermos parte de um sistema, entregues aos nossos recursos somente, não poderemos
olhar com sobranceria aquelas expectativas impacientes375

Tudo isso levou Nabuco a considerar “que Wash. deve ser a nossa primeira legação no

presente estado do equilíbrio político “mundial”376. Mas se em termos mundiais a situação era

essa, a organização de poder na América teria um caráter particular e mais complexo, apesar

de fácil identificação e escolhas para o Brasil.

3.6 – O BRASIL, A ALIANÇA NORTE-AMERICANA E RELACIONAMENTO COM OS OUTROS

PAÍSES DO CONTINENTE

372
COSTA, 1968, p.111.
373
NABUCO, 1937, p.182. Nogueira também atesta esse paralelo entre republicanismo e união americana
(NOGUEIRA, 1984, p.201).
374
NABUCO, 1937, p.182.
375
Carta de Joaquim Nabuco a Nilo Peçanha, 15/10/1906 (FUNDAJ).
376
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 04/1903 (FUNDAJ).

140
141

Como vimos nos tópicos anteriores, o pleito de 1904 cristalizou em Nabuco a

necessidade de uma aproximação maior com os Estados Unidos balizada no monroísmo. Isto

se deu por duas razões. A primeira, mais imediata e concreta, foi a necessidade de proteção do

território brasileiro contra as pretensões imperialistas das potências européias, que se

tornavam cada vez mais favorecidas pela perda de legitimidade dos antigos critérios do direito

internacional. Elaborou a partir disso uma idéia consistente da organização e funcionamento

de um sistema continental e mundial, o que nos leva à segunda razão, de maior alcance e

abstração, definida como ideal de união americana, considerada como uma esteira de

progresso e desenvolvimento contínuo para o alcance do bem-estar social dentro dos Estados

das Américas num primeiro momento e, depois, via irradiação dessa civilização, dos Estados

do mundo inteiro.

Pretendemos aqui discutir as nuanças contidas em sua idéia de união continental.

Acreditamos que Nabuco tinha propostas bem definidas e singulares sobre o relacionamento

do Brasil com os Estados Unidos nesse quadro. Deslocamos a análise, assim, para a

particularidade do seu cargo como embaixador brasileiro em Washington, tentando apreender

o outro lado de seu americanismo, que se relaciona com as idéias de poder, hierarquia,

posições estratégicas e interesse.

Numa época em que Nabuco considerava que os problemas externos tendiam a

sobrepujar em importância as questões internas377, a política de aproximação com os Estados

Unidos ganhava uma grande dimensão, devendo ser “o alfa e o ômega da nossa política

externa”.378 Como considerava Washington o grande arquiteto político do continente

americano379, achava que seu posto deveria ser utilizado como centro de operações do Brasil

377
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves. Apud NABUCO C., 1958, p.403.
378
Carta confidencial de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 07/07/1907 (Cartas II, 1949, 277-278).
379
Carta de Joaquim Nabuco a Basset More, 02/03/1907 (FUNDAJ).

141
142

para sua inserção no mundo. Já que os Estados Unidos eram de uma importância singular, “o

observatório de Washington é em tal conjuntura o mais importante de todos”.380

Nabuco afirmava que o Brasil tinha característica e história que lhe garantia uma

posição distintamente mais próxima da grande civilização do continente. Identificava-o com

as qualidades do ideal de união americana ao colocar como um suposto comportamento

nacional brasileiro o americanismo e a solidariedade381. Diria aos estudantes da universidade

de Yale

Tanto compreendeu logo o Brasil o bem que importava para a América Latina a Doutrina de
Monroe, que foi a primeira das novas nações que lhe deu apoio (...) Se me perguntásseis qual
vem a ser o principal característico nacional do Brasil, responderia certamente que é o
idealismo. Desse idealismo comparte o americano. Sempre fomos e continuamos leais ao
nosso Continente. Nunca poderia a nossa Nação se escravizar a um cometimento egoístico e
baixo382

Estava o Brasil, assim, num campo diferente dos países da América hispânica no que

concerne ao relacionamento com os Estados Unidos já que eles “por largo tempo recearam o

contato mui perto convosco, atenta a grande diferença de força entre esta e as demais nações

americanas”383. De fato, se a amizade norte-americana e o monroísmo eram geralmente bem

aceitos no Brasil384, o resto da América alimentava grande reserva para com os Estados

Unidos e sua política externa pelos acontecimentos no México e no Panamá, ganhando força

especialmente depois da proclamação do corolário Roosevelt e as intervenções em São

Domingos e em Cuba. Realmente sempre existiu uma linha contrária nos países hispano-

americanos, desde antes de se tornarem independentes, vinda de Bolívar, a qualquer

380
Carta de Joaquim Nabuco ao Barão de Albuquerque, 05/01/1905 (Cartas II, 1949, p.200).
381
SILVEIRA, 2000, p.259.
382
NABUCO, s/d., p.133.
383
NABUCO, s/d., p.141.

142
143

envolvimento maior com os Estados Unidos e, quando estes decidiram recuperar a doutrina

Monroe para fazer parte da estrutura ideológica do novo pan-americanismo, acabaram

piorando a situação. Essa doutrina não era bem vista porque assumiu interpretações

discrepantes, sendo usada ao mesmo tempo como retórica da união americana e como base do

corolário Roosevelt. Que grande confusão de idéias e ações instalara-se.

Contribuindo para o Brasil aproximar-se dos Estados Unidos, no sentido já apontado

anteriormente, estaria a condição de isolamento de ambos, cada qual numa porção do

continente. Identificações comuns como essa e outras eram usuais na época385. Mas um outro

fator importante que dava incentivo para o estreitamento desse relacionamento era a postura

internacional argentina. Em nenhuma parte da América a oposição aos Estados Unidos e ao

pan-americanismo foi mais forte do que nesse país, tanto por seu alinhamento político à

Europa, quanto por ser um competidor comercial norte-americano nas produções agrícolas386.

O fato de o Brasil ser um rival histórico dessa nação incentivava uma postura oposta, ou seja,

próxima aos Estados Unidos.

Para Nabuco, em posição privilegiada, reservada pela sua fidelidade e importância

americana, o Brasil teria o compromisso de desempenhar um papel de interlocutor e

intermediário entre o mundo anglo-saxão e o mundo latino para possibilitar a sua

convergência. Inseria-se assim uma retórica pan-americana num quadro internacional

hierarquizado. Silveira apreende bem a questão ao afirmar que “tal representação da posição

brasileira fornecia um sentido explicativo, de teor americanista, e não necessariamente

americanófilo, tal como aparecerá materializado, sob diversas formas, na política de Rio

Branco”.387

384
Cf. COSTA, 1968, p.157.
385
Ver tópico 1.2 Política de Rio Branco em relação aos EUA, p.44.
386
COSTA, 1968, p.166-167.
387
SILVEIRA, 2000, p.258.

143
144

Essas visões incentivam para Nabuco a busca de um bilateralismo radical que punha o

Brasil como um aliado preferencial e tradicional dos norte-americanos na busca da unidade

dos dois lados do continente. Justificava-se assim a alta posição de poder que a nação

brasileira deveria ter no cenário sul-americano, ao mesmo tempo em que se desenhava a idéia

de “inevitabilidade” da relação Brasil-Estados Unidos presente no discurso de Nabuco até o

final da sua vida. O embaixador afirma que tinha

(...) a aproximação entre os dois países como nossa única política externa possível. Ela vale
mais para mim do que quantos Dreadnought possamos construir (...) Sem ela valeria muito
pouco o nosso isolamento388

Sempre que Nabuco fala da política de aproximação com os Estados Unidos, faz

questão de frisar ser esta a única política externa que vislumbra possível para o Brasil.

Acreditava que “seria um esforço estéril para o resto de razão e de bom senso do país querer

lutar contra o imã do Continente, suspenso, ao que parece, no Capitólio de Washington”389.

Essa inevitabilidade significa para o Brasil praticamente uma idéia de destino nacional390 por

dois motivos: o primeiro é que esse relacionamento era o “nosso eixo de segurança”391, uma

garantia de integridade territorial, o segundo, mais relacionado ao prestígio e ao

desenvolvimento, era que, estar ao lado da mais forte república do continente, possibilitava ao

Brasil se transformar em um pólo estratégico de poder no hemisfério e, dada as relações

pensadas sobre blocos internacionais, também para o mundo. Aos moldes da “onda

democrática” de Toqueville ou da “inundação” de Mendonça, Nabuco via a inevitabilidade do

388
Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da Silveira, 31/10/1908 (FUNDAJ).
389
NABUCO, 1937, p.183.
390
Nabuco via a aproximação com os Estados Unidos como a nossa causa nacional por excelência, como havia
sido a abolição em outros tempos (Telegrama de Nabuco a Afonso Pena, 23/01/1908, FUNDAJ).
391
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (FUNDAJ). Nabuco afirma que “A nossa diplomacia de
entrelaçamento com os Estados Unidos vale mais do que a maior esquadra e o maior exército que pudéssemos
ter” (Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 28/05/1907, AHI).

144
145

aprofundamento do relacionamento dos Estados Unidos com a América. Teríamos assim que

escolher, como na dicotomia monroísta entre a Europa e a América, entre a hispano-américa e

a norte-américa. Insistia, no entanto, que existia a escolha certa e a errada. A certa era ao lado

dos Estados Unidos.

Na verdade, Nabuco acreditava que o caminho do equívoco (aquele que não sabia nem

ao menos nomear) não nos levaria para lugar algum. Alertava, nesse sentido, Rio Branco que

Nunca na minha opinião, um brasileiro teve tantas responsabilidades no destino do nosso país
como você ante os dois caminhos que se lhe deparam: o americano e o outro, a que não sei
como chamar, se de latino-americano, se de independente, se de solitário392

Vê-se que o caminho latino não agrada Nabuco e, dentro de suas concepções, não há

por que recriminá-lo. Realmente nenhum dos nossos vizinhos tinha os requisitos de força,

prestígio e poder que Nabuco encarava como essenciais para a realização de proteção e

desenvolvimento do continente. Não poderiam nem mesmo ser exemplos de estabilidade

nacional, afogados como haviam estado no redemoinho de revoluções do século XIX e que,

no início do século XX, migrava para as instabilidades financeiras tão odiosas na Europa.

Além disso, as rixas históricas do Brasil com Argentina, Peru, Paraguai e Uruguai,

dificultavam um maior entrosamento. Nabuco se define, assim, por uma política externa

brasileira alinhada à norte-americana.

A idéia de Nabuco era levar o relacionamento com os Estados Unidos para um

patamar mais elevado do que normalmente se supunham as boas relações entre Estados.

Animava Rodrigues Alves para que “o limite da expansão mútua fosse pela nossa parte tão

392
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p.238-239).

145
146

393
amplo quanto a constituição lhe permita levá-lo” . Queria “uma quase aliança com os

Estados Unidos, um acordo perfeito” já que seria “do nosso interesse pertencer à esfera neutra

do globo que é a América, e não à esfera beligerante que é o Velho Mundo”, definindo de

maneira enfática e coerciva que “minha escolha, porém, está feita, e, se essa não é a política

do Governo, é pena que tenham mandado para cá um homem das minhas idéias”.394 Não

mandou tais posicionamentos para Rio Branco (essa carta não foi enviada), também por conta

das fortes discrepâncias de posições que havia tido com o chanceler em 1907 e que

abordaremos no próximo capítulo. Buscava não confrontá-lo diretamente para evitar maiores

problemas, mas tentava influenciá-lo pela via do poder executivo brasileiro. Tal atitude de

Nabuco, já levantada no texto395, foi uma constante. Reclamava então a Afonso Pena da

incorreção da idéia, ainda nebulosa que começa a lhe chegar em Washington, da construção

de algum tipo de liga sul-americana. Diria que “quanto aos boatos da tríplice aliança sul-

americana, ouço-os com tanta apreensão que, se ela se celebrasse, preferiria ser retirado

daqui”396.

Nabuco acreditava que uma relutância da parte brasileira em obter a amizade norte-

americana daria força à opinião minoritária nos Estados Unidos, especialmente entre os norte-

americanos de origem alemã, de que a América do Sul deveria ser excluída das obrigações da

Doutrina Monroe. Caso fosse “mal aceita, toda a confiança em nós desapareceria, nasceria a

má vontade, a terrível má vontade americana que nenhum governo pode resistir, e o resultado

mais certo dela seria a intimidade com os países ribeirinhos superiores do Amazonas e seus

afluentes, como o Peru e a Colômbia”397. Esse era um grande medo de Nabuco. Que os

Estados Unidos substituíssem o relacionamento preferencial que começava a frutificar com o

393
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 18/12/1905 (FUNDAJ).
394
Carta de Joaquim Nabuco que não foi enviada, sem destinatário [possivelmente Rio Branco, com o qual
discutia questões da Conferência de Paz de Haia], 1907 (FUNDAJ).
395
Ver cap. 2, p.71-72.
396
Carta de Joaquim Nabuco a Afonso Pena, 19/01/1908 (FUNDAJ).
397
Carta de Joaquim Nabuco a Afonso Pena, 19/01/1908 (FUNDAJ).

146
147

Brasil por algum outro. Por esse plano, “a idéia de uma aliança com a Arg (...), seria fatal”.398

Sendo real tal aliança, absurda na visão de Nabuco, ela também poderia ser tomada como uma

combinação antiamericana, o que “aumentaria assim a nossa responsabilidade sem servir para

aumentar a nossa defesa”399. Mas caso Rio Branco insistisse em levá-la adiante, então Nabuco

achava que seria interessante pensar em esclarecer seus motivos e objetivos para os Estados

Unidos. Rio Branco nem mesmo vislumbrava tal possibilidade, mas Nabuco lembraria

Penso que não deveríamos como amigo nos aliar com outros sem tranqüilizar amigo ao qual
em graves emergências nacionais teria por certo que recorrer400

Nabuco achava realmente que a tendência era que os países latinos estivessem revendo

seus critérios de relacionamento continental num sentido de maior americanização, leia-se

norte-americanização. Diria a Rio Branco que “ao contrário do que encontrei ao chegar, os

Enviados latino americanos desenvolvem hoje cada dia maior zelo em captar a simpatia dos

Estados Unidos. A nossa atitude os esclareceu depressa.” Achava que era necessário que, para

manter a dianteira adquirida com a criação da embaixada o “esforço aqui e aí terá que ser

constante e sempre crescente”401, seria “preciso a consciência do fim que queremos alcançar e

a constante sujeição à disciplina, necessária para chegar a ele”.402 Fazendo referência ao libelo

de Eduardo Prado diria que “se voltamos ao espírito da ilusão americana estamos

perdidos”.403

A Argentina, por exemplo, começava a ser um motivo de preocupação. Nabuco

percebia que no momento em que o Brasil não atuava de maneira incisiva na aproximação

398
Carta de Joaquim Nabuco a Gomes Ferreira, 18/07/1908 (FUNDAJ).
399
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 07/01/1908 (FUNDAJ).
400
Carta (não foi enviada) de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 12/01/1908 (FUNDAJ).
401
Ofício de Washington - Nabuco a Rio Branco, 24/05/1907 (AHI).
402
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, [01]/1907 (FUNDAJ).

147
148

com os Estados Unidos, utilizando todos os recursos disponíveis, a Argentina ganhava espaço

nessa briga por aproximação, mudando sua atitude tradicional ao ir “compreendendo melhor
404
do que nós a necessidade de inspirar simpatia e confiança em Washington” . O Chile

também demonstrava oportunismo ao manifestar grande vontade de criar uma embaixada nos

Estados Unidos em 1907. A imprensa norte-americana, no entanto, não gostou da idéia por

achar que um país com população e território pequeno como era o Chile não inspirava tal

crédito, além do que existia a preocupação de que com o aceite, todo o resto do continente se

acharia no direito de reivindicar tal privilégio diplomático, formando um corpo muito grande

de embaixadores no meio diplomático de Washington, descaracterizando o cargo405.

Nabuco percebia, no entanto, que não era interessante criar da parte de importantes

nações do continente sul uma indisposição com os Estados Unidos. O caso Alsop é um

exemplo claro desse pensamento. Em 1909 apareceu uma ameaça grave de rompimento de

relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Chile por conta de uma antiga reclamação

da firma norte-americana Alsop Company. As concessões de mineração que lhe haviam sido

concedidas pela Bolívia não foram reconhecidas pelo Chile depois da guerra do Pacífico,

quando o território onde ela se encontrava foi transferido para esse país. Os Estados Unidos

queriam levar a questão a arbitramento e obrigava o Chile a reconhecer que eles tinham o

direito de intervir em favor de uma pessoa privada. Quando o Chile recusou tal

reconhecimento os EUA deram um ultimatum em onze de novembro, afirmando que se o

Chile não voltasse atrás na sua decisão em dez dias, as relações diplomáticas seriam

rompidas.

403
Carta de Joaquim Nabuco a Afonso Pena, 19/01/1908 (FUNDAJ).
404
Carta de Joaquim Nabuco a C.J. Rodrigues, 30/07/1909 (FUNDAJ).
405
Cf. Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 19/01/1907 (AHI). Rio Branco diria a Nabuco em
reação à questão que “sei que houve quase convite americano feito há anos ao próprio Gana. Discretamente
conviria auxiliar nossos amigos chilenos, evitando que eles fiquem mal” (Telegrama de Nabuco a Rio Branco.
26/02/1907, AHI).

148
149

Lembrando do caso do Bolivian Sindicate tão penoso ao Brasil, Nabuco atua junto

com Rio Branco para impedir o que se considerava ser “um terremoto Pan-americano”406 que

prejudicaria a estabilidade continental tão essencial para os desenvolvimentos projetados.

Enquanto Nabuco conversava com Root, agora um senador, para usar da sua influência

política sobre o então Secretário de Estado Philander Knox, Rio Branco convidava o

embaixador Dudley para discutir a questão no Itamaraty. Conseguem, por esses movimentos

diplomáticos, modificar o espírito de conflito que se encontrava na disposição do governo

norte-americano, possibilitando uma solução pacífica para questão. Como desfecho, levou-se

a reclamação a arbitramento e as relações entre os dois países permaneceram inalteradas.

Burns afirma que “o caso Alsop foi um dos grandes sucessos da diplomacia hemisférica de

Rio Branco, no qual ele demonstrou a sua amizade pelos Estados Unidos e o Chile, dando ao

Brasil uma oportunidade para exercer a liderança diplomática no continente americano”.407

Como já foi aventado, esse equilíbrio de amizade, preocupação e cooperação com o

Chile, no entanto, sempre foi tênue. Nabuco, antes desse incidente, ainda em 1905, acreditava

que uma posição pouco ativa brasileira poderia direcionar a política externa norte-americana

para outros lados, escolhendo algum país para tomar o lugar brasileiro nesse jogo diplomático.

Assim, afirmaria receoso que se

O que o Presidente [Roosevelt] me disse sobre a Bolívia e o Peru fosse dito ao Chile, apesar
da frouxidão da política externa atual deste, poderia isso movê-lo a assumir o papel que os
Estados Unidos nos destinariam, se quiséssemos aceitá-lo. E não querendo nós, é melhor não
habilitarmos nenhum substituto408

E, nesse sentido, diria

406
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 22/11/1909 (FUNDAJ).
407
BURNS, 2003, p.170.
408
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 18/11/1905 (FUNDAJ).

149
150

Sou grande amigo do Chile, porém mais amigo dos Estados Unidos. Amicus Plato, sed magis
amica veritas; melhor dizer a realidade409

Não que o Chile, e mesmo a Argentina, não tivessem algum papel na organização de

poder na América. Para Nabuco as etapas de relacionamento continental seriam as seguintes:

antes de tudo os Estados Unidos deveriam assumir a postura de líderes do continente; num

segundo momento seria necessária a aliança com o Brasil para possibilitar o exercício dessa

liderança no norte e no sul “para formarem juntas um núcleo sólido de paz e harmonia

continental” 410. Com essa estrutura consolidada viria o terceiro momento, onde seria possível

expandir as alianças, mas ainda não para todos os países. Somente os mais importantes seriam

incorporados. Eram eles a Argentina e o Chile no sul e, pela vontade norte-americana, o

México no norte.

Essas seriam as etapas mais importantes e significativas do processo de estruturação

do poder no continente. Após terem sido cumpridas, com o surgimento de possibilidades, iria

se incorporando em longo prazo o resto dos países latinos. Essas etapas deveriam ser levadas

a sério porque formavam a lógica de poder no continente, não havendo no que se enganar

quanto às importâncias relativas de cada aliança para o Brasil, da onde a única absoluta era a

com os Estados Unidos.

Fica claro que a idéia de alianças para Nabuco era hierárquica. Via os países com

diferenças históricas e de poder que deveriam se refletir na organização do continente, dando

um tom quase que oligárquico para as relações que formariam um condomínio no

409
Carta de Joaquim Nabuco a Gomes Ferreira, [1º semestre] 1908 (FUNDAJ).
410
Carta de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 21/07/1906 (FUNDAJ).

150
151

continente411. Isso fica ainda mais claro quando Nabuco faz referência à organização do

Bureau das Repúblicas Americanas ao argumentar

Eu já lhe disse a minha experiência no Bureau, onde o Brasil vale menos do que a Ilha do
Haiti, por estar dividida em dois Estados e ter assim dois votos (...) Não há contrato de
sociedade possível sem a lei da proporção e sem a proporção não há justiça possível entre os
Estados412

A paridade entre os países não era uma das perseguições de Nabuco na sua idéia de

oligarquia continental. Nela, o que importava em primeiro lugar era aquele “núcleo sólido”

formado entre o Brasil e os Estados Unidos. Isso, que Nabuco definia como uma “quase

aliança” tinha, no entanto, também seus obstáculos. Um era de base material e dois eram

políticos. Ainda que o comércio tenha sido uma das questões importantes do período, o fato

era que os meios materiais de relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos eram

realmente precários. As linhas de navegação entre eles continuavam nas mãos dos europeus.

O mesmo acontecia no campo das comunicações, pois não havia linha telegráfica direta e as

mensagens precisavam ser encaminhadas pela Europa ou pela Argentina. As transações

comerciais também eram feitas por bancos europeus. Essa dificuldade teria que ser, em algum

momento, superada para que se ampliassem os intercâmbios e agilizassem as decisões,

diminuindo as distâncias.

Pelo lado político o problema era de um lado a indiferença norte-americana e do outro

o possível desdém brasileiro. O primeiro era histórico, mas tendia a se atenuar já que a

tendência norte-americana ao isolamento e indiferença estava em declínio por conta do

momento expansivo que esse país vivia. O que permanecia como resquício tradicional dessa

411
BUENO, 2003, p.167.
412
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (FUNDAJ).

151
152

indiferença era a repulsa em formar alianças e por isso ainda não havia chegado o momento

de criar uma com o Brasil. O momento dessa entente, como Nabuco a chamava, só poderia ser

criado “cá e lá, sendo longamente preparado de antemão por esforços como os meus”.413 O

grande medo de Nabuco, no entanto, era que o monroísmo, eixo dessa aproximação,

praticamente um dogma nacional, poderia deixar de sê-lo com o tempo e, “nesse dia ai de nós,

se a nossa amizade não estiver já bem cimentada”.414

O outro problema, esse dos maiores, por que interferia diretamente na política tentada

por Nabuco a frente da embaixada, dizia respeito à postura brasileira sobre a aproximação

com os Estados Unidos. Achava que era possível que o governo brasileiro, leia-se

especialmente Rio Branco, tivesse utilizado a embaixada de maneira publicitária e a

promoção internacional obtida pelo Brasil lhe teria sido suficiente, sendo que nenhuma

política mais coerente, ampla ou sistemática estava em seus planos. Nesse sentido Nabuco

reclama a seu companheiro e confidente Graça Aranha que, com tentativas de aliança sul-

americanas e construção de grandes armamentos415 “mostramos desconhecer a marcha do

mundo e não ter o instinto da nossa própria conservação” .416

A primeira perspectiva da aliança entre o Brasil e os Estados Unidos parece ter partido

de Roosevelt mesmo, empolgado que estava com a postura e fala de Nabuco na entrega das

credenciais.417 Nabuco acreditava que

413
Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da Silveira, 31/10/1908 (FUNDAJ).
414
Carta confidencial de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 07/07/1907 (Cartas II, 1949, 277).
415
Veja bem que Nabuco nunca foi contra construção de um exército e uma marinha forte, diria a Campos Sales
“Não creia V. Ex. (...) que eu deseje por parte do Brasil grandes armamentos em vista de contingências futuras.
Quando falei a V. Ex. em nos prepararmos a tempo não tive em vista o número. Minha idéia é que, por menor
que o tenhamos, devemos ter um exército a altura de qualquer, e da mesma forma a marinha” (Carta de Joaquim
Nabuco a Campos Sales, 12/07/19000, Cartas II, 1949, p.77). Nabuco era contra a crença de que poderíamos ser
auto-suficientes militarmente. Entendia que dependíamos dos Estados Unidos numa ocorrência de maior
proporção e que esta dependência não deveria ser ingenuamente camuflada com o aumento de armamentos
sempre insuficientes.
416
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 28/09/1908 (Cartas II, 1949, p.315).
417
“É meu sincero desejo e funda convicção de que a ação dos dois governos elevando cada um a primeira
categoria sua missão junto ao outro resultará em estreitar ainda mais os já sólidos vínculos de amizade que desde
a independência Brasileira perduram inquebrantáveis entre eles” (Discurso de Roosevelt para Nabuco por conta
da entrega de credenciais, AHI).

152
153

A criação da embaixada, o interesse que V. Ex. manifesta em obtê-la, sugeriu decerto ao


Presidente Roosevelt a primeira idéia e apoiar-se no Brasil na América do Sul418

Relatando uma conversa que teve com Roosevelt no final de 1905 Nabuco expõe para

Rio Branco que era do interesse norte-americano que o México de um lado e o Brasil do

outro, sendo preferível que nem a Argentina e nem o Chile figurassem no acordo, exercessem

influência respectivamente na América Central e na América do Sul419. Não poderia, no

entanto haver qualquer dúvida sobre a cumplicidade com os Estados Unidos, caso contrário

“seremos dispensados”. Assim, “somente por inteligência com Estados Unidos podemos por

nossa vez salvar e até, como eles desejam, dadas certas circunstâncias, aumentar com a

Guiana e vale do Amazonas.”420 Aventa-se assim que uma postura brasileira pela

aproximação traria benefícios concretos ao Brasil, talvez até em termos de ampliação

territorial. Root também incentivava essa visão da nação brasileira como líder da zona sul do

continente ao dizer à Nabuco que nela “existe uma potencialidade de influência para o bem de

toda América”.421 Os esforços de Nabuco para que a III Conferência Pan-americana e a ida de

Root ao Brasil em 1906 fossem seriamente encaradas como um grande acontecimento, advém

desses primeiros propósitos de aliança que partiram do próprio governo norte-americano.

Nada de formal foi feito para dar continuidade a essa idéia inicial levantada por

Roosevelt, mas Nabuco continuou trabalhando junto com o Secretário de Estado Elihu Root.

Nabuco levaria a crença nessa idéia de “aliança perfeita” até a Conferência de Haia em 1907,

quando os eventos a colocariam em dúvida. Nabuco achava que sua amizade com o secretário

Root era uma forte base para a aproximação dos dois países. Envaidecia-se desse seu

418
Ofício reservado de Washington - Nabuco para Rio Branco, 23/12/1905 (AHI).
419
Telegrama de Nabuco a Rio Branco, 14/11/1905 (AHI).
420
Telegrama de Nabuco a Rio Branco, 14/11/1905 (AHI).
421
Carta de Elihu Root a Nabuco, 28/11/1905 (FUNDAJ).

153
154

relacionamento privilegiado ao falar que “eu já podia ir-me embora daqui e ninguém teria

ainda feito tanto como eu, pela felicidade que tive de inspirar amizade e confiança a Mr.

Root”.422 Para Nabuco essa amizade não se reverteria nunca em alguma forma de exploração

das atitudes cooperativas do Brasil.

Da mesma forma que Rio Branco, Nabuco era daqueles que desacreditavam que a

política externa agressiva norte-americana pudesse vir a prejudicar o Brasil de alguma forma.

Definitivamente não estávamos no rol das repúblicas mal governadas da América que

necessitavam de uma intervenção corretiva. Ficava mais clara essa idéia nas próprias palavras

de Elihu Root ao dizer que o objetivo dos Estados Unidos no que diz respeito aos países

problemáticos da América Central era “(...) ajudá-los a adquirir uma capacidade para o auto-

governo: ajudá-los na estrada que o Brasil, Argentina, Chile e Peru e outros países sul-

americanos viajaram para longe da discórdia e tumulto das revoluções para um senso geral de

justiça e manutenção da ordem”.423

Mesmo assim Nabuco era contra a política imperialista de Roosevelt. Na sua visão, o

monroísmo presente nessa política era estreito, por que tinha como objetivo justificar-se

perante a Europa. Diria a Rio Branco

Note você que eu não acompanho as idéias de Mr. Roosevelt sobre a ocupação norte-
americana, ou outra, de alfândegas, etc., de países sul-americanos. O meu monroísmo é mais
largo e não me prende a esses expedientes que ele imagina para “justificar” (é a expressão de
Mr. Root, “expedientes” é a minha) a doutrina Monroe perante a Europa, a qual o aperta todos
os dias por causa desta “doutrina” e sempre em torno da Venezuela.424

422
Carta de Joaquim Nabuco a Carlos Magalhães de Azeredo, 09/12/1905 (Cartas II, 1949, p.234).
423
Discurso de Root transcrito no Washington Post de 16/01/1907 (AHI). Isso trazia a percepção para Nabuco de
que esses países não se enquadravam na política expansiva e agressiva de Roosevelt (Ofício de Washington -
Nabuco para Rio Branco, 16/01/1907, AHI).
424
Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (Cartas II, 1949, p.238).

154
155

De qualquer forma, para Nabuco os Estados Unidos representariam uma opção

alternativa e não a corrente geral, comum ou compulsória da época. Realmente era a Europa

de 1905 que tinha as significações mais fortes de imperialismo, unilateralismo, belicosidade,

etc. De modo algum uma política de aproximação com os Estados Unidos era, em princípio,

uma sujeição, ainda que pudesse ser trajada com tal conotação. É certo que alguns elementos

perigosos dessa aproximação já estavam presentes àquela época, mas eles ainda se

encontravam diluídos e de forma alguma carregavam o ranço que ganhariam no decorrer do

século XX. Os Estados Unidos apareciam, assim, por vezes, como um amigo ou modelo a ser

seguido, representando a alternativa antiimperialista425.

Podemos dizer a partir dessas considerações que Nabuco não buscava na sua

diplomacia uma união de todos os paises americanos, mas sim a união preferencial do Brasil

com os Estados Unidos. Nesse sentido, se ele modifica o conteúdo do monroísmo no discurso

ideológico de americanização das relações americanas para alcançar um suposto pan-

americanismo latino, como afirma Silveira426, não o faz na sua concepção prática mais

imediata para a política externa brasileira. Seu monroísmo se reveste da mesma liderança

norte-americana para o continente dos seus tempos de criação, só que com a adição de

conteúdos sociológicos e civilizacionais. Tendo como pré-requisito a ordem e a estabilidade

no continente Nabuco atuou estrategicamente para a obtenção de objetivos de curto e médio

prazo.

Todas as questões levantadas aqui podem ser vistas na carta confidencial de Nabuco

para Barbosa Lima. Com a visão privilegiada que imagina ter no observatório de Washington,

Nabuco faz referência ao perigo no qual se encontrava o Brasil com o novo momento

internacional do imperialismo, às escolhas da política externa brasileira nesse contexto, a

separação hemisférica entre a Europa e a América que era também uma separação política, o

425
Cf. TOPIK, 2002, p.424.

155
156

perigo alemão enquanto forte corrente de opinião pública contra o monroísmo, a iniciativa

cada vez mais incisiva dos países latinos em tomarem o lugar conquistado pelo Brasil na

mente dos norte-americanos e as necessidades de se preservar a aproximação com os Estados

Unidos.

Para mim, tanto quanto possa apreciar o rumo das coisas no nosso continente e no mundo, a
nossa política externa não tem alternativa. Tem sido um milagre histórico a conservação do
imenso todo chamado Brasil. Até hoje isso foi, em grande parte, obra da fortuna, mas dora
(sic) em diante será preciso que a ajudemos com outras forças além das nossas, pois hoje os
solitários quase vivem somente por condescendência e amanhã, voe soli! Entre a Europa e a
América, por bem ou por mal, não há escolha para nenhuma nação da América Latina, mesmo
por que a Europa toda se furtaria ao perigo. Na América (quando não fosse por outra causa
pela exceção da língua, que nos isola do resto da Ibero-América, como separa Portugal da
Espanha) não podemos hesitar entre os Estados Unidos e a América espanhola. Os alemães da
América do Norte formam lá uma poderosa corrente contrária ao Monroísmo (...) Com os
princípios modernos quanto à soberania de territórios não ocupados haveria somente no vale
do Amazonas campo vastíssimo para o estrangeiro, sem tocar na orla efetivamente apropriada
por nós e outras nações.

Hoje em Washington as demais nações americanas não sabem o que fazer para tirarem o
avanço que levamos na política de aproximação com os Estados Unidos, por a termos iniciado
sós e a despeito delas. Só com a maior sinceridade podemos mantê-lo (...) Não vejo nenhuma
outra intuição da qual dependa tanto a conservação do nosso grande todo nacional427

426
Cf. SILVEIRA, 2000, p.149.
427
Carta confidencial de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 07/07/1907 (Cartas II, 1949, p.277-278).

156
157

4 – TÁTICAS DE RIO BRANCO E NABUCO PARA O RELACIONAMENTO COM OS ESTADOS


UNIDOS

Talvez a ação mais importante da política externa brasileira no início do século XX,

geradora de grandes controvérsias, foi a aproximação com os Estados Unidos. Ambos os

promotores dessa política, o embaixador Nabuco, e o ministro Rio Branco, tiveram seus

próprios motivos e objetivos para ela, apesar de, por vezes, eles coincidirem. Eles foram,

nesse particular, concretos, relacionando questões que consideravam de grande importância

para o Brasil com a sua ação externa. Nabuco acreditava que essa aproximação era necessária

para garantir a integridade territorial brasileira, ganhar posição no sistema de poder

continental e concretizar o desenvolvimento material e político de todos os países americanos

à imagem norte-americana. Como esses objetivos tinham a necessidade de uma posição

diplomática norte-americana sempre favorável aos interesses brasileiros e, em algum caso

extremo, uma ação direta bélica dos Estados Unidos. A característica da aproximação que

157
158

partia de Nabuco era bem mais radical428 do que a de Rio Branco. Este, por sua parte, buscava

também tal aproximação, mas com a sobriedade característica do seu temperamento que não

tendia a fixar problemas com soluções absolutas429. Usava essa aproximação, como vimos,

como uma política de base, secundária, apesar de importante. Queria viabilizar seus objetivos

primários com a ajuda dela, atuando de maneira mais autônoma nas questões subregionais,

especialmente de definição de limites territoriais, trazendo prestígio para o Brasil no meio

internacional através da assunção da imagem de líder no continente e garantindo os interesses

da dependente economia nacional cafeeira.

O embate de Nabuco e Rio Branco durante os cerca de cinco anos (1905-1910) em que

trabalharam lado a lado, pode ser colocado em vários termos, a maioria deles já foi abordado

no texto, mas vale a pena retomá-los aqui de maneira sistemática. Todos tomaram a

característica de um conflito de posições políticas, estilos diferentes e vaidade. Se por um lado

o grande problema era a definição da intensidade e a extensão do relacionamento com os

Estados Unidos, por vezes os diferentes estilos de ação, um mais idealista outro mais realista,

causavam um desentendimento de ações que acabavam por desaguar num poço de vaidades.

A diferença de postura política de ambos se relaciona tanto com suas respectivas

personalidades, quanto com as diferenças de perspectivas ou ângulos da onde enxergavam a

situação. Se Nabuco, a partir de Washington, colocava a união americana e o alinhamento

com os Estados Unidos como pilares do seu pensamento, Rio Branco, como ministro, tinha

que relativizar a importância norte-americana para dar atenção também a outras questões que

considerava de valor. Nesse sentido é que “Rio Branco geralmente não compartilhou do

entusiasmo de Nabuco pelo Pan-Americanismo.”430 A influência da vaidade era menos

profunda e se relacionava com as diferenças de cargo e, em conseqüência, de prestígio. Como

428
NOGUEIRA, 1984, p.206-207; LINS, 1995, p.322-323.
429
Cf. LINS, 1995, p.322.
430
GANZERT, 1965, p.442.

158
159

eram duas personalidades políticas de grande vulto, cada qual queria preservar e ampliar sua

projeção. Nabuco queria manter aquilo que havia adquirido com a sua campanha pela

abolição e Rio Branco, em ascensão, queria continuar na trilha que lhe garantira grande

sucesso como Ministro.

Dentro desse âmbito transparece em nosso texto que, apesar da divisão formal entre o

tático e o estrategista, referentes, em princípio, aos cargos de Embaixador e Ministro do

Exterior, onde um implementa a política estipulada pelo outro, o que ocorreu nesse caso foi a

formulação de um pensamento estratégico próprio do embaixador Nabuco com respectivas

táticas de ação. Como os objetivos almejados tinham tonalidades diferentes, as táticas

desaguaram também em modos de ação diferentes. O que queremos mostrar são os modos de

agir em relação à aproximação com os Estados Unidos de ambos os diplomatas e o desenlace

desse conflito às vezes implícito, às vezes explícito.

A verdade é que coincidiam a política americana de Rio Branco e a da tradição norte-

americana. Ambas as diplomacias evitavam alianças rígidas, possíveis de limitar a liberdade

de ação. Qualquer doutrina continental deveria somente se focar na defesa da independência e

integridade territorial dos países americanos, mas sem impor obrigações431.

Da parte de Rio Branco, a política de relacionamento com os Estados Unidos tinha

limites identificáveis. Quer-se dizer com isso que o ministro queria o apoio norte-americano

quando se mostrasse necessário e pretendia que Nabuco pudesse consegui-lo nesses

momentos. Para tanto o embaixador deveria atuar nas diversas áreas da diplomacia com todas

as qualidades de que dispunha, preparando o terreno para quando fosse acionado. Rio Branco

queria fazer bom uso do que poderíamos chamar da “estética” de Nabuco. Além de ser

historiador, escritor literário e internacionalista, possuía também um carisma singular

ampliado pela sua bela aparência que cativava multidões. Nesse sentido, como já foi

159
160

acentuado em capítulo anterior, Nabuco poderia transmitir uma boa imagem dos

representantes brasileiros e angariar boa vontade de postos-chave da política internacional

norte-americana. O próprio Nabuco era assim parte importante da tática de Rio Branco que,

por seu turno, comprometia-se a estar de acordo com os Estados Unidos nas suas ações

externas, desde que estas não ferissem interesses nacionais, para garantir apoio no que fosse

essencial ao Brasil. De fato, sua política americana não excluía a defesa de uma completa

autonomia nacional e internacional para cada país.432

Os meios de ação de Nabuco foram diferentes porque se relacionavam com as próprias

características do cargo que ocupava. Durante todos os anos de atuação como embaixador

Joaquim Nabuco foi um assíduo propagandista. Esta sua propaganda tinha por objetivo

desfazer as “(...) desconfianças, a descrença no desinteresse do mais forte”433 que era marca

registrada dos países sul-americanos. Via a necessidade de promover um trabalho de alicerce

da sua política americana baseando-se na força heterogênea, influenciada pelos meios de

comunicação, que era a opinião pública. Achava que este era um “tempo em que a opinião

pública é a força das forças em política”434 e, reconhecendo que seu status se ampliava cada

vez mais no cenário nacional e internacional, a opinião sobre o Brasil deveria ganhar relevo.

Nabuco achava que como a imprensa norte-americana era a expressão da “opinião das ruas e

dos círculos que escreve ou dita os editoriais” esse conjunto de idéias deveria “ser tomado

como o reflexo do sentimento popular”435. Insuflar esse sentimento a favor do Brasil seria de

grande benefício para viabilizar políticas. Diria a respeito da opinião pública norte-americana

que

431
LINS, 1995, p.324.
432
Ibid., p.322.
433
Apud NABUCO C., 1958, p.416.
434
Nota confidencial de Nabuco a Rui Barbosa, 13/06/1907 (Cartas II, 1949, p.270).
435
Ofício de Washington - Nabuco a Rio Branco, 24/05/1906 (AHI).

160
161

O americano sabe que há no seu país uma opinião pública desde que cada americano tem uma
opinião sua. É uma força latente, esquecida, em repouso, que não se levanta sem causa
suficiente, e esta raro se produz; mas é uma força de uma energia incalculável, que atiraria
pelos ares tudo o que lhe resistisse, partidos, legislaturas, congresso, presidente436

Realmente, no início do século XX os meios de comunicação ganharam um

dinamismo sem precedentes. As várias inovações tecnológicas da área industrial acabaram se

disseminando por outros campos da vida social e, assim, os jornais, folhetins e revistas

mudaram seus alcances. A mais importante dessas mudanças se deu com a ampliação da

escala de impressão e a melhora dos meios de transporte que tornou possível espraiar a

produção desses métodos de informação a um número cada vez maior de pessoas. A imprensa

norte-americana é um bom exemplo desse “boom” quantitativo que trouxe consigo apoio e

prestígio público. Tais meios de comunicação desempenharam nos debates nacionais e

internacionais da época papéis muito importantes437.

O momento ao qual nos referimos é somente mais uma etapa do desenvolvimento da

imprensa mundial que já acumulava uma história. Após todo um processo de divisão de

trabalho na área, iniciada ainda no início do século XIX, o que se tinha em geral no início do

século precedente era tanto uma enorme organização das empresas publicitárias que, por

gerarem praticamente toda a renda do meio, acabavam por manipulá-lo, quanto uma

concentração da difusão de notícias em agências destinadas especialmente para esse fim.

Assim, tais instrumentos de poder na sociedade norte-americana, particularmente os jornais

metropolitanos, ganharam tal magnitude financeira com a sua vulgarização, que por vezes

assumiam um caráter nem sempre idôneo. E, ainda que não seja fácil avaliar, é fácil intuir o

436
NABUCO, 1999, p.130.
437
Cf. EMERY, 1965, p.447.

161
162

poder e a força dessa engrenagem em influenciar politicamente a opinião do público, manter

ou destruir mitos e combater ou incentivar aspirações438.

As ações propagandistas de Nabuco nesse contexto desaguavam em dois eixos. Um

nacional que se referia à construção, para os Estados Unidos, de uma boa imagem do

ambiente interno brasileiro. Outro internacional, que dizia respeito à construção de uma boa

imagem da atuação da política externa do país.

Acerca do primeiro eixo podemos destacar a parabenização de Nabuco à Rodrigues

Alves pela sua política sanitária, “a qual, mais talvez do que qualquer outra, merece o nome

de política nacional”, já que “não há nada que interesse tanto o crescimento e o futuro do

Brasil como a reputação que ele venha a adquirir de salubridade”. Nabuco também se

preocupava, tendo em vista as recorrentes mensagens de Roosevelt sobre ordem e liberdade,

que distúrbios políticos no Brasil repercutissem mal na sua imagem internacional. Foi o caso,

por exemplo, do motim de praças de artilharia ocorrido no dia 09/11/1905 no forte de Santa

Cruz, em que Nabuco manda para Rio Branco uma série de recortes de jornal439 para alertar

sobre como o evento estava sendo visto nos Estados Unidos e qual foi sua ação na embaixada

para diminuir as suas conseqüências funestas. Nabuco considerava nesses casos que “não é só

o crédito financeiro das Repúblicas sul-americanas que depende da ordem, mas a sua

existência independente e a sua integridade territorial. A existência de nações sem lei é cada

vez mais considerada uma anomalia, e por isso tudo que respeita à manutenção da ordem, ao

espírito e instinto natural de ordem, é para os nossos países questão vital, por ora de crédito

somente e de solvabilidade, em breve tempo porém de intervenção e tutela” 440

438
SODRÉ, 1966, p.5-6.
439
Washington Times de 09/11/1905; Washington Post de 10/11/1905; New York Herald de 10/11/1905. Nabuco
dirá em ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 14/11/1905, que “por má que fosse a impressão
produzida no espírito público ela se dissipou prontamente, graças aos elementos que pude fornecer às agências
jornalísticas”.
440
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 07/10/1904 (Cartas II, 1949, p.179).

162
163

Podemos também fazer referência a uma questão polêmica, mas essencial para

Nabuco, que dizia respeito à raça. Ele via na mestiçagem um fator de descrédito nacional que

deveria ser revertido. A abolição havia aberto o caminho para o “clareamento social”

brasileiro, mas era necessário incentivar a imigração européia no sentido de acelerar esse

processo e semear para o futuro do Brasil um povo branco, no qual “o cruzamento de raças

inferiores se absorva de todo”. Esse temor se refere ao fato de que, nos Estados Unidos, “a

grande propaganda argentina é essa: que são o único povo branco, ou verdadeiramente

branco, da América do Sul”441. Tentavam, da mesma forma que Nabuco, criar uma diferença

cultural com o Brasil e os outros países da América Latina no sentido de obter uma maior

aproximação política com os norte-americanos.

As ações que contribuíam para o segundo eixo eram, por exemplo, os banquetes

diplomáticos oferecidos por conta de acontecimentos chaves e que serviam para elevar “muito

[o] prestígio [do] Brasil e desta embaixada”442. Por ocasião da apresentação de suas

credenciais Nabuco diria que o discurso que fez elogiando Roosevelt “tem produzido o

melhor efeito para o nosso país, conquistando-lhe novas e valiosas simpatias”.443 Da mesma

forma, a postura brasileira em questões continentais também se mostrava para Nabuco de

extrema importância, como o acatamento ao pedido de aumento da contribuição do Brasil

para o Bureau das Repúblicas Americanas para “fazer o Brasil figurar sempre no primeiro

lugar entre as nações da América Latina” 444, a tentativa de trazer a Conferência Sanitária de

1907 para se realizar no Rio de Janeiro445 e a insistência em assinar o tratado de arbitramento

com os Estados Unidos. Esta última nem era uma de suas adesões políticas, já que Nabuco

441
Carta de Joaquim Nabuco a Tobias Monteiro, 20/08/1905 (Cartas II, 1949, p.223).
442
Telegrama de Nabuco a Rio Branco, 18/05/1907 (AHI). Apud Ofício de Washington - Nabuco para Rio
Branco, 22/05/1907. A questão do prestígio é bem importante para Nabuco. No dia 18/05/1907 Nabuco ofereceu
um banquete na embaixada por ocasião da passagem de navios brasileiros pelos EUA que renderam um encontro
com Roosevelt e outros eventos. No banquete estavam representantes da França, Portugal, EUA, etc., além de
personalidades jornalísticas como Mr. O´Laughin.
443
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 12/03/1908 (AHI). Nabuco fala do banquete que ofereceu
na embaixada aos juízes da Corte Superior dos EUA.
444
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 28/05/1907 (AHI).

163
164

era, em princípio, contra tratados dessa natureza pela experiência mal sucedida que teve com

o laudo de 1904, mas os Estados Unidos estavam assinando tal documento com grande parte

das repúblicas americanas no final de 1908, momento em que Root deixava o Departamento

de Estado, e Nabuco acreditava que a recusa em fazer parte desse grupo poderia causar uma

indisposição com Root e com o governo norte-americano446. Nabuco temia que

Qualquer ressentimento poderia incorporar-se no espírito público como um desses fermentos


que nada pode destruir de desconfiança e mal querença447

Nabuco também atuou nos Estados Unidos como um verdadeiro propagandista da

cultura brasileira. Achava que os folhetos das conferências e discursos que proferia eram

muito úteis porque ajudavam a popularizar o Brasil entre os americanos.448 Nabuco ficava

contente e relatava a Rio Branco tudo quanto podia influenciar de maneira positiva a imagem

do Brasil. Tudo que, por meio de impressos (jornais, revistas, relatórios, etc) desse algum

crédito ao Brasil era motivo para atenção e felicidade. Imaginava que era pela divulgação

extensa dessas informações que uma mudança de neutralidade para positividade se daria por

parte dos norte-americanos. Nesse sentido pede, em 1908, para Rio Branco providenciar fatos

que mostrem os melhoramentos sanitários e de beleza das cidades para que possam ser

colocados no Boletim do Bureau das Repúblicas Americanas no intuito de divulgar melhor o

país449

Da mesma forma via nas excursões que fez pelos Estados Unidos na companhia de

personalidades importantes, a possibilidade de formação de certa opinião favorável ao Brasil.

445
Carta de Joaquim Nabuco ao Departamento de Estado norte-americano, 14/12/1907 (FUNDAJ).
446
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 01/12/1908 (Cartas II, 1949, p.324).
447
Telegrama de Nabuco a Rio Branco, 12/01/1908 (AHI). Rio Branco, quando Nabuco pressionava nesse
sentido, levantava em tom forte a autonomia nacional como principal interesse brasileiro.
448
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 25/05/1907 (AHI).
449
Ofícios do segundo semestre de 1908 (AHI).

164
165

Acreditava que os cubanos tinham ganhado confiança dos norte-americanos por esse meio450.

Assim, só no ano de 1906 fez uma série de viagens, cerca de três mil léguas pelas estradas de

ferro por toda a extensão dos Estados Unidos, de Nova York a São Francisco e de São

Francisco ao Canadá.451

A partir de 1908 seguiu fazendo uma série de discursos em Universidades americanas,

já que “meus discursos agradam e este povo de nada gosta tanto como de discursos”.452

Nabuco acreditava que os títulos que recebia nas universidades eram prova de acolhimento da

cultura brasileira e “também da simpatia que se começa a desenvolver pela política a cujo

serviço estou”.453 Realmente o embaixador era um notável orador como afirma Olavo Bilac,

após tê-lo ouvido no Rio a propósito dos antecedentes da Conferência Pan-americana de

1906.

Não é o mesmo orador, e é melhor. O estilo é um modelo de concisão e clareza; e o talento,


amadurecido, em pleno outono fecundo, está dando os seus melhores frutos – frutos opimos de
sábia política e diplomacia previdente e providente, que a Pátria colhe e agradece com carinho.
A figura e a voz é que são as mesmas – aquela apenas um pouco mais majestosa pelo novo
encanto que lhe dão os cabelos brancos – e esta com o mesmo timbre da mocidade, musical e
454
cantante, perita em destacar e sublinhar todas as belezas do idioma

O diplomata sempre fez bom uso deste seu instrumental, seja quando era defensor da

abolição, seja quando era defensor do pan-americanismo. Usou deste artifício, lento nos seus

resultados, mas significativo para apaziguar os medos entre os países e torná-los mais

próximos culturalmente, uma de suas pretensões. Nabuco diria, explicando sua prática

propagandista, que tinha conhecido Schurmann, “(...) um dos espíritos mais notáveis deste

país (...) Ele me disse que estas minhas visitas às universidades e as amizades que formo com

450
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/02/1906 (Cartas II, 1949, p.246).
451
NABUCO C., 1958, p.418.
452
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/12/1906 (Cartas II, 1949, p.246). Diria que nos Estados Unidos
levava “uma vida de peregrino, de universidade em universidade” (Carta de Joaquim Nabuco a Machado de
Assis, 01/09/1909, Cartas II, 1949, p. 310)
453
Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 25/05/1907 (AHI).

165
166

os modeladores de opinião esclarecida do país, são o melhor meio de aproximar o Brasil dos

Estados Unidos.”455

Nabuco sabia que a propaganda era a forma como suas idéias poderiam abranger a

maior distância possível no continente. Em paralelo às materializações da política de

aproximação trabalhada pelos dois Estados era necessário fazer com que parte importante da

sociedade civil desses países a entendesse e apoiasse. De outra forma, os resultados teriam um

curto prazo de vigência, podendo voltar a qualquer momento à indiferença e distância que

caracterizaram outros períodos. Somente por essa “campanha cultural”456 contínua seria

possível balizar a continuidade dessa política de aproximação. É claro, no entanto, que

Nabuco buscava principalmente atingir com sua propaganda elites minoritárias, seja as que

comandavam no momento os EUA, motivo dos inúmeros discursos em cerimônias políticas,

seja as elites que comandariam os EUA no futuro, por isso se propôs a doutrinar assiduamente

nas Universidades de ponta da época.

Nabuco encarava esse trabalho como uma obrigação do serviço diplomático, parte

integrante do cargo de embaixador, e não uma maneira de promoção pessoal.457 Queria que o

Brasil conseguisse se destacar culturalmente e politicamente do resto da América Latina,

tática também tentada por outros países, como a Argentina. Nesse sentido pediria ajuda a

Tobias Monteiro

Sei que você está ajudando a propaganda. É preciso fazermos alguma coisa para não ficarmos
na sombra da Argentina. Mas a América do Sul está toda aqui entre a ignorância e a
difamação. Agora mesmo acabo de percorrer um livro de um Monsieur Delebecque, À travers
l´Ámérique du Sud, em que se procura fazer dos povos da América Latina uma só raça “a raça

454
Olavo Bilac, Gazeta de Notícias, 22/07/1906. Apud NABUCO C., 1958, p.421.
455
Apud. NABUCO C., 1958, p.440.
456
BURNS, 2003, p.171.
457
Carta de Joaquim Nabuco a Hilário Gouveia, 01/10/1908 (Cartas II, 1949, p.316).

166
167

sul americana”, qualificada de inferior e que “nunca chegará senão a uma imitação superficial
dos europeus”(...) Por isso a sua propaganda me parece pelo menos um consolo para nós458

Esta sua clareza de pensamento fez com que optasse pelo caminho do convencimento

pelo argumento. Imaginava estar construindo um novo modo de relacionamento entre os

países pela propaganda e, mais que isso, imaginava estar com a propaganda dando uma base à

sua política americana. Qualquer eventual decisão política contrária a ela se comprometeria

com uma opinião sólida de endosso a priori por parte da população e opinião pública norte-

americanas. Foi por este motivo que conferenciou nas universidades, viajou pelos EUA, apoio

a reestruturação do Bureau das Repúblicas Americanas e a promoveu a III Conferência Pan-

americana.

4.1 - O CISMA DA CONFERÊNCIA DE HAIA

A Conferência de Haia de 1907 é um episódio muito significativo para a política

externa brasileira, especialmente no que diz respeito à relação que se estabelecia com os

Estados Unidos. Do nosso ponto de vista, ela pode ser encarada como um teste da efetividade

das táticas de Nabuco para a aproximação entre os dois países, já que ficariam expostas as

falhas e os acertos de percepção e ação do embaixador, permitindo também a Rio Branco uma

reflexão sobre o caminho que se estava trilhando e as possibilidades de mudança.

Na primeira conferência, realizada em 1899, somente o Brasil e o México foram

convidados na América Latina, mas o Brasil não compareceu devido principalmente ao

desinteresse para com a agenda do encontro. Quase dez anos depois, no entanto, era de grande

utilidade participar da segunda edição da “Conferência da Paz”, já que isso se inseria

458
Carta de Joaquim Nabuco a Tobias Monteiro, 12/07/1907 (Cartas II, 1949, p. 278).

167
168

perfeitamente na política de prestígio de Rio Branco e ia ao encontro da sua intenção de cada

vez mais fazer parte da política internacional em escala mundial e não só continental. A

tentativa norte-americana de conseguir que todos os países da América figurassem nela

aumentava esse anseio.

A primeira proposta que incentivou a realização da conferência foi feita em 1904 por

Roosevelt e ganhou força, a partir de 1905, com o veemente apoio do Tzar russo Nicolau,

após ter celebrado o tratado de paz de Portsmouth com o Japão. A conferência seria realizada

na Holanda, em Haia, e teria a presença de delegados de 44 Estados459, significando um

grande evento mundial. Mais do que por suas deliberações ou resoluções, a conferência teria

uma importância toda especial por expressar a vontade das nações mais poderosas do

momento em tornar o mundo mais pacífico ou, ao menos, tentar humanizar a guerra quando

esta se impusesse.

Rio Branco havia decidido que Nabuco seria o chefe da delegação que representaria o

Brasil na conferência e o convidou. O Correio da Manhã iniciou, no entanto, uma campanha

em favor do nome de Rui Barbosa, logo seguida por grande parte da imprensa, fazendo com

que, Rio Branco, sempre sensível à opinião pública, indicasse seu nome e não o de Nabuco ao

presidente, fazendo oficialmente de Rui chefe da delegação460. Mesmo assim o ministro não

descartou o convite feito a Nabuco e insistiu que ele fosse também à Haia, só que como

segundo delegado, pedido no qual o acompanhou o presidente Afonso Pena461. Nabuco não

aceitou a proposta por vários motivos. Antes de mais nada, não gostou da idéia de ser o

segundo delegado. Achou que Rio Branco transformava-o dessa forma em um “meio-

459
ACCIOLY, 1945, p.5.
460
LINS, 1995, p.353; ACCIOLY, 1945, p.6; BURNS, 2003, p.148. O vacilo e a aceitação de Rui para
representar o Brasil podem ser vistos na correspondência trocada com Rio Branco em 13/03/1907 e 01/05/1907
(LACOMBE, 1948, p.73-82).
461
Telegrama de Afonso Pena a Nabuco, 01/04/1907 (FUNDAJ).

168
169

embaixador” 462 e, nesses termos, tinha convicção da impossibilidade da parceria com Rui.

Diria

Eu não posso ir a Haya como segundo e ele só pode ir como primeiro463

Nabuco também achava que, indo como segundo delegado, sua autoridade como

embaixador em Washington ficaria diminuída, sendo que nenhuma nação havia mandado para

a primeira conferência de Haia um embaixador em tal função. Também o prestígio da III

Conferência Pan-americana estaria abalado tendo sido ele próprio seu Presidente. Mas, talvez,

a questão mais importante para Nabuco não aceitar ir à conferência foi o fato de achar que a

sua atitude lá poderia ser suspeita de pró-americana ou poderia desagradar em Washington,

dependendo das orientações do Ministro.464 Nenhuma das duas hipóteses seria boa.

Por essas idas e voltas, o desprestígio a que se viu exposto e a insistência de Rio

Branco e de Afonso Pena para que fosse à Haia, lamentar-se-á: “livre-me Deus dos meus

amigos que dos meus inimigos me livro eu, é o caso de dizer”.465 Como também não estava

bem de saúde, utilizará isso como motivo da recusa do convite, especialmente para Rui.

Aproveitará o ensejo para pedir uma licença médica no intuito de tratar, na Europa, da artério-

esclerose e da policemia, doenças em estágio já avançado que o vitimariam poucos anos mais

tarde.466 Como as relações entre o embaixador e o ministro pioravam periodicamente, Nabuco

entenderá a sua licença também como um merecido descanso, sendo que o maior de todos

“será sentir-me livre das relações oficiais com o Rio Branco. Como é duro ter que falar assim

462
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 28/06/1907 (FUNDAJ). Dirá com ressentimento que “O Rio
Branco que quer sempre fazer as coisas a seu modo e impõe (...) as suas invenções, o seu protocolo” – “ele que
reduziu o seu segundo na sua Missão de Washington a mais completa nulidade, agora quer me persuadir que não
há diferença entre primeiro e segundo” (Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 04/03/1907, FUNDAJ).
463
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 04/03/1907 (FUNDAJ).
464
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 04/03/1907 (FUNDAJ). Mesma idéia em Carta de Nabuco (não
foi) s/ destinatário do 1º semestre de 1907 (FUNDAJ).
465
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 04/03/1907 (FUNDAJ).
466
Telegrama de Nabuco a Rodrigues Alves, 02/02/1907 e a Ruy Barbosa, 02/04/1907 (FUNDAJ).

169
170

de um antigo amigo.”467 Durante esse importante período a base de operações em Washington

estava comprometida. A embaixada brasileira ficou sob a direção de Gurgel do Amaral, o

Encarregado de Negócios e, no mesmo período, Root, também doente, pediu licença médica e

isolou-se em Nova York.

Nesse hiato, se Rio Branco trabalhou arduamente para deixar toda a estrutura

preparada para a chegada de Rui à Haia, mesmo com o desgosto sofrido Nabuco também fez

o que lhe foi possível para o sucesso da missão. Nessa disposição encontra Rui ainda em

Paris, antes da conferência, para lhe fornecer confidencialmente uma série de informações

pertinentes sobre a posição de alguns dos delegados latino-americanos, seus conhecidos.

Buscava, nesse ínterim, não estando ele mesmo na conferência, persuadir o companheiro a

agir pelas suas posições468. Queria que ele entendesse que era de grande valia atuar

conjuntamente com os pontos de vista da delegação norte-americana. Pressionava, nesse

sentido, Rui Barbosa, por carta.

Eu confio que da sua ida à Haia resultará grande bem para as nossas relações políticas com os

Estados Unidos. Ou me engano muito, ou ouvirei Mr. Root falar do seu apoio como a melhor

prova da sinceridade da nossa simpatia pelo governo americano469

Nabuco já havia tentado em outras ocasiões convencer Rui da importância do

relacionamento do Brasil com os Estados Unidos. O havia convidado, por exemplo, para

discursar sobre a aproximação dos dois países na Conferência Pan-americana de 1906,

atestando que ela seria duradoura e não de um presidente ou de circunstância470, mas recebeu

repetidas recusas.

467
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 04/03/1907 (FUNDAJ).
468
Cf. LIMA, 1937, p.214.
469
Carta de Joaquim Nabuco a Rui Barbosa, 29/06/1907 (Cartas II, 1949, p.274).
470
Carta a Rui Barbosa de 21/07/1906 e 15/10/1906 (FUNDAJ).

170
171

No encontro em Paris alertou sobre a situação que o companheiro provavelmente

encontraria na conferência com os norte-americanos. Sabia que seu primeiro representante,

Joseph Choate, apoiado pela opinião geral norte-americana, não partilhava do mesmo

conhecimento e admiração pelos países da América Latina que Elihu Root471. Nabuco tinha

também uma preocupação especial com a delegação argentina na conferência, pois achava

que ela pretendia ganhar a simpatia norte-americana apoiando suas posições. Caso “nós nos

apartássemos dos Estados Unidos, a vitória argentina será completa. Espero que não

cometeremos esse erro”.472

Para Nabuco, em reuniões como essa, da mesma forma que outrora fora a III

Conferência Pan-americana, o Brasil deveria “revelar superioridade intelectual” para, obtendo

uma imagem de destaque, tentar tomar alguma parte nas grandes decisões internacionais.

Dava o exemplo da “pequena Holanda”, que, com Grócio, havia influído muito na

organização do direito internacional. Reconhecia a partir disso que “os erros políticos se

podem sempre remendar, a mediocridade intelectual é insanável”.473 Rui Barbosa não o

decepcionaria por esse lado, mas o mesmo não se pode dizer da compatibilidade de idéias

com a delegação norte-americana.

Podemos identificar, para o Brasil, dois momentos na conferência de Haia. Um, em

que Rui Barbosa, sendo reconhecido somente como o representante de uma nação de pouca

expressão internacional, foi visto por grande parte dos delegados com irritação por causa dos

seus longos discursos e intervenções em quase todas as questões discutidas nas comissões.

Acreditava-se, mesmo assim, que o Brasil, apesar dessa postura altiva, votaria com os Estados

Unidos em toda a pauta de discussões, não colocando limites à solidariedade transparecida na

conferência do Rio no ano anterior, algo que ficou mais concreto e notório quando, logo na

primeira deliberação sobre o direito de captura da propriedade particular no mar em tempos

471
Carta de Joaquim Nabuco a Hilário Gouvêa, 01/09/1907 (Cartas II, 1949, p.286).
472
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 27/06/1907 (Cartas II, 1949, p.272).

171
172

de guerra, Rui votou com a proposta norte-americana, ao que se seguiram outros votos

conjuntos sobre os temas de cobrança de dívidas contratuais, arbitramento obrigatório e

periodicidade das conferências.474

Um segundo momento da reunião pode ser visto a partir do que se chamou “incidente

Martens” de 12 de julho. A partir dele o Brasil começaria a marcar posições e a figura de Rui

começaria a se elevar para ser conhecida mais tarde como “a águia de Haia”. Após mais uma

das muitas intervenções polêmicas que Rui estava fazendo nas comissões, o presidente de

uma delas advertiu sobre o caráter apolítico em que consistia a assembléia. Nesse momento

Rui tomou novamente a palavra e, definindo de improviso o conceito de política, recolocou-o

como a própria essência do encontro475. Ao mesmo tempo em que a projeção de tal discurso

lhe rendeu os melhores créditos, até mesmo de Martens, o diplomata russo que lhe chamara a

atenção476, iniciaram-se as discussões sobre a constituição de um Tribunal de Presas e, desde

então, o Brasil não poderia ser mais visto como caudatário da política norte-americana em

Haia, por que discordaria desta e de praticamente todas as questões de vulto que surgiriam.

Essa não era uma posição particular de Rui ou uma discordância por antipatia incentivada por

Rio Branco, mas propriamente a percepção de ambos os diplomatas sobre como deveria ser

tratado temas importantes para o interesse nacional brasileiro.

A questão que talvez mais nos importe aqui, por ser a mais significativa da disparidade

entre as delegações do Brasil e dos Estados Unidos, ou, como Burns afirma, da “curiosa falta

de articulação entre o Departamento de Estado, o Itamaraty e as delegações dos Estados

Unidos e do Brasil”477, representando a distância e a ausência daquela política de cordialidade

à qual tanto Nabuco se dedicou com discursos, palestras, conferências, jantares, atritos com

Rio Branco e gentilezas com Root e Roosevelt, seja a da constituição da Corte de Arbitragem

473
Carta de Joaquim Nabuco ao Conselheiro Azevedo Castro, 08/1907 (FUNDAJ).
474
Cf. LINS, 1995, p.356.
475
Para o discurso na íntegra ver STEAD, 1925, p.98-104.
476
Cf. ACCIOLY, 1966, p.XIII.

172
173

Internacional criada na primeira conferência e que tinha o intento de ser, na segunda,

aprimorada. O seu problema de essência para Rio Branco era que o chanceler não achava

interessante ter designados árbitros previamente escolhidos para resolver conflitos que

pudessem surgir entre o Brasil e qualquer outro país do mundo. Isso diminuía a autônima

nacional e colocava em questão a soberania do Estado478. Além disso, para sua constituição

prática, tornava-se quase impossível decidir-se o modo de escolha dos juízes que comporiam

tal instituição. Na proposta da primeira conferência todas as nações participantes teriam a

mesma representação. Na segunda, por um projeto conjunto da Alemanha, Grã Bretanha e

Estados Unidos, sugeria-se que essa Corte de Justiça tivesse dezessete juízes, sendo nove

permanentes, indicados pelas oito grandes potências da época mais a Holanda (por ser a sede

do encontro) e os oito juízes restantes, por oito grupos de nações, sendo que em um deles

figurava o Brasil junto com mais nove países americanos479. O Brasil fora classificado como

um país de terceira categoria na composição desses grupos, atrás de países europeus com

menos população e tamanho. Rio Branco e Rui Barbosa se ofenderam com tal classificação

humilhante e tentaram reverter essa situação se colocando avessos a essa proposta. O Brasil

passou a se encontrar, assim, contra todos os prognósticos, em lado oposto ao norte-

americano e em situação menosprezada.

Rio Branco, de início, não queria se incompatibilizar totalmente com grupo de países

de tal envergadura, como era o dos propositores das mudanças, e por isso mandou que Rui

apresentasse um plano alternativo a este, tentando que o Brasil figurasse no projeto sem perda

de prestígio. Por esse plano, cada nação teria o direito de nomear um juiz, embora várias

nações pudessem fazer em conjunto a mesma nomeação, se o desejassem e os litigiantes

477
BURNS, 2003, p.149.
478
Cf. ACCIOLY, 1945, p.14. Naquela época a arbitragem era vista com muitas reservas por causa das doutrinas
de soberania absoluta dos Estados e também pela desconfiança na parcialidade dos árbitros.
479
Telegrama cifrado de Rio Branco a Amaral Gurgel, 04/08/1907 (AHI); ACCIOLY, 1945, p.33-34;
BANDEIRA, 1973, p.175.

173
174

poderiam escolher os juízes que atuariam em cada caso480. A rejeição dessa idéia deu lugar à

incerteza e à aflição brasileira em ficar numa situação degradante internacionalmente,

exatamente o oposto do principal objetivo da ida brasileira à Haia. Iniciou-se, assim, a

apresentação de uma grande variedade de soluções, todas elas prevendo um assento

permanente para o Brasil. Mas o caso é que, uma após a outra, essas propostas se

distanciavam cada vez mais da idéia de igualdade entre as nações, tentando empurrar o Brasil,

por vários meios, para mais perto das potências, excluindo as nações da América Latina e

outras pequenas nações de vários continentes. Por esse caminho o prestígio do Brasil diminuía

e a antipatia aumentava, mas agora por parte desses países fracos.

Num certo momento Rio Branco teve a clarividência para entender que o apoio da

delegação norte-americana era necessário para fazer passar qualquer que fosse a proposta

brasileira e, nessa altura dos acontecimentos, isso parecia praticamente irreal, especialmente

depois de grandes discussões entre Choate e Rui Barbosa nas deliberações das comissões que

tratavam desse assunto e dos repetidos ataques da imprensa norte-americana. Determinou

então um retorno imediato e inflexível à proposta original de igualdade de nações na intenção

de buscar uma saída mais honrosa e obter algum crédito. Rio Branco transmitiria a Rui sua

decisão nesses termos

Os países da América Latina foram tratados em geral com evidente injustiça. É possível que,
renunciando à igualdade de tratamento, que todos os Estados soberanos têm tido até hoje nos
congressos e conferências, alguns se resignem a assinar convenções, em que sejam declarados,
e se confessem nações de terceira, quarta ou quinta ordem. O Brasil não pode ser desse
número (...) Agora que não mais podemos ocultar a nossa divergência, cumpre-nos tomar aí
francamente a defesa do nosso direito e do das demais nações americanas. Estamos certos de
que Vossência o há de fazer com firmeza, moderação e brilho, atraindo para o nosso país as
simpatias dos povos fracos e o respeito dos fortes481

480
BURNS, 2003, p.154.

174
175

Essa posição foi mantida até praticamente o final da conferência, apesar das tentativas

de conciliação que em certo momento começaram a ser propostas pelo próprio delegado

norte-americano Choate. Essa insistência brasileira em permanecer no conceito de igualdade

internacional para todos os países se deveu principalmente ao prestígio que o Brasil alcançou

ao ser considerado um baluarte de defesa das pequenas nações, algo que satisfazia os

objetivos de Rio Branco482. Ao final da conferência, como uma personalidade internacional,

Rui Barbosa repercutiu mundo afora entre elogios e ataques e foi visto como um líder para

numerosas nações que o seguiram e que acabaram determinando o abandono das pretensões

do projeto das grandes potências para a estrutura da Corte. Tanto trabalho e atividade de

ambos os diplomatas se desenvolveram em torno de um ‘princípio’ que acabou por resultar

em um redimensionamento da importância do Brasil ao ser encarado como defensor da

igualdade irrestrita entre os Estados.483

Root não gostou do posicionamento brasileiro na conferência e dirá isso para Nabuco

que, preocupado com as repercussões desse mal entendido, reportará a Rio Branco que

ele acredita por informações daí que nossa política tomou rumo diferente e se procura reagir
contra a impressão causada estrangeiro visita e acolhimento dele ano passado. Hoje não se
ofereceria ir Brasil com igual confiança. Visivelmente receia sentimento que lhe expresso
484
sejam somente pessoais

Da mesma forma, a imprensa norte-americana viu com maus olhos as atitudes

brasileiras, por que se considerou que Rui Barbosa havia conscientemente liderado um grupo

de países contra os Estados Unidos em Haia. O New York Herald foi o jornal norte-americano

que mais criticou a atuação brasileira de maneira sistemática e forte. “Rui seria o inimigo da

481
Despacho para Washington - Rio Branco a Rui Barbosa, 18/08/1907 (Apud LINS, 1995, p.360).
482
LINS, 1995, p.363. Rio Branco afirmaria que “a nossa atitude é tal que ainda mesmo ficando sós sairemos
bem”.
483
Cf. BURNS, 1995, p.365.

175
176

delegação americana e do governo de Washington”. Nabuco mesmo diria que “o New York

Herald é que tem atacado o Rui grosseira e estupidamente e procurado intrigá-lo com todos.

Para mim essa atitude só tem importância, por que, sendo conhecida aí, pode suscitar

ressentimentos contra os Estados Unidos”.485 Rio Branco tranqüilizaria o embaixador dizendo

que essa divergência não havia entranhado na opinião geral do povo nenhum agastamento

maior na concepção sobre os norte-americanos. Não teria havido também degradação da

imagem de Rui no Brasil mesmo tomando posições radicais na Haia, porque Rio Branco,

durante toda a conferência, buscou esclarecer a opinião pública sobre as posições brasileiras e

os motivos das discórdias que iam surgindo486. Lins afirma que Rio Branco chegou mesmo a

freqüentar pessoalmente as redações dos jornais para orientar os noticiários, empenhando-se

numa grande campanha na imprensa aqui e no estrangeiro. Comunicou-se ainda com as

chancelarias brasileiras na busca de apoio e prestígio para a delegação em Haia e desfez

intrigas em Washington e em Buenos Aires.487

De qualquer forma, o que importa para a nossa perspectiva de análise é que, como

saldo da conferência de Haia, como bem nota Burns, no relacionamento entre Brasil e Estados

Unidos “ocorrera uma séria quebra na cooperação bilateral”, já que “dos quatro temas mais

importantes discutidos na Haia – A Doutrina Drago, a Corte Internacional de Justiça, a Corte

Internacional de Presas e a arbitragem compulsiva -, as delegações do Brasil e dos Estados

Unidos discordaram em três”.488

Nabuco fica logicamente descontente com o desenvolvimento e o desfecho da

conferência, ao contrário de Rio Branco. Se para ele teria sido mais importante manter a

cooperação com os Estados Unidos, acreditando que a verdadeira vítima dos debates de Haia

seriam as relações amistosas entre as duas nações, para Rio Branco a cooperação com os

484
Telegrama de Nabuco a Rio Branco, 02/12/1907 (AHI).
485
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/09/1907 (Cartas II, 1949, p.287-288).
486
Cf. ACCIOLY, 1945, p.19.
487
LINS, 1995, p.364-365.

176
177

Estados Unidos já estava descartada quando: primeiro não serviu para alçar o Brasil a um

nível melhor nos debates, mas sim para rebaixá-lo e, depois, a discordância com os norte-

americanos pôde ser utilizada para lhe trazer algum ganho de prestígio internacional com a

defesa do conceito de igualdade internacional. A verdade é que mesmo que houvesse uma

intenção conciliadora, após a divergência com a delegação norte-americana por conta da

Corte de Arbitragem, ficava difícil levá-la a cabo sem sacrificar uma posição brasileira

autônoma, independente. Assim, Rio Branco decidiu que seria menos prejudicial complicar as

relações com os Estados Unidos, do que a imagem brasileira para o resto do mundo. Da sua

parte, Nabuco achou quixotesco ter aberto uma frente de batalha contra as grandes potências,

não havendo ganho verdadeiro, especialmente na vitória contra a Corte apoiada pelos Estados

Unidos, por que “derrotar os Estados Unidos é uma vitória néscia para qualquer nação”.489

Nabuco se encontrara com Rui Barbosa em Bruxelas ainda em setembro de 1907 e

mudara sua impressão dos rumos que a Haia estava tomando. Eles não lhe eram mais

simpáticos. Seus receios quanto ao distanciamento brasileiro da delegação norte-americana e

a conseqüente aproximação argentina já iam se concretizando da pior forma possível. Como

que vendo o pesadelo ou a premonição tornar-se realidade, ele dirá

Não sei se foi ele [Rui Barbosa], ou o Rio Branco, o inspirador das nossas atitudes em Haya.
Tenho medo de que elas não tenham agradado em Washington, pois Choate e o Porter devem
ter escrito abundantemente queixando-se de nós e louvando-se dos Argentinos. Não há dúvida
que estes procuraram conquistar a simpatia da delegação Americana e conseguiram490

Nabuco reconhece que “a delegação americana tem culpa disso, por não ver que não

haveria vantagem em nenhuma atitude que obrigasse os países americanos a afastar-se dos

Estados Unidos”. Achava que Root mesmo não teria tido tal atitude, mas ao nomear Choate

488
BURNS, 2003, p.159.
489
Diário de Nabuco de 04/09/1907 (Apud BURNS, 2003, p.162).
490
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 27/09/1907 (FUNDAJ).

177
178

ele teria feito o mesmo que Rio Branco nomeando Rui Barbosa, colocando num terreno

perigoso um delegado “que arrasta o país e que ele não pode melindrar”. Ainda nesse

momento de indefinição das posições brasileiras, Nabuco tinha esperanças numa

reconciliação entre as delegações e a elevação da posição do Brasil na conferência, mas para

isso teria sido necessário abandonar o caro princípio da igualdade entre os Estados que Rio

Branco insistia em sustentar. Para Nabuco, da mesma forma que para Root491,

Uma coisa é o Brasil esforçar-se para entrar para o círculo diretor da humanidade, ao que lhe
assiste direito que o simples fato de possuir homens como Rui justifica, e outra é reclamar
para Honduras, Haiti e Panamá etc, a mesma situação que tiver a Inglaterra, a Alemanha, os
Estados Unidos, etc.492

Ficava claro, assim, para Nabuco que “mil vezes não termos ido à Haia do que sairmos

de lá com a nossa inteligência com os Estados Unidos enfraquecida e abalada”.493 Criticava a

posição brasileira exatamente nesses termos. Tinha por certo que o papel do Brasil nesse tipo

de conferência, de caráter deliberativo e não coercitivo, não deveria ser nunca o do conflito,

mas o da concórdia e o da demonstração da nossa qualidade cultural. Por isso é que Nabuco

não via a necessidade imperativa de discordar da legação norte-americana.

Essas visíveis diferenças de perspectivas entre o embaixador e o Ministro vão se tornar

explícitas ao final de 1907. Rio Branco, questionado implicitamente por Nabuco sobre os

acontecimentos da conferência que levaram a um distanciamento da delegação norte-

americana, desfecha pesados golpes de críticas sobre a amizade norte-americana, proclamada

a sete ventos por Nabuco desde sua chegada a Washington. Fará uma lista dos temas

controversos e das respectivas ocorrências de embate com a delegação norte-americana,

491
Telegrama de Amaral Gurgel a Rio Branco de 06/08/1907 (AHI) falando a respeito das posições de Elihu
Root.
492
Carta de Joaquim Nabuco a Hilário de Gouvêa, 01/09/1907 (Cartas II, 1949, p.286).
493
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/09/1907 (Cartas II, 1949, p.287-288).

178
179

dizendo que em alguns temas que Rui tentou agir no interesse do aliado ele “nem sequer

percebeu a nossa intenção” ou aderiu a uma proposta diferente sem qualquer significação

maior. Na questão mais importante para o Brasil, que teria sido a constituição da Corte de

Arbitramento, a delegação norte-americana “procurou combinar-se somente com as grandes

potências militares européias, sem dar a menor importância países da América (...) Das

tentativas que fazia para organização do Tribunal de presas e do Tribunal Arbitral só tivemos

notícias por delegados europeus, que se mostraram admirados da nossa ignorância no assunto,

por que todos supunham haver mais cordial união entre os Governos de Washington e do Rio

de Janeiro”. Se não bastasse tudo isso, ainda Rio Branco havia tomado conhecimento que o

“correspondente Satnhope, do Herald, que pôs o Brasil na linha do Haiti e tanto nos injuriou,

era protegido e íntimo de um dos principais delegados Americanos”. Reservando-se o direito

de questionar a fundo a posição norte-americana e, por conseguinte, a confiança de Nabuco

por esse país, Rio Branco dirá

Se Choate como disse última mensagem, representou digna e fielmente pensamento do


governo e do povo americano, seria preciso concluir que a política iniciada por Blaine,
afirmada pelo nosso amigo Root (...) está mudada. Não devemos acreditar que assim seja494

Nabuco havia ficado numa situação constrangedora. Rio Branco colocara

implicitamente em xeque seu trabalho em Washington ao afirmar que a amizade norte-

americana pelo Brasil não havia tido nenhuma efetividade quando mais foi necessária.

Nabuco deu a maior de todas as significações para a Haia por esse motivo e, contrariado,

confidenciava ao amigo Graça Aranha

494
Telegrama cifrado de Rio Branco a Nabuco, 10/12/1907 (AHI). Amaral Gurgel foi, a pedido de Rio Branco, à
casa de Root para tentar conseguir alguma ajuda na Haia. Também nesse caso Rio Branco ficará decepcionado
com o resultado. Gurgel dirá ao próprio Nabuco o ocorrido:
“Vim aqui por ordem do Barão, afim de ver se é possível evitar que a Delegação Americana na Haya constitua o
tribunal arbitral de forma pouco agradável ao Brasil e às demais nações da nossa América (...) o caso é um tanto

179
180

Ainda não recebi a sua nota sobre a minha disponibilidade e aposentadoria. Não acabar neste
desterro. Não tenho mais o que fazer. O Haya desfez todo o meu trabalho, que nunca
considerei permanente, nas relações internacionais, como nas pessoas, a amizade dependendo
de uma troca contínua de simpatias e de uma perfeita comunhão de sentimentos. A imprensa ai
tem apresentado a conferência como um duelo entre o Brasil e os Estados Unidos, terminado
pela nossa estrondosa vitória (...) não há aí sentimento para nós da amizade americana. Não o
há na calma; no pânico ele aparece logo de repente (...) explico-lhe somente por que
politicamente não tenho razão para desejar continuar neste posto. Não tenho mais ilusões e
não quero ser acusado de proceder independentemente nem de exceder minhas instruções495

A melhor explicação para os acontecimentos da Haia gira em torno da lógica que

seguia a política externa norte-americana. Seus interesses variavam de acordo com a instância

em que estavam postos. No espaço continental o Brasil tinha realmente uma significação

especial, fazendo parte de uma política importante e com privilégios de relacionamento com

os Estados Unidos. O mesmo não se pode dizer quando o âmbito era mundial. Nesse caso os

interesses norte-americanos eram diferentes e as importâncias dos países se relativizavam,

bem como as aproximações diplomáticas. Foi o caso de Haia. Não seria prático para os

Estados Unidos permanecer do lado brasileiro, ou latino-americano num ambiente povoado de

grandes potências ávidas por garantirem seus interesses. Agiu-se assim em função de

conveniência e utilidade e não de amizades políticas.

Nabuco sabia que Rio Branco guardaria fortes ressentimentos dessa postura norte-

americana motivadora das ocorrências de Haia e que o seu trabalho em Washington estaria

mais comprometido e suspeito do que antes. Entrava-se assim, numa nova fase de

relacionamentos continentais. Rio Branco, de seu lado, vai estar mais aberto para o

relacionamento com os países sul-americanos incentivado pelas propostas que pareciam surgir

difícil por que Mr. Choate é um delegado todo especial (...) e não sei se Mr. Root deseja ser seu chefe com toda
força” (Carta de Gurgel do Amaral para Nabuco, 06/08/1907, FUNDAJ).
495
Carta de Joaquim Nabuco a Garça Aranha, 05/12/1907 (FUNDAJ).

180
181

de uma aliança entre Argentina, Brasil e Chile (a entente ABC) e Nabuco, depois de um

momento de desespero evidenciado na correspondência acima citada, vai tentar desmotivar

essa tentativa de aproximação latina e buscará recuperar a confiança de Rio Branco, e a sua

mesmo, na política de cordialidade e amizade com os Estados Unidos.

Como Nabuco achava que a “a nossa política em Haya foi toda de ocasião”496, não

representando um direcionamento rígido da política externa brasileira de distanciamento para

com os Estados Unidos, entendia que era uma pena que deixassem no Brasil “a impressão da
497
Haya afetar as nossas simpatias por este país” . Começava a confiar num resgate da sua

missão em Washington amenizando os abalos da relação bilateral com os Estados Unidos. Fez

isso considerando os acontecimentos de Haia como a aventura de um homem, Joseph Choate,

que seguia seus próprios instintos e não os ditames da verdadeira política externa de

Roosevelt e Root. Ensaiava já essa desculpa nos últimos momentos da conferência ao alertar

Rio Branco:

498
É preciso dizer-lhe que Choate é um independente que pela idade se permite tudo

Tendo resolvido para si mesmo que a Haia havia sido um acontecimento isolado,

principia um trabalho intenso para tentar reduzir os danos causados por ela nas relações entre

os dois países. Rui seria uma peça-chave nessa idéia e em janeiro de 1908 surgiria a

oportunidade de iniciar alguns movimentos nesse sentido. A esquadra norte-americana

passaria pela costa brasileira e Nabuco achava que essa era uma boa oportunidade para que

ambos os países afirmassem sua solidariedade, já que no jantar da ocasião Rio Branco pediu a

Rui que discursasse aos oficiais. Nabuco achava que assim “a recepção da esquadra

496
Carta de Joaquim Nabuco a Ruy Barbosa, 22/10/1907 (FUNDAJ).
497
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 29/12/1907 (FUNDAJ).
498
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (FUNDAJ).

181
182

restabelecerá o idyllio como nos dias da visita de Root”.499 Mas Rui não estava com a mesma

disposição de incentivar a amizade com um país que havia lhe causado tantos

constrangimentos e declinou o convite em carta a Rio Branco, desfazendo também das

insistências de Nabuco que tentava incentivar o companheiro reconhecendo que “ninguém

pode fazer mais do que você pela política de aproximação entre os dois países”.500 Na mesma

esteira Rui declinou o convite lhe feito pela universidade de Yale para discursar à comunidade

acadêmica. Nabuco e também Root ficaram muito decepcionados com mais essa recusa, algo

que já ia se tornando crônico501. Não tendo sucesso nos seus pedidos, Nabuco decidira que

pelo menos tentaria minimizar as conseqüências dos atos de Rui em Haia se recusando a

publicar, pela embaixada, em inglês, os discursos por ele pronunciados502.

Os acontecimentos posteriores ao incidente de Haia são igualmente significativos. Em

1908 os rumores da já citada aliança entre os três países mais importantes da América do Sul,

Brasil, Argentina e Chile, estavam fazendo eco até Washington e Nabuco, preocupado que tal

pretensão se concretizasse, podendo dar a entender, após Haia, ser essa uma tentativa de criar

um poder paralelo no continente e contrário aos Estados Unidos, questiona o ministro

Falou-me Root de um projeto de aliança entre o Brasil, a Argentina e o Chile. Nada pude
dizer-lhe, mas se passamos o nosso eixo de segurança, por causa do Choate, dos Estados
Unidos para o Rio da Prata, estamos bem garantidos503

499
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues Alves, 29/12/1907 (FUNDAJ). Nabuco, nesse intuito, tenta mostrar
para Rio Branco como a passagem da esquadra norte-americana repercutiu positivamente na imagem do
relacionamento entre os dois países. Para tanto manda para o ministro uma série grande de recortes de jornal que
relatam o ocorrido. (Ofício de Washington - Nabuco para Rio Branco, 27/01/1908 e 28/01/1908, AHI).
500
Carta de Joaquim Nabuco a Rui Barbosa, 20/01/1908 (Cartas II, 1949, p.304).
501
Telegrama de Nabuco a Rui Barbosa, 10/1907 (AHI).
502
BURNS, 2003, p.162.
503
Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (FUNDAJ).

182
183

Rio Branco não tinha em vista um empreendimento de tal proporção. Não projetava

uma aliança latino-americana que se colocasse de alguma forma divergente dos Estados

Unidos. Por isso vai tranqüilizar o embaixador nesses termos

Nenhuma aliança promovemos contra eles (...) foi-nos proposto combinássemos numa entente
entre os três. Respondi precisava conhecer bases desejadas para saber se podíamos
concordar504

Como já foi referido no texto, na América do Sul existia um medo fundado nas

matérias sensacionalistas da imprensa norte-americana e européia de que os Estados Unidos

transformariam o Brasil no garantidor do monroísmo nesse espaço do continente sob a sua

proteção. Também a aceitação do corolário Roosevelt, o reconhecimento da independência do

Panamá, a 3ª conferência Pan-americana e o rearmamento brasileiro iniciado ainda em

1907505 apoiava tais especulações. Rio Branco sabia que esse quadro incentivava prevenções

sempre detestáveis contra a política externa brasileira e teve, por vezes, a intenção de revertê-

lo, mas sem grandes êxitos. O ABC pode ser entendido como uma tentativa nesse sentido.

Queria demonstrar o desinteresse brasileiro em tornar-se uma força hegemônica no sul do

continente ao propor um papel parcial do Brasil como um dos três pilares que sustentariam a

política nessa região. Algo como um condomínio oligárquico, baseado numa inteligência

cordial e com o respaldo norte-americano.506 Essa seria uma forma de manter a região

estabilizada numa tríade militar defensiva que teria o intuito de resolver problemas locais com

504
Telegrama cifrado de Rio Branco a Nabuco, 28/11/1907 (AHI).
505
O Brasil queria reformar as forças armadas (Exército e Marinha) que haviam ficado sem qualquer
manutenção mais significativa durante vinte anos. A necessidade era patente principalmente após os conflitos na
Baía de Guanabara com a Revolta da Armada de 1894, já discutida no texto. Como afirma Lins, a verdade era
que a compra de materiais bélicos para esse rearmamento “não apresentavam números espantosos, nem colossais
máquinas bélicas. Estavam ainda muito abaixo das necessidades das classes armadas de qualquer país que
tivesse a nossa extensão territorial, as nossas fronteiras, os nossos portos, as nossas costas” (LINS, 1995, p.377).
506
BUENO, 2003, p.289; CONDURU, 1998, p.70. Rio Branco esclareceria a Nabuco que “acreditou-se em
Washington que a projetada aliança era inspirada por pensamento ‘unfriendly’ para com Estados Unidos (...) De

183
184

maior legitimidade. Ao mesmo tempo, Rio Branco garantiria o isolamento das forças desses

países e o impedimento de qualquer um deles de também vir a exercer hegemonia, ou jogar

sua influência a favor de outras repúblicas hispânicas, que tivessem pendências com o

Brasil.507

Mas a questão era que somente uma visão, ainda que turva, da possibilidade de

realizar-se uma aproximação com países latinos, colocando-a com uma política paralela, ainda

que não antinômico à aproximação com os Estados Unidos já era de grande pesar para

Nabuco. Até por que ele sabia que, qualquer que fosse o discurso, tal aliança seria percebida

como algo contrário ao poder norte-americano e, nesse caso, o que ela realmente era pouco

importava508. Tinha a convicção de que nessa política de aproximação com os Estados Unidos

“não deve haver hesitações, ou, para melhor dizer, em que toda hesitação ou intermitência

seria uma falta irresgatável”.509 Rio Branco, no entanto, julgava que não era honroso o Brasil

ter que dar satisfação de atos como esse a um outro país, mesmo que fosse à grande potência

do continente. De fato, só não seguiu em frente nesse intento porque lhe barrou a fortuna.

Diria a Nabuco a esse respeito da aliança e eventuais explicações aos norte-americanos

Entendo é direito nosso em política nesta parte do Continente, sem ter que pedir licença ou dar
explicações a esse governo510

Esse projeto do ABC só pôde tomar lugar efetivo na política sul-americana depois de

1915 com a assinatura do “Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias

Internacionais”. Antes disso as tentativas seriam absolutamente frustradas. A figura do

modo algum nos indisporemos Estados Unidos e penso interesse Chile é também estar muito bem com esse país”
(Telegrama parcialmente cifrado de Rio Branco para Nabuco, 09/12/1908, AHI).
507
Cf. BUENO, 2003, p.289.
508
Telegrama cifrado de Nabuco a Rio Branco, 15/01/1908 (AHI).
509
Carta de Joaquim Nabuco a Salvador de Mendonça, 13/10/1906 (Cartas II, 1949, p.258).

184
185

ministro das relações exteriores argentina, Estanislau Zeballos, é a chave para esse caso. Tal

personagem, que a historiografia considera praticamente um arquiinimigo de Rio Branco e do

Brasil, representava na sua época uma facção do seu país, mas com força e ardil o suficiente

para provocar um quase estado de guerra entre as duas nações. Essa representação parcial do

poço e do governo argentino se mostrou providencial para não permitir que as agressões

tomassem proporções nacionais. Mesmo assim elas distanciaram invariavelmente os vizinhos.

Incentivado por rixas antigas com Rio Branco que vinham desde a derrota que sofreu

no laudo arbitral dado pelo presidente Cleveland sobre a região de Missões, Zeballos

misturava sentimentos pessoais e políticos511 no trato com o Brasil. Na prática organizou uma

pesada campanha para incentivar a opinião pública e o governo argentino a exigir a

equivalência naval no curso do rearmamento brasileiro, bem como um tratado de comércio

que reduzisse em 20% as tarifas alfandegárias brasileiras para os produtos argentinos, da

mesma forma que o Brasil havia feito para os Estados Unidos quando este isentou a entrada

de café brasileiro e difamou Rio Branco de maneira imperdoável perante os países latinos ao

apresentar um telegrama falsificado onde supostamente nosso ministro teria feito referências

desleais à Argentina, encobrindo veleidades de hegemonia regional no Prata. Rio Branco

lidou com cada uma dessas provocações com sua característica de estabilidade, coerência e

praticidade.

À questão da equivalência naval, já que não houvera nenhuma manifestação formal do

governo de Buenos Aires sobre a questão, Rio Branco manteve o silêncio e continuou com o

projeto, tentando reverter a péssima imagem que o Brasil ganhava a partir da imprensa

portenha que ainda estava do lado brasileiro512. Sobre a redução de tarifas para os produtos

argentinos por causa de uma eventual isenção do café brasileiro nesse mercado, será claro ao

510
Telegrama cifrado de Rio Branco a Nabuco, 11/01/1908 (AHI).
511
LINS, 1995, p.369.

185
186

dizer que, para fazer essa espécie de concessão “é necessário que um tal país nos compre café

em quantidade que ao menos se aproxime da que nos compram os Estados Unidos”.513 E,

finalmente, sobre o incidente desagradável do telegrama falsificado, Rio Branco desmascara

o embuste revelando publicamente o telegrama verdadeiro que não continha nenhuma das

declarações que se supunha514.

É possível dizer que esse equilíbrio instável no subsistema de poder no cone sul pode

ter sido um fator expressivo que recorrentemente influenciou a opção brasileira de

aproximação com o Governo norte-americano515. Apesar do desejo de Rio Branco de estreitar

relações com as outras importantes repúblicas sul-americanas, percebia a impossibilidade de

se concretizar algo do tipo sem que houvesse bases políticas sólidas. Diria assim que

Não há cordialidade possível em Brasil e Chile de um lado e Argentina do outro enquanto


Zeballos for Ministro influente516 (...) Retirada Zeballos parece certa, mas abalo que produziu
persistirá por algum tempo517

Nabuco ficava aliviado com tais resoluções do ministro e desabafava

O Zeballos prestou-nos um grande serviço de impedir que quiséssemos fazer política sob o
ressentimento de Haya 518

Essa frustração dos planos de diversificar as relações internacionais do Brasil no

continente americano fez com que Rio Branco nem mesmo vislumbrasse se distanciar dos

512
La Nación, El Diário e El País. Do lado da campanha Zeballista se encontravam os folhetins de La Prensa, El
Sarmiento e La Razón. (Cf. LINS, 1995, p.379).
513
Apud LINS, 1995, p.374.
514
Para mais detalhes sobre o caso do Telegrama nº9, como ficou conhecido o incidente, ver LINS, 1995, p.383-
389.
515
Cf. CONDURU, 1998, p.65.
516
Telegrama cifrado de Rio Branco para Nabuco, 05/01/1908 (AHI).
517
Telegrama de Rio Branco para Nabuco, 19/06/1908 (AHI).

186
187

Estados Unidos, apesar dos acontecimentos de Haia. Mesmo assim, estava mais atento e mais

melindrado com as atitudes norte-americanas no continente, as quais já não demonstravam a

mesma cordialidade de outrora com o Brasil. Da mesma forma via a ação de Nabuco na

embaixada com menos consideração e proveito do que no início dos seus trabalhos em 1905.

Prova disso é a fala enérgica de Rio Branco para com Nabuco ainda em 1908, por conta das

discussões sobre a questão da equivalência naval. Nabuco transmitira a Rio Branco a

insinuação de Root no sentido de que talvez fosse apropriado ao Brasil celebrar algum tipo de

acordo para reduzir as suas encomendas de armamentos e não complicar ainda mais as

relações com a Argentina, sendo que, para tal arranjo, o governo norte-americano poderia ser

um mediador.

Fiquei muito triste ao saber do oferecimento fez Root e insinuações reduzíssemos encomendas
armamentos (...) Esperava que, informado por você de nossa situação perante Argentina (...) a
intervenção amigável desse governo fosse para fazer compreender à Argentina que tínhamos o
mesmo direito de que ela usou e tem usado para adquirir armamentos (...) se esse Governo
compreendesse bem a situação, as vantagens que para a sua política pode retirar de um Brasil
forte, deveria ajudar-nos neste perigoso momento em que a propaganda Zeballista se esforça
para que o Governo nos dirija um golpe enquanto estamos mais fracos, antes da chegada dos
novos navios, e expediria logo para aqui espontaneamente uns quatro navios (...) em vez de
uma demonstração amigável em favor do Brasil, o que vejo é um certo pendor para a
Argentina ou pelo menos a maior indiferença diante das provocações que temos sofrido.
Quando se falou em aliança argentina, você disse-me que não deveríamos querer outra aliança
senão a dos Estados Unidos. Essa e a Chilena são as duas que desejaríamos ter, mas a
americana só existe nas bonitas palavras que temos ouvido a Roosevelt e a Root519

Da mesma forma, Rio Branco desgostou da atitude norte-americana quando o ABC se

tornou público e se discutiam as suas possibilidades de avanço. Nesse momento Root sugere

que antes de realizar tal entendimento, visto com bons olhos pelo governo de Washington, era

518
Carta de Joaquim Nabuco a Domício da Gama, 31/10/1908 (FUNDAJ).
519
Telegrama cifrado de Rio Branco para Nabuco, 08/12/1908 (AHI).

187
188

importante incentivar uma resolução da questão dos territórios da Tacna e Arica entre o Chile

e o Peru, pois este último se mostrava apreensivo que a aliança projetada pudesse ser usada

contra essas suas pretensões. Nabuco de pronto afirma a Root que esse litígio nem mesmo

estava colocado em pauta pelo Chile e que o Peru não tinha direitos sobre essa área. Rio

Branco apóia e confirma a fala de Nabuco, mas lhe alerta para o patente equívoco da atitude

norte-americana.

Vocência respondeu bem questão Tacna Arica deve ser considerada pelo Peru como a França
considera a da Alsacia, isto é, questão perdida. Estados Unidos cometeriam grande erro
pretendendo intervir mesmo com o seu conselho em assunto que só interessa política sul-
americana. Chile apertado entre a cordilheira e o mar precisa desse território, não assim o Peru
que dispõe de vastíssimo território, sem contar os mui vastos que reclama sem razão alguma
da Bolívia, Brasil, Equador e Colômbia. Peru desde 1904 jacta-se de ter não só a amizade mas
o apoio dos Estados Unidos. Não merece as simpatias que Root está mostrando por ele. Trata-
se de um governo de gente muito falsa e pretensiosa520

Rio Branco cobrava, então, as promessas de Nabuco sobre a amizade norte-americana

e seus ganhos. Queria que o embaixador descobrisse a real disposição do governo de

Washington para com o Brasil após a conferência de Haia, por que o que se mostrava com as

atitudes do governo norte-americano não estava nem mesmo perto da imagem daquela entente

tão sonhada por Nabuco, proposta por Roosevelt, ou dos sentimentos pronunciados por Root

no Rio de Janeiro.

Preciso saber se (prevalecem?) ou não aí conosco os sentimentos manifestados em 1906 e em


1907 até Norfolk pelo Presidente e Root ou se agora procura ter pretexto para contrariar a
política e os interesses das maiores nações da América do Sul, já tratadas com bastante
desconsideração na Haya521

520
Telegrama cifrado de Rio Branco para Nabuco, 05/01/1908 (AHI).
521
Telegrama cifrado de Rio Branco para Nabuco, 11/01/1908 (AHI).

188
189

Rio Branco devia se questionar: Afinal, somos aliados preferenciais dos Estados

Unidos ou não? Existe realmente aquela cordialidade discursada? Onde estão nossos ganhos

com a amizade norte-americana? E Nabuco lamuriava

A nossa eterna Haia!522

4.2 – CRÍTICAS À APROXIMAÇÃO COM OS ESTADOS UNIDOS

Nem Joaquim Nabuco, nem Rio Branco, nem a aproximação com os Estados Unidos

eram unanimidades no Brasil. Parte da imprensa e dos intelectuais da época tinha críticas

severas a essa política e a esses seus propositores. Jornais como O Estado de São Paulo eram

usados como meio de persuasão da opinião pública, bem como livros e o próprio congresso,

onde homens públicos chegavam a discordar exaltadamente contra o que consideravam uma

abdicação de soberania ou uma armadilha imperialista. Os temores dessa parcela menor da

opinião pública, já que a amizade com os Estados Unidos e o monroísmo era de modo geral

bem acolhida no Brasil523, tinham seu fundamento. A expansão das treze colônias desde o

final do século XVIII abocanhando terras do México e das Antilhas, somado à expansão

econômica em direção ao sul do continente e a dominação política estratégica da América

Central nos fins do século XIX, sedimentaram um sentimento de hostilidade para com os

norte-americanos que aflorava dependendo das circunstâncias.

Os adversários dessa aproximação tendiam a virar suas atenções para a Europa ou para

a América hispânica. Eduardo Prado e Oliveira Lima são bons exemplos desse pensamento

contrário à política oficial que se implementava desde a época da proclamação da república.

522
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 01/12/1908 (Cartas II, 1949, p.324).
523
COSTA, 1968, p. 157.

189
190

Ambos monarquistas e com uma bagagem pessoal predominantemente européia, tenderam,

em épocas diferentes, a exprimir de maneira enérgica e conflituosa suas posições. Prado, filho

de uma aristocrática família de São Paulo, denunciou por meio do seu livro A ilusão

americana, ainda na aurora republicana, enquanto se desenrolava os acontecimentos da

Revolta da Armada na Baía de Guanabara em 1893, o ultraje que considerava a cópia

brasileira das instituições norte-americanas, incentivada por uma forçada identificação

cultural e histórica.

Num momento em que o governo de Floriano Peixoto buscava o apoio norte-

americano para resolver a ameaça dos seus oficiais rebelados, a publicação do libelo de Prado

contra um relacionamento mais próximo aos Estados Unidos não era de grande ajuda. Por este

motivo é que ele foi retirado de circulação e a prisão do seu autor decretada.524

Eduardo Prado morreu antes de Nabuco se tornar embaixador, ainda em 1901. Não

viveu a revitalização dessa política de aproximação com os Estados Unidos promovida por

Rio Branco, mas a criticou precedentemente, bem como a atuação de Nabuco, servindo-nos,

por isso, de referência. Afetado que estava pela proclamação da Republica, à qual foi dado

quase de imediato o aval norte-americano, a decorrente ascensão dos jacobinos exaltados ao

poder pela instauração do governo militar e ditatorial e, andando em paralelo a isso, os

crescentes delírios de solidariedade latina e norte-americana incentivada pela realização da I

Conferência Pan-americana de Washington, Prado faz seu texto, sua arma de combate a essa

situação. Primeiro apontou numa retrospectiva histórica o desastroso relacionamento entre os

países americanos para mostrar o quanto “a fraternidade americana é uma mentira”.525 Se

olhássemos criticamente para nosso continente, veríamos que no trato entre países como

México e Guatemala, esta última e a república de Salvador, bem como desta e Honduras, há

524
Eduardo Prado viajou até a Bahia e de lá embarcou para a Europa para não ser preso. No prefácio escrito de lá
relatava a repercussão nesses termos: “Este despretensioso escrito foi confiscado e proibido pelo governo
republicano do Brasil. Possuir este livro foi delito, lê-lo, conspiração, crime, havê-lo escrito” (PRADO, 1980,
p.15).

190
191

“mais ódios, mais inimizades entre elas do que entre as nações da Europa”.526 O mesmo

poderia ser dito da Colômbia com a Venezuela ou com o Equador. O Peru, o Chile e a Bolívia

viviam em guerra, da mesma forma que, à exceção do Chile, não se davam com o Brasil, que

por sua vez já havia provocado guerras homéricas com seus vizinhos do sul, em especial com

o Paraguai, mas também com a Argentina.

Esclarecendo o mal-estar crônico que distanciava os países da América, Prado se

prende à postura dos Estados Unidos nesse espaço tecendo uma série de críticas e levantando

dúvidas sobre a validade de uma política de amizade. As agressões e usurpações de territórios

contra o México, as promessas não cumpridas com o Chile e o Peru, os recorrentes atentados

à soberania, dignidade e direitos das repúblicas latinas da América Central, as tentativas de

degradação da imagem brasileira no caso da guerra do Paraguai, as extorsões praticadas por

eminentes diplomatas norte-americanos no Rio de Janeiro, violações marítimas, infiltrações

na Amazônia brasileira com ajuda de vizinhos mal intencionados, etc., aconselhavam não uma

aproximação, mas um distanciamento dos Estados Unidos e da sua política imperialista527.

E se essa história não nos dava motivos para aliar-nos com os Estados Unidos, ao

outro argumento, sobre a coincidência geográfica que incentivava essa política e a adesão

republicana, Prado responderia:

Pretender identificar o Brasil com os Estados Unidos, pela razão de serem do mesmo
continente, é o mesmo que querer dar a Portugal as instituições da Suíça, por que ambos os
países estão na Europa528

Nesse próprio sentido Prado advertia que mesmo o fato do café ser nosso principal

produto de exportação e os Estados Unidos, tendo uma grande classe operária e por isso sendo

525
PRADO, 1980, p. 18.
526
Ibid., p. 18.
527
Ibid., passim.
528
Ibid., p. 18.

191
192

um fortíssimo consumidor, nosso maior comprador, não nos fazia subordinados a esse país,

mas reciprocamente dependentes.529 Na sua visão, a grande preocupação norte-americana para

incentivar uma aproximação com os países latinos, girava em torno desse âmbito comercial. O

crescimento desenfreado da sua economia baseado num protecionismo desleal e o decorrente

excesso da produção industrial, provocava uma corrida capitalista para fora do país na busca

por novos mercados consumidores, tentando impor tratados aduaneiros com todos os países

da América. Tendo na memória o propositor da conferência de 1889, Prado dirá que essa

empresa de extorquir tratados em troco de vantagens ilusórias foi confiada a Blaine por

ocasião de seu segundo mandato como Secretário de Estado.530 Sintetizará assim seu

pensamento:

Tratados de comércio! Eis aí a grande ambição norte-americana, ambição que não é


propriamente do povo, mas sim da classe plutocrática, do mundo dos monopolizadores que,
não contentes com o mercado interno de que eles têm o monopólio contra o estrangeiro, em
virtude das tarifas proibitivas nas alfândegas, em detrimento do pobre que se vê privado de
grande benefício que a concorrência universal lhe traria com o forçado abaixamento de
preços531

Reconhecendo que “a corrupção política e administrativa é a própria essência do

funcionamento do governo americano”532, culpava a forma de governo republicana por ser a

que mais protegia os abusos do capitalismo533 e via na monarquia uma possibilidade de

mudança por ser um regime mais estável. Como na república tudo era transitório e a

responsabilidade limitada, não havia preocupação em controlar os distúrbios sociais

529
Ibid., p.168-169.
530
Ibid., p.141. Eduardo Prado é um dos grandes críticos do Convênio Aduaneiro de 1891, como já referido no
capítulo 1 do texto. Para frisar sua posição em relação ao ocorrido transcrevemos aqui mais uma citação dele
onde diz que “em troca de um favor fictício e ilusório, em seguida a uma negociação em que a má fé norte-
americana se tornou evidente, o Brasil concedeu isenção de direitos às farinhas de trigo dos Estados Unidos, deu
igual isenção a vários outros artigos americanos” (PRADO, 1980, p.150-151).
531
Ibid., p.125-126.
532
Ibid., p.167.

192
193

ocasionados pelo embate entre o proletariado e a burguesia exploradora534. Acercar-se da

Europa era mais sensato para aprender e adaptar a sua tradição político e social à realidade

brasileira e latina. Devíamos, assim., muito mais ao Velho Mundo do que à pretensa irmã do

norte, mesmo no que concerne à independência e proteção do continente. Prado afirma que a

própria doutrina Monroe foi uma idealização e proclamação inglesa, encabeçada pelo seu

ministro do exterior Canning, depois seguida pelos Estados Unidos535. Além disso, a

subjacente idéia de garantia de autonomia e soberania dos países americanos contida na

mensagem de Monroe era, nas mãos norte-americanas, manipulada ao sabor das

circunstâncias dependendo dos seus interesses536.

Cada crítica dessas ia de encontro a várias das idéias futuras de Nabuco sobre a

aproximação com os Estados Unidos, especialmente no que concerne à sua crença de que o

desenvolvimento nacional brasileiro - político e econômico - devia seguir a mesma trilha do

norte-americano. Prado, ao acusar a alienação em que vivia o país a partir dos governantes

que haviam tomado o poder em 89 já satirizaria palavras de ordem que também seriam

escutadas anos mais tarde: “Copiemos, copiemos, pensaram os insensatos, copiemos e

seremos grandes! Deveríamos antes dizer: Sejamos nós mesmos, sejamos o que somos, e só

assim seremos alguma coisa”.537 Exclama, enfim, num tom determinado que “a amizade

americana (amizade unilateral e que, aliás, só nós apregoamos) é nula quando não é

interesseira”.

Para Prado o pior de todos os mundos seria ver o Brasil vinculado, dependendo ou

devedor de um outro país. Dessa perspectiva ele teria grandes conflitos com Nabuco e suas

533
Ibid., p.133.
534
Cf. PRADO, 1980, p.130-131.
535
PRADO, 1980, p.24-25.
536
Ibid., p.28.
537
Ibid., p.169.

193
194

idéias de “inteligência perfeita”, “quase aliança” ou “entente” com os Estados Unidos.

Bradará:

Não! Toda tentativa para, em troca de qualquer serviço, colocar a pátria livre e autonômica em
qualquer espécie de sujeição para com o estrangeiro, é um ato de inépcia e é um crime538

O que une a obra e denúncia de Eduardo Prado na década de 90 do século XIX e a

ação de Nabuco como embaixador na década de 10 do século XX são as repercussões do livro

A ilusão americana. Qualquer material que pudesse interferir negativamente na aproximação

do Brasil com os Estados Unidos era visto por Nabuco como uma ameaça ao seu trabalho em

Washington que tentava resolver. É com essa preocupação que Nabuco reclama

A ‘Ilusão Americana’ do Prado é um livrinho que nos faz muito mal, entretém no espírito
público a desconfiança contra este país, nosso único aliado possível539

O crítico mais importante, no entanto, da política de aproximação com os Estados

Unidos praticada por Nabuco, foi Manuel de Oliveira Lima, um contemporâneo. Ele fez

livros, publicou artigos e escreveu cartas defendendo seu ponto de vista. A sua amizade com

Nabuco, aflorada na juventude, desde a fase jornalística no Recife, estimulada quando

passaram algum tempo juntos em Londres, nos primeiros anos de 1900, não resistiu às

diferenças de posições sobre o pan-americanismo e o relacionamento com os Estados Unidos.

O mesmo apartamento ocorreu entre Oliveira Lima e Rio Branco. Mesmo tendo orientações

acadêmico-jornalísticas parecidas e um gosto compartilhado pela pesquisa e estudos

históricos, os dois personagens, com temperamentos independentes, conflitaram fortemente

538
Ibid., p.180.
539
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 17/12/1905 (Cartas II, 1949, p.235).

194
195

no campo diplomático. A partir de 1903, quando o diálogo entre ambos se tornou realmente

difícil por causa da nomeação indesejada por Oliveira Lima para um inóspito cargo no Peru,

bem como em virtude de projetos e escolhas pessoais diferentes, Nabuco, por algum tempo,

lhes serviu de intermediário no relacionamento no sentido de apaziguar as farpas que voavam

de um lado a outro.540 Isso transcorreu até que os ataques do pernambucano contrariado,

apelidado por Gilberto Freire de “Don Quixote gordo”, também abriram frente com Nabuco,

desfazendo, a partir daí, em pouco tempo, os laços de proximidade que existiam entre ambos.

Os imbróglios da nomeação de Oliveira Lima para o Peru, a qual acabou não

aceitando, e a sua transferência afinal para Caracas em março de 1905 tiveram forte impacto

na evolução divergente das relações com Nabuco, com Rio Branco e também nas suas idéias

sobre o pan-americanismo. No entremeio da sua designação, o diplomata já conseguira abalar

permanentemente sua relação com Rio Branco, após tê-lo criticado regularmente, bem como

toda a estrutura diplomática do Itamaraty, a ponto até mesmo de causar certo assombro a

ousadia do subordinado541, o fez tanto por conta das suas convicções sobre o rumo que

deveria seguir o Brasil externamente, quanto na tentativa de conseguir o reconhecimento que

achava ter direito na carreira.

Logo depois de iniciar seus trabalhos em Caracas, Oliveira Lima já adquirira uma forte

admiração por esse país e seu presidente, o General Cipriano Castro542, o qual considerava um

“grande diplomata (...) zombando dos perigos que amedrontariam os diplomatas

profissionais”.543 Quanto à Venezuela, via toda a miséria e convulsão social e política em que

se encontrava o país, mas pensava que em outras condições, em que as receitas alfandegárias

– o melhor rendimento do país – não estivessem “hipotecadas a nações estrangeiras para

pagamento de obrigações internacionais, empréstimos e especialmente indenizações, algumas

540
COSTA, 1968, p.115.
541
ALMEIDA, 2002, p.260.
542
O General Castro foi um típico caudilho da América Espanhola que nos idos de 1899 encabeçou uma
revolução que o perpetuou no poder do estado venezuelano até 1908.

195
196

justas outras injustas544”, a economia desse país teria grandes chances de desenvolvimento.

Nabuco diria a Graça Aranha a respeito dessas afirmações que o Oliveira Lima “está tomado

de admiração pelo Castro, por Venezuela, e acredita tudo o que lhe dizem contras os

americanos. É muito perigosa a propaganda que ele me diz estar fazendo”.545

É verdade que Lima também era adepto de um certo pan-americanismo, ainda que este

fosse bem diferente daquele elaborado por Nabuco. Como bem afirma Silveira, ambos os

pensadores operavam conceitos de unificação e fragmentação para construir imagens da

América como unidade hemisférica, discutindo a oposição ou complementação entre a

América saxônica e a latina e, dentro desta última, uma relação crítica entre a América

espanhola e a portuguesa546. Ricupero também argumenta corretamente ao afirmar que

Oliveira Lima considerava que nossa diplomacia deveria ser européia e latino-americana547 já

que, de fato, o diplomata reconhecia que os países latinos teriam uma identidade comum por

partirem do mesmo tronco europeu e que “maior identidade de interesses possuem as nações

latino-americanas com a Europa do que com os Estados Unidos (...) tais interesses são de todo

gênero: financeiros, comerciais, intelectuais, morais”548.

Oliveira Lima, ao contrário de considerar a amizade norte-americana um elemento

imutável da nossa política externa, referida a uma idealização de existência perene, pensava

em oscilações de interesse e assimetrias de poder que haviam de fazer parte dos cálculos do

Brasil, especialmente no que concerne à relação com os Estados Unidos. E nesses cálculos, ao

contrário do que para Nabuco, não havia um imperativo de aproximação com os norte-

americanos e sim cautela. Era extremamente receoso com relação aos norte-americanos, tendo

por motivo especial a interpretação que faziam do continentalismo ao enxergar a doutrina

543
LIMA, 1953, p.139.
544
Ibid., p.147.
545
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/02/1906 (Cartas II, 1949, p.246).
546
Cf. SILVEIRA, 2000, p.300.
547
RICUPERO, 1995, p.370.
548
LIMA, 1980, p.44.

196
197

Monroe como uma política exclusiva e de aporte unilateral. Entendia que já que ela havia

servido para afastar as idéias de recolonização ou conquista de outras partes do mundo sobre a

América, devia ser encarada como “instrumento de utilidade continental”.549

O Monroísmo não seria, assim, nem um princípio sem perigos, nem um princípio

reconhecido do direito americano, necessitando para se tornar isso de um consenso comum

entre os países sobre os quais se referia. Quando chegasse nesse estágio, a doutrina deixaria

de ser norma de conduta de um governo específico e como norma, e não lei, sua interpretação

era aberta e perigosa. Não se concretizando por qualquer motivo esse estágio de comunhão,

seria inadmissível que os Estados Unidos impusessem tal doutrina como lei continental por

sua vontade exclusiva. Isso seria ilegítimo, uma vontade particular externada nas intervenções

realizadas em repúblicas americanas e um princípio de política interna, transformada em regra

de política externa, que a ninguém seria lícito ignorar. Reconhecer esse poder aos Estados

Unidos seria uma abdicação de soberania pela consagração do “princípio de intervenção,

negativa ontem, isto é, para impedir que certos resultados se executem, positiva amanhã, isto

é, para promover dadas soluções: em qualquer dos casos, intervenção”.550 Fica claro que

Oliveira Lima só via utilidade na doutrina Monroe se ela se multilateralizasse e perdesse o

caráter interventor que adquirira com Roosevelt, fazendo parte do direito comum da América.

Quando outros países tomassem lugar nas decisões realizadas no seu âmbito, o pan-

americanismo seria uma realidade e não mais um instrumento ideológico para a ascendência

norte-americana no continente.551 Dirá

O Sr. presidente da República, decerto, compreende a Doutrina de Monroe e a interpreta no


mesmo sentido em que eu sempre a quis compreender e interpretar: a de uma doutrina comum

549
Ibid., p.35.
550
Ibid., p.35.
551
Cf. LIMA, 1980, p.96.

197
198

ao Novo Mundo, cabendo proporcionalmente os seus deveres e responsabilidades a cada uma


das potências americanas com capacidade para assumir a direção dos seus próprios destinos552

De fato, na visão de Lima, a doutrina Monroe sempre foi egoísta, desde seu estágio

primitivo. Nunca foi uma doutrina altruísta ou com responsabilidades comuns, sendo que os

Estados Unidos só representaram uma garantia de defesa das soberanias recém-adquiridas dos

países americanos, na mesma medida em que se guardava o direito de escolher ocasião ou

pretexto para sua aplicação, e de acordo com seus interesses. Se a doutrina Monroe lhes

denotasse responsabilidade, é duvidoso que eles continuassem com seu intento. Em resumo,

se os norte-americanos vedaram a extensão da influência européia na América, também

acabaram por substituir aquela ascendência mais antiga por uma nova, a sua própria, mais

adequada ao momento. Ela “foi, no seu início, defensiva, e, pela continuação, passou,

naturalmente, à ofensiva, como acontece quando se ganha força para alcançar o que se cobiça.

No seu último revestimento adaptou-se a doutrina ao pendor imperialista, que na atualidade, é

francamente predominante”.553 Nesse sentido o monroísmo seria “uma teoria de governo para

uso particular do inventor, e um compromisso unilateral ou tomado só com a população

nacional, de seguir certa regra de proceder internacional”.554

Talvez a base de discordância entre Nabuco e Oliveira Lima foi que este último nunca

enxergou os Estados Unidos como um país superior a qualquer outro da América Latina a

ponto de poder conduzir a política do continente, devendo ser encarado como igual e não

como um líder. À crença de Nabuco sobre o caráter pacífico dos Estados Unidos que se

irradiava pelo continente, Lima respondia que a tal “zona de paz e livre competição humana”

não havia sido construída somente pela paz. Alertava que foi a guerra contra a Espanha que

colocou os Estados Unidos no caminho em que se encontravam e, não havia por que se

552
LIMA, 1971, p.634.
553
LIMA, 1980, p.41.
554
Ibid., p.37.

198
199

enganar, porque “não há, pelo que conste nos fastos humanos, construção alguma poderosa

entre as nações que não tenha sido cimentada com sangue”.555

O Brasil e Nabuco, segundo Oliveira Lima, partiam de pressupostos equivocados.

Tendo consciência de ser, em relação aos seus vizinhos, um país maior, mais ordeiro e mais

desenvolvido, acreditava-se não dever temer uma ameaça norte-americana, sentindo-se até

mesmo com vigor o suficiente para aspirar dividir com os Estados Unidos certa “hegemonia

hemisférica”.556

Nota-se que Oliveira Lima estava muito distante das concepções de Nabuco sobre a

organização de poder na América. Não estava, no entanto, distante da mesma forma das de

Rio Branco com suas concepções de divisão de responsabilidades entre os países latinos e

liderança compartilhada, ainda que Rio Branco apoiasse uma liderança norte-americana.557

Essa relativa proximidade se exemplifica nos elogios de Oliveira Lima a Rio Branco por

conta de certos episódios da III Conferência Pan-americana realizada no Rio de Janeiro558.

Essa conferência era, para o então ministro brasileiro em Caracas, uma tentativa norte-

americana de concretização de sua tutela no continente, já praticada por Roosevelt, com o

objetivo de delinear a legalização do monroísmo.

A questão comercial, que vem a tona quando se faz referência à conferência, era

também um grande tema para Oliveira Lima. Nesse âmbito, como pressuposto, considerava

que “a diplomacia tem por esfera bem marcada advogar interesses, e o comércio é hoje a sua

mola real, como é o capital a mola real das sociedades organizadas”.559 O caso brasileiro era

exemplar para esse argumento. Lima tinha uma forte preocupação sobre a dependência da

economia cafeeira do Brasil em relação ao mercado consumidor norte-americano. Ao

555
Ibid., p.42-43.
556
Cf. LIMA, 1980, p.42.
557
ALMEIDA, 2002, p.267.
558
Rio Branco fez um discurso de abertura, já mencionado no texto, em que valorizava o papel do Velho Mundo
na formação da civilização americana. Lima faria assim referência a ele: “o habilíssimo discurso de Rio Branco”
(LIMA, 1937, p.212).

199
200

contrário de Eduardo Prado, considerava que os Estados Unidos, enquanto comprador

majoritário do nosso café, podia suprir sua necessidade com outros países, caso surgisse tal

emergência, mas o Brasil perderia muito e ficaria sem opção se não pudesse mais vender para

os norte-americanos. Estabelece-se assim uma relação de direitos sem deveres que poderia

trazer prejuízos irreparáveis para nossa sociedade560.

Em Washington, Lima vai criticar Nabuco, “o trato com Roosevelt e Root

deslumbrou-o”.561 Esses “dois fetiches norte-americanos de Joaquim Nabuco”562, como ele se

referia ao secretário e ao presidente norte-americano, teriam anseios nada lisonjeiros em

relação ao Brasil e à América Latina. Na crença de que “a política é muito mais uma questão

de homens que de princípios”.563 Oliveira Lima afirmava que Roosevelt emprestou seu nome

à doutrina Monroe, reavivando-lhe e conferindo-lhe nova definição564. Continha agora um

peso de ingerência econômica que carecia para se tornar um princípio interventor. A política

agressiva e belicosa desse militar executivo, representada por um grande cacete, tinha, pela

força dos encouraçados em construção nos estaleiros dos Estados Unidos, sua garantia. Diria

Lima que “não é com intenções cordiais que se faz de seguida voltear o bengalão de

Roosevelt sobre as cabeças de certas repúblicas hispano-americanas”.565 Também a decorosa

visita de Root ao Brasil por ocasião do congresso pan-americano, como o objetivo de

persuadir os países latinos de cooperar com seus interesses, tendo o Brasil como seu intérprete

e possível aliado, “fez nascer entre os que pouco familiares são com as coisas internacionais

ou se deixam levar por miragens enganosas (...) uma como que persuasão de que temos, na

559
LIMA, 1980, p.28.
560
Ibid., p.44-45.
561
LIMA, 1937, p.212.
562
Ibid., 1937, p.217.
563
LIMA, 1971, p.584.
564
LIMA, 1980, p.77.
565
Ibid., p.43.

200
201

expressão popular, as costas quentes (...) imaginam esses ditosos sonhadores que os Estados

Unidos de ora em avante nos ajudarão”.566

A III Conferência Pan-americana é o evento que, afinal, vai acabar por distanciar

completamente Nabuco e Oliveira Lima. Antes dele, no entanto, Lima já criticava a postura

de Nabuco em Washington fazendo referência ao que considerava um excessivo

americanismo.

Tenho acompanhado com curiosidade as manifestações do seu Monroísmo ou melhor do seu


Rooseveltismo e, apesar de conhecer o entusiasmo que o seu temperamento põe em todas as
coisas por que se apaixona, não o julgo capaz de tanto americanismo567

Quando ficou definido que a conferência seria realizada no Rio de Janeiro em 1906,

com o descarte de Caracas que também havia se oferecido para sediá-la, provocando protestos

do General Castro que acreditava ter o apoio norte-americano na questão, e que Root viria

pessoalmente ao Brasil para prestigiá-la, Oliveira Lima, por meio de artigos no jornal O

Estado de São Paulo, durante toda a preparação e desenvolvimento do evento, atacou

veementemente a política norte-americana, o monroísmo, Roosevelt e a atitude do

embaixador brasileiro em Washington que acabaram por ser reunidos no livro Pan-

americanismo (Monroe, Bolívar, Roosevelt) de 1907. Nabuco, já inconformado há algum

tempo da atitude do companheiro, convicto de que “as cartas dele me parecem mal

encaminhadas para mim”, indigna-se:

O Sr. parece interessado em que a Conferência naufrague, toma o partido da Venezuela,


condena os que me auxiliaram aqui568

566
Ibid., p.110.
567
Carta de Oliveira Lima a Nabuco, 23/10/1905 (FUNDAJ).

201
202

Nesses incidentes ia ficando claro para Nabuco que, entre os dois, os “temperamentos,

processos e ideais são diferentes. Ele é da diplomacia forte, que toma sempre o tom de grande

Potência; eu sou da diplomacia insinuante e persuasiva”.569 E sentia o distanciamento do

antigo colega que ia se processando.

Eu sinto ver o Oliveira Lima afastar-se assim diplomaticamente de mim, por que pensava ser
ele um monroísta firme570

Não entendia, no entanto, a agressividade com que Oliveira Lima lhe atingia. E ficava

particularmente descontente com o fomento de intrigas que o antigo amigo tentava promover

com Rio Branco. Numa das cartas a Graça Aranha, relata o que Lima lhe expressara em certa

ocasião:

(...) que a minha atitude de excessivo americanismo era muito mal visto por todos na América
Latina, no Brasil e do próprio governo; que se admirava de me agastar eu com ele e de não me
ter zangado com o Rio Branco que por trás falava de mim571

Oliveira Lima explicaria essa discussão por correspondência que transcorreu entre os

dois em suas memórias. Achava que havia feito um favor para Nabuco ao alertá-lo do

excessivo pendor para os Estados Unidos, antes que ele se deparasse com uma opinião pública

brasileira contrária ao caminho que preconizava.

Quando Nabuco entrou a exagerar o seu americanismo, eu de Venezuela lhe escrevia para
Washington, externando minha discordância desse sentimento tão acentuado e que não me

568
Carta de Joaquim Nabuco a Oliveira Lima, 01/03/1906 (FUNDAJ).
569
Carta de Joaquim Nabuco a [Francisco] Régis [de Oliveira], 21/12/1909 (FUNDAJ).
570
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1906 (Cartas II, 1949, p.244).

202
203

parecia partilhado pela opinião comum no Brasil. Sei bem que há casos análogos na história
das relações diplomáticas em que o enviado se torna mais papista do que o papa572

A verdade é que para Oliveira Lima, Nabuco havia ficado “too American, como em

Londres fora too British, na Itália too Roman e na França seria too French”.573 E, ao final da

conferência pan-americana dirá que nela, a atitude de Nabuco foi “invariavelmente pan-

americana do Norte”.574 A diferença política entre ambos se tornou, pelo menos da parte de

Oliveira Lima, pessoal. À indignação de Nabuco com suas críticas por correspondência, dirá

que o embaixador estava acostumado ao regime do turíbulo e que para continuar a amizade

entre ambos era necessário que trocassem umas “verdades”. Sendo assim, Nabuco encerra a

correspondência entre ambos nos seguintes dizeres:

Desde que o Sr. estabelece como condição para me continuar a sua amizade ouvir eu “as
verdades” que me queira dizer, não me é lícito insistir por aquele privilégio (...) deixo as
demais farpas da sua carta ao esquecimento, pois quero que a nossa correspondência acabe,
ficando todos os agravos dela à sua conta575

De fato, foi corrente a opinião de que Oliveira Lima arriscava-se a perder amigos, mas

nunca perdeu a ocasião de proferir opiniões francas quando julgava a causa justa, o que se

traduzia vez ou outra por frases ásperas ou severas, mas quase sempre certeiras.576 É possível

que esse tenha sido o caso com Joaquim Nabuco. De qualquer forma, o embate entre esses

dois vultos brasileiros foi sempre, na diplomacia, desproporcional a favor de Nabuco que

teve, durante quase todo tempo do lado do seu americanismo, ainda que com graus diferentes,

571
Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha de 02/04/1906 falando a respeito dos comentários de Oliveira Lima
nas últimas correspondências (Cartas II, 1949, p.252).
572
LIMA, 1937, p.210-211.
573
Ibid., p.212.
574
Ibid., p.212.
575
Carta de Joaquim Nabuco a Oliveira Lima, 03/03/1906 (Cartas II, p.250).

203
204

as figuras mais importantes da política externa brasileira. Rio Branco havia incentivado tal

política com a criação da embaixada. Afonso Pena, futuro presidente, referia-se a essa

aproximação em carta a Nabuco, quando ainda era Presidente do Senado, afirmando que o

interesse do Brasil devia ser de uma “perfeita inteligência com a Grande República Norte-

Americana”.577 Da mesma forma, Rodrigues Alves, enquanto presidente, se enunciava como a

favor de uma forte aproximação com os Estados Unidos por haver muito que trocar e aprender

com esse país. Ao atestar que trabalhava para ganhar o prestígio internacional brasileiro quase

perdido, também incentivará Nabuco ao dizer

Aqui nem todos acreditarão nas vantagens de uma mais estreita cordialidade em nossas
relações com os Estados Unidos e muitos se assustarão ainda com a doutrina de Monroe.
Continue, porém, a trabalhar578

Oliveira Lima deixou em escritos posteriores à morte de Nabuco um retrato um tanto

indigno do antigo amigo. Criticava então a sua política de aproximação com os Estados

Unidos considerando-a uma ambição pessoal norteada por frustrações passadas.

Para resgatar aos olhos do seu país o malogro do arbitramento da Guiana, que tanto o
amargurou que dele datou visivelmente sua decadência intelectual, quis unir o Brasil e os
Estados Unidos com os laços mais estreitos. Essa entente ultra-cordiale seria o seu triunfo
pessoal, da sua ação diplomática. Ela porém já existia, como o resultado de uma longa
tradição, apenas sem aquela ultra que, num caso de panela de ferro e de panela de barro,
sempre significaria, pela fragilidade da última, uma situação na direi de dependência, mas
também não de equivalência579

Seu espírito combativo, alimentado de rancor pelo desgosto que lhe causou não ter

sido reconhecido em vida como o extraordinário diplomata que era, fez com que Oliveira

576
Cf. ALMEIDA, 2002, p.265.
577
Carta de Afonso Pena a Nabuco, 01/01/1906 (FUNDAJ).
578
Carta de Rodrigues Alves a Nabuco , 28/02/1906 (FUNDAJ).

204
205

Lima desfizesse de Rio Branco, por que seria ele o culpado mais direto da sua trajetória, e de

Nabuco, por ter ocupado cargo de tamanha relevância, cargo que poderia ter sido seu,

praticando uma política que considerava ser perniciosa para os interesses brasileiros. Por tanto

dirá amargurado já no final da vida que

O maior defeito de Nabuco era a vaidade, do seu físico e do seu espírito. Ela o fazia egoísta e
o levava à ingratidão. Rio Branco não era menos vaidoso nem egoísta, e tinha muito menos
coração do que Nabuco, sendo mesmo desapiedado580

CONCLUSÃO

Há duas espécies de movimento em política: um, de


que fazemos parte supondo estarmos parados, como o
movimento da terra que não sentimos; outro, o
movimento que parte de nós mesmos. Na política são
poucos os que têm consciência do primeiro, no
entanto esse é, talvez, o único que não é pura agitação.

579
LIMA, 1937, p.212.
580
Ibid., p.190.

205
206

Diário de Nabuco de 28/06/1877

A criação da embaixada brasileira em Washington em 1905, materialização do

relacionamento preferencial que o Ministro das Relações Exteriores, Rio Branco, projetava ter

com os Estados Unidos, se insere dentro de um movimento nacional mais amplo. De fato,

esse acercamento remonta à proclamação da República, quiçá ao final da época imperial. No

entanto, se com a ingenuidade dos primeiros passos do jacobinismo republicano, baseado no

manifesto de 1870, existiu uma visão estreita dos relacionamentos internacionais que tendia a

se basear no princípio de solidariedade a partir da similaridade institucional, recusando a

Europa e abraçando uma causa americanista sem sentido prático que acabou causando alguns

constrangimentos ao governo brasileiro, na gestão de Rio Branco esse caráter foi substituído

por um outro mais pragmático e utilitário. No meio de certas atitudes republicanas, por vezes

ingênuas e fracas, os Estados Unidos se aproveitaram de modo hábil para marcar terreno

econômico e político importante no Brasil, primeiro conseguindo obter o Convênio Aduaneiro

de 1891 e, segundo, utilizando os acontecimentos da Revolta da Armada para se mostrarem

como protetores desse novo regime.

Como pano internacional dessa política de aproximação há de se fazer referência ao

momento interno e externo que possibilitou aos Estados Unidos, já no crepúsculo do século

XIX, surgirem como uma potência mundial, garantindo seu espaço na corrida imperialista que

caracterizava o período ao determinarem a América Latina como a sua área lógica de

expansão política e comercial. O desenvolvimento industrial norte-americano e as suas

conseqüências sociais acabaram, com o desencadear do movimento progressista,

reestruturando os objetivos externos da nação e possibilitando a ascensão de Roosevelt e de

outras personalidades que viriam a dominar o cenário político desse país nas primeiras

décadas do século XX, bem como a reedição da doutrina Monroe em duas frentes: uma

206
207

baseada num corolário agressivo, que pretendia determinar a sorte (ou a má sorte) dos países

do continente que infringissem as regras de segurança norte-americana, baseadas na

estabilidade política da região e na prevenção contra ingerências européias, e outra, soft, que a

utilizava como filosofia aglutinadora do pan-americanismo para amenizar as descortesias

provocadas pelos ensaios imperialistas da primeira frente.

É pelo prisma desse quadro internacional, inserido no referido histórico nacional, que

analisamos os objetivos e as características da política de aproximação implementada por Rio

Branco com essa nova potência. Usando como argumento as comparações possíveis entre os

dois países como território, população e diferenças substantivas com os vizinhos, Rio Branco

apoiou grande parte das pretensões dos Estados Unidos no continente. Fez isso quando

percebeu, a partir dos imbróglios diplomáticos com o Bolivian Sindicate, a utilidade de se ter

esse país a favor ou, pelo menos, não tê-lo contra. Em oposição ao medo do imperialismo

norte-americano, Rio Branco afirmava a incoerência de qualquer das ações do corolário

Roosevelt interferir, ao sul do continente, nos interesses ou soberania brasileira, sendo, o

nosso, um país ordeiro e responsável. Buscou utilizar tal aproximação como trunfo na

viabilização do que considerava os interesses nacionais primários como a garantia do modelo

agorexportador pela intensificação do comércio cafeeiro, a solução de litígios fronteiriços, o

alcance de uma preponderância na América do Sul, bem como prestígio e reconhecimento

mundial. Elevava, assim, aqueles ensaios rudimentares de relacionamento com os Estados

Unidos do início da República até o seu ápice, não descartando nunca, no entanto, as relações

com os países sul-americanos e com a Europa.

Quando Rio Branco convidou Nabuco para ocupar o recém-criado cargo de

embaixador, dando corpo a um dos eixos essenciais da sua política externa, o fez

reconhecendo o antigo amigo como um diplomata completo para tal empresa, seja

intelectualmente, já como adepto do monroísmo, seja fisicamente, pelo seu porte europeu,

207
208

além de ser detentor de grande prestígio nacional. De seu lado, Nabuco, conhecido por seu

europeísmo, relutou um pouco a aceitação por ter que abandonar seu posto, de inegável

prestígio, como ministro em Londres e pela desconfiança de que o ato tivesse somente um

caráter formal, sem uma política estruturada de longo prazo. Aceitava-o, no entanto, alegando

obrigação patriótica. Mas após iniciar seus trabalhos em Washington e apresentar suas

credenciais à Roosevelt, que geraram repercussão muito positiva na opinião pública norte-

americana, começava a reavaliar seus primeiros receios e a enxergar um melhor horizonte

para sua tarefa. Ia surgindo o vislumbre de amplas possibilidades de ação em um cargo de tal

forma inédito e em um país que caminhava para uma ascendência mundial única no

continente americano.

Como parte de uma geração que perdia suas referências pessoais e políticas em meio

ao desmoronamento do mundo construído durante todo o século XIX, primeiro com o

esgotamento da causa abolicionista, depois com a queda da monarquia e todos os outros

processos que tomavam lugar no plano mundial, entre eles a perda da centralidade européia, o

novo fôlego imperialista e o desenvolvimento de tecnologias que reorientavam noções de

tempo e espaço, Nabuco buscava adaptar novos paradigmas de ação. Perdido em meio a esse

turbilhão de novidades e, por sua própria opção, estando apartado dos destinos do seu país ao

afirmar-se monarquista em meio republicano, buscou uma nova inserção nesse plano pela via

diplomática, que imaginava vinculá-lo tanto a uma esfera autônoma, distante das tensões

partidárias, quanto impassível de crítica, como acreditava ser a defesa dos interesses do

Estado brasileiro, e não do seu regime, perante o mundo. É nesse desígnio que aceita trabalhar

pela república ainda monarquista, como que numa fase de adaptação, e encontra uma causa

legítima pela qual lutar, a aproximação do Brasil com os Estados Unidos. Assume ela da

mesma forma que havia assumido outras no passado e, mesmo não desenvolvendo similar

cabedal teórico e prático, com a mesma volúpia.

208
209

Nabuco incorporara a política que lhe havia criado, e nesta postura, cada vez mais

propositiva, surgem os primeiros conflitos com Rio Branco, sejam eles de ordem pessoal ou

política, sempre em torno dos direcionamentos que devia seguir o projeto de aproximação

com os Estados Unidos e os meios para se obter dela resultados significativos.

Particularmente esses embates com Rio Branco, motivados por uma percepção questionável,

mas legítima segundo sua perspectiva, de que o ministro não tinha planos concretos para a

continuação da proposta de relação bilateral iniciada e incentivada com a criação da

embaixada, levaram Nabuco a formular concepções sobre ela e tentar ações autônomas. Como

exemplo prático da sua influência na política externa brasileira trabalhou-se a repercussão

internacional de seus atos em incidentes importantes da época como o do desrespeito à

soberania brasileira, promovida pela canhoneira alemã Panther, e os decorrentes eventos da

preparação e realização da 3ª Conferência Pan-americana. Em ambos os casos, Nabuco deu

um tom mais drástico às idéias de Rio Branco no que se refere ao relacionamento com os

Estados Unidos, incentivando o que chamava de “quase aliança” ou, pelo menos, buscando

que o meio internacional percebesse a relação desses países enquanto tal.

Toda a ação de Nabuco como embaixador esteve informada por uma série de

concepções políticas, formuladas pouco a pouco a partir da reapropriação de suas experiências

de vida. Elas se estruturaram em volta de um liberalismo humanitário, herdado ainda do

combate abolicionista e do seu desdobramento em questões sociais. Essa época de propaganda

e palanques havia também lhe desenvolvimento a oratória, que, entendida como importante

elemento de mobilização política, foi um dos instrumentos de batalha de seu americanismo. A

par disso, suas viagens à Europa e aos Estados Unidos na década de 70, como adido de

legação, repensadas anos mais tarde, no mesmo exílio auto-infligido após a queda da

monarquia em que faria suas primeiras incursões analíticas sobre o papel da potência do norte

na política continental, foram também contribuições importantes.

209
210

Seguindo a referência feita por Evaldo Cabral, podemos dizer que no momento crítico

em que se encontrava apartado dos rumos que seu país ia tomando, seja interna ou

externamente, Nabuco sofria de maneira muito vívida o dilema do mozombo, isto é, do

descendente de europeu ou que a sociedade determina enquanto tal, fragmentado entre a

Europa e a América, na crença de que em algum momento terá que se decidir por uma das

duas civilizações. O contato e a adesão de Nabuco à Europa haviam lhe fornecido material

psicológico suficiente para sustentar sua vida política por muito tempo, até a abolição e a

queda da monarquia, quando então se viu pressionado a rever conceitos e reestruturar seus

pensamentos. Assim, se seu europeísmo fora monarquista, o processo de elaboração de seus

pensamentos americanos culminou, não por coincidência, com a sua adesão ao governo

republicano.

Esse dilema ganha força a partir da imagem, poderíamos dizer, antinômica, sobre os

Estados Unidos que Nabuco constrói no primeiro contato com esse país, ainda como adido de

legação em 1876, e, depois, como embaixador em 1905. Chegando como adido a Washington

num momento conturbado da política interna do país, Nabuco tece uma série de críticas fortes

à política e aos políticos norte-americanos. Está, nessa época, já imbuído de influências

européias, empolgado pela centralidade internacional desse continente, sua tradição

aristocrática e monárquica, além das idéias políticas do pensador inglês Bagehot. Encontrava,

no entanto, nos Estados Unidos um povo da mesma raiz racial que os ingleses e, por isso, com

potencialidades latentes, ainda que considerasse que seu meio não havia proporcionado o

desenvolvimento de uma civilização que surpreendesse em qualquer aspecto.

A partir de 1905, Nabuco, na mesma medida em que ia relativizando a importância da

antiga Europa, influenciado especialmente pela percepção cada vez mais clara das limitações

que se encontrava constrangido em Londres, atuando no meio de um conflito interimperialista

entre grandes potências como chefe da legação de um país inexpressivo nesse quadro, como

210
211

era o Brasil, também, ao se tornar embaixador, tentou encontrar uma diretriz que desse

sentido ao seu posicionamento de aproximação com os Estados Unidos. É com essa

necessidade que tenta determinar um novo papel para esse país, tanto no plano mundial, como

promotor de estabilidade e paz com a subida de Roosevelt ao poder, como no plano

continental, com a administração de Elihu Root no Departamento de Estado e seu viés pan-

americano. Os Estados Unidos realmente viviam um momento muito diferente daquele visto

por Nabuco na década de 70, encaminhando, entre outras coisas, um desenvolvimento

material sem precedentes na América, quiçá no mundo.

Estava, assim, preparado, por volta dessa época, o terreno para a sua adesão ao

monroísmo e ao pan-americanismo, proferidos pelos Estados Unidos como retórica da

solidariedade americana, servindo como uma ideologia associativa do continente

materializada nas conferências de 1889, 1901 e 1906. De fato, o monroísmo só tomou um

caráter essencial nas concepções de Nabuco quando motivado pelo temor perene de um

imperialismo territorial nos rincões esquecidos do Brasil, fomentado pelo litígio anglo-

brasileiro de 1904 que havia lhe cristalizado a patente fragilidade brasileira frente a adversário

de tamanho poder. Nabuco achava que para proteger-se do destino que se aparentava de

perder regiões dos interiores do Brasil era necessário garantir uma aliança com os Estados

Unidos como estratégia de dissuasão. Agarrar-se ao princípio de proteção das independências

dos países do continente contra investidas estrangeiras, proclamado por Monroe em 1823 e

reeditado por essa época, parecia uma boa tática.

O monroísmo tem na política externa norte-americana uma forte relação histórica e

conceitual com o pan-americanismo e com sua doutrina alternativa, o latino-americanismo,

que são dois momentos, um do século XIX outro do século XX, de um mesmo intento de

aproximação entre os países americanos, ainda que com peculiaridades contrárias. Se o latino-

americanismo, pensamento essencialmente político para a defesa e união hispano-americana,

211
212

nunca vingou no continente apesar das recorrentes tentativas desde Bolívar, o pan-

americanismo, proposta de união continental que camuflava um cunho fortemente econômico,

ganhou força especialmente ao ser levantado pelos Estados Unidos e ter o apoio de países

como o Brasil. Encontrava resistência, no entanto, em vários países sul e centro-americanos,

uma vez que sempre fora percebido como envolto em uma áurea de semblante imperialista.

Ao pretendermos buscar o início da identificação ou afastamento de Nabuco com cada

um desses temas e a sua respectiva utilidade na análise das características de suas concepções

como embaixador, percebemos que, como o monroísmo foi a sua base, definindo a

necessidade de aproximação estreita com os Estados Unidos, não teria sentido utilizar como

conceito definidor dessa nova fase o termo “pan-americanismo”, como fez parte da literatura,

já que se apresenta uma maneira limitante que tende a sintetizar no jargão de “união e

solidariedade continental” um pensamento que se presta a bem mais complexidade.

No momento em que assume o conceito de monroísmo, Nabuco faz uma nítida divisão

entre o mundo europeu e o mundo americano, não só em termos políticos, mas também

civilizacionais, já que a doutrina proporcionava uma identidade e interesse comum de

desenvolvimento, proteção e união ao continente, uma espécie de “aliança moral”. Concebe

então um sistema americano que deveria ter como líder os Estados Unidos, visto que era o

país mais evoluído e mais bem inserido na high politic internacional como uma potência

emergente. Nabuco percebia esse agrupamento coeso como um ator internacional e sinalizava

a existência de outros como ele, só que caracterizados como blocos de países e regiões,

unidos, seja por alianças ou dominação colonial, tendo como suporte as novas tecnologias do

momento e encabeçados pelas mais importantes potências imperialistas. Juntas essas unidades

seriam a própria estrutura do sistema internacional. O surgimento desse mundo multipolar,

incentivado pela queda da centralidade européia com a ascensão de novos atores

internacionais de peso, teria como principal característica a complementaridade entre a paz e a

212
213

beligerância, característica dos dois blocos mais importantes, respectivamente o americano e o

europeu. A convivência pacífica entre eles seria o objetivo da ordem mundial, ainda que

conflitos fossem esperados.

Para que o bloco americano ganhasse cada vez mais expressão internacional seria

necessário que todos os países que o compusessem alcançassem um desenvolvimento material

e político parecido com o do seu tutor, os Estados Unidos. Para tanto era de grande

importância que se desse expressão prática a organização de uma opinião pública continental,

como eram por exemplo as conferência pan-americanas. Nabuco exercitava, nessa

perspectiva, a construção de uma identidade nacional referida na civilização norte-americana

como característica dessa nova fase de vida, algo que se mescla com os próprios rumos da

cultura brasileira da época.

Dentro desse entendimento amplo de como se projetava o continente americano

internacionalmente e do terreno onde os relacionamentos entre seus países deveriam se

desenvolver, até mesmo com um rumo ideal para seu estabelecimento a longo prazo, Nabuco

tem uma proposta muito específica e objetiva sobre como o Brasil deveria se situar nessa

configuração. Para o embaixador era essencial conseguir uma forte e exclusiva proximidade

com os Estados Unidos, no intuito de garantir o já mencionado eixo de segurança estável, para

então servir como interlocutor privilegiado deste país com a América Latina. A assunção de

tal “cargo” era favorecida por fatores históricos, acreditando que o Brasil já havia

demonstrado em várias ocasiões uma identificação com o ideal de solidariedade americana, e

sociológicos, já que o isolamento cultural ao qual estava imposto na América do Sul lhe

identificara desde sempre com a potência do continente. Essas características colocavam o

Brasil como um aliado preferencial e tradicional ou histórico dos Estados Unidos na busca

pela unidade dos dois mundos americanos, o do norte e o do sul.

213
214

A justificação para tal prerrogativa se relaciona com a própria inevitabilidade que

Nabuco constrói sobre a percepção dos rumos da política externa brasileira, onde não existiria

espaço para uma opção latina. Qualquer relutância em assumir o caminho que o destino

reservara à nação seria um erro político que custaria um alto preço, seja em decorrência do

descarte da doutrina Monroe pelos próprios Estados Unidos, seja pela escolha de um

substituto ao Brasil nesse relacionamento preferencial.

Dentro de toda essa lógica, Nabuco pensava a inserção dos países americanos à

política continental de forma hierárquica, por nível de desenvolvimento, importância e

comprometimento. Tal inserção deveria ser feita em degraus, sendo que os Estados Unidos

comandariam esse processo. Primeiro pela aceitação do Brasil, que se encontrava logo abaixo

do topo dessa pirâmide. Outras importantes repúblicas tais como Argentina, Chile e México

deveriam também ter lugar nesse quadro, mas num momento posterior. E, depois que tal

organização estivesse consolidada e estável seria possível a entrada gradual de todos os outros

países americanos na política continental.

As táticas utilizadas por Nabuco e Rio Branco nesse trajeto de aprofundamento do

relacionamento com os Estados Unidos foram diversas. A primeira, pela recorrente

propaganda de diferenciação do Brasil em relação aos povos hispano-americanos, tentava

convencer os norte-americanos dos bons auspícios que poderiam trazer uma aproximação com

os brasileiros. Já o segundo se baseava na clássica política de interesses. Ambos tentavam

garantir seus objetivos por esses meios. Nesse embate de dupla face, onde a política e a

vaidade caminhavam juntas, a 2ª Conferência de Haia de 1907 exporia, por fim, o equívoco

da proposta de Nabuco.

Incorporando, no âmbito mundial, interesses diversos daqueles que norteavam suas

ações e alianças no âmbito continental, os Estados Unidos entraram em vários conflitos de

interesse com a delegação brasileira na conferência presidida por Rui Barbosa, abalando as

214
215

suas relações bilaterais. Rio Branco se aplicou, a partir daí, em desenvolver uma política

regional de aproximação com a Argentina e o Chile, não havendo nela, no entanto, qualquer

intenção de afrontar a posição norte-americana no continente. Pretendia-se diversificar a

política externa brasileira e criar um poder mais bem organizado para resolver as questões que

se apresentassem na América do Sul. Mas se os equívocos de Nabuco ficaram patentes em

1907, em 1908 os de Rio Branco também ficariam. Após os constrangedores combates com o

ministro do exterior argentino Estanislau Zeballos, Rio Branco reconhecia a impossibilidade

de aproximação com a Argentina e a concretização da relação estável dos países do ABC. Era

necessário continuar cultivando a única frente aberta, a aproximação com os norte-

americanos.

Nabuco, como fica subscrito nas críticas de Oliveira Lima, não foi atento aos

problemas que poderiam trazer a adesão incondicional à política externa norte-americana,

especialmente no que concerne ao prejuízo que ela traria aos relacionamentos com os países

sul-americanos, com os quais era imperativo ter relações minimamente cordiais, e com a

Europa, nossa principal fonte de investimentos à época, ainda um forte poder mundial. De

fato, o embaixador se doou totalmente a uma proposta que não tinha garantias de retorno.

Ainda assim fica evidenciado para nós que as concepções de Nabuco não foram, de todo,

ingênuas. Trabalhando no âmbito do que considerava os interesses nacionais brasileiros,

balizados no princípio de proteção territorial, tentou praticar uma política externa ativa de

acordo, uma entente com a potência do continente, caminho que considerava mais adequado à

realidade de um imperialismo territorial agressivo que caracterizava o meio internacional.

Esse sentido que Nabuco tentou imprimir à política externa brasileira foi contido em

grande parte por Rio Branco. Sendo um intérprete drástico da política de aproximação com os

Estados Unidos, Nabuco fazia a primeira espécie de movimento ao qual se referia em seu

diário ainda em 1877, transcrito como epígrafe da nossa conclusão, aquele que é pura

215
216

agitação. Todos os jantares, discursos, recepções, amizades e convencimentos não garantiram

a realização aquele desejo íntimo, externalizado como anseio nacional, de um entendimento

perfeito, uma quase aliança, uma entente, com a grande potência do continente, irradiadora de

uma civilização que acreditava mais elevada, materialmente e espiritualmente. A Conferência

de Haia lhe daria um choque de realidade. A verdade transparecida em ocasiões-chave como

essa, repetidas com intensidades variadas durante os cinco anos em que Nabuco viveu no

observatório de Washington em meio ao turbilhão de transformações que se operavam no

continente americano e no próprio meio internacional, era que nenhuma das duas partes

envolvidas em tal processo de aproximação estava preparada para fazer as concessões

necessárias que o tipo de relacionamento que o embaixador pretendia, exigiam.

Mas Nabuco fez também parte daquele outro movimento, o de que poucos têm

consciência, mas o único que teria algum efeito na realidade. Ele o reconhecia. Enxergava a

evolução de longa duração no qual estava imerso. Não havia entrado em cena no seu início,

marcado pela instauração do regime republicano, mas participava de algum dos seus atos,

tentando improvisar uma ação mais duradoura. É difícil precisar em que medida obteve êxito

nesse seu intento, todavia é categórico que foi interlocutor de parte da elite e da opinião

pública da nação brasileira e caminhou cerrando fileiras junto com outras grandes

personalidades do período, ainda que fosse a mais drástica delas, por um tipo de política

continental que entendia ser a melhor para o Brasil.

FONTES DOCUMENTAIS

Arquivo Histórico do Itamarati (AHI) – Rio de Janeiro


Telegramas de Washington para o Brasil de 1900-1907 (maços: 235.2.14; 235.3.1;
235.3.2)
Ofícios de Washington de 30/03/1905 até 31/03/19010 (maços: 234.1.3 até 234.1.9)
Despachos para Washington de 02/04/1903 até 27/03/1909 (maços: 235.2.5 e 235.2.6)
Cartas do Arquivo Particular do Barão do Rio Branco – Correspondência de Nabuco
(Lata 832, maço 1)

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Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) - Pernambuco


Correspondência ativa e passiva de Joaquim Nabuco entre 24/03/1903 até
22/12/1909.

Obras de Nabuco
NABUCO, Joaquim. Discursos e Conferências nos Estados Unidos. Trad. De Arthur
Bomilcar. Rio de Janeiro: Benjamin Aguila, s/d.
NABUCO, Joaquim. Obras Completas de Joaquim Nabuco – VIII – O Direito do
Brasil. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A., 1949.
NABUCO, Joaquim. Obras Completas de Joaquim Nabuco – XIV – Cartas a Amigos;
Vol II. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A., 1949.
NABUCO, Joaquim. Obras Completas de Joaquim Nabuco – X – Pensamentos
Soltos; Camões e Assuntos Americanos. São Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A., 1949.

NABUCO, Joaquim. Balmaceda. Obras de Joaquim Nabuco, São Paulo -Rio de


Janeiro, Companhia Editora Nacional, Civilização Brasileira S.A., 1937.
NABUCO, Joaquim. A intervenção estrangeira durante a revolta da armada. In:
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Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, 1990.

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Publicações Oficiais

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Carnegie para la Paz Internacional, 1938.

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Jornal do Commercio
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