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A instauração do liberalismo em Portugal:

antecedentes e revolução

Vintismo
O liberalismo em Portugal: antecedentes

Portugal no início do século XIX

Nos princípios do século XIX, a revolução chegou também a Portugal. Não que o país tivesse
amadurecido intelectual e politicamente para as formas de consciência e ação coletivas
inauguradas em França, em 1789. No começo de Oitocentos, a sociedade portuguesa seguia
repetindo rotinas ancestrais em praticamente todos os domínios da sua existência. (…) o país era
esmagadoramente rural, muito pobre e, claro está, analfabeto. (…) Por cá, o grosso da aristocracia
(…) manteve-se alheio ao movimento intelectual europeu e incapacitado, pela sua larga ignorância
e pelo seu insuperável egoísmo, de pensar num mundo diferente daquele que, estruturado pelo
privilégio, lhe conferia uma supremacia social indisputada e que a quase todos parecia natural. (…)
Deste modo, foi a força das circunstâncias internas, aliadas ao contágio internacional e
peninsular, que conduziu, em 1820, ao derrube da monarquia de Antigo Regime (…).

Maria de Fátima Bonifácio, O Século XIX Português, Lisboa, ICS, 2005 (adaptado).

Descreva a realidade social portuguesa no início do


século XIX.
O liberalismo em Portugal: antecedentes

O combate às ideias liberais


Encontrei na Alfândega uma caixa com livros
perigosos, que não devem espalhar-se. (…) Eu,
com todo o disfarce e cautela, fiz abrir a dita caixa
(…) e encontrei livros e papéis tão revolucionários
que mereciam ser ali na praça do Rossio
queimados pela mão do carrasco. Parece que seria
prudente que sua Alteza mandasse ir para uma das
Secretarias de Estado a mesma caixa de livros
Loja maçónica francesa (ilustração do fechada, e lá mandasse dar o destino que
séc. XVIII). entendesse.
Carta do Intendente-Geral da Polícia,
Pina Manique, 27 de novembro de 1794.

Ecos da Revolução Francesa em Portugal:


Portugal (séc. XVIII) • obras clandestinas de autores franceses,
Difusão das • intelectuais e exilados portugueses
Sociedade do
ideias liberais • invasões francesas (1807-1810)
Antigo Regime
• ação da Maçonaria nas principais cidades
O liberalismo em Portugal: antecedentes

Mudança da Corte para o Brasil


Tendo procurado por todos os meios possíveis conservar a neutralidade, de que até agora têm gozado os meus
fiéis e amados vassalos, e apesar de ter exaurido o meu real erário, e de todos os mais sacrifícios a que me tenho
sujeitado, chegando ao excesso de fechar os portos dos meus reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado, o
rei da Grã-Bretanha (…), vejo que pelo interior do meu reino marcham tropas do imperador dos Franceses e rei da
Itália (…).
E querendo eu evitar as funestas consequências que se devem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que
proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, (…) conhecendo igualmente que elas se
dirigem muito particularmente contra minha real pessoa, e que os meus vassalos serão menos inquietados,
ausentando-me eu deste reino, tendo resolvido em benefício dos mesmos meus vassalos passar com a rainha
minha senhora e mãe e com toda a real família para os estados da América e estabelecer-me na cidade
do Rio de Janeiro até à paz geral.
E considerando mais quanto convém
deixar o governo destes reinos (…) sou servido
nomear para na minha ausência governarem
e regerem estes meus reinos (…).
Carta de D. João VI, 26 de novembro de 1807.

O Bloqueio Continental imposto por Napoleão


Bonaparte em 1806 foi uma medida que
pretendia fechar os portos europeus ao
comércio da Inglaterra.
O liberalismo em Portugal: antecedentes

As invasões francesas
(1807-1810)
O liberalismo em Portugal: conjuntura

Antecedentes
• Napoleão impõe o Bloqueio Continental
• Portugal não aceita as condições pela
sua aliança diplomática e económica com
a Inglaterra (1806)

Invasões francesas Ajuda militar de Inglaterra


(1807-1810) a Portugal

Consequências
• Ida do rei e da família real para o Brasil
• Nomeação de um Conselho
de Regência
• Fragilidade política: domínio inglês
• Abertura dos portos brasileiros ao
comércio internacional (1808)
O liberalismo em Portugal: conjuntura

Balança comercial deficitária


Estado português arruinado economicamente

William Carr Beresford (1768-1854).


General inglês nomeado por D. João VI para organizar o país. O seu
governo caracterizou-se pelo exercício do autoritarismo e repressão que
exerceu quando investido de amplos poderes por D. João VI.

Crise económica e política em Portugal no início do século XIX


Os preparativos da Revolução Liberal de 1820

Crise política e económica no início do século XIX

Criação de sociedades secretas

Gomes Freire de Andrade (1817) Sinédrio (1818)

Integrou a Legião Portuguesa que


combateu ao serviço de França.
Após a derrota de Napoleão,
Manuel Fernandes Tomás
regressou a Portugal e veio a ser
implicado e acusado de uma conspiração. Em 1817, sob
o poder do marechal Beresford, foi detido, condenado à
morte e enforcado.

Pronunciamento militar de 24 de agosto


Repressão do marechal Beresford
de 1820

Revolução Liberal de 1820


(pormenor da chegada dos revoltosos a Lisboa).
O Sinédrio, sociedade secreta fundada em 1818, foi o principal responsável pelo
movimento revolucionário de 24 de agosto de 1820. Este movimento teve como
protagonista Manuel Fernandes Tomás.
A Revolução Liberal de 1820

Manuel Fernandes Tomás José Ferreira Borges (1786-1838), José da Silva Carvalho
(1771-1822), juiz-desembargador. jurisconsulto e secretário da (1782-1856), bacharel em Direito, juiz
Teve um papel de destaque na Companhia das Vinhas do Alto dos órfãos do Porto. Membro fundador
Revolução de 1820 e foi o redator Douro. Membro da Junta Provisional do Sinédrio, com Manuel Fernandes
do Manifesto aos Portugueses. do Governo de 1820. Tomás e José Ferreira Borges.

Sinédrio Revolução Liberal


(líderes do movimento revolucionário): (Porto, 24 de agosto
Junta Provisional
Manuel Fernandes Tomás de 1820)
do Supremo Governo
José Ferreira Borges do Reino
José da Silva Carvalho
Adesão popular

Explique a conjuntura que pode ter provocado a Revolução Liberal de


1820.
O percurso da Revolução Liberal de 1820
Manifesto aos Portugueses

Uma administração inconsiderada, cheia de erros e de vícios havia acarretado sobre nós toda a casta de
males (…). Assim, vimos nós desaparecer, desgraçadamente, o nosso comércio, definhar-se a nossa indústria,
esmorecer a agricultura e apodrecer a nossa marinha. Poucos dias mais bastavam para perdermos até ao
último vaso mercante e para acabar de todo a navegação pela qual fomos tão poderosos no tempo da nossa
passada glória. (…) E para cúmulo de desventura, deixou de viver entre nós o nosso adorável soberano.
Tenhamos pois essa Constituição e tornaremos a ser venturosos. (…) Imitando nossos maiores, convoquemos
as Cortes e esperemos da sua sabedoria e firmeza as medidas que só podem salvar-nos da perdição e
segurar nossa existência política. (…)
Portugueses! O passo que acabais de dar para a vossa felicidade futura era necessário e até indispensável
(…). A mudança que fazemos não ataca as partes estáveis da monarquia. A religião santa dos nossos pais
ganhará mais brilhante esplendor e a melhoria dos costumes, fruto também de uma iluminada instrução
pública, até hoje por desgraça abandonada, fará a nossa felicidade e a das idades futuras. As leis do Reino,
observadas religiosamente, segurarão a propriedade individual e a Nação sustentará cada um no pacífico gozo
dos seus direitos porque ela não quer destruir, quer conservar.

Porto e Paço do Governo, 24 de agosto de 1820.


Proclamação dos revoltosos, redigida por Manuel Fernandes Tomás,
24 de agosto de 1820 (adaptado).

Identifique as intenções expressas pelos revoltosos liberais


No Manifesto aos Portugueses.
O percurso da Revolução Liberal de 1820

Intenções do movimento revolucionário Junta Provisional do Supremo


Manifesto aos Portugueses (Manuel Fernandes Governo do Reino
Tomás): - Presidente: Freire de Andrade;
 abolição do regime monárquico absolutista; - Vice-presidente: António da
 fim do domínio inglês; Silveira;
 exaltação da Pátria e da glória do passado; - Ministério da Fazenda, Negócios e
 Regeneração da sociedade portuguesa no Justiça: Manuel Fernandes Tomás.
âmbito político, económico, administrativo e social;
 valorização da monarquia e das Cortes;
 criação de uma Constituição;
 respeito pelos direitos e garantias individuais.

Eleições para as Cortes Constituintes,


para a elaboração de uma nova
Constituição
As medidas da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino

Regresso imediato do rei D. João VI a Portugal e juramento da Constituição.

Fim do domínio inglês. Expulsão dos generais britânicos e proibindo o desembarque do marechal
Beresford, após o regresso do Brasil.

Organização de eleições para as Cortes Constituintes que ficaram


compostas maioritariamente por elementos da burguesia e membros
do clero.
Valorização dos ideais liberais pelo novo Governo e cuidada
diplomacia.

Cortes reunidas ao longo de 1821 e 1822,


fim do Antigo Regime em Portugal e construção de
uma sociedade alicerçada nos ideias liberais.

Primeira sessão das Cortes


Constituintes (1821) – pintura
de Óscar Pereira da Silva.
A Constituição de 1822

Organização de poderes da Constituição de 1822.


A Constituição de 1822

Sessão das Cortes Constituintes, em 1822.

Constituição de 1822
 valorização da Nação e da monarquia;
 liberdade, igualdade, segurança e propriedade; Vintismo: movimento do
 separação tripartida dos poderes: legislativo cabia liberalismo português
às Cortes; executivo cabia ao rei e judicial aos tribunais consagrada com a Constituição
com juízes de nomeação régia; de 1822.
 construção de um aparelho de Estado forte e eficaz.
A Constituição de 1822

A Constituição Portuguesa de 1822

TÍTULO I: Dos direitos e deveres individuais dos Portugueses


Art. 1.º A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objeto manter a liberdade, segurança, e propriedade de
todos os Portugueses.
Art. 2.º A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela
não proíbe. A conservação desta liberdade depende da exata observância das leis. (…)
Art. 9.º A lei é igual para todos. Não se devem portanto tolerar privilégios do foro nas causas cíveis ou crimes, nem
comissões especiais. (…)

TÍTULO II: Da Nação Portuguesa, e seu território, religião, governo, e dinastia


Art. 26.º A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode porém ser exercitada senão pelos seus
representantes legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade pública, que se não derive da
mesma Nação.(…)
Art. 30.º Estes poderes são legislativo, executivo, e judicial. O primeiro reside nas Cortes com dependência da
sanção do Rei (art.os 110, 111 e 112.) O segundo está no Rei e nos Secretários de Estado, que o exercitam debaixo
da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos Juízes. (…)

TÍTULO III: Do poder legislativo ou das Cortes


Art. 105.º A iniciativa direta das leis somente compete aos representantes da Nação juntos em Cortes. Podem
contudo os Secretários de Estado fazer propostas, as quais, depois de examinadas por uma comissão das Cortes,
poderão ser convertidas em projetos de lei.

Constituição Portuguesa de 1822 (excertos adaptados).


A Constituição de 1822

Medidas da ala radical do liberalismo:


• Câmara única
• Direito de veto
O vintismo

Constituição de 1822
Título I – Valorização dos direitos e deveres dos
Portugueses, segurança e propriedade; igualdade para todos
os grupos sociais
Título II – Soberania da Nação; Monarquia Constitucional
hereditária; separação tripartida do poder (legislativo;
executivo; judicial)
Título III – Direito de voto (mas nem todos eram
considerados cidadãos)
Título IV – Autoridade do rei (poder executivo, poder militar)
A precariedade da legislação vintista de carácter
socioeconómico
Objetivos
• Eliminar as estruturas arcaicas do
Antigo Regime
• Modernizar as redes públicas e do
Estado
Medidas das Cortes Constituintes (1821 e 1822)
Reformas
• Fim da Inquisição e censura prévia
• Liberdade de imprensa e ensino
• Transformação dos bens da Coroa
em públicos
• Extinção da dízima
• Reforma dos forais
• Eliminação dos direitos banais

Dificuldades
Colheita tradicional (pormenor da pintura As Ceifeiras, • Conflito de interesses dos deputados
de Silva Porto, 1893). que perdiam rentabilidade das
propriedades
• Falta de apoio aos camponeses
(injustiças sociais)
O Património no Horizonte…

@ Linhas de Wellington

@ Hino Patriótico, 1808

@ Constituição de 1822

@ O Occidente: revista illustrada de Portugal e do estrangeiro


Antecedentes e conjuntura da Revolução Liberal de 1820

O liberalismo em Portugal

• Bloqueio Continental
Invasões francesas • Embarque da família real para o Brasil
• Abertura dos portos brasileiros ao
(1807, 1809 e 1810) • Domínio inglês em Portugal
estrangeiro
• Tratado comercial com a Inglaterra

Apoio das lojas Descontentamento da população Fundação do


maçónicas (burguesia comercial e intelectual) Sinédrio (1818)

Revolução liberal portuguesa


Porto, 24 de agosto de 1820
Vintismo

Junta Provisional do Constituição de 1822


Supremo Governo do Reino • Liberalismo radical
Cortes Constituintes
(baseada no Manifesto • Respeito pelos direitos e
• Valorização da monarquia
aos Portugueses, de Manuel deveres individuais
• Separação de poderes
Fernandes Tomás) • Igualdade perante a lei
• Política antibrasileira
• Oposição às ordens
• Nova legislação (mas precária
privilegiadas (nobreza e clero)
a nível económico)
A avaliação no Horizonte…

Atente nos documentos.

Doc. 1 Os antecedentes da Revolução de 1820

Influenciados pelas ideias liberais que os livros e os jornais


franceses, durante meio século, espalharam por toda a parte do
espírito dos homens da classe média, os nossos pais prepararam,
por meio de sociedades secretas, uma revolução liberal, que estalou
em 1820. A bem dizer, esta revolução correspondia a grandes
necessidades sociais e políticas. (…) Governava-nos um general
inglês (…). Um tratado infeliz colocara o nosso comércio a reboque
do comércio inglês e a nossa indústria tinha sido absolutamente
sacrificada à indústria inglesa. (…) Era necessário sair desta
situação ou morrer.
Alexandre Herculano, Opúsculos, 1856 (adaptado).
Doc. 2 As invasões francesas.

1.1 Explique as razões da Revolução de 1820.


1.2 Considera que os objetivos da Revolução Liberal de
1820 foram cumpridos? Justifique.

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