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(Actualização de 2002)

HISTÓRIA DOS BARROS


DA
MARINHA GRANDE
(1740 – 1927)

“Pode-se convir em que a Maçonaria, quaisquer que sejam


os limites sociológicos do seu recrutamento de então, teve
o grande mérito de quebrar um quadro, uma hierarquia e
um modelo, o da sociedade por ordens, para lhe substituir
a norma do intercâmbio igualitário e fraterno.”
(Michael Vovelle, “Introduction” a Franc-Maçonnerie
et Lumières au Seuil de la Révolution Française, 1985)

JACINTO

Em 1750, morre D. João V e sucede-lhe seu filho D. José, o qual chama de imediato
para o governo do Reino Sebastião José de Carvalho e Melo, a quem, mais tarde, dará os
títulos de Conde de Oeiras e Marquês de Pombal.
O reinado de D. José será marcado pela forte personalidade do Marquês, que para
governar à sua maneira teve que sustentar um constante conflito com a nobreza, todo
poderosa no reinado de D. João V, o rei Magnânimo. O Marquês afirma o seu poder em lutas
sucessivas contra a nobreza, que vence de forma brutal, e contra a Igreja - expulsa a
Companhia de Jesus, ameaça o inquisidor-geral, e expulsa de Portugal o núncio apostólico. O
terramoto de Lisboa de 1755 permite-lhe mostrar a sua capacidade de organização e acção,
dirigindo a reconstrução da cidade. Tendo obtido a total confiança do Rei, o Marquês impõe a
reforma da administração pública, reforma o ensino, apoia a formação de estruturas
empresariais e capitalistas necessárias ao desenvolvimento do comércio, fomenta as
indústrias. O seu tempo de governo foi marcado pela vontade de criar em Portugal uma
“monarquia moderna”, baseada no comércio e na indústria e não nos privilégios da nobreza.
Fê-lo duma forma despótica, brutal, centralizadora, mas com espírito de progresso e com o
objectivo de recuperar o atraso de Portugal no contexto dos países europeus. Quando morreu
D. José, em 1777, Pombal foi imediatamente afastado e exilado.
Em Leiria, onde Jacinto da Costa Barros nasce no lugar do Picoto, Souto da
Carpalhosa, em 1740, existia o “Pinhal do Rei”, a partir do qual, entre outras coisas, se
comerciavam lenhas e se fazia carvão vegetal. A existência na freguesia das matérias primas e
dos combustíveis necessários, levou a que a indústria vidreira se instalasse na Marinha
Grande em 1748, por iniciativa do irlandês John Beare. Em 1769 passou para a posse do
inglês Guilherme Stephens, incentivado pelo Marquês de Pombal, beneficiando de diversos
privilégios, entre eles, a utilização gratuita das lenhas do “Pinhal do Rei”.
A actividade profissional leva Jacinto a relacionar-se com as fábricas vidreiras da
Marinha Grande. Entretanto, casa com Joana Maria de Santa Rita, natural daquela terra, e
nasce, em 1766, na freguesia da Caranguejeira, o seu filho Manuel Affonso. Um dia, Jacinto
resolve ir viver mesmo na Marinha Grande, onde seu filho Manuel Affonso se emprega, como
guarda no Pinhal, e se casa, em 1797, com Mariana Vieira, natural de S. Martinho do Porto.
QUADRO I

Jacinto da Costa Barros


(1740 ?-1811) Manuel Affonso da Costa Barros (17661-1848)
C. C.
Joana Maria de Santa Rita Mariana Joaquina Vieira

Manoel da Costa Barros2


(Cura ou Pároco, em
exercício em 1784)

MANUEL AFFONSO
A Ascensão Social

Em 1799, tinha Manuel Affonso 33 anos, surge naquela região, a caminho de


Coimbra, onde ia assumir a regência da cadeira de Metalurgia na tradicional Universidade,
José Bonifácio de Andrada e Silva. Nesse ano, andava o Doutor José Bonifácio a reconhecer a
Estremadura, tendo em 1800 publicado um livro intitulado “Viagem pela Extremadura até
Coimbra”. Também em 1800, para além da sua actividade como lente da Universidade, José
Bonifácio é nomeado Intendente-Geral das Minas e Metais do Reino, ocupando ainda a
Superintendência das Obras Públicas de Coimbra.
Manuel Affonso, Cabo dos Guardas dos Nacionais e Reais Pinhais de Leiria desde
1789 , é destacado para acompanhar José Bonifácio no seu reconhecimento da região e
3

conquista a sua amizade e a de sua mulher. Em 1801, estes aceitam apadrinhar o terceiro filho
de Manuel Affonso, que é baptizado com o nome da mulher de José Bonifácio, Carlota
Emília4.
Em 1803, José Bonifácio, como Superintendente das Obras Públicas de Coimbra,
manda semear uma área de 50 hectares para fixação das dunas dos areais de Lavos, “acção
que é considerada a primeira tentativa cientificamente organizada da fixação do litoral
português”. E chama para “Administrador dos trabalhos dessa importante obra” “o então
Cabo dos Guardas do Real Pinhal de Leiria Manuel Affonso da Costa Barros”5.
Entretanto é constituída em Lisboa, provavelmente em 1802, a obediência maçónica
portuguesa, que foi conhecida nos seus primeiros tempos por Grande Oriente Português ou
Grande Oriente de Portugal, mais tarde conhecida como Grande Oriente Lusitano, e José
1
Na edição de 1908 do trabalho de Manuel Affonso intitulado “Reflexões e Cálculos – Extraídos de diferentes
memórias sobre a Grande Mata dos Nacionais e Reais Pinhais de Leiria”, as notas sobre o autor afirmam que
nasceu em 1766.
2
Tendo em conta as datas conhecidas, admite-se que este fosse seu irmão (investigações efectuadas por FJFAB).
3
“O Pinhal do Rei”, de A. Arala Pinto, citado por Heitor Penedo Silveira da Silva, na sua “Genealogia do
Engenheiro Manuel Gaspar de Barros”.
4
Ver investigações efectuadas por Fernando José Afonso de Barros (FJFAB).
5
Ver “Arborização”, Manuel Alberto Rei, Figueira da Foz, 1940 (exemplar oferecido por Joaquim Barros de
Sousa) e o já citado “O Pinhal do Rei”. O próprio José Bonifácio descreve assim o episódio no seu livro
“Memoria. sobre A Necessidade E Utilidade Do Plantio De Novos Bosques em Portugal”: “Sendo encarregado
em 1802 de dirigir as sementeiras e plantações nos areaes de nossas Costas, comecei pelas do Couto de Lavos,
cujas terras de Lavoura estavão em perigo eminente de ser alagadas, e subterradas pelas arcas do mar. Nomeei
para Inspector da Obra a Manoel Affonso da Costa Barros, então Cabo dos Guardas do Real Pinhal de Leiria,
que a desempenhou com muita actividade, zelo, e intelligencia. Só pôde esta sementeira principiar no primeiro
de Janeiro de 1805; mas findou apenas começada em 28 de Março de 1806. Obstaculos que recrescêrão, falta
dos dinheiros consignados, a uzurpação perfida dos Francezes, e a guerra devastadora, que se lhe tinha seguido,
impedirão seus progressos; e o pouco que se fez está prezentemente em abandono.
Todavia esta foi a primeira sementeira methodica, que prosperou e vingou entre nós desde o seu começo....”.

2
Bonifácio, julga-se que já iniciado em França, pertence, desde o início, à Loja dos Cavaleiros
da Espada ou do Oriente de Lisboa.
Ao chegar a Coimbra, ou à Figueira da Foz, Manuel Affonso é aliciado pelo seu
amigo, compadre e superintendente, para aderir à Maçonaria6, onde estabelece relações de
fraternidade com gente que virá a ter a maior importância na sua vida.
Em 1807, o exército francês, comandado por Junot, invade Portugal e a família real e a
corte portuguesa embarcam para o Brasil, ficando o governo do reino entregue a uma junta de
regência, enquanto se verificasse a ausência do príncipe regente, D. João.
É um período de grande ambiguidade quanto às atitudes tomadas pelos membros da
Maçonaria portuguesa. Tendo aderido aos ideais da Revolução Francesa, de liberdade,
igualdade e fraternidade, pondo em causa o absolutismo monárquico e o poder da Igreja, a
primeira reacção dos maçons portugueses foi a de ver nas tropas napoleónicas a guarda
avançada da mensagem da liberdade. E como libertadores começaram por ser recebidos. Mas
o comportamento brutal do exército de Junot, próprio de invasores e não de libertadores,
levaram muitos maçons a lutarem contra os invasores. A revolta contra a presença francesa
em Portugal desencadeia-se a partir de Junho de 1808, e em Coimbra José Bonifácio apoia o
corpo académico, dirigindo o fabrico de pólvora e munições de guerra. E, provavelmente,
Manuel Affonso, então Director das Fábricas Resinosas7, envolve-se também nas lutas contra
as invasões napoleónicas, em conjunto com vários outros membros da Maçonaria portuguesa.
Rechaçada a 1ª invasão no final de 1808, logo em Março do ano seguinte Soult entra pelo
norte, iniciando a segunda invasão francesa, que termina em Maio, perante o reforço das
tropas portuguesas por um forte contingente inglês, comandado pelos generais Wellesley
(mais tarde, duque de Wellington) e Beresford. Mas, na primavera de 1810, Bonaparte envia
novo exército francês, comandado por Massena, que entra em Portugal pela Beira, travando
com as tropas portuguesas e inglesas as batalhas do Buçaco e das linhas de Torres. Pelo meio,
fica o saque de Coimbra e terríveis destruições por todo o litoral, até Torres Vedras 8. Massena
inicia a retirada em Abril de 1811, continuando a guerra em território espanhol até 1814.
Em 1811, terminados os combates em território português contra o invasor, Manuel
Affonso baptiza o seu 8º filho, Joaquim, e convida para padrinho um dos seus companheiros
das últimas lutas e igualmente membro da Maçonaria portuguesa, o jovem José Joaquim
Gomes de Castro9. Nesse mesmo ano morre seu pai, Jacinto da Costa Barros.
Entretanto, a partir de 1809 as autoridades militares inglesas assumem o completo
controlo da administração portuguesa e em 1810 convencem o príncipe regente, D. João, a
reformar o Governo do Reino, donde já tinham afastado todos os elementos suspeitos de
colaboracionismo com os franceses, constituindo-o com um grupo de personalidades que

6
Não existe ainda documento comprovativo. Como verão nas páginas que se seguem, é difícil não relacionar os
Barros da Marinha Grande com a Maçonaria, o movimento liberal e republicano. A informação sobre os
membros da Maçonaria é escassa e incompleta. Muitos dos que foram maçons não constam das obras publicadas
por Oliveira Marques. Acresce que, quando das invasões francesas e das múltiplas guerras civis que se seguiram,
foram destruídos, principalmente nos distritos de Coimbra e Leiria, não só arquivos de lojas maçónicas como
também registos paroquiais de várias freguesias.
7
Fora nomeado em 1807.
8
“Das duas primeiras invasões não resultaram grandes incómodos para a Marinha Grande. O mesmo não
aconteceria com a terceira e última, causa de grandes desgraças e mortandade.... Na Marinha Grande, em finais
de Setembro de 1810, antes da ocupação, a população compunha-se de 1042 indivíduos do sexo masculino e
1079 do feminino, repartidos por 511 fogos. Após a retirada dos franceses estava reduzida praticamente a
metade”. V. “A Irmandade do Senhor Jesus dos Aflitos”, por Hermínio de Freitas Nunes, colecção Subsídios
para a História da Marinha Grande, 2000.
9
Fica em aberto a hipótese de Manuel Affonso ser companheiro de José António Gomes de Castro, grande
proprietário e comerciante no Porto, igualmente maçon, quase da sua idade, pai do referido José Joaquim Gomes
de Castro, que teria convidado para padrinho do filho por deferência para com aquele. Qualquer que fosse a
razão, o certo é que dos cinco filhos que Manuel Affonso teve entre 1815 e 1827, quatro foram apadrinhados por
José Joaquim de Castro.

3
participaram na luta contra as tropas napoleónicas, merecendo por isso a confiança dos
ingleses: o principal Sousa, o conde de Castro Marim, o conde de Redondo, o lente Ricardo
Raimundo Nogueira e o então patriarca de Lisboa.
D. José António de Menezes e Sousa Coutinho (1757-1817), principal do Patriarcado
de Lisboa, irmão do conde de Linhares, ministro no Brasil até 1812, e do conde do Funchal,
fora membro da loja maçónica “Amizade – n.º 5, de Lisboa”, provavelmente fundada em
1800.
José António e Manuel Affonso conhecem-se em Coimbra, como membros da
Maçonaria, e lutam na mesma altura contra os invasores 10. Nasceu aí uma amizade, da qual
resulta que, em 1813, o 9º filho de Manuel Affonso, Marianna, tem como padrinho, segundo o
respectivo “Assento”, “D. José António de Menezes e Sousa, Principal da Santa Igreja
Patriarcal,.... dos Governadores do Reino”11.
O principal Sousa mantém-se no Governo do Reino até à sua morte, em 1817, e é um
exemplo da ambiguidade em que os maçons se viram envolvidos12. O governo a que pertence,
em pleno rescaldo da última das “invasões francesas” parece apostado em punir todos os
suspeitos de jacobinismo e “afeição aos Franceses”, identificando a propagação dos princípios
da Revolução Francesa com a acção da Maçonaria e dos pedreiros-livres e apoiando os
ingleses na sua luta contra a França napoleónica. Mas, com o decorrer dos anos, o principal
Sousa e outros membros da Junta de Governadores, entram em conflito com o chefe militar
inglês, o general William Carr Beresford. Desde 1815 que esse conflito origina uma
importante sensibilidade política, que está presente no desfecho do movimento revolucionário
de Gomes Freire de 1817 e no de 24 de Agosto de 1820: a do sentimento nacional e
antibritânico.
Entretanto, José Bonifácio é nomeado para o cargo de Intendente da Polícia no Porto,
cargo que desempenha, provavelmente, apenas até à retirada de Massena em 1811, altura em
que retoma a sua actividade universitária e é nomeado Secretário da Academia Real das
Ciências, considerada uma instituição para-maçónica, onde assegura a continuidade do
domínio maçónico, entre 1814 e 1819. Neste último ano, é jubilado a seu pedido e regressa ao
Brasil13.

Em 1816, no Rio de Janeiro, morre a rainha D. Maria I e começa o reinado de D. João


VI.
Em Portugal, a repressão do movimento liberal de 1817, chefiado por Gomes Freire de
Andrade, maçon de obediência francesa, que termina com o enforcamento de todos os que
foram considerados implicados, inicia um processo que se vem a concretizar em 1820. Nesse
ano a situação portuguesa era de crise em todos os planos da vida nacional: crise política,
causada pela ausência do Rei e dos órgãos do Governo no Brasil; crise ideológica, nascida da
progressiva difusão, nas cidades, de ideias políticas que consideravam a monarquia absoluta
um regime opressivo e obsoleto; crise económica, resultante da emancipação económica do
10
Simples hipótese de trabalho, por enquanto não comprovada.
11
Ver investigações efectuadas por FJFAB.
12
No “Dicionário da Maçonaria Portuguesa”, afirma-se que D. José António de Menezes e Sousa Coutinho,
quando membro da Junta, traiu a Maçonaria.
13
Cognominado o Patriarca da Independência do Brasil, nasceu em Santos, em 1763, e morreu em Niterói, em
1838. Entre muitas outras coisas, diplomou-se por Coimbra em Filosofia Natural (1787) e Direito Civil (1788).
Tendo regressado ao Brasil em 1819, “José Bonifácio assume grande influência nos mais altos concílios
políticos do Brasil, visando a tornar o Brasil independente de Portugal, objectivo finalmente alcançado em
7.9.1822. Começa então a fase mais agitada e gloriosa da vida de J. B. Feito ministro de D. Pedro I, a sua obra é
gigantesca, não só na preservação da paz interna como no ordenamento da vida institucional. “A actuação firme
e lúcida, a inteireza de carácter, a austeridade de J. B., dando-lhe o ensejo de exercer no Brasil verdadeira
magistratura moral, muito contribuiu para mitigar os abalos consequentes ao processo da autonomia política,
firmando os créditos da monarquia constitucional”. Ver, por exemplo, “Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira de
Cultura”.

4
Brasil; crise militar, originada pela presença dos oficiais ingleses nos altos postos do exército
e pela emulação dos oficiais portugueses, que se viam preteridos nas promoções.
A estes factores internos de inquietação somava-se a situação política de Espanha.
Durante o período das lutas napoleónicas, os resistentes espanhóis tinham aprovado uma
Constituição (Constituição de Cádis, 1812), que Fernando VII suspendeu quando regressou a
Espanha; mas, em 1820, um pronunciamento militar obrigou o Rei a voltar ao regime
constitucional.
E foi nesta conjuntura que surgiu a revolução portuguesa de 1820, afastando os
ingleses e afirmando-se liberal e anticlerical, declarando como único verdadeiro soberano a
nação e não o rei (a supremacia do poder parlamentar sobre o poder real), assim nascendo a
Constituição de 1822.
D. João VI só regressa a Portugal em 1821, já em plena revolução brasileira. Chega a
Portugal no ano seguinte à “Revolução de 1820” e, ainda a bordo, é obrigado a jurar as bases
da Constituição. Em 1823, inicia-se a contra-revolução (a revolta transmontana, “A Vila
Francada”, a “Abrilada”, movimentos que só terminam com o exílio de D. Miguel, que vai
durar até 1828). Em 1826, morre D. João VI e abre-se o problema da sucessão, entre D. Pedro
e seu irmão D. Miguel, regressado do exílio14, que conduz, após sucessivos episódios, à guerra
civil entre liberais (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel), que devasta o país entre 1828 e
1834, iniciando-se a vitória dos liberais com o desembarque na praia do Mindelo, em 1832, da
expedição organizada nos Açores por D. Pedro.

A influência dos seus companheiros e as suas qualidades, asseguram a carreira de


Manuel Affonso, que ascende, em 1802, de Cabo dos Guardas do Real Pinhal de Leiria a
Inspector da Obra das sementeiras e plantações nos areais do Couto de Lavos e,
posteriormente, é nomeado, em 1807, Director das Fábricas Resinosas 15. Publica em 1817 um
trabalho, intitulado “Memória sobre o modo de suprir com máquinas o trabalho dos braços
nos custosos e importantes serviços de roteamento dos terrenos incultos e das sachas do
milho”, com um “Apêndice sobre os produtos e rendimentos das Fábricas Resinosas dos
Pinhais Reais de Leiria”16 Elabora, em 1822, o trabalho “Reflexões e Cálculos”, sobre o
ordenamento do Pinhal de Leiria, e é nomeado, em 1824, Inspector da 1ª Divisão do Pinhal de
Leiria17, desempenhando funções como Administrador dos Pinhais de Leiria e Fábrica
Resinosa. Foi ainda, em 1847, como adiante se refere, nomeado interinamente Administrador
Geral das Matas do Reino.

QUADRO II

14
D. Pedro pensou resolver o problema abdicando a coroa portuguesa numa filha, Maria da Glória, então com
sete anos, na condição que em Portugal fosse jurada uma nova constituição, a Carta Constitucional, e que seu
irmão D. Miguel casasse com a pequena rainha, sua sobrinha.
15
Neste ano e nesta qualidade, Manuel Affonso é convidado para ir ao Laboratório da Universidade de Coimbra
para apresentar algumas experiências sobre o fabrico de Água-raz, demonstrando perante José Bonifácio, lente
de Mineralogia, Tomé Rodrigues Sobral, lente de Química e António José das Neves, de Botânica, as vantagens
económicas dos seus métodos de distilação. “Em consequencia deste resultado, veio elle a Lisboa mandar
construir hum alambique com alguns outros utensílios próprios, o que tudo achando-se nos armazens da Fabrica,
pereceo no incendio de 1810...”. Informações e citação retiradas do já citado “O Pinhal do Rei”. Este incêndio
foi ateado pelas tropas francesas e queimou e destruiu, também, parcialmente, a fábrica “Irmãos Stephen’s”.
16
Trabalho oferecido ao Sr. Rodrigo Barba Correia Alardo, Alcaide Mor de Leiria e Administrador dos Pinhais
Reais. Neste trabalho o autor identifica-se como Manoel Afonço de Barros.
17
“Este prático florestal tinha manuscrito em 1822 as suas “Reflexões e Calculos” publicadas em 1908 na
Figueira – Tipografia Popular e deve ter contribuído para que D. Maria II em 1842 mande proceder a uma
“Estatística de tôdas as Matas e Pinhais Nacionais” e em 1847 se mande regular o sistema de cortes, dividindo-se
o pinhal em talhões, cortando-se um cada ano e deixando no mesmo talhão algumas árvores de distância em
distância – os sementões”. Ver “O Pinhal do Rei”, já citado.

5
João Manuel Affonso da Costa Barros (1798-1850)
C.
Antónia Emília da Piedade Gândara

Maria José Affonso da Costa Barros (1799-1837)

Carlota Emília da Costa Affonso de Barros (1801)

Emília Carlota Affonso da Costa Barros (1803)


C.
Francisco de Paula Virgolino

Manuel Affonso da Costa Barros (1805)18


C.
Emília da Conceição e Silva

José Affonso da Costa Barros (1807)


Manuel Affonso da Costa
de Barros (1766-1848) Affonso Manoel da Costa Barros (1809)
C.
Marianna Joaquina Vieira Joaquim Affonso da Costa Barros (1811)19
C.
Fausta de Sá Batalha

Marianna Affonso da Costa Barros (1813)

Jacintho Affonso da Costa Barros (1815)

Joanna Maria Emília Affonso da Costa Barros (1817)


C.
José Simplício d' Aquino e Sousa20

António Affonso da Costa Barros (1819)

Francisco Affonso da Costa Barros (1821)21


C.
Joaquina da Piedade Jesus de Carvalho

Maria Emília Affonso da Costa Barros (1827-1827)

JOÃO MANUEL
Apogeu e Queda

18
Era, em 1861, “Ajudante Fábrica Cortumes” ou “Ajudante Fábrica Cristal” . “V. A Irmandade ...”.
19
Foi escriturário na Real Fábrica de Vidros. V. “Genealogia do Eng.º Manuel Gaspar de Barros ”, de Heitor
Silveira da Silva.
20
Filho de Tomás de Aquino e Sousa, natural da Marinha Grande, membro da Sociedade Patriótica Lisbonense
(Eleitor de Província).
21
Era, em 1859, Mestre da Fábrica de Resinosos. V. “Genealogia ....”.

6
Em 1820 já o filho mais velho de Manuel Affonso, João Manuel, tem 22 anos e a
profissão de serralheiro22, que exerce na fábrica de vidraria "Irmãos Stephen's", na Marinha
Grande. João Manuel é um exemplo da “burguesia operária” que se afirma com o liberalismo
em vilas industriais, como a Marinha Grande.
Entre 1815 e 1827, representa, por três vezes, José Joaquim de Castro, na cerimónia de
baptismo dos seus irmãos mais novos. José Joaquim de Castro, negociante como seu pai,
liberal e maçon,23 é perseguido pelos miguelistas, tem que se exilar e, provavelmente,
desembarca no Mindelo e participa no cerco do Porto. Deputado por diversas vezes a partir de
183424.
Em 1831 a sua filha Mathilde tem como padrinho Joaquim Pedro de Quintela, (1801-
1869), 2º Barão de Quintela e 1º Conde de Farrobo 25, que tomara de arrendamento, entre 1827
e 1847, a exploração da fábrica "Irmãos Stephen's". Liberal, recusou-se a contribuir para o
empréstimo decretado por D. Miguel, saiu de Lisboa, só regressando após 1834, terminada a
guerra civil. Com ligações à Maçonaria, era em casas suas que, pelo menos até 1823, se
reuniam lojas maçónicas26.
João Manuel, maçon27, como seu pai, envolve-se naturalmente no movimento liberal.
Homem de cultura, embora operário, ascende a Mestre na fábrica vidreira, e dele dizia Pinho
Leal: “Não posso falar n'esta fábrica sem que me venha à memória João Manuel Affonso de
Barros, que foi seu mestre. Nunca vi um homem que a tão espantosa habilidade reunisse tanta
modéstia e docilidade. Para elle não havia difficuldades nem mesmo impossíveis. Fazia com a
máxima perfeição tudo quanto imaginasse fazer, por maior que fosse a complicação do
objecto. Causava verdadeira admiração ver este homem singularíssimo largar a goiva, ou o
formão, com que trabalhava no torno mecânico, ou outro qualquer instrumento pesado, e
pegar na penna e escrever desembaraçadamente uma carta em bellissima letra; como eu
mesmo vi. Juntam-se a estas tão notáveis qualidades, uma intelligencia provada, variada
instrução, trato afabilíssimo, honradez a toda a prova e uma figura sympathica, e eis o homem
por quem a Marinha Grande sempre chorará” 28.
E, assim, João Manuel e seu pai chegam a 1834, julgando ter, finalmente, atingido
uma época de paz e liberdade para Portugal.
Mas, em 1834 morre D. Pedro, que governava como regente, e, começado o reinado
de D. Maria II, Portugal envolve-se na guerra civil de Espanha. Em 1836, dá-se a “Revolução
de Setembro”, em 1837, a revolta dos marechais29, em 1838 é aprovada nova constituição, em
1840 inicia-se o primeiro período do “Cabralismo”, que termina com a revolta popular da
22
Ver investigação de FJFAB (Certidão de casamento de seu filho Francisco Manuel).
23
Aparece como pertencente à Sociedade Patriótica Portuense, de obediência ao Grande Oriente Lusitano, criada
no Porto em 1822 e extinta em 1823.
24
Visconde em 1848 e 1º Conde de Castro, fez parte de vários governos do Reino entre 1842 e 1866.
25
Era filho do 1º Barão de Quintela, com o mesmo nome. Este foi Alcaide-mor de Sortelha, Senhor da Vila de
Préstimo, Fidalgo da Casa Real, membro do Conselho da Rainha, etc., etc., Concessionário dos Reais Contratos
do Tabaco, diamantes, azeites de peixe e de baleia, das fábricas de lanifícios do Fundão e da Covilhã, etc., etc.,
possuidor, pois, duma colossal fortuna. O 1º Barão, nascido em 1748 e falecido em 1817, era maçon, iniciado no
estrangeiro, pertencente em Portugal a Loja desconhecida. A sua atitude durante as “Invasões Francesas”, criou-
lhe alguns problemas com os “ingleses”, que o consideraram “colaboracionista”.
26
Tendo herdado a concessão dos Reais Contratos do Tabaco, “era crença da Polícia de que um dos pólos
aglutinadores da Maçonaria portuguesa se situava no seio da Administração do Contrato do Tabaco, contrato
este “arranjado e urdido com tanta astúcia e tamanha lesão”, que “pode dizer-se celebrado de propósito para
servir a Maçonaria. Ver História da Maçonaria em Portugal”. Aí se acrescenta, ainda: “Os contratadores
principais são mações conhecidos e todos os seus agentes de algum vulto". E, concluindo, o Relatório afirmava
“que os mações, não colectiva mas individualmente, trabalham de maneira a que podem, para outra vez,
transtornar o governo legítimo felizmente restabelecido neste Reino; que os mações não têm, por ora, centro de
união; mas que o Contrato do Tabaco pode vir a ser este centro se não se tolher essa possibilidade.”
27
Não existe ainda documento comprovativo.
28
Dicionário “Portugal Antigo e Moderno”, de Pinho Leal, edição de 1875, págs. 78, citada por Henrique de
Barros em “Quase um Século... Memórias Sintéticas”.

7
“Maria da Fonte” em 1846, a que se segue a guerra civil da “Patuleia”, que termina em Junho
de 1847, por imposição estrangeira (Inglaterra e Espanha), assegurando o triunfo da linha
ordeira e conservadora, liquidando assim o espírito do setembrismo, nascido com a revolução
de 1836. O poder entra na fase dos rotativismos, inicialmente entre Saldanha e Costa Cabral,
entre históricos e regeneradores, que, apesar de mais alguns episódios de rua e das mudanças
de protagonistas, asseguram alguma estabilidade ao país quase até ao fim do século.
Em 1842 José Joaquim de Castro torna-se membro do governo do reino, nele
permanecendo, quase ininterruptamente, até 186630, recebendo o título de Visconde em 1848
e tornando-se em 1862 no 1º Conde de Castro31. E Joaquim Pedro de Quintela, 1º Conde de
Farrobo, afirma-se como uma das personalidades mais marcantes da sua época, ligado a todas
as novas iniciativas industriais32, considerado o maior mecenas do seu tempo, afirmando-se
como artista de mérito33.
Depois dos difíceis anos vividos entre 1807 e 1834, os Barros vêem finalmente surgir
o seu tempo e, de novo, a chegada ao poder dos seus amigos e compadres. E tal é confirmado
com a nomeação de Manuel Affonso da Costa Barros, em 1847, para Administrador Geral das
Matas do Reino34, então já com 80 anos.
Infelizmente, a vida de seu filho mais velho, João Manuel, fora perturbada uns anos
antes. “A perda de um filho estremecido (o mais novo) de tal sorte lhe minou a existência, que
pouco lhe sobreviveu”35. Quando adoece João Manuel tinha oito filhos, o mais velho, com
pouco mais de 20 anos, e o mais novo, mal sabendo andar 36. E a situação agrava-se com a
suspensão da laboração da Fábrica entre 1 de Junho de 1847 a 22 de Outubro de 1848, que
deixou a população da Marinha Grande sem dinheiro e sem trabalho37.
.

29
Neste ano de 1837 dá-se a primeira elevação da Marinha Grande a concelho, que não perdura mais de 6 meses.
Quase de imediato foi formada no novo Concelho uma Companhia Avulsa da Guarda Nacional, que ficou sob o
comando de João Manuel Affonso de Barros. V. “A Irmandade ...”, já citada.
30
Secretário de Estado dos Estrangeiros em 1842/46, 1848/49, 1865/66, da Marinha, 1848/49, e das Obras
Públicas, em 1865/6
31
A seguir à vitória militar liberal, são extintas as ordens religiosas, confiscados os seus bens, posteriormente
vendidos em hasta pública. Começa a surgir uma nova aristocracia, de origem burguesa e empresarial.
32
Arrematante do contrato do tabaco e do sabão, co-proprietário da Companhia das Lezírias do Tejo e do Sado,
ligado a fábricas de fiação e sedas a vapor, de produtos químicos da Verdelha, às minas de carvão de pedra do
Cabo Mondego, à Companhia das Vinhas do Alto Douro, às Companhias dos Omnibus e do Gás de Lisboa, à
Empresa de Caminhos de Ferro do Leste, às Companhias de Seguros Bonança e União Industrial e ao sector das
obras públicas (obras da barra da Figueira da Foz e ponte pênsil do Douro).
33
Homem de grande actividade no campo das artes, cantor e excelente executante de orquestra, perito em
trompa. Foi também presidente da Academia de Música, empresário do Teatro Nacional de S. Carlos e, em 1848,
Inspector-Geral dos Teatros. Mário de Almeida, em “Lisboa do Romantismo”, datado de 1916, descreve-o
assim: “No palácio (refere-se ao Palácio do Conde de Farrobo, às Laranjeiras), vivia um homem, o mais curioso
homem do seu tempo, d’uma actividade prodigiosa, perdulário, artista, dilletanti, agindo n’uma febre
dissipadora, subsidiando regimens, alimentando revoluções, invocando, inventando, deslumbrando,
endoidecendo d’assombro a Lisboa de 40 com excentricidades que ella julgava inspiradas por Satanaz, perdendo
fortunas, reconquistando-as. Pintor, poeta, empresário, músico, commerciante, industrial, um Frégoli
d’actividades, mordendo em todos os fructos, impaciente, ávido de novidade, largando o violoncello em que
decifra Haendel ou Mozart para correr à barra da Figueira, onde sonha immensos trabalhos d’açoreamento (...)”.
Veio a falecer totalmente arruinado, por má administração, em 1869.
34
V. “Memórias”, de Manuel Gaspar de Barros, edição do Autor, 1982 .
35
Pinho Leal, obra citada. A informação disponível não permite confirmar esta afirmação. O filho mais novo que
se identificou até esta data, Emygdio, casou em 1877, quando a morte de João Manuel se presume, com bastante
segurança, em 1851. Dos nove filhos identificados, apenas se regista o óbito, antes de 1851, de Frutuoso, em
1841.
36
Árvore completada com a investigação de FJFAB.
37
Em 23 de Outubro de 1848 o Estado celebrou um novo contrato de concessão com Manuel Joaquim Afonso,
também conhecido só por Joaquim Afonso (que tomou como sócio o seu cunhado José da Silva Virgolino) por
um período de dez anos. Manuel Joaquim Afonso possuía então uma fábrica de vidros, em Vieira de Leiria.

8
QUADRO III

João Affonso de Barros (1826-?)

Angélica Hedwig Affonso de Barros (1827-192..)

Francisco Manuel Affonso de Barros (1830-1893)


C.
Maria José de Jesus Carvalho

Mathilde Lúcia Affonso de Barros (1831-192..)


C.
Joaquim Emílio de Sousa Lopes
João Manuel Affonso da
Costa Barros (1798-1850) Marianna da Conceição Affonso de Barros (1834-192..)
C.
Antónia Emília da Piedade Affonso Ernesto de Barros (1836-1927)
Gândara C.
Mariana da Assumpção da Costa Guia

Frutuoso Affonso de Barros (1838-1841)

Joaquim Manuel Affonso de Barros (1841-1907)


C.
Maria da Conceição de Jesus de Sousa

Emygdio Affonso de Barros (1844 -?)


C.
Filipa da Conceição

Aflito com a depressão nervosa que atingira o seu filho, Manuel Affonso tenta ajudar
os netos a arranjar emprego, conseguindo levar para o Pinhal de Leiria o 3º, Francisco
Manuel, que chegou a Mestre38, e pedindo a amigos seus para tomarem conta do 6º, Affonso
Ernesto. Na Figueira da Foz vivia o General Roque Furtado de Mello39, (filho dum magistrado
com o mesmo nome, bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, da mesma idade que
Manuel Affonso, companheiro deste na Maçonaria40 e nos combates travados pelos liberais41,
e genro dum dos militares participantes e determinantes do sucesso da Revolução de 1820,
Silva Berredo42, também da mesma geração). O General era amigo e compadre duma família
inglesa, os Rendell43, que era proprietária duma empresa que desenvolvia a sua actividade no
comércio de bacalhau, possuindo grandes armazéns, e vendo o General a aflição dos seus
amigos da Marinha Grande, pediu aos ingleses44 para empregarem o jovem Affonso Ernesto.

38
Certidão de casamento, em 1877, de seu irmão Emygdio, então guarda do Pinhal, que convidou seu irmão
Francisco Manuel para padrinho. Ver investigação de FJFAB.
39
Era Comandante-Militar do Forte da Figueira.
40
Foi deputado pela Terceira em 1820. Pertenceu à Sociedade Literária Patriótica, de obediência ao Grande
Oriente Lusitano, e à Sociedade Patriótica Lisbonense, constituída por dissidentes do Grande Oriente Lusitano e
aderentes à chamada Maçonaria do Sul.
41
Não existem ainda documentos comprovativos.
42
José Pereira Leite de Berredo, liberal, maçon, comandante do Corpo de polícia do Porto em 1820, exilado por
diversas vezes entre 1824 e 1832.
43
Informações prestadas por Gonçalo Santa-Rita, bisneto de Affonso Ernesto. Mrs. Rendell era madrinha de
Lucrécia Furtado de Mello, filha do General.

9
De acordo com o imaginário familiar, arrancou a pé, com a trouxa às costas, pelo areal
fora, a caminho da Figueira da Foz, para ir trabalhar na Rendell & Co. 45. Tinha doze anos.
Nesse mesmo ano, de 1848, morre o seu avô Manuel Affonso e, dois anos depois,
apenas com 53 anos, morre seu pai, João Manuel.

AFFONSO ERNESTO
O Último Patriarca

O jovem Affonso Ernesto inicia a sua vida profissional quase em simultâneo com o
começo do período chamado da Monarquia Burguesa (1851-1890). A evolução portuguesa,
apesar do enorme atraso técnico em relação aos países desenvolvidos, faz-se com obediência
às mesmas linhas gerais que caracterizam a Europa desta época.
Também aqui o processo de expansão económica se iniciara e procurava criar as
condições políticas permissivas do seu desenvolvimento. As questões africanas, incluídas nos
programas do Governo desde a revolução de Setembro, ganham um relevo progressivo, e a
política colonial portuguesa exerce-se em concorrência com a pressão das grandes potências
europeias. A venda dos Bens Nacionais, iniciada em 1834, desbloqueara uma parte muito
considerável dos meios de produção tradicionais e constituía um passo decisivo no processo
incipiente de formação do novo capitalismo desde que se reunissem algumas condições
básicas: estabilidade política, vias de comunicação que permitissem o transporte dos produtos
aos mercados, crédito bancário para financiamento da produção. Entre as classes proprietárias
estabelece-se um acordo tácito a estas condições, que se sobrepõem aos enunciados políticos
de cada partido.
O primeiro Governo de Costa Cabral foi já um resultado dessa pressão dos interesses
sobre os credos partidários. Por isso, o colapso do cabralismo provocou imediatamente a
rotura do crédito, a perda de confiança nos empreendimentos e a suspensão das obras
públicas. Mas, passada a crise momentânea, o processo voltou a reatar-se e a orientar-se no
mesmo sentido: paz política, bancos, comboios.
Em 1853 morre a rainha D. Maria II e as Cortes escolhem o rei consorte, D. Fernando,
como regente, até à aclamação de D. Pedro V em 1855.
Entretanto, Affonso Ernesto, aprendendo no trabalho e estudando sozinho, torna-se um
competente guarda-livros e adquire grandes conhecimentos de português, inglês e francês. Já
homem, no princípio ou em meados da década de sessenta, pretende casar, mas o patrão, o Sr.
Rendell, achou que ele ainda não tinha situação profissional que lhe permitisse constituir
família. Affonso Ernesto sai da Empresa, vai a Coimbra fazer exame de inglês e volta para a
Figueira, como professor desta língua.
No país morre em 1861 o Rei D. Pedro V, que deixa obra notável: a criação do Curso
Superior de Letras, a introdução do telégrafo eléctrico e do caminho-de-ferro, a abolição da
pena de morte e da escravatura. Sucede-lhe D. Luís.
Passado algum tempo, os patrões vão de novo buscar Affonso Ernesto de Barros, que
se torna no “homem de confiança” da família Rendell. Após a morte dos Srs. Rendell,
Affonso Ernesto de Barros, pela aquisição da respectiva sucessão, tornou-se no único dono da
Rendell & Co46.

44
Os antecedentes e os acontecimentos posteriores a este episódio, sugerem que tanto o General Furtado de Melo
como o senhor Rendell tinham ligações à Maçonaria, tal como Manuel Affonso e João Manuel.
45
Embora nada confirme tal versão, que se julga, evidentemente, exagerada, ela corresponde a uma antiga
transmissão oral. Também no bissemanário figueirense “A Voz da Justiça”, n.º 2.496, ano 25º, de 16 de Março
de 1927, se pode ler “..o pai do Sr. Visconde da Marinha Grande tinha numerosos filhos e, por isso, este saiu da
Marinha Grande aos 12 anos de idade para vir procurar nesta cidade colocação onde pudesse, para aliviar seu
pai, prover à sua subsistência”.

10
Reconhecido o seu sucesso como empresário, contribuiu para o desenvolvimento da
Cidade da Figueira da Foz, tendo exercido intensa actividade cívica, como provedor da
Misericórdia (de 1882 a 1920), presidente da Associação Comercial, fundador do Montepio
Figueirense, director da Assembleia Figueirense, principal fundador do Teatro Príncipe D.
Carlos (em 1874) e do Jardim-escola João de Deus, presidente do Senado Municipal. Foi,
também, vice-cônsul do Brasil e da França, funções que acumulou, e exerceu durante dezenas
de anos, quanto ao primeiro dos dois países.
Ainda no reinado de D. Luís, a contestação da monarquia institucionaliza-se, com a
fundação, em 1875 e 1876, dos partidos Socialista e Republicano. D. Luís morre em 1889 e
sucede-lhe seu filho, D. Carlos. Logo no ano seguinte o ultimato inglês para a retirada das
tropas portuguesas das regiões centrais de África, entre Angola e Moçambique, desencadeia
grande reacção popular, que se processa já num ambiente de crise política, social e
económica. E o reinado de D. Carlos irá ficar marcado pelo malogro do projecto da “Vida
Nova”, pelo desgaste dos grandes partidos, pelo progresso da ideia republicana.
Em Lisboa, no fim da década de 80, o Partido Republicano era dominado por José
Elias Garcia e Jacinto Nunes. Em 1887, estes dois, com Teófilo Braga e Magalhães Lima ao
lado, decidem acabar com o Partido. Porém, os mais extremistas do Partido Republicano de
Lisboa, reunidos no chamado “Clube do Pátio do Salema” 47, com Manuel de Arriaga à frente,
embaraçam José Elias e os outros, adiando as manobras para a diluição do partido, que ficam
definitivamente comprometidas com o Ultimato.
Manuel de Arriaga, Manuel d’Arriaga e Mello Brun da Silveira, açoreano, advogado,
nascido em 1840, enquanto estudante em Coimbra assumira o ideário do revolucionarismo
liberal e nacionalista de 1848, quebrando as tradições da família com o seu declarado laicismo
demo-liberal. Contrariamente à maioria dos dirigentes do Partido Republicano, não estava
ligado à Maçonaria, o que lhe criou conflitos e inimizades em todo o seu percurso político.
Manuel de Arriaga casa com Lucrécia Furtado de Mello, afilhada de Mrs. Rendell e filha do
General Roque Furtado de Mello48, que tinha ajudado Affonso Ernesto, em 1848, quando da
doença de seu pai e da morte de seu avô.
Por tradição e convicção, Affonso Ernesto de Barros mantém as ligações familiares à
Maçonaria49, e combate pelos seus ideais, quer na sua vida profissional, quer na sua actividade
política50. Influente local, chefia, na Figueira, o Partido Regenerador (de Fontes Pereira de
Mello) e assume em 1890, na sequência dos radicalismos resultantes do Ultimato, a
presidência do núcleo local da Liga Liberal, uma espécie de “partido republicano” sem o
46
Informações recolhidas no bissemanário figueirense “A Voz da Justiça”, n.º 2.496, ano 25º, de 16 de Março de
1927. Aí se refere, também, que Affonso Ernesto continuou sempre a ser muito considerado pela família
Rendell, mantendo relações de amizade com alguns dos seus membros.
47
Também conhecido como Clube dos Lunáticos, cujo líder era José Elias Garcia, que foi grão-mestre da
Federação Maçónica Portuguesa e grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido.
48
Talvez se tivessem estabelecido relações familiares entre os Arriaga e os Furtado de Mello na época em que o
pai do General foi deputado pela Terceira.
49
Não existe ainda documento comprovativo. Está, apenas, comprovado que em 1907, provavelmente não sendo
já membro activo de qualquer Loja, é-lhe afirmado o compromisso da Loja Fernandes Tomás “de defender
sempre a eleição do Provedor daquela Santa Casa (da Misericórdia), Afonso Ernesto de Barros, Visconde da
Marinha Grande, enquanto este quiser ser provedor da referida irmandade, inscrevendo-se todos os Irmãos que
queiram e possam como Irmãos desta Irmandade, reconhecendo-se assim os relevantes serviços que o mesmo
provedor... tem prestado ao aludido hospital (já com o tempo que perde, já pecuniariamente e ainda) porque se
tem sempre oposto a que no mesmo hospital sejam admitidas como enfermeiras as tais irmãs de caridade,
agentes do fanatismo”. V. “A Loja Fernandes Tomás, n.º 212 da Figueira da Foz (1900-1935). O Arquivo e a
História”. Isabel Henriques, Divisão de Museu, Biblioteca e Arquivo da Câmara Municipal da Figueira da Foz,
2001. Na mesma obra inclui-se a Misericórdia da Figueira entre as instituições “PARAMAÇÓNICAS”, que são
definidas como: “todas as instituições que a Maçonaria criou e dirigiu, fomentou ou protegeu e de que se serviu
para intervir no mundo profano, como órgãos de propaganda dos seus ideais”.
50
Segundo o já referido bissemanário figueirense “A Voz da Justiça”: “Espírito rasgadamente liberal, tolerante e
democrático, como tal se manifestou sempre desassombradamente.

11
“republicano”. A Liga, escorada numa loja maçónica 51 e promotora dum “radicalismo” de
proprietários, lojistas e profissões liberais, defendia todas as medidas que caracterizavam os
programas da esquerda durante o século XIX; só não vinha a proclamação da República por
ser considerada supérflua, uma vez alcançados os outros objectivos, o que classificava a Liga,
em matéria de tendências de opinião, na área da “Monarquia Liberal”. O Estado, com os seus
políticos corruptos e a sua corte dissipadora, era o principal inimigo da burguesia.
Mas Affonso Ernesto, enquanto presidente do núcleo local da Liga Liberal, determina
que a sua acção se exerça sobretudo pela difusão da instrução popular, afirmando uma
coerência que caracteriza toda a sua vida pública52.
Em 1897, o rei D. Carlos distingue Affonso Ernesto de Barros com o título de
Visconde da Marinha Grande53, reconhecendo assim as suas qualidades como empresário e
cidadão e confirmando a sua ascensão à burguesia liberal.
Mantendo sempre relações de gratidão e amizade com as famílias Rendell e Furtado
de Mello, Affonso Ernesto vem a conhecer, através deles, Manuel de Arriaga. No início do
século XX, assiste ao casamento do seu filho Henrique Raimundo com Maria Cristina, neta
do General e filha de Manuel de Arriaga.
Influente na Figueira da Foz e membro duma loja maçónica, Affonso Ernesto
relaciona-se também com Bernardino Machado, pelo que é com a maior naturalidade que
adere à República em 1904, assumindo-se como um dos dirigentes locais do Partido
Republicano54 e 55. Mas continuou sempre a assinar e a ser tratado como Visconde da Marinha
Grande, entendendo que não prescindia de um título ganho numa vida de trabalho56.
Affonso Ernesto de Barros casou com Mariana da Assumpção da Costa Guia, de quem
teve cinco filhos. Ficou viúvo e voltou a casar com Maria Augusta Curado, de quem não teve
filhos57.

QUADRO IV

Palmira de Barros (1868-1949)


C.
Felipe Nery da Silva Pinto

Henrique Raimundo de Barros (1871-1928)


C.
Maria Cristina d’Arriaga

51
José Pinheiro de Melo, personagem influente da Liga, foi fundador da Associação dos Lojistas em 1870. Era
um mação, em 1904 Grande-Tesoureiro do Grande Oriente Lusitano Unido. Aderiu ao Partido Republicano
Português em 1910. Na qualidade de Grande-Tesoureiro assina a investidura de José Carlos de Barros no grau de
Eleito Secreto, conforme se refere adiante.
52
“Espalhar a instrução em todas as classes da sociedade”, constituía uma das principais missões da Maçonaria,
“e o número e a qualidade das instituições criadas pela Maçonaria para promover a instrução foram prova de que
doutrina e prática se aproximavam”. Ainda no Congresso Maçónico Nacional de 1914, no Porto, se
“reivindicava a "instrução popular" como uma causa fundamentalmente maçónica”.
53
Título concedido em uma vida, por Decreto de 30 de Junho de 1897, segundo o Anuário da Nobreza
Portuguesa.
54
Ver Henrique de Barros “Quase um Século... Memórias Sintéticas”, já citado.
55
No Sexto Volume da “História de Portugal - Direcção de José Mattoso”, pode ler-se: “Os historiadores da
República não se têm esquecido de descrever a ligação entre a organização republicana e a organização
maçónica, sobretudo em termos de personagens que pertenciam a uma e outra. Mas, talvez pela receio de repetir
a mania dos escritores reaccionários de atribuir as revoluções aos manejos satânicos da seita maçónica, não se
tem reparado no quanto o projecto republicano tinha que ver com o projecto maçónico de fraternidade
universal”.
56
Ver Henrique de Barros “Quase um Século... Memórias Sintéticas”, já citado.
57
Sobre a figura do Visconde da Marinha Grande, ver as fontes já referidas e, ainda, o livro “Cartas a João de
Barros”, selecção, prefácio e notas de Manuela de Azevedo, Livros do Brasil, 1971.

12
Affonso Ernesto de Barros José Carlos de Barros (1874-1944)
C. C.
Mariana da Assumpção da Antónia Teixeira de Queiroz
Costa Guia
João de Barros (1881-1960)
C.
Raquel Teixeira de Queiroz

Leonor de Barros (1882-1964)


C.
Manuel Gaspar de Lemos

E no País sucedem-se, neste princípio de século, diversos acontecimentos de enorme


influência na vida política.
O desgaste dos grandes partidos, que anteriormente se referiu, e as suas diversas
dissidências, que inviabilizam o rotativismo, levam D. Carlos, em 1906, a incumbir João
Franco, dissidente do Partido Regenerador, com fama de honestidade, político enérgico,
autoritário e com ideias modernizadoras e reformistas, a formar governo.
Mas, os finais do ano e o ano seguinte foram marcados por grande agitação
republicana, no Parlamento e nas ruas. Em Maio de 1907, no seguimento de uma greve
académica generalizada a todo o País, o Governo manda encerrar as câmaras, desencadeando
uma reacção enérgica e violenta de reprovação de todas as forças políticas. A ditadura
franquista mobiliza contra si desde os velhos conservadores aos activistas da Carbonária 58,
sucedendo-se as acções de violência nas ruas e conspirando-se em tentativas de revoluções
republicanas.
O Governo intensifica a repressão e prepara um decreto autorizando a expulsão para
fora do País, ou o degredo nas colónias, dos inculpados em crimes contra a segurança do
Estado. O Rei assina o decreto, em Vila Viçosa, em 31 de Janeiro de 1908. No dia seguinte,
ao regressar a Lisboa, é morto a tiro, tal como o príncipe real, D. Luís Filipe.
Muito jovem e impreparado, D. Manuel sobe ao trono e sucedem-se os Ministérios –
sete até Outubro de 1910. Entretanto a Carbonária deixa de ser um pequeno movimento
clandestino e terrorista para se tornar na grande alavanca popular da revolução republicana e a
Maçonaria, o Partido Republicano Português e as organizações livre-pensadoras surgem, em
1910, como as três faces do mesmo movimento.
E é durante a última década do século XIX e a primeira do século XX que começam a
afirmar-se os Barros da nova geração. Naturalmente, o último Patriarca transmite aos seus
filhos os seus ideais. Tanto Henrique Raimundo, como José Carlos e João e, até, o seu genro,
Manuel Gaspar de Lemos59, são membros da Maçonaria e, naturalmente, partilham dos ideais
republicanos60.
58
“A Carbonária” era uma sociedade secreta revolucionária fundada na Itália por volta de 1810 e em Portugal
por volta de 1822. Embora ainda não muito estudado, torna-se lícito falar em internacionalismo liberal, pois
existiu um real objectivo em unir politicamente “nações livres e os povos constitucionais”, a partir de 1820.
Liberais e membros de associações secretas (sobretudo a Carbonária) italianos, franceses, ingleses, espanhois e
portugueses promoveram infatigavelmente essa ideia até 1830. A Carbonária Lusitana funcionava em Coimbra,
mas não teve uma existência regular. Reorganizada em 1848, extinta em 1850, reaparece em 1862. Na sequência
das manifestações contra o Ultimato, fundou-se em Coimbra, em 1890, o Clube Republicano Académico, à
revelia da direcção de Lisboa do Partido Republicano, e organizaram-se carbonárias para preparar uma
revolução. Nalguns períodos da sua existência em Portugal, a Carbonária exigia aos seus membros uma prévia
iniciação na Maçonaria.
59
Sobre o seu outro genro, Felipe Nery da Silva Pinto, Conservador do Registo Predial, não se obtiveram
informações.
60
“Os republicanos não eram maçãos apenas por uma questão de organização. O republicanismo era
intrinsecamente maçónico.” “A República significava a iniciação em massa de toda a sociedade. “Liberdade,
Igualdade, Fraternidade”, segundo Sampaio Bruno, mais do que conceitos singelamente políticos, constituíam

13
Henrique trabalhou na casa comercial de seu Pai, Rendell & Co., e foi professor de
inglês na Escola Comercial e Industrial61. Viveu na Figueira da Foz, onde participou na
fundação e nas actividades de sociedades cívicas, recreativas e de benemerência. Foi membro
da Maçonaria62, presumindo-se que tenha pertencido à Loja Fernandes Tomás, desta Cidade.
José Carlos estudou em Coimbra, bacharel em Filosofia e licenciado em Matemática, e
na Suíça, em Lausanne, onde fez o curso de engenheiro electrotécnico. Trabalhou em Madrid,
em Lisboa e na Figueira, nesta cidade na Rendell & Co, até 1918, altura em que regressou a
Lisboa, onde viveu até falecer. Foi membro da Maçonaria, iniciado em data e local
desconhecido, investido no grau de Eleito Secreto (4º) (O Grande Oriente Lusitano Unido) em
1904, pertencendo à Loja Fernandes Tomás. Em 1907, O Grande Oriente Lusitano Unido faz
saber que José Carlos de Barros, com o nome de guerra Neper, da Loja Fernandes Tomás,
possui o grau de Cavaleiro da Rosa Cruz 63 e 64. De 1903 a 1910, pertenceu à Loja Fernandes
Tomás, Bernardino Machado (1851-1944), ex-Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano
Unido, que depois de ter sido deputado e ministro pelo Partido Regenerador, aderiu ao ideal e
ao Partido Republicano em 1903. Após 1911, foi deputado, senador, ministro e presidente da
República.
Manuel Gaspar de Lemos (1874-1967), advogado na Figueira da Foz, estudou em
Coimbra. Influente local, tal como seu sogro, teve acção de relevo no campo da educação,
devendo-se-lhe a criação dos jardins-escolas da Figueira da Foz, o primeiro em 1914, com o
apoio do seu sogro e do seu cunhado, João. Republicano, foi presidente da Câmara Municipal
da Figueira, senador, vice-presidente e presidente do Senado e ministro. Pertenceu ao Partido
Democrático. Na Maçonaria, foi iniciado em Tavarede, em 1909, com o nome simbólico de
Voltaire, transitando depois para a Loja Fernandes Tomás65.
Mas foi João, o filho mais novo de Affonso Ernesto, que mais se evidenciou como
representante da linha ideológica familiar. Temperamento apaixonado, inteligência viva,
alegria permanente66, recebe da vivência familiar a paixão do mar e do Brasil e a paixão pela
instrução popular, pela educação do povo.
Homem de cultura, enquanto estuda em Coimbra67, donde sai bacharel em Direito em
1904, publica 4 livros de versos. Entusiasma-se pela actividade política ainda estudante,
sente-se atraído pelos ideais revolucionários da Carbonária, mas rapidamente se dedica a

um “ternário sagrado”.
61
Exerceu também o cargo de secretário particular do Presidente da República, Manuel de Arriaga, de
Procurador à Junta Geral do Distrito e de vice-cônsul do Brasil (v. “A Loja Fernandes Tomás, n.º 212 ...”, já
citada).
62
Informação do seu neto Henrique Santa-Rita, confirmada pelo estudo anteriormente citado: pertenceu ao
Triângulo n.º 2 da Figueira e foi fundador da Loja Fernandes Tomás em 1900; foi Venerável da Loja entre 1906
e 1908; atingiu o Grau 20º. Nome simbólico: Barnave.
63
Em 1904, era Grão-Mestre o general Luís Augusto Ferreira de Castro, que assina com o Grande-Tesoureiro,
Pinheiro de Mello, o Grande-Secretário, Feio Terenas, e o Grande-Chanceler, Alfredo César da Silva. Em 1907,
era Grão-Mestre Francisco Gomes da Silva, que assina com o Grande-Tesoureiro Geral da Ordem, Carlos Olavo
Corrêa de Azevedo, com o Grande-Secretário Geral da Ordem, Fausto de Quadros, e o Presidente do Conselho
da Ordem, Tomás Cabreira. O grau de Rosa-Cruz estava reservado “para o merecimento mais distinto e serviços
mais relevantes” e “era automaticamente concedido a todos os maçons eleitos para altos dignitários, veneráveis,
plenipotenciários e representantes”.
64
Documentos actualmente na posse do seu neto Luiz Manuel Crespo Queiroz de Barros. O nome de guerra
escolhido é uma homenagem ao matemático escocês que, no início do século XVII, inventou os logaritmos. José
Carlos de Barros não vem referenciado no “Dicionário da Maçonaria Portuguesa”, de A. H. de Oliveira Marques,
mas as informações obtidas são confirmadas pelo estudo de 2001 “A Loja Fernandes Tomás, n.º 212 ....”, cit.
65
As informações obtidas são confirmadas pelo estudo de 2001 “A Loja Fernandes Tomás, n.º 212 ....”, cit. Grau
20º em 1925.
66
Alegria que levava Joaquim Manso a escrever que até lhe parecia “um caso fora da natureza”.
67
Terminados os preparatórios, em 1897, veio para Lisboa matricular-se na Politécnica, preparando a sua entrada
na Escola Naval. Míope, não é admitido, e regressa a Coimbra

14
actividades mais pacíficas, embora nunca esmoreça no seu entusiasmo pela acção e
intervenção cívica e política.
Até 1910, exerce como professor do Ensino Secundário (disciplinas de Português e
Francês), em Coimbra, Lisboa e Porto. Mas é também neste período que, com o seu grande
amigo e colega de estudos em Coimbra, João de Deus Ramos, filho do poeta, do autor da
Cartilha Maternal, traçam projectos para criar uma escola nova, para espalhar o ensino através
dos jardins-escolas pelo método João de Deus.
Em 1907, João de Barros consegue que lhe seja atribuída uma bolsa pelo Governo, e
parte, acompanhado por João de Deus Ramos, estudar os sistemas de ensino em vários países
da Europa - França, Bélgica, Suíça, Inglaterra, Espanha. No regresso, colocado no Porto como
secretário da Comissão Auxiliar das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, escreve “A
Escola e o Futuro”, editada em 1908, e participa activo e combativo no II Congresso
Pedagógico, realizado em 1909. “Com estes dois trabalhos colocava-se João de Barros no
âmago da batalha republicana pela escola, a qual figurava, desde há longos anos, como uma
reivindicação essencial das forças históricas revolucionárias”68.
Coerente na acção política, adere ao Partido Republicano, e é iniciado na Maçonaria
em 1910, na loja Solidariedade, de Lisboa, com o nome simbólico de João de Deus, na mesma
loja, em que se iniciara um ano antes o seu grande amigo e companheiro de múltiplos
combates cívicos e políticos, João de Deus Ramos. Republicano e maçon 69, na senda da
família, aproxima-se, no entanto, do grupo mais radical do Partido, onde pontificavam
António José de Almeida, Afonso Costa e Brito Camacho.
Em 5 de Outubro de 1910 é proclamada a República e o Rei parte para o exílio.
Conquistado o poder, o Partido Republicano indigita um Governo Provisório,
simbolicamente presidido pelo idoso e respeitado Teófilo Braga, mas cujos verdadeiros chefes
eram António José de Almeida, Afonso Costa e Brito Camacho. Nos Negócios Estrangeiros,
está Bernardino Machado.
António José, ministro do Interior (não havia Ministério autónomo da Instrução ou da
Educação), convida João de Barros para assumir, em Lisboa, o cargo de director geral do
Ensino Primário e para colaborar na reforma do ensino. Mas a colaboração terminou em
polémica entre o Ministro e João de Barros, que contava com o apoio de João de Deus Ramos.
António José considera algumas das propostas de João de Barros demasiado radicais, e só a
custo foi travado o pedido de demissão apresentado por este.
Na boa tradição maçónica e republicana, João de Barros refere-se directamente à
experiência “cultural” da Revolução Francesa e considera a “educação jesuítica” responsável
por muitos dos males do País. Afirma-se apóstolo de uma profunda reforma educativa, que
possa não só instruir como dar nova consciência cívica ao povo português, uma “educação
republicana”, que define como uma “educação patriótica”, um “curso de cidadãos”. Lança-se
na luta contra o analfabetismo, nas campanhas pela instrução popular, na divulgação do
Método João de Deus, na criação das Escolas Móveis e dos jardins-escolas João de Deus 70.
Em linhas gerais, o pensamento de João de Barros, corresponde aos objectivos históricos da
burguesia industrial e comercial que em 1910 terminara a batalha do liberalismo, derrotando o
poder político monárquico, o Portugal Velho.
Já se referiu que os primeiros anos do novo regime são, do ponto de vista político,
marcados pela luta entre as correntes em que se dividiu o Partido Republicano logo que este
conquistou o poder. Uma corrente exigia reformas radicais impostas por métodos igualmente
radicais, apoiava-se num activo sector de opinião popular, era agressivamente anticlerical e
68
Ver Rogério Fernandes, “João de Barros, Educador Republicano”.
69
Foi também membro do Grémio Lusitano. Tais factos são referidos no livro “Cartas Políticas a João de
Barros”, selecção, prefácio e notas de Manuela de Azevedo, Imprensa Nacional, 1982 e no “Dicionário da
Maçonaria Portuguesa”, de A. H. de Oliveira Marques. Na família não existe qualquer prova documental, nem a
sua filiação foi do conhecimento familiar.
70
Sobre a acção de João de Barros nesta matéria, ver Rogério Fernandes, obra citada.

15
pretendia agir depressa. Esta tendência levou à formação do Partido Democrático, chefiado
por Afonso Costa. Uma outra mostrava-se mais branda, defendia uma linha de transigência e
conciliação com muitos interesses criados e tinha o apoio dos níveis mais altos da burguesia
republicana. Conduziu à formação dos Partidos Evolucionista (António José de Almeida) e
Unionista (Brito Camacho).
Estas dissenções tornaram-se patentes ao grande público aquando das eleições
presidenciais, em Agosto de 1911. Os partidários de António José de Almeida e de Brito
Camacho fizeram eleger Manuel de Arriaga contra Bernardino Machado, o candidato de
Afonso Costa. Nomeado, após a proclamação de República, Procurador Geral e Reitor da
Universidade de Coimbra, Manuel de Arriaga, já com mais de setenta anos, é chamado para
arbitrar os conflitos de personalidades e ideologias que atravessam a nova República,
sofrendo desde o início as consequências da animosidade que lhe votava Afonso Costa.
Desiludidos com as reacções de António José de Almeida, João de Barros e João de
Deus Ramos aderem ao Partido Democrático. João de Barros publica sucessivos livros
defendendo e promovendo as suas ideias sobre educação71, é nomeado director geral do
Ensino Secundário, cargo que acumula com o de secretário-geral do Ministério da Instrução,
entretanto criado. Ao mesmo tempo, afirma-se como poeta 72 e inicia uma campanha pela
aproximação luso-brasileira, infatigável no combate por uma política de estreitamento das
relações entre Portugal e o Brasil, que atinge o seu cume quando, em 1922, acompanha
António José de Almeida, então presidente da República, numa viagem triunfal ao Brasil.
Affonso Ernesto tem 74 anos quando a República é proclamada. Ainda activo, quer na
administração dos seus negócios, quer como Provedor da Misericórdia ou vice-cônsul do
Brasil, segue atentamente a vida política, onde familiares e correligionários, como Arriaga 73,
Bernardino Machado, o seu genro Manuel Gaspar e o seu filho João se envolvem
activamente. João que é o arauto das suas causas e dos seus amores: a instrução popular, a
aproximação com o Brasil, o Mar, a beleza, o triunfo da vida. Tem ainda energia para, em
1914, ser um dos promotores da criação do primeiro jardim-escola da Figueira da Foz. Em
1920, com 84 anos, deixa o cargo de Provedor da Misericórdia da Figueira, que exercera
durante 38 anos.
Assiste à atribulada história da 1ª República Portuguesa vivendo, de 1910 a 1917 – a
“República forte” –, em que o novo regime se justifica e aguenta mercê de uma atitude
agressiva e pouco contemporizadora, tanto no interior como no exterior; vê o regime começar
a abanar entre 1917 a 1919, dominado pelas forças de direita e subjugado pelas consequências
desastrosas da guerra, falhando nas diversas tentativas de procura de novos caminhos; e vê,
nos últimos anos da sua longa vida, entre 1919 a 1926 – a sua República aceitar compromisso
atrás de compromisso, abandonando, na prática, os princípios revolucionários de 1910 e
renovando toda uma política de hesitações e incoerências que caracterizara os finais da
Monarquia. Em 1924, numa das últimas tentativas de regressar à pureza dos princípios
republicanos, seu filho João aceita ser Ministro dos Negócios Estrangeiros, num governo
presidido por José Domingos dos Santos, acompanhado no Ministério do Trabalho por João
de Deus Ramos, mas em menos de três meses o ministério foi deitado abaixo. Em 28 de Maio

71
A Nacionalização do Ensino (1911); A República e a Escola (1914); Educação Republicana (1916); O
Problema Educativo Português (1920).
72
O Pomar dos Sonhos (1900); Entre a Multidão (1902); Dentro da Vida (1903); Caminho do Amor (1904);
Terra Florida (1909); Anteu (1912); Ansiedade (1913); Ode à Bélgica (1914); Oração à Pátria (1917); Vida
Vitoriosa (poemas escolhidos) (1919); D. João (1920); Ritmo de Exaltação (1922); Sísifo (1924).
73
Alarmado com a virulência da luta política, sobretudo após a queda do governo Bernardino Machado e a sua
substituição por um governo totalmente democrático, e cedendo a pressões dos seus amigos políticos e pessoais,
o Presidente Arriaga resolveu intervir, realizando aquilo que muitos consideraram um autêntico golpe de Estado.
Em Janeiro de 1915, provocou a demissão do governo e confiou ao seu amigo pessoal, general Pimenta de
Castro, o encargo de organizar ministério. Affonso Ernesto, então com quase 80 anos, afirmou as suas
convicções e zangou-se com a família Arriaga. Cf. “Memórias”, de Manuel Gaspar de Barros, vol. II.

16
de 1926, o general Gomes da Costa revoltou-se; em 30 de Maio o governo pediu a demissão
e, no dia seguinte, o Presidente, Bernardino Machado, renuncia ao seu mandato. A revolução
triunfara, a 1ª República chegara ao fim.
Em 12 de Março de 1927, na véspera de completar 91 anos, morre na Figueira da Foz,
Affonso Ernesto de Barros, o último Patriarca dos Barros da Marinha Grande.

Linhó, Dezembro de 2000


(com algumas actualizações posteriores)

Miguel de Barros Caetano

O texto apresentado recorreu, fundamentalmente, às seguintes fontes bibliográficas:


- “História de Portugal”, sob a direcção de José Mattoso, volume V e volume VI,
Círculo de Leitores, Lda, 1993, 1994;
- “História de Portugal”, de José Hermano Saraiva, 1993, e “História Concisa de
Portugal”, do mesmo autor, 1978, Publicações Europa-América;
- “Nova História de Portugal”, vol. XI, de Joel Serrão e de A. H. de Oliveira
Marques, Editorial Presença, 1992;
- “História da Maçonaria em Portugal”, de A. H. de Oliveira Marques, Editorial
Presença, 1989, 1989 e 1997;
- “Dicionário da Maçonaria Portuguesa”, do mesmo autor;
- “Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura”.

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