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Fábio Carvalho Leite

1891: A Construção da Matriz Político-


Institucional da República no Brasil
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0014242/CA

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Direito Constitucional e Teoria do Estado
do Departamento de Direito da PUC-Rio.

Orientadora: Prof.ª Ana Lúcia de Lyra Tavares


Co-orientador: Prof. Adriano Pilatti

Rio de Janeiro
Julho de 2003
Fábio Carvalho Leite

1891: A Construção da Matriz Político-


Institucional da República no Brasil

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção


do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Direito
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0014242/CA

Constitucional e Teoria do Estado do Departamento de Direito


do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada com nota
de louvor pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof.ª Ana Lúcia de Lyra Tavares


Orientadora
Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Adriano Pilatti


Co-orientador
Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. José Ribas Vieira


Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Paulo Braga Galvão


Departamento de Direito – UERJ

Prof. Zélia Milanez Lossio e Seiblitz


Coordenadora Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, setembro de 2003


Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e
do orientador.

Fábio Carvalho Leite


Graduou-se em Direito na Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1999. É professor e coordenador
de Direito Constitucional da PUC-Rio.

Ficha Catalográfica
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Leite, Fábio Carvalho

1891: a construção da matriz político-institucional da


república no Brasil/ Fábio Carvalho Leite; orientadora: Ana
Lúcia de Lyra Tavares; co-orientador: Adriano Pilatti. – Rio de
Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2003.

v., 218 f.; 29,7 cm

1. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade


Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito.

Inclui referências bibliográficas.

1. Direito – Teses. 2.
AGRADECIMENTOS

“Uma pesquisa sem agradecimentos é suspeita.”


Umberto Eco

À professora Ana Lucia de Lyra Tavares, exemplo de dedicação à vida acadêmica


que tanto inspira a nós outros, eternos amadores, pela confiança – que me trouxe até
aqui –, e pelo estímulo – que me faz seguir adiante.
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Ao Professor Adriano Pilatti, com quem, em um momento feliz da vida, selei uma
amizade que jamais conheceu a dúvida, pelo apoio intelectual, profissional e mesmo
emocional, nos não raros momentos de dificuldade. A esta já sólida – embora não tão
velha – amizade devo muito do que está presente neste trabalho...e, justiça seja feita,
do que não está também.

Ao Professor Luís Eduardo Melin, ser humano de qualidades excepcionais que


ultrapassam os meus elogios. Nossa amizade, um belo gesto do destino, consolidou-
se ao longo do curso de mestrado e a ele agradeço pelas conversas que respondem por
muitas das idéias contidas neste trabalho.

Ao Professor Gustavo Senechal, que, durante o período de elaboração deste trabalho,


abusou flagrantemente do direito de ser amigo. Não apenas foi compreensivo com
relação às minhas ausências junto à Assessoria Jurídica da Reitoria da PUC-Rio como
ainda estimulou o desenvolvimento desta dissertação e, ao cabo, de uma vida
acadêmica.

Aos meus amigos – grandes irmãos.

Às minhas irmãs Carla e Flávia – amigas insuperáveis.

Aos meus queridos pais Albano e Deolinda, por tudo isso.


Resumo

Leite, Fábio Carvalho. 1891: a construção da matriz político-


institucional da República no Brasil. Rio de Janeiro, 2003. 218p.
Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A presente dissertação pretende abordar a construção da matriz


político-institucional da República no Brasil, a partir do estudo das causas
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que levaram ao advento da República em 1889 e suas conseqüências na


ordem constitucional do País.

Desse modo, o trabalho pretende identificar o projeto político


representado pela Constituição de 1891 bem como investigar como este
projeto foi defendido, a partir do estudo das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave

Brasil; história; república; republicanismo; constituição;


constitucionalismo.
Abstract

Leite, Fábio Carvalho. 1891: a construção da matriz político-


institucional da República no Brasil. Rio de Janeiro, 2003. 218p.
Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The present work intends to analyze the building of the political


framework of Brazil’s republican institutions, through the study of the causes
to the Republic advent in 1889 and its consequences to Brazilian
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constitutional order.

In this way, the work aims to identify the political project represented
by the Constitution of 1891 and to investigate how that project was defended,
through the study of the Supreme Court decisions.

Keywords
Brazil; history; republic; republicanism; constitution; constitutional law.
SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO....................................................................................... 9

2. A República no Império...................................................................... 11
2.1 A idéia republicana nos primeiros anos do Império....................... 11
2.2 A República na segunda metade do século XIX............................ 14
2.2.1 Quadro Econômico, Social e Político.................................... 14
a) Quadro Econômico.................................................................... 14
b) Quadro Social............................................................................ 20
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c) Quadro Político.......................................................................... 25
2.2.2 O Movimento Republicano e a Queda da Monarquia........... 31

3. A Organização Constitucional da República.................................... 47


3.1 O Governo Provisório e o Processo Constituinte........................... 47
3.2 O Congresso Constituinte.............................................................. 56
3.2.1 A Organização dos Trabalhos............................................... 56
3.2.2 Os Debates na Constituinte................................................... 63
3.2.2.1 Direito de Secessão................................................... 68
3.2.2.2 Discriminação de rendas............................................ 68
3.2.2.3 Forças Armadas......................................................... 72
3.2.2.4 Intervenção Federal.................................................... 76
3.2.2.5 Organização dos Poderes.......................................... 77
3.2.2.5.1 Poder Legislativo.......................................... 79
a) Composição........................................................... 79
b) Competência legislativa......................................... 82
c) Estado de sítio........................................................ 83
d) Revisão constitucional............................................ 83
3.2.2.5.2 Poder Executivo............................................ 85
a) Mandato presidencial............................................. 85
b) Eleição.................................................................... 86
c) Competências........................................................ 89
d) Veto presidencial.................................................... 92
e) Ministros de Estado................................................ 93
3.2.2.5.3 Poder Judiciário............................................ 94
3.2.2.6 Funcionalismo Público................................................ 96
3.2.2.7 Autonomia Municipal................................................. 99
3.2.2.8 Declaração de Direitos – “Liberdade de Profissão”.... 101
3.3 Comentários ao Processo Constituinte.......................................... 102
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4. O Projeto Político da Constituição de 1891..................................... 106


4.1. Introdução..................................................................................... 106
4.2. A Organização Federal................................................................. 108
4.2.1 Disposições Preliminares...................................................... 108
4.2.2 Organização dos Poderes..................................................... 117
4.2.2.1 Poder Legislativo........................................................ 120
4.2.2.2 Poder Executivo......................................................... 124
4.2.2.3 Poder Judiciário.......................................................... 136
4.3 Dos Estados................................................................................... 140
4.4 Dos Municípios............................................................................... 141
4.5. Dos Cidadãos Brasileiros.............................................................. 142
4.5.1 Das Qualidades do Cidadão Brasileiro.................................. 144
4.5.2 Declaração de Direitos.......................................................... 144
4.6 Disposições Gerais........................................................................ 148
4.7 Conclusão...................................................................................... 154
5. A Constituição de 1891 e o Controle de
Constitucionalidade................................................................................ 155

5.1. O STF e a Guarda da Constituição............................................... 155


5.2. As Questões Mais Recorrentes.................................................... 168
5.2.1 Estado de Sítio...................................................................... 170
5.2.2 Tributos.................................................................................. 176
5.2.3 Direitos Políticos.................................................................... 189
5.2.4 Garantias da Magistratura..................................................... 204

6 CONCLUSÃO........................................................................................ 213
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7 BIBLIOGRAFIA..................................................................................... 218
1
INTRODUÇÃO

O uso do termo “bestializados” para designar a reação dos que assistiram


in loco à proclamação da República já caiu na trivialidade e parece não causar
mais espécie. Não deveria. O feliz adjetivo escolhido pelo republicano
ARISTIDES LOBO para demonstrar sua impressão em relação ao golpe de
15.11.1889 não representa apenas seu lamento ou indignação, no sentido de que
aquele não seria o meio mais adequado ou de que aquela não seria “a república
dos seus sonhos”. Antes, parece ainda revelar um estado de choque ante um fato
incompreensível, que escapa a qualquer lógica, o que sugeriria que a proclamação
da República no Brasil foi um ato sem sentido, ou, o que parece mais apropriado,
uma conseqüência desproporcional à causa.
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Com efeito, a proclamação da República, embora representasse justamente


a mudança na fonte de legitimidade do poder político, que passaria, a partir de
então, a ser o povo, não apenas não foi fruto de uma revolução popular, como –
admitida a pertinência da observação de ARISTIDES LOBO – ocorreu à sua
margem, causando mesmo espanto àqueles que deveriam ter sido senão os
protagonistas, certamente os seus maiores interessados.
De todo modo, o advento da República trouxe o “povo” à cena política, o
que implicou a reorganização político-institucional do País, a partir desta mudança
da fonte de legitimidade do poder e, conseqüentemente, do fundamento de
legitimidade da relação entre governantes e governados, que passaria a ser de
representação. O interesse pelo estudo desta organização político-institucional,
resultante da proclamação da República, justifica-se pelo fato de que, mal ou bem,
seus traços fundamentais têm sido mantidos ao longo da história constitucional
brasileira.
Desse modo, o presente trabalho pretende verificar como e por que se
deram estas mudanças na organização política do País, e quais as suas implicações
no campo jurídico, ou seja, determinar o alcance e o sentido destas alterações no
quadro constitucional brasileiro.
10

O estudo desdobra-se em quatro capítulos. No primeiro, será feita uma


análise histórica dos acontecimentos que concorreram para o advento da
República, a partir das mudanças operadas no quadro econômico, político e social
do País na segunda metade do século XIX. Desse modo, pretende-se verificar se e
em que medida tais mudanças foram correspondidas ou mesmo responsáveis pelo
surgimento do movimento republicano, e, principalmente, verificar se há uma
relação de causalidade entre este movimento e a queda da Monarquia.
No capítulo seguinte, pretende-se descer à análise do modo como se deu a
organização constitucional da República, a partir do estudo do processo
constituinte. Tal análise permitirá elucidar como ocorreu a tradução do
movimento republicano para o campo político-jurídico, permitindo, assim,
verificar se e até que ponto o processo de elaboração do texto constitucional
seguiu os movimentos que antecederam à queda da monarquia. Desse modo, serão
abordados a composição do Congresso Constituinte e o processo estabelecido para
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a aprovação da Constituição, bem como os principais debates travados no seio da


Constituinte, a fim de verificar as alternativas que se apresentaram ao texto
finalmente aprovado, revelando, portanto, não apenas o que a Constituição foi,
mas o que poderia ter sido.
O capítulo terceiro destina-se à análise do texto constitucional
definitivamente aprovado, com o objetivo de buscar o sentido e o significado do
projeto político trazido pela Constituição de 1891. Tal exame será feito com base
nas doutrinas de JOÃO BARBALHO e CARLOS MAXIMILIANO – autores das
mais conhecidas e respeitadas obras destinadas à exegese da Constituição de 1891
e que, portanto, refletiam, à época, o sentido atribuído às normas constitucionais.
Finalmente, no capítulo quarto pretende-se demonstrar como ocorreu a
guarda do projeto político trazido pela Constituição de 1891 a partir da atuação do
Supremo Tribunal Federal no exercício do controle de constitucionalidade das leis
e atos normativos. Busca-se, assim, examinar os temas que com maior freqüência
chegavam àquela Corte, a fim de verificar os pontos do projeto político da
Constituição de 1891 que encontravam maior grau de dificuldade de imposição à
realidade política do País.
11

2
A República no Império

2.1. A idéia republicana nos primeiros anos do Império

A República não bestializou por ser República. A idéia republicana, no


final do século XIX, não se apresentava como novidade; na verdade, esteve
presente na história brasileira em diversas revoltas armadas e movimentos
políticos ocorridos durante o Império – ou mesmo antes – como na Guerra dos
Mascates (1710), na Inconfidência Mineira (1789), na Revolução Pernambucana
(1817), na Confederação do Equador (1824), na Cabanagem no Pará (1835), na
Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835), na Sabinada na Bahia (1837), na
República Catarinense ou Juliana (1839) e na Revolta Praieira em Pernambuco
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(1848). Estas revoltas, no entanto, que traziam a República em seus manifestos,


apresentavam um caráter regional – quando não expressamente separatista –, e
não nacional, e, justamente por isso, não representavam rigorosamente uma idéia
de “movimento republicano”, faltando-lhes justamente estes aspectos de unidade
e continuidade que caracterizam um movimento. Ademais, nenhuma destas
revoltas exigia a República pela República. A forma republicana representou, em
todas elas, sempre um meio, ora pela independência, ora pela federação, e nunca
um fim em si mesma. Nota-se, portanto, que, no Brasil, ao menos durante a
primeira metade do século XIX, a República sempre figurou como uma
alternativa ao governo e não à sua forma, de modo que se alteraria a forma de
governo apenas para que se pudesse alterar o governo.
As revoltas que se seguem durante os primeiros anos do Império, desde o
Pará até o Rio Grande do Sul, foram motivadas pela luta por autonomia das
províncias, representando, portanto, um combate federalista em oposição à
centralização defendida pelo governo, que, simplesmente por ser monárquico,
dava o colorido republicano aos motins. Verifica-se então que as revoltas durante
a primeira fase do Império foram republicanas por conta das circunstâncias, mais
do que por questões ideológicas, o que não desmente a observação de LEÔNCIO
BASBAUM:
12

“(...) não quer dizer que não houvesse republicanos, isto é, homens para os quais
a República era o sistema político ideal para o Brasil, aspiração suprema e
solução completa para todos os problemas brasileiros. Queremos apenas dizer
que acima do espírito republicano, ausente aliás da maioria dos movimentos,
havia interesses mais fortes em jogo, reivindicações de caráter mais imediato,
havia os eternos descontentamentos pelas dificuldades econômicas permanentes
das populações, as quais atendiam indiscriminadamente a qualquer movimento
de rebeldia, sem indagar se era republicano ou não.”1

Descendo a uma análise mais próxima destes movimentos, WANDERLEY


GUILHERME DOS SANTOS, em ensaio onde investiga a aventura do
liberalismo político no Brasil, observa que a bandeira republicana, presente nestes
movimentos, figurava como uma das exigências de uma agenda liberal que, no
início do século XIX, estava sendo implementada por todas as elites sul-
americanas, como uma alternativa ao status colonial, que não parecia trazer um
futuro muito próspero. Desse modo, a forma republicana de governo seria apenas
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a condição necessária, mas não suficiente para a implementação desta agenda


liberal. Não eram, portanto, movimentos estritamente republicanos. Em suas
palavras, observa o Autor:

“Em suma, era necessário estabelecer, pelo menos, duas metas fundamentais
para o movimento: elaborar uma forma de governo republicano e de monarquia
constitucional, com base nas fantasias plebiscitárias de Rousseau ou no esquema
representativo de Locke, e abolir a escravatura. Todas as elites sul-americanas,
desejosas de mudar a posição de seus países no sistema internacional, foram
obrigadas a enfrentar este problema de fixação de metas. Elas sabiam
exatamente o que não queriam e, a partir daí, haviam decidido romper ligações,
altamente perniciosas para elas, com a parte decadente do mundo. Mas
precisavam, também, decidir o que desejavam.

Todas as elites sul-americanas, exceto a brasileira, seguiram uma estratégia de


independência política ao longo de linhas estritamente liberais. Ao mesmo tempo
que reivindicavam liberdade da Espanha, aboliam a escravidão e constituíam
Repúblicas. Na medida em que a liderança política possuía alguma idéia
claramente articulada sobre como construir um país independente, pode-se dizer
que a mesma estratégia orientou os movimentos pela independência brasileira
que ocorreram em Minas Gerais e na Bahia, ao final do século XVII, e em
Pernambuco em 1817. É também a esta mesma vertente do liberalismo que as
revoltas regionais, ocorridas nas primeiras décadas após a Independência,
pertencem. Eram republicanos, federalistas e, depois da Independência, contra a
escravidão.”2

1
BASBAUM, LEONCIO. “A História Sincera da República”, 5.ª edição, São Paulo: Editora
Alfa-Omega, 1986, p. 191.
2
SANTOS, WANDERLEY GUILHERME DOS. “Ordem Burguesa e Liberalismo Político”, São
Paulo: Livraria Duas Cidades, 1978, p. 75.
13

Como se pode observar, a adoção da forma de governo republicana seria


apenas um meio de romper laços com o status quo ou, antes, de sobrepor-se a ele,
eis que, como revela o autor, a forma de governo republicana não era
imprescindível, sendo perfeitamente admitida a forma de monarquia
constitucional, contanto que fosse assegurada a supremacia da representação
popular3 sobre a representação divina. Esta observação, conquanto simples, já
demonstra a pouca atenção – ou mesmo o total descaso – que era dispensada à
adoção da República, uma vez que reduzia de forma grosseira suas
potencialidades de mudança à simples supremacia da representação popular, o que
também poderia ser obtido através de uma monarquia constitucional, segundo o
modelo inglês pós-Revolução Gloriosa.
Cumpre então distinguir este período – marcado por motins e revoltas
armadas que explodiam por razões diversas e visando a interesses regionais
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particulares, e onde a República aparecia por uma simples oposição ao governo –


da difusão das idéias republicanas na segunda metade do séc. XIX, que toma
corpo formalmente a partir da publicação do Manifesto Republicano em 1870.
Esta tarefa, no entanto, deixa de ser simples a partir do momento em que a
propaganda entusiasta dos republicanos, então vitoriosos no golpe de 15 de
novembro, tenta traçar um fio condutor do movimento republicano a partir dos
embates políticos ocorridos no início do Império, tudo sob o véu da aspiração
republicana. Nesse sentido, observa EMÍLIA VIOTTI DA COSTA, ao comentar
“a República [proclamada em 15.11.1889] vista pelos republicanos”, que estes,
“lembrando as revoluções e pronunciamentos que, desde a Inconfidência, tiveram
por alvo instalar um regime republicano no Brasil, afirmam que a República
sempre foi uma aspiração nacional” 4. São, entretanto, momentos bastante
distintos, não cabendo pois abordá-los de maneira uniforme, e qualquer tentativa
de se traçar uma linha contínua entre esses movimentos, sobretudo a desembocar
na proclamação da República, estará fadada ao fracasso. Além de serem

3
Convém observar que a idéia de representação popular não deve ser compreendida aqui como
resultado de uma efetiva preocupação em se assegurar a representação de todo o povo, abrangendo
todas as classes, a partir de um processo eleitoral que observasse o sufrágio universal. A expressão
aqui denota somente uma mera oposição à vontade divina que confere fundamento de legitimidade
aos regimes monárquicos, podendo resultar - como seria o caso - de um processo eleitoral baseado
no sufrágio restrito.
14

impulsionados por razões diversas – o que já ocorria mesmo entre os próprios


movimentos da primeira metade do séc. XIX –, cumpre observar que o cenário
econômico, social e, por conseqüência, o político em que se desenvolve a
propaganda republicana a partir do Manifesto de 1870 é bastante distinto, havendo
sofrido profundas alterações, o que repercute diretamente no destino da aventura
republicana.

2.2. A República na segunda metade do século XIX

Abordar o desenvolvimento das idéias republicanas ao longo da segunda


metade do século XIX e a queda do Império, bem como verificar se entre ambos
existe uma relação de causalidade, implica conhecer, primeiramente, o terreno
econômico, social e político sobre o qual transcorreram os fatos que ensejaram o
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(re)surgimento do movimento republicano. Nesse sentido, dadas as profundas e


significativas mudanças operadas no quadro econômico, social e político, cumpre
analisar cada um destes aspectos, nesta ordem, a fim de verificar se e em que
medida o quadro econômico impulsionou mudanças no quadro social e estes, no
quadro político.

2.2.1. Quadro Econômico, Social e Político

a) Quadro Econômico

O quadro da economia brasileira na segunda metade do século XIX era


bastante distinto em relação aos primeiros anos do Império. A economia brasileira
experimentava um período de revitalização, que se iniciara em 1840,
abandonando o estágio recessivo em que se encontrava desde o esgotamento dos
filões de Minas Gerais e a conseqüente decadência do ciclo do ouro. O Brasil, na
verdade, compartilhava o crescimento econômico que estava atingindo toda a
América Latina, por conta das mudanças operadas na ordem econômica

4
COSTA, EMILIA VIOTTI DA. “Da Monarquia à República: Momentos Decisivos”, São Paulo:
Editora Grijalbo, 1977, p. 244.
15

internacional, impulsionadas pela revolução industrial inglesa. A Inglaterra


tornara-se sedenta, a um só tempo, de mercados de bens primários, a partir dos
quais pudesse obter recursos materiais para alimentar seu mercado interno, e de
mercados externos de consumo, que seriam alimentados por sua produção sempre
crescente. Tudo conspirava em favor de uma mudança na pálida vida econômica
latino-americana.5
Efetivamente, o sistema econômico inglês revitalizou a economia da
América Latina na busca de mercados de bens primários, o que no Brasil envolvia
a retomada da produção do açúcar e algodão, ambos itens agrícolas já conhecidos
da nossa pauta de exportações. A reativação da produção do açúcar e do algodão
não implicaria, portanto, uma mudança estrutural profunda na economia
brasileira, já que tanto o seu sistema de produção quanto as personagens
envolvidas eram velhos conhecidos da vida econômica do País.
A novidade a brindar a economia brasileira na segunda metade do século
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XIX ficaria por conta do café. O produto, em si, há tempos integrava o quadro
produtivo brasileiro. A novidade ficava por conta da demanda internacional, que
crescia exponencialmente, proporcionando o crescimento da produção interna, a
conseqüente expansão do setor cafeicultor e, o que aqui se revela mais importante,
o surgimento no cenário político de uma nova personagem: o cafeicultor.
A expansão da cultura cafeeira no País tornou-se assim uma exigência de
primeira ordem, a fim de acompanhar a crescente demanda internacional pelo
produto. Ocorre que a cultura do café é marcadamente intensiva em terra e mão-
de-obra, de modo que a possibilidade de seu crescimento depende destes dois
fatores. A este respeito, cumpre verificar que ambos apresentavam problemas, ou
por outra, colocavam questões de difícil resolução, que exigiriam decisões
políticas não rotineiras por parte da elite dirigente brasileira.
Em relação à terra, somente em um primeiro momento, ou seja, a curto
prazo, poderia-se afirmar que a disponibilidade na região fluminense, onde o café
havia sido inicialmente cultivado, seria suficiente. É que, por tratar-se de uma
agricultura extensiva, sua existência, em uma determinada região, tem um tempo,
de certo modo, preestabelecido, o que, se não impede a sua expansão após o
esgotamento da região de cultivo, ao menos a condiciona à existência de uma

5
SANTOS, WANDERLEY GUILHERME DOS, op. cit., p. 83.
16

fronteira agrícola aberta. Este não era, no entanto, o caso do Rio de Janeiro. A
região fluminense revelou-se, em curto espaço de tempo, insuficiente, obrigando
os produtores a migrarem para outras regiões propícias ao cultivo do café e que,
ao mesmo tempo, oferecessem possibilidade de expansão. Verifica-se que o
surgimento da cultura do café como pivô do quadro econômico brasileiro exigia
não apenas decisões políticas não rotineiras, mas também imediatas, por conta da
crescente demanda internacional. Deu-se, então, início ao aproveitamento de
novas terras, em direção ao sul, primeiro nas fronteiras de São Paulo e, em
seguida, no próprio solo paulista.
No que tange à mão-de-obra, deve-se recordar que o país há tempos sofria
imposições por parte da Inglaterra no sentido de que fosse combatido o tráfico de
escravos, visando, ao cabo, à própria abolição da escravidão. Nesse sentido, várias
medidas foram tomadas, tanto pelo governo brasileiro quanto pelo governo inglês,
desde 1826, sempre contra a vontade da classe dirigente no País: os senhores de
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engenho. A resistência oferecida pelos senhores de engenho às medidas


abolicionistas só foi superada, ao menos oficialmente, em 1850, quando foi
aprovada a lei que abolia o tráfico negreiro, que levou o nome de seu proponente,
Eusébio de Queirós, o qual, segundo aponta LEONCIO BASBAUM, convenceu a
aristocracia brasileira de que o tráfico seria agora a sua ruína6. Nesse sentido,
observa o Autor que:

“Ao contrário do que esperavam muitos escravocratas empedernidos, que se


recusavam a ver a própria evidência, a extinção do tráfico trouxe a primeira fase
de progresso e prosperidade que o país havia conhecido desde a sua
Independência. Capitais antes empregados na importação de escravos, foram
empregados em atividades mais lucrativas. (...) Ao mesmo tempo houve um
sensível aumento no comércio interno e externo e em conseqüência toda uma
séria de melhoramentos e índices de progresso (...)”7.

Portanto, o quadro econômico herdado pela cultura cafeeira inclinava-se


para a abolição da escravidão, que, no entanto, e em que pesem as pressões
exercidas pelo governo inglês, estendeu-se por mais trinta e oito anos. Desse
modo, pode-se afirmar que os cafeicultores ingressaram na arena política do País
tendo já que enfrentar um problema até então inédito na história do Brasil: o
desenvolvimento de um pólo econômico baseado em mão-de-obra livre. Foi em

6
Op. Cit., p. 247.
17

meio a esta equação que os fazendeiros cafeicultores encontraram na imigração –


por opção ou por falta de – a única saída viável à manutenção da liderança
econômica, valendo aqui trazer à colação as reflexões de WANDERLEY
GUILHERME DOS SANTOS:

"Não havia outra solução senão apoiar a imigração de trabalhadores livres, o


que significava um grande passo em direção à criação de um sistema econômico
liberal e, ao mesmo tempo, abria perigoso precedente no que se refere à
estabilidade do sistema político.
Os interesses particulares, isto é, os interesses dos plantadores de café, tentaram
resolver o problema da oferta de mão-de-obra, mediante a elaboração de planos
e organizações que trouxessem trabalhadores europeus para atender às
crescentes necessidades da economia cafeeira."8

Efetivamente, considerando-se as incessantes imposições inglesas


dirigidas ao Brasil, pelo fim da escravidão, a partir de então corroboradas pelo
governo imperial através de leis e outras medidas que, se não aboliam em caráter
definitivo a escravidão no País, certamente dificultavam a manutenção deste
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regime, pode-se constatar que os cafeicultores encontravam-se, no mínimo, diante


de um momento que exigia decisões políticas fundamentais a este respeito. Parece
correto também admitir que as pressões inglesas ao governo brasileiro adquiriam
maior dimensão a partir do momento em que o comércio marítimo, que tanto
interessava à política exportadora cafeeira, era rigorosamente controlado pela
Inglaterra, dependente, portanto, da sua aquiescência, de modo que não se pode
ignorar o papel daquele País nas decisões tomadas pelos fazendeiros cafeicultores.
Não bastassem as pressões inglesas, o regime escravocrata ainda encontrava
outros obstáculos, estes de ordem interna, à sua manutenção, como a morte e as
fugas dos escravos, que independiam dos ingleses e de seus interesses. É nesse
sentido que LEÔNCIO BASBAUM, em breve síntese acerca da trajetória do
posicionamento dos fazendeiros cafeicultores em relação à escravidão, conclui
que eles:

"Lutaram pela escravidão enquanto lhes pareceu que a lavoura somente poderia
subsistir com a escravidão. Apoiaram a imigração, o braço livre, de qualquer
espécie, quando lhes pareceu que o braço livre era capaz de produzir mais que o
trabalho escravo. Libertaram os seus escravos, alguns mesmo espontaneamente,

7
Idem.
8
Op. Cit., p. 84.
18

quando se convenceram de que eles se estavam tornando – pela resistência e


fugas constantes – caros e antieconômicos".9

Entretanto, cumpre observar que os fazendeiros cafeicultores (paulistas,


inclusive) não representaram, durante este período, um conjunto que pensa e age
harmonicamente ou mesmo que compartilha os mesmos interesses. É que o
conturbado período em análise, marcado por profundas mudanças econômicas,
sociais e políticas (estas últimas, sobretudo a partir do final dos anos 60) bem
como pelo surgimento de novos agentes na arena política, acentuou a divergência
de interesses das elites, dominantes e emergentes, do País. Não deve, portanto,
causar espécie, não apenas a falta de unidade no pensamento e ação da “classe”
dos cafeicultores, mas também as constantes alternâncias partidárias e ideológicas
operadas por estes, as quais chegavam a dar um tom caricato ao quadro político da
época.
As divergências no plano econômico desenharam, como expõe
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FLORESTAN FERNANDES, “diferentes tipos de fazendeiros de café”10, desde o


típico “Barão do café”11, próximo ao estilo definido pelos senhores de engenho,
para o qual a fazenda de café ideal seria aquela que reproduz em sua estrutura
social a auto-suficiência econômica dos antigos engenhos, até o “moderno homem
de negócios do meio urbano”12, para o qual a fazenda de café não seria fonte de
status, mas fonte de riqueza, e seu tipo ideal seria a fazenda que absorvesse a
menor soma possível de custos improdutivos e contornáveis. Os cafeicultores que
optaram pela mão-de-obra livre, portanto, devem ser localizados e considerados
dentro deste quadro que engloba “diferentes tipos de fazendeiros de café”, onde
representam um número reduzido de fazendeiros, embora, como observa mais
uma vez FLORESTAN FERNANDES, “por repercussão e por associação
atingisse a maioria das ‘fortunas sólidas’, lastreadas na grande lavoura
exportadora”, tendo sido justamente esse pequeno número de fazendeiros que
“deu colorido e intensidade aos homens que construíram os alicerces da
economia moderna no Brasil”13.

9
Op. Cit., p. 227-228
10
FERNANDES, FLORESTAN. “A Revolução Burguesa no Brasil”, 2.ª edição, Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1976, p. 110.
11
Op. Cit., p. 111.
12
Idem.
13
Op. Cit., p. 112.
19

Desse modo, os problemas em relação à terra e à mão-de-obra, pontos


básicos da economia cafeeira, foram resolvidos com a migração dos cafeicultores
para São Paulo, cujos solos eram de melhor qualidade do que os do Vale do
Paraíba e que apresentava uma fronteira em expansão de limites indefinidos, e
com a imigração de trabalhadores europeus em substituição à mão-de-obra
escrava.
De pronto, observa-se significativas mudanças operadas no quadro
brasileiro, dentre as quais: o surgimento dos cafeicultores como agentes
econômicos de primeira grandeza; a redefinição da economia brasileira, agora
baseada em mão-de-obra livre, a partir do estímulo à imigração dos trabalhadores
europeus; e a conseqüente posição de destaque agora conferida à província de São
Paulo, a nova Meca para a qual se curvaria a política econômica do País. É que
não apenas esta província reunia condições de solo favoráveis ao plantio, o que
atraiu os cafeicultores para esta região, como também os que ali se instalaram
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empregaram técnicas mais modernas no plantio e no beneficiamento do café.


No entanto, o fator que se revela decisivo para a posição de destaque
assumida por São Paulo e que distinguiu nitidamente a cultura cafeeira nesta
província das demais regiões foi a opção pelo trabalho livre em substituição ao
regime escravocrata, como, em síntese, anota BORIS FAUSTO:

“Os fatores geográficos e tecnológicos dão apenas uma medida parcial das
razões do avanço nas novas regiões paulistas. Ele se explica fundamentalmente
como resultado de transformações conjugadas no plano interno e nos pólos
dominantes da economia mundial. Muito embora em seus primeiros tempos a
fazenda do Oeste devesse contar com a força de trabalho escrava, ela nasceu em
uma época em que as possibilidades de manutenção de sistema escravista se
esgotavam. Esta antevisão dos novos tempos deu aos empresários da região uma
enorme vantagem sobre os seus colegas do Vale. A utilização do escravo se
tornou uma opção de emergência, enquanto as várias tentativas de trabalho livre
iam sendo ensaiadas até lograr forma definitiva, com a imigração em massa dos
colonos europeus, a partir de meados dos anos oitenta.”14

Este quadro econômico, que colocava à frente, como principal produto de


exportação, o café, não representou apenas um momento na história econômica
brasileira, mas antes o começo de uma nova economia que, convém frisar, crescia
exponencialmente. A exportação do café, com efeito, tendia ao crescimento

14
BORIS FAUSTO. “Expansão do Café e Política Cafeeira”, in. História Geral da Civilização
Brasileira, 6.ª edição, Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1997, p. 198.
20

generalizado e as tendências eram bastante otimistas. Nesse sentido, prossegue


BORIS FAUSTO:

“A enorme expansão da produção foi incentivada pela generalização do


consumo do café na Europa e, em especial, nos Estados Unidos. A população
americana praticamente triplicou entre 1850 e 1900, graças em parte à corrente
imigratória. Os imigrantes europeus entraram em contato com pessoas já
habituadas ao uso da bebida. Processou-se também uma alteração qualitativa da
população, com tendência ao envelhecimento, o que veio favorecer o consumo.
Em 1850, 52% da população era menor de vinte anos, reduzindo-se seu número a
45% em 1900. No curso daqueles cinqüenta anos, os Estados Unidos passariam
a consumir maior quantidade de café brasileiro do que toda a Europa em
conjunto, a partir do qüinqüênio 1870-1874. As exportações brasileiras, na
média de cinco anos, se destinaram percentualmente em 58,2% aos Estados
Unidos e 41,8% à Europa.” 15

Todos estes fatores, portanto, conspiravam em favor da expansão da


cultura cafeeira em São Paulo e, por conseguinte, da importância assumida pelos
cafeicultores. Resta verificar como o país e a classe política dirigente receberam
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esta nova situação e, o que parece central, estes novos personagens.

b) Quadro Social

Não apenas o quadro econômico, mas também, e, em boa parte, por conta
disso, a sociedade brasileira sofreu profundas modificações na segunda metade do
século XIX. Durante este período, o País, ao lado do esboço de uma
industrialização e do crescimento do comércio interno, também experimentou
mudanças significativas em sua estrutura, tais como a criação de ferrovias,
reaparelhamento dos portos, a instalação do telégrafo e, nas cidades, a chegada da
iluminação a gás nas ruas. Estas mudanças, decorrentes do quadro econômico,
foram acompanhadas por alterações no quadro social brasileiro, o qual tornou-se
mais complexo do que a tríade “senhor do engenho – capataz – escravo”,
presente durante os primeiros anos do Império, e que era capaz de resumir a
composição social brasileira em uma grande fazenda.
O quadro social, durante a segunda metade do século XIX, ainda
comportava os velhos proprietários rurais do açúcar, do tabaco e do algodão, além

15
Idem.
21

dos criadores de gado do Norte e do Sul do País, em que pese a crise que estes
produtos experimentavam no comércio internacional, sentida pela significativa
queda nas exportações. Estes constituíam a elite dirigente que dominava o País,
chamada de aristocracia rural, “pelo fato de se ter a si mesma avocado direitos de
nobreza, que lhe provinha, conforme julgava, da terra e da posse de escravos”16.
Nesse sentido, faz-se imperioso assinalar, se não o surgimento, o papel de
destaque adquirido pelo fazendeiro de café, outrora mero coadjuvante no quadro
econômico brasileiro. Ainda que se possa afirmar que o fazendeiro de café seria
apenas mais um no quadro da aristocracia rural, cabe assinalar que a mudança
operada pelo surgimento dos cafeicultores, sobretudo os oriundos de São Paulo, é
muito mais qualitativa do que quantitativa. Não por outra razão, foram batizados,
nas palavras de LEÔNCIO BASBAUM, como a “nova aristocracia rural”: Em
suas próprias palavras:
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“Durante muito tempo, eles formaram uma classe sólida e seus elementos
caminhavam juntos. Iguais eram os seus interesses: o latifúndio, a escravidão, o
antiindustrialismo, o câmbio baixo, o mercado externo. Mas houve um momento
em que essa classe se cindiu. De um lado permaneceram os senhores de engenho
do Norte, constituindo uma nobreza em decadência, que vivia mais da tradição e
das lembranças de um fausto passado que da riqueza atual – e que dirigia o país.
De outro lado, os fazendeiros, os senhores do café, a nova aristocracia rural –
tão burguesa, tão rural, tão escravocrata quanto a outra, porém mais rica, mais
arrogante, mais audaciosa e que desejava dirigir o país. Era como o filho mais
velho que, começando a sustentar a casa, procurava alijar do caminho o pai
aposentado.”17

Desse modo, o fazendeiro de café, este “moderno homem de negócios do


meio urbano”, despejou suas riquezas também nas cidades, onde muitos
passaram, inclusive, a residir, gerando um surto urbano-industrial, que se revelava
desde o simples calçamento das ruas e da iluminação a gás até a criação de
bancos, casas comerciais e modestas fábricas. Mas não eram apenas riquezas que
os fazendeiros despejavam nos centros urbanos. A partir da abolição do tráfico de
escravos, estabelecida pela Lei Eusébio de Queiroz, e, sobretudo, a partir da
substituição do trabalho escravo pelo trabalho imigrante, o quadro social brasileiro
foi tomando conhecimento de um novo personagem: o ex-escravo. Estes, quando
não resolviam ficar na própria fazenda ou engenho, ou migravam para as fazendas

16
BASBAUM, LEÔNCIO, Op. Cit., p. 140.
17
Op. Cit., p. 141.
22

do Sul, onde a economia cafeeira se expandia, em ambos os casos na condição de


trabalhador livre assalariado, ou dirigiam-se aos centros urbanos em busca de
emprego, o que, no entanto, só encontravam em um universo limitado às forças
armadas e trabalhos braçais em geral. Após a abolição da escravatura, em 1888,
como relata LEÔNCIO BASBAUM:

“essa massa analfabeta e desde então marginal, passava agora a fazer parte do
povo, pois que haviam se tornado cidadãos. Abandonados à sua própria sorte,
em grande número, os que puderam, fugiram dos campos, invadiram as cidades,
para se sujeitarem aos empregos mais brutais, ou a corromper-se no crime ou a
degradar-se no álcool. Numericamente, constituíam uma parte ponderável da
população e mais ainda nas cidades que os acolheram. Está claro que não se
podia esperar deles idéias republicanas. Ao contrário, durante muitos anos os
libertos se mantiveram fiéis à Monarquia que lhes havia dado a liberdade
almejada e organizavam clubes e sociedades com o nome da Princesa Isabel.”18

Os imigrantes europeus, que chegavam para substituir o trabalho escravo,


passaram também a integrar o quadro social deste período, eis que a imigração
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representava antes uma tendência do que uma solução transitória para o problema
da escassez de mão-de-obra livre para o trabalho nas fazendas de café, e deram
novo colorido à paisagem social do campo.
A situação em que se encontrava o imigrante europeu não se assemelhava,
definitivamente, à dos escravos. Vindos de outros países, os imigrantes não se
encontravam lançados à própria sorte, desprotegidos e sujeitos, portanto, a
qualquer tipo de tratamento. Cabe recordar que os governos da Alemanha e da
Itália não tardaram em intervir no processo de imigração para o Brasil tão logo
verificaram as condições visivelmente injustas (próximos mesmo à escravidão)
em que se encontravam os trabalhadores que saíam destes países para trabalhar
nas fazendas de café brasileiras. Nesse sentido, observa WANDERLEY
GUILHERME DOS SANTOS:

“acostumada a um sistema econômico diferente, a nova liderança econômica


impôs contratos tão injustos aos imigrantes que, em pouco tempo, estavam todos
reduzidos à condição de semi-escravos. Os governos da Alemanha e da Itália
reagiram contra este disfarçado comércio de semi-escravos, ameaçando
interromper a expansão econômica brasileira, proibindo que seus respectivos
cidadãos deixassem a Europa.
O Estado brasileiro foi convocado para ajudar a resolver o impasse sendo
convidado, pelos plantadores de café, a assumir a responsabilidade de

18
Op. Cit., p. 151.
23

estabelecer as condições nas quais livres proprietários de terras pudessem


legitimamente firmar contratos econômicos.”19

Entretanto, se a situação dos imigrantes europeus não se assemelhava à


situação dos escravos, também não se aproximavam de uma classe média. Embora
fossem trabalhadores assalariados, não chegavam a ser proprietários, à exceção de
algumas províncias do sul do País, onde muitas famílias de imigrantes receberam
terras para cultivar, e a exploração do café se baseava, portanto, em pequenas
propriedades. Estes eram, porém, casos bastante isolados, e pouco significativos
em relação à economia cafeeira nacional, a qual, assim como o algodão, pelo seu
próprio tipo de cultura, requer grandes propriedades. Não havia, grosso modo,
uma classe média rural durante o Império, posto que não havia médios
proprietários.
Cabe ressaltar a importância desses elementos rurais que integravam o
quadro social brasileiro, pois, diversificados entre si, espalhados pelo País e sem
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nenhuma organização como classe ou subclasse, enfim, sem nenhuma identidade


que os integrasse, constituíam justamente a maioria da população brasileira
durante o período. E, no entanto, ainda que representassem a maior parte da
população, não tinham qualquer expressão política. Sobre estas pessoas,
LEÔNCIO BASBAUM chega a afirmar que "na quase totalidade eram
analfabetas e pouco sabiam do que se passava na corte. Incapazes de distinguir
Monarquia de República não participavam da vida política da nação"20.
Os imigrantes, entretanto, não se dirigiam somente para as lavouras
cafeeiras. Muitos se dirigiam para as cidades, onde se instalavam como
proprietários do comércio varejista, integrando e respondendo pela maior parte da
nascente burguesia urbana. Havia ainda grandes industriais, mas pequenos em
número, ou, como prefere LEÔNCIO BASBAUM, “eram elementos isolados no
meio de uma população indiferente, convencida de que o Brasil era mesmo
essencialmente agrícola. As grandes indústrias não chegavam a uma centena e
representavam uma gota d’água no imenso mar verde do café”21.
Tanto a burguesia mercantil quanto a industrial estavam longe de alcançar
o poder político ou mesmo de pretender fazê-lo. A pequena burguesia mercantil,

19
Op. Cit., pp. 84-85.
20
Op. Cit., p. 146.
21
Op. Cit., p. 147.
24

justamente por ser constituída em sua maioria por estrangeiros, sobretudo


franceses e portugueses, não participava da política nacional. Ademais, estava
enriquecendo, não encontrando motivos para se opor ao regime imperial. A
burguesia industrial, por seu turno, era pequena e fraca, sem peso na exportação e
pouco significativa, tanto no plano econômico como no plano político.
A paisagem social das cidades comportava ainda os empregados do
comércio, os funcionários públicos e os intelectuais e membros das profissões
liberais –advogados, médicos, jornalistas –, além dos artesãos, mestres
carpinteiros, serralheiros e alfaiates, sendo que estas últimas ocupações seguiam
em declínio até desaparecerem junto com o Império. Todos tinham alguma
participação na vida política do País, cada qual a seu modo, e nenhuma muito
significativa. Com efeito, tanto os empregados do comércio (sendo alguns deles
jovens portugueses que não tinham interesse na política nacional) como os
funcionários públicos tinham uma participação política que se limitava
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basicamente ao comparecimento em comícios, discursos e passeatas, sem, no


entanto, apresentarem qualquer senso de unidade em suas idéias ou mesmo
vontade de buscá-la, sendo de maior importância quantitativa do que qualitativa.
Os intelectuais e membros das profissões liberais, conquanto não
apresentassem uma coloração ideológica bem definida, tampouco interesses
econômicos homogêneos, tinham como característica justamente ser um canal de
proliferação e debate em torno das novas idéias políticas, que à época faziam - ou
mesmo já haviam feito, como no caso do positivismo - suas glórias na Europa.
Cresce, então, em importância o papel desenvolvido pelos intelectuais nas
campanhas abolicionista e republicana. Os intelectuais, observa LEÔNCIO
BASBAUM,:

"(...) constituindo a parte alfabetizada do país, sobressaíam da média geral do


povo como um alto pico na planície. Estavam inteiramente empolgados pelas
idéias liberais – as idéias perigosas – que vinham da França, onde o trono de
Napoleão III acabava de cair. A palavra democracia começava a ser usada com
abundância e embelezava a oratória inflamada dos políticos. (...) O positivismo,
embora já moribundo na França, começava, com novo vigor, a fazer vítimas no
Brasil. Jornalistas, escritores, médicos, advogados, engenheiros, constituíam a
vanguarda da luta pela abolição e pela República."22

22
Op. Cit., pp. 149-150.
25

Verifica-se, portanto, que o quadro social que (ainda) se desenhava ao


longo da segunda metade do século XIX difere sobremaneira da composição
social do período anterior. Tal constatação adquire ainda maior relevância ao
observamos que as mudanças sociais não foram acompanhadas pelas mudanças no
quadro político, cuja classe dirigente continuava sendo a aristocracia rural, em que
pese a ausência, neste novo momento, das circunstâncias que justificaram tal
hegemonia nos primeiros anos do Império. Ademais, cumpre observar que é neste
terreno social que se irá desenvolver o movimento republicano e, mais importante,
é para este novo público que será proclamada a República.

c) Quadro Político

Assim como o quadro econômico e social, o cenário político sofreu


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profundas mudanças na segunda metade do século XIX. No plano partidário, o


poder político foi conduzido durante quase todo o Segundo Reinado pela
monótona alternância de gabinetes liderados pelas duas agremiações que se
consolidaram no final da década de 1830: o Partido Conservador e o Partido
Liberal, ambos bem distintos, embora ambos de elite. A distinção entre estes dois
partidos, no entanto, não se dava necessariamente no terreno político-ideológico, o
que pode ser bem traduzido pela frase atribuída ao político pernambucano
Holanda Cavalcanti: “Nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ [conservador]
do que um ‘luzia’ [liberal] no poder”.23 Em que pese a controvérsia acerca das
distinções ideológicas entre estes grupos24, é possível ao menos admitir que estes

23
Citado por BORIS FAUSTO em sua obra “História do Brasil”, 9.ª edição, São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2001, p. 181.
24
Como observa BORIS FAUSTO: “Na historiografia, existem opiniões diversas sobre o tema,
variando de acordo com as concepções gerais dos autores sobre o período e mesmo sobre a
formação social brasileira. Por exemplo, Caio Prado Júnior admite a existência de certo conflito
entre o que chama de burguesia reacionária, representada pelos donos de terras e senhores de
escravos, e a burguesia progressista, representada pelos comerciantes e financistas. Mas, segundo
ele, a divergência não se manifestava através da política partidária. As duas correntes se
misturavam nos dois partidos, embora houvesse certa preferência dos retrógrados pelo Partido
Conservador.
Por sua vez, Raimundo Faoro vê no Partido Conservador a representação da burocracia,
enquanto o Partido Liberal representaria os interesses agrários, opostos ao reforço do poder
central promovido pelos burocratas.
Ao considerar a questão, devemos ter em conta que a política desse período, e não só dele, em boa
medida não se fazia para se alcançarem grandes objetivos ideológicos. Chegar ao poder significa
obter prestígio e benefícios para si próprio e sua gente. Nas eleições, não se esperava que o
26

partidos representavam forças políticas distintas, ou por outra, grupos políticos


diferenciados através dos quais a elite se distribuía a fim de preservar ou mesmo
ampliar sua rede de influências e sua esfera de poder, além de conduzir a política
do País.
Estes objetivos encontraram abrigo no desenho institucional do quadro
político vigente durante o Segundo Reinado, se não foram diretamente os
responsáveis pela sua organização e funcionamento. Com efeito, a partir de 1847
o Brasil esboçou um sistema de governo sem dúvida próximo ao sistema
parlamentarista inglês, mas que com este não se confundia, tendo importado antes
a sua forma do que seus fundamentos. É que o parlamentarismo inglês baseia-se
na supremacia da representação popular, ou seja, no exercício do poder político
por um governo representativo, donde decorre a assertiva de que neste sistema de
governo “o rei reina, mas não governa”. De fato, embora o governo, no
parlamentarismo inglês, seja escolhido pelo monarca, na prática, o governo
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provém do Parlamento, composto pelos representantes do povo, e a chancela do


monarca a este governo constitui mera formalidade25.
Na Constituição Política do Império de 1824, no entanto, a relação entre a
legitimidade do exercício do poder político e a representação política já se
apresentava de forma ambígua ou mesmo, como prefere RENATO LESSA,
“paradoxal”, eis que:

“No preâmbulo da Constituição de 1824 ficou estabelecido que o primeiro


Imperador tinha como fontes de sua irrestrita legitimidade a ‘graça de Deus’ e a
"unânime aclamação dos Povos". O paradoxo do preâmbulo, mais tarde, se fez
na dinâmica do sistema representativo: o País tinha sua representação, mas
cabia ao Imperador a escolha do Presidente do Conselho de Ministros,
reservada ainda sua prerrogativa de dissolução da Câmara de Deputados.”26

candidato cumprisse bandeiras programáticas, mas as promessas feitas a seus partidários.


Conservadores e liberais utilizavam-se dos mesmos recursos para lograr vitórias eleitorais,
concedendo favores aos amigos e empregando a violência com relação aos indecisos e aos
adversários. Aliás, havia uma dose considerada aceitável no uso desses recursos, e certas eleições
ficaram famosas por superarem essa dose. É o caso da “eleição do cacete”, que, em 1840,
garantiu a permanência dos liberais no governo. A divisão entre liberais e conservadores tem,
assim, muito de uma disputa entre clientelas opostas, em busca das vantagens ou das migalhas do
poder.” (“História do Brasil”, op. cit., pp. 180-181)
25
A este respeito, ver LAUVAUX, PHILIPPE, “Parlamentarismo – Fundamentos Históricos e
Constitucionais”, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.
26
LESSA, RENATO. “A Invenção Republicana – Campos Sales, as bases e a decadência da
Primeira República brasileira”, Co-edição Vértice (São Paulo) e IUPERJ (Rio de Janeiro), 1988,
p. 33.
27

Acrescente-se ainda que a Carta Política de 1824 brindou a organização


política do Império com a figura do Poder Moderador, a ser exercido pelo
monarca, nos seguintes termos:

“Art. 98 – O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é


delegado privativamente ao Imperador, como chefe Supremo da Nação e seu
primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manutenção da
independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.
Art. 99 – A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a
responsabilidade alguma.
(...)
Art. 101 – O Imperador exerce o Poder Moderador:
1.º) Nomeando os Senadores, na forma do art. 43.
2.º) Convocando a Assembléia Geral extraordinária nos intervalos das sessões
quando assim o pede o bem do Império.
3.º) Sancionando os decretos e resoluções da Assembléia Geral, para que tenham
força de lei (art. 62).
4.º) Aprovando e suspendendo interinamente as resoluções dos Conselhos
Provinciais (arts. 86 e 87).
5.º) Prorrogando ou adiando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos
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Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado; convocando


imediatamente outra que a substitua.
6.º) Nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado.
7.º) Suspendendo os Magistrados nos casos do art. 154.
8.º) Perdoando ou moderando as penas impostas aos réus condenados por
sentença.
9.º) Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade
e bem do Estado.”

A organização política concentrava, portanto, na pessoa do Imperador, a


um só tempo, o exercício do Poder Moderador e do Poder Executivo, este último
nos termos do art. 102 da Constituição, o que torna de difícil aplicação ao sistema
brasileiro a máxima inglesa “o rei reina, mas não governa”, que bem define o
papel do monarca no parlamentarismo britânico27. O papel do Imperador na vida
política do País, cujo desenho constitucional foi traçado pelo e para D. Pedro I,
mas que foi efetivamente exercido e, por conseguinte, definido na prática política
por D. Pedro II, parecia melhor se adequar à máxima de Itaboraí: “o rei reina,
governa e administra”.
Com efeito, o regime em vigor durante o Segundo Reinado, seja pela
simples existência do Poder Moderador, seja pelas suas atribuições, ou ainda, seja,

27
A respeito da discussão teórica que se travou durante o Império sobre as fórmulas “o rei reina,
mas não governa” e “o rei reina, governa e administra”, defendidas, respectivamente, por
ZACARIAS GÓES E VASCONCELOS e BRAZ FLORENTINO, vide CHACON, VALMIREH,
“Vida e Morte das Constituições Brasileiras”, Rio de Janeiro: Forense, 1987, pp. 72 e segs.
28

mais especificamente, pelos traços conferidos por D. Pedro II, foi marcado por
uma maior participação do Imperador na composição do governo, e, neste quadro,
a prática parlamentarista do Império, em que pese as aparências, escapava ao mais
básico dos fundamentos deste sistema de governo, a saber o governo oriundo do
Parlamento28. O parlamentarismo que se instalou no País a partir de 1847 seguiu,
na prática, um mecanismo diametralmente oposto, onde o Imperador escolhia o
governo e este estabelecia as regras para os pleitos eleitorais, de modo que destes
resultassem a composição de um Parlamento à sua imagem e semelhança. Nesse
sentido, observa RENATO LESSA:

“o Imperador escolhe o governo e este invariavelmente faz das eleições um ritual


para obtenção de apoio majoritário. Esta conseqüência, instituída em 1847,
inverte as regras do Parlamentarismo clássico, no qual o governo é, em alguma
medida, expressão de maiorias parlamentares. No caso imperial ocorreu o
contrário: as maiorias eram, na verdade, expressões da orientação do Poder
Executivo, instalado por iniciativa do Poder Moderador.”
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E prossegue o autor:

“A ausência de mecanismos capazes de alterar essa direção, no sentido de que


eleições sejam anteriores politicamente aos governos, fez com que a única forma
de acesso dos partidos ao poder fosse a escolha imperial constitucionalmente
irresponsável. Isso fez de conservadores e liberais habitantes de um drama
político: os procedimentos que conduzem à glória são idênticos aos que
proporcionam decadência. (...)
Do ponto de vista das facções, era arriscada a aposta em projetos de reforma
que incluíssem a retração do Poder Moderador às idílicas atribuições de um rei
que apenas reinasse. A cláusula do Visconde de Itaboraí - o Rei reina, governa e
administra - se por um lado limita as faculdades do governo, por outro lado
significa uma malha protetora diante da difundida tradição de falcatruas
eleitorais.
Assim se estabelece o paradoxo da representação: O Poder Moderador, fonte da
inversão do sistema representativo, aparece como único elo capaz de resguardar
a vontade nacional, maculada pela fraude e pela manipulação das facções. No
limite, para as elites partidárias era preferível a previsibilidade da tutela - que
era fonte de suas identidades políticas - à incerteza e o risco da competição
política aberta. Alguns diriam: servidão voluntária. O juízo parece apropriado,
com a condição de por servidão voluntária indicar-se uma relação na qual os
que servem desfrutam de benefícios compensatórios.”29

28
PHILIPEE LAUVAUX, em abordagem histórica acerca da formação do parlamentarismo na
Inglaterra, após narrar o episódio em que o primeiro-ministro lorde North demite-se com todo o
seu gabinete, em 1782, em função do descontentamento do Parlamento em relação ao resultado da
guerra da América, afirma que: “graças a essa demissão coletiva, foram sancionados os
princípios nascentes de responsabilidade e solidariedade do ministério que constituem os
princípios fundamentais do parlamentarismo”. (Op. Cit., p. 23)
29
Op. Cit., pp. 34-35.
29

Os partidos políticos, portanto, não eram simples joguetes nas mãos do


Imperador. Uma vez no poder, o partido se estabelecia e era responsável não
apenas pelo governo, mas também pela composição de toda a sua malha
administrativa, o que gerava, à medida que os partidos se alternavam no poder
pela escolha imperial, ampla redistribuição de cargos e empregos no serviço
público. Esta prática foi legitimada em sede doutrinária pelo Ministro Alves
Branco o qual, segundo expõe RENATO LESSA, defendia que “os funcionários
públicos devem lealdade não ao Estado, entidade abstrata, mas ao governo que,
de modo prático, realiza a obra administrativa”. “Daí – prossegue o Professor do
IUPERJ – segue-se perverso silogismo: se os funcionários públicos devem
lealdade ao governo e se o governo é a materialização de uma diretriz partidária,
logo, aqueles funcionários devem obediência compulsória ao partido que ocupa o
governo”.30
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Na esteira desse raciocínio, observa FERNANDO HENRIQUE


CARDOSO que:

“No ápice do sistema o papel político do Imperador era decisivo. A ele cabia
dissolver as Câmaras, chamar novos Gabinetes e estes não só “derrubavam” as
situações políticas provinciais e locais como nomeavam novos funcionários. O
exercício da função pública confundia-se com o preenchimento das expectativas
de lealdades partidárias, aberta e justificadamente aos olhos da época, graças à
teoria dos “direitos próprios” da Administração para nomear “seus” homens.
Como não existiam de fato “partidos de representação”, posto que os eleitores
eram circunscritos e as eleições faziam-se por círculos que separavam votantes
de eleitores, garantindo-se, com isso, que o colégio de eleitores fosse uma
espécie de clube de senhores, era decisivo o papel do Imperador para que
funcionasse a rotatividade política do Império e para que se cumprisse o ersatz
de opinião eleitoral da época. Graças às mudanças de inclinação política do
monarca, ventos novos podiam soprar e, com essa ficção de democracia
parlamentarista, impedia-se que os interesses locais se eternizassem com o
predomínio da mesma oligarquia. Havia sempre a ameaça de uma oligarquia
emergente a disputar as preferências imperiais e que tinha chance, uma vez
dissolvida a Câmara e nomeados novos presidentes de província pelo Chefe do
Gabinete em ascensão, de refazer uma “maioria”.”31

30
Op. Cit., p. 26.
31
CARDOSO, FERNANDO HENRIQUE. “Dos Governos militares a Prudente – Campos
Sales”, in. FAUSTO, BORIS (Org.), “História Geral da Civilização Brasileira”, Tomo III. O
Brasil Republicano, vol. 1. Estrutura de Poder e Economia (1889-1930), 6.ª ed., Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997, pp. 27-28.
30

Esta constatação permite-nos afirmar que, dada a forma como se


processava a chegada dos partidos políticos ao poder, o governo não era composto
de representantes do povo; era, mais propriamente, constituído pelos “amigos do
Rei”.
Por derradeiro, cumpre ainda observar que não havia nenhuma espécie de
fidelidade partidária ou algo que sequer disso se aproximasse, não sendo rara a
migração de membros – alguns ilustres e históricos, inclusive – de um
determinado partido para o outro. Desse modo, parece correto afirmar que os
partidos políticos que se constituíram durante o Segundo Reinado longe estavam
de constituir verdadeiras agremiações partidárias com ideologia bem definida,
aproximando-se antes de agrupamentos de agentes políticos que apresentavam,
em um determinado momento, interesses comuns a serem preservados com a
tomada do poder político. Daí a assertiva de NELSON SALDANHA de que “a
diferença entre conservadores e liberais, no Brasil do século XIX, correspondia
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em certas províncias a uma diferença pessoal, a uma inimizade (inclusive


desdobrada em inimizade de grupos familiares). Ou, então, a diferença se
compunha na conciliação e nas dissidências oscilantes”.32
Assim, se com o fim das revoltas regionais que marcaram a primeira
metade do século XIX, ou, mais precisamente, a partir do ano de 1850, o qual “é
visto pela historiografia como um marco decisivo no processo de consolidação do
Estado imperial”33, a elite imperial consegue compor suas divergências,
encontrando na unidade política nacional o seu divisor comum, o novo quadro
econômico e social que se desenvolve nos anos seguintes, sobretudo a partir de
1870, revela uma gama de questões de difícil composição harmoniosa intra-elite,
marcando o encerramento do período relativamente pacífico do Segundo Reinado.
É que nada obstante as mudanças operadas no quadro social e, sobretudo,
econômico ao longo do Segundo Reinado, o quadro político permanecia
inalterado, sempre marcado pela monótona alternância dos gabinetes: ora
dominado pelo Partido Liberal, ora pelo Partido Conservador, partidos
diferenciados dentro de uma mesma velha elite que, outrora dominante no campo

32
SALDANHA, NELSON, “O Pensamento Político no Brasil”, Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
64.
33
BASILE, MARCELLO OTÁVIO N. DE C., “O Império Brasileiro: Panorama Político”, in.
LINHARES, MARIA YEDDA (org), “História Geral do Brasil”, 9.ª edição, Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1990, p. 249.
31

econômico, havia se consolidado também no terreno político. Ocorre que o


surgimento do café como pivô da economia brasileira ao longo da segunda metade
do século XIX e, sobretudo, o surgimento do cafeicultor como agente político de
infinita grandeza, colocava em xeque a composição do quadro político do
Império, até então mantido por uma elite economicamente decadente. Havia,
portanto, uma forte tensão entre a classe política dominante e a classe econômica
em ascensão, não necessariamente no que tange ao controle absoluto do poder
político, mas na simples participação nas tomadas de decisão referentes à
condução da política nacional. Esta tensão era marcada pela resistência oferecida
pela classe política dirigente ao ingresso dos representantes deste novo setor
econômico na composição do governo e é a partir desta tensão que se devem
avaliar os principais acontecimentos políticos nas duas últimas décadas do
Império, especialmente o surgimento e o desenvolvimento do movimento
republicano, a partir de 1870.
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Em resumo, esta análise panorâmica dos quadros econômico, social e


político, revela-se suficiente para demonstrar que não apenas não havia uma linha
contínua ligando as manifestações republicanas dos primeiros anos do Império ao
movimento que surge oficialmente em 1870, através da publicação do Manifesto
Republicano, com a posterior criação do Partido Republicano em 1873, como
também se pode notar que houve entre estes dois momentos um período de longo
descanso na pregação de idéias republicanas, tendo a elite encontrado outros
meios para resolver seus conflitos.
Resta verificar como ocorreu, dentro do quadro político, econômico e
social do Segundo Reinado, o surgimento do movimento republicano, bem como
quem foram os seus condutores, de modo a compreender não apenas as causas que
impulsionaram o movimento que se seguiu, mas também o nexo causal destes
acontecimentos com a queda da monarquia e a conseqüente proclamação da
República.

2.2.2. O Movimento Republicano e a Queda da Monarquia

O desenho do quadro econômico, social e político que se consolidou ao


longo da segunda metade do século XIX, traçado em breves linhas no tópico
32

anterior, demonstra não apenas o surgimento de novas classes, atores e interesses,


mas ainda a esperada resistência oferecida pelo establishment a estas novidades.
Encontrar neste cenário a trajetória do republicanismo torna-se tarefa assaz
complexa, na medida em que a diversidade, que marcava tanto os novos atores
quanto os seus interesses, apontava razões distintas – não raro de difícil
composição, quando não frontalmente inconciliáveis – à adesão dos grupos sociais
ao ideal republicano. A chegada da República por diversas frentes à ordem do dia,
movida por interesses dentre os mais distintos, já aponta uma dificuldade aos que
se propõem à análise da trajetória do republicanismo durante as últimas décadas
do Império: sua caracterização como um movimento, dotado de unidade e
continuidade. É que a idéia republicana poderia revestir-se tanto de um caráter
ideológico, como de uma simples alternativa de oposição ao governo, e, tanto em
um caso como no outro, poderia apresentar inúmeras variações.
Assim, cabe, em um primeiro momento, distinguir, dentre os republicanos,
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aqueles que se opõem à Monarquia como forma de governo e aqueles que se


opõem simplesmente a um determinado governo e fazem uso da República como
simples pretexto para melhor externarem sua contestação e, assim, dar maior
luminosidade à sua nota de desagravo. Esta distinção, embora preliminar, já bem
demonstra a dificuldade de se enquadrar o republicanismo como um movimento,
único e contínuo, eis que não apenas a unidade estaria, desde o início, condenada
por conta desta divisão assinalada, como também a continuidade estaria
profundamente comprometida pela instabilidade que marca a permanência no
grupo republicano daqueles que se opõem ao governo, mais do que à sua forma,
pois, uma vez atendidos os seus interesses, retornariam à defesa do status quo.
Estes diferentes tipos republicanos distribuíram-se pelo mapa geopolítico
do Império, adquirindo maior destaque nas províncias de São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul, cada qual a seu modo.
O início da luta pela República em São Paulo data oficialmente de
3.12.1870, com a distribuição do primeiro número do jornal A República, onde foi
publicado o famigerado Manifesto Republicano, que marcaria o início do
movimento republicano no país. O Manifesto Republicano substancialmente
pouco inovava em relação às críticas que já eram feitas à organização política
vigente, dirigidas ao Poder Moderador, ao sistema eleitoral e à centralização do
poder. Com efeito, críticas semelhantes haviam sido disparadas no ano anterior
33

pelos liberais que, descontentes com a conduta do seu partido, deram publicidade
ao Manifesto Liberal Radical, que exigia amplas reformas eleitorais, eleições
diretas em todos os níveis, responsabilidade ministerial perante o parlamento, total
liberdade religiosa, descentralização da autoridade e a emancipação dos
escravos34. A importância do Manifesto Republicano, portanto, não reside nas
reiteradas críticas dirigidas à organização política imperial, mas justamente
naquilo que melhor distingue este documento: a exigência do fim do sistema
imperial. Desse modo, reclamava não a mudança de determinada política adotada
pelo governo, ou mesmo do próprio governo, mas a mudança na fonte de
legitimidade do poder político. Se quantitativamente este era apenas mais um
tópico adicionado às insatisfações de setores excluídos (alguns apenas
ocasionalmente) em relação ao governo, qualitativamente em muito superava as
críticas até então dirigidas à organização política do País. É que a idéia de
República, embora tenha experimentado uma significativa variação de
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significados ao longo da história, como recorda ADRIANO PILATTI, guarda um


feixe de atributos mínimos que determinam a configuração de seu conceito e que
transcende as peculiaridades adquiridas pelo conceito no tempo e no espaço.
Nesse sentido, traz o autor o seguinte o inventário:

“afirmação radical de uma concepção igualitária de bem público, cujo titular e


destinatário é o povo, compreendido como multidão de cidadãos livres, porque
iguais em direitos (e não de súditos segregados com base em discriminações
odiosas de linhagem, das quais decorrem privilégios transmissíveis por
hereditariedade, e outras superstições do mesmo naipe); rigorosa distinção entre
o patrimônio público (que pertence coletivamente à multidão cidadã e não pode
sofrer apropriação particular por quem quer que seja) e o patrimônio privado
dos governantes, distinção esta que deve nortear a atuação de todos os agentes
estatais, sobretudo quando traduzida em atos de gestão da coisa pública,
impondo-lhes os deveres inarredáveis de impessoalidade e de prestação de
contas; eletividade dos governantes (ao menos, enquanto houver governantes e
governados...), mormente do chefe de Estado, temporariedade dos seus
mandatos, e conseqüente periodicidade das eleições; possibilidade de
responsabilização político-jurídica de todos os agentes públicos, sem exceção,
pela prática de atos lesivos ao bem público.”35

Nota-se, portanto, que a inserção deste singular tópico nos protestos


dirigidos contra o governo imperial trazia inúmeras e significativas

34
SANTOS, WANDERLEY GUILHERME DOS, op. cit., pp. 89-90.
34

conseqüências, que representavam um preço tão alto a ponto de suscitar dúvidas


quanto à disposição de seus próprios proponentes em pagá-los. Nesse sentido, faz-
se imperioso registrar o contexto sob o qual se deu o surgimento do Manifesto
Republicano a fim de verificar o que efetivamente pretendiam os seus signatários,
ou por outra, dentre as exigências apresentadas pelos então republicanos, quais
eram realmente imprescindíveis e inegociáveis e, o que aqui figura como mais
importante, se a República era uma delas.
O Manifesto Republicano foi publicado em meio a uma crise política que
havia se instalado no país a partir da queda, em 1868, do Ministério liberal de
Zacarias de Góes e Vasconcelos, por ultimatum do Marquês de Caxias, devido às
suas divergências em relação à condução da Guerra do Paraguai. Com a queda dos
liberais, pela ação de Caxias, assumiu o governo o Partido Conservador, sob o
comando do não menos conservador Visconde de Itaboraí, tornando ainda mais
nítida a contra-mão em que seguia a condução política do País em relação ao
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desenvolvimento do setor econômico. No ano seguinte, o Partido Liberal, que


acabara de ser demitido do governo, cindiu-se em duas alas: a dos moderados e a
dos radicais, tendo esta última se aproximado das idéias republicanas e
integrando, mais tarde, o Partido Republicano no Rio de Janeiro. Nesse mesmo
sentido, narra sinteticamente NELSON SALDANHA:

“A caracterização da idéia republicana se inicia propriamente por volta de


1868, quando a ala dita então radical do Partido Liberal pleiteou reformas que
tenderiam – se obtidas – a abalar a Monarquia. Em 1869, foi lançado uma
manifesto do Centro Liberal pernambucano, com assinatura de Nabuco de
Araújo, Teófilo Otoni, Zacarias e outros, denunciando, em termos inéditos, a
situação do país e pedindo reformas prementes. No mesmo ano, Saldanha
Marinho, em folheto anônimo intitulado O Rei e o Partido Liberal, conclamava a
nação a combater a Monarquia e o predomínio conservador.”36

O fato de a publicação do Manifesto Republicano ter acontecido dois anos


após a queda do gabinete Zacarias e um ano após o rompimento dos liberais
radicais com o seu partido, poderia sugerir que tal documento representava apenas
uma resposta, com um tom um pouco mais ameaçador, ao governo imperial, ou
seja, seria mais um pedido de reconsideração do que uma adesão consciente,

35
PILATTI, ADRIANO, “O Princípio Republicano na Constituição de 1988”, in. PEIXINHO,
MANOEL MESSIAS; NASCIMENTO, FIRLY; GUERRA, ISABELA FRANCO, “Os Princípios
da Constituição de 1988”, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
36
Op. Cit., p. 94.
35

coerente e fidedigna ao ideal republicano. E, efetivamente, com a volta dos


liberais ao poder, dez anos após a queda do Gabinete Zacarias, verifica-se que o
movimento republicano sofreu um forte abalo e muitos de seus membros, que
haviam abandonado o Partido Liberal, retornaram ao seu partido de origem.
Impende, ainda, assinalar que alguns destes republicanos que retornaram ao
Partido Liberal tão logo este reassumiu o governo, haviam subscrito o Manifesto
Republicano, o que parece indicar que este documento seria mais um manifesto
liberal do que republicano.
No entanto, se era somente este o objetivo do Manifesto, pode-se dizer que
neste caso a criatura superou o criador, pois a idéia republicana já interessava a
setores diversos da sociedade por razões não menos diversas, escapando
sobremaneira ao controle dos signatários daquele documento. Nesse sentido, vale
recordar que após a publicação do Manifesto Republicano, surgiram partidos,
clubes e jornais expressamente inclinados a este novo ideal, atingindo um quadro,
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nos anos finais da monarquia, onde a idéia republicana, como assinala NELSON
SALDANHA, “conviveu quase oficialmente com o pensamento governamental
do Império”. Assim, o ideal republicano, embora tivesse, ao menos
simbolicamente, nascido com o Manifesto Republicano, apresentando, portanto,
um ponto comum em seu início, havia se espalhado e apresentava-se, desde então,
a partir de diversas frentes, que cobriam desde os fazendeiros paulistas até os
positivistas do Rio Grande do Sul, que pouco ou nada tinham em comum. Desse
modo, não se deve reduzir o significado do Manifesto Republicano a um simples
manifesto pelo retorno ao poder por parte de liberais descontentes. Deve-se
recordar que se é verdade que a volta dos liberais ao governo em 1878 trouxe
muitos republicanos de volta ao Partido Liberal, revelando que o republicanismo
era mais aparente ou circunstancial do que real, não é menos verdade que tal
migração partidária ocorreu mais fortemente no Rio de Janeiro do que em São
Paulo, eis que, como lembra LEONCIO BASBAUM, “os paulistas tinham razões
mais fortes e poderosas para serem republicanos, que os idealistas do Rio e do
Norte do País”37.
Com efeito, o retorno do Partido Liberal ao governo em pouco ou nada
alterava o quadro político no que se refere à participação dos cafeicultores

37
Op. Cit., p. 212.
36

paulistas na composição do governo, que permaneciam excluídos do processo de


tomada de decisão em questões políticas fundamentais embora fossem naquele
momento o setor que sustentava o Império economicamente. O Manifesto
Republicano não seria então um manifesto liberal, mas um manifesto pelo poder
político, reclamado por aqueles que já detinham o poder econômico. A revolta dos
paulistas, neste caso, não parecia despropositada. Dos trinta ministérios que se
sucederam da criação do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, em 1847,
até o final do Império, em 1889, somente dois chefes de gabinete provinham de
São Paulo. Dentre os demais chefes de gabinete, onze eram oriundos da Bahia,
cinco de Minas Gerais, cinco de Pernambuco e quatro do Rio de Janeiro, sendo os
restantes do Maranhão, Alagoas e Piauí. Ainda, conforme inventário trazido por
MARCELLO OTÁVIO N. DE C. BASILE:

“dos cento e treze ministros que passaram pelos catorze gabinetes sucedidos
após a crise política de 1868, somente dez eram políticos de São Paulo, enquanto
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vinte e seis provinham da Bahia, dezoito de Minas Gerais, quinze do Rio de


Janeiro, doze de Pernambuco e dez do Rio Grande do Sul, além de seis do
Maranhão, cinco do Piauí, quatro do Ceará, quatro da Paraíba e três de
Alagoas. O mesmo se observa em relação aos setenta e dois conselheiros que
passaram, até 1889, pelo segundo Conselho de Estado, criado em 1841: eram
três paulistas para dezenove fluminenses (incluindo a Corte), quinze baianos,
doze mineiros e quatro pernambucanos, entre outros. Quanto aos senadores, dos
cinqüenta e nove existentes em 1889, apenas três eram de São Paulo, o mesmo
número que possuía o Pará, enquanto Minas Gerais tinha dez, Bahia, seis,
Pernambuco, seis e Rio de Janeiro, cinco. Por fim, a representação paulista na
Câmara dos Deputados resumia-se a nove deputados, ao passo que Minas Gerais
tinha vinte, Bahia, catorze, Pernambuco, treze e Rio de Janeiro, doze. Há que se
considerar, ainda, os fatores de ordem financeira como os pesados encargos
tributários que recaíam sobre a província, que contribuía com a sexta parte
(20.000.000$000) da renda total fornecida anualmente pelas províncias ao
governo central, deste recebendo em troca somente 3.000.000$00038.

Excluídos da composição do governo e sem receber a atenção para a sua


região, os republicanos paulistas deixavam seu republicanismo confundir-se com
o federalismo, aproximando-se mesmo do separatismo, uma idéia que, já cogitada
desde o final da década de 1870, transformou-se em propaganda abertamente
divulgada a partir de 1887 pelos periódicos Diário Popular, fundado por JOSÉ
MARIA LISBOA e AMÉRICO DE CAMPOS, e Província de São Paulo, de
RANGEL PESTANA e ALBERTO SALES39. Desse modo, não deve causar

38
BASILE, MARCELLO OTÁVIO N. DE C., op. cit., P. 290.
39
Idem.
37

espécie a tônica expressamente federalista adotada pelo Manifesto Republicano,


ao afirmar que: “O regime de federação baseado na Independência recíproca das
Províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios unicamente ligados pelo
vínculo da nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses de
representação e defesa exterior, é aquele que adotamos”.
O movimento republicano em São Paulo, entretanto, não se limitava à
classe dos fazendeiros, e o Manifesto Republicano, com um perfil
convenientemente vago, conseguiu aglutinar os diversos setores da sociedade
paulista. LEONCIO BASBAUM, a respeito deste documento, observou que
“socialmente, não representava os interesses de uma classe definida (...)
representava apenas a posição idealista de um grupo intelectualizado da classe
média das cidades, sem grandes compromissos ou responsabilidades políticas,
sociais ou econômicas – o qual se ocupava em elaborar um documento que não
interessando a ninguém poderia interessar a todos”40.
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Desse modo, na província de São Paulo o partido congregava não só os


fazendeiros, mas também representantes dos grupos urbanos, médicos,
engenheiros, advogados, jornalistas, comerciantes, que constituíam em geral o
núcleo mais importante do partido em outras regiões do país. O movimento
republicano na província de São Paulo era formado por um grupo híbrido,
heterogêneo, embora não do modo como pode sugerir à primeira vista. É que de
um certo modo, havia uma unidade nesta multiplicidade e os integrantes do
movimento republicano, além de serem médicos, engenheiros, advogados e
fazendeiros, eram, acima de tudo, paulistas. Seus interesses convergiam, à medida
em que os fazendeiros garantiam o desenvolvimento econômico da região, com
proveito para toda a província. Deve-se recordar que o cafeicultor paulista escapa
àquela figura tradicional e até mesmo caricata do aristocrata rural conservador. A
este respeito, observa EMILIA VIOTTI DA COSTA que:

“O fazendeiro desta área distinguia-se pelo espírito progressista: procurava


aperfeiçoar os métodos de beneficiamento do café, tentava substituir o escravo
pelo imigrante, subscrevia capitais para ampliação da rede ferroviária e para a
criação de organismos de crédito. Era um pioneiro, ativo e empreendedor.
A grande mobilidade social típica das regiões pioneiras torna difícil distinguir o
homem da cidade do homem do campo. A oposição burguesia-aristocracia rural

40
Op. Cit., p. 216.
38

deixa às vezes de ter sentido nessas áreas. O que não sucede nas zonas de maior
estratificação.”41

É claro que havia divergências entre os setores que integravam o


movimento republicano em São Paulo, mas neste caso parece que as diferenças
cederam lugar à questões fundamental que era a participação da província mais
rica do País no quadro político nacional. Tal foi o caso do abolicionismo que,
presente na pauta da maior parte das manifestações republicanas nas demais
províncias, não encontrou eco no Manifesto Republicano, e nem nas atuações do
Partido Republicano Paulista que daí se seguiram. Tendo em vista que os
cafeicultores paulistas haviam abandonado a mão-de-obra escrava havia muito, tal
constatação sugere que a omissão dos republicanos paulistas a respeito da questão
abolicionista representou um artifício para atrair os setores rurais que ainda faziam
uso da mão-de-obra escrava. Mais uma vez, vale trazer à colação os comentários
de EMÍLIA VIOTTI DA COSTA:
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“A preponderância de fazendeiros explica a orientação assumida pelo partido


paulista evitando manifestar-se a propósito da emancipação dos escravos. Desde
os primórdios os dirigentes fazem questão de frisar que o Partido Republicano
nada tem a ver com a questão abolicionista não sendo de suas cogitações
realizar a abolição. Isso apesar de haver em seus quadros líderes abolicionistas
do vulto de Luís Gama. Procurava-se, evitando a questão abolicionista,
conservar as simpatias do meio rural que não obstante algumas experiências
com o trabalho livre continuava, na sua maioria, dependendo do trabalho
escravo.”42

Enquanto na província de São Paulo o núcleo do movimento republicano


era representado pelos fazendeiros, na província do Rio de Janeiro, assim como
em geral nas demais províncias, a grande maioria era constituída por
representantes das zonas urbanas, concentrando-se nas camadas intelectualizadas
e nas profissões liberais, as quais, por seu turno, representavam uma percentagem
bem pequena no conjunto da população. Logo, o republicanismo, não apenas
nesta província, como de resto em todo o país, estava longe de representar uma
aspiração popular, embora a mudança na forma de governo implicasse justamente
a entrega do poder ao povo, ao menos em sede teórica. As classes mais pobres, os

41
Op. Cit., p. 318.
42
Idem.
39

poucos operários, os escravos libertos (alforriados), o pequeno funcionalismo e os


militares não tomavam parte na vida política do país43.
Além da ausência daqueles que, teoricamente, deveriam ser os maiores
interessados nesta forma de governo, o republicanismo defendido na província do
Rio de Janeiro também muito se confundia com a mera oposição política ao
governo, o que tingia o movimento de um tom circunstancial. A ilustrar tal
assertiva, basta recordar que o movimento republicano no Rio de Janeiro sofreu
forte abalo com o retorno dos liberais ao poder em 1878, o que bem demonstra o
frágil apego ao ideal republicano. Entretanto, a oposição à monarquia que se
agarrava no ideal republicano não se limitava ao campo político. A República,
mesmo entre as camadas intelectuais sem qualquer envolvimento com o Partido
Liberal, não figurava necessariamente como um objeto em si mesmo, mas mais
uma vez como uma forma de manifestação contra o governo, só que agora em
relação a outro tema: a escravidão. Com efeito, o abolicionismo encontrava-se na
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ordem do dia e ocupava o centro dos debates e manifestações por todo o país,
mobilizando a opinião pública em favor do fim da escravidão e da condição do
Brasil como um dos últimos países a adotar o regime escravocrata. Desse modo, a
luta pelo abolicionismo, representando uma oposição ao governo que mantinha o
regime de escravidão no país, encontrou abrigo no movimento republicano. Os
fazendeiros do Rio de Janeiro, entretanto, ainda adotavam a mão-de-obra escrava
e, por conseguinte, apoiavam abertamente a monarquia, opondo-se à idéia
republicana.
Grosso modo, pode-se afirmar que o republicanismo na província do Rio
de Janeiro gravitava em torno da questão abolicionista e, desse modo, tornava-se
difícil encontrar neste movimento o autêntico republicanismo, distinguindo
aqueles que defendiam a República pela República dos que encontravam nesta
forma de governo apenas um modo de manifestar oposição à monarquia
escravocrata.
Nesse sentido, cumpre recordar que tão logo foi sancionada em 13 de maio
de 1888 a Lei Áurea, que libertou os escravos sem previsão de pagamento
indenizatório aos proprietários, os fazendeiros descontentes, que outrora
sustentavam a monarquia, ingressaram em massa no Partido Republicano, do

43
BASBAUM, LEONCIO, op. cit., p. 225.
40

mesmo modo que muitos republicanos abandonaram a causa e passaram a apoiar


abertamente a monarquia. Tal foi o caso de JOSÉ DO PATROCÍNIO, que
apelidou os fazendeiros que passaram a apoiar a República de “republicanos de
14 de maio”44.
Esta mudança ocorrida dos dois lados confere um tom caricato ao
republicanismo na província do Rio de Janeiro e bem demonstra seu papel
coadjuvante no teatro político, sempre como um meio e nunca como um fim em si
mesmo.
Também no Rio Grande do Sul o movimento pela República não buscava
apenas a República. Era, em boa parte, um movimento movido pela luta por uma
maior autonomia política da província contra o centralismo que marcava a
Monarquia, o que corrobora a observação de NELSON SALDANHA de que, a
partir de certo tempo, as idéias de centralismo e Monarquia passaram a ser
combatidas juntas, de modo que “com algumas exceções, pedir a República
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significou pedir Federação”45.


A autonomia fazia-se necessária pelo fato de que, assim como no plano
nacional – guardadas as devidas proporções – o quadro político da província do
Rio Grande do Sul, determinado pela monarquia, não refletia exatamente o quadro
econômico. Desse modo, em que pese o crescimento econômico dos comerciantes
e exportadores das regiões litorânea e serrana, seus interesses não eram
representados na política local, prejudicados pelo favorecimento dado pelo
governo imperial aos interesses tradicionais dos grandes estancieiros da
Campanha Gaúcha.
Neste cenário, os setores que pretendiam a adequação do quadro político
local à realidade econômica subjacente passaram a gravitar em torno de figuras
como JÚLIO DE CASTILHOS, o qual exercia papel central no movimento
republicano naquela província. O republicanismo de CASTILHOS, no entanto,
não pode ser reduzido aos interesses das classes gaúchas descontentes com a
organização política imperial, nem sua atuação como de mero porta-voz destes. O
ideal republicano pretendido por JÚLIO DE CASTILHOS tinha luz própria e
encontrava no positivismo de AUGUSTO COMTE sua maior inspiração.

44
BASBAUM, LEONCIO, op. cit., p. 213.
45
Op. Cit., p. 94.
41

A filosofia positivista foi largamente adotada não somente pela elite


intelectual brasileira, mas também pela maioria dos intelectuais de toda a América
Latina. No Brasil, o positivismo surgiu em contraposição ao ecletismo46 ou
hibridismo47, que marcava o pensamento filosófico da época conferindo
embasamento teórico à forma incompleta como o liberalismo, em suas diversas
vertentes, foi integrado à realidade brasileira.
O positivismo representava uma forma de pensamento evolucionista que
se baseava na ciência, desenvolvendo-se a partir de análises de causa e efeito para
a compreensão do passado e presente, permitindo ainda a previsão do futuro,
além, é claro, da melhor forma para se alcançá-lo mais rapidamente e com
menores sacrifícios sociais. Assim, em termos positivistas, o Brasil, conforme
observa WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS:

“permanecia em estágio anterior ao período de maturidade histórica que toda


sociedade atinge algum dia. Mais especificamente, o Brasil não deixara ainda o
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estágio metafísico do desenvolvimento social e precisava destruir o princípio


monárquico de organização política e o sistema escravocrata para poder
ingressar no estágio científico, caracterizado pela modernização da economia –
a criação de um sistema industrial – sob a liderança política de um despotismo
iluminado. O argumento a favor do desenvolvimento econômico, e contra a
escravidão, foi assim acoplado a um argumento contra o liberalismo político, em
virtude do caráter científico que qualquer decisão política deve e pode
revelar.”48

Os positivistas enxergavam a República como um imperativo ou uma


necessidade de ordem evolutiva da sociedade brasileira. Integravam, portanto, o
movimento republicano que se desenvolve a partir da publicação do Manifesto em
1870, mas, lembra OLIVEIRA VIANA, “eram republicanos à sua maneira, à sua
originalíssima maneira”.49 Ainda, o positivismo – e o republicanismo daí
decorrente – defendido por JÚLIO DE CASTILHOS revelou-se tão singular que
já se permite falar mesmo em “castilhismo”, como um pensamento político
dotado de certa autonomia50.

46
Op. Cit., p. 89.
47
BONAVIDES, PAULO, e ANDRADE, PAES DE, “História Constitucional do Brasil”, 3.ª ed.,
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 95.
48
Op. Cit., p. 89.
49
VIANA, OLIVEIRA, “O Ocaso do Império”, apud. BASBAUM, LEONCIO, op. cit., p. 204.
50
Neste sentido, vide RODRIGUEZ, RICARDO VÉLEZ, “Castilhismo: uma filosofia da
República”, Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.
42

Neste cenário, verifica-se que, se não havia unidade no movimento


republicano pelo país, ao menos um ponto as correntes republicanas
compartilhavam: todas as suas manifestações convergiam à oposição ao governo
monárquico, pouco importando que esta oposição fosse à forma de governo ou
precisamente ao governo de D. Pedro II. Desse modo, a monarquia encontrava-se
rodeada de oposição por todos os lados e corria sério risco de não ser derrubada,
mas simplesmente cair, por falta de apoio. A distinção faz-se necessária a fim de
se buscar a melhor compreensão dos eventos que deram ensejo ao fato ocorrido
em 15 de novembro de 1889, bem como encontrar os seus responsáveis.
A historiografia tradicional encontra na abolição e nas chamadas
"questões" religiosa e militar as razões para a derrubada da monarquia, que teriam
enfraquecido, ou apenas dado mostras do enfraquecimento do regime imperial.
Esta análise, pela extrema simplificação de fatos complexos pela própria natureza,
merece ser recebida com restrições. O aspecto insatisfatório desta abordagem para
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os fins do presente estudo torna-se claro no momento em que releva os diversos


grupos descontentes com o governo monárquico e os interesses que os atraíam ao
movimento republicano, não permitindo que se visualize com um mínimo de
precisão em que medida estes três acontecimentos, em conjunto ou mesmo
isoladamente, atendiam aos interesses dos grupos envolvidos no movimento
republicano. Assim, deve-se considerar a heterogeneidade do grupo republicano a
fim de se verificar de que forma ou em que medida cada um destes fatos atingiram
seus interesses. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a abolição da
escravatura, verifica-se que esta decisão, a um só tempo, atendeu a interesses
daqueles que eram abolicionistas históricos e que se encontravam no movimento
republicano apenas para fazer oposição ao escravagismo monárquico; atingiu
frontalmente os interesses dos fazendeiros do Vale do Paraíba, setor
economicamente decadente, que dependia deste regime de mão-de-obra; e foi
insatisfatório, beirando a indiferença, aos fazendeiros paulistas, que não mais
faziam uso da mão-de-obra escrava, eis que o interesse destes últimos centrava-se
na participação política, até então ignorada pela monarquia. Nota-se que a
abolição não implica ou não deveria implicar necessariamente o fortalecimento do
movimento republicano, podendo-se, no máximo, afirmar que ensejou o
enfraquecimento da monarquia, e ainda assim porque, à perda de sustentação do
regime pelos fazendeiros escravocratas, não houve uma correspondência em
43

relação ao apoio recebido pelos abolicionistas. Vale aqui trazer à colação a


observação atenta de EMILIA VIOTTI DA COSTA:

“A partir da proclamação da República tornou-se comum dizer que a abolição


provocou a Queda da Monarquia, pelo descontentamento que gerou entre os
fazendeiros. Essa idéia nascida da apreciação superficial e apressada dos fatos é
apenas em parte verdadeira.
Na realidade, o que se passou foi que a abolição veio dar o golpe de morte numa
estrutura colonial de produção que a custo se mantinha frente às novas
condições surgidas no país, a partir de 1850.
A classe senhorial ligada ao modo tradicional de produção, incapaz de se
adaptar às exigências de modernização da economia, foi profundamente
abalada. Ela representara até então o alicerce da Monarquia. Com a Lei Áurea a
Monarquia enfraqueceria suas próprias bases.”

E conclui:

“A abolição não é propriamente causa da República, melhor seria dizer que


ambas, Abolição e República, são sintomas de uma mesma realidade; ambas são
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repercussões, no nível institucional, de mudanças ocorridas na estrutura


econômica do país que provocaram a destruição dos esquemas tradicionais. O
mais que se pode dizer é que a abolição, abalando as classes rurais que
tradicionalmente serviam de suporte ao Trono, precipitou sua queda. Se houve
casos de fazendeiros que aderiram ao Movimento Republicano por vingança
foram casos isolados que não podem explicar o fim da monarquia.
É preciso notar ainda que a abolição afetou apenas os setores que se mantinham
apegados ao trabalho escravo e estes, na década dos oitenta, constituíam a
parcela menos dinâmica do país, pois os setores mais progressistas já se
preparavam para a utilização do trabalho livre. Continuavam apegados ao
trabalho servil apenas os fazendeiros das áreas decadentes, rotineiras e
impossibilitadas de evoluir para as novas formas de produção”.51

Do mesmo modo, a questão religiosa, a seu modo, representou antes um


enfraquecimento do regime monárquico do que necessariamente um
fortalecimento do movimento republicano. Não merece, portanto, ser
52
responsabilizada diretamente pela derrubada da monarquia .

51
Op. Cit., pp. 297-298.
52
EMÍLIA VIOTTI DA COSTA: “É exagero supor que a Questão Religiosa que indispôs
momentaneamente o Trono com a Igreja foi dos fatores primordiais na proclamação da
República. Para que isso acontecesse era preciso que a nação fosse profundamente clerical, a
Monarquia se configurasse como inimiga da Igreja e a República significasse maior força e
prestígio para o clero. De duas uma, ou a nação estava a favor dos bispos e contra D. Pedro e
então a perspectiva de substituição do Imperador pela Princesa seria vista com bons olhos em
virtude de suas conhecidas ligações com a Igreja; ou a nação era pouco simpática aos bispos e
nesse caso se solidarizaria com a Monarquia e a Questão Religiosa em vez de prejudicá-la teria
reforçado o seu prestígio. De qualquer maneira a Questão Religiosa não poderia contribuir de
maneira preponderante para a Queda da Monarquia. Quando muito, revelando o conflito entre o
Poder Civil e o Poder Religioso, contribuiria para aumentar o número dos que advogavam a
44

Objetivamente, a queda da monarquia foi realizada pelos militares, o que


coloca a questão militar no plano central nesta busca pela causa da qual o golpe de
15 de novembro foi conseqüência, embora não da forma como aparenta à primeira
vista. “O dissídio do Exército com o trono” – como anota RAYMUNDO FAORO
– “vem de longe”53 e revela-se em uma tensão entre, de um lado, a ascensão
social do Exército e a crescente importância de sua atuação na preservação de
interesses das elites do País, e, de outro, o veto permanente do governo ao seu
ingresso no palco político. Esta tensão, relaxada durante a Guerra do Paraguai, é
retomada ainda com maior propulsão após o retorno dos militares que, vitoriosos,
traziam maiores razões para exigir a participação no quadro político do País.
VISCONDE DE TAUNAY atenta que a desconsideração sofrida pelo Exército
“um tanto suspensa durante a guerra qüinqüenal do Paraguai, grandemente se
agravou depois dela, até que os despeitos e desgostos, acumulados de 1870 a
1888, fizessem explosão no fatal 15 de Novembro de 1889, em que o militarismo
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superou a bacharelocracia, derrubando ao mesmo tempo a monarquia, e todas as


instituições constitucionais, para erigir o Brasil em pretensa República
Federativa”54. A Guerra do Paraguai – assinala RAYMUNDO FAORO – “não
criou as incompatibilidades, senão que apenas as revelou, assegurando aos
soldados os prestígios e os meios de reação”55.
Neste quadro, verifica-se que os acontecimentos conhecidos como Questão
Militar representam somente a ponta de um iceberg que começou a se formar
mesmo antes da Guerra do Paraguai. A diferença é que agora o cenário político,
dada a fragilidade em que se encontrava o quadro institucional da monarquia,
tendia a favor do Exército, permitindo a este não apenas tornar-se intransigente
ante as tentativas do governo em reduzir seu papel no regime político, como
também avançar em suas exigências de participação definitiva no quadro político
do País. Assim, todas as respostas dadas aos acontecimentos englobados na

necessidade de separação da Igreja do Estado e assim indiretamente favoreceria o advento da


República que tinha essa norma como objetivo.” (Op. Cit., p. 299)
53
FAORO, RAYMUNDO, “Os Donos do Poder – formação do patronato político brasileiro”,
vol. 2, 10.ª edição, São Paulo: Globo; Publifolha, 2000 (Grandes nomes do pensamento brasileiro),
p. 79.
54
TAUNAY, ALFREDO D’ESCRAGNOLLE, “Memórias”, Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1957, p. 220, apud. FAORO, RAYMUNDO, Op. Cit., p.82.
55
Op. Cit., p.82.
45

famigerada Questão Militar, resolvem a questão no varejo, mas postergam a


solução definitiva. São dilatórias, “como todas as transações”56.
Desse modo, os impasses que se repetiam ao atendimento dos anseios do
Exército, dada a intransigência do governo, atingiram um ponto tal que somente
uma tabula rasa institucional, que permitisse a imediata redefinição de papéis e
funções no quadro político, satisfaria o Exército, o que naquele momento o
aproximou da causa republicana. Como expõe RAYMUNDO FAORO: “o ponto
de aproximação será o atrito do Exército com a política disciplinadora civil,
excludente do papel da força armada no mecanismo de governo. A República
oferece o caminho para a integração, ao preço do afastamento do trono”. E,
adiante, aponta o autor que “a intervenção militar de 15 de novembro não se
poderia conter nos limites de uma tutela dentro da monarquia, possível talvez em
1887, acariciada, na hora derradeira, por Deodoro”57. Se não era esta a única
relação entre os militares e a República – dada a doutrina positivista que inspirava
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corações entre os militares –, foi, contudo, a que se revelou decisiva para a


derrubada e substituição do regime.
Dado este quadro, cabe indagar se a reforma política exigida pelo setor
mais forte economicamente do País, mantido o regime monárquico, seria não só
necessária, mas também suficiente para atender as suas aspirações ou se, ao
contrário, fazia-se efetivamente necessária a mudança na forma de governo. Ou
seja, considerando-se que a exigência mais nítida do setor mais dinâmico do País
era a participação no processo de tomada de decisões políticas centrais, a qual lhe
era sonegada pelo quadro político dominante, poderiam as crescentes pressões ter
resultado em uma reforma política radical que contemplasse a um só tempo a
representação deste setor de forma proporcional à sua participação na economia
nacional, bem como a supremacia do Parlamento sobre o Imperador? Mais que
isso, teriam ficado os representantes destes setores satisfeitos com tais mudanças?
Cumpre recordar que nenhuma destas alterações implica necessariamente a
mudança da forma de governo monárquico para o republicano, embora ambas,
conjuntamente, assegurassem o controle do poder político aos setores econômicos
dominantes, eis que estariam devidamente representados no Parlamento que, por
seu turno, seria supremo em relação ao poder imperial.

56
FAORO, RAYMUNDO, Op. Cit., p. 90.
57
Op. Cit., p. 96.
46

Entretanto, a afirmação de que, não fosse a atuação imprevista do Exército,


os cafeicultores paulistas teriam realizado uma espécie de Revolução Gloriosa, a
qual reduziria o poder real, significando a supremacia da representação popular,
parece inverificável como – assim observa RENATO LESSA – “de resto o são
todos os juízos emitidos no futuro do pretérito”58. O que importa assinalar é que
não só a República – fosse imprescindível ou não – foi efetivamente proclamada,
como os responsáveis por este acontecimento foram agentes políticos outros que
não os que naquele momento mais exerciam pressão sobre o governo a fim de
obter maior espaço ou mesmo controlar o processo político nacional, para os
quais, portanto, a República representava apenas um meio para se atingir este fim.
A proclamação da República como uma alternativa ao governo e não à sua forma
– este verdadeiro kharma que acompanhou toda a trajetória do republicanismo ao
longo do século XIX, sempre figurando como um meio e não como um fim em si
mesmo – chegou ao seu ápice no momento em que a República foi proclamada
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sem que os novos “donos do poder” tivessem interesse em trazer o povo para a
arena da atividade política. Ademais, a proclamação da República pelas mãos dos
militares torna nebulosa a verificação da legitimidade dos responsáveis pela
condução da organização jurídica do Estado brasileiro a partir de então.
Desse modo, resta verificar como ocorreu o processo constituinte que
instituiu a República, quem foram os seus responsáveis e, sobretudo, em que
medida foram capazes de traduzir os interesses em jogo para o plano jurídico.

58
Op. Cit., p. 25.
47

3
A Organização Constitucional da República

3.1. O Governo Provisório e o Processo Constituinte

O republicanismo que se desenvolveu ao longo do Império não tinha um


perfil homogêneo, nem ao menos definido. Vários atores sociais lutaram contra o
regime imperial por não menos variadas razões e encontraram abrigo no
movimento republicano, onde melhor desempenhariam (ao menos com maior
visibilidade) suas manifestações de oposição. Isso nada obstante, a monarquia foi
derrubada e deveria ser substituída por esta República indefinida, imprecisa e
heterogênea. Assim, revela-se imprescindível verificar, dentro deste quadro
complexo, a quem coube a tarefa de elaborar a Constituição, bem como a forma
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como se deu o processo constituinte, a fim de avaliar a fidelidade da tradução


deste republicanismo para o campo jurídico, ou, por outra, se e como ocorreu o
processo que deveria conferir unidade à pluralidade que caracterizava o
republicanismo naquele momento.
Desse modo, vale lembrar que a derrubada do regime monárquico, mal ou
bem, foi executada por um grupo de militares, cabendo a estes definir quais
seriam os próximos passos deste processo de mudança de regime, assim como
aqueles que estariam nele envolvidos. Com efeito, se o processo que culminou
com a queda da monarquia não representou um movimento popular, também não
o deveria ser (ao menos não necessariamente) a condução do processo de
mudança do regime. Assim, fosse por um rito democrático, fosse por qualquer
outro meio, certo é que os fautores da derrubada da monarquia, avocando a si a
legitimidade decorrente desta condição, teriam participação decisiva neste
processo.
Nesse sentido, cumpre observar que as primeiras medidas adotadas por
este grupo revolucionário denotam certa preocupação com a juridicidade do novo
regime político. Assim, no mesmo dia em que foi derrubada a monarquia, foi
também aprovado o Decreto n.º 01, que estabelecia como “forma de governo da
Nação Brasileira a República Federativa” (art. 1.º), dispondo especialmente
48

sobre as ex-províncias, que passariam a partir de então a integrar os Estados


Unidos do Brasil (art. 2.º), o que, de certo modo, já profetizava a influência
exercida pelo direito constitucional norte-americano na elaboração do texto
constitucional republicano brasileiro. Portanto, o referido decreto, da lavra de RUI
BARBOSA1, deixava assente no plano jurídico tanto a República, há pouco
proclamada, como a Federação, há tempos exigida, estabelecendo as normas que
deveriam reger, ainda que provisoriamente, os Estados-membros, outrora meras
províncias do Império2. Estabelecia, assim, que cada um desses Estados “no
exercício de sua legítima soberania” aprovaria oportunamente a sua própria
Constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos

1
BONAVIDES, PAULO, e ANDRADE, PAES, Op. Cit., p. 211.
2
Vale transcrever o texto do decreto inaugural do ordenamento jurídico republicano, in verbis:
“Decreto n.º 1, de 15.11.1889: O GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS
UNIDOS DO BRASIL DECRETA:
Art 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação
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brasileira - a República Federativa.


Art 2º - As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados
Unidos do Brasil.
Art 3º - Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará
oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus
Governos locais.
Art 4º - Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do
Brasil e bem assim à eleição das Legislaturas de cada um dos Estados, será regida a Nação
brasileira pelo Governo Provisório da República; e os novos Estados pelos Governos que hajam
proclamado ou, na falta destes, por Governadores delegados do Governo Provisório.
Art 5º - Os Governos dos Estados federados adotarão com urgência todas as providências
necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade
e dos direitos dos cidadãos quer nacionais quer estrangeiros.
Art 6º - Em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao Governo
local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade públicas,
efetuará o Governo Provisório a intervenção necessária para, com o apoio da força pública,
assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.
Art 7º - Sendo a República Federativa brasileira a forma de governo proclamada, o Governo
Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum Governo local contrário à forma
republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da Nação,
livremente expressado pelo sufrágio popular.
Art 8º - A força pública regular, representada pelas três armas do Exército e pela Armada
nacional, de que existam guarnições ou contingentes nas diversas Províncias, continuará
subordinada e exclusivamente dependente de Governo Provisório da República, podendo os
Governos locais, pelos meios ao seu alcance, decretar a organização de uma guarda cívica
destinada ao policiamento do território de cada um dos novos Estados.
Art 9º - Ficam igualmente subordinadas ao Governo Provisório da República todas as repartições
civis e militares até aqui subordinadas ao Governo central da Nação brasileira.
Art 10 - O território do Município Neutro fica provisoriamente sob a administração imediata do
Governo Provisório da República e a Cidade do Rio de Janeiro constituída, também,
provisoriamente, sede do Poder federal.
Art 11 - Ficam encarregados da execução deste Decreto, na parte que a cada um pertença, os
Secretários de Estado das diversas repartições ou Ministérios do atual Governo Provisório.
Marechal Manuel Deodoro da Fonseca (Chefe do Governo Provisório), S. Lôbo, Rui Barbosa, Q.
Bocaiúva, Benjamin Constant, WandenkoIk Correia. Diário Oficial da República Federativa
Brasileira, 16-11-1889 - Ano XVIII - Nº 315.”
49

locais (art. 3.º), não sendo reconhecido nenhum governo local contrário à forma
republicana estabelecida (art. 7.º). Ainda, o aludido decreto determinava que,
enquanto não se procedesse pelos meios regulares à eleição do Congresso
Constituinte e à eleição das legislaturas de cada um dos Estados, ficaria a Nação
sob a regência do Governo Provisório da República (art. 4.º), liderado pelo
Marechal DEODORO DA FONSECA, e composto ainda por ARISTIDES LOBO
(Ministério do Interior), RUI BARBOSA (Ministério da Fazenda), BENJAMIN
CONSTANT (Ministério da Guerra e Ministério de Instrução Pública, Correios e
Telégrafos), EDUARDO WANDENKOLK (Ministério da Marinha), CAMPOS
SALES (Ministério da Justiça) e QUINTINO BOCAIÚVA (Ministério da
Agricultura e Ministério das Relações Exteriores).
Ato contínuo, o Governo Provisório, assim reconhecido pelo referido
Decreto n.º 01, de 15.11.1889, passou a tratar com maior proximidade dos
governos estaduais, a fim de assegurar a unidade do governo na Federação recém-
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criada, através do Decreto n.º 07, de 20.11.1889, o qual dissolvia e extinguia as


assembléias provinciais ao mesmo passo em que fixava os poderes dos
governadores, competentes para exercerem também em caráter provisório funções
executivas e legislativas. Entretanto, como anotam PAULO BONAVIDES e
PAES DE ANDRADE:

“o Poder Central se reservava a faculdade de sujeitar tais atribuições e


franquias ao seu controle, tanto para alargá-las como para diminuí-las e até
mesmo para extingui-las, conforme dispunha o art. 3.º, onde o Governo
Provisório fez prevalecer o princípio de sua supremacia em nome da União, sem
quebrantar todavia o caráter federativo do sistema. 3

Ainda segundo este decreto, os Estados se tornavam autônomos em


matérias tais como tributação, desapropriação e instrução pública, embora não
alcançassem esse mesmo grau de autonomia em relação ao estabelecimento da
força pública estadual, que se organizaria de acordo com o Governo Federal.
O Governo Provisório aprovou também o Decreto n.º 10, de 23.11.1889,
limitando a esfera de atribuições dos governos estaduais, atribuindo ao Poder
Central a competência para o preenchimento de lugares-chaves da administração
estadual, desde a nomeação de Governadores provisórios até a dos comandantes
de armas.
50

Além destas medidas relativas à federação, vale ainda ressaltar os decretos


n.º 06 e 119-A, expedidos, respectivamente, em 19.11.1889 e 07.01.1890, o
primeiro instituindo o sufrágio universal e o segundo determinando a separação
entre Igreja e Estado.
Este conjunto de atos normativos editados pelo Governo produziu uma
espécie de ordenamento jurídico provisório a fim de reger a transição
constitucional do País, ou, como prefere PAULO BONAVIDES, “uma
Constituição de bolso, emergencial, para reger o País, evitar o caos e decretar as
bases fundamentais da organização política imediatamente estabelecida”. No
entanto, ainda que fosse uma “Constituição de bolso”, destinada apenas a
preencher o vácuo constitucional que o País atravessaria, importa frisar que estas
normas estavam em pleno vigor, em contato direto com a realidade, e que,
portanto, certamente exerceriam forte influência sobre os trabalhos constituintes
que se seguiriam.
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O Governo Provisório deu início à organização dos trabalhos constituintes


a partir da edição do Decreto n.º 29, em 03.12.1889, menos de um mês após a
proclamação da República. Este decreto, cuja data de publicação rendeu
homenagens ao Manifesto Republicano e ao lançamento do jornal A República
(03.12.1870), instituiu uma Comissão incumbida da elaboração de um
Anteprojeto de Constituição, que deveria ser remetido à Assembléia Constituinte,
ainda a ser convocada. A Comissão dos Cinco, como ficou conhecida, era
presidida por JOAQUIM SALDANHA MARINHO, e composta ainda por
AMÉRICO BRASILIENSE (Vice-Presidente), ANTONIO LUIZ DOS SANTOS
WERNECK, FRANCISCO RANGEL PESTANA e JOSÉ ANTONIO PEREIRA
DE MAGALHÃES CASTRO, todos juristas e antigos membros do Partido
Liberal, que, a partir da década de 1870, aderiram às idéias republicanas, alguns,
inclusive, como subscritores do Manifesto Republicano. A composição
relativamente homogênea desta Comissão bem demonstra o desenho
constitucional esperado pelo Governo Provisório, eis que o projeto deveria “servir
de base aos debates e, do mesmo passo, por inferência implícita, condensar o
pensamento constituinte prévio do Governo”4. Cabe ainda observar que o
Governo Provisório, dias após haver constituído a Comissão dos Cinco, editou o

3
Op. Cit., p. 212.
4
BONAVIDES, PAULO, e ANDRADE, PAES, op. cit., p. 213.
51

Decreto n.º 78-B, de 21.12.1889, designando o dia 15.09.1890 para a eleição geral
da Assembléia Constituinte e o início de seus trabalhos para 15.11.1890, de modo
que, entre a data do início dos trabalhos da Comissão e a dos trabalhos
constituintes, se passaria um prazo de quase um ano. Houvesse ou não motivo5 a
justificar tamanho espaço de tempo, deve-se observar que este "generoso"
interregno engrandece significativamente a importância do trabalho prévio
desenvolvido pela Comissão, sobretudo considerando-se as previsíveis pressões
que, com o tempo, far-se-iam presentes pelo retorno do País à legalidade através
da aprovação de uma Constituição, o que já se podia verificar nas considerações
feitas pelo Marechal DEODORO DA FONSECA ao lavrar o Decreto n.º 78-B:
não tinha outro interesse senão limitar a sua responsabilidade na ordem do tempo,
fazendo mais próxima a organização definitiva dos Estados Unidos do Brasil.
A Comissão instalou-se em janeiro de 1890 e estabeleceu que, numa
primeira fase, cada membro desse pequeno colegiado poderia apresentar
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individualmente o seu Projeto, como um esboço prévio de idéias e sugestões


(exceção do presidente), do que resultaram três projetos, eis que os srs. SANTOS
WERNECK e RANGEL PESTANA apresentaram um projeto conjunto. Vale
trazer à colação a análise dos três projetos publicada no jornal Estado de S. Paulo
de 24.02.1915:

“O projeto A. Brasiliense constituía as antigas províncias em Estados, com seus


atuais limites. Admitia a intervenção da União nos Estados, em caso de
perturbação interna, quando “requisitada pelas autoridades legalmente
constituídas”. O Poder Legislativo competia a duas Câmaras: o Senado, com
quatro senadores por Estado, eleitos por seis anos pelas legislaturas estaduais; a
Câmara dos representantes, com mandato por quatro anos e eleita por sufrágio
direto. O Presidente da Republica, cujo período duraria quatro anos, seria
escolhido por eleição indireta, com eleitores especiais. Os ministros
compareceriam ás câmaras. O Judiciário teria á sua frente uma “Corte Suprema
de Justiça”, composta de juizes eleitos pelas legislaturas estaduais, dando cada
Estado um juiz.

O projeto Werneck-Pestana compunha a federação de Estados, distrito federal,


províncias e territórios. No caso de perturbação interna, a intervenção se daria a
pedido do “governo de Estado”. Discriminando as rendas publicas, entregava o
imposto de exportação aos Estados e o de importação á União. Autorizava os

5
Conforme apontam PAULO BONAVIDES e PAES DE ANDRADE, ao lavrar o Decreto n.º 78-
B, Deodoro frisou, em suas considerações, “que a reunião da Constituinte demandava
providências preliminares, sujeitas a certo lapso de tempo inevitável. Tais providências vinham a
ser: a organização do regime eleitoral, o alistamento do novo eleitorado, o prazo indispensável à
convocação deste e a preparação do projeto de Constituição”. (Op. Cit., p. 213)
52

Estados a organizarem milícias, podendo a União mobilizá-las. Pelo artigo 47,


abolia o recrutamento militar forçado e estabelecia o sorteio, em falta de
voluntários, o que veio a figurar na Constituição definitiva. Determinava o
arbitramento obrigatório para as questões internacionais (art. III). O Legislativo
compreendia uma câmara dos Deputados eleita por três anos, e um Senado, com
três senadores por Estado, eleitos diretamente pelo eleitorado, durando o
mandato nove anos. Quanto ao Executivo, o presidente, eleito por um eleitorado
especial, exerceria o cargo durante sete anos, não podendo ser reeleito em tempo
algum. O regime é nitidamente presidencial: os secretários ou ministros não
compareceriam ao Congresso, entendendo-se com este por escrito. A’ cabeça do
Judiciário, um “Supremo Tribunal de Justiça”, cujos membros seriam eleitos
pelo Senado, sem nenhuma intervenção do Presidente da Republica.

O projeto Magalhães Castro dividia o território nacional em Estados e


territórios. Exerceriam o Poder Legislativo a câmara dos Deputados, eleita por
três anos, e o Senado, com senadores eleitos pelas legislaturas dos Estados e por
seis anos. O Presidente e o Vice-Presidente da Republica, eleitos pelas
municipalidades, receberiam o mandato por cinco anos, podendo obter reeleição
passados dois períodos. Um “Supremo Tribunal de Justiça” teria os seus juizes
eleitos pelo Congresso e escolheria o procurador geral, que poderia denunciar o
Presidente da Republica.”6
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A Comissão analisou os três projetos e foi aprovando e rejeitando


dispositivos até chegar a um projeto definitivo, que a Comissão assinou e
subscreveu unanimemente sem discrepâncias. Neste projeto, conforme prossegue
a análise acima:

“as antigas províncias passaram a ser consideradas Estados; não se falava em


territórios, porque o Dr. Magalhães Castro cedeu a empenhos do governo
provisório e abandonou sua primitiva opinião. Na distribuição das rendas
prevaleceu o projeto Werneck-Pestana; mas entendeu-se dever suprimir os
impostos de exportação, a datar de 1897. A câmara dos Deputados teve a
legislatura fixada em três anos; o Senado, eleito por sufrágio direto dos eleitores,
prolongando-se o período por nove anos, como sugeriram Werneck e Pestana. O
mandato do Presidente da República reduziu-se a cinco anos, de conformidade
com a lembrança de Magalhães Castro; mas preferiu-se a eleição por eleitorado
especial, a exemplo dos Estados Unidos e da Argentina. Os secretários de Estado
não podiam comparecer ás sessões do Congresso; só iriam ás comissões prestar
esclarecimentos. Enfim, no Judiciário, determinava-se que o Supremo Tribunal
de Justiça se compusesse de quinze juizes, nomeados pelo Senado, sem
interferência do Poder Executivo: é o judicioso processo da Constituição
suíça.”7

Este projeto foi entregue ao Marechal DEODORO DA FONSECA em


30.05.1890, que o encaminhou aos seus ministros, a fim de que, sob a liderança de
RUI BARBOSA, procedessem a uma revisão do projeto de Constituição, antes de

6
apud. ROURE, AGENOR DE, “A Constituinte Republicana”, vol. 1.
7
Idem.
53

sua publicação através de decreto ad referendum da Assembléia Constituinte. A


revisão, efetivamente feita por RUI BARBOSA, não se limitou a aspectos
formais, adentrando em questões de conteúdo. Assim, em que pese o debate em
torno da assertiva de que teria sido o verdadeiro autor do PGP e, por fim, da
própria Constituição aprovada, fato é que RUI BARBOSA trouxe, a partir de sua
revisão, pontos bastante significativos para a organização constitucional do País.
Nesse sentido, aponta PEDRO CALMON as disposições aprovadas no texto
constitucional, que resultaram do trabalho de revisão de RUI BARBOSA, sob o
título “O que é de Rui”:

“[1] Ao art. 1.º deu Rui Barbosa a forma, que prevaleceu, declarando constituir-
se “a República Federativa” “por união perpétua e indissolúvel entre as suas
antigas províncias”. (...) [2] O projeto da comissão mandava anexar ao Estado
do Rio ou apartar em novo Estado o Distrito Federal, na hipótese da mudança da
Capital. Haveria – se concedida a anexação – o enriquecimento de um dos
Estados da federação em detrimento – teórico – do equilíbrio que lhe é inerente,
pela conservação equânime de seus valores próprios. Não quis a República
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alterar a distribuição das províncias. Fugiu a incompatibilizar-se com as


prevenções regionais, modificando a estruturação do país nos seus limites
interestaduais. (...) Com o Ato Adicional, de 1834, a questão tinha sido
maciamente resolvida. A corte – ficando a província do Rio de Janeiro com a sua
capital própria, Niterói, então elevada a cidade – a corte recebera o título de
município neutro, que automaticamente se mudou em Distrito Federal. Destituído
desta qualidade pela remoção do governo central, então é justo que se converta
em Estado como os demais. Este o parecer de Rui, vencedor no texto
constitucional – que lhe aditou a promessa de estabelecer-se a futura capital no
planalto goiano, eqüidistante e remoto... (...); [3] O art. 6.º - o famoso artigo da
intervenção federal – ganhou a sua expressão razoável graças às emendas,
aparentemente superficiais, de fato profundas, com que o eminente revisor lhe
melhorou a doutrina. Dar-se-ia a intervenção nos Estados para garantir a forma
republicana “federativa”. Seria concedida à requisição, não do governo
respectivo (como propôs a comissão), porém dos poderes locais, o que ampliava
a autoridade, para requerê-la, ao legislativo e ao judiciário, sem exclusão do
executivo estadual, de modo a não ser uma arma de uso privativo deste, que a
invocaria ao seu talante. Nem se faria apenas para garantir a execução e
cumprimento das sentenças federais, porque tinha a mesma oportunidade no
caso de desrespeito às “leis do Congresso”. Noutras palavras, serviria de
instrumento ágil e capaz para assegurar no país o império da constituição,
impedindo que a desconhecessem, ou vilipendiassem, nos Estados em desordem,
forças, poderes ou influências locais divorciados da legalidade. (...); [4] De
iniciativa de Rui foi o artigo que vedava os impostos de trânsito ou passagem de
produtos dum para outro Estado, abolidas com isto as barreiras internas, em que
se seccionaria, desarticulando-a, a economia do país. Proibia (art. 11, n.º 2) a
subvenção, e também qualquer obstáculo ao exercício de cultos religiosos. E não
permitia a decretação de leis retroativas.; [5] No capítulo do Poder Legislativo,
insistiu Rui em manifestar os seus sentimentos liberais. Não conveio com a
comissão onde suspendia a inviolabilidade dos congressistas “em todos os casos
de calúnia ou injúria”. (...) Pertence-lhe a idéia do recenseamento decenal, para
54

a apuração dos índices eleitorais (art. 28, §2.º). Foi sugestão sua (art. 33, §1.º)
caber ao presidente do Supremo Tribunal Federal a presidência do Senado,
quando este tivesse de deliberar como tribunal de justiça. Redigiu o artigo 32,
§3.º, que prefigura o impeachment. Fixou em 35 anos a idade mínima para a
eleição senatorial. [6] Aditou Rui o projeto da comissão no capítulo das
“atribuições do Congresso”, para incluir nestas a dívida pública, o ensino
superior e secundário... A instrução primária (salvo no Distrito Federal) ficaria
com os Estados. Nem se lhes impedia a legislação supletiva ou complementar
quanto àquelas espécies de ensino, dadas, “mas não privativamente”, à
competência da União. [7] O prazo presidencial fora, pela comissão, fixado em 5
anos. Aumentou-o Rui para 6. O Congresso Constituinte reduziu-o a um
quatriênio. (...) Estavam concordes em relação à inelegibilidade para o período
seguinte. É da redação de Rui o texto do juramento (art. 44). Foi vencido na
forma da eleição para a suprema magistratura política. A comissão e ele
propuseram fosse indireta a eleição – segundo o modelo dos Estados Unidos.
Impôs a Constituinte – contrária nisto ao governo provisório – o sufrágio
universal e direto para tal investidura. (...); [8] O capítulo 4.º, referente aos
ministros de Estado, levou a chancela de Rui Barbosa, empenhado em definir o
estilo presidencial do governo e vitorioso no conceito da harmônica
independência dos poderes que obstava à presença, na tribuna congressual, dos
auxiliares de confiança do chefe da nação. (...) Continuava americano: aos
ministros de Estado cumpria o entendimento com as comissões legislativas, não
com o plenário, isento, por princípio, à influência direta do executivo. Na mesma
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ordem de idéias fazia irresponsáveis os ministros pelos conselhos dados ao


Presidente – enquanto a comissão os responsabilizava “pelos atos que
referendarem ou praticarem”; [9] O capítulo do Poder Judiciário foi clarificado,
ampliado, e posto nos seus definitivos termos, por Rui Barbosa, orientado pela
doutrina – que tão bravamente defendeu depois – do papel pacificador do
Supremo Tribunal nas questões constitucionais e da supremacia da Magna Carta
nos eventuais conflitos das leis e jurisprudência dos Estados com as suas
disposições expressas ou o espírito que as animasse. Residia nessa secção do
Pacto fundamental o destino do regime, fosse para a legalidade construtiva, fosse
para a desagregação que se temia, com a desinteligência dos poderes e os seus
atritos. Só a majestade da lei máxima, resguardada pelo judiciário no seu grau
mais eminente, ampararia a nação na sua vida jurídica e na sua trajetória
política. Rui confiava nesse judiciarismo unitivo e enérgico e o encarava com o
otimismo igualmente americano de sua admiração pela Corte de Washington,
inflexível, serena e venerada; [10] Especificou os crimes de responsabilidade do
Presidente, neles encartando os que atentarem contra “a existência política da
União”, “a Constituição e a forma de governo”, “o livre gozo e exercício dos
direitos dos cidadãos”, “a segurança interna do país”, “a probidade da
administração” (art. 54); [11] Foi porventura no art. 72 – da Declaração de
Direitos – que o pensamento de Rui mais copiosamente se fez sentir. Que todos
são iguais perante a lei. Que gozavam de liberdade religiosa. Que a República só
reconhecia o casamento civil. Que os cemitérios terão caráter secular,
administrados pela autoridade municipal. Que o ensino ministrado nos
estabelecimentos públicos será leigo. Estatuía a liberdade de imprensa e tribuna,
respondendo cada um pelos abusos cometidos, na forma da lei. Que nenhum
culto ou igreja teria subvenção oficial ou relações de dependência ou aliança
com o governo da União ou dos Estados. Ia além, e alvitrava: “§6.º é excluída do
país a companhia dos jesuítas (sic), e proibida a fundação de novos conventos ou
ordens religiosas” (“monásticas”, no PGP). Este parágrafo não foi acolhido
pela Constituinte, que se limitou à declaração geral daquela independência. –
Dava liberdade de reunião pacífica; de livre entrada e saída do território da
República independentemente de passaporte; de representação aos poderes
55

públicos. Assegurava a inviolabilidade do domicílio. Que, à exceção de flagrante


delito, ninguém pudesse ser preso senão por ordem escrita de autoridade
competente... Ao art. relativo à propriedade juntou o esclarecimento “em toda a
sua plenitude” (§ 17). Aboliu a pena de morte em crimes políticos. Que “só por
sentença os oficiais do exército e da armada perderão as patentes”; [12] O
princípio dos poderes implícitos, converteu-o Rui no art. 65, §2: é facultado aos
Estados... “em geral, todo e qualquer poder” [ou direito, completou o PGP]
“que lhe não for negado por cláusula expressa nesta Constituição...” “ou
inerente à organização política que ela estabelece” (“ou implicitamente contida
nas cláusulas expressas da Constituição”, emendou a Constituinte, sem lhe
alterar o sentido); [13] O art. que prevê o estado de sítio foi redigido novamente,
para que o Congresso tomasse contas ao governo dos atos praticados na
emergência de tal anormalidade; [14] O projeto da comissão obrigava todos os
brasileiros a se armarem para sustentar a independência e a integridade da
pátria. Propôs Rui: “Todo brasileiro é obrigado ao serviço militar, em defesa da
Pátria e da Constituição, na forma das leis federais” (art. 86); [15] O pacifismo
da comissão dizia que, “só depois de recusado o arbitramento, o governo dos
Estados Unidos do Brasil recorrerá ao emprego das armas para resolver
qualquer questão ou conflito internacional, mas em caso nenhum, quer direta,
quer indiretamente, por si ou como aliado de qualquer outra nação, se
empenhará em guerras de conquista”. Rui substituiu esta disposição por outra
não menos eloqüente: “em caso nenhum, direta ou indiretamente, por si ou em
aliança com outra nação, os Estados Unidos do Brasil se empenharão em
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guerras de conquista”. Este é o art. 688 da Carta de 1891. Quanto ao recurso do


arbitramento, invocado pela comissão, incorporou-o a Constituinte no art. 35, n.º
11, onde autorizou o governo a declarar a guerra “se não tiver lugar ou
malograr-se o recurso do arbitramento...”; [16] Excluiu Rui da revisão
constitucional a forma republicana-federativa – que precedera à mesma
Constituição – e a igualdade da representação dos Estados no Senado, que era
da sua essência.”8

O projeto revisto por RUI BARBOSA e aprovado pelo Governo Provisório


– e que ficou conhecido como “Projeto do Governo Provisório” (doravante
referido como PGP) – ingressou no mundo jurídico do País a partir da publicado
do Decreto n.º 510 em 22.06.1890, o qual também dispunha sobre a convocação
da constituinte, alterando a idéia inicial de uma constituinte monocameral,
substituída pela entrega dos trabalhos constituintes ao Congresso Nacional, poder
constituído, portanto. Conforme determinava o referido decreto, in verbis:

“Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890


Publica a Constituição dos Estados Unidos do Brasil
......
Art. 1.º - É convocado para 15 de novembro do corrente ano o primeiro
Congresso Nacional dos representantes do povo brasileiro, procedendo-se a sua
eleição aos 15 de setembro próximo vindouro.

8
Prefácio à BARBOSA, RUI. “Obras Completas de Rui Barbosa”, vol. XVII, Tomo I, Ministério
da Educação e Saúde, 1890, pp. XV-XXIII.
56

Art. 2.º - Esse Congresso trará poderes especiais do eleitorado, para julgar a
Constituição que neste ato se publica e será o primeiro objeto de suas
deliberações.

Art. 3.º - A Constituição publicada vigorará desde já unicamente no tocante à


dualidade das Câmaras do Congresso, à sua composição, à sua eleição e à
função, que são chamadas a exercer, de aprovar a dita Constituição, e proceder
em seguida na conformidade das suas disposições.”

Um mês após as eleições, efetivamente ocorridas em 15.09.1890, o


Governo Provisório publicou o Decreto n.º 914-A (de 23.10.1890), impondo leves
alterações à Constituição dos Estados Unidos do Brasil em vigor nos termos do
decreto supramencionado, e ainda a ser ainda aprovada pelo Congresso
Constituinte.
Verifica-se então que o Governo Provisório, fosse através da nomeação da
Comissão dos Cinco, fosse através da revisão empreendida pelos Ministros, sob a
direção de RUI BARBOSA, acompanhava e, de certo modo, controlava a tônica
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do Projeto de Constituição sobre a qual se desenvolveriam os trabalhos da


Constituinte.
A este respeito, cabe ainda frisar que o PGP passou a vigorar, ainda que
parcialmente, antes do início dos trabalhos constituintes, adequando, portanto, a
realidade social subjacente ao seu conteúdo, o que engrandece sobremaneira a
importância do Projeto, uma vez que condicionaria os trabalhos constituintes que
se seguiriam, inclusive em um certo regime de urgência, dada a pressão pela
necessidade do retorno à legalidade, que se fazia sentir naquele momento.

3.2. O Congresso Constituinte

3.2.1 A Organização dos Trabalhos

O Congresso Constituinte, eleito em 15.09.1890, era composto de 63


senadores e 205 deputados9, sendo estes representantes do povo e aqueles

9
Interessante observar que alguns congressistas abandonaram seu mandato antes de terminados os
trabalhos constituintes, de modo que, dos 268 eleitos, somente 223 assinaram a promulgação da
Constituição em 24 de fevereiro de 1891. Vale ainda trazer à colação os dados coletados por
MARGARIDA MARIA LACOMBE CAMARGO a respeito da proveniência e formação
profissional e intelectual dos primeiros constituintes republicanos. Em suas palavras: “de um total
de 223 membros, 53 eram militares, dentre os quais, 29 "de carreira" e 21 oriundos dos cursos de
engenharia. Dos 170 restantes, não-militares, 103 formaram-se nas Faculdades de Direito de São
57

representantes dos Estados, valendo aqui recordar que os Estados constituídos


eram recentes na organização brasileira, não contando sequer um ano desde a
publicação do decreto inaugural e instituidor da República (Dec. n.º 1,
16.11.1889).
As sessões preparatórias em cada Casa Legislativa tiveram início em
04.11.1890, tendo a Câmara dos Deputados comunicado na 3.ª sessão
(10.11.1890), através de ofício, a nomeação de uma Comissão – composta pelos
Srs. GABRIEL DE PAULA ALMEIDA MAGALHÃES (Minas Gerais) e JOSÉ
ALVELINO GURGEL DO AMARAL (Ceará), e pelo Contra-Almirante
DIONISIO MANHÃES BARRETO (Rio de Janeiro) – incumbida de elaborar um
projeto de Regimento Comum, bem como solicitado ao Senado a indicação de
seus representantes, cuja escolha recaiu nos nomes dos Srs. PRUDENTE JOSÉ
DE MORAES BARROS (São Paulo), ELISEU DE SOUZA MARTINS (Piauí) e
JOÃO PEDRO BELFORT VIEIRA (Maranhão). Dada a proximidade da data de
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instalação do Congresso Nacional, que ocorreria no dia 15.11.1890, celebrando o


aniversário da proclamação da República, foi aprovado um Regimento Comum
provisório em 14.11.1890, apenas a fim de evitar o adiamento da reunião do
Congresso Nacional pela ausência das normas que orientassem seus trabalhos
internos. Em vigor provisoriamente, o Regimento do Congresso foi discutido e
votado durante as sessões de 18 a 20 de novembro, tendo sido aprovado, em
caráter definitivo, na sessão de 21.11.1890.
O Regimento do Congresso Nacional era composto de 8 capítulos sendo os
6 primeiros referentes aos trabalhos do Poder Legislativo e os dois últimos
referentes à elaboração da Constituição (Capítulo VII – Da Constituição, sua

Paulo e do Recife; e 37 nas de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. (...) Dentre os militares e
os não-militares, a maioria era composta de homens letrados, autores de obras publicadas
(considerando panfletos e periódicos), professores, não raro com formação no exterior. Muitos
também com experiência na máquina administrativa do Estado.
Entre aqueles que se dedicaram à política, 48 foram antigos membros do Partido Liberal do
Império e 22 do Partido Conservador; 61 haviam sido propagandistas republicanos. Segundo
dados fornecidos por Felisbelo Freire, dos 268 membros iniciais que compunham o Congresso,
131 pertenciam ao Partido Republicano histórico.
Não podemos ignorar, portanto, a presença de militares na Constituinte, bastante enfatizada,
aliás, por autores preocupados com a questão do positivismo no Brasil. São militares
provenientes dos cursos de engenharia ou simplesmente militares de carreira, veteranos da
Guerra do Paraguai.Leais a Deodoro, assumiram, posteriormente, os principais cargos
executivos do início da República. Os primeiros governadores de estado foram, em sua maioria,
militares que passaram pela Constituinte.”(CAMARGO, MARGARIDA MARIA LACOMBE.
“Representação Política e Sistema de Governo na Constituinte Republicana de 1890-91”,
58

Discussão e Aprovação – arts. 56 a 68) e à eleição do chefe do Poder Executivo


(Capítulo VIII – Da Eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República –
art. 69). Os dispositivos regimentais acerca dos trabalhos constituintes definiam
um processo relativamente célere para avaliação, debates e aprovação do PGP, o
que muito se devia às pressões sofridas pela Constituinte para o retorno ao Estado
de Direito, assim como pelo fim da ditadura que se mantinha na direção dos
negócios públicos. Esta insatisfação esteve marcadamente presente em ao menos
dois dos principais órgãos de imprensa da época – a saber, O País e o Diário de
Notícias – que, em um dado momento do processo constituinte, repreenderam
com veemência a lentidão na discussão e votação de dois capítulos do PGP. No
entanto, cumpre recordar que estes diários seguiam orientação, respectivamente,
de QUINTINO BOCAIUVA e RUI BARBOSA, que eram membros do Governo
Provisório e, portanto, tinham opinião definida a respeito do PGP.10
O ponto central, que daria o perfil da organização dos trabalhos
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constituintes, estava previsto no art. 57 do Regimento do Congresso, que


estabelecia:

“Art. 57 – O Congresso elegerá uma Comissão especial de 21 membros para dar


parecer sobre a Constituição.
§1.º - A representação de cada Estado e do Distrito Federal elegerá
separadamente o membro que deva fazer parte desta Comissão.
§2.º - O parecer da Comissão será impresso no Diário Oficial e distribuído em
avulso pelos membros do Congresso.
§3.º - Os votos divergentes, se os houver, serão designados pelas palavras –
vencido com ou sem restrições – ou em pareceres em separado.
§4.º - Três dias depois da distribuição avulsa, será o parecer dado para Ordem
do Dia, conjuntamente com a Constituição decretada.”

Este artigo, a um só tempo, centralizava os trabalhos constituintes em uma


Comissão tirada do seio do Congresso Nacional e determinava a tônica federativa
desta Comissão, que seria composta por um representante de cada Estado. O
aludido dispositivo, no entanto, não passou incólume durante o processo de
aprovação do Regimento, valendo transcrever a opinião manifestada pelo

Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional e Teoria do Estado – PUC-Rio, 1988, pp. 17-
8).
10
LEAL, AURELINO. “História Constitucional do Brasil”, Brasília: Senado Federal, Conselho
Editorial, 2002, p. 223.
59

constituinte COSTA MACHADO (MG)11, quando discutiam ainda a redação


original do art. 57, que previa, inclusive, a criação de outra Comissão, esta
composta por 5 membros, retirada do seio da “Comissão dos 21”:

“O que me parece é que os encarregados de confeccionar o Regimento, tratando


de criar esta Comissão [a Comissão dos 21], quiseram render homenagem a
todos os Estados, não quiseram ofender suscetibilidades, foi uma espécie de
diplomacia. Mas é preciso que se compreenda uma coisa e é que nós, na
Constituinte, não somos Deputados de Estado algum, somos Deputados de todos
os Estados Unidos do Brasil. (...)
Somos membros de uma Constituinte. Há medo do ciúme? Não pode haver,
porque aqui, e em todos os terrenos, o que representamos? A Nação Brasileira.
(...)
Quanto ao fundo, não há vantagem nenhuma nessa Comissão dos 21, pelo
contrário, há inconvenientes, como vai demonstrar.
Essa Comissão dos 21 recebe ou não as emendas apresentadas pelas deputações
de todos os Estados? Ora, de duas uma – ou são aceitas todas as emendas ou são
aceitas algumas; na primeira hipótese, o que tem de fazer a deputação é
apresentar para serem discutidas as emendas; em segundo lugar, se são
excluídas algumas emendas, se há de dar o fato seguinte: a representação de
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cada Estado há de reproduzir com mais insistência suas emendas. Logo, não
temos vantagens, temos inconvenientes; é claro que a discussão tem de aparecer
diante dos 21 membros da Comissão, e que esta discussão não se decidirá em
uma hora nem em duas; cada qual há de querer sustentar os direitos de seu
Estado, isto é, seu modo de pensar relativamente às emendas, e o que
acontecerá?
Teremos de gastar tempo desnecessário durante três ou quatro dias; (...)
Se o Congresso tivesse de subscrever em poucos minutos a opinião de 21, então o
orador julgava procedente a nomeação dessa Comissão, mas não há de
acontecer assim.
Além desse inconveniente, é preciso argumentarmos com a natureza humana.
Coisa a mais difícil é achar um homem que confesse estar em erro; temos
estranhado amor às opiniões, sempre presumimos que temos a razão do nosso
lado; essa fraqueza humana é que nos leva a sustentar de um modo ferrenho
nossas convicções.
Esta Comissão dos 21 irá porventura desistir das suas opiniões?
Não. Em regra o pai acha bela a sua filha, e sem o menor defeito; logo a
Comissão, perfilhando essas emendas, há de considera-las o protótipo da
perfeição...”12

Em que pese as críticas dirigidas à Comissão dos 21 pelo constituinte


COSTA MACHADO (MG), esta Comissão foi mantida no Regimento do

11
JOSÉ DA COSTA MACHADO E SOUZA (Minas Gerais) - formou-se em ciências jurídicas e
sociais pela Faculdade de São Paulo. Republicano histórico e importante fazendeiro de São Paulo.
(Os dados a respeito do constituinte COSTA MACHADO aqui expostos, assim como os de todos
os demais constituintes, foram extraídos de ABRANCHES, DUNSHEE DE. “Governos e
Congressos da República dos Estados Unidos do Brasil, 1889 a 1917”, vol. 1, São Paulo: M.
Abranches, 1918)
12
“Regimentos das Assembléias Constituintes do Brasil”, Subsecretaria de Arquivo. – Brasília:
Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986, pp. 66-7.
60

Congresso Nacional, estabelecendo, portanto, uma organização centralizadora e


federativa, sendo rejeitada apenas a idéia de uma outra Comissão, retirada do seio
da Comissão dos 21.
A Comissão dos 21, eleita em 22.11.1890, apresentou a seguinte
composição: FRANCISCO MACHADO (Amazonas)13, LAURO SODRÉ
(Pará)14, CASIMIRO JR. (Maranhão)15, TEODORO PACHECO (Piauí)16,
JOAQUIM DE OLIVEIRA CATUNDA (Ceará)17, AMARO CAVALCANTI
(Rio Grande do Norte)18, JOÃO NEIVA (Paraíba)19, JOSÉ HIGYNO
(Pernambuco)20, GABINO BESOURO (Alagoas)21, OLIVEIRA VALADÃO
(Sergipe)22, VIRGÍLIO DAMÁSIO (Bahia)23, GIL GOULART (Espírito Santo)24,

13
MANOEL FRANCISCO MACHADO (Amazonas) – Bacharel em Direito pela Universidade de
Coimbra. Recebeu no Império o título de Barão de Solimões. Pertencia ao partido liberal e era
Presidente da província do Amazonas quando se proclamou a República.
14
LAURO NINA E SODRÉ E SILVA (Pará) – Militar. Promovido a Capitão em 7 de janeiro de
1890 e a Major a 17 de março do mesmo ano. Doutor em matemática e ciências físicas.
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Proclamada a República, foi secretário de Benjamin Constant quando Ministro da Guerra e,


depois, da Instrução Pública.
15
CASIMIRO DIAS VIEIRA JÚNIOR (Maranhão) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
Recife. Conforme anotou DUNSHEE DE ABRANCHES: "Filiando-se ao partido liberal, exerceu
na sua antiga província diversos cargos de nomeação e eleição popular. Tendo ficado nos últimos
anos da monarquia do lado da dissidência, que se formara no seio do seu partido, passou a
escrever no Globo, folha republicana, dirigida pelo Dr. Francisco de Paula Belfort Duarte.
Proclamada a República, foi chefe de polícia da Junta Provisória do Estado." (Op. Cit., p. 286)
16
TEODORO ALVES PACHECO (Piauí) – Diplomou-se em ciências jurídicas e sociais, na
Faculdade de Recife, a 16 de novembro de 1877. Militou no Piauí no antigo Partido Conservador,
redigindo e dirigindo os jornais filiados ao mesmo partido na capital da antiga Província. A 6 de
agosto de 1887, foi nomeado 2.º vice-presidente da Província pela Regente.
17
JOAQUIM DE OLIVEIRA CATUNDA (Ceará) – Lente de Filosofia do Liceu de Fortaleza e de
Grego da Escola Militar, foi um dos fundadores do Instituto Histórico do seu Estado. Também
exerceu o cargo de oficial maior da secretaria do Governo. Em 1888, declarando-se republicano,
fundou o Centro Republicano Cearense.
18
AMARO BEZERRA CAVALCANTI (Rio Grande do Norte) – Diplomado em Direito em 1881
pela Albany Law School, de Nova Iorque. Foi Inspetor Geral de Instrução Pública e diretor do
Liceu do Ceará durante o período de 1881 a 1883.
19
JOÃO SOARES NEIVA (Paraíba) – Militar. Promovido a tenente-coronel em 7 de Janeiro de
1890.
20
JOSÉ HIGYNO DUARTE PEREIRA (Pernambuco) – Doutor em Direito pela faculdade do
Recife, no qual conquistou uma cadeira de lente. Eleito Senador por Pernambuco – renunciou o
mandato em 23.11.1892 para ocupar a pasta do Interior no governo do Marechal Floriano, pasta de
que se demitiu em 10.02.1893. Nomeado mais tarde Ministro do STF.
21
GABINO BESOURO (Alagoas) – Militar. Promovido a Capitão a 15 de Dezembro de 1888.
Perdeu o mandato em 1892, por ter sido eleito Governador de Alagoas, sendo substituído por
Euclides Vieira Malta.
22
MANOEL PRESCILIANO DE OLIVEIRA VALADÃO (Sergipe) – Militar. Promovido a major
em 7 de Janeiro de 1890 e a tenente-coronel em 17 de abril do mesmo ano. Proclamada a
República, foi nomeado secretário do Ministro da Guerra durante o período de 01.06.1890 a
22.01.1891.
23
VIRGÍLIO CLIMACO DAMÁSIO (Bahia) – Formou-se em medicina pela Faculdade da Bahia.
Filiado a princípio ao partido liberal, foi deputado à assembléia provincial de sua terra. Mais tarde,
declarando-se republicano, tomou parte ativa na propaganda. Foi também no Império professor do
Liceu e fundador da Academia de Belas Artes da Bahia.
61

BERNARDINO DE CAMPOS (São Paulo)25, JOAO BATISTA LAPÉR (Rio de


Janeiro)26, UBALDINO DO AMARAL (Paraná)27, LAURO MÜLLER (Santa
Catarina)28, JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul)29, JOÃO PINHEIRO
(Minas Gerais)30, LOPES TROVÃO (Distrito Federal)31, LEOPOLDO DE
BULHÕES (Goiás)32, AQUILINO DO AMARAL (Mato Grosso)33. Como
observaram PAULO BONAVIDES e PAES DE ANDRADE:

24
GIL DINIZ GOULART (Espírito Santo) – Formou-se em ciências jurídicas e sociais. Advogado
no Cachoeiro do Itapemirim, onde foi presidente da Câmara Municipal no Império, aí se envolveu
nas lutas políticas, alistado no partido liberal. Mais tarde, ainda na monarquia, declarou-se
republicano, tomando parte na propaganda.
25
BERNARDINO JOSÉ DE CAMPOS JÚNIOR (São Paulo) – Formou-se em Direito pela
Faculdade de São Paulo. Republicano histórico, foi eleito em 1888 deputado à Assembléia
provincial de SP; e, proclamada a República e organizado o Estado, foi o seu primeiro chefe de
Polícia. Em 1892 elegeu-se presidente do Estado de São Paulo, cargo que viria a ocupar pela
segunda vez em 1902.
26
JOAO BATISTA LAPÉR (Rio de Janeiro) – Formou-se na Escola de Medicina do Rio de
Janeiro. Foi um dos signatários do Manifesto Republicano (1870). Fazendeiro cafeicultor, foi
eleito deputado à assembléia Província do Rio de Janeiro. Na Assembléia, tratou principalmente de
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assuntos concernentes à lavoura. Com o advento da República, foi presidente da Câmara de


Cantagallo e chefe do partido republicano histórico.
27
UBALDINO DO AMARAL FONTOURA (Paraná) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
São Paulo. Republicano histórico, tomou parte ativa na propaganda, tendo sido também
abolicionista militante. Proclamada a República, foi nomeado inspetor de Alfândega do Rio de
Janeiro.
28
LAURO SEVERIANO MÜLLER (Santa Catarina) – Militar, promovido a capitão em
18.03.1890. Bacharel em matemática e ciências físicas. Proclamada a República, foi nomeado
governador de Santa Catarina.
29
JÚLIO PRATES DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul) – Bacharel em Direito pela Faculdade
de São Paulo em 1881. Teve papel fundamental no movimento republicano no Rio Grande do Sul.
Foi eleito pelo Congresso Constituinte do Estado primeiro presidente do Rio Grande do Sul,
assumindo o poder em 14 de julho de 1891. Foi o principal autor da Constituição daquele Estado
(ver. “Idéias Políticas de Julio de Castilhos”, introd., notas bibliográficas, cronologia e textos
selecionados por PAULO CARNEIRO. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Brasília,
Senado Federal, 1981).
30
JOÃO PINHEIRO DA SILVA (Minas Gerais) – Bacharel em Direito pela Faculdade de São
Paulo em 1887. Regressou a Ouro Preto, onde fundou, no ano seguinte, o Clube Republicano. E, a
23 de janeiro de 1889, fundava com Antonio Olyntho, Leônidas Damásio e outros, O Movimento,
órgão central da propaganda na província. Proclamada a República, foi nomeado secretário do Dr.
Cesário Alvim, quando este assumiu o governo de Minas. Logo depois, entrando Cesário Alvim
para o Governo Provisório, assumiu João Pinheiro a administração do Estado na qualidade de
vice-governador. Em seguida, era nomeado governador efetivo. Eleito deputado à Constituinte
Federal, filiou-se nessa assembléia ao grupo em que predominava JÚLIO DE CASTILHOS.
31
JOSÉ LOPES DA SILVA TROVÃO (Distrito Federal) – Formou-se em Medicina pela
Faculdade do Rio de Janeiro. Entrou desde logo na propaganda republicana, fazendo conferências
nas praças públicas e teatros, e escrevendo em jornais. Destacou-se também como um dos líderes
do Movimento Abolicionista, ao lado de JOAQUIM NABUCO, JOSÉ DO PATROCÍNIO,
VICENTE DE SOUSA E JOÃO FERNANDES CLAPP.
32
LEOPOLDO JOSÉ DE BULHÕES JARDIM (Goiás) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
São Paulo em 1880. Regressando à sua terra natal, filiou-se ao partido liberal e foi eleito deputado
geral em 1881 e reeleito em 1885. Entretanto, dissolvidas as câmaras, não logrou ver renovado seu
mandato no ano seguinte. Quando se proclamou a República, era portador de um novo diploma de
representante de Goiás. Fora meses antes, delegado do seu partido ao Congresso Liberal, que se
reuniu nesta cidade, opinando pela federação das províncias, ao lado de JOAQUIM NABUCO,
RUI BARBOSA e SARAIVA.
62

“Não se tratava de uma comissão homogênea nem houve no recrutamento de


seus membros a preocupação seletiva de eleger os mais doutos e capazes em
matéria constitucional, senão que se obedeceu a um duvidoso critério federativo
e geográfico, deveras nocivo à elevação de seu nível, como realmente acabou
acontecendo.”34

A Comissão dos 21 apresentou em 10.12.1890 seu parecer que, tendo


pouco inovado em relação ao PGP35, seria submetido a duas discussões pela
Constituinte, podendo ainda sofrer uma terceira discussão, conforme determinava
o art. 58 do Regimento do Congresso, in verbis:

“Art. 58 – O parecer e a Constituição sofrerão duas discussões, sendo a 1.ª por


capítulos e a votação por artigos, e a 2.ª discussão e votação englobadamente,
salvo as emendas que serão votadas cada uma de per si.

§1.º - Terminada a 1.ª discussão, haverá um interstício de dois dias, o que


começará a ser contado do dia em que tiver lugar a distribuição da Constituição
com as emendas.
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§2.º - Na 2.ª discussão poderão ser apresentadas ainda novas emendas, as quais,
se forem aprovadas, sofrerão uma 3.ª discussão, finda a qual serão aprovadas ou
rejeitadas sem subemendas.”

Desse modo, em 13.12.1890 iniciou-se a primeira discussão sobre o


projeto de Constituição revisto pela Comissão dos 21, que terminou em
21.01.1891, começando a segunda discussão em 26.01.1891, encerrada no dia 30
do mesmo mês. Ato contínuo, passou-se à votação do projeto de Constituição, já
emendado pelo plenário da Constituinte, o que ocorreu no prazo de 3 a 14 de
fevereiro. Em 16.02.1891, o projeto foi submetido à terceira discussão, nos termos

33
AQUILINO LEITE DO AMARAL COUTINHO (Mato Grosso) – Formou-se em ciências
jurídicas e sociais. Filiou-se ao partido conservador de São Paulo. Como anotou DUNSHEE DE
ABRANCHES: “proclamada a República, foi para o Mato Grosso, em companhia do engenheiro
militar Caetano de Albuquerque, ali iniciando ambos uma série de conferências em prol da
consolidação do novo regime”. (Op. Cit., p. 275)
34
op. cit., p. 224.
35
Segundo assinala PAULINO JACQUES: “as alterações principais, que a Comissão fez no
Projeto governamental, foram: a) eleição direta do presidente e vice-presidente da República, que
o Projeto fazia indireta, ao modo da Constituição norte-americana (emenda da autoria de JULIO
DE CASTILHOS); b) eleição direta dos senadores, idem, idem; c) período presidencial de quatro
anos, em vez de seis; d) outorga da prerrogativa de prorrogar as sessões ao próprio Congresso,
sem sanção do Presidente, em vez de atribuí-la a este, como fazia o Projeto; e) supressão das
penas de banimento e de morte, que o Projeto mantinha; f) rejeição do dispositivo que proibia a
fundação de novos conventos ou ordens monásticas e mantinha a exclusão da Companhia de
Jesus. A comissão dos 21 limitou-se a democratizar o Projeto de Constituição elaborado pelo
63

do §2.º do art. 58 do Regimento do Congresso, encerrando-se no dia seguinte e


procedendo-se à votação nos dias 17 e 18, sendo nesse último dia enviado à
Comissão dos 21 a fim de que fosse redigido "conforme o vencido", nos termos do
que determinava o art.63 do Regimento do Congresso, in verbis:

Art. 63 – Terminada a discussão e aprovada a Constituição, o Presidente a


remeterá, com as emendas aprovadas, à Comissão especial, para redigi-la
conforme o vencido.”

No dia 23 de fevereiro, o projeto foi apresentado e aprovado; no dia


seguinte a Constituição foi finalmente assinada pelos membros do Congresso
presentes e em seguida promulgada.

3.2.2. Os Debates na Constituinte


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As poucas alterações sofridas pelo PGP, sobretudo em seu aspecto


quantitativo – eis que, como observou PEDRO CALMON, dos 90 artigos da
Constituição aprovada, 74 artigos se mantiveram “intactos ou apenas
ligeiramente alterados”36 –, não revelam os debates suscitados e as tendências
que se fizeram presentes no Congresso Constituinte. De fato, se temas como
“República” e “Federação” estavam fora de qualquer esfera de discussão, o
modo como se daria a organização tanto da forma de governo como da forma de
Estado – sobretudo esta última – não apresentava a mesma harmonia e unidade,
tendo a organização federativa, inclusive, ocupado o centro dos debates travados
no seio da Constituinte. Esta posição de destaque se deve ao fato da proclamação
de 15 de novembro de 1889, pelas razões já expostas, ter sido mais federalista do
que propriamente republicana37.
Entretanto, embora tenha sido o tema mais marcante, não se deve diminuir
a importância do estudo dos trabalhos constituintes a partir da redução dos debates

Governo Provisório. (JACQUES, PAULINO. “Curso de Direito Constitucional”, Rio de Janeiro:


Edição Revista Forense, 1956, p. 83.)
36
op. cit., p. XXIV.
37
Vide Cap. 1. Vale também mencionar, a título ilustrativo, a manifestação do constituinte ASSIS
BRASIL que, em sessão de 19 de dezembro, afirmou que a Federação havia sido a razão principal
da vitória republicana, e a do constituinte SARAIVA que, em sessão de 24 de dezembro, declarou
64

à questão federativa. Seria uma verificação apenas quantitativa, e, ainda assim,


equivocada. A federação é um tema que abrange inúmeros (se não todos os)
outros, de modo que a decisão pela concessão de ampla autonomia aos Estados-
membros da federação poderia, em tese, implicar a coexistência de diversos
projetos políticos no Estado brasileiro. Por outro lado, a escolha por um modelo
centralizador, dentro de um cenário tão díspar em matéria econômica e tão difuso
no terreno político, aumentaria significativamente a importância da Constituição
e, sobretudo, a responsabilidade do legislador constituinte, já que caberia à
Constituição assegurar permanentemente a unidade dentro desta pluralidade.
Desse modo, a análise dos debates constituintes aqui proposta limitar-se-á
aos temas constitucionais que suscitaram maiores discussões no seio do
Congresso Constituinte, a fim de verificar não o conteúdo do texto
definitivamente aprovado ou, mais precisamente, o projeto político da
Constituição promulgada - o que será feito em seguida - mas justamente os
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dispositivos rejeitados e os votos vencidos, que revelam os posicionamentos


políticos e ideológicos que se fizeram presentes na Constituinte, embora ausentes
do texto aprovado, e que demonstram, por conseguinte, o que a Constituição
poderia ter sido.
Assim, cabe primeiramente frisar que a questão federativa, discussão
central na Constituinte, foi responsável pela existência de dois grupos distintos e,
mais que isso, antagônicos, que, concordantes em relação à necessidade da adoção
do modelo federativo, divergiam frontalmente no que tange ao modo como se
daria a organização da Federação, ou mais precisamente, divergiam em relação à
distribuição de competências entre a União e os Estados. De fato, o primeiro
grupo, conhecido como “unionista”, defendia um federalismo mais centrípeto,
com maiores poderes à União Federal do que aos Estados, e era representado,
dentre outros, por RUI BARBOSA, enquanto o outro grupo, denominado
“federalista”, inclinava-se a atribuir aos Estados a mais ampla autonomia política
e, por conseguinte, maiores recursos tributários, e encontrava-se representado,
dentre outros, por JÚLIO DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul), CAMPOS

que somente havia aceitado a República por causa da Federação. (ROURE, AGENOR DE, op. cit.,
p. 83)
65

SALES (São Paulo)38, EPITÁCIO PESSOA (Paraíba do Norte)39, BORGES DE


MEDEIROS (Rio Grande do Sul)40 e LAURO MULLER (Santa Catarina).
Convém recordar que o PGP apresentado ao Congresso Constituinte havia
sido revisado por RUI BARBOSA. Era um projeto unionista, portanto. Dentre
outros, assegurava à União a propriedade das terras devolutas e das minas nelas
existentes; atribuía à ação da União preponderância sobre a dos Estados nos
assuntos de competência cumulativa, de modo que o exercício da autoridade pelo
governo federal poderia obstar a ação dos governos estaduais e mesmo anular as
leis e disposições dela emanadas; distribuía à União maior número de fontes de
receita; assim como permitia que a União mobilizasse a força policial dos Estados
em casos previstos.
Nesse sentido, as propostas apresentadas na constituinte ao PGP, ao menos
no que se refere à questão federativa, tenderiam - e efetivamente tenderam – à
adoção do modelo defendido pela corrente “federalista”, buscando conceder
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maior grau de autonomia política aos Estados.

3.2.2.1. Direito de Secessão

O embate em torno da federação já se fez sentir na discussão do artigo


inaugural do PGP, que vedava o direito de secessão, estabelecendo que a união
das ex-províncias, agora convertidas em Estados, seria perpétua e absoluta, in
verbis:

38
MANUEL DE FERRAZ CAMPOS SALES (São Paulo) – Bacharel em Direito pela Faculdade
de São Paulo (1863). Foi deputado provincial em 1867 pelo partido liberal. Foi um dos chamados
“republicanos históricos” e também foi um dos signatários do Manifesto Republicano (1870). Em
1872 foi eleito vereador à Câmara Municipal de Campinas, em 1881 deputado provincial, e em
1885 Deputado Geral pelo 7.º distrito de São Paulo. Dissolvidas as Câmaras pelo Ministério
Cotegipe, não conseguiu renovar o seu mandato; mas foi, em 1888, eleito novamente para a
Assembléia Provincial de S. Paulo. Proclamada a República, foi Ministro da Justiça do Governo
Provisório (15 de Novembro de 1889).
39
EPITÁCIO DA SILVA PESSOA (Paraíba do Norte) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
Recife (1886). Proclamada a República, foi nomeado secretário do governo da Paraíba
(31.12.1889 a 20.10.1890).
40
ANTONIO AUGUSTO BORGES DE MEDEIROS (Rio Grande do Sul) – De 1881 a 1884
cursou a Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de SP. Fez parte do “Clube Republicano
Acadêmico” e do “Clube 20 de Setembro”, dos estudantes rio-grandenses republicanos. Redigiu A
República, órgão do primeiro daqueles clubes. Em 1885, formou-se na Faculdade de Ciências
jurídicas e sociais de Recife.
66

“Art. 1.º - A nação brasileira adotando, como forma de governo, a República


Federativa proclamada no [pelo] decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889,
constitui-se, por união perpétua e indissolúvel entre as suas [antigas] províncias,
em Estados Unidos do Brasil.”

Esta seria a primeira vitória do PGP41, buscando estreitar e fortalecer os


laços da união dos Estados, em face das correntes federalistas mais radicais –
“ultra-federalistas”, portanto – que, “preparando a futura independência dos
Estados recém-criados”, reconheciam, em seus discursos, até mesmo a existência
de duas soberanias: a dos Estados e a da União. A “teoria da dupla soberania”,
como ficou conhecida durante os trabalhos constituintes, encontrou em CAMPOS
SALES (São Paulo) seu principal defensor, valendo transcrever sua manifestação
em resposta ao constituinte JOSÉ HIGINO (Pernambuco), que, em outra
oportunidade, havia qualificado esta teoria como “falsa e perigosa”:
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“Aparto-me das sutilezas que acompanham as definições escolásticas para dizer


que a soberania é a independência, é a ausência de subordinação. A soberania
consiste, portanto, no direito que tem o Estado, como personalidade política, de
exercer livremente a sua ação nos domínios de sua competência. Eis o que tenho
por uma soberania... Não conheço publicista moderno que não diga, que não
afirme, em frente do direito público americano, ser incontroverso o princípio que
reconhece uma dualidade soberana no Estado federativa. Não há publicista que,
fundado na observação e na experiência, não assinale que nesta forma de
governo que planejamos para o nosso país aparecem dois governos, ambos
soberanos, funcionando paralelamente, um ao lado do outro: - o governo do
Estado ao lado do governo da União; aquele soberano como este, nos limites da
sua competência, visto que a recíproca independência exclui qualquer hipótese

41
Embora vitoriosa, a redação do art. 1.º não passou incólume pela Constituinte, cabendo
transcrever a manifestação do constituinte MEIRA DE VASCONCELLOS (Pernambuco) que, em
sua proposta de suprimir a expressão “perpétua e indissolúvel”, criticava, de forma implícita, a
própria idéia do constitucionalismo, ao afirmar: “(...) me parece que o artigo constitucional (...)
emprega sem efeito prático as palavras – perpétua e indissolúvel – porque essa soberania em
nome da qual nos achamos reunidos, não poderia por esse fato ficar limitada, nem por esses
qualificativos a união ficaria melhor garantida. Nós não sabemos o que são essas frases
convencionais? Pois não temos o exemplo frisante e recente de que não puderam salvar a
Monarquia as expressões que se acham na constituição monárquica, pela qual o Imperador, com
toda a sua dinastia, era declarado defensor perpétuo do Brasil? De que servem estas expressões?
A perpetuidade do impetrante e de sua dinastia voou em estilhaços diante da vontade onipotente
do povo brasileiro. Não admitamos, portanto, estas fórmulas gastas, inúteis, que vieram da
realeza e que não podem jamais ser aceitas e encampadas por uma forma de governo como estas
que tratamos de constituir. A união e a indissolubilidade hão de ser uma resultante das condições
em que forem lançadas as bases desta Constituição; e se não se consultarem os grandes interesses
nacionais, as legítimas aspirações deste país e o ideal autonômico de suas antigas províncias, na
Constituição poderão ser colocadas quantas vezes quiserem, estas chapadas de perpetuidade e
indissolubilidade, porque, ficai certos, elas não terão a força de antepor-se e resistir a essa
grande vontade, para a qual não há limites – a soberania popular...” (ROURE, AGENOR DE,
op. cit., p. 83)
67

de subordinação... O poder Legislativo local ou do Estado exerce a sua ação


soberana em tudo aquilo que não está reservado à privativa competência do
Poder Legislativo da União... Não sofre dependência do Poder Legislativo da
União nem lhe está subordinado: a sua ação é totalmente livre dentro dos seus
domínios territoriais. O mesmo se dá quanto ao Executivo. Ele surge, na pessoa
do governador, do sufrágio do Estado; e desaparece em virtude e nos termos da
sua lei orgânica, sem que na origem ou terminação de suas funções encontre ou
receba direta ou indiretamente a influência do governo da União.... O Poder
Judiciário também não tem superior hierárquico fora dos limites territoriais do
Estado. Os litígios são julgados em definitiva, nas suas instâncias diversas, pelos
juízes e pelos tribunais do Estado. Salvo o caso excepcional da jurisdição
federal, não cabe recurso das suas decisões para os tribunais da União. O
próprio direito de perdoar ou comutar, que nos governos unitários pertence ao
chefe da Nação, ali cabe ao governador do Estado em que se deu o delito. É
certo, portanto, que, segundo este mecanismo, os poderes do Estado não se
acham subordinados aos da União. Mas onde não existe subordinação há
independência; e onde há independência há soberania...”42

A razão para o federalismo desmedido de CAMPOS SALES (São Paulo)


parece simples, considerando-se ser este representante da ex-província de São
Paulo. Entretanto, a defesa de um “federalismo exagerado”, como classificou
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RUI BARBOSA (Bahia), não foi exclusivo dos Estados do sul, cabendo registrar
que o deputado nortista NINA RIBEIRO (Pará)43 também lutava por uma
federação ampla, embora por razões distintas. A este respeito anotou AGENOR
DE ROURE:

“[NINA RIBEIRO] Queria a federação para o norte por uma razão diversa
daquela que militava em favor dos Estados do sul: estes eram fortes, com os
recursos precisos para a sua autonomia, ao passo que os do norte precisavam da
Federação exatamente porque eram fracos e porque a sua fraqueza provinha do
abandono em que haviam vivido durante o Império.
Na sua opinião, o Império, preocupado com o engrandecimento do sul, “hauria
todas as forças do norte, que, apertado nas cadeias de ferro de uma
centralização asfixiante, mal podia curar do seu engrandecimento”44.

42
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 90-91. Embora o conceito de soberania exposto por
CAMPOS SALES (São Paulo) não resista a um exame mais rigoroso de suas premissas, tratando-
se na verdade de simples autonomia, ou seja, capacidade de autodeterminação subordinada a uma
Constituição, o representante paulista deixou aqui clara a sua intenção em conceder a mais ampla
autonomia aos Estados; tão ampla que explica a confusão com a soberania.
43
RAIMUNDO NINA RIBEIRO (Pará) – Bacharel em Direito pela Faculdade de Recife.
Conforme anotou DUNSHEE DE ABRANCHES: “pertencente a família importante, logo que
concluiu seus estudos, recolheu-se ao Estado natal e filiou-se ao partido conservador, no qual o
seu pai, o sr. Manoel Roque Pinheiro, ocupava posição saliente. No partido conservador, o Dr.
Nina Ribeiro militou sempre ao lado do grupo mais avançado, e era natural que a República em
1889 o encontrasse entre os que adeptos de primeira hora”. (Op. Cit., p. 225)
44
Op. Cit., p. 92.
68

Esta primeira vitória do PGP, a partir da aprovação do artigo 1.º, que


vedava o direito de secessão, representou mais uma rejeição à idéia separatista do
que efetivamente um apoio da Constituinte ao projeto unionista de RUI
BARBOSA (Bahia), não assegurando, portanto, a aprovação dos demais
dispositivos.

3.2.2.2. Discriminação de rendas

Diferente do ocorrido em relação ao artigo 1.º, que pouco debate suscitou,


a discussão em relação à discriminação de rendas foi das mais controvertidas em
todo o período constituinte, tendo sido apresentadas várias propostas sobre a
matéria; todas distintas e quase todas visando a favorecer os Estados, cabendo
ainda registrar a proposta apresentada pelo constituinte JOSÉ MARIANO
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(Pernambuco)45 que, entendendo ser este um assunto demasiadamente delicado,


pretendeu que a discriminação de rendas fosse feita através de ato adicional, em
momento posterior à provação da Constituição, tendo sido apoiado por
constituintes ilustres, tais como BALARMINO CARNEIRO (Pernambuco)46,
JOÃO BARBALHO (Pernambuco)47, EPITÁCIO PESSOA (Paraíba do Norte),

45
JOSÉ MARIANO CARNEIRO DA CUNHA (Pernambuco) – Bacharel em Direito pela
Faculdade de São Paulo (1870). Filiando-se desde muito jovem ao partido liberal, tornou-se mais
tarde um dos chefes de maior prestígio em sua terra natal. Tribuno e propagandista da abolição,
deu combate contra a escravidão ao lado de JOAQUIM NABUCO e JOSÉ DO PATROCÍNIO,
dentre outros. Era deputado geral em 1889, quando então foi proclamada a República.
46
BALARMINO CARNEIRO (Pernambuco) – Dirigiu o serviço telegráfico do jornal O País,
onde escreveu durante muitos anos. Abolicionista e republicano, trabalhou ativamente na
propaganda para a vitória de ambas as causas.
47
JOÃO BARBALHO UCHOA CAVALCANTI (PE) – Bacharel em Direito. Fundou em 1882,
em Pernambuco, a "Tribuna", órgão independente dos partidos, onde abriu campanha em prol do
abolicionismo. Em 1889, editou a "Época", jornal conservador dissidente, que teve pouca
duração. Conforme anotou DUNSHEE DE ABRANCHES: “Filiado, embora ao partido
conservador, o Dr. João Barbalho educou o espírito nas idéias liberais. Fora-lhe mestre seu pai,
o senador radical, propugnador do sufrágio universal. Na primeira página dos seus "Comentário
da Constituição", fixou ele próprio esta influência, dedicando-os a memória do venerando
progenitor, "ao influxo de cujas idéias liberais e progressivas eduquei o meu espírito", escreveu
aí. Subindo ao poder o desembargador Lucena, chamou-o para a pasta do interior e instrução
pública. Mais tarde, passou para a pasta da Indústria, deixando-a por ocasião da renúncia do
marechal Deodoro, em 23 de Novembro de 1891. Recolheu-se à vida privada. Mas o Estado de
Pernambuco, a 18 de Dezembro de 1892, o elegeu senador federal, na vaga do general Simeão.
Ao Senado pertenceu até Dezembro de 1896 e foi escolhido 1.º secretário em 1895. Em fins de
1893, entrou para a direção da "Gazeta da Tarde", nesta capital deixando-a para tomar conta do
escritório de advocacia do Dr. Ubaldino do Amaral, quando este assumiu o exercício de ministro
do Supremo Tribunal Federal. Em 18 de Janeiro de 1897, foi nomeado ministro do Supremo
69

PEDRO AMÉRICO (Paraíba do Norte)48, CUSTÓDIO DE MELLO (Alagoas)49,


LEITE OITICICA (Alagoas)50 e JOÃO VIEIRA51 (Pernambuco)52. Vencida esta
proposta que visava a adiar o debate, os constituintes debruçaram-se sobre a
análise dos distintos sistemas de discriminação de rendas apresentados pelos
constituintes, cabendo aqui apontar brevemente as características dos três sistemas
que angariaram maior número de simpatizantes e que dividiram a opinião dos
constituintes, a saber: o sistema adotado pelo PGP, o sistema aprovado pela
Comissão dos 21 e o sistema proposto por JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande
do Sul) – vencido na referida Comissão.
O sistema constante do PGP atribuía à União Federal os impostos de
importação, os direitos de entrada e saída de navios, as taxas de selo e as
contribuições postais e telegráficas. Aos Estados, atribuía os impostos de
exportação – até o ano 1898, quando então seriam abolidos –, além do imposto
territorial e o imposto de transmissão de propriedade. Poderiam ainda os Estados
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tributar a importação de mercadorias estrangeiras, quando estas fossem destinadas


a consumo no seu território, revertendo o produto para o Tesouro Federal. Quanto
aos demais impostos, estes seriam de competência cumulativa da União e dos
Estados. Em textual:

Tribunal Federal, no governo do Dr. Manoel Victorino. Em 1904 solicitou a sua aposentadoria
neste elevado cargo”. (Op. Cit., p. 50)
48
PEDRO AMÉRICO DE FIGUEIREDO (Paraíba do Norte) – Doutor em ciências naturais pela
Universidade Livre de Bruxelas, da qual fora lente adjunto. Jubilou-se como professor da Cadeira
de História das Artes, Estética e Arqueologia da Academia de Belas Artes.
49
CUSTÓDIO JOSÉ DE MELLO (Alagoas) – Militar, promovido a contra-almirante em
08.01.1890. Foi veterano da Guerra do Paraguai, onde tomou parte das batalhas de Curupaiti,
Humaitá e Timbó, naufragando no encouraçado Rio de Janeiro. Especialista em armamentos e
logística esteve várias vezes na Europa fiscalizando o fabrico de torpedos e outras armas para a
Marinha do Brasil. Foi deputado pela Bahia à Constituinte de 1890-91. Em 3 de novembro deste
ano de 1891, em represália ao decreto do Marechal Deodoro, que pretendia um golpe de Estado
com o fechamento do Congresso, fez deflagrar a primeira Revolta da Armada, apossando-se de
todos os navios de guerra ancorados na Baía de Guanabara. A rebelião provocou a renúncia do
presidente e sua substituição pelo Marechal Floriano Peixoto. No governo de Floriano, Custódio
de Melo ocupou o cargo de ministro da Marinha com a patente de Contra-Almirante até 29 de abril
de 1893, quando, opondo-se ao presidente que se recusava a mandar fazer as eleições, fez eclodir
uma segunda Revolta da Armada (6-9-1893), que redundou em fracasso, bem como a revolução
federalista no Rio Grande do Sul, em que engajou-se, ato contínuo. Exilou-se na Europa naquele
mesmo ano. Autor de O Governo Provisório e a Revolução de 1893.
50
FRANCISCO DE PAULA LEITE E OITICICA (Alagoas) – Bacharel em Direito pela
Faculdade do Recife.
51
JOÃO VIEIRA (Pernambuco) – Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Recife.
Filiado desde muito moço ao partido conservador, dedicou-se a princípio à magistratura. Em 17 de
dezembro de 1877, era nomeado professor substituto da Faculdade do Recife e tornado catedrático
em 18 de maio de 1884.
70

“Art. 8.º - É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos:

1.º - sobre exportação de mercadorias que não sejam de outros Estados;


2.º - sobre a propriedade territorial;
3.º - sobre a transmissão de propriedade

§1.º É isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção dos outros
Estados.

§2.º Em 1898, ou antes, se o Congresso deliberar cessarão todos os direitos de


exportação.

§3.º Só é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras,


quando destinada a consumo no seu território, revertendo, porém, o produto do
imposto para o Tesouro Federal.

Art. 9.º - É proibido aos Estados tributar de qualquer modo, ou embaraçar com
qualquer dificuldade, ou gravame, regulamentar, ou administrativo, atos,
instituições ou serviços estabelecidos pelo governo da União.

Art. 10.º - É vedado aos Estados, como à União:

§1.º Criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de


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um para outro, sobre produtos de outros Estados da República, ou estrangeiros,


e bem assim sobre os veículos, de terra e água, que os transportarem.

§2.º Estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos.

§3.º Prescrever leis retroativas.

Art. 11 – Nos assuntos que pertencem concorrentemente ao governo da União e


aos governos dos Estados, o exercício da autoridade pelo primeiro obsta a ação
dos segundos, e anula, de então em diante, as leis e disposições dela emanados.”

O sistema de discriminação de rendas defendido por JULIO DE


CASTILHOS (Rio Grande do Sul) tinha conteúdo frontalmente oposto ao
estabelecido no PGP, já que, embora mantivesse os impostos dados à União pelo
referido projeto, atribuía todos os demais aos Estados, sem discriminação, não
havendo, portanto, hipóteses de tributação cumulativa da União e dos Estados.
Permitia à União, nos casos de calamidade pública e nos casos de insuficiência
das suas fontes de receita, taxar as rendas dos Estados, e, ainda, conservava o
direito dos Estados supertributarem a importação, com reversão do produto para o
Tesouro Federal. Em textual:

52
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 10.
71

“Art. 8.º - É da competência exclusiva dos Estados decretar qualquer imposto


que não esteja compreendido no art. 6.º e que não seja contrário às disposições
da Constituição.

Art. 12.º - Nos casos extraordinários de calamidade pública poderá o Governo


da União taxar a renda de cada um dos Estados, devendo ser igual para todos a
porcentagem.

§ - quando forem insuficientes as fontes de receita discriminadas no art 6.º para


ocorrer ao serviço da dívida nacional, poderá também o Governo da União
lançar uma taxa permanente sobre a renda dos Estados, sem distinções.”

O sistema aprovado pela Comissão dos 21 mantinha os impostos


atribuídos à União Federal pelo PGP. Em relação aos Estados, atribuiu, além dos
impostos previstos no PGP, o imposto predial. A Comissão dos 21 suprimiu o
prazo para a abolição dos impostos de exportação (art. 8.º, §2.º), bem como a
predominância da União Federal nos casos de competência concorrente (art. 11).
Atribuía, ainda, 10% da importação aos Estados, in verbis:
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“Acrescente-se para as disposições transitórias:

‘Aos Estados é concedida a quota de 10% sobre os impostos de importação de


mercadorias estrangeiras destinadas a consumo nos respectivo território’.”

Embora a Comissão dos 21 não tenha aprovado o sistema sugerido por


JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul), vale observar que sua proposta foi
levada à discussão no seio da constituinte, tendo recebido o apoio não apenas da
bancada rio-grandense, mas também de destacados constituintes como JOÃO
BARBALHO (Pernambuco), CAMPOS SALES (São Paulo) e LEOPOLDO DE
BULHÕES (Goiás), e que, como recorda AGENOR DE ROURE, quase saiu
vitorioso53. A derrota da proposta de JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande do
Sul), entretanto, não representou necessariamente a vitória do PGP. Pode-se
afirmar que, a este respeito, a Constituinte rejeitou tanto a tese, representada pelo
PGP, quanto a sua antítese, representada pela proposta de JULIO DE
CASTILHOS (Rio Grande do Sul), embora tenha se aproximado mais da
primeira. A síntese, finalmente aprovada pelo Congresso Constituinte, manteve o
sistema aprovado pela Comissão dos 21 e acrescentou à competência tributária
dos Estados o imposto de indústrias e profissões (na 1.ª discussão), e ainda as

53
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 26.
72

taxas de correios e telégrafos estaduais e o selo em papéis emanados de


autoridades locais (na 2.ª discussão).

3.2.2.3. Forças Armadas

Outro ponto que mereceu longos debates na constituinte, tangenciado pelas


idéias acerca da organização federativa, refere-se às Forças Armadas. É que o
estabelecimento da esfera de sua atuação dentro do território nacional poderia
comprometer a autonomia política dos Estados, afetando, deste modo, os
interesses dos representantes federalistas na constituinte. Nesse sentido, cumpre
observar que o PGP não apenas deixava assente a existência das Forças Armadas
enquanto uma instituição necessária à organização do País, como também atribuía
o seu comando ao Governo Federal. Ademais, permitia à União Federal, por
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intermédio do Congresso Nacional, mobilizar as forças policiais dos Estados. Em


textual:

“Art. 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes,


destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.
Dentro dos limites da lei, a força armada é essencialmente obediente aos seus
superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais.
(...)

Art. 33 – Compete privativamente ao Congresso Nacional:


(...)
18 – Fixar anualmente as forças de terra e mar.
19 – Regular a composição do Exército.
20 – Conceder ou negar passagem a forças estrangeiras pelo território do país.
21 – Mobilizar e utilizar a força policial dos Estados nos casos taxados pela
Constituição.
(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
3.º - Exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos
do Brasil, assim como das de polícia local, quando chamada às armas em defesa
interna ou externa da União.

4.º - Administrar e distribuir, sob as leis do Congresso, conforme as necessidades


do Governo Nacional, as forças de mar e terra.”

Este ponto merece ser ressaltado menos pelo texto finalmente aprovado,
que sofreu poucas alterações substanciais, do que pelas propostas apresentadas na
73

Constituinte, que bem demonstram a dimensão do receio dos representantes de


alguns Estados em relação à organização federativa do País, ou, mais
precisamente, no que tange às posições a serem ocupadas pela União e pelos
Estados na nova Constituição, neste caso, a partir de suas relações com as Forças
Armadas.
Nesse sentido, cabe mencionar a emenda apresentada pelo constituinte
VIRGILIO DAMÁSIO (Bahia), que simplesmente suprimia o art. 14 supracitado,
o que causou certa estranheza junto à Constituinte. É que o referido artigo,
basicamente, se limitava a afirmar de forma expressa a condição de instituição
permanente das Forças Armadas, bem como deixava assente que estas deveriam
obediência às instituições constitucionais, de modo que a supressão do artigo 14
aparentemente afetava a própria existência do Exército, que no momento, aliás,
dirigia o País. Em resposta a estes rumores, assim se manifestou o autor da
proposta:
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“Acreditais que eu teria tal ingratidão para esses bravos que no dia 15 de
novembro puseram à disposição da idéia vitoriosa a força de suas espadas? De
certo que não! Não quero que me acoimem dessa feia ingratidão. Queria apenas
significar, suprimindo o artigo, que ele, o artigo, não o exército, era
desnecessário. No Brasil, como em toda parte, a força armada é a garantia da
ordem no interior e a defesa da honra no exterior. Eu quisera somente que, ou
ficasse subentendido, ou então que, a ser expresso, em vez de ser redigido desse
modo, fosse como, por exemplo, na velha Constituição, em que se consignava:
‘todos os brasileiros são obrigados a pegar em armas para sustentar a
integridade e a independência da Nação e defendê-la contra seus inimigos
internos e externos’. Aí se consignou um dever de honra para todos os
brasileiros; não se tratava somente de uma classe, não se dizia que tais deveres
competem somente ao exército...”54

Segundo o constituinte, portanto, o artigo deveria ser suprimido do projeto


do texto constitucional por ser redundante ou por estar subentendido, sendo, de
todo modo, desnecessário. Esta preocupação manifestada pelo autor da proposta, a
respeito de um aspecto meramente formal do projeto, a saber a sua organização
lógico-sistemática, parece camuflar um outro receio, de caráter material,
envolvendo a própria existência do Exército como instituição permanente, já que a
preocupação com a técnica de redação legislativa não havia ocupado até então a

54
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 210-211.
74

ordem do dia dos trabalhos constituintes. De fato, o próprio autor da proposta, em


um segundo momento, prosseguiu em sua defesa da referida emenda supressiva:

“Finalmente, eu pedia a supressão desse artigo por causa da palavra


‘permanente’. Pois é hoje, quando o Congresso de Washington decide que o
arbitramento obrigatório deve ser aceito pelos povos como a melhor solução das
questões internacionais; pois é hoje, quando se coloca à testa de um movimento
perigosíssimo, quando não seja bem encaminhado, o próprio Guilherme II, e que
quase se propõe o desarmamento da Europa; pois é hoje, quando se proclama a
possibilidade dessa idéia em quase todos os círculos...que se vai fazer exército
permanente?”55

O destinatário da emenda supressiva, portanto, parecia ser realmente o


Exército, que, vale lembrar, seguia em sentido frontalmente diverso, pretendendo
justamente se firmar como uma instituição permanente.
No mesmo sentido da proposta apresentada por VIRGÍLIO DAMÁSIO
(Bahia), assim se manifestou JOAO BARBALHO (Pernambuco):
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“A Constituição estabelece que as forças de mar e terra são instituições


nacionais permanentes, mas é uma aspiração da democracia moderna que não
haja tais instituições com esse caráter de permanência. Não quero propor a
supressão do exército e da armada, a que o país deve imensos serviços e de que
precisa. O que me parece é que a instituição dos exércitos permanentes não é
uma instituição liberal. Poderíamos seguir o exemplo da Suíça. A Constituição
ali veda à União manter exércitos permanentes e os cantões apenas podem ter
um número limitado de 300 soldados para cada cantão. É uma espécie de
descentralização do serviço militar. Sou dos primeiros a reconhecer os muitos e
grandes serviços que o exército e a armada nos têm prestado, mas não há
necessidade de se prescrever, em uma Constituição, que haja exército
permanente.”56

O Apostolado Positivista também apresentou uma proposta à apreciação


da constituinte, atribuindo o comando das forças federais aos governadores, nos
seguintes termos: “A força pública federal localizada em cada Estado ficará sob
as ordens imediatas do chefe do mesmo Estado e servirá, sem distinção, à polícia
local”.57 A falta de rigor em relação à separação entre as forças federais e as
locais bem demonstra que a preocupação era muito mais em assegurar a
autonomia dos Estados, do que em efetivamente regularizar a atuação daquelas, já
que não fazia qualquer distinção em relação às polícias locais. Essa parece ter sido

55
Idem.
56
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 215.
57
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 210.
75

a tônica de outras propostas, tal como a apresentada pelo constituinte NINA


RIBEIRO (Pará), proibindo o Poder Executivo de “conservar qualquer
contingente de forças federais nos Estados, desde que contra isso representassem
os respectivos poderes” e obrigando-o a “remover mediante representação dos
mesmos poderes, os comandantes de tais forças”58. Esta emenda, rejeitada na
primeira discussão, foi reapresentada, desta vez pelo constituinte FRANCISCO
VEIGA (Minas Gerais)59, e aprovada pela constituinte na segunda discussão,
tendo sido, todavia, rejeitada na terceira (e última), o que bem revela a dimensão
do debate em torno do tema.
Cumpre destacar ainda as emendas, finalmente aprovadas em segunda
discussão, que suprimiam a competência do Congresso para mobilizar e utilizar a
força policial dos Estados – apresentada pelos constituintes ADOLFO GORDO
(São Paulo)60, RODRIGUES ALVES (São Paulo)61, BERNARDINO DE
CAMPOS (São Paulo) e outros representantes paulistas62 –, bem como a
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competência do Presidente da República para exercer o comando das polícias dos


Estados – apresentada pelos constituintes JOÃO VIEIRA (Pernambuco),
VALLADÃO (Sergipe) e GABINO BESOURO (Alagoas)63.

3.2.2.4. Intervenção Federal

58
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 213.
59
FRANCISCO LUIZ DA VEIGA (Minas Gerais) – Doutor em ciências jurídicas e sociais. Em
1873, foi nomeado juiz municipal de Pouso-Alegre, cidade de cujo governo municipal foi o
presidente. Foi eleito deputado provincial para o biênio de 1876 a 1877.
60
ADOLFO AFONSO DA SILVA GORDO (São Paulo) – Bacharel em ciências jurídicas e
sociais em 1879. Conforme relatou DUNSHEE DE ABRANCHES: “Abrindo banca de advogado
em Capivary, consagrou-se, desde logo, ao lado de Cezario Morra Júnior, à organização do
partido republicano em toda aquela zona. Em 1886, mudou-se para a capital do Estado, e, em
1888, foi eleito membro da comissão diretora do partido republicano paulista. Proclamada a
República, foi nomeado, pelo Governo Provisório, presidente do Rio Grande do Norte”. (Op.
Cit.,p. 361)
61
FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES (São Paulo) - Bacharel em Direito pela
Faculdade de São Paulo (1870). Foi vereador, juiz de paz, promotor público, deputado, presidente
da então Província de São Paulo (1887-8), quando então recebeu o titulo de Conselheiro de Estado
(retornaria à presidência do já então Estado de São Paulo em 1900) e ministro da Fazenda (em
duas oportunidades: no Governo de FLORIANO PEIXOTO e no de PRUDENTE DE MORAIS).
Em 1902 elegeu-se presidente da República em sucessão a CAMPOS SALES. Assumiu o cargo
em 15-11-1902 e governou até o fim de seu mandato (15-11-1906), retornando, seis anos depois e
pela terceira vez, ao governo do Estado de São Paulo. Outra vez eleito presidente da República em
1918, não chegou a tomar posse: dado o seu estado de saúde, foi substituído na cerimônia de posse
por seu vice-presidente, DELFIM MOREIRA DA COSTA RIBEIRO, e pouco tempo depois
faleceu.
62
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 237.
76

Outro tema que merece ser ressaltado, não pelo debate suscitado, mas
justamente pela sua ausência, é o que se refere à intervenção federal, tema que
envolve diretamente a organização federativa. AGENOUR DE ROURE, em seus
comentários à Constituinte Republicana, já havia observado que:

“Uma das maiores surpresas reservadas aos pesquisadores dos Anais da


Constituinte Republicana é a absoluta ausência de comentários às doutrinas
relativas à intervenção federal nos Estados – questão capital no regime
federativo (...) A Constituinte de 1890-91 nem se deu ao trabalho de discutir os
casos de intervenção, tendo havido, sobre o assunto, apenas um discurso do Sr.
MEIRA DE VASCONCELOS.”64

Com efeito, parece chocante a falta de maiores discursos, comentários e


discussões sobre o instituto da intervenção federal, o que poderia denotar uma
falta de interesse sobre o assunto. Ocorre que, em uma Constituinte marcada
justamente pela preocupação em relação à organização federativa ou, mais
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precisamente, à autonomia política a ser concedida aos Estados, este tema deveria
ocupar o centro das discussões, já que se trata de um instituto que, a fim de
corrigir alguma falha na organização constitucional do país, pode-se valer da
quebra da autonomia dos Estados, afetando diretamente a federação. Ademais, o
seu uso indevido, a partir da não observância dos permissivos constitucionais,
poderia representar verdadeiro instrumento de governo nas mãos do Poder
Executivo da União. Assim, ao menos dois pontos mereceriam maior atenção por
parte dos constituintes: quais os casos que ensejariam a intervenção federal e a
quem seria atribuída a competência para verificar a juridicidade da decretação da
intervenção federal. Razões, portanto, não faltaram aos constituintes para um
debate mais profícuo acerca do tema, o que, todavia, não ocorreu.

A este respeito, estabelecia o PGP, in verbis:

“Art. 5.º - O Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares


aos Estados, salvo:
1.º Para repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro;
2.º Para manter a forma republicana federativa;

63
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 240.
64
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 323.
77

3.º Para restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição


dos poderes locais;
4.º Para assegurar a execução das leis do Congresso e o cumprimento das
sentenças federais.”

Este dispositivo foi mantido pela Constituinte, que se limitou a alterar a


redação dos n.ºs 3 e 4.º do art. 5.º do PGP (artigo 6.º da Constituição), nos
seguintes termos:

“Art. 6.º - (...)


3.º Para restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição
dos respectivos governos;
4.º Para assegurar a execução as leis e sentenças federais.”

Verifica-se, portanto, que a única alteração substancial refere-se à


legitimidade para requerer a intervenção federal nos casos de restabelecimento da
ordem e tranqüilidade nos Estados, que, segundo o projeto, pertencia aos poderes
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locais, tendo a Constituinte aprovado a redação proposta pela Comissão dos 21,
estabelecendo que os legitimados seriam os respectivos governos. Esta alteração,
também desacompanhada de maiores debates, parece restringir o direito de
requisição da intervenção federal aos governadores dos Estados, afastando as
assembléias legislativas, contempladas pelo PGP, já que a própria Comissão dos
21 havia rejeitado emenda apresentada pelo constituinte VIRGÍLIO DAMÁSIO
(Bahia), alterando a expressão “poderes locais” por “governo do Estado ou de
sua assembléia legislativa”.

3.3.2.5. Organização dos Poderes

Em relação à organização dos poderes, o PGP adotou a doutrina tripartite


de Montesquieu, nos moldes da Constituição presidencialista norte-americana.
Conforme dispunha o art. 15 do projeto:

“Art. 15 – São órgãos da soberania nacional os poderes legislativo, executivo e


judiciário, harmônicos e independentes entre si.”
78

O regime presidencialista, assegurado pela independência entre os poderes


– que inexiste em um sistema parlamentarista – não encontrou resistência no
Congresso Constituinte, à exceção de uma manifestação isolada e despretensiosa
dos constituintes ROSA E SILVA (Pernambuco)65, CÉSAR ZAMA (Bahia)66,
FREDERICO BORGES (Ceará)67, ALMEIDA NOGUEIRA (São Paulo)68,
OLIVEIRA PINTO (Rio de Janeiro)69, TEODURETO SOUTO (Ceará)70, que
apenas apelaram para a volta do parlamentarismo logo que se verificasse haver
falhado o sistema presidencialista71, além do constituinte LUIZ MORAT (Rio de
Janeiro)72, parlamentarista convicto, que se recusou a assinar a Constituição
promulgada em 24 de fevereiro de 1891, justamente em função do regime
presidencialista que esta adotava.73

65
FRANCISCO DE ASSIS ROSA E SILVA (Pernambuco) – Bacharel em Direito pela Faculdade
de Recife. Filiado ao partido Conservador, foi eleito deputado pelo 10.º distrito de sua terra natal à
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10.ª legislatura do Império (1886 a 1889), e nomeado em 4 de Janeiro de 1889 ministro da Justiça
a fim de substituir o conselheiro Ferreira Vianna, que passara para a pasta do Império do gabinete
João Alfredo.
66
ARISTIDES CÉSAR SPINOLA ZAMA (Bahia) – Doutor em medicina pela Faculdade de sua
terra natal, ofereceu-se ao governo imperial a fim de seguir para a guerra do Paraguai, em 1865.
Regressando à Bahia, foi eleito muitas vezes deputado provincial pelo partido liberal.
67
FREDERICO AUGUSTO BORGES (Ceará) – Bacharel pela Faculdade de Recife em 1875,
doutorando-se no ano seguinte. Recém-formado, foi nomeado promotor público em Fortaleza.
Filiando-se ao partido conservador, exerceu outros cargos desde a sua formatura, sendo em 1885
eleito deputado geral à 19.ª legislatura do Império pelo 1.º distrito do Ceará. Abolicionista,
redigiu o Libertário e defendeu no parlamento as suas idéias, definindo a sua atitude em discurso
proferido na sessão de 3 de agosto de 1885, e distribuído em folhetos. Um dos fundadores da
Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro.
68
JOSÉ LUIZ DE ALMEIDA NOGUEIRA (São Paulo) – Formou-se em Direito pela Faculdade
de São Paulo. Em 1873 foi eleito pelo partido conservador Deputado provincial pelo 2.º distrito da
província de São Paulo, sendo reeleito para o biênio seguinte; e, na legislatura de 1876-1879, foi
eleito Deputado à Assembléia Geral, onde ocupou o lugar de 1.º Secretário. Conforme anotou
DUNSHEE DE ABRANCHES: “por ocasião da proclamação da República, em 15 de Novembro
de 1889, era o Dr. Almeida Nogueira o redator chefe do “Correio Paulistano”, órgão do partido
conservador, e, inspirado pelo Conselheiro Antonio da Silva Prado, movia então vigorosa
oposição ao Gabinete Liberal, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, e ao Governo da
Província, que tinha à sua frente o General Couto de Magalhães. Com todo o seu partido, em 17
de novembro, o Dr. Almeida Nogueira, em uma reunião política havida no teatro S. José, à qual
compareceram os mais proeminentes políticos pertencentes aos partidos monárquicos, aderiu ao
novo regime, do qual, posteriormente, tem sido um dos mais leais e indefectíveis sustentadores”.
(Op. Cit., p. 373)
69
AUGUSTO DE OLIVEIRA PINTO (Rio de Janeiro) – Formado em ciências jurídicas e sociais.
Advogado, pertenceu ao número dos republicanos históricos com serviços ativos na propaganda.
70
TEODURETO CARLOS DE FARIA SOUTO (Ceará) – Bacharel em Direito, bem cedo militou
na política do Império, filiado ao partido liberal. Foi eleito deputado geral pelo Ceará na legislatura
de 1878 a 1881 e presidiu as províncias de Santa Catarina (1883) e do Amazonas (1884).
Representou ainda importante papel na propaganda abolicionista.
71
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 353.
72
LUIZ BARRETO MURAT (Rio de Janeiro) – Bacharel em Direito pela faculdade de São
Paulo.
79

3.2.2.5.1. Poder Legislativo

a) composição

O Poder Legislativo, segundo o PGP, seria bicameral, composto pela


Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, ao que também não encontrou forte
resistência, devendo-se destacar apenas a bancada gaúcha, que se manifestou pela
unidade do Poder Legislativo, excluindo o Senado74.
O debate em torno do Poder Legislativo centrou-se na composição da
Câmara dos Deputados, orientado mais uma vez pela questão federativa, já que,
diferente do Senado, aquela Casa Legislativa não asseguraria a representação
igualitária entre os Estados. Conforme estabelecia o PGP:
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“Art. 27 – A Câmara compõe-se dos deputados do Distrito Federal e dos


Estados, na proporção, que não se poderá diminuir, de um por setenta mil
habitantes.”

A Comissão dos 21 acrescentou que esta eleição se daria mediante voto


direto, de modo que a Câmara dos Deputados seria composta por deputados
eleitos diretamente segundo o princípio majoritário, para um mandato de três
anos75, não podendo a representação ser inferior a um por setenta mil habitantes.
Este dispositivo, no entanto, sofreu duas alterações pela Constituinte.
Primeiramente, o Congresso Constituinte houve por bem assegurar a
representação das minorias, o que bem demonstra o reconhecimento por aquela
assembléia das imperfeições do sistema eleitoral majoritário para a composição de
um órgão colegiado que visa a representar toda uma população dentro de um
determinado território. É que, se a Constituinte deixou assente que deveria ser

73
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 367-8.
74
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 398.
75
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 406. A respeito da duração do mandato, opinou AGENOR
DE ROURE: “A não ser nos Estados Unidos e no México, onde o mandato dos deputados dura
dois anos; na Dinamarca e na Suécia, onde o prazo é de três anos como no Brasil, todas as outras
nações do mundo dão ao mandato legislativo uma duração de quatro, cinco e seis anos. A nossa
Constituinte de 1890-91 primou em fixar prazos curtos demais para a duração do mandato, para
a duração das sessões e para o exercício da presidência da República. E nunca se poderá saber o
motivo desse procedimento, porque tais pontos do projeto constitucional passaram sem debate
algum, sem explicação de voto, sem justificação ou exposição de quem quer que seja – comissão
ou membros da assembléia.”(Idem.)
80

assegurada a representação das minorias, contrario sensu, pode-se afirmar que o


sistema majoritário por si só não a asseguraria. Além disso, a Constituinte, mais
uma vez movida pela questão federativa, estabeleceu um mínimo de
representantes por Estado, a fim de evitar a sub-representação na Câmara Federal,
tendo a idéia surgindo a partir de uma emenda apresentada pelos constituintes
UCHÔA RODRIGUES (Amazonas)76, ATHAYDE JÚNIOR (Espírito Santo)77,
ANTONIO AZEREDO (Mato Grosso)78, CAETANO DE ALBUQUERQUE
(Mato Grosso)79, BELFORT VIEIRA (Amazonas)80, AQUILINO DO AMARAL
(Mato Grosso), MUNIZ FREIRE (Espírito Santo)81, FREDERICO BORGES
(Ceará) e JOAQUIM SARMENTO (Amazonas)82 ainda na 1.ª discussão83. Em 2.ª
discussão, a bancada da Paraíba, sob a liderança do constituinte EPITÁCIO
PESSOA (Paraíba do Norte)84, apresentou emenda com o mesmo teor de uma

76
MANOEL UCHÔA RODRIGUES (Amazonas) – Militar, promovido a capitão a 17 de março de
1890. Bacharel em matemática e ciências físicas.
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77
ANTONIO BORGES DE ATHAYDE JÚNIOR (Espírito Santo) – Militar, promovido a capitão
em 7 de janeiro de 1890.
78
ANTONIO FRANCISCO DE AZEREDO (Mato Grosso) – Começou como estudante da Escola
Militar, da qual afinal saiu dando baixa do serviço do exército. Passou depois a trabalhar em
jornais, entrando para o Diário de Notícias sob a direção do Conselheiro Rui Barbosa.
79
CAETANO MANOEL DE FARIA E ALBUQUERQUE (Mato Grosso) – Militar, promovido a
major graduado em 21 de Março de 1890. Em 1884, lançou a sua candidatura de deputado geral
por Mato Grosso pelo partido liberal, não sendo eleito.
80
MANOEL IGNÁCIO BELFORT VIEIRA (Amazonas) – Militar, promovido a capitão-tenente
em 8.01.1890. Proclamada a República, foi eleito deputado à Constituinte, mas não terminou o
mandato por haver sido aclamado governador do Maranhão.
81
JOSÉ DE MELLO CARVALHO MUNIZ FREIRE (Espírito Santo) – Formou-se em 1881 pela
Faculdade de Direito de São Paulo. Nesse mesmo ano, foi eleito deputado providencial pelo
partido liberal, sendo reeleito nos biênios de 1882 a 1883, e 1888 e 1889. Achou-se diplomado
deputado geral em 1889 quando se proclamou a República.
82
JOAQUIM JOSÉ PAES DA SILVA SARMENTO (Amazonas) – Era funcionário público
aposentado no Estado de Amazonas. Filiado embora ao partido liberal, aderiu à República, sendo
eleito senador à Constituinte.
83
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 556.
84
Cumpre observar que o constituinte EPITÁCIO PESSOA (Paraíba do Norte) já havia
apresentado na Comissão dos 21 emenda estabelecendo que a representação dos Estados na
Câmara dos Deputados deveria ser a mesma, tal como ocorre com o Senado. Esta emenda,
rejeitada no seio da Comissão, foi reapresentada pelos constituintes FREDERICO BORGES
(Ceará) e MARTINHO RODRIGUES na 1.ª discussão da Constituinte, sendo novamente rejeitada.
Apresentando seus argumentos, assim se manifestou EPITÁCIO PESSOA (Paraíba do Norte): “o
art. 27 é uma aplicação perfeita, completa do princípio que defende a proporcionalidade da
representação. Doutrina liberal, que garante a intervenção de todos os indivíduos na gestão dos
negócios públicos, eu compreendo-a como uma condição, como um elemento indispensável da
verdade política nos governos unitários, mas também como uma injustiça grave e inconveniente
nos governos federativos. (...) Nos governo federativos, porém, cada circunscrição tem uma
autonomia própria, tem quase que uma soberania, cada qual representa um corpo político à
parte, tem interesses perfeitamente delineados, perfeitamente discriminados, de maneira que os
representantes são mandatários dos Estados, vêm defender os interesses dos Estados, cuja soma
constitui o interesse da União (Apoiados). (...) Qual a razão por que o Estado de Minas Gerais há
de ter maior influência nos negócios federais do que o da Paraíba ou este do que o do Mato
Grosso?...” (ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 557)
81

emenda apresentada pela bancada catarinense, estabelecendo o mínimo de 4 e o


máximo de 25 deputados por Estado85. Ambas, no entanto, foram rejeitadas, tendo
a constituinte aprovado emenda apresentada pelo constituinte GABRIEL DE
MAGALHÃES (Minas Gerais)86, estabelecendo que o número de deputados e a
forma da eleição deveriam ser regulados por lei ordinária aprovada pelo
Congresso Nacional, postergando a decisão sobre a matéria. A Constituinte,
entretanto, em 3.ª discussão manteve a redação anterior87, estabelecendo:

“Art. 28 – A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos


pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante sufrágio direto, garantida a
representação da minoria.

§1.º O número dos Deputados será fixado por lei em proporção que não excederá
de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro
por Estado.”

Em relação às condições de elegibilidade para o Congresso Nacional, o


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PGP estabelecia que seriam inelegíveis os religiosos regulares e seculares de


qualquer confissão; os governadores; os chefes de polícia; os comandantes de
armas, bem como os que exercerem comandos de forças de terra e mar
equivalentes, ou superiores; os comandantes de corpos policiais; os juízes de 2.ª
instância e os membros do Supremo Tribunal; e os funcionários administrativos
demissíveis independentemente de sentença. A Comissão dos 21, no entanto,
preferiu deixar a matéria à lei ordinária aprovada pelo Congresso Nacional88, o
que foi mantido pela Constituinte.

b) Competência legislativa

As matérias que seriam inseridas na competência legislativa do Congresso


Nacional também foram objeto de calorosos debates no seio da constituinte,

85
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 560. Conforme observou AGENOR DE ROURE: “a idéia
não vingou, mas se vingasse só teria ferido Minas Gerais, único Estado que dá mais de 25
deputados”. (Idem.)
86
GABRIEL DE PAULA ALMEIDA MAGALHÃES (Minas Gerais) – Formou-se em Direito
pela Faculdade de São Paulo. Por muito tempo foi advogado na cidade de Leopoldina, onde atuou
na propaganda republicana.
87
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 563.
82

revelando-se, ao término, como um dos temas mais polêmicos do processo de


elaboração do texto constitucional. A polêmica, mais uma vez, era movida pela
questão federativa, dividindo os constituintes entre aqueles que defendiam um
modelo que concentrasse, mais especificamente, as matérias de direito civil, penal
e comercial na esfera legislativa da União Federal, ou seja, em favor da unidade
da legislação em vigor no território nacional, e aqueles que defendiam a
pluralidade de legislação, ou seja, um modelo descentralizado, a partir da
atribuição de uma ampla esfera de competência legislativa aos Estados, o que
permitiria a coexistência no País de legislações estaduais distintas ou até mesmo
contraditórias em matéria civil, penal e comercial, dentre outras.
O PGP, unionista por excelência, enquadrava-se no modelo centralizador,
que asseguraria a unidade de legislação no País, estabelecendo como competência
privativa do Congresso Nacional “codificar as leis civis, criminais, comerciais e
processuais da República” (art. 33, n.º 24). A oposição ao modelo unionista do
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PGP se fez presente já na Comissão dos 21, sob a liderança de JULIO DE


CASTILHOS (Rio Grande do Sul), que defendia um modelo descentralizado,
assegurando aos Estados a mais ampla esfera de competência legislativa89. O
constituinte GUIMARÃES NATAL (Goiás)90 apresentou emenda ao aludido
dispositivo – n.º 24 do art. 33 –, acrescentando o seguinte: “sendo permitido aos
Estados, quanto àquelas, alterarem-lhe as disposições de modo a adaptá-las às
suas necessidades especiais e interesses peculiares e próprios”91. Assim, embora
preservasse a competência legislativa sobre direito civil, penal e comercial na
esfera da União Federal, assegurava aos Estados a possibilidade de legislarem
também sobre estas matérias a fim de adequá-las aos seus interesses peculiares. A
Comissão dos 21 rejeitou ambas as propostas, mantendo o modelo adotado pelo
PGP.

88
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 541.
89
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 618.
90
JOAQUIM XAVIER GUIMARÃES NATAL (Goiás) – Formou-se em Direito pela Faculdade
de São Paulo. Seguindo a magistratura, foi recém-formado nomeado promotor público e curador
geral dos órfãos na capital de Goiás, cargo que exerceu de 1883 até 17 de Janeiro de 1885, quando
foi nomeado juiz substituto. Completou o seu quatriênio em 17 de Janeiro de 1889. Nesse ano,
proclamada a República, fez parte da Junta Governativa aclamada pelo povo, de 1.º de Dezembro
de 1889 a Março de 1890. Ocupou logo em seguida o cargo de 1.º vice-governador do Estado,
sendo também nomeado Juiz de Direito da comarca do Rio das Pedras.
91
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 617.
83

Cumpre observar que, embora o texto finalmente aprovado tenha


efetivamente adotado o modelo centralizador, assegurando a unidade de
legislação, a constituinte, em 1.ª discussão, aprovou emenda apresentada pelo
constituinte LEOPOLDO BULHÕES (Goiás), que adotava um modelo
descentralizado, permitindo a pluralidade de legislação no País, tendo
restabelecido o modelo centralizado somente na 2.ª discussão, a partir de emenda
apresentada pelo constituinte LEOVIGILDO FILGUEIRAS92 (Bahia)93, por uma
diferença de apenas 13 votos (98 x 85)94.

c) Estado de sítio

No que tange às demais competências atribuídas ao Congresso Nacional,


interessante observar que, em uma Constituinte tomada pelo furor federalista, o
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dispositivo que assegurava ao Congresso Nacional competência para decretar


estado de sítio, sobretudo quando o motivo a dar ensejo a tal medida seria a
“comoção interna” – termo inequivocamente vago – em um ou mais pontos dentro
do território nacional, não suscitou debates proporcionais à importância da
matéria. Na verdade, os dispositivos não foram sequer discutidos, sofrendo
emendas somente de redação95.

d) Revisão constitucional

Em relação à revisão constitucional, o PGP estabelecia que a Constituição


seria rígida, ou seja, adotava um processo de modificação do seu conteúdo mais
complexo do que o processo para aprovação de leis ordinárias – em substituição à
semi-rigidez que caracterizava a Carta Política do Império96 – abrigando ainda um

92
LEOVIGILDO YPIRANGA DO AMORIM FILGUEIRAS (Bahia) – Bacharel em Direito pela
Faculdade do Recife. Exerceu cargos de magistratura. Em 1884, foi eleito pelo partido liberal
deputado à Assembléia Provincial, mandato que desempenhou até 1887.
93
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 632.
94
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 635.
95
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 612.
96
Constituição de 1824, “Art. 178 – É só constitucional o que diz respeito aos limites e
atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos;
84

núcleo imodificável (cláusulas pétreas) referente à forma republicana e federativa


e à igualdade de representação dos Estados no Senado97.
A Comissão dos 21, embora favorável à rigidez constitucional, criticou o
quorum de três quartos estabelecido pelo PGP para a aprovação de uma emenda
constitucional, propondo a redução para um quorum de dois terços98, o que foi
aprovado pela constituinte logo na 1.ª discussão.
Interessante ressaltar que na 2.ª discussão a Constituinte aprovou emenda
apresentada por VIRGILIO DAMÁSIO (Bahia) estabelecendo a semi-rigidez da
Constituição, nos termos da Carta Política de 182499, tendo retornado, no entanto,
em 3.ª discussão, à redação aprovada na 1.ª discussão, após manifestação nesse
sentido dos constituintes MEIRA VASCONCELLOS (Pernambuco)100,
SERZEDELLO CORREIA (Pará)101 e CAMPOS SALES (São Paulo)102.
Quanto às cláusulas pétreas, embora aprovado pela Constituinte, vale
observar que a idéia de um núcleo imodificável do texto constitucional não foi
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unanimemente aceita, tendo sido apresentadas emendas supressivas pelo


Apostolado Positivista bem como pelos constituintes JOSÉ HIGINO
103
(Pernambuco), BARBOSA LIMA (Ceará) , PEREIRA DE LYRA

tudo o que não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas
Legislaturas ordinárias.”
97
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 658.
98
Conforme parecer da Comissão dos 21: “O art. 85 da Constituição dificulta de tal modo as
reformas constitucionais, que praticamente as torna quase irrealizáveis. Pensando a comissão que
convém moderar tamanho rigor, propõe que se substitua a maioria de três quartos de que trata o
§2.º desse artigo, pela maioria de dois terços”. (idem.)
99
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 659. Cumpre observar que o constituinte MARTINHO
PRADO JÚNIOR apresentou emenda também adotando o modelo de semi-rigidez. Entretanto,
segundo a sua proposta, apenas o processo de reforma constitucional referente às matérias relativas
à discriminação de rendas seria igual ao processo legislativo ordinário. (Idem)
100
JOÃO VICENTE MEIRA DE VASCONCELOS (Pernambuco) – Formou-se em ciências
jurídicas e sociais pela Faculdade de Recife (1870). Foi abolicionista e deputado à assembléia
legislativa da província de Pernambuco em quatro legislaturas, de 6 de Março de 1882 a Julho de
1889.
101
INOCÊNCIO SERZEDELLO CORREIA (Pará) – Militar, promovido a Major em 07.01.1890.
102
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 660. Embora rejeitada, vale transcrever a proposta
apresentada pelo constituinte FRANCISCO VEIGA (Minas Gerais) estabelecendo uma data para
revisão constitucional por um processo mais simples, tal como o art. 3.º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, a fim de permitir a alteração do
texto constitucional, após um curto período de vigência. Em textual: “Art. O atual Congresso, na
terceira sessão da legislatura ordinária, poderá, independentemente dos trâmites do art. 85,
modificar esta Constituição, se assim aconselhar a experiência e for requerido por alguma das
Câmaras”. (Nas condições excepcionais em que está sendo discutido e votada a Constituição, é de
prever-se que ela sairá com mais de uma lacuna. Tendo o atual Congresso recebido poderes
especiais para decretar a Constituição, parece haver vantagem em autorizar-se sua revisão depois
de dois anos de experiência, se esta assim o aconselhar). – Francisco Veiga. (Idem.)
103
BARBOSA LIMA (Ceará) – Alexandre Barbosa Lima – p. 295 – Militar. Promovido a 1.º
tenente em 4 de janeiro de 1890. Bacharel em matemática e ciências físicas.
85

(Pernambuco)104, AMFILÓFIO (Bahia)105, MEIRA DE VASCONCELOS


(Pernambuco) e BELLARMINO CARNEIRO (Pernambuco) – estes dois últimos
apenas no que tange à igualdade de representação no Senado Federal.

3.2.2.5.2. Poder Executivo

a) Mandato Presidencial

Em relação ao Poder Executivo, a primeira discussão que se fez presente


na Constituinte foi no tocante ao mandato presidencial. O PGP estabelecia um
mandato de 6 anos, superando, portanto, até mesmo o mandato presidencial
estabelecido na Constituição norte-americana. A idéia de um mandato tão extenso
causou certo receio na constituinte, cabendo aqui transcrever a manifestação
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prudente do constituinte Sr. CÉSAR ZAMA (Bahia):

“O espaço de seis anos me parece e é com efeito excessivo para se investir um


homem, quaisquer que sejam os seus dotes intelectuais e morais, de atribuições
tão amplas como as que vamos conferir ao futuro presidente; e, tanto mais
avultam as preocupações de meu espírito, quando vejo que a responsabilidade
que impomos ao primeiro magistrado da Nação é apenas nominal, não nos
restando meio algum de torná-la realmente efetiva em qualquer emergência
grave. Senhores, todo o poder tem tendência a abusar.
Os romanos neste ponto foram tão escrupulosos que, derrubando a realeza,
entenderam que não deviam dar mais de um ano de duração ao Consulado que
criaram; e quando as circunstâncias os obrigavam a recorrer às ditaduras, estas
eram passageiras e em caso algum podiam ir além de seis meses. Nos Estados
Unidos da América do Norte, o mandato presidencial é de quatro anos...
Se o Presidente tiver sido bom, reelejamo-lo depois de um intervalo de quatro
anos. Não há a menor conveniência na duração do mandato por seis anos
(apoiados). Temo o supremo poder de longa duração, ainda mesmo confiado a
um homem como aquele que, durante 47 anos, o exerceu entre nós...”106

104
ANTONIO ALVES PEREIRA DE LYRA (Pernambuco) – Formou-se em medicina em 1884.
Entrando desde logo na política, foi deputado provincial de Março de 1884 a Dezembro de 1885.
105
AMFILÓFIO BOTELHO FREIRE DE CARVALHO (Bahia) – Formou-se em direito pela
Faculdade de Recife. Seguindo a magistratura, foi na Bahia promotor, juiz municipal e juiz de
direito. Mais tarde, exerceu o cargo de juiz da vara comercial de S. Salvador. Foi ainda chefe de
polícia na sua terra natal [Bahia]. Em 7 de Outubro de 1885 foi empossado do governo da
província de Alagoas. Proclamada a República, foi nomeado pelo governador da Bahia para, em
comissão com os conselheiros JOSÉ ANTONIO SARAIVA e VIRGÍLIO DAMÁSIO, organizar o
projeto da Constituição do Estado.
106
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 690-1.
86

A manifestação do constituinte CÉSAR ZAMA (Bahia) parecia refletir a


opinião da maior parte da constituinte, de modo que, sem maiores debates, foi
aprovada, logo na 1.ª discussão, a proposta definindo o mandato presidencial em 4
anos, o que foi mantido na 2.ª discussão107.

b) Eleição

A eleição para Presidente da República, segundo o PGP, seria indireta,


seguindo o modelo norte-americano. Em textual:

“Art. 43 – O Presidente e o Vice-Presidente serão escolhidos pelo povo,


mediante eleição indireta, para a qual cada Estado, bem como o Distrito
Federal, constituirá uma circunscrição, com eleitores especiais em número duplo
do da respectiva representação no Congresso. (...)”

A Comissão dos 21 manteve, por maioria de votos, a eleição indireta,


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seguindo, no entanto, modelo diverso do estabelecido pelo PGP. Conforme


definido pela Comissão, o Presidente deveria ser eleito por um órgão colegiado
composto por apenas um representante de cada Estado da Federação, valendo
recordar que esta era também a composição da própria Comissão dos 21. JULIO
DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul) manifestou-se contrário a este sistema,
defendendo a adoção de eleição direta para a Presidência da República108, eis que,
segundo frisou o representante do Rio Grande do Sul, a maioria dos membros
deste órgão colegiado, que escolheriam, portanto, o Presidente da República,
poderia, na verdade, representar uma minoria em âmbito nacional109.
Em 1.ª discussão na Constituinte foi aprovada, por uma diferença de 5
votos apenas (88 contra 83)110, a eleição direta, a partir de proposta apresentada
por MUNIZ FREIRE (Espírito Santo), GUIMARÃES NATAL (Goiás),
BELLARMINO CARNEIRO (Pernambuco), CÉSAR ZAMA (Bahia), ANTÃO
DE FARIA (Rio Grande do Sul)111, LEOPOLDO DE BULHÕES (Goiás),

107
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 693.
108
No mesmo sentido manifestaram-se os constituintes FLEURY CURADO (Goiás) e MUNIZ
FREIRE (Espírito Santo). (ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 718)
109
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 717.
110
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 736-7.
111
ANTÃO GONÇALVES DE FARIA (Rio Grande do Sul) – Formou-se em engenharia civil pela
Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Republicano histórico, tomou parte ativa na propaganda no
Rio Grande do Sul. Proclamada a República, foi nomeado diretor das obras do Estado.
87

ARISTIDES MAIA (Minas Gerais)112, BARBOSA LIMA (Ceará), MONTEIRO


DE BARROS (Espírito Santo)113, CASSIANO DO NASCIMENTO (Rio Grande
do Sul)114, BORGES DE MEDEIROS (Rio Grande do Sul), JULIO DE
CASTILHOS (Rio Grande do Sul), MENNA BARRETO (Rio Grande do Sul)115,
SERZEDELLO (Pará), RAMIRO BARCELLOS (Rio Grande do Sul)116, ASSIS
BRASIL (Rio Grande do Sul)117, PINHEIRO MACHADO (Rio Grande do
Sul)118, ABOTT (Rio Grande do Sul)119, ALVARES (Rio Grande do Norte)120 e

112
ARISTIDES DE ARAÚJO MAIA (Minas Gerais) – Bacharel em letras e em ciências jurídicas
e sociais. Exerceu a magistratura, a princípio. Propagandista da República, foi chefe de polícia do
seu Estado, membro do Congresso Republicano Mineiro e deputado à Constituinte Federal.
113
JOSÉ CEZARIO DE MIRANDA MONTEIRO DE BARROS (Espírito Santo) – Nascido em
Minas Gerais, residiu largo tempo em Itaboana, onde se dedicou à lavoura. Filiado ao partido
conservador, foi deputado provincial no Espírito Santo, tomando parte ativa na política. Em 10 de
julho de 1888, tomou posse na presidência da Província das Alagoas, cargo que desempenhou até
o fim deste mesmo ano.
114
ALEXANDRE CASSIANO DO NASCIMENTO (Rio Grande do Sul) – Bacharel em Direito
pela Faculdade de São Paulo. Em 26 de Outubro de 1893, foi nomeado ministro do Exterior na
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presidência do marechal Floriano, exercendo esse cargo até a terminação do mandato deste (15 de
Novembro de 1894).
115
ANTONIO ADOLFO DA FONTOURA MENNA BARRETO (Rio Grande do Sul) – Militar,
promovido a tenente-coronel em 17.03.1890. Participou da Guerra do Paraguai mas foi desterrado
para a Amazônia e reformado, em virtude de seus ideais republicanos. Proclamada a república foi
deputado constituinte e terminou por voltar à ativa tendo sido ministro da Guerra (1912) no
governo Hermes da Fonseca.
116
RAMIRO FORTES BARCELLOS (Rio Grande do Sul) – Formou-se em medicina pela
Faculdade do Rio de Janeiro em 1874. Filiado ao partido liberal no Império, foi deputado à
Assembléia Provincial do Rio Grande do Sul de 1877 a 1881.
117
JOAQUIM FRANCISCO DE ASSIS BRASIL (Rio Grande do Sul) – Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito de São Paulo (1882). Conforme relata DUNSHEE DE ABRANCHES:
“declarou-se republicano desde os bancos acadêmicos. Poeta e dramaturgo, homem de letras e
pensador, sportman e criador, possuindo importantes estabelecimentos pecuários em sua terra
natal, iniciou-se na vida pública escrevendo trabalhos para a imprensa. Redigiu ‘A República’,
órgão do Clube Republicano Acadêmico de S. Paulo; a ‘Evolução’ (jornal literário); e a
‘Federação’, de Porto Alegre”.
118
PINHEIRO MACHADO (Rio Grande do Sul) – Foi militar, promovido a alferes pelo governo
imperial. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo (1878). Em 1879 fundou o Partido
Republicano Conservador Rio-Grandense, ao lado de JÚLIO DE CASTILHOS e ASSIS BRASIL.
Em 1882, tomou parte ativa no 1.º Congresso Republicano, reunido em Porto Alegre. Conforme
narrou DUNSHEE DE ABRANCHES: “Na véspera de 15 de Novembro de 1889, retirava-se
Pinheiro Machado com a sua esposa da localidade em que residia, ameaçado de morte, por
suspeitas de que preparava um movimento armado, que ali deveria rebentar, com os outros chefes
da propaganda no Rio Grande do Sul. Distante já vinte léguas de sua estância, recebia entretanto
no dia seguinte comunicação inesperada de seus correligionários para que regressasse, pois a
República havia sido implantada no Rio de Janeiro. Implantado o novo regime, explica-se assim
facilmente porque foi preferido a outros denotados republicanos de sua terra para ocupar uma
cadeira no Senado na Constituinte Federal, mandato que lhe foi initerruptamente renovado até a
morte. Signatário embora da Constituição de 24 de Fevereiro, não tomou parte ativa no debate
para a sua confecção, limitando-se a prestigiar os esforços dos seus correligionários do Rio
Grande do Sul no sentido de tornar vitoriosos os pontos capitais do programa do seu partido”.
(Op. Cit., pp. 267-8)
119
FERNANDO ABOTT (Rio Grande do Sul) – Formou-se em medicina pela Faculdade do Rio
de Janeiro. Foi deputado federal à constituinte e à 1.ª legislatura pelo seu estado natal, de que foi
também vice-presidente (1893).
88

THOMAZ FLORES121 (Rio Grande do Sul)122. Em 2.ª discussão foi mantida a


eleição direta, tendo sido ainda aprovada emenda estabelecendo que, caso nenhum
candidato atingisse a maioria absoluta, o segundo turno seria realizado pelo
Congresso. Foi também aprovada a segunda parte da emenda do Sr. AUGUSTO
DE FREITAS (Bahia)123 estabelecendo que, caso ocorresse empate entre os dois
primeiros candidatos, considerar-se-ia eleito o mais velho124. A constituinte
aprovou ainda a proposta da Comissão dos 21 estabelecendo a obrigação de se
proceder a uma nova eleição sempre que, em caso de vacância, por qualquer
motivo, não houvessem ainda decorrido dois anos do período presidencial, o que
não constava no PGP125.
Convém também registrar, embora não tenha sido aprovada, a proposta
apresentada pelo constituinte MUNIZ FREIRE (Espírito Santo) permitindo a
destituição do cargo da Presidência da República “sob o fundamento de que este
mal cura os interesses da Pátria” nos seguintes termos:
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“Acrescente-se ao capítulo I da seção II, título I, onde convier:

Aos cidadãos da Nação é permitido pedir, em qualquer tempo, a destituição do


Presidente da República, sob o fundamento de que este mal cura os interesses da
Pátria.

§1.º Este pedido deverá ser dirigido à Câmara por número nunca inferior a cem
mil cidadãos que tenham o gozo e o exercício de todos os direitos políticos,
habitantes de um ou mais Estados, em uma ou mais de uma petição, contanto que
a soma total de nomes atinja aquele número. O pedido deverá ser documentado
quando alegar fatos especificados.

§2.º Apresentado o pedido, a Câmara mandará publicar imediatamente tudo


quanto a ele se referir e convidará a Nação a manifestar-se, “sim” ou “não”, no
prazo de quatro meses da data da convocação e em dia designado no referido
ato.

120
ALMINO ALVARES AFONSO (Rio Grande do Norte) – Formou-se em medicina pela
Faculdade do Rio de Janeiro em 1880. Voltando a Natal, regeu a cadeira de história no Atheneu
Rio-Grandense. Abolicionista, fundou um jornal e fez conferências públicas em prol da libertação
dos escravos. Republicano, tomou parte ativa na propaganda. Proclamada a República, foi
governador provisório do Estado.
121
THOMAZ THOMPSON FLORES (Rio Grande do Sul) – Militar, promovido a major em 7 de
janeiro de 1890 e a tenente-coronel em 17 de Março do mesmo ano.
122
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 729.
123
JOSÉ AUGUSTO DE FREITAS (Bahia) – Formado em Direito pela Faculdade de Recife.
Conforme aponta DUNSHEE DE ABRANCHES: “Filiado embora ao partido liberal e exercendo
o cargo de promotor público de S. Salvador, colocou-se ao lado dos republicanos durante os
conflitos, ali travados com a polícia, por ocasião da passagem do Conde d’Eu e Silva Jardim.
Proclamada a República, foi nomeado chefe de polícia do seu Estado”. (Op. Cit., p. 322)
124
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 746.
125
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 702.
89

§3.º tomarão parte nessa decisão todos os eleitores alistados até a data em que
ela houver lugar.

§4.º Os sufrágios serão recebidos perante mesas organizadas pela mesma forma
exigida para as eleições do Congresso. Cada eleitor fabricará a sua cédula no
ato de dar o voto, em lugar para esse fim reservado, junto à mesa, perfeitamente
defendido das vistas do público e da mesa.

§5.º Feita a apuração geral de todas as autênticas das apurações parciais de


cada Estado e da Capital Federal, a Câmara publicará o resultado e declarará
destituído o Presidente, se a Nação, por sua maioria, assim o houver querido.”126

c) Competências

O PGP estabelecia que seria da competência do Presidente da República


nomear os membros da magistratura federal, o que foi mantido pela Comissão dos
21. A Constituinte, no entanto, aprovou emenda apresentada por AUGUSTO DE
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FREITAS (Bahia), estabelecendo que a nomeação dos magistrados federais pelo


Presidente da República se daria a partir de proposta apresentada pelo Supremo
Tribunal Federal127. Interessante observar que as propostas estabelecendo
concurso público para a magistratura federal, apresentadas pelos constituintes
PINHEIRO GUEDES (Mato Grosso)128 e GONÇALVES CHAVES (Minas
Gerais)129, foram todas rejeitadas.
A nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente
da República – vale recordar – não estava presente no projeto apresentado pela
Comissão dos Cinco, que estabelecia que o órgão de cúpula do Poder Judiciário
seria composto por 15 juízes eleitos pelo Senado, sem interferência do Poder

126
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 707.
127
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 774.
128
ANTONIO PINHEIRO GUEDES (Mato Grosso) – Formado em medicina pela faculdade do
Rio de Janeiro, entrou para o corpo de saúde do Exército em 1870. Foi promovido a major
cirurgião mor de brigada em 5 de março de 1890 e a tenente-coronel médico de 2.ª classe em 27 do
mesmo mês.
129
ANTONIO GONÇALVES CHAVES (Minas Gerais) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
SP (1863). Foi eleito deputado provincial por Minas nos biênios de 1866 a 67 e 1868 a 69 pelo
partido liberal do extremo norte. DUNSHEE DE ABRANCHES anota ainda que: “Vitoriosos os
liberais em 1878, o ministério Paranaguá deu-lhe em 1882 a primeira delegação que o seu
partido lhe confiou na administração pública, nomeando-o presidente da província de Santa
Catarina, cargo de que se empossou a 6 de Setembro daquele ano. Pouco se demorou, porém,
naquela província, pois que, nos primeiros meses de 1883, se exonerou daquele cargo, recebendo
de seu partido investidura mais importante, vindo substituir o Dr. Theophilo Ottoni na presidência
de Minas, de que tomou posse a 7 de Março de 1883”. (Op. Cit., p. 390)
90

Executivo130. Foi, portanto, RUI BARBOSA (Bahia) quem substituiu este sistema
de eleição pela nomeação pelo Presidente da República com aprovação do
Senado. Na Comissão dos 21, JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul)
tentou suprimir a participação do Senado, não obtendo êxito.
Iniciada a 1.ª discussão foram apresentadas algumas emendas ao PGP.
Nesse sentido, o constituinte GONÇALVES CHAVES (Minas Gerais) apresentou
emenda estabelecendo que, dos 15 ministros que comporiam o STF, dois terços
seriam escolhidos dentre os magistrados mais antigos e cinco escolhidos dentre
cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado. NINA RIBEIRO
(Pará) apresentou emenda ampliando o número de ministros do STF, que
deveriam ser eleitos pela magistratura de cada Estado e do Distrito Federal, de
entre os seus pares de notável saber e reputação. O constituinte AMFILÓFIO
(Bahia) apresentou emenda estabelecendo que o número de ministros do STF
deveria ser o mesmo dos tribunais de apelação – nomeado o juiz mais antigo de
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cada um desses tribunais – acrescido de um terço (1/3), de livre nomeação pelo


Presidente da República, a ser aprovado pelo Senado. Foi apresentada ainda
emenda pelo constituinte LEOVIGILDO FILGUEIRAS (Bahia) estabelecendo
que o STF seria composto por tantos juízes quantos fossem os Estados, eleitos
pelas legislaturas de entre magistrados ou jurisconsultos de notável saber e
reputação, elegíveis para o Senado.
Embora todas essas emendas tenham sido rejeitadas, vale transcrever as
manifestações de alguns constituintes descontentes com o PGP. Nesse sentido,
assim manifestou-se o constituinte JOSE HIGINO (Pernambuco):

“... o Presidente da República, chefe talvez de um partido e sectário do princípio


em voga nos Estados Unidos de que os despojos pertencem ao vencedor – for
victors spoils – poderá compor aquele tribunal com criaturas suas e lançar a sua
espada de Brenno na balança dos poderes públicos.
...
O pensamento que presidiu a organização do Supremo Tribunal Federal, como
propõe a emenda (do Sr. Amphilophio), é incontestavelmente superior ao do
projeto...
A presença no Supremo Tribunal de juízes tirados dos tribunais superiores dos
Estados, não é uma ‘seria garantia para estes e ao mesmo tempo um penhor da
idoneidade e experiência dos membros do mais elevado tribunal da
república?...”131

130
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 776.
91

GONÇALVEZ CHAVES (Minas Gerais), defendendo seu projeto:

“Senhores, a minha emenda consigna um outro sistema para a nomeação dos


membros do Supremo Tribunal Federal, conciliando o princípio político com as
garantias que não se devem negar à magistratura. Concordo que seja a escolha
feita pelo chefe do Poder Executivo, mas com a aprovação do Senado, sendo o
veto do Senado um corretivo aos abusos possíveis do Governo. O projeto não
garante à magistratura federal de primeira instância acesso na sua carreira. É
verdade que o Tribunal, investido de um caráter eminentemente político, que dele
faz “o grande pilar” da Constituição – uma espécie de poder moderador,
destinado a manter o equilíbrio de todos os poderes da federação – é verdade,
digo, que esse Tribunal deve ser constituído sob a influência de motivos que nem
sempre serão satisfeitos com a nomeação de magistrados meramente por
antiguidade. Por outro lado, é preciso chamar à magistratura federal os
primeiros talentos, as vocações decididas e as aptidões provadas; e, para isso,
faz-se indispensável que se abra ao magistrado de primeira entrância uma
carreira – que ele tenha diante de si o Supremo Tribunal...
É verdade que o projeto não nega a essa magistratura o acesso, mas deixa ao
arbítrio do Poder Executivo a escolha. É no intuito de limitar esse arbítrio, de
regularizar essa função que eu apresento a minha emenda. Ela confere ao
Presidente o direito de livre nomeação, com a aprovação do Senado, na razão de
um terço do Tribunal; o preenchimento dos outros dois terços se fará por
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nomeação do Presidente, mas de entre os juízes federais mais antigos. Parece-me


que deste modo se conciliam todas as conveniências de ordem pública...”132

O constituinte BARBOSA LIMA (Ceará) protestou contra a nomeação


“pela condição de notável saber e merecimento, condição rigorosamente
imponderável, impalpável, impossível de deixar de cair no arbítrio e muitas vezes
em coisa pior – no nepotismo, no patronato, no filhotismo” – preferindo o sistema
de concurso para o preenchimento de qualquer cargo no primeiro grau.
Aprovado em 1.ª discussão o sistema do PGP, novas propostas foram
apresentadas, além das emendas dos constituintes GONÇALVES CHAVES
(Minas Gerais), LEOVIGILDO FILGUEIRAS (Bahia) e AMFILÓFIO (Bahia)
que foram novamente submetidas à apreciação da Constituinte. Nesse sentido, o
constituinte PINHEIRO GUEDES (Mato Grosso) apresentou emenda criando
tribunais federais nos Estados para tirar, de cada qual, um membro para o
Supremo Tribunal, mediante eleição entre os que tivessem mais de cinco anos de
exercício; e mais um terço desse número tirado de entre cidadãos distintos (um de
cada Estado), com quarenta anos de idade. BUENO DE PAIVA (Minas Gerais)133

131
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 777.
132
ROURE, AGENOR DE, op. cit., pp. 778-9.
133
(FRANCISCO ÁLVARO BUENO DE PAIVA (Minas Gerais) – Bacharel em Direito pela
Faculdade de São Paulo (1882). Nomeado promotor público de S. José do Paraíso, exerceu o cargo
92

e outros constituintes mineiros apresentaram emenda determinando que os


membros do Supremo Tribunal deveriam ser tirados, por antiguidade absoluta,
dentre os magistrados dos Estados, sempre de maneira a serem representados,
preenchidas as vagas por magistrados dos Estados a que elas correspondessem. O
constituinte SERZEDELLO (Pará) apresentou emenda estabelecendo que o STF
deveria ser composto por 21 juízes, correspondendo aos 20 Estados e ao DF, por
eleição feita pelos tribunais superiores e pelos juízes de 1.ª instância do Estado a
que pertencerem as vagas, entre magistrados ou quaisquer “cidadãos de notável
saber e alto espírito de justiça”. Por fim, JOSÉ HIGINO (Pernambuco)
apresentou emenda deixando à lei ordinária a composição do STF.
Todas estas emendas foram rejeitadas pela Constituinte, sendo mantido o
sistema aprovado em 1.ª discussão, a partir do qual o Supremo Tribunal Federal
seria composto por 15 juízes escolhidos pelo Presidente, mediante aprovação do
Senado.
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d) Veto Presidencial

No tocante ao processo legislativo, o PGP estabelecia que, caso o


Presidente da República julgasse o projeto de lei inconstitucional, ou contrário ao
interesse da nação, poderia apor seu veto no prazo de 10 dias úteis, não sendo
permitido o veto parcial134. O projeto de lei vetado pelo Presidente da República
deveria ser devolvido ao Poder Legislativo que poderia derrubar o veto nos
seguintes termos:

“art. 35 (...)
§3.º – Devolvido o projeto à Câmara que o iniciou ali se sujeitará a uma
discussão e à votação nominal, considerando-se aprovado, se obtiver dois terços
dos sufrágios presentes;e, neste caso se remeterá à outra Câmara, de onde, se
vencer, pelos mesmos trâmites, a mesma maioria, voltará como lei ao Poder
Executivo para a solenidade da promulgação.”

Embora o PGP, no que se refere ao processo legislativo, não tenha sofrido


alterações substanciais, nem pela Comissão dos 21 nem pela constituinte, vale

de 24 de janeiro de 1885 a 27 de Agosto do mesmo ano, quando foi elevado a juiz municipal,
terminando o seu quatriênio em 1889.
93

destacar que foi apresentada proposta pelos Srs. GABINO BESOURO (Alagoas)
e VALLADÃO – rejeitada, no entanto, pela Comissão dos 21 – no sentido de
reduzir o quorum para derrubada de veto, de 2/3 em ambas as casas para maioria
simples.

e) Ministros de Estado

Em relação aos ministros de Estado, o PGP estabelecia que estes seriam


agentes de confiança do Presidente da República (art. 47)135, a quem competia
nomeá-los e demiti-los livremente (art. 46, 2.º). Os Ministros não poderiam
comparecer às sessões do Congresso, com quem somente poderiam se comunicar
por escrito ou pessoalmente em conferências com as comissões das Câmaras (art.
49). CAMPOS SALES (São Paulo) apresentou proposta para que a nomeação de
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ministros tivesse a aprovação do Senado, seguindo o modelo norte-americano136.


PINHEIRO GUEDES (Mato Grosso), CÉSAR ZAMA (Bahia), FREDERICO
BORGES (Ceará) e AMERICO LOBO (Minas Gerais)137 apresentaram emendas
propondo a responsabilidade dos ministros perante o Congresso138. Foram
apresentadas ainda emendas referentes ao comparecimento dos ministros ao
Parlamento nos seguintes casos: comparecimento normal; a requerimento do
ministro interessado; por proposta de um deputado ou senador aprovada por um
terço; à requisição da maioria parlamentar; para defender propostas do Governo;
para responderem por seus atos, sem terminar o debate por moção de
desconfiança; quando se discutisse o orçamento da respectiva pasta139. MUNIZ
FREIRE (Espírito Santo) propôs emenda – que já havia apresentado na Comissão

134
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 789.
135
“Art. 47 – O Presidente da República é auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua
confiança, que lhe referendam os atos, e presidem cada um a uma das secretarias, em que se
divide a administração federal.”
136
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 801
137
AMERICO LOBO LEITE PEREIRA (Minas Gerais) – Bacharel em Direito pela Faculdade de
São Paulo (1863). Filiou-se ao partido liberal, pelo qual foi eleito deputado geral pelo 5.º distrito
de Minas (1867 a 1870). Dissolvida a Câmara em 1868, desligou-se do partido liberal, e passou à
propaganda republicana, estabelecendo o seu campo de ação especialmente em Leopoldina.
Proclamada a República, pouco tempo depois era nomeado governador do Paraná.
138
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 803.
139
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 817.
94

dos 21 – para que os ministros fossem responsáveis pelos conselhos dados ao


Presidente.140
Interessante observar que terminou empatada a votação de uma emenda
originária da Comissão dos 21 que deixava à lei ordinária regular a
responsabilidade dos ministros, tendo sido a emenda, entretanto, rejeitada na
sessão seguinte.141

3.2.2.5.3. Poder Judiciário

A organização do Poder Judiciário foi um dos temas mais polêmicos na


constituinte, embora a razão para a discórdia fosse recorrente: a Federação. A
discussão referia-se, basicamente, à unidade ou dualidade do Poder Judiciário, ou
seja, ao estabelecimento de um Poder Judiciário vinculado apenas à União Federal
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ou a coexistência de um Poder Judiciário Federal e outro em âmbito estadual,


vinculado somente aos respectivos Estados.
Embora estivesse vinculado à questão federativa, tal como, de resto, todos
os temas debatidos durante o processo constituinte, a questão referente à unidade
ou dualidade do Judiciário parecia revestir-se de um grau um pouco maior de
complexidade. É que o debate acerca da unidade ou dualidade do Poder Judiciário
estava estritamente vinculado a uma outra discussão: a unidade ou dualidade de
legislação.
Fato curioso, a demonstrar a complexidade do tema em questão, ocorreu
na Comissão dos 21, onde, como narra AGENOR DE ROURE:

“Numa das reuniões, a de 5 de dezembro de 1890, presentes 19 dos 21 membros


da Comissão, nove votaram pela unidade da magistratura e oito pela dualidade,
abstendo-se de votar os outros dois. O parecer foi lavrado no sentido da
unidade; mas, no momento de assina-lo, a Comissão mudou de rumo e, dos 20
membros presentes, 13 votaram pela dualidade e sete pela unidade.”

Vale transcrever a defesa da unidade do Poder Judiciário aprovada em um


primeiro momento no seio da Comissão dos 21 e, posteriormente, apresentada

140
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 835. Cabe destacar que o constituinte FREDERICO
BORGES (Ceará) também havia apresentado proposta no mesmo sentido.
141
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 836.
95

como voto vencido, assinado pelos constituintes JOSÉ HIGINO (Pernambuco),


VIRGÍLIO DAMÁSIO (Bahia), AMARO CAVALCANTI (Rio Grande do
Norte), CASIMIRO JÚNIOR (Maranhão) e MANOEL FRANCISCO
MACHADO (Amazonas).

“(...) Como manter praticamente a unidade jurídica, desde que os tribunais


superiores dos Estados tiverem de julgar em última instância, aplicando e
interpretando soberanamente as leis do direito privado? A falta de um centro, a
que esses tribunais se subordinem, trará fatalmente, como conseqüência, a
diversidade no direito, e, portanto, a destruição dessa mesma unidade que o
legislador teve em vista e que ficará sendo um ideal irrealizável.
À Comissão pareceu também uma incoerência, oriunda da contradição
apontada, que ação da justiça federal seja menos extensa do que a da lei federal,
não indo até onde esta alcança. Os códigos de direito privado são leis federais;
e, entretanto, a sua aplicação fica dependendo quase exclusivamente das justiças
dos Estados, vindo assim a dar-se o contra-senso de ser a União, de quem a lei
emana, privada do poder de aplica-la ou de fiscalizar a sua aplicação.
Qual o corretivo para o caso de ser a lei federal violada em sua aplicação pelos
tribunais dos Estados?
Aquela contradição e esta inconseqüência não se notam na Constituição da
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União Norte-Americana, que, nesta parte, serviu de modelo ao sistema ora


impugnado, pela razão óbvia de que ali a pluralidade de magistratura é uma
conseqüência lógica da diversidade de legislações civis e criminais.
Sob o ponto de vista político, o sistema do projeto concorrerá para abater o nível
da parte mais numerosa da magistratura, encerrando-a nos estreitos limites de
cada Estado e cortando-lhe o acesso nos tribunais federais, onde os seus
membros somente poderão ter entrada por favor e graça do governo da União.
Os escassos recursos da maior parte dos Estados e tantas outras razões que se
prendem a circunstâncias peculiares a cada um deles dificilmente lhes permitirão
constituir os seus tribunais superiores nas desejáveis condições de independência
para emendar e corrigir os erros dos juízes de 1.ª instância. Ao lado de uma
magistratura privilegiada, constituir-se-ia uma outra a todos os respeitos
inferior; e essa fragmentação da tradicional unidade do Poder Judiciário
acarretaria o aniquilamento de uma força nacional.
Nem se diga que a unidade do Poder Judiciário é incompatível com a índole do
regime federal.
Mostra o contrário a Federação Alemã, que, encontrando em vigor, nos Estados
de que se compõe, o direito germânico, o prussiano, o romano, o francês, etc., e,
em matéria de organização judiciária, os tipos mais diversos, tem unificado o seu
direito e constituído os tribunais sobre as bases de um só código de organização
judiciária, sujeitando-os ao Supremo Tribunal Federal.
Na Suíça é sabido que o trabalho da unificação, paralela, digamos assim, do
direito e do Poder Judiciário, vai muito adiantado. A emenda substitutiva de que
se trata procura adaptar a organização judiciária à nova ordem de coisas,
combinando a descentralização com a unidade judiciária. Deixa à competência
os Estados a justiça de 1.ª instância, no que se respeita à decisão judiciária, à
nomeação dos juízes, fixação dos seus vencimentos, etc. Haverá em cada um
Estado um Tribunal de Apelação custeado pela União. Os seus membros serão
tirados dentre os juízes da 1.ª instância do respectivos Estado, sob proposta do
Tribunal onde se der a vaga. O Supremo Tribunal Federal, além das funções
declaradas na Constituição, terá também as de Tribunal de Cassação e compor-
se-á: 1.º, de tantos membros quantos forem os Tribunais de Apelação dos
96

Estados, sendo cada um deles tirado de um desses tribunais por ordem de


antiguidade; 2.º, de mais de um terço de juízes nomeados pelo Presidente da
República, com aprovação do Senado, dentre os cidadãos que tiverem os
requisitos de idoneidade exigidos por lei federal.
A competência desse tribunal para decidir conflitos e questões de ordem
constitucional e administrativa justifica o modo de sua formação com um terço
de juízes que não se tenham exclusivamente aplicado ao estudo do direito
privado.”142

Os constituintes vencidos na Comissão dos 21 enfatizavam, portanto, a


vinculação da unidade do Judiciário à unidade de legislação, de modo que, uma
vez aprovado o modelo centralizado de unidade de legislação, caberia à
constituinte não necessariamente aprovar o modelo de sua preferência, mas talvez
o de maior conveniência. Nesse sentido, o constituinte BADARÓ (Minas
Gerais)143, que havia defendido a pluralidade de legislação e a dualidade do Poder
Judiciário, manifestou-se pela unidade do Poder Judiciário, já que a constituinte
havia aprovado a unidade de legislação144. A constituinte, entretanto, em sua
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maioria, não seguiu esta orientação, optando, por um modelo misto, que
assegurava a unidade de legislação e a dualidade do Poder Judiciário, aprovado
em 1.ª discussão e mantido na 2.ª.

3.2.2.6. Funcionalismo Público

No tocante ao funcionalismo público, como recorda AGENOR DE


ROURE, “várias tentativas foram feitas para que nenhum funcionário fosse
nomeado senão em virtude de concurso, mas fracassaram todas.”145

O Apostolado Positivista146 apresentou a seguinte emenda:

142
ROURE, AGENOR DE, op. cit., vol. 2, pp. 3-5.
143
FRANCISCO COELHO DUARTE BADARÓ (Minas Gerais) – Bacharel em Direito pela
Faculdade de São Paulo. DUNSHEE DE ABRANCHES anota que “(...) cultivou desde estudante
as letras, publicando os livros – Faustina (cenas da escravidão, com um juízo crítico de Bernardo
Guimarães 1881); e Parnaso Mineiro (1887).” (Op. Cit., p. 380)
144
ROURE, AGENOR DE, op. cit., vol. 2, p. 11.
145
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 841.
146
A respeito da participação do Apostolado Positivista no processo constituinte, anotam PAULO
BONAVIDES e PAES DE ANDRADE: “Duas expressivas figuras do movimento positivista,
Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes, formularam uma representação, enviada ao Congresso
Nacional propondo modificações no Projeto de Constituição apresentado pelo governo e em
debate na Constituinte.(...)
97

"os cargos públicos civis serão preenchidos, no grau inferior, por concurso, ao
qual serão admitidos indistintamente todos os cidadãos brasileiros, sem se exigir
diploma algum de habilitação intelectual. Os cargos superiores serão de livre
nomeação do Governo, excluída também qualquer condição de diplomas. Os
cargos médios serão preenchidos mediante acesso por antiguidade e só
excepcionalmente e só excepcionalmente por mérito".

Esta emenda foi defendida em 1.ª discussão pelos constituintes NELSON


DE VASCONCELLOS (Piauí)147 e BARBOSA LIMA (Ceará), valendo
transcrever o comentário deste último:

"Dir-me-ão: mas o concurso é sujeito a abusos! A respeito do concurso para os


cargos públicos, direi que todas as instituições humanas são suscetíveis de
abusos e uma frase vulgar, em que se traduz a sabedoria popular, responde bem
a isto: ruim com ele, pior sem ele (apoiados)."148

Tendo sido rejeitada em 1.ª discussão, foi apresentada outra emenda em 2.ª
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discussão pelo constituinte ALEXANDRE STOCKLER (Minas Gerais)149


determinando a obrigatoriedade do concurso, que também foi rejeitada. Cabe
observar que ninguém na Constituinte se manifestou sobre o assunto, limitando-se
a rejeitar as propostas apresentadas. A Constituinte não deixou claro, portanto, se
estaria deixando para lei ordinária tratar da matéria ou se era terminantemente
contrária ao concurso público.
Em relação à demissão dos funcionários públicos, o PGP nada dispunha
sobre a matéria. Em 1.ª discussão foi aprovada emenda do Apostolado Positivista
que havia sido adotada pelo Sr. BARBOSA LIMA (Ceará) estabelecendo que:
"Nenhum funcionário poderá ser demitido a bem do serviço público sem que se
especifiquem as razões de ordem pública, que determinaram a exoneração,
quando o demitido assim o requerer". Interessante frisar a “exposição de
motivos” manifestada pelo Apostolado acerca desta proposta: "O objetivo desta
disposição é óbvio".

A representação do Centro Positivista, enviada à Mesa do Congresso Constituinte, na 7.ª sessão,


celebrada a 13 de dezembro de 1890, por intermédio do Deputado Demétrio Ribeiro, foi, a pedido
deste, estampada no Diário do Congresso Nacional, edição de 16 de dezembro daquele ano.”(Op.
Cit., p. 228)
147
NELSON DE VASCONCELLOS E ALMEIDA (Piauí) – Militar, promovido a 2.º tenente em
26 de Dezembro de 1882.
148
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 842.
149
ALEXANDRE STOCKLER PINTO DE MENEZES (Minas Gerais) – Formou-se em Medicina
pela Faculdade do Rio de Janeiro em 1887. Propagandista da Abolição e da República.
98

Em 2.ª discussão foi apresentado aditivo pelos constituintes ALCINDO


GUANABARA (Rio de Janeiro)150 e DEMÉTRIO RIBEIRO (Rio Grande do
Sul)151, que já havia sido rejeitado na Comissão e na 1.ª discussão, visando sempre
considerar "o emprego público como legítima propriedade do serventuário".
Segundo a referida proposta:

"os empregos públicos, civis ou militares, serão considerados como legítima


propriedade dos respectivos serventuários que os houverem adquirido na forma
das leis e que não poderão ser deles desprovidos senão nos casos restritos que a
legislação determinar e depois de ouvir a sua defesa".152

Cumpre destacar também a manifestação do constituinte THOMAZ


DELFINO (Distrito Federal)153 em defesa da garantia dos funcionários públicos:

"Sr. Presidente, se por acaso visse facilidade de falar na 2.ª discussão do projeto
da Constituição, viria a esta tribuna fazer minha uma emenda apresentada, pela
qual os empregados públicos não podem ser demitidos senão por motivos
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consignados em lei ordinária.


Quando se formarem os grandes partidos na Nação, com suas exigências, suas
imposições, não desejo que aconteça o mesmo que se tem dado na América do
Norte, onde se produzem demissões, em massa, dos servidores públicos, pelo
princípio muito pouco moral de que os despojos pertencem aos vencedores.
Quero no empregado público, ilesa e garantida, toda a independência do
cidadão."154

Em 2.ª votação, entretanto, foi derrubada, por emenda supressiva


apresentada pelo Sr. LEOVIGILDO FILGUEIRAS (Bahia), a emenda do
Apostolado apresentada pelo constituinte BARBOSA LIMA (Ceará) e aprovada

150
ALCINDO GUANABARA (Rio de Janeiro) – Entrou para a Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, mas interrompeu seus estudos no 3.º ano. Depois de colaborar em pequenos jornais, entrou
para a “Cidade do Rio”, com José do Patrocínio. Logo depois, em 1887, redator chefe do
“Novidades”, e, em 1890, redator chefe do “Correio do Povo”. Distinguiu-se como ardente
defensor do regime republicano. Conforme anotou DUNSHEE DE ABRANCHES: “Na
Constituinte, era uma das figuras proeminentes do grupo (Demétrio Ribeiro, Aníbal Falcão,
Barbosa Lima, Nilo Peçanha, Antão de Faria, Muniz Freire), grupo que iniciou a oposição ao
Governo Provisório”. (Op. Cit., p. 351) Senador em 1912 e redator político de O País, integrou o
grupo de intelectuais que fundou a Academia Brasileira de Letras (ocupou a cadeira n.° 19).
151
DEMÉTRIO NUNES RIBEIRO (Rio Grande do Sul) – Bacharel em ciências físicas e
matemáticas. Em Porto Alegre, foi professor de ciências naturais da Escola Normal. Republicano
histórico, ao ser proclamada a República, foi convidado para fazer parte do Governo Provisório e
ocupou por alguns meses a pasta dos negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
152
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 846.
153
THOMAZ DELFINO DOS SANTOS (Distrito Federal) – Formado em medicina pela
Faculdade do rio de Janeiro em 1882. Republicano histórico, trabalhou ao lado de SILVA
JARDIM.
154
ROURE, AGENOR DE, op. cit., p. 847.
99

em 1.ª discussão. Convém dizer que o deputado baiano, na sua emenda supressiva,
explicou que a matéria era administrativa e não constitucional, dando assim uma
determinada significação ao voto da Constituinte155.

3.2.2.7. Autonomia Municipal

O PGP não dedicava maior atenção aos municípios, estabelecendo apenas


que:

“Art. 67 – Os Estados organizar-se-ão por leis suas, sob o regime municipal,


com estas bases:
1.º) Autonomia do município, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.
2.º) Eletividade da administração local.
Parágrafo único. Uma lei do Congresso organizará o município do Distrito
Federal.
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Art. 68 – Nas eleições municipais serão eleitos e elegíveis os estrangeiros


residentes, segundo as condições que a lei de cada Estado prescrever.”

Como se pode verificar, o PGP estabelecia, rigorosamente, somente quatro


diretrizes a serem seguidas e respeitadas pelos Estados, a saber: que deveriam se
organizar sob o regime municipal; que devem assegurar a autonomia dos
municípios na fórmula bastante vaga “tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse”; que os cargos da administração local devem ser preenchidos mediante
eleição, o que parece decorrer da afirmação do princípio republicano; e que
poderiam ser eleitos e elegíveis, nas eleições municipais, os estrangeiros
residentes, cujas condições seriam ainda estabelecidas pelos próprios Estados, por
leis próprias.
Isso nada obstante, os constituintes federalistas se debateram contra os
referidos dispositivos, posto que, se por um lado moldavam a autonomia
municipal, por outro atingiam a autonomia dos Estados, restringindo a sua esfera
de atuação, a quem, segundo os constituintes federalistas, caberia assegurar (ou
não) a autonomia dos Municípios.
A discussão em torno da autonomia municipal revelou um traço bastante
característico da questão federativa na Constituinte. De fato, o embate acerca da

155
Idem.
100

autonomia municipal revelou que muitos dos constituintes chamados federalistas


não defendiam – como poderia parecer a partir de uma análise superficial – uma
federação que assegurasse uma ampla descentralização do exercício do poder
político pelo território nacional, propiciando, assim, uma maior aproximação entre
governantes e governados em todas as esferas federativas. O que os constituintes
federalistas realmente defendiam era apenas a concessão de autonomia política
dos Estados. Assim, da luta que travavam por uma ampla autonomia dos Estados
em face da União Federal não decorria como conseqüência a defesa de uma
autonomia dos municípios em face dos Estados. Ao contrário, a este respeito os
constituintes federalistas se manifestaram contrários à idéia da autonomia
municipal, revelando-se, portanto, defensores da autonomia dos Estados, mais do
que defensores de um sistema de descentralização política. Esta aparente
contradição foi anotada pelo constituinte MEIRA DE VASCONCELOS
(Pernambuco) que, em discurso proferido na constituinte, assim se manifestou:
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“(...) os meus colegas todos sabem que é um princípio federativo que se


organizem os municípios com a máxima autonomia e independência em tudo que
diz respeito aos interesses locais que lhes são peculiares. Ora, nestas condições,
se nós quisermos corresponder à prática com os nossos princípios; se quisermos
passar para a legislação os sãos princípios que nos servem de guia nesta
matéria, teremos de legislar de modo que os princípios não sejam sofismados na
prática.
Nada mais característico desta autonomia, que eu, que todos nós pedimos para
os Estados, nada mais de acordo com esse regime que tratamos aqui de
estabelecer definitivamente, do que deixar aos municípios o direito de se
organizarem, com as limitações apenas que resultarem da constituição dos
respectivos Estados. Pois, senhores, porventura o município sob esta forma de
governo não estará para com o Estado na mesma relação e que se acham os
Estados para com a União? No meu modo de ver considero a União, o Estado e
o Município como três círculos concêntricos que giram em esfera própria, sem se
chocarem, sem se nulificarem, mantendo, porém, a máxima harmonia, porque
não é outro o fim do regime federativo.” 156

A Constituinte, entretanto, aprovou, logo em 1.ª discussão, emenda


apresentada pelo constituinte LAURO SODRÉ (Pará), que substituía o disposto
nos arts. 67 e 68 do projeto pelo seguinte:

“Art. Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia


dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”
101

Esta emenda, mantida pela constituinte em 2.ª discussão, suprimia os


dispositivos referentes à elegibilidade da administração dos municípios e à
possibilidade de eleição de estrangeiros residentes no País, ainda que não
naturalizados157, não impedia, entretanto, que os Estados estabelecessem tais
dispositivos em suas constituições. De certo modo, portanto, pode-se afirmar que
o dispositivo constitucional que deveria assegurar a autonomia municipal
representou antes uma conquista dos que defendiam a autonomia dos Estados.

3.2.2.8. Declaração de Direitos – “Liberdade de Profissão”

O dispositivo do PGP que assegurava os direitos individuais, nos moldes


da doutrina liberal, não sofreu maiores restrições pela constituinte, que, aliás,
ampliou o rol de direitos previstos no projeto, acrescentando o seguinte:
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“Art. 72 – (...)
§ 24 - É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e
industrial.
§ 25 - Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará
garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso
um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento.
§ 26 - Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo
de reproduzi-Ias, pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os
herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar.
§ 27 - A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica.
§ 28 - Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro
poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do
cumprimento de qualquer dever cívico.
§ 29 - Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de se isentarem de
qualquer ônus que as leis da República imponham aos cidadãos, e os que
aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os
direitos políticos.
§ 30 - Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em
virtude de uma lei que o autorize.
§ 31 - É mantida a instituição do júri.”

Embora a aprovação do art. 72 tenha ocorrido sem maiores debates, vale


destacar a discussão em torno do dispositivo que assegurava a liberdade de
profissão, o qual não estava previsto no PGP, tendo sido acrescentado pela

156
ROURE, AGENOR DE, op. cit., vol. 2, p. 140.
157
O parágrafo único do art. 67, que estabelecia que uma lei do Congresso Nacional organizaria o
município do Distrito Federal já havia sido suprimido pela Comissão dos 21, já que o art. 66
tratava da matéria.
102

Comissão dos 21. A polêmica não se referia à liberdade de profissão em si, mas à
sua extensão. De fato, pretendiam alguns constituintes que fosse assegurada a
dispensa de diplomas para o exercício profissional – idéia defendida, dentre
outros, pelo Apostolado Positivista e por JULIO DE CASTILHOS (Rio Grande
do Sul). As emendas que dispensavam expressamente os diplomas para o
exercício das profissões, entretanto, foram todas rejeitadas pela Constituinte.

3.3. Comentários ao Processo Constituinte

O processo do qual resultou a Constituição de 1891 encontrava-se em


meio a duas tensões, não necessariamente distintas: a tensão entre o Governo
Provisório e o Congresso Constituinte, e o confronto entre as idéias unionistas e
federalistas.
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De fato, no que se refere à relação entre o Governo Provisório e o


Congresso Constituinte, verifica-se que, logo em seu nascedouro, estava já
condenada a ser tempestuosa. É que o Governo Provisório exercia, naquele
contexto político, uma dupla função, qual seja a de executor da derrubada do
regime monárquico e a de condutor do processo constituinte, e que, embora não
fosse necessariamente contraditória, também não estava imune a isto. Assim, se os
executores do golpe de 15 de novembro se propunham simplesmente à derrubada
da Monarquia e ao estabelecimento de um regime republicano, a proclamação da
República e a convocação democrática de uma assembléia constituinte seriam não
apenas necessárias, mas também suficientes. Entretanto, se pretendiam algo além
da simples derrubada da Monarquia, não poderiam deixar à sorte da Constituinte o
futuro de seus interesses. Neste caso, todavia, o Governo Provisório estaria
comprometendo a soberania e o próprio caráter democrático que pretenderia
atribuir ao Congresso Constituinte.
Neste quadro, verifica-se que o Governo Provisório não se limitou a
derrubar a Monarquia e proclamar a República, tendo participado – até
decisivamente – na condução do processo constituinte e, por conseguinte, na
organização constitucional do novo regime. Com efeito, vários fatos apontam para
uma participação do Governo Provisório no processo constituinte. Primeiramente,
cabe registrar a legislação editada após a proclamação da República, que gerou
103

uma espécie de ordenamento jurídico provisório ou uma “Constituição de bolso”,


a fim de reger a transição constitucional do País, e que, conquanto fosse (ou
pretendesse ser) transitório, encontrava-se já em vigor, adequando, portanto, a
realidade ao seu conteúdo. Desse modo, já não caberia ao Congresso Constituinte,
democraticamente convocado e constituído, regular imediatamente a transição
para o regime republicano, o que já estava sendo feito pelo Governo Provisório.
Além disso, coube também ao Governo Provisório convocar a
Constituinte, estabelecendo a data para a eleição bem como as regras do processo
eleitoral. Neste caso, deve-se recordar que as eleições foram convocadas para
15.09.1890, ou seja, quase um ano após a proclamação da República, e, durante
este período, o País estaria sendo regido pelo Governo Provisório e sua
“Constituição de bolso”.
Foi também o Governo Provisório quem apresentou o Projeto de
Constituição sobre o qual os constituintes deveriam deliberar. Este projeto não
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teria caráter meramente sugestivo, representando efetivamente o ponto de partida


dos trabalhos constituintes, o que eleva ainda mais o seu grau de importância no
processo de confecção da Constituição republicana. Ademais, considerando-se o
tempo levado pela Comissão nomeada pelo Governo Provisório para a elaboração
do projeto de Constituição, bem como o tempo levado por RUI BARBOSA para
revisar o aludido projeto, pode-se afirmar que ao longo do processo constituinte
foi dedicado maior espaço de tempo à elaboração do projeto pelo Governo
Provisório, do que para a sua discussão e aprovação pelo Congresso Constituinte.
A outra tensão verificada no processo constituinte refere-se à discussão em
torno da questão federativa. De fato, fizeram-se presentes na Constituinte dois
grupos numerica e ideologicamente significativos que defendiam modelos
bastante distintos de federação, divergindo basicamente em torno do modo como
se daria a distribuição de poderes entre os Estados e a União. Estes grupos,
batizados como “unionistas” – que defendiam a atribuição de maiores poderes à
União – e “federalistas” – que, ao contrário, defendiam uma esfera mais ampla de
competências aos Estados, deixando à União o que fosse estritamente necessário à
sua existência – deram a tônica das principais polêmicas travadas ao longo do
processo constituinte.
Assim, a votação do artigo 1.º, que vedava o direito de secessão, não
apenas inaugurou o debate entre unionistas e federalistas, mas, mais do que isso,
104

revelou a existência de um certo radicalismo entre alguns constituintes


federalistas, os quais se manifestaram contrários à simples declaração de que a
união entre os Estados seria “perpétua e indissolúvel”, o que apenas visava a
assegurar, no tempo, o Estado que se pretendia organizar. Esta corrente
ultrafederalista, se, por um lado, era numericamente pouco significativa, por
outro representava uma idéia que não pode e nem deve ser ignorada para a melhor
compreensão das tendências que davam o colorido político da Constituinte.
Ademais, levando ao extremo a corrente federalista, já não se tornavam tão
estranham idéias como a “teoria da dupla soberania” defendida por CAMPOS
SALES, que pretendia assim justificar a mais ampla autonomia política a ser
concedida aos Estados.
A extensão da autonomia estadual foi o tema central do processo
constituinte e se fez presente em praticamente todos os debates. Tal se deve ao
fato de que a intenção de muitos constituintes federalistas era trazer à esfera das
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constituições estaduais uma boa parte dos temas que os unionistas pretendiam
definir na Constituição Federal. Deve-se recordar que o estabelecimento pela
Constituição de um projeto político abrangente que vinculasse os Estados poderia
frustrar os interesses de determinados setores que prefeririam, portanto, assegurar
uma certa margem de manobra política dentro do âmbito estadual. Isto explica o
fato de muitos debates não abordarem o caráter democrático ou até mesmo
republicano das propostas que eram apresentadas, mas apenas a conveniência de
se estabelece-las na Constituição Federal. Desse modo, a atribuição de uma ampla
esfera de autonomia política aos Estados poderia resultar na coexistência de
diversos projetos políticos, distintos entre si e, sobretudo, em relação ao
estabelecido na Constituição Federal.
Além disso, a determinação do quantum de autonomia a ser conferida aos
Estados poderia comprometer o sucesso da própria Federação. É que o pacto
federativo, como, via de regra, qualquer outro pacto, importa em direitos e
obrigações às partes pactuantes, e, no caso da constituinte republicana, a atuação
de constituintes federalistas mais atentos ao bônus conferido aos Estados do que
ao ônus trazido pelo regime federativo poderia afetar o seu equilíbrio. Como
frisou RENATO LESSA ao abordar os desafios abertos à elite política durante o
processo constituinte, “para implantar o federalismo não bastava apostar na
105

espontaneidade social”158. Fazia-se necessário, portanto, não apenas defender um


sistema unionista ou federalista, mas, antes disso, assegurar que
independentemente do modelo, seria um sistema, dotado, assim, de coerência.
Desse modo, no debate em torno da discriminação de rendas, tivesse a
Constituinte se manifestado por um modelo centralizado ou mesmo
descentralizado, dever-se-ia assegurar a proporcionalidade entre os recursos
obtidos e os encargos assumidos pelos entes federativos.
Feitas estas considerações, resta verificar qual o projeto político resultante
deste processo constituinte.
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158
Op. Cit., p. 54.
106

4
O Projeto Político da Constituição de 1891

“E nada mais de senhora, nem de senhor João;


estamos em república, toda a gente se trata por você.”
Vitor Hugo, Os Miseráveis.

4.1 . Introdução

A Constituição de 1891 batizou o País como a República dos Estados


Unidos do Brasil, tornando explícito o figurino norte-americano que modelou o
seu conteúdo. A influência do direito constitucional norte-americano se deve a
RUI BARBOSA, que desempenhou papel fundamental na elaboração da
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Constituição de 1891, sendo mesmo, não raro, apontado como o verdadeiro


“autor” do texto constitucional. Entretanto, se, de fato, a Constituição de 1891
sofreu forte influência da Constituição dos Estados Unidos da América, não se
pode daí inferir que outras constituições não tenham sido cotejadas pela
Constituinte republicana. Com efeito, o projeto de Constituição apresentado pelo
Governo Provisório – em sua maior parte da lavra de RUI BARBOSA –, sobre o
qual se desenvolveram os debates, ocupou uma posição privilegiada no processo
constituinte. Todavia, era apenas um projeto, ao qual competia à Constituinte
apresentar as emendas que julgasse necessárias. Nesse sentido, vale recordar que,
sobretudo no que tange à Federação – tema central dos trabalhos constituintes –,
outros modelos constitucionais, que não apenas o norte-americano, foram levados
à apreciação do Congresso Constituinte, tais como as constituições argentina,
alemã e suíça, de modo que o texto aprovado resultaria de uma opção constituinte,
mais do que de uma imposição pelo modelo norte-americano feita por RUI
BARBOSA. Assim, somente feita esta ressalva, pode-se afirmar que a
Constituição dos Estados Unidos da América foi, efetivamente, a musa
inspiradora da Constituinte, autorizando, desse modo, o recurso ao direito
constitucional norte-americano para a interpretação e aplicação da Constituição de
1891.
107

Com efeito, o desenho institucional traçado pela Constituição de 1891


encontrava semelhanças significativas no texto constitucional dos EUA, a
começar pelo estabelecimento da forma republicana de governo e da forma
federativa de Estado – respectivamente, pretexto e motivo para a queda da
Monarquia. Consagrava o princípio da separação dos poderes, nos moldes de
Montesquieu, estabelecendo como sistema de governo o presidencialismo, e, ao
mesmo passo, assegurava a harmonia entre os poderes, seguindo o sistema de
freios e contrapesos desenvolvido pelos federalistas JAMES MADISON,
ALEXANDER HAMILTON e JOHN JAY, incorporando, assim, o controle de
constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário. Impende assinalar que a
Constituição dos EUA foi pioneira em todas estas matérias, não devendo,
portanto, causar espécie a influência exercida na confecção da Constituição de
1891, que, de antemão, estava comprometida com a organização federativa e
republicana.
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Outrossim, não é demais recordar que tal constituição foi pioneira no


desenvolvimento do próprio constitucionalismo moderno, entendido este, em
linhas gerais, como uma teoria baseada na limitação do poder a partir de um
documento escrito, que, conquanto não seja imutável, ao menos deve garantir uma
certa estabilidade na organização das instituições políticas do país. Nesse sentido,
a Constituição norte-americana, texto sintético, composto de 7 artigos e 26
emendas, contava à época mais de um século desde a sua promulgação. Já a
Constituição de 1891, a segunda na história do País, não apresentava a mesma
concisão do modelo americano, embora fosse mais sintética do que a Carta
Política do Império, de 1824, compondo-se de 91 artigos e 8 disposições
transitórias, distribuídos da seguinte forma:

Título I Da Organização Federal (arts. 1.º a 62)


Disposições Preliminares (arts. 1.º a 15)
Seção I Do Poder Legislativo (arts. 16 a 40)
Capítulo I Disposições Gerais (arts. 16 a 27)
Capítulo II Da Câmara dos Deputados (arts. 28 e 29)
Capítulo III Do Senado (arts. 30 a 33)
Capítulo IV Das Atribuições do Congresso (arts. 34 e 35)
Capítulo V Das Leis e Resoluções (arts. 36 a 40)
108

Seção II Do Poder Executivo (arts. 41 a 54)


Capítulo I Do Presidente e do Vice-Presidente (arts. 41 a 46)
Capítulo II Da Eleição de Presidente e Vice-Presidente (art. 47)
Capítulo III Das Atribuições do Poder Executivo (art. 48)
Capítulo IV Dos Ministros de Estado (arts. 49 a 52)
Capítulo V Da Responsabilidade do Presidente (arts. 53 e 54)
Seção III Do Poder Judiciário (arts. 55 a 62)
Título II Dos Estados (arts. 63 a 67)
Título III Do Município (art. 68)
Título IV Dos Cidadãos Brasileiros (arts. 69 a 78)
Seção I Das Qualidades do Cidadão Brasileiro (arts. 69 a 71)
Seção II Declaração de Direitos (arts. 72 a 78)
Título V Disposições Gerais (arts. 79 a 91)
Disposições Transitórias (arts. 1.º a 8.º)
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O conteúdo da Constituição de 1891, conquanto mais extenso do que o da


Constituição dos EUA, mantinha-se circunscrito ao modelo liberal, limitando-se à
organização do poder político, segundo os princípios republicano e democrático, e
ao estabelecimento de um núcleo de direitos individuais, embora não tivesse sido
fruto de uma revolução liberal, nem tampouco democrática. Cabe, assim, descer à
análise do conteúdo da Constituição de 1891 a fim de se verificar o teor do projeto
político que pretendia implementar no País e, sobretudo, - considerando-se a
realidade social subjacente - de que modo pretendia fazê-lo. A análise do
conteúdo do projeto político da Constituição de 1891 adotará como recurso à
compreensão do seu significado os comentários feitos por JOÃO BARBALHO e
CARLOS MAXIMILIANO, autores das mais respeitadas obras da época a
respeito da interpretação do texto constitucional de 1891.

4.2. A Organização Federal

4.2.1 Disposições preliminares


109

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891,


destinada, conforme o preâmbulo, a assegurar um regime livre e democrático,
declarava em seu artigo inaugural:

“Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime


representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889,
e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em
Estados Unidos do Brasil.”

Cabe aqui destacar a menção expressa feita pelo constituinte ao regime


representativo, embora seja uma decorrência do princípio republicano, ou
justamente por isso. É que, considerando-se que a opção republicana não foi
efetivamente o motivo a ensejar a queda da Monarquia, torna-se válido o
constituinte deixar claro as conseqüências advindas da adoção desta forma de
governo. Nesse sentido, a Constituição, ao consagrar a forma republicana sob o
regime representativo, alterou tanto a fonte de legitimidade do poder político, que
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passou a ser o povo, como, conseqüentemente, o fundamento de legitimidade da


relação entre governantes e governados, que passou a ser de representação.
Estabelecia, portanto, que o governo deveria ser exercido por representantes
escolhidos pelo povo, os quais lhes confeririam mandatos, através do voto, a fim
de assegurar-lhes o legítimo exercício do poder político.
Ademais, a afirmação de que o governo seria representativo dentro de um
regime republicano e democrático, trazia certas imposições conseqüentes, sem as
quais o regime incorreria em inevitáveis contradições com seus fundamentos. De
fato, JOÃO BARBALHO, um dos principais comentadores da Constituição de
1891, já anotava algumas condições à existência de um governo representativo,
afirmando que a delegação do exercício do poder em um regime destinado a
assegurar o governo do povo, pelo povo e para o povo:

“1.º não pode ser perpétua, 2.º deve ser renovada periodicamente e 3.º a prazos
curtos, 4.º distribuída por diferentes órgãos, 5.º tendo cada um destes funções
definidas e limitadas e 6.º sendo responsáveis no exercício delas todos os agentes
do poder público. Sem estas condições (...) o sistema representativo se tornaria
uma burla, degenerando a representação em despotismo disfarçado com as
fórmulas da liberdade – a pior das tiranias.”1

1
BARBALHO, JOÃO.“Constituição Federal Brasileira – Comentários”, Rio de Janeiro: 1902, p.
8.
110

Desse modo, verifica-se que a Constituição trouxe à organização política


do País os princípios da democracia liberal de alternância no poder e sucessão
legítima dos governantes, os quais, entretanto, implicam certas condições para se
afirmarem, já que os valores republicanos – assim como foi dito a respeito da
Federação – não decorreriam da espontaneidade social.
Além da forma de governo republicana, sob o regime representativo, o
artigo 1.º estabelecia também a forma federativa de Estado – em substituição ao
regime unitário vigente durante o Império – que seria formado pela união
perpétua e indissolúvel das antigas ex-províncias, que, conforme enunciava o
artigo 2.º, converteram-se em Estados2. Vedava, assim, o direito de secessão,
buscando fortalecer o laço de união federativa entre os Estados recém-criados.
Os Estados, como decorre do princípio federativo, seriam autônomos,
possuindo governo e administração próprios. Caberia, portanto, aos Estados
prover, a suas expensas, como estabelecia o artigo 5.º, “as necessidades de seu
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Governo e administração”, devendo a União, todavia, prestar “socorros ao


Estado que, em caso de calamidade pública, o solicitar”. Note-se que não se trata
aqui de uma violação à autonomia dos Estados, mesmo porque o auxílio do
governo federal só ocorreria se houvesse a solicitação dos governos dos Estados.
Ademais, a atuação do governo federal limitava-se a prestar auxílio aos Estados
em matéria de recursos financeiros, o que deveria ocorrer em determinadas
circunstâncias, que seriam, segundo anota JOÃO BARBALHO: “os casos de
grandes desgraças públicas, peste, fome, seca, etc., que algum Estado só com
seus recursos não possa debelar”3.
A Constituição estabelecia também casos em que efetivamente poderia
ocorrer a intervenção do governo federal nos negócios próprios dos Estados, nos
seguintes termos:

“Art 6º - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos


Estados, salvo:

2
In verbis: “Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município
Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der
execução ao disposto no artigo seguinte.; Art 3º - Fica pertencendo à União, no planalto central
da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada
para nela estabeIecer-se a futura Capital federal.
Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir
um Estado.”
3
Op.Cit., p. 18.
111

1º) para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;


2º) para manter a forma republicana federativa;
3º) para restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição dos
respectivos Governos;
4º) para assegurar a execução das leis e sentenças federais.”

Como se pode verificar, tal medida – à exceção da primeira parte do inciso


1.º, que trata da defesa do próprio Estado Federal – justificava-se por ser
destinada, grosso modo, a assegurar que a autonomia dos Estados não se afastaria
da esfera delimitada pela Constituição, assegurando, por fim, a própria existência
da federação. Cumpre destacar que a Constituição, a respeito desta tensão entre
intervenção e autonomia, parece haver deixado claro que a regra seria a não
intervenção, ao iniciar a redação do dispositivo supracitado reafirmando que o
governo federal não poderia intervir em negócios peculiares aos Estados,
estabelecendo taxativamente os casos excepcionais, em que a regra, portanto, não
seria observada. Os méritos, entretanto, em relação à preocupação do legislador
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constituinte acerca do instituto da intervenção federal cessam por aí. É que, como
foi visto no capítulo anterior, a redação do art. 6.º da Constituição estranhamente
não foi objeto de debate no Congresso Constituinte – ao menos em intensidade
proporcional à sua importância, já que o instituto afetaria diretamente a autonomia
dos Estados, que figurou como tema central no processo de elaboração do texto
constitucional. Desse modo, fazem fila as dúvidas e incertezas deixadas pelo
constituinte a respeito da intervenção federal.
De fato, a Constituição não estabelecia de forma clara qual seria o órgão
competente para determinar a intervenção federal, nem os limites à adoção desta
medida. Não estabelecia também se poderia haver algum controle sobre esta
medida e, neste caso, a quem competiria exercer este controle. Estes pontos
revelam-se de grande importância na medida em que deles dependeria a sorte do
instituto, ou seja, se ele seria efetivamente adotado em caráter excepcional, a fim
tão somente de assegurar a federação.
De acordo com a doutrina, nos casos de invasão estrangeira ou de um
Estado em outro (art. 6.º, 1.º), assim como no caso de grave perturbação da ordem
(art. 6.º, 3.º) a competência para perpetrar a intervenção federal seria do
Congresso, sendo permitido, no entanto, ao Presidente da República agir
imediatamente “se urgente for intervir pelo perigo da ordem pública e tornar-se
112

necessário o imediato emprego da força armada”. Cumpre ressaltar que a


intervenção federal para restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados
deveria ser requisitada pelos “respectivos Governos”. A este respeito, JOÃO
BARBALHO entende que:

"Pela expressão “respectivos governos” não se deve entender estritamente o


governador ou o poder executivo do Estado, mas, como se dá com a expressão
governo federal, usada neste mesmo artigo, o conjunto dos poderes que
constituem o governo. Nem poderia a requisição ser exclusiva faculdade do
poder executivo sem cercear-se a esfera do direito de intervenção, o qual não
tem só por objeto garantir o governo, como contra este proteger o povo do
Estado por ele despotisado. E, neste segundo caso, como tornar efetiva a
intervenção, se ela depender de requisição do governador?

O projeto dizia poderes locais; a Comissão do Congresso Constituinte, emendou


dizendo: “respectivos governos.” Mas nem do parecer dela, nem da discussão
havida resulta que a emenda tivesse tido em vista restringir o sentido daquelas
palavras. Nem há motivo para admitir que tal houvesse sido seu propósito.

Deve-se pois considerar essa como uma simples emenda de redação e interpretar
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o §3.º do art. 6.º à luz dos princípios fundamentais do direito de intervenção e


tendo em vista a fonte dessa disposição constitucional (o art. 4.º, secç. 4, n. 1, da
Const. dos Est. Un. Norte-Americ.)"

A intervenção federal para manter a forma republicana federativa,


estabelecida no art. 6.º, 2.º, seria de competência do Poder Legislativo, como
expõe JOÃO BARBALHO:

“Pela natureza essencialmente política dos casos que se possam compreender no


§2 do art. 6 de nossa Constituição, a competência para a intervenção é
incontestavelmente do poder legislativo.
E isto está de acordo com o que prevalece em países de instituições federativas
como as nossas. Nem poderia ser de outro modo. Confiar essa intervenção ao
bom querer do poder executivo é entregar-lhe as chaves da federação e constituí-
lo senhor absoluto nela. Por isso se disse com razão, num parecer (de 24 de
Maio de 1893) da Comissão de Constituição do Senado: ‘Se ao poder executivo
se concedesse essa faculdade, minada ficaria pela base a federação dos Estados
e a União Brasileira, vacilante no seu alicerce, facilmente se esboroaria ao
primeiro golpe que sobre ela vibrasse o poder. Em tais condições não teríamos
um Presidente da República, mas um verdadeiro ditador...’
Também ao poder judiciário não cabe agir nos casos deste §2, por ser isso
contrário à sua índole e ao seu papel entre os poderes públicos. Ele decide, na
frase de Von Holst, questões legais, mas não questões políticas, e aqui a
intervenção é ato de natureza política (...).”4

4
Op. Cit., p. 24.
113

Já no caso de descumprimento de leis e sentenças federais (art. 6.º, 4.º),


caberia ao Poder Judiciário solicitar a Intervenção e ao Poder Executivo executá-
la.
De um modo geral, já se pode verificar que o instituto da intervenção
federal na Constituição de 1891 estava rodeado de incertezas e seu uso de forma
adequada à sua finalidade deveria resultar mais da esperança do que efetivamente
da Constituição. De fato, deve-se recordar que a intervenção federal foi pouco
debatida na Constituinte, que, por sinal, foi dominada pela polêmica em torno da
federação. Não havia, portanto, como se determinar com precisão qual o sentido
pretendido pelo constituinte, ou por outra, a mens legislatoris a respeito deste
instituto. Desse modo, buscou-se na doutrina e jurisprudência norte-americana
subsídios para determinar o sentido e alcance do instituto da intervenção federal
na Constituição de 1891, já que o art. 6.º havia sido influenciado diretamente pelo
disposto no art. 4.º, seção 4, n. 1, da Constituição dos EUA5. Ocorre que, sendo a
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intervenção federal, conforme expôs JOÃO BARBALHO, um ato político, sua


decretação não estaria sob o controle do Poder Judiciário, de modo que estes
subsídios doutrinários e jurisprudenciais norte-americanos deveriam orientar, não
a atuação do Supremo Tribunal Federal, mas sim a do Congresso Nacional e,
sobretudo, do Presidente da República. Os executores desta medida seriam,
portanto, seus únicos controladores e os fundamentos para tanto deveriam ser
retirados da cultura jurídica norte-americana, até então estranha à maior parte dos
políticos brasileiros, e, mais importante, reflexo da história daquele país, aliás,
bastante distinta da formação e dos problemas políticos brasileiros. Em suma, o
instituto da intervenção federal reunia todos os elementos necessários para uma
vida institucional no mínimo problemática na ordem constitucional brasileira.
No que tange à discriminação de rendas, a Constituição de 1891 atribuiu à
União Federal os impostos de importação (art. 7.º, 1.º), os direitos de entrada,
saída e estadia de navios (art. 7.º, 2.º), as taxas de selo (art. 7.º, 3.º) e as taxas dos
correios e telégrafos federais (art. 7.º, 4.º). Aos Estados, atribuiu os impostos
sobre a exportação de mercadorias de sua própria produção (art. 9.º, 1.º), sobre
Imóveis rurais e urbanos (art. 9.º, 2.º), sobre transmissão de propriedade (art. 9.º,

5
“Art. 4.º - Os Estados Unidos garantirão a cada Estado desta União a forma republicana
de governo e defendê-lo-ão contra invasões; e, a pedido da legislatura, ou do Executivo
114

3.º) e sobre indústrias e profissões (art. 9.º, 4.º). Atribuía ainda aos Estados a
competência para decretar taxas de selos quanto aos atos emanados de seus
respectivos Governos e negócios de sua economia (art. 9.º, §1.º; 1.º), bem como
contribuições concernentes aos seus telégrafos e correios (art. 9.º, §1.º; 2.º). Como
uma exceção ao disposto no art. 7.º, 1.º, a Constituição (art. 9.º, §3.º) permitia aos
Estados tributarem a importação de mercadorias estrangeiras, quando estas fossem
destinadas ao consumo no seu território, in verbis:

“§ 3º - Só é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias


estrangeiras, quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo,
porém, o produto do imposto para o Tesouro federal.”

O objetivo deste permissivo constitucional não seria, portanto, o de


constituir renda, mas, como observou JOÃO BARBALHO, o de onerar ou
dificultar a entrada de certos efeitos mercantis, cuja introdução no Estado
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prejudique de qualquer forma a produção e indústria local. De todo modo, o


produto do imposto seria revertido ao Tesouro Nacional, o que, conforme
prosseguiu o autor, “refreará a ação dos Estados, que sem isso facilmente
poderiam ser tentados a estenderem-se desmesuradamente neste vasto campo de
tributações. Não sendo para eles o produto do imposto, é natural que o não
estabeleçam com exageração”.
A Constituição orientava o sistema tributário a partir do princípio da plena
liberdade de comércio interestadual, visando a assegurar a harmonia entre os
Estados da Federação. Nesse sentido, estabelecia que os impostos decretados pela
União deveriam ser uniformes para todos os Estados (art. 7.º, § 2º) e vedava ao
Governo federal criar, de qualquer modo6, distinções e preferências em favor dos
portos de uns contra os de outros Estados (art. 8.º). Proibia também que um

(estando aquela impossibilitada de se reunir) o defenderão em casos de comoção


interna.”
6
Vale aqui trazer os comentários de JOÃO BARBALHO a este dispositivo: “O projeto dizia mais
precisamente – mediante regulamentos comerciais e fiscais. A emenda tornou muito vaga a
disposição, estabelecendo-a em termos absolutos e que parecem repelir quaisquer restrições. O
que o artigo proíbe são atos legislativos e providencias regulamentares que embaracem ou tolham
a igualdade comercial completa entre os Estados; medidas de outra natureza, porém, de que
resultem vantagens para este ou aquele porto, para o porto de um ou de outro Estado, podem ser,
e tem sido tomadas, desde que estão na esfera do poder federal, como os casos de
alfandegamento, de construção e melhoramento de obras, estabelecimento de faróis, etc. Estas
aproveitam distinta e preferentemente aos portos a que se aplicam e ninguém dirá que se
compreendam na proibição deste artigo”. (op. cit., p. 33)
115

Estado taxasse os produtos de outros Estados, determinando que seria isenta de


impostos, no Estado por onde se exportasse, a produção dos outros Estados (art.
9.º, §2.º), pois, como observa JOÃO BARBALHO, “sem esta proibição, cada um
dos Estados da União poderia, por meio de tributos, influir de modo decisivo e
ruinoso, sobre a produção, indústria e riqueza dos outros”.
A Constituição proibia aos Estados tributar bens e rendas federais ou
serviços a cargo da União, e vice-versa (art. 10). Segundo JOÃO BARBALHO,
“se entre os poderes dos Estados se compreendesse o de lançar taxas sobre a
receita, serviços e bens da União, fácil é de ver que esta ficaria à mercê dos
Estados, tolhida no exercício de suas funções, sem independência no
desenvolvimento constitucional delas, subordinada, anulada”7. O autor entendia
que, a fim de se preservar a independência da União face aos Estados, não caberia
qualquer taxação, pelos Estados, dos bens, rendas e serviços federais, o mesmo
valendo para a União em relação aos bens, rendas e serviços dos Estados. Vale
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ainda destacar a interpretação extensiva feita pelo autor em relação a este


dispositivo, ao afirmar que:

“o mesmo se deve dizer quanto aos municípios, em vista do art. 68 que os


constituiu partes autônomas dos Estados. Essa autonomia sofrerá, desde que
forem tributários dos Estados e da União. Tudo pois que constitui o governo
municipal, suas repartições, seus serviços, seu funcionalismo, fica livre de
impostos estaduais e federais.
Igualmente, com quanto não o diga o art. 10, é fora de dúvida, pelas razões
expostas, que um Estado não pode também tributar os bens, rendas e serviços de
outros Estados.
Nos Estados Unidos Norte-Americanos vigora, afirmada pela jurisprudência dos
tribunais, a mesma doutrina, embora não consagrada expressamente na
constituição.”

Confirmando o princípio da liberdade de comércio interestadual, a


Constituição também vedava aos Estados e à União criar impostos de trânsito pelo
território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de
outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de
terra e água que os transportarem (art. 11, 1.º)
Por fim, a Constituição permitia à União e aos Estados, cumulativamente
ou não, criar outras fontes de receita, além das discriminadas nos arts. 7º e 9º.

7
Op. Cit., p. 40.
116

Em relação às forças armadas, o texto constitucional as definia como


instituições nacionais permanentes, sob o comando do Governo Federal (art. 48,
4.º), destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior,
devendo ser obediente aos seus superiores hierárquicos e obrigadas a sustentar as
instituições constitucionais (art. 14). Cumpre frisar a posição atribuída às forças
armadas pela Constituição de 1891, ao estabelecer que estariam “obrigadas a
sustentar as instituições constitucionais”, no que – como observa RAYMUNDO
FAORO – “houve o abandono das duas fontes confessadas e reiteradamente
utilizadas dos constituintes de 91, a constituição norte-americana e a constituição
de 1863 da Argentina (na última, o cidadão, e não o soldado, está obrigado a
armar-se para defender a constituição – artigo 21 – o que é outra coisa)”8. De
fato, a Constituição de 1891 não apenas não afirmava expressamente o princípio
da supremacia civil sobre o poder militar, como ainda atribuía às forças armadas a
obrigação de sustentar as instituições constitucionais, o que tornava ainda mais
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nebulosa a afirmação daquele princípio. Ademais, considerando-se a importância


assumida pelas forças armadas nos acontecimentos que ensejaram a queda da
Monarquia e a elaboração do novo texto constitucional, poder-se-ia até recear o
princípio inverso, a saber, a supremacia do poder militar, o que conferiria às
forças armadas o dever de guarda da Constituição, permitindo mesmo um “direito
ao golpe de Estado”. Como afirmou RAYMUNDO FAORO: “se as forças
armadas podem sair da esfera de poder do governo, poderão destruí-lo, em
defesa do que entendem ser a constituição, com a faculdade de avaliar-lhe o
alcance e o conteúdo”9. RUI BARBOSA, ao comentar a possibilidade de um
“direito ao golpe de Estado” pelas forças armadas, por força do que dispõe no art.
14, afirmou que:

“Se a força armada é ‘obrigada a sustentar as instituições constitucionais’,


obrigada há de ser a defende-las, quando elas forem violadas. Dois lados têm o
preceito de sustentar as instituições: acompanhar os que as servem, resistir aos
que as infringem. Logo, para discernir os casos de resistência e os de
subordinação, escolhendo entre a observância da segunda e o exercício da
primeira, necessário é que não se incline sem refletir aos ditames da autoridade,
mas os examine, e não os respeite, se quebrantarem as instituições
constitucionais.

8
FAORO, RAYMUNDO. “Democratização e Forças Armadas”, in. Senhor, n.º 185 – 3.10.1984.
9
Idem.
117

Se essa doutrina fosse verdadeira, o eixo da República estaria deslocado. O


supremo tribunal da legalidade seria a força armada. Os conflitos
constitucionais não se resolveriam pela tribuna e pela toga, mas pela violência e
pelas armas. A estas se teria confiado em derradeira instância a judicatura sobre
o procedimento dos governos e a legitimidade das leis. Em vão se teria dado ao
Congresso a atribuição de legislar, à administração a de executar, às justiças as
de julgar: a única expressão da soberania na justiça, na administração e na
legislatura seriam as forças de terra e mar. Quando estas interviessem nas
desarmonias do Congresso com o governo, ou nos conflitos do governo com o
povo, interviriam regularmente, legalmente, constitucionalmente, como oráculo
irrecorrível da Constituição, o sumo intérprete da lei, a fórmula viva da regra
nacional.”10

4.2.2 Organização dos Poderes

No que tange à organização dos Poderes, a Constituição de 1891 adotava a


separação tripartite nos moldes definidos por MONTESQUIEU e implantados
pela Constituição presidencialista dos EUA, estabelecendo como órgãos da
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soberania nacional, independentes e harmônicos entre si, o Poder Legislativo, o


Poder Executivo e o Poder Judiciário.
A idéia da separação dos poderes, ou por outra, a atribuição das distintas
funções do Estado a diferentes órgãos não figurava como novidade na história
constitucional brasileira. De fato, a Carta Política do Império estabelecia em seus
arts. 9.º e 10:

“Art. 9.º - A divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador


dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que
a Constituição oferece.

Art. 10 – Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do


Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e
o Poder Judicial.”

A novidade ficava por conta do seu desenho institucional. Nesse sentido,


nota-se aí ao menos duas distinções significativas em relação ao modelo vigente
durante o Império, a saber: a supressão do Poder Moderador (o quarto poder) e a
substituição do parlamentarismo pelo presidencialismo, a partir da afirmação da
independência entre os Poderes, que só é efetivamente verificada nesta espécie de
sistema de governo. É bem verdade que o parlamentarismo vigente durante o

10
Apud. FAORO, RAYMUNDO, "Democratização e Forças Armadas", Op. Cit.
118

Império apresentava traços bastante característicos que o distanciavam do modelo


inglês, de modo que a mudança operada pela nova fórmula adotada pela
Constituição de 1891 pouco afetaria em relação à participação do Parlamento na
composição do governo, que era, na prática, escolhido pelo Poder Moderador.
Desse modo, as implicações da independência entre os Poderes em relação ao
Poder Legislativo referem-se mais à impossibilidade de sua dissolução do que à
sua participação na escolha do governante do País, que continuaria sendo nula,
agora não apenas na prática como também na teoria.
Assim, a grande mudança operada pela nova fórmula de organização dos
Poderes adotada pela Constituição de 1891 parecia residir na supressão do Poder
Moderador, que, até então, definia a composição do governo. Nesse sentido
observou RENATO LESSA:

“O Brasil amanheceu no dia 16.11.1889 sem Poder Moderador. O sistema


político brasileiro abriu-se para uma experiência, nos 10 anos que se seguiram à
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proclamação, na qual ficou desprovido da “chave” de sua organização


institucional. Segundo a tradição do Império, as atribuições do Poder
Moderador eram fundamentais para estabelecer os limites e a dinâmica do corpo
político. Constitucionalmente definido como irresponsável e como prerrogativa
exclusiva do Imperador, foi apresentado pelos intelectuais da Monarquia como
garantia para conter o espírito de facção, como guardião da neutralidade e da
conservação e como “expressão de necessidades fundamentais”, “direitos
adquiridos, interesses criados, tradições e glórias.”11

E prossegue o autor:

“o Brasil acordou sem Poder Moderador, em 16.11.1889. Isto é, sem ter


qualquer resposta institucional a respeito de si mesmo: quem faz parte da
comunidade política, como serão as relações entre o poder central e as
províncias, como se organizarão os partidos e se definirão as identidades
políticas. Enfim, sobre quem deverá mandar, pois como disse Silvio Romero: “A
questão toda hoje no Brasil é saber com que patrão se há de estar”.12

A supressão do Poder Moderador afetava diretamente o Poder Executivo,


ao menos em relação a dois pontos: suas atribuições e seu processo de escolha.
De fato, o Poder Executivo, em um regime presidencialista, assume papel
central na organização política e seria de se estranhar qualquer descaso em relação
a este órgão da soberania por parte dos constituintes, mormente pelos que

11
Op. cit., p. 44.
12
Op. cit., p. 46.
119

derrubaram a Monarquia, derrubando por conseqüência o Poder Moderador.


Nesse sentido, cabe recordar que a supressão do Poder Moderador e a adoção do
sistema presidencialista não nasceram da pena de RUI BARBOSA. A Comissão
dos 5, nomeada pelo Governo Provisório e representativa, portanto, de seus ideais,
já previra tal organização dos Poderes, tanto no projeto definitivamente aprovado
por esta Comissão, como nos projetos apresentados individualmente. O
presidencialismo não figurava como uma idéia genuinamente de RUI BARBOSA
não devendo ser atribuído a ele todo o peso da responsabilidade pela adoção deste
sistema de governo. Antes, parece mais acertada a constatação feita por PAULO
BROSSARD, em estudo dedicado à relação de RUI BARBOSA com o
Presidencialismo, onde afirma que “Rui (...) não preconizou o sistema
presidencial, não teve a iniciativa de sua adoção, mas o aceitou plenamente,
ainda que por exclusão”13.
Entretanto, no que se refere ao processo de escolha daquele que exerceria o
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Poder Executivo, vale observar que tanto os projetos individuais apresentados na


Comissão dos 5, como o projeto definitivamente aprovado por esta Comissão,
como ainda o projeto revisado por RUI BARBOSA estabeleciam que o Presidente
da República seria escolhido mediante eleição indireta. Pode-se afirmar que,
embora houvesse uma variação na forma como se daria a eleição indireta, todos os
projetos apresentados sob o patrocínio do Governo Provisório não deixavam ao
povo a escolha direta daquele que iria exercer a chefia do Estado e, sobretudo, do
governo do País. No seio da Constituinte, mesmo a Comissão dos 21 manteve a
eleição indireta, embora não por unanimidade, cabendo recordar a manifestação
de JULIO DE CASTILHOS de que o Presidente eleito por uma maioria no
colégio eleitoral poderia representar uma minoria no plano nacional. Foi somente
no plenário do Congresso Constituinte que o processo de escolha do Presidente da
República foi alterado para a forma de eleição direta, sem intermediários.
Desse modo, a supressão do Poder Moderador remodelou o Poder
Executivo que, se não reina, por conta do regime republicano, ao menos governa e
administra. Outrossim, a ausência do Poder Moderador, ou seja, de um Poder que
fosse “a chave de toda a organização política” incumbido de velar
incessantemente “sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia

13
BROSSARD, PAULO. “Rui e o Presidencialismo”. In. Rui Barbosa e a Constituição de 1891.
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985.
120

dos mais poderes políticos” (art. 99 da Constituição de 1824), afetava também a


organização dos três Poderes como um todo, já que deveriam a partir de então
prescindir do Poder Moderador para garantir sua independência e a harmonia do
sistema. Neste sentido, cumpre verificar não somente como se estruturaria a
separação dos Poderes, mas acima de tudo como se daria a garantia desta
organização, valendo recordar que JAMES MADISON, nos clássicos Artigos
Federalistas, já alertava que: “a mera demarcação no papel dos limites
constitucionais dos vários poderes não é uma salvaguarda suficiente contra
aqueles abusos que levam a uma concentração tirânica de todos os poderes de
governo nas mesmas mãos”14.

4.2.2.1 Poder Legislativo


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O Poder Legislativo seria exercido pelo Congresso Nacional (art. 16)15,


composto pela Câmara dos Deputados, representante do povo de toda a nação, e
pelo Senado Federal, representativo dos Estados (art. 16, §1.º), mantendo,
portanto, a dualidade do Poder Legislativo vigente durante o Império, embora sob
novo fundamento.
A Constituição definia como condições de elegibilidade para o Congresso
Nacional: estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistado como
eleitor e, para a Câmara, ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e para o
Senado mais de seis (art. 26)16.
A fim de garantir a sua independência, a Constituição estabelecia que seria
da competência do Congresso deliberar sobre a prorrogação e adiamento de suas
sessões (art. 17, §1.º). Definia também como competência de cada uma das Casas
legislativas verificar e reconhecer os poderes de seus membros; eleger a sua mesa;
organizar o seu regimento interno; regular o serviço de sua polícia interna; e
nomear os empregados de sua Secretaria (art. 18). Assegurava aos Deputados e

14
MADISON, JAMES, HAMILTON, ALEXANDER, e JAY, JOHN, “Os Artigos Federalistas,
1787-1788”. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993, p. 342.
15
“Art 16 - O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente
da República.”
16
O disposto no art. 26 excluía expressamente os cidadãos referidos no art. 69, IV, ou seja, “os
estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em
121

Senadores a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do


mandato (art. 19), bem como que não poderiam ser presos nem processados
criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara, salvo em crime inafiançável
(art. 20). Em relação aos vencimentos dos congressistas, a Constituição
determinava que “durante as sessões vencerão os Senadores e os Deputados um
subsídio pecuniário igual, e ajuda de custo que serão fixados pelo Congresso no
fim de cada Legislatura, para a seguinte” (art. 22).
Dentre as vedações estabelecidas pela Constituição aos Deputados e
Senadores17, vale destacar, pelo caráter republicano da norma, que estes não
poderiam ser Presidentes ou fazer parte de Diretorias de bancos, companhias ou
empresas que gozem de favores do Governo federal, conforme definidos por lei
(art. 24).
O Congresso Nacional, segundo o desenho institucional traçado pela
Constituição, apresentava um considerável rol de atribuições18, dentre os quais
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cabe destacar:

seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de


origem”.
17
A Constituição estabelecia ainda:
“Art 23 - Nenhum membro do Congresso, desde que tenha sido eleito, poderá celebrar contratos
com o Poder Executivo nem dele receber comissões ou empregos remunerados.
§ 1º - Excetuam-se desta proibição:
1 º ) as missões diplomáticas;
2 º ) as comissões ou comandos militares;
3 º ) os cargos de acesso e as promoções legais.
§ 2º - Nenhum Deputado ou Senador, porém, poderá aceitar nomeação para missões, comissões
ou comandos, de que tratam os n. os I e II do parágrafo antecedente, sem licença da respectiva
Câmara, quando da aceitação resultar privação do exercício das funções legislativas, salvo nos
casos de guerra ou naqueles em que a honra e a integridade da União se acharem empenhadas.”
18
“Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional:
1º) orçar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas da receita e despesa de
cada exercício financeiro;
2º) autorizar o Poder Executivo a contrair empréstimos a fazer operações de crédito;
3º) legislar sobre a dívida pública e estabelecer os meios para o seu pagamento;
4º) regular a arrecadação e a distribuição das rendas federais;
5º) regular o comércio internacional, bem como o dos Estados entre si e com o Distrito Federal,
alfandegar portos, criar ou suprimir entrepostos;
6º) legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado, ou se estendam a
territórios estrangeiros;
7º) determinar o peso, o valor, a inscrição, o tipo e a denominação das moedas;
8º) criar bancos de emissão, legislar sobre ela e tributá-la;
9º) fixar o padrão dos pesos e medidas;
10) resolver definitivamente sobre os limites dos Estados entre si, os do Distrito Federal e os do
território nacional com as nações limítrofes;
11) autorizar o governo a declarar guerra, se não tiver lugar ou malograr-se o recurso do
arbitramento, e a fazer a paz;
12) resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras;
13) mudar a capital da União;
122

“Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional:


(...)
21) declarar em estado de sítio um ou mais pontos do território nacional, na
emergência de agressão por forças estrangeiras ou de comoção interna, e
aprovar ou suspender o sítio que houver sido declarado pelo Poder Executivo, ou
seus agentes responsáveis, na ausência do Congresso;
(...)
23) legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o
processual da Justiça Federal; (...)

A Constituição deixou assente que a decretação de estado de sítio figurava


como uma competência privativa do Congresso Nacional, permitindo ao
Presidente a República adotar tal medida somente quando o Congresso não
estivesse reunido. Neste caso, a fim de evitar qualquer confusão entre os Poderes,

14) conceder subsídios aos Estados na hipótese do art. 5º;


15) legislar sobre o serviço dos correios e telégrafos federais;
16) adotar o regime conveniente à segurança das fronteiras;
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17) fixar anualmente as forças de terra e mar;


18) legislar sobre a organização do Exército e da Armada;
19) conceder ou negar passagens a forças estrangeiras pelo território do País, para operações
militares;
20) mobilizar e utilizar a guarda nacional ou milícia cívica, nos casos previstos pela
Constituição;
21) declarar em estado de sítio um ou mais pontos do território nacional, na emergência de
agressão por forças estrangeiras ou de comoção interna, e aprovar ou suspender o sítio que
houver sido declarado pelo Poder Executivo, ou seus agentes responsáveis, na ausência do
Congresso;
22) regular as condições e o processo da eleição para os cargos federais, em todo o Pais;
23) legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da Justiça
Federal;
24) estabelecer leis uniformes sobre a naturalização;
25) criar e suprimir empregos públicos federais, fixar-lhes as atribuições, estipular-lhes os
vencimentos;
26) organizar a Justiça Federal, nos termos dos arts. 55 e seguintes da Seção III;
27) conceder anistia;
28) comutar e perdoar as penas impostas, por crimes de responsabilidade, aos funcionários
federais;
29) legislar sobre terras e minas de propriedade da União;
30) legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o
ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União;
31) submeter à legislação especial os pontos do território da República necessários para a
fundação de arsenais ou outros estabelecimentos e instituições de conveniência federal;
32) regular os casos de extradição entre os Estados;
33) decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes que pertencem à União;
34) decretar as leis orgânicas para a execução completa da Constituição;
35) prorrogar e adiar suas sessões.
Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:
1º) velar na guarda da Constituição e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter
federal;
2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a
agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais;
3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;
123

a Constituição estabeleceu que caberia ao Congresso aprovar ou suspender o sítio


que houvesse sido declarado pelo Poder Executivo, ou seus agentes responsáveis,
na ausência do Congresso. Destarte, mesmo a ausência do Congresso – hipótese
que autorizava o Presidente da República a declarar o estado de sítio – não excluía
de seu controle a adoção desta medida excepcional.
Quanto à matéria legislativa, a Constituição estabelecia que competia ao
Congresso Nacional legislar sobre direito civil, comercial e criminal e processo de
Justiça Federal, “seguindo” – como observa FERNANDO WHITAKER –
“mutatis mutandis o precedente argentino, deixando aos Estados a legislação
processual restante”19. Esta concentração em matéria legislativa representou a
vitória dos unionistas na Constituinte, ou mais precisamente, daqueles que
defendiam a unidade de legislação no País20, contrários àqueles que defendiam um
sistema mais próximo ao norte-americano, admitindo a pluralidade de legislação
pelos Estados.
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O processo legislativo, conforme definido pela Constituição, se


desencadearia a partir da apresentação dos projetos de lei que, salvo as exceções
previstas no art. 29, poderiam ter origem indistintamente na Câmara ou no
Senado, sob iniciativa de qualquer dos seus membros (art. 36). O projeto de lei
aprovado pela Casa iniciadora deveria ser revisto pela outra que, aprovando-o21,
encaminharia o projeto de lei para o Presidente da República para sanção e
promulgação (art. 37). Caso o Presidente considerasse o projeto de lei
inconstitucional ou contrário aos interesses da Nação, poderia vetá-lo, hipótese em
que deveria devolvê-lo, acompanhado dos motivos de recusa, à Casa iniciadora do
processo legislativo (art. 37, §1.º). O projeto seria então revisto pelas duas Casas
legislativas, separadamente, e aprovado caso obtivesse dois terços dos votos
presentes em cada uma delas (art. 37, §3.º).
A Constituição determinou ainda que:

4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal.”


19
CUNHA, FERNANDO WHITAKER DA, "Direito Político Brasileiro", Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 19.
20
Cumpre frisar, no entanto, que a Constituição de 1891, embora fosse “unionista”, atribuía
competência aos Estados para legislar sobre direito eleitoral e processual.
21
“Art 39 - O projeto de uma Câmara, emendado na outra, volverá à primeira, que, se aceitar as
emendas, enviá-lo-á modificado em conformidade delas, ao Poder Executivo.
§ 1º - No caso contrário, volverá à Câmara revisora e, se as alterações obtiverem dois terços dos
votos dos membros presentes, considerar-se-ão aprovadas, sendo então remetidas com o projeto à
Câmara iniciadora, que só poderá reprová-las pela mesma maioria.
§ 2º - Rejeitadas deste modo as alterações, o projeto será submetido sem elas à sanção.”
124

“Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:


1.º) velar na guarda da Constituição e das leis e providenciar sobre as
necessidades de caráter federal; (...)”

Atribuiu, portanto, a guarda da Constituição ao Congresso Nacional,


embora não privativamente. Segundo JOÃO BARBALHO:

“Zelar a execução da Constituição e das leis é tarefa inerente às funções de


representante da nação; é própria, embora não exclusiva, dos parlamentos.
Fazer leis não é tudo, para o bem geral é preciso não só que elas não se deixem
de cumprir, como também que sua execução seja exata, conforme ao pensamento
que as ditou, e proveitosa aos interesses que as reclamaram. Daí a necessidade
da vigilância do congresso para que não cheguem elas a ficar letra morta e a fim
de, em vista dos inconvenientes, abusos e corruptelas introduzidos na prática,
providenciar ele como melhor convier, por meio de novas medidas legislativas,
bem como de promover ou fazer promover conforme for o caso, o processo e
punição dos que se encontrarem culpados da inexecução ou má execução das
leis.
Para facilitar semelhante tarefa a Constituição obriga o presidente da república
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a dar anualmente contas ao congresso da situação do país, indicando as


providências e reformas a se promoverem (art. 48, n. 9), manda distribuir pelos
representantes da nação os relatórios dos ministros, e sujeita estes a
conferências com as comissões das câmaras (art. 51). Além disto, podem estas
requisitar as informações e esclarecimentos de que precisem, nomear comissões
de seu seio que procedam a inquéritos, etc.”

4.2.2.2 Poder Executivo

O Poder Executivo foi atribuído ao Presidente da República que, em caso


de impedimento, seria substituído pelo vice-Presidente, eleito simultaneamente
com ele (art.41, §1.º). Segundo a Constituição, poderia se candidatar à Presidência
da República o brasileiro nato, maior de 35 anos e que estivesse no exercício dos
direitos políticos (art. 41, §3.º). Não poderiam se candidatar os parentes
consangüíneos e afins, nos 1º e 2º graus, do Presidente ou Vice-Presidente, em
exercício no momento da eleição ou que o tivesse deixado até seis meses antes
(art. 47, §4.º). O Presidente e o Vice-Presidente da República seriam eleitos por
sufrágio direto da Nação e maioria absoluta de votos (art. 47), e, caso nenhum dos
candidatos obtivesse a maioria absoluta dos votos, caberia ao Congresso Nacional
eleger, por maioria simples, o Presidente da República, dentre os dois candidatos
mais bem votados (art. 47, §2.º). O mandato seria de quatro anos, não podendo ser
125

reeleito para o período presidencial imediato (art. 43). Entretanto, caso ocorresse,
por qualquer motivo, vaga da Presidência ou mesmo da Vice-Presidência, antes de
decorridos dois anos do período presidencial, deveria se proceder a uma nova
eleição (art. 42). Como bem observou JOÃO BARBALHO: “A restrição e
cautela que se contem no presente artigo indubitavelmente mostra o congresso
pouco confiante no funcionário assim por ele diminuído em sua estatura, e
induzem à pergunta – se não teria sido melhor haver-se logo prescindido dele?”22
No tocante aos proventos a serem percebidos pelo Presidente da
República, a Constituição, seguindo o modelo norte-americano, definiu que
caberia ao Poder Legislativo fixá-los. Entretanto, como já alertava ALEXANDER
HAMILTON:

“Tendo um poder irrestrito sobre o salário e os emolumentos do primeiro


magistrado, o legislativo poderia torná-lo tão subserviente à sua vontade quanto
julgasse desejável. (...) Há homens que não poderiam ser constrangidos nem
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persuadidos a sacrificar seu dever; essa virtude inquebrantável é porém o fruto


de poucos solos e, no geral, se constatará que o poder sobre o sustento de um
homem é um poder sobre sua vontade”23.

Assim, a fim de assegurar a independência do Poder Executivo, ou, mais


precisamente, a fim de evitar casuísmos, a Constituição de 1891 estabeleceu que:

“Art 46 - O Presidente e o Vice-Presidente perceberão subsídio fixado pelo


Congresso no período presidencial antecedente.”

Se, de fato, a fixação do subsídio a ser percebido pelo Poder Executivo


seria uma atribuição do Poder Legislativo, por outro lado, este deveria ser fixado
no período presidencial antecedente, o que, se não evita esta dependência em
relação a outro Poder, ao menos evita o casuísmo. JOÃO BABALHO, a respeito
deste dispositivo, escreveu: “Não o diz o presente artigo, mas para servir-lhe
antes ao intuito do que à letra, deve ser fixado o subsídio anteriormente à eleição.
Depois dela, o subsídio vai ser votado já para certo e determinado presidente, o
ato tem então um tanto de pessoal e poderá ser praticado sem completa

22
Op. Cit., p. 164.
23
Op. Cit., p. 457.
126

isenção”24. Com efeito, neste mesmo sentido já havia anotado ALEXANDER


HAMILTON ao afirmar que:

“Quando da designação de um presidente, o legislativo declarará de uma vez por


todas qual será a remuneração por seus serviços durante o tempo para o qual ele
tiver sido eleito. Isto feito, seus membros não terão nenhum poder para altera-lo,
seja por aumento ou redução, até que, por novas eleições, se inicie novo período
de serviço. (...) Não poderá, portanto, ter qualquer estímulo pecuniário para
desistir ou abrir mão da independência que a Constituição pretendeu lhe
conferir”.25

A Constituição determinava que o Presidente da República, ao tomar


posse, deveria pronunciar, em sessão do Congresso ou, se este não estivesse
reunido, ante o Supremo Tribunal Federal, a seguinte afirmação: "Prometo manter
e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal, promover o bem geral da
República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e a
independência" (art. 44). Interessante observar que, diferentemente do Congresso
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Nacional, a quem caberia – ainda que não privativamente – a guarda da


Constituição, o Poder Executivo, por seu turno, deveria prometer, justamente
perante o Congresso Nacional26, manter e cumprir a Constituição. É certo que
todos os Poderes deveriam obediência à Constituição, eis que suas esferas de
atuação eram por ela definidos. No entanto, cabe frisar que, apesar disso, o
legislador constituinte deixou expresso que ao Poder Legislativo caberia a guarda
da Constituição e ao Executivo prometer respeitá-la. Ademais, este compromisso
deveria ser firmado perante o Congresso Nacional e, em caso de ausência deste,
perante o Supremo Tribunal Federal, o que parece reafirmar as posições
assumidas pelos Poderes em relação ao texto constitucional.
Cabe ainda assinalar que a Constituição, reafirmando este controle do
Poder Legislativo sobre o Executivo, impedia o Presidente e o vice-Presidente de
saírem do território nacional sem a permissão do Congresso Nacional, sob pena de
perderem o cargo (art. 45).

24
Op. Cit., p. 170.
25
Op. Cit., pp. 457-8
26
O projeto aprovado pela Comissão dos cinco estabelecia que o compromisso deveria ser firmado
perante o Supremo Tribunal de Justiça – nome dado ao órgão de cúpula do Poder Judiciário – e
não perante o Congresso Nacional. RUI BARBOSA manteve este dispositivo, apenas com a
alteração do nome para Supremo Tribunal Federal. Foi, portanto, a Assembléia Constituinte – não
por coincidência exercida pelo Congresso Nacional – quem alterou este dispositivo, estabelecendo
127

Dentre as atribuições do Presidente da República27, que abrangem tanto as


de chefia de Estado como de governo, cumpre destacar as seguintes:

“Art 48 - Compete privativamente ao Presidente da República:


1º) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso;
expedir decretos, instruções e regulamentos para sua fiel execução;
2º) nomear e demitir livremente os Ministros de Estado; (...)
5º) prover os cargos civis e militares de caráter federal, salvas as restrições
expressas na Constituição;
10) convocar o Congresso extraordinariamente;
11) nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal;
12) nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros
diplomáticos, sujeitando a nomeação à aprovação do Senado. Na ausência do
Congresso, designá-los-á em comissão até que o Senado se pronuncie; (...)
15) declarar por si, ou seus agentes responsáveis, o estado de sítio em qualquer
ponto do território nacional nos casos, de agressão estrangeira, ou grave
comoção intestina (art. 6º, nº 3; art. 34, nº 21 e art. 80);”

O Presidente da República tomava parte no processo legislativo a partir da


sanção (ou veto), promulgação e publicação das leis e resoluções do Congresso,
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não podendo, tal como o veda a Constituição norte-americana, apresentar projetos

que o compromisso deveria ser firmado perante o Poder Legislativo e, apenas em caso de ausência
deste, perante o Supremo Tribunal Federal.
27
“Art 48 - Compete privativamente ao Presidente da República:
1º) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do Congresso; expedir decretos,
instruções e regulamentos para sua fiel execução;
2º) nomear e demitir livremente os Ministros de Estado;
3º) exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos
Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas às armas em defesa interna ou externa da
União;
4º) administrar o exército e a armada e distribuir as respectivas forças, conforme as leis federais
e as necessidades, do Governo nacional.
5º) prover os cargos civis e militares de caráter federal, salvas as restrições expressas na
Constituição;
6º) indultar e comutar as penas nos crimes sujeitos à jurisdição federal, salvo nos casos a que se
referem os arts. 34, nºs 28, e 52, § 2º;
7º) declarar a guerra e fazer a paz, nos termos do art. 34, nº 11;
8º) declarar imediatamente a guerra nos casos de invasão ou agressão estrangeira;
9º) dar conta anualmente da situação do País ao Congresso Nacional, indicando-lhe as
providências e reformas urgentes, em mensagem que remeterá ao Secretário do Senado no dia da
abertura da Sessão legislativa;
10) convocar o Congresso extraordinariamente;
11) nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal;
12) nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros diplomáticos, sujeitando a
nomeação à aprovação do Senado.
Na ausência do Congresso, designá-los-á em comissão até que o Senado se pronuncie;
13) nomear os demais membros do Corpo Diplomático e os agentes consulares;
14) manter as relações com os Estados estrangeiros;
15) declarar por si, ou seus agentes responsáveis, o estado de sítio em qualquer ponto do
território nacional nos casos, de agressão estrangeira, ou grave comoção intestina (art. 6º, nº 3;
art. 34, nº 21 e art. 80);
128

de lei. No que tange à elaboração de normas, o Presidente somente poderia editar


atos normativos secundários, tais como decretos, instruções e regulamentos, a fim
de garantir a fiel execução das leis e limitados a estas, não podendo, portanto,
criar direito.
Caberia também ao Presidente da República nomear e demitir os Ministros
de Estado, “agentes de sua confiança que lhe subscrevem os atos” (art. 49) que
deveriam auxiliá-lo no exercício do Poder Executivo. Vale observar que este
vínculo com o Poder Executivo parecia implicar, nos termos da Constituição, uma
vedação de qualquer vínculo com o Poder Legislativo, in verbis:

“Art 50 - Os Ministros de Estado não poderão acumular o exercício de outro


emprego ou função pública, nem ser eleitos Presidente ou Vice-Presidente da
União, Deputado ou Senador.
Parágrafo único - O Deputado ou Senador que aceitar o cargo de Ministro de
Estado perderá o mandato e proceder-se-á imediatamente a nova eleição, na
qual não poderá ser votado.
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Art 51 - Os Ministros de Estado não poderão comparecer às sessões do


Congresso, e só comunicarão, com ele por escrito ou pessoalmente em
conferência com as Comissões das Câmaras.
Os relatórios anuais dos Ministros serão dirigidos ao Presidente da República e
distribuídos por todos os membros do Congresso.

Art 52 - Os Ministros de Estado não serão responsáveis perante o Congresso, ou


perante os Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República.
(...)”

A Constituição atribuía também ao Presidente da República competência


para prover os cargos civis de caráter federal (art. 48, n. 5), bem como nomear os
magistrados federais (art. 48, n. 11) e os membros do Supremo Tribunal Federal
(art. 48, n. 12). Tal atribuição encontrava inspiração na Constituição norte-
americana, que dispunha em seu art. 2.º, seção 2, n. 2:

“Ele [o Presidente dos Estados Unidos] poderá mediante parecer e aprovação


do Senado, concluir tratados, desde que dois terços dos Senadores presentes
assim o decidam. Nomeará, mediante o parecer e aprovação do Senado, os
Embaixadores e outros Ministros e Cônsules, Juízes da Corte Suprema, e todos
os funcionários dos Estados Unidos cujos cargos, criados por lei, não têm
nomeação prevista nesta Constituição. O Congresso poderá, por lei, atribuir ao

16) entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad


referendum do Congresso, e aprovar os que os Estados, celebrarem na conformidade do art. 65,
submetendo-os, quando cumprir, à autoridade do Congresso.”
129

Presidente, aos Tribunais de Justiça, ou aos Chefes das Secretarias a nomeação


dos funcionários subalternos, conforme julgar conveniente”.

A fim de colher subsídios para uma análise crítica desta atribuição


presidencial, vale perquirir os argumentos apresentados por ALEXANDER
HAMILTON, em defesa do citado dispositivo constitucional. De fato,
HAMILTON alegava que, sendo impossível ao povo, diretamente, designar
aqueles que exerceriam as funções públicas, esta atribuição somente poderia ser
conferida ou a “um único homem”, ou a “uma assembléia escolhida de número
moderado”, ou, ainda, a “um único homem com a colaboração de tal
assembléia”. A partir desta premissa, argumentava o autor:

“A responsabilidade una e indivisa de um homem engendrará um senso mais


forte do dever e uma atenção mais enfática à reputação. Por isto, ele se sentirá
mais comprometido, e terá maior interesse em investigar com cuidado as
qualidades necessárias para os cargos a serem preenchidos e a preferir com
imparcialidade as pessoas que possam ter as mais justas pretensões aos mesmos.
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Terá menos ligações pessoais a atender que um corpo cujos membros poderiam
ter, cada um, igual número, e será, na mesma medida, menos passível de ser
desencaminhado por sentimentos de amizade e afeição.”28

O autor não esconde, portanto, as imperfeições desta forma de


preenchimento dos cargos públicos, ou mais precisamente, HAMILTON não
disfarçava que a nomeação pelo Presidente da República não estava imune à
escolha movida mais por interesses pessoais do que pelo interesse público. Antes,
justificava o sistema proposto por ser o melhor, face às alternativas que se
apresentavam. Seria, portanto, o mais adequado em termos relativos e não
absolutos. Assim, a fim de controlar tais imperfeições, a Constituição estabelecia
que a nomeação feita pelo Presidente deveria ser submetida à aprovação do
Senado. A este respeito, defendia HAMILTON:

“Seria um excelente controle sobre um eventual espírito de favoritismo do


presidente, e contribuiria enormemente para evitar a designação de pessoas
inadequadas por causa do Estado de que provêm, por força de relações pessoais,
ou com vistas à popularidade. Além disto, seria uma fonte eficaz de estabilidade
na administração.
É fácil compreender que um homem que tivesse controle total sobre os cargos
seria muito mais governado por suas inclinações e interesses pessoais do que se
fosse obrigado a submeter a adequação de sua escolha à discussão e decisão de

28
Op. Cit., p. 470.
130

um corpo diferente e independente, sendo esse corpo toda uma casa do


legislativo. A possibilidade de rejeição seria um forte incentivo à cautela na
proposição. O perigo que sua própria reputação e, no caso de um magistrado
eleito, sua existência política correriam se revelasse um espírito de favoritismo
ou uma busca inadequada de popularidade a um corpo dotado de grande peso na
formação da opinião pública não poderia deixar de atuar como barreira contra
uma coisa e outra. Ele teria ao mesmo tempo vergonha e medo de apresentar,
para os cargos mais eminentes ou lucrativos, candidatos que não tivessem outro
mérito senão o de provir do mesmo Estado a que ele particularmente
pertencesse, ou de estar de um modo ou de outro pessoalmente ligados a ele, ou
de ser nulos e subservientes a ponto de se tornarem os obsequiosos instrumentos
de sua vontade.”29

Eram estes os argumentos trazidos pelos defensores mais autorizados do


texto constitucional norte-americano em favor da nomeação dos servidores da
União pelo Presidente da República, sendo os mesmos argumentos válidos para a
nomeação dos juízes30.
A Constituição brasileira de 1891, entretanto, não incluiu a participação do
Senado no preenchimento dos cargos públicos da União, deixando a exclusivo
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critério do Presidente da República a sua composição e correndo todos os riscos


evitados pela Constituição norte-americana, conforme exposto por HAMILTON.
Isso nada obstante, JOÃO BARBALHO defendia a nomeação pelo Presidente
daqueles que exerceriam os cargos públicos, alegando que:

"a escolha do indivíduo que o exerça não pode caber senão a quem dirige a
administração e a superintende; é ele o mais próprio para escolher os de maior
aptidão, e tem a responsabilidade dessa escolha.
A este poder é correlato o de demitir (quando por exceção o não veda a lei). De
outro modo a administração pública ficaria em muitos casos confiada a agentes
que se tornassem incapazes, infiéis e nocivos, sem que o chefe dela ou a
autoridade a eles proposta pudesse livrá-la desse mal.”

Entretanto, alertava o autor:

“Desta faculdade, porém, é facílimo e não pouco comum o abuso. Ora, as


grandes e constantes mudanças no pessoal administrativo são prejudiciais aos
serviços públicos. Elas privam-nos de empregados experimentados, que na
prática tem avigorado suas aptidões. E introduzem grande número de novos em
inferiores condições. Isto compromete a correção, a regularidade na expedição
dos negócios e impede o espírito de continuidade e método, tão necessários à

29
Op. Cit., p. 472.
30
Segundo o próprio HAMILTON, ao abordar o modo de designação dos juízes (artigo n.º 78)
“(...) é o mesmo utilizado na designação dos servidores da União em geral, tão amplamente
discutido nos dois últimos artigos que tudo o que poderíamos dizer aqui seria repetição inútil.”
(Op. Cit., p. 478.)
131

administração na grande variedade de seus serviços. Por isso será preciso


guardar muito cuidado e ponderação no exercício dessa faculdade
discricionária, cumprindo sobretudo não fazer dos cargos públicos elemento de
campanhas eleitorais."31

Se o preenchimento dos cargos públicos administrativos pelo Presidente da


República não causava tanta estranheza, por tratar-se do corpo administrativo
necessário à condução dos negócios públicos, vinculado, portanto, ao governo
federal, o mesmo não vale em relação à nomeação dos magistrados federais e dos
ministros do Supremo Tribunal Federal, todos membros do Poder Judiciário, que
não apenas não participariam do governo federal, como deveriam ainda ser
independentes em relação a este e mesmo controlá-lo. Contudo, JOÃO
BARBALHO defendia que a composição da magistratura se desse a partir da
nomeação pelo Presidente da República, ainda que, ao que parece, por exclusão.
De fato, o autor criticava o preenchimento dos cargos da magistratura por meio de
eleição popular. Em suas palavras:
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"Se a nomeação dos juízes não devesse caber ao presidente da República, a quem
conviria atribuí-la? Ao povo? A escolha dos magistrados por votação popular
tem gravíssimos inconvenientes. Reduz a nomeação deles afinal a mero negócio
de partido. Os candidatos não serão preferidos pelo fato de seu mérito e aptidão
profissional. As agremiações partidárias quererão ter na judicatura homens seus
e na eleição dos juízes será para isso que principalmente hão de olhar. Os
magistrados assim escolhidos trarão compromissos incompatíveis com a isenção
e independência que sua função requer. Serão juízes políticos, farão justiça
parcial, partidária, a negociação da justiça.
Os candidatos à judicatura começarão por fazer um pacto de submissão a um
partido. A independência do juiz porém é medida de interesse público, sobre ela
não cabe transação, não é estabelecida para que ele a renuncie e
voluntariamente aceite uma posição que dela é antípoda. Essa independência é
uma garantia de ordem política. É condição basilar de um regime de governo
livre. E um método de compor desse feitio o pessoal da magistratura
'contraditório com o fim da instituição.” 32

Interessante observar que o autor não se esquece que a função da


magistratura requer independência e isenção. Ao contrário, frisa sua importância
justamente para refutar a hipótese de eleição popular para juízes, o que obrigaria o
autor, por uma questão de coerência, a encontrar um sistema onde a isenção e a
independência do Poder Judiciário estivessem seguramente preservadas. Assim,

31
Op. Cit., p. 188.
32
Op. Cit., pp. 192-3.
132

estudando as demais hipóteses de preenchimento dos cargos da magistratura,


prossegue o autor:

“A nomeação pelo congresso não daria melhor escolha; o eleitorado fora menor,
mas eivado do mesmo vírus de partidarismo.
Confiar ao próprio poder judiciário a nomeação de seus membros não seria mais
acertado? Não dever ao governo a nomeação ou acesso é sem dúvida para o juiz
uma condição de independência.
E ser ele escolhido pela mesma corporação para onde vai entrar, ou por quem
dela faz parte, por quem tem o dever de zelá-la e não a quererá desmoralizada
pela admissão dos que não a honrem, é uma boa condição de acerto da
nomeação. Mas é inegável que este método encaminha para a oligarquia
judiciária, com que a república teria muito a perder.
O escolher pessoal para o exercício dos cargos públicos é função de caráter
executivo; mesmo os da administração judiciária devem ser providos pelo
presidente da República, e a Constituição, como se vai ver providenciou de modo
a garantir melhor o certo da nomeação."33

O autor admite, ao considerar a hipótese de se confiar ao próprio Poder


Judiciário o preenchimento de seus cargos, que a nomeação dos magistrados pelo
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Presidente da República poderia afetar a independência daquele Poder. Contudo,


atenta para o fato de que este modelo corporativo poderia gerar uma
oligarquização do Poder Judiciário, externando sua predileção pelo modelo
adotado pela Constituição a partir da busca do menor dos males. Vale, no entanto,
recordar que a Constituição estabelecia que caberia ao Presidente da República
nomear os magistrados federais mediante proposta do Supremo Tribunal Federal,
de modo que o Presidente da República teria mais um poder de veto do que
efetivamente de livre escolha dos membros da magistratura federal.
Assim, a atribuição ao Supremo Tribunal Federal da competência de
indicar os nomes para serem aprovados pelo Presidente da República preservava a
separação e independência entre os Poderes, ou ao menos atenuava a violação a
este princípio. CARLOS MAXIMILIANO observava ainda que “a audiência
prévia do Judiciário constitui obstáculo à nomeação de incapazes, protegidos dos
poderosos e talvez futuros instrumentos dos chefes políticos em pleno pretório”34.
Entretanto, no que tange à nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal
não havia tal garantia, nem ao menos semelhante. Com efeito, caberia ao

33
Op. Cit., p. 193.
34
MAXIMILIANO, CARLOS.“Comentários à Constituição”, 1918, p. 518.
133

Presidente da República nomear os juízes daquela Corte, cabendo ao Senado


Federal aprovar tal nomeação. A este respeito, escreveu JOÃO BARBALHO que:

“do mesmo modo que a anterior, esta atribuição, de caráter executivo, não
poderia caber senão ao presidente da República, mas também não ficou
dependente só dele. Trata-se do provimento de cargos de tão elevada hierarquia,
que cumpre faze-lo com cautelas tais que possam evitar quaisquer abusos e
facilidades na escolha. E muito mais facilmente estes poderão ocorrer sendo ela
abandonada ao presidente, sem algum contraste, sem fiscalização. Como
corretivo associou-se o senado a esta função de altíssima importância.” 35

O autor justifica tal atribuição pelas mesmas razões da anterior,


encontrando semelhanças onde deveria ressaltar as diferenças. De fato, neste caso,
não haveria qualquer participação do Poder Judiciário, e o Senado é que exerceria
o poder de veto sobre a escolha - que seria livre - a ser feita pelo Presidente da
República. Esta atribuição adquire ainda maior relevância se tomarmos em conta a
função a ser desempenhada por este órgão, a saber a guarda da Constituição.
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Por fim, cumpre destacar que o Presidente da República teria também


competência para convocar, em caráter extraordinário, o Congresso. Esta
atribuição justificava-se, segundo JOÃO BARBALHO, por ser o Presidente o
chefe supremo da administração pública, a quem é incumbido o dever de
promover o bem geral da República (art. 44). Assim, prossegue o autor:

“Se o interesse público exigir providência que não seja da alçada do presidente,
para que não periclite com a demora, não estando reunidas as câmaras
legislativas, cabe-lhe convocá-las. É uma função, como se vê, própria do poder
executivo e que não poderia ser dada a nenhuma outra autoridade senão ao
chefe da nação.”36

Tratava-se, em regra, de um ato discricionário. Nesse mesmo sentido,


anotava CARLOS MAXIMILIANO que “o direito de convocação extraordinária
é absoluto, fica ao critério exclusivo do Presidente. Não podem os Tribunais
anular atos do Congresso, por não haver motivo justificativo de reunião da
legislatura fora da época normal”. Desse modo, prosseguia o autor: “parecendo-

35
Idem. CARLOS MAXIMILIANO, a respeito desta atribuição, anotou que “a investidura dos
membros do Supremo Tribunal e dos ministros diplomáticos compete ao chefe de Estado; porém
deve ser homologada pelo Senado, corporação menos numerosa do que a Câmara dos Deputados,
apta a deliberar mais rapidamente e constituída por homens em geral mais experimentados,
cônscios da responsabilidade advinda das posições que ocuparam, não muito dependentes das
facções partidárias.”(Op. Cit., p. 518)
134

lhe não persistirem os motivos que determinaram a convocação, pode revoga-la o


Executivo. Se as câmaras teimam em reunir-se, fazem-no sem autoridade para
tanto, e tudo o que deliberarem, ficará inquinado de insanável nulidade”37.
Contudo, JOÃO BARBALHO assinalava exceções à discricionariedade do
ato de convocação extraordinária do Congresso Nacional pelo Presidente da
República. Conforme alertava o autor: “deve-se considerar obrigatória a
convocação, quando, pela sua preterição, embaraçar-se ou impedir-se o uso e
exercício de alguma função assinada pela Constituição a qualquer dos poderes
públicos”38. Este seria o caso, vg, da decretação do estado de sítio pelo Presidente
da República quando o Congresso não estivesse reunido. Neste caso, deixaria de
ser um ato discricionário, tornando-se um dever constitucional. Em suas palavras,
conclui JOÃO BARBALHO:

“Realmente, este poder foi conferido ao presidente com altos fins de utilidade
nacional, no interesse do regular andamento dos negócios públicos e exata
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prática da Constituição que ele tem obrigação de “manter e cumprir com


perfeita lealdade”. Absurdo fora pois admitir-se que fica-lhe o arbítrio de, pelo
próprio retraimento e inércia, obstar a ação legal das outras autoridades e
entravar o movimento do aparelho constitucional. Não é lícito que por falta de
um ato seu, previsto e autorizado pela Constituição, o presidente prejudique a
observância desta em parte alguma de suas determinações.”39

De fato, a Constituição definia como uma das atribuições do Presidente da


República (art. 48, n. 15) declarar por si, ou seus agentes responsáveis, o estado
de sítio em qualquer ponto do território nacional nos casos, de agressão
estrangeira, ou grave comoção intestina (art. 6º, nº 3; art. 34, nº 21 e art. 80)”.
Nota-se que o dispositivo faz menção expressa ao art. 34, n. 21, que estabelece a
competência do Congresso Nacional para “declarar em estado de sítio um ou
mais pontos do território nacional, na emergência de agressão por forças
estrangeiras ou de comoção interna, e aprovar ou suspender o sítio que houver
sido declarado pelo Poder Executivo, ou seus agentes responsáveis, na ausência
do Congresso”, de modo que uma leitura sistemática do texto constitucional
aponta para o caráter excepcional da hipótese de decretação de estado de sítio pelo
Poder Executivo. Nesse sentido, uma vez declarado o estado de sítio pelo

36
Op. Cit., p. 192.
37
Op. Cit., pp. 516-7.
38
Idem.
39
Idem.
135

Presidente da República, o que se daria, frise-se, em circunstâncias excepcionais,


teria este o dever de convocar o Congresso para que se manifestasse sobre a
medida, deixando de ser a convocação neste caso um ato discricionário.
A Constituição de 1891 estabelecia ainda que o Presidente da República
poderia ser processado perante o Senado Federal por crimes de responsabilidade.
Cumpre esclarecer que a responsabilidade de que se trata aqui decorre do regime
republicano, onde o chefe de Estado, na condição de representante do povo, torna-
se responsável perante os representados pelos atos que pratica, sendo este,
portanto, o fundamento para a perda do cargo. Entretanto, a Constituição, ao lado
da forma republicana de governo, assegurava a independência entre os Poderes.
Deste modo, as hipóteses que configurassem os crimes de responsabilidade pelo
Presidente da República e que ensejariam o processo perante o Senado Federal
deveriam ser previamente estabelecidas, a fim de evitar que a destituição do chefe
do Poder Executivo ficasse ao livre arbítrio de um dos ramos do Poder
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Legislativo, criando uma verdadeira dependência daquele em relação a este, tal


como ocorre nos regimes parlamentaristas. De fato, no parlamentarismo o Poder
Executivo decorre do Poder Legislativo e sua permanência depende da confiança
deste, diferindo-se do presidencialismo, onde o Poder Executivo é eleito – direta
ou indiretamente – pelo povo, de modo que somente este poderia destituí-lo por
perda da confiança. Entretanto, vale recordar que a Constituição de 1891 não
previa esta hipótese, embora, durante o processo de elaboração do texto
constitucional, tenha sido apresentada uma emenda pelo constituinte MUNIZ
FREIRE permitindo a destituição do cargo da Presidência da República
diretamente pelo povo, “sob o fundamento de que este mal cura os interesses da
Pátria”. O Congresso Constituinte, no entanto, rejeitou esta emenda, de modo que
somente o cometimento pelo Presidente da República de um dos atos definidos
pela Constituição como crimes de responsabilidade poderiam dar ensejo ao
processo de impeachment perante o Senado. Nesse sentido, a Constituição definiu
como crimes de responsabilidade:

“Art 54 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem


contra:
1º) a existência política da União;
2º) a Constituição e a forma do Governo federal;
3º) o livre exercício dos Poderes políticos;
4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais;
136

5º) a segurança interna do Pais;


6º) a probidade da administração;
7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos;
8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso.”

Desse modo, a prática pelo Presidente da República de atos que atentassem


contra estes dispositivos, representaria o descumprimento do compromisso formal
firmado pelo próprio Presidente ao tomar posse no cargo, nos termos do que
dispunha a Constituição, in verbis:

“Art 44 - Ao empossar-se no cargo, o Presidente pronunciará, em sessão do


Congresso, ou se este não estiver reunido, ante o Supremo Tribunal Federal esta
afirmação:
‘Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal,
promover o bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união,
a integridade e a independência’.”
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4.2.2.3 Poder Judiciário

No tocante ao Poder Judiciário, a Constituição estabelecia que a União


teria por órgãos um Supremo Tribunal Federal e tantos Juízes e Tribunais
Federais, distribuídos pelo País, quantos o Congresso criasse (art. 55). A fim de
garantir a independência do Poder Judiciário, o texto constitucional assegurava
expressamente a vitaliciedade dos juízes federais, que só perderiam seus cargos
por sentença judicial (art. 57, caput), e a irredutibilidade de seus vencimentos, os
quais seriam determinados por lei (art. 57, §1.º). Com o mesmo intuito,
estabelecia que os juízes federais seriam julgados pelo Supremo Tribunal Federal
(art. 57, §1.º). Assegurava também a autonomia do Poder Judiciário, deixando
assente que caberia aos Tribunais federais eleger de seu seio os seus Presidentes e
organizar as respectivas Secretarias (art. 58, caput), cujos empregados seriam
nomeados e só poderiam ser demitidos pelos Presidentes dos Tribunais (art. 58,
§1.º).
Segundo a Constituição (art. 60), caberia aos juízes e Tribunais Federais
processar e julgar: as causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa,
em disposição da Constituição federal; todas as causas propostas contra o
Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposições da
Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados
137

com o mesmo Governo; as causas provenientes de compensações, reivindicações,


indenização de prejuízos ou quaisquer outras propostas, pelo Governo da União
contra particulares ou vice-versa; os litígios entre um Estado e cidadãos de outro,
ou entre cidadãos de Estados diversos, diversificando as leis destes; os pleitos
entre Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros; as ações movidas por
estrangeiros e fundadas, quer em contratos com o Governo da União, quer em
convenções ou tratados da União com outras nações; as questões de direito
marítimo e navegação assim no oceano como nos rios e lagos do País; as questões
de direito criminal ou civil internacional; os crimes políticos.
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário do País,
seria composto de quinze Juízes, nomeados pelo Presidente da República e
aprovados pelo Senado, dentre os cidadãos de notável saber e reputação,
elegíveis para o Senado (art. 56). Caberia a este órgão, conforme estabelecido
pela Constituição:
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“Art 59 – (...)
I - processar e julgar originária e privativamente:
a) o Presidente da República nos crimes comuns, e os Ministros de Estado nos
casos do art. 5240;
b) os Ministros Diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade;
c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os
outros;
d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os
Estados;
e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos
Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e
Tribunais de outro Estado.

II - julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais


Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60;

III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81.

§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá


recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis
federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;

40
“Art 52 - Os Ministros de Estado não serão responsáveis perante o Congresso, ou perante os
Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República.
§ 1º - Respondem, porém, quanto aos seus atos, pelos crimes em lei.
§ 2º - Nos crimes, comuns e de responsabilidade serão processados e julgados pelo Supremo
Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente
para o julgamento deste.”
138

b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados


em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado
considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
§ 2º - Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a Justiça Federal
consultará a jurisprudência dos Tribunais locais, e vice-versa, as Justiças dos
Estados consultarão a jurisprudência dos Tribunais Federais, quando houverem
de interpretar leis da União.”

Como se pode verificar, o Supremo Tribunal Federal assumiria importante


papel na organização constitucional da República, ou mais precisamente, em
relação a três pontos fundamentais da nova ordem constitucional estabelecida, a
saber, a organização dos Poderes, o regime federativo e a supremacia da
Constituição. Com efeito, caberia a este Tribunal julgar originariamente o chefe
do Poder Executivo nos crimes comuns, bem como os Ministros de Estado – seus
auxiliares. Ainda, de acordo com o dispositivo supracitado, caberia ao STF
exercer a função de Tribunal da Federação, competente, portanto, para julgar as
causas e conflitos entre a União e os Estados, assim como entre os próprios
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Estados, a fim de garantir o regime federativo. Do mesmo modo, caberia ao STF


resolver os conflitos entre os Juízes e Tribunais não apenas que integrassem a
Justiça Federal (da União, portanto), mas também os que envolvessem os Juízes e
Tribunais dos Estados, garantindo a um só tempo a harmonia interna/unidade do
Poder Judiciário e o equilíbrio da Federação.
Contudo, a atribuição que conferia maior destaque ao Supremo Tribunal
Federal no novo regime refere-se à guarda da Constituição. De fato, o texto de
1891, sob a forte influência do direito norte-americano, trouxe à organização
constitucional do País o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos
pelo Poder Judiciário. A Carta Política do Império, fosse pela existência de um
Poder Moderador, que representava a chave da organização política, fosse pela
influência do Direito Público francês e inglês, não conheceu o controle de
constitucionalidade pelo Poder Judiciário41. A Constituição republicana de 1891
que, ao contrário, não abrigava um Poder Moderador e foi elaborada sob
inspiração do direito constitucional norte-americano, reservou ao Supremo
Tribunal Federal um papel de destaque no que se refere à guarda da Constituição,
copiando em certos pontos, como observa LÊDA BOECHAT RODRIGUES, a
Corte Suprema dos EUA e, mais especificamente, no que tange ao poder de
139

declarar a inconstitucionalidade das leis42. A revisão da constitucionalidade das


leis pelo Poder Judiciário – ou Judicial Review, como ficou conhecida naquele
país –, embora não constasse expressamente na Constituição norte-americana,
estava implícita na organização constitucional, e já havia sido mesmo defendida
por ALEXANDER HAMILTON, em um de seus artigos em defesa da
Constituição. Em suas palavras:

“O direito que têm os tribunais de declarar a nulidade de atos legislativos, por


serem contrários à Constituição, gerou alguma perplexidade, a partir da
suposição de que tal doutrina implicaria uma superioridade do poder judiciário
sobre o legislativo. Afirma-se que o poder autorizado a declarar nulos os atos de
outro deve ser necessariamente superior a este. Como esta doutrina é de grande
importância em todas as constituições estaduais americanas, uma breve
discussão de seus fundamentos não é fora de propósito.
Não há posição fundada em princípios mais claros que aquela de que todo ato de
um poder delegado que contrarie o mandato sob o qual é exercido é nulo.
Portanto, nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar
isto seria afirmar que o delegado é maior que o outorgante; que o servidor está
acima do senhor; que os representantes do povo são superiores ao próprio povo;
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que homens que atuam em virtude de poderes a eles confiados podem fazer não
só o que estes autorizam, mas o que proíbem.
Caso se diga que os membros do corpo legislativo são eles mesmos os juízes
constitucionais dos próprios poderes e que a interpretação que lhes conferem
impõe-se conclusivamente aos outros setores, pode-se responder que esta não
pode ser a presunção natural a menos que pudesse ser deduzida de cláusulas
específicas da Constituição. De outro modo, não há por que supor que a
Constituição poderia pretender capacitar os representantes do povo a substituir
a vontade de seus eleitores pela sua própria. É muito mais sensato supor que os
tribunais foram concebidos para ser um intermediário entre o povo e o
legislativo, de modo a, entre outras coisas, manter este último dentro dos limites
atribuídos a seu poder. A interpretação das leis é o domínio próprio e particular
dos tribunais. Uma Constituição é de fato uma lei fundamental, e como tal deve
ser vista pelos juízes. Cabe a eles, portanto, definir seu significado tanto quanto
o significado de qualquer ato particular procedente do corpo legislativo. Caso
ocorra uma divergência irreconciliável entre ambos, aquele que tem maior
obrigatoriedade e validade deve, evidentemente, ser preferido. Em outras
palavras, a Constituição deve ser preferida ao estatuto, a intenção do povo à
intenção de seus agentes.
Esta conclusão não supõe de modo algum uma superioridade do poder judiciário
sobre o legislativo. Supõe apenas que o poder do povo é superior a ambos, e que,
quando a vontade do legislativo, expressa em suas leis, entra em oposição com a
do povo, expressa na Constituição, os juízes devem ser governados por esta
última e não pelas primeiras. Devem regular suas decisões pelas leis
fundamentais, não pelas que não são fundamentais.”43

41
CLÈVE, CLÈMERSON MERLIN, "A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito
Brasileiro", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pp. 63-4.
42
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, “História do Supremo Tribunal Federal”, Tomo I – 1891-
1898 – Defesa das Liberdades Civis, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, S.A., 1965, p.
1.
43
Op. Cit., pp. 480-1.
140

Assim, na esteira desta doutrina, a Constituição de 1891 conferiu ao Poder


Judiciário do País competência para declarar a inconstitucionalidade das leis, com
especial atenção ao Supremo Tribunal Federal, que daria a última palavra. Esta
atribuição, antes mesmo de promulgada a Constituição, já se encontrava na
exposição de motivos do Dec. 848, de 11 de outubro de 1890, destinado a
organizar o Supremo Tribunal Federal, assinado por CAMPOS SALES, então
Ministro da justiça:

“A magistratura, que agora se instala no país graças ao regime republicano, não


é um instrumento cego, ou mero intérprete, na execução dos atos do Poder
Legislativo. Antes de aplicar a lei, cabe-lhe o direito de exame, podendo dar-lhe
ou recusar-lhe sanção, se ela lhe parecer conforme, ou contrária à lei orgânica...
Aí está posta a profunda diversidade de índole, que existe entre o Poder
Judiciário, ta como se achava instituído no regime decaído, e aquele que agora
se inaugura, calcado sobre os moldes democráticos do sistema federal. De poder
subordinado, qual era, transforma-se em poder soberano, apto, na elevada esfera
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de sua atividade, para interpor a benéfica influência do seu critério decisivo, a


fim de manter o equilíbrio, a regularidade e a própria independência dos outros
poderes, assegurando, ao mesmo tempo, o livre exercício dos direitos do
cidadão... Ao influxo da sua real soberania se desfazem os erros legislativos, e
são entregues à severidade da lei os crimes dos depositários do Poder
Executivo.”

A Constituição, portanto, destinava ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao


Supremo Tribunal Federal um papel de destaque na organização constitucional do
País, como o órgão que deveria garantir a sua efetividade.
Quanto ao Poder Judiciário dos Estados a Constituição nada estabelecia
expressamente. De fato, limitava-se a estabelecer que os Estados deveriam
observar em suas constituições os princípios constitucionais da União (art. 63), o
que, no caso, incluiria a separação tripartite dos poderes (Legislativo, Executivo e
Judiciário) e as garantias da magistratura do Poder Judiciário Federal.

4.3. Dos Estados

A Constituição tratava especificamente dos Estados nos arts. 63 a 67. A


atenção dedicada à organização dos Estados, entretanto, era maior e mais
complexa do que esta pouca quantidade de artigos sugere. É que o artigo 63
141

estabelecia que os Estados reger-se-iam pela Constituição e pelas leis que


adotassem, "respeitados os princípios constitucionais da União.” Desse modo, a
autonomia concedida aos Estados seria limitada não apenas pelo disposto nos
referidos artigos, como também pelos demais dispositivos que traçavam os
princípios constitucionais da União. Nesse sentido, embora a Constituição
estabelecesse que seria facultado aos Estados, em geral, todo e qualquer poder ou
direito, que lhes não fosse negado por cláusula expressa ou implicitamente contida
nas cláusulas expressas da Constituição (art. 65, “b”), cumpre recordar o extenso
rol de princípios enumerados pela Constituição à União, que deveriam, portanto,
ser observados pelos Estados.

Outrossim, a Constituição também estabelecia expressamente vedações


aos Estados, in verbis:
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“Art 66 - É defeso aos Estados:


1º) recusar fé aos documentos públicos de natureza legislativa, administrativa ou
judiciária da União, ou de qualquer dos Estados;
2º) rejeitar a moeda, ou emissão bancária em circulação por ato do Governo
federal;
3º) fazer ou declarar guerra entre si e usar de represálias;
4º) denegar a extradição de criminosos, reclamados pelas Justiças de outros
Estados, ou Distrito Federal, segundo as leis da União por que esta matéria se
reger (art. 34, nº 32).”

4.4. Dos Municípios

Em relação aos Municípios, a Constituição dedicava-lhes um único


dispositivo, que assegurava que:

"Art 68 - Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a


autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse."

Representava, portanto, a um só tempo, uma garantia conferida aos


municípios, quanto à sua autonomia, e uma imposição atribuída aos Estados, que
deveriam respeitá-la.
142

O Projeto do Governo Provisório era apenas um pouco mais extenso,


determinando que:

“Art. 67 – Os Estados organizar-se-ão por leis suas, sob o regime municipal,


com estas bases:
1.º) Autonomia do município, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.
2.º) Eletividade da administração local.
Parágrafo único. Uma lei do Congresso organizará o município do Distrito
Federal.

Art. 68 – Nas eleições municipais serão eleitos e elegíveis os estrangeiros


residentes, segundo as condições que a lei de cada Estado prescrever.”

Estabelecia, como se pode verificar, rigorosamente, somente quatro


diretrizes a serem seguidas e respeitadas pelos Estados, a saber: que deveriam se
organizar sob o regime municipal; que deveriam assegurar a autonomia dos
municípios na fórmula bastante vaga “tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse”; que os cargos da administração local devem ser preenchidos mediante
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eleição; e que poderiam ser eleitos e elegíveis, nas eleições municipais, os


estrangeiros residentes, cujas condições seriam ainda estabelecidas pelos próprios
Estados, por leis próprias.
Os referidos dispositivos, no entanto, não resistiram à atuação dos
constituintes federalistas, que digladiavam pela mais ampla autonomia a ser
conferida aos Estados, inclusive no que tange à concessão (ou não) de autonomia
aos municípios, bem como ao modo como esta se apresentaria. Assim, o
Congresso Constituinte, logo na 1.ª discussão, aprovou uma emenda substitutiva,
retirando do texto constitucional estas diretrizes, o que deixaria ao sabor dos
interesses dos Estados observa-las ou não em suas Constituições. Entretanto, no
que tange à obrigação de se observar a eletividade da administração municipal, a
supressão deste dispositivo parece ter sido indiferente, já que decorria do regime
republicano adotado pela Constituição, que, por mais ampla que fosse a
autonomia dos Estados, não poderiam deixar de observar.

4.5. Dos Cidadãos Brasileiros

4.5.1 Das Qualidades do Cidadão Brasileiro


143

A Constituição estabelecia que seriam considerados cidadãos brasileiros


(art. 69) aqueles que tivessem nascido no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não
residindo este a serviço de sua nação (n. 1); os filhos de pai brasileiro e os
ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem
domicílio na República (n. 2); os filhos de pai brasileiro, que estivesse em outro
país ao serviço da República, embora nela não viessem domiciliar-se (n. 3); os
estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não
declarassem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o
ânimo de conservar a nacionalidade de origem (n. 4); os estrangeiros que
possuíssem bens imóveis no Brasil e fossem casados com brasileiros ou tivessem
filhos brasileiros, contanto que residissem no Brasil, salvo se manifestassem a
intenção de não mudar de nacionalidade (n. 5); os estrangeiros por outro modo
naturalizados (n. 6).
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Quanto ao exercício dos direitos políticos, este era restrito aos cidadãos
maiores de 21 anos alistados na forma da lei. Contudo, a própria Constituição já
estabelecia algumas vedações/alguns impedimentos, a saber:

"Art 70 - (...)
§ 1º - Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos
Estados:
1º) os mendigos;
2º) os analfabetos;
3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino
superior;
4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou
comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou
estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual.
§ 2º - São inelegíveis os cidadãos não alistáveis."

Interessante observar que a Constituição assegurava que os direitos de


cidadão brasileiro somente poderiam ser suspensos ou mesmo perdidos nos casos
taxativamente estabelecidos no texto constitucional, não cabendo, portanto, à
legislação ordinária ampliá-los, in verbis:

"Art 71 - Os direitos de cidadão brasileiro só se suspendem ou perdem nos casos


aqui particularizados.
§ 1º - Suspendem-se:
a) por incapacidade física ou moral;
b) por condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos.
144

§ 2º - Perdem-se:
a) por naturalização em pais estrangeiro;
b) por aceitação de emprego ou pensão de Governo estrangeiro, sem licença do
Poder Executivo federal.
§ 3º - Uma lei federal determinará as condições de reaquisição dos direitos de
cidadão brasileiro."

5.2 Declaração de Direitos

A Constituição de 1891, que, como avaliou WANDERLEY GUILHERME


DOS SANTOS, “era completamente liberal, tanto em espírito quanto em
conteúdo explícito”, adotou um elenco de direitos individuais, seguindo a cartilha
do liberalismo político. Impende assinalar que tanto a declaração de direitos
individuais como o próprio liberalismo de que decorre não se apresentavam como
uma novidade na história constitucional brasileira, já que a Constituição de 1824,
seguindo este modelo, os assegurava em seu art. 179. No entanto, o liberalismo
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em vigor durante o Império revelou-se bastante peculiar, não tendo se


desenvolvido ou mesmo implantado plenamente. De fato, seja pela convivência
com um Poder Monárquico bastante centralizador – que não chegava a ser tirânico
–, seja pela manutenção da escravidão – estranha à doutrina liberal –, os autores
costumam caracterizar o regime político vigente durante o período como híbrido e
a ideologia predominante como eclética; de qualquer modo, reconhecem que o
liberalismo compreendido como tal não estava presente na Carta Política do
Império e nem vingou durante a sua vigência. Deste modo, a novidade presente na
Constituição de 1891 decorre mais do princípio republicano e, sobretudo, do
contexto histórico, do que da afirmação dos direitos individuais em si.
Com efeito, a Constituição, como decorrência da forma republicana,
abrigou novos direitos, que definem com maior exatidão a igualdade dos cidadãos,
assim como a separação entre Estado e Igreja e a conseqüente afirmação do
Estado laico em matéria religiosa. Em textual:

“Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no


País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 2º - Todos são iguais perante a lei.
145

A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza


e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e
regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
§ 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e
livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observadas as disposições do direito comum.
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade
municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos
ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as
leis.
§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de
dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
(...)
§ 23 - À exceção das causas que, por sua natureza, pertencem a Juízos especiais,
não haverá foro privilegiado.
(...)
§ 28 - Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro
poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do
cumprimento de qualquer dever cívico.
§ 29 - Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de se isentarem de
qualquer ônus que as leis da República imponham aos cidadãos, e os que
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aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os


direitos políticos. (...)”

Como se pode verificar, a Constituição complementava a afirmação da


igualdade perante a lei, acrescentando a inadmissibilidade de privilégios de
nascimento, foros de nobreza, títulos nobiliárquicos e de conselho, além de ordens
honoríficas e todas as suas prerrogativas e regalias. Fazia, assim, sua profissão de
fé na República, admitindo expressamente as conseqüências advindas da adoção
do novo regime e impedindo que fosse feita uma interpretação do princípio da
igualdade que convivesse com qualquer espécie de segregação com base em
discriminações odiosas. Também a afirmação do Estado laico em matéria
religiosa, decorrente do regime republicano, fortalecia o princípio da igualdade
entre os cidadãos, que não sofreriam qualquer tipo de discriminação pela opção
religiosa.
Além dos direitos individuais que reafirmam o princípio republicano, a
Constituição abrigava ainda as liberdades características do constitucionalismo
liberal, tais como a liberdade de pensamento (art. 72, §12), de reunião e
associação (art. 72, §8), de locomoção (art. 72, §10) e de profissão (art. 72, §24), e
os direitos à propriedade (art. 72, §§17, 25, 26 e 27), à intimidade (art. 72, §§11 e
18) e ao devido processo legal (art. 72, §13, 14, 15, 16, 19, 20 e 21), além do
146

princípio da legalidade (§1.º e §30 – legalidade tributária), característica do


Estado de Direito.
Ainda com base no princípio da igualdade decorrente da forma republicana
de governo, a Constituição estabelecia os cargos públicos, tanto civis como
militares, seriam acessíveis a todos os brasileiros, devendo, contudo, ser
observadas as condições de capacidade especial que a lei determinasse, vedando
expressamente as acumulações remuneradas (art. 73).
A Constituição assegurava ainda que as patentes, os postos e os cargos
inamovíveis seriam garantidos em toda a sua plenitude (art. 74). Interessante
observar que, de acordo com o projeto de Constituição apresentado pelo Governo
Provisório, este dispositivo inicialmente não contemplava os cargos inamovíveis e
destinava-se à organização militar, estabelecendo que “Os oficiais do exército e
da armada só perderão as suas patentes por sentença passada em julgado, a que
se ligue esse efeito” (art. 74). O Congresso Constituinte, no entanto, acrescentou a
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este dispositivo os cargos inamovíveis, o que, embora não estivesse expresso,


permitia abrigar nesta proteção constitucional os membros da magistratura, tanto
federal como estadual, por força do que determina o art. 63. Cumpre observar que,
segundo CARLOS MAXIMILIANO, o art. 74, ao tratar dos cargos inamovíveis,
referia-se somente aos membros do Poder Judiciário. Em suas palavras:

“O art. 74 do estatuto republicano garante os direitos dos funcionários


vitalícios, militares ou civis. Patente é o título comprobatório de um posto no
Exército, Armada, Guarda Nacional, Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros,
concedido por decreto executivo federal. Quando passam à inatividade, os
militares recebem outra, como documento indicador da sua qualidade de
reformados.
Inamovíveis, propriamente ditos, são apenas os magistrados. Entretanto
emprega-se também o termo como sinônimo de vitalícios, o que tem oferecido
ensejo a deploráveis confusões onerosas para o Tesouro e prejudiciais ao serviço
público.
Garantem-se os empregos e postos em toda a sua plenitude, isto é, o exercício, a
percepção dos vencimentos, as promoções e quaisquer outras regalias e
vantagens estabelecidas em lei, enquanto não revogada esta.”44

Ainda no rol da declaração de direitos, a Constituição determinava que a


aposentadoria só poderia ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez
no serviço da Nação (art. 75). CARLOS MAXIMILIANO, a este respeito, anotou

44
Op. Cit., pp. 768-9.
147

que “a aposentadoria é um instituto de providência social criado para evitar que


a miséria surpreenda os velhos servidores do Estado, quando impossibilitados de
trabalhar. (...) Dá-se a aposentadoria só em caso de invalidez, oficialmente
verificada; admite-se apenas a possibilidade de se achar o indivíduo incapaz de
exercer um cargo e apto para outro, em que o serviço é diferente do primeiro”.45
JOÃO BARBALHO, após observar que o dispositivo tratava de matéria
“incontestavelmente estranha à Declaração de Direitos”, teceu os seguintes
comentários:

“A disposição funda-se num princípio de equidade, amparando aos que no


serviço público se tem inutilizado. Seria ingratidão da nação o abandono de seus
servidores em tais condições. E é por isso que em todos os povos cultos o
governo vai pela aposentadoria em auxílio dos funcionários que lhe deram o
melhor de seu tempo, de sua atividade e sacrificaram-lhe sua saúde, no momento
em que eles se hão tornado imprestáveis para a continuação no serviço, fora
dele, ganhar por outro modo a vida”.46
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Finalmente, a Constituição estabelecia:

“Art. 78 - A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição


não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma
de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.”

Vale mais uma vez trazer à colação os comentários de JOÃO


BARBALHO, que observou que:

“Esta disposição é similar da que se contém na Emenda IX das adicionais à


constituição dos Estados Unidos Norte-Americanos, e foi aí estabelecida, dizem
os comentadores, como cautela contra a má aplicação da máxima demasiado
repetida, que uma afirmação em casos particulares importa uma negação em
todos os mais e vice-versa.
Tendo a Constituição mencionado tais e quais direitos e garantias como
pertencentes aos indivíduos, aos cidadãos, ao povo, poder-se-ia concluir que
outros direitos e garantias não lhe são reconhecidos, visto não se acharem
expressos no texto constitucional (Inclusio unius exclusio alterius). Para afastar
essa falsa conclusão, a Constituição declara que a enumeração nela feita quanto
a direitos e garantias não deve ser tida como supressiva de outros não
mencionados, os quais ficam subsistentes, uma vez que sejam decorrentes da
forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consagra.”47

45
Op. Cit., p. 769.
46
Op. Cit., p. 342.
47
Op. Cit.¸p. 344.
148

4.6. Disposições Gerais

A Constituição continha um elenco de disposições gerais, onde


estabelecia, dentre outros, que o cidadão investido em funções de qualquer dos
três Poderes federais não poderia exercer as de outro, reforçando o princípio da
separação dos Poderes (art. 79).
Regulamentava também a decretação do estado de sítio, estabelecendo
que:

“Art 80 - Poder-se-á declarar em estado de sítio qualquer parte do território da


União, suspendendo-se aí as garantias constitucionais por tempo determinado
quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão estrangeira, ou
comoção intestina (art. 34, nº 21).
§ 1º - Não se achando reunido o Congresso e correndo a Pátria iminente perigo,
exercerá essa atribuição o Poder Executivo federal (art. 48, nº 15).
§ 2º - Este, porém, durante o estado de sítio, restringir-se-á às medidas de
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repressão contra as pessoas a impor:


1º) a detenção em lugar não destinado aos réus de crimes comuns;
2º) o desterro para outros sítios do território nacional.
§ 3º - Logo que se reunir o Congresso, o Presidente da República lhe relatará,
motivando-as, as medidas de exceção que houverem sido tomadas.
§ 4º - As autoridades que tenham ordenado tais medidas são responsáveis pelos
abusos cometidos.”

A Constituição de 1891, embora nitidamente liberal e, desse modo,


protetora dos direitos individuais, estabelecia que, em casos de agressão por forças
estrangeiras ou comoção interna, hipóteses onde se colocaria em risco a defesa do
próprio Estado, poderia ser adotada a medida do estado de sítio, que, nos termos
do art. 80 do texto constitucional, implicaria a suspensão das garantias
constitucionais. Esta medida, destinada à preservação do Estado, não é estranha ao
Estado liberal, que antes de ser liberal há de ser um Estado. Deve, no entanto, ser
uma medida excepcional, tomada exclusivamente para a defesa e auto-
preservação do Estado, cabendo à Constituição, ao regular o seu exercício,
assegurar tais condições.
Nesse sentido, a Constituição estabelecia que competia privativamente ao
Congresso Nacional declarar em estado de sítio um ou mais pontos do território
nacional, na emergência de agressão por forças estrangeiras ou de comoção
interna, bem como aprovar ou suspender o sítio que houver sido declarado pelo
149

Poder Executivo, ou seus agentes responsáveis, na ausência do Congresso (art. 34,


n. 21). Com efeito, de acordo com o art. 48, n. 15, figurava como competência
privativa do Presidente da República declarar, por si ou seus agentes responsáveis,
o estado de sítio em qualquer ponto do território nacional nos casos de agressão
estrangeira ou grave comoção intestina. Assegurava, portanto, a excepcionalidade
do exercício desta atribuição pelo Presidente da República, que, como deixava
assente o art. 80, §1.º, só poderia ocorrer na hipótese de ausência do Congresso
Nacional. Ademais, a Constituição enumerava os casos em que poderia ocorrer a
decretação do estado de sítio, o que corrobora o caráter excepcional da medida.
Entretanto, no que tange aos efeitos da declaração do estado de sítio, limitava-se a
Constituição a determinar a suspensão das garantias constitucionais por tempo
determinado (art. 80), sem maiores especificações, deixando a dúvida quanto à
abrangência das garantias constitucionais suspensas.
A Constituição também determinava que os funcionários públicos seriam
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responsáveis pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício de seus


cargos, repetindo dispositivo da Carta imperial, que, no entanto, o incluía entre os
direitos individuais. Assim, embora estivesse previsto no Título referente às
disposições gerais, entendia JOÃO BARBALHO que deveria ser compreendido
como uma garantia dos direitos civis e políticos dos cidadãos:

“No exercício de suas funções, os funcionários entendem sobre objeto referente


ao direito dos cidadãos, a interesses legítimos dos particulares, e sem a
responsabilidade tudo isso ficaria a arbítrio dos empregados e sujeito a lesões
irremediáveis. Por isto a disposição constitucional de que nos ocupamos.
Conquanto não mencionada (como era na Constituição imperial, art. 179, §29)
entre as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos, é efetivamente uma
delas.”

Interessante observar que a Constituição positivou o princípio da


continuidade da ordem jurídica, assegurando que:

“Art 83 - Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis do antigo


regime no que explícita ou implicitamente não forem contrárias ao sistema
do Governo firmado pela Constituição e aos princípios nela
consagrados.”

RUI BARBOSA, no entanto, observa que o texto constitucional prescindia


deste dispositivo. Em suas palavras: “Não se havia mister de que a Constituição
150

formalmente o declarasse, para se ver ou saber que não repudiava as leis e


instituições anteriores, com ela compatíveis, ou dela complementares. Em todas
as constituições, está subentendida essa disposição”48.
A Constituição assegurava, em suas disposições gerais, que todo o
brasileiro seria obrigado ao serviço militar, em defesa da Pátria e da Constituição
(art. 86). Esta obrigação, no entanto, dar-se-ia na forma da lei, estando assegurado
que, de qualquer modo, estava abolido o recrutamento militar forçado (art. 87,
§3.º) e que o Exército e a Armada compor-se-iam pelo voluntariado, sem prêmio e
na falta deste, pelo sorteio, previamente organizado (art. 87, §4.º).
A Constituição instituiu um Tribunal de Contas destinado a liquidar as
contas da receita e despesa e verificar-lhes a legalidade, antes de serem prestadas
ao Congresso (art. 89). Este Tribunal seria composto por membros nomeados pelo
Presidente da República, sujeita esta nomeação à aprovação do Senado, e somente
perderiam os seus cargos por sentença.
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Por fim, a Constituição regulava nas disposições gerais o processo de


reforma constitucional, nos seguintes termos:

“Art 90 - A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso


Nacional ou das Assembléias dos Estados.
§ 1º - Considerar-se-á proposta a reforma, quando, sendo apresentada por uma
quarta parte, pelo menos, dos membros de qualquer das Câmaras do Congresso
Nacional, for aceita em três discussões, por dois terços dos votos em uma e em
outra Câmara, ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decurso
de um ano, representado cada Estado pela maioria de votos de sua Assembléia.
§ 2º - Essa proposta dar-se-á por aprovada, se no ano seguinte o for, mediante
três discussões, por maioria de dois terços dos votos nas duas Câmaras do
Congresso.
§ 3º - A proposta aprovada publicar-se-á com as assinaturas dos Presidentes e
Secretários das duas Câmaras, incorporar-se-á à Constituição, como parte
integrante dela.
§ 4º - Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso,
projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da
representação dos Estados no Senado.”

Como se pode verificar, a Constituição de 1891 era dotada de rigidez, ou


seja, adotava um processo de modificação do seu conteúdo mais complexo do que
o processo para aprovação de leis ordinárias – em substituição à semi-rigidez que
caracterizava a Carta Política do Império – abrigando ainda um núcleo

48
BARBOSA, RUI. “Comentários à Constituição Brasiliera”(coligidos e ordenados por
HOMERO PIRES), v. 6, São Paulo: Saraiva, 1934, p. 406.
151

imodificável (cláusulas pétreas) referente à forma republicana e federativa e à


igualdade de representação dos Estados no Senado49. Nesse sentido, PAULO
BONAVIDES e PAES DE ANDRADE, comparando a rigidez da Constituição de
1891 com a semi-rigidez da Carta imperial, observaram que:

“Com a Carta republicana, houve comparativamente uma certa atenuação


temporal de rigidez par efeito de concretização de uma determinada reforma da
Constituição, mas em contrapartida a rigidez se dilatou a todas as disposições
constitucionais, caindo portanto a separação entre a parte rígida e a parte
flexível da Constituição, singularmente característica do processo reformista do
texto imperial, ao mesmo passo que se introduzia também um elemento novo de
participação derivada da vontade dos entes da federação qualificados para a
iniciativa do ato constituinte de reforma.
O poder de reforma constitucional estabelecido esbarrava contudo numa
interdição perpétua à extinção da forma republicana de governo, uma rigidez
intransponível desconhecida à Carta Imperial e aqui introduzida por um
provável influxo do constitucionalismo francês no berço da primeira República,
donde provavelmente procedia o dispositivo, ali formulado com o intuito de
conjurar o temor de uma recaída no regime monárquico; apreensões estas que
excitavam o ânimo dos autores das leis constitucionais francesas instituidoras do
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sistema republicano.”50

Em seus Comentários à Constituição Brasileira, CARLOS


MAXIMILIANO, ao abordar o processo de reforma constitucional, anotou que “o
estatuto brasileiro, conquanto não pertença ao número daqueles que, apelando
para uma Convenção Nacional, resguardam melhor dos abusos e usurpações do
Legislativo as franquias individuais, todavia dificulta as revisões totais ou

49
A este respeito, comentou JOÃO BARBALHO: “Não vinha esta proibição nos projetos
anteriores ao do governo provisório e tem incorrido em crítica, quer como incompatível com a
natureza dos atos orgânicos constitucionais, os quais por mais estabilidade que devam ter, não
podem aspirar à imutabilidade, quer além disso como uma restrição posta à soberania
nacional.(...)
Que as duas restrições deste §4.º limitem e mutilem a própria soberania da nação, não é
rigorosamente exato; apenas dizem respeito ao exercício dela e não são as únicas limitações
dessa natureza em nossa Constituição. Já uma Constituição é por si mesma limitativa desse
exercício. Por ela a nação fixa balizas aos poderes que estabelece para o governo, e nisto
restringe sua ação soberana quanto ao modo de ser governada.
E o que são as incompatibilidades eleitorais, senão restrições também da faculdade soberana que
tem a nação de escolher seus representantes? Não o é também a exigência de requisitos especiais,
imposta à eleição para certos cargos? Pois não deveria ficar inteiramente livre à nação a escolha
de seus agentes! E não é certo que até os direitos individuais, anteriores e superiores às
Constituições, sofrem em seu exercício limitações que elas lhes impõem? Exemplos, - a
expropriação forçada, a proibição de reuniões armadas, a prisão preventiva, a suspensão de
garantias constitucionais.
A Constituição da União Norte-Americana proibiu, no seu art. V, que se emendassem por
qualquer forma as cláusulas 1.ª e 4.ª da seção 9.ª do art. 1, até o ano de 1808, e que nenhum dos
Estados fosse, sem seu consentimento, privado da igualdade de representação no senado.”(Op.
Cit., pp. 368-9)
50
Op. Cit., pp. 232-3.
152

parciais e deixa patente a diferença, quanto à estabilidade, entre a lei ordinária e


a constitucional”51. Em exame mais aproximado do grau de dificuldade
estabelecido pela Constituição ao processo de reforma de seu conteúdo, escreveu
JOÃO BARBALHO:

“Dominados deste cauteloso e circunspeto intuito, os constituintes


estabeleceram, para a reforma ou revisão constitucional, processo adequado a
um exame demorado da matéria, sem entretanto trazer delongas excessivas e
comprometedoras da oportunidade e do bom êxito desse importantíssimo
trabalho. Para isto:
1.º dividiram-no em duas fases – e o da proposta e o da resolução;
2.º para a primeira estabeleceram a condição de se apresentada ou pela quarta
parte pelo menos dos membros de qualquer das câmaras do congresso, ou por
dois terços dos Estados;
3.º adiaram a resolução párea o ano seguinte ao da proposta;
4.º exigiram que não se prescindisse das três discussões, de uma e de outra delas,
e
5.º impuseram a ambas a condição de aprovação por dois terços de votos em
cada uma das casas do parlamento.”52
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Entretanto, cabe observar que os dois comentaristas citados divergiam em


relação a um ponto fundamental do processo de reforma constitucional, qual seja,
o quorum de aprovação. De fato, a Constituição estabelecia que a proposta de
emenda constitucional seria considerada aprovada se obtivesse a maioria
qualificada de dois terços dos votos das duas câmaras do Congresso (art. 90, §2.º),
deixando em aberto se se tratava de dois terços dos presentes à sessão ou se dois
terços dos membros das aludidas câmaras, valendo aqui então transcrever a
opinião de ambos os comentaristas acerca da questão. Nesse sentido, segundo
defendia CARLOS MAXIMILIANO:

“Para a assinatura da proposta o texto exige a quarta parte dos membros de


uma câmara; para a votação, em um outro ano, reclama dois terços dos votos.
Logo, no último caso, refere-se o art. 90 a dois terços dos presentes, havendo
número suficiente para deliberar (a metade e mais um), e não a dois terços dos
membros. Vigora disposição semelhante nos Estados Unidos, até menos explícita
ainda; e ali se entende ser suficiente o voto de dois terços dos presentes, e, não,
de toda a câmara.”53

51
Op. Cit., pp. 806-7.
52
Op. Cit., p. 364.
53
Op. Cit., p. 808.
153

Em nota de pé de página, o autor recorda que “a primeira emenda à


Constituição Norte-Americana foi aprovada por 37 votos na Câmara composta de
65 membros, isto é, por menos de dois terços do total”. Em sentido oposto, assim
manifestou-se JOÃO BARBALHO:

“A EXIGÊNCIA DE DOIS TERÇOS DE VOTOS PARA A ACEITAÇÃO DA


PROPOSTA DE REFORMA E PARA A APROVAÇÃO DESTA, SERÁ A DE
VOTOS DOS MEMBROS PRESENTES, OU DOS DA TOTALIDADE DELES?
Considerando atentamente os termos do art. 90 e comparando-os com os de
outras disposições referentes à votação por dois terços, vê-se que há diferença
quanto aos daquele.
O art. 33 §2 exige para a condenação do presidente da República pelo senado
dois terços de votos dos membros presentes. Para a adoção de leis vetadas, o art.
37 §3 exige dois terços dos sufrágios presentes. Para a aprovação, por uma
câmara, das emendas repelidas pela outra, o art. 39 §1 também impõe a
condição de dois terços dos membros presentes.
Entretanto o art. 90, depois de referir-se à quarta parte pelo menos (que
considera indispensável para apresentação da proposta) dos membros de
qualquer das câmaras do congresso nacional, estatui a aprovação da proposta
por dois terços dos votos numa e noutra câmara e tratando da aprovação da
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reforma, diz: por maioria de dois terços dos votos nas duas câmaras do congresso.
O art. 90, assim, nem consagra em seus termos a limitação constante dos outros
artigos citados, não se referindo como eles a votos dos membros presentes, nem
se exprime de modo que induza a supor-se, por argumento, que quisesse
estabelecer tal limitação. Teria usado dos mesmos termos, se houvesse querido a
mesma coisa. Não o fez, e tornou-se mais exigente, querendo dois terços da
totalidade dos membros de cada casa do parlamento, por consideração da
excepcional gravidade e importância da reforma constitucional, que submeteu a
condições e processo mais rigorosos que os prescritos para as leis ordinárias.
Nem é para ter-se por excessiva tão grande cautela. Os constituintes, zelando
como deviam sua obra, quiseram que não ficasse exposta a reformas
precipitadas, inconsideradas, eivadas de vírus partidário, realizadas sob a
inspiração das paixões do momento. Certo, a Constituição não poder-se-ia
considerar intangível, imutável e por mais conservador que haja sido o espírito
que a ditou nesta parte, não lhe teria escapado que para conservar é preciso
aperfeiçoar. Mas tal é a natureza, tão grandiosos os propósitos da lei
fundamental, que deve ela ser considerada com um respeito religioso, e o perigo
de alterar uma constituição para torná-la melhor (no dizer de autorizado
publicista) é quase sempre mais considerável que o de sofrê-la tal qual ela é. (J.
P. Pagés)”54

Desse modo, segundo defendia CARLOS MAXIMILIANO, apoiado no


exame da Constituição norte-americana, sob a qual se inspirou a Constituição de
1891, o quorum necessário à aprovação da proposta de emenda a Constituição
deveria ser de dois terços dos membros presentes à sessão, desde que estivessem
presentes em maioria absoluta. JOÃO BARBALHO, ao contrário, entendia, não a

54
Op. Cit., p. 365.
154

partir da Constituição dos EUA, mas justamente a partir de uma leitura sistemática
do próprio texto constitucional brasileiro, que o quorum exigido pela Constituição
era o de dois terços dos membros das câmaras, o que tornava ainda mais
dificultoso o processo de alteração do texto constitucional. Convém observar que
ambas as interpretações foram expostas pelos autores muito antes da reforma
constitucional de 1926; isentas, portanto, de qualquer casuísmo.

4.7. Conclusão

O advento de uma nova Constituição representa sempre um rompimento


com uma ordem política e jurídica estabelecida, que deverá, a partir de então,
adequar-se ao seu conteúdo. Nesse sentido, a Constituição de 1891, fruto de um
golpe militar, trouxe à organização constitucional do País a forma federativa de
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Estado, concedendo ampla autonomia aos Estados; a forma republicana de


governo, tornando os governantes meros representantes e, portanto, responsáveis,
com mandato temporário e eletivo, segundo os princípios da democracia liberal de
alternância do poder e sucessão legítima; além de assegurar a separação dos
Poderes e garantir os direitos individuais, imposição do constitucionalismo liberal
burguês, nos termos do art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão. Mudanças, portanto, não apenas bastante significativas – tanto
quantitativa como, sobretudo, qualitativamente –, às quais a realidade política e
social do País deveria agora se curvar, como também nitidamente
desproporcionais ao evento que lhes dera causa, embora deva-se recordar que a
Constituição, ao menos em seu processo de elaboração, não fugiu dos princípios
democráticos, que asseguram sua legitimidade. Desse modo, pode-se afirmar que
a Constituição de 1891 assumiu um compromisso maior do que o evento que lhe
deu causa, mas não necessariamente maior do que a implantação da democracia
demandava. Nesse quadro, resta verificar como o legislador constituinte pretendeu
implementar o projeto político trazido pela Constituição de 1891, assegurando o
respeito e a obediência aos seus ditames e garantindo, assim, a sua efetividade.
155

5
A Constituição de 1891 e o Controle de
Constitucionalidade

5.1 . O STF e a Guarda da Constituição

O desencontro entre o projeto político da Constituição de 1891 ou, mais


precisamente, a dimensão das mudanças trazidas pela Carta republicana, e os
eventos que lhe deram causa, já apontava para a necessidade de se tornar seguro o
seu cumprimento e a sua efetividade, e o tamanho desta contradição engrandecia
sobremaneira a responsabilidade desta atribuição. Nestas condições, o respeito
espontâneo à Constituição não deveria ser esperado, devendo antes ser garantido.
A Carta Política do Império, sob influência do Direito público francês e
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inglês, deixava a guarda da Constituição ao Poder Legislativo, composto por


representantes da nação, embora a presença de um quarto Poder, exercido pelo
Imperador e incumbido de velar sobre a manutenção da independência, equilíbrio
e harmonia dos outros três, e que, acima de tudo, poderia dissolver o Poder
Legislativo, anulasse, no plano prático, tal atribuição. Assim, conforme
determinava a Constituição de 1824:

“Art. 15 – É da Atribuição da Assembléia Geral:


8.º) Fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las.
9.º) Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação.”

A Constituição de 1891 manteve a atribuição conferida ao Poder


Legislativo de velar na guarda da Constituição, retirando-lhe, contudo, o caráter
de exclusividade:

“Art. 35 – Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:


§1º - Velar na guarda da Constituição e das leis, e providenciar sobre as
necessidades de caráter federal.”

De fato, inspirada no modelo norte-americano, a Constituição abrigou a


doutrina do judicial review, atribuindo ao Poder Judiciário a competência para
156

deixar de aplicar as leis e atos normativos que estivessem em confronto com o


texto constitucional e que, deste modo, careceriam de validade. Nesse sentido,
dispunha a Constituição:

§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá


recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis
federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados
em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do
Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

Embora o disposto na alínea “a” não assegurasse expressamente que a


validade das leis e tratados federais fosse contestada em face da Constituição, era
esta a interpretação dada pela doutrina ao dispositivo constitucional. Nesse
sentido, conforme assinalou JOÃO BARBALHO:
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“Por validade há de entender-se:


1.º a legitimidade constitucional do ato, sua conformidade com a Constituição,
com os princípios nela consagrados.
Uma lei pode ser inconstitucional, quer porque verse sobre objeto a respeito do
qual o congresso não possa legislar, por não se compreender na sua competência
(que é limitada aos assuntos enumerados na Constituição, ou deles decorrentes
por necessária inferência, ou neles incluídos por óbvia compreensão) – quer por
ser, em suas determinações, contrária a disposições constitucionais. Em tais
condições um ato legislativo não tem validade. Suscitando-se sobre ele questão
em juízo e em forma processual adequada, da decisão em última instância nas
justiças estaduais, é cabido o recurso para o supremo tribunal federal (que
soberanamente decide) no caso da sentença ter sido contra a validade da lei, - e
não no caso contrário, porquanto presumindo-se válida a lei, não há que
reformar decisão conforme a legislação federal e que não prejudica as
prerrogativas e interesses da União.
2.º a conformidade do processo parlamentar ou formação da lei com os
respectivos preceitos da Constituição.
A lei ao ser elaborada deve passar pelos trâmites constitucionais estabelecidos;
há de ser feita nos moldes para isso estatuídos, e não a arbítrio dos legisladores,
com infração de fórmulas e cautelas que se julgaram indispensáveis para a sua
factura e que são garantias de ordem tal que os constituintes entenderam não se
poder prescindir delas, não as deixando ao talante dos legisladores ordinários.”1

Como se pode verificar, a Constituição não apenas atribuía competência ao


Poder Judiciário para o exercício do controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos, como ainda estabelecia competência recursal ao Supremo Tribunal
Federal, que, portanto, assumiria papel primordial no exercício deste controle.
157

Deste modo, se por um lado caberia ao Congresso, nos termos do art. 35, §1.º,
velar na guarda da Constituição, ainda que não privativamente, por outro caberia
ao Poder Judiciário, e especialmente o Supremo Tribunal Federal, rever e
eventualmente anular os atos aprovados pelo Congresso, a partir justamente da
verificação do (des)respeito à Constituição. O STF assumiria uma posição
privilegiada, pois a esta Corte caberia rever as decisões das instâncias inferiores e,
portanto, a manifestação inapelável a respeito da validade das leis e atos
normativos em vigor no País.
Embora um órgão de cúpula do Poder Judiciário não figurasse como
novidade na organização constitucional do País, já que a Constituição do Império
abrigava o Supremo Tribunal de Justiça (art. 164), o STF assumiria, nos termos
definidos pela Constituição de 1891, atribuições desconhecidas até então pelo
Poder Judiciário brasileiro e, nada obstante a sua composição inicial ter sido, em
maior parte, originária dos ministros do Supremo Tribunal de Justiça2, pode-se
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afirmar que o STF surgiu como um novo ator na ordem constitucional que se
inaugurava. Assim, ainda que a Constituição fosse clara a respeito da posição a ser
assumida pelo Poder Judiciário, e especialmente pelo STF, na organização do
Estado, a sua afirmação como tal encontrou forte resistência no cenário político
brasileiro, cabendo aqui destacar as manifestações do Senador ARISTIDES
LOBO, em suas “Cartas ao Rio”, publicadas no jornal Diário Popular:

“É preciso não ser cego. A maior necessidade do momento não é correr atrás de
um suposto e imaginário constitucionalismo, mal pensado aliás, pelo primeiro de
seus guardas, o Supremo Tribunal de Justiça [sic], mas o fortalecimento do
executivo, única garantia, não se iludam, da permanência da República”.
[17.08.1893]

“No jogo de nossas instituições, a garantia institucional não está na mão desse
tribunal (o S.T.F.), que não tem a força nem os meios de agir com eficácia, mas
sim nas mãos do poder executivo, depositário fiel da execução de todas as leis,
imediato representante das garantias de todos os direitos e fiel intérprete da
ordem e da segurança social” [19.08.1893]3

1
Op. Cit., p. 242.
2
Segundo relatou LÊDA BOECHAT RODRIGUES: “A 28 de fevereiro de 1891, quatro dias
depois de promulgada a primeira Constituição republicana, reunia-se o S.T.F. no velho edifício
da Relação, à rua do Lavradio, às 13 horas, em sessão extraordinária. Dos 15 Ministros
nomeados, a maioria vinha do Supremo Tribunal de Justiça e pouco se demoraria no novo
Tribunal. Quatro estavam na casa dos 70 anos, sete na dos 60, 3 na dos 50 e apenas um tinha
menos de 50 anos. A idade média era de 63 anos.” (Op. Cit., p. 7)
158

Esta manifestação, que inverte radicalmente as posições dos Poderes


Executivo e Judiciário na nova ordem constitucional, já revelava que ao STF
caberia percorrer longo e árduo caminho para assumir, na prática, a função que lhe
fora atribuída na teoria. A afirmação do STF, novo ator no cenário político do
País, como o guardião da Constituição haveria de encontrar – e efetivamente
encontrou – forte resistência por diversos segmentos da sociedade política. Como
observou LÊDA BOECHAT RODRIGUES: “em 1896, juízes e
desembargadores, do Norte ao Sul do país, já respondiam criminalmente a
processo por haverem declarado a inconstitucionalidade de leis federais e
estaduais”4. De fato, a teoria sobre a qual se assentava a nova ordem
constitucional, originária do direito norte-americano, seria de difícil aceitação por
aqueles que sempre se beneficiaram do regime baseado no direito francês e inglês,
onde os representantes do povo são os intérpretes da Constituição. O novo modelo
propunha não apenas atribuir a interpretação da Constituição a outro órgão, mas a
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um órgão não eletivo e, isso nada obstante, competente para limitar a atuação dos
representantes do povo – que até então eram seus próprios limitadores. Ademais,
admitida a perfeição da representação popular, ter-se-ia um órgão não
representativo limitando a vontade popular.
Neste embate, coube destaque a RUI BARBOSA que, co-responsável pela
importação do judicial review para o País, trouxe também os seus doutrinadores.
Assim, em artigo intitulado “Quem Garantirá as Garantias?”, RUI BARBOSA,
defendendo que o povo deveria ser protegido contra seus representantes, citou a
seguinte passagem de BRYCE:

“Pela lógica inexorável dos sãos princípios constitucionais veio a passar em


julgado que os direitos do povo encontram a extrema e suprema garantia, não na
assembléia popular, não em mecanismos de sua feitura, mas, dentre todas as
instituições do regime, naquela que mais longe está do alcance popular, e gira,
até onde é possível a uma instituição, independente do sentimento público,
invulnerável à investida das maiorias. Originária da soberania do povo, é a
trincheira do povo contra seus movimentos irrefletidos, contra suas vontades
transviadas, salvando-o, não de seus inimigos, mas dele mesmo”.

A seguir, trazia à colação as reflexões de THEODORE WOOLSEY:

3
apud. RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., pp.37-8.
4
Op. Cit., pp. 2-3.
159

“Se o corpo legislativo, sujeito aos acessos desorganizadores da opinião pública,


adotar leis inconstitucionais, que meios teremos de preservar a Constituição
como contrato vivo e sagrado? Não há durabilidade, ou continuidade regular, na
existência jurídica de uma nação, onde não exista um poder, exterior ao
legislativo, que decida se este ultrapassou as suas raias. Se não se estabelecer,
nos estados constitucionais, um poder, que vele pela Constituição, e a fortifique
contra as invasões da legislatura, ou do executivo, bem cedo a Constituição não
será mais que um mero simulacro, eficaz unicamente contra o povo, impotente
contra os abusos da autoridade”.

Por fim, acentuava RUI BARBOSA a superioridade do sistema norte-


americano no que se refere à guarda da Constituição pelo Poder Judiciário, em
comparação com o modelo inglês, baseado na supremacia do Parlamento. Nesse
sentido, dizia RUI BARBOSA:

“O inglês, soberbo de suas instituições, que geraram, pode-se dizer, a família


gloriosa das Constituições modernas, o inglês não oculta a sua inveja por essa
criação maravilhosa, que põe a justiça de guarda à lei fundamental, em defesa
do poder constituinte, contra a rebeldia dos poderes constituídos. “confesso que
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não costumo invejar os Estados Unidos”, dizia, há 11 anos, Lord Salisbury, em


Edimburgo. “Mas há um traço, em suas instituições, que me parece digno da
maior inveja (which appears to me the subject of the greatest envy): é a
magnífica instituição da Corte Suprema. Se os Estados Unidos, se as câmaras ali
adotarem qualquer medida infensa à Constituição do país, há um tribunal, que a
paralisará; e este fato dá às instituições nacionais uma estabilidade, que em vão
esperamos sob o nosso sistema de vagas e misteriosas promessas”.

E, adiante, trazia à colação o comentário do Ministro dos EUA em


Londres, M. PHELPS, a respeito da organização constitucional de seu país: “Se a
Constituição americana estivesse sob a custódia do poder legislativo, e não, como
está, sob a do poder judiciário, muito há que já não existiria: teria sido
modificada e desfeita pelas ambições pessoais e pelas paixões dos partidos”.
A Constituição de 1891, ao adotar o judicial review norte-americano,
consagrou uma mudança não apenas em relação ao Poder Judiciário, mas também
– e sobretudo – em relação à própria Constituição, cujo respeito pelos
representantes do povo eram, sob a vigência da Carta Política de 1824, mais
esperados do que garantidos. Caberia a partir de então ao Poder Judiciário, através
do controle de constitucionalidade das leis, assegurar a supremacia da
Constituição no ordenamento jurídico e, assim, assegurar a sua efetividade.
Entretanto, cumpre ressaltar que o exercício do controle de constitucionalidade
pelo Poder Judiciário, seguindo o modelo norte-americano, só se daria nos casos
160

concretos (fiscalização concreta de constitucionalidade), não cabendo o exame em


tese da constitucionalidade das leis (fiscalização abstrata). Tampouco caberia ao
Poder Judiciário a iniciativa de qualquer ação visando à declaração de nulidade
das leis por violação ao texto constitucional. Com efeito, o controle se daria por
via de exceção e a declaração de inconstitucionalidade seria uma questão
incidental (e não principal) a ser resolvida a fim de se solucionar o litígio. Assim,
a atuação do Poder Judiciário estava circunscrita aos processos judiciais e às
partes neles envolvidas, não lhe sendo permitido suspender a execução de leis e
atos normativos, mas apenas, quando fosse o caso, deixar de aplicá-los aos casos
em exame, de modo que a eventual declaração de inconstitucionalidade teria
efeito somente entre as partes (inter partes). Estas limitações, tanto em relação à
impossibilidade de se exercer um controle em tese da constitucionalidade das leis
como em relação aos efeitos desta declaração, foram reconhecidas e bem frisadas
pelo STF, como se pode verificar nos seguintes julgados:
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“Posto que à Justiça falte competência para nulificar ou declarar inválida uma
lei, ninguém lhe contesta a faculdade, que é também um dever seu, de se abster
de aplicar a cada caso a lei inconstitucional.”5

“O STF nega provimento ao agravo, por entender correta a decisão do juiz a


quo, que reconheceu não ser de sua competência mandar suspender execução de
lei estadual, podendo apenas julgar, mediante processo regular, da validade de
atos praticados em virtude de lei ou regulamento argüido de inconstitucional.”6

Nesse mesmo sentido, ilustrou LÊDA BOECHAT RODRIGUES, ao


comentar a impossibilidade da declaração de inconstitucionalidade em tese pelo
Poder Judiciário, que:

“Declarou o Tribunal [STF] que incidia na censura de direito uma sentença que
infirmara em tese, por inconstitucional, um decreto emanado do Executivo,
‘porquanto aos juízes e tribunais só é facultado o deixar de aplicar aos casos
ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e regulamentos
manifestamente incompatíveis com as leis e a Constituição’.”7

Adiante, prosseguiu a autora:

5
Revista do Supremo Tribunal Federal (doravante referida simplesmente como RSTF), vol. 8, pg.
7 – Recurso de Habeas Corpus nº 3715 – 27.01.1915
6
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência, pg. 75, 1897 – Agravo nº 82 – 24.04.1895
161

“Foi julgada improcedente uma ação cível originária proposta pela União
contra o Estado de Pernambuco, pedindo fosse declarada a
inconstitucionalidade de um imposto de 300 réis por tonelada sobre navio
estrangeiro, criado por lei estadual, dizendo-se que apesar de ser
‘manifestamente inconstitucional o imposto’, a Justiça Federal só podia intervir
em espécie. Na petição inicial não se pedia ‘a anulação dos atos do Governo
Estadual praticados em virtude de lei e instruções incompatíveis com a
Constituição’, mas sim que se declarasse ‘em tese inconstitucionais a dita lei e
instruções’ e que se mandasse ‘cessar para o futuro a cobrança do imposto, o
que importa a revogação de disposições regulamentares e portanto a intervenção
do poder judicial in genere e não in specie’.”8

Assim, o STF, na função de órgão de cúpula do Poder Judiciário, definia


as linhas básicas do controle de constitucionalidade a ser seguida pelas demais
instâncias, equilibrando a novidade trazida pela incorporação do judicial review
norte-americano (art. 59, §1.º, “a” e “b”) e a separação dos Poderes (art. 15), que
tinha raízes em outro modelo, buscando a síntese que resultaria na atuação correta
do Poder Judiciário. CARLOS MAXIMILIANO, revelando certa preocupação
com a atuação do Poder judiciário no exercício do controle de constitucionalidade
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das leis, a fim de que não violasse o princípio da separação dos Poderes, frisou
que deve ser feita uma distinção entre os critérios adotados pelo legislador ao
elaborar uma lei que pudesse correr em vício de inconstitucionalidade e os
critérios adotados pelo juiz ao apreciar uma arguição de inconstitucionalidade de
uma lei. Segundo o autor, o legislador deveria questionar se tem ou não o direito
de aprovar determinado ato, em face da Constituição, ao passo que ao magistrado
caberia indagar se, anulando determinada lei, em salvaguarda do texto
constitucional, não estaria transcendendo suas funções e usurpando as funções
legislativas. Para evitar tal situação, o autor traçou alguns preceitos norteadores de
um uso adequado desta prerrogativa do Poder Judiciário de declarar a
inconstitucionalidade de leis e atos normativos, dentre os quais destacamos os
seguintes:

- presumem-se constitucionais todos os atos do Congresso e do Executivo;


- os tribunais inferiores não julgarão inconstitucional um ato, senão em
casos muito claros; em geral, deixarão para os tribunais mais altos o
pronunciamento final;

7
Op. Cit., p. 144. (Apelação Cível n.º 286, de 25.09.1897)
8
Op. Cit., pp. 144-5. (Ação Cível originária n.o. 2, de 30.05.1896)
162

- o reconhecimento da inconstitucionalidade de um decreto constará do


acórdão, somente quando aprovado pela maioria absoluta dos membros do
STF;
- proclama-se a inconstitucionalidade apenas quando é absolutamente
necessário fazê-lo para decidir a questão sub judice;
- sempre que for possível, sem fazer demasiada violência às palavras, tão
restritivamente se interprete a linguagem da lei que se torne constitucional
a medida;
- se apenas uma parte do decreto é inconstitucional e é possível separá-la
sem faltar aos fins que teve em mira o Congresso no momento de o
elaborar, condena-se a parte somente;
- uma lei declarada inconstitucional em última instância, é como se não
tivesse existido.9
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Os preceitos trazidos por CARLOS MAXIMILIANO enfatizavam o


princípio da presunção de constitucionalidade das normas, a fim de contrabalançar
o exercício do controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, sugerindo
que a atuação do Poder Judiciário no exercício do controle de constitucionalidade
deveria ser excepcional, já que a inconstitucionalidade das normas também seria.
Por esta razão, embora o controle de constitucionalidade fosse difuso, ou seja,
embora pudesse ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário, entendia o
autor que os tribunais inferiores, a não ser em casos muito claros, não deveriam
julgar inconstitucional um ato, deixando tal pronunciamento aos tribunais “mais
altos”. O STF, embora fosse o órgão de cúpula e, portanto, a última instância do
Poder Judiciário, também só declarava a inconstitucionalidade das leis em casos
muito claros, como se pode verificar nos seguintes acórdãos:

“Julgando-se procedente a carta e passando a decidir do agravo, negam


provimento ao mesmo, porque não ficou provada em evidência a
inconstitucionalidade alegada. (art. 54, VI, g, da lei n° 221 de 20 de novembro de
1894)”10

9
MAXIMILIANO, CARLOS, Op. Cit., p. 117.
10
Diário da Justiça, 04.11.1930, p. 6474 – Carta Testemunhável – 05.05.1923.
163

“Só quando manifesta, evidente, a inconstitucionalidade de uma lei ordinária,


pode ser ela declarada inaplicável pelo Poder Judiciário.”11

Mesmo em relação aos tribunais “mais altos”, defendia CARLOS


MAXIMILIANO que, sempre que fosse possível, “sem fazer demasiada violência
às palavras”, os magistrados deveriam interpretar as normas de modo que esta se
tornassem constitucionais. Ainda em respeito à presunção de constitucionalidade
das leis, o autor observava que se apenas uma parte da norma fosse
inconstitucional e, nesse caso, fosse possível separá-la “sem faltar aos fins que
teve em mira o Congresso no momento de o elaborar”, deve-se declarar a
inconstitucionalidade somente em relação a esta parte. Seguindo esta orientação,
vale trazer à colação os seguintes acórdãos proferidos pelo STF:

“O Dec. nº 9263 de 1911, que reorganizou a Justiça Local do DF, ofende a


Constituição na parte em que restringiu a ação rescisória aos casos de sentenças
nulas proferidas em Juízo ordinário (art. 141, §8º, nº 2), e, assim, não pode ser
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obedecido nesta parte.” 12

“A Lei n. 3724, de 1919 (Lei dos acidentes de Trabalho), dispõe, no art. 22, que
todas as ações que dela se originarem serão processadas na Justiça Comum;
esse dispositivo, porém, não pode ser observado, por inconstitucional, por ir de
encontro ao art. 60, letra d, CF, que uma Lei ordinária não tem força para
revogar.”13

Interessante observar que, em relação a este último julgado, o STF, um ano


depois, mudou sua orientação, amparado justamente pela orientação de que
sempre que fosse possível, a norma deveria ser interpretada de modo a se tornar
constitucional. É o que se verifica no seguinte acórdão sobre a mesma matéria:

“A disposição do art. 22 da Lei dos Acidentes de Trabalho (“todas as ações que


se originarem da presente Lei serão processadas perante a justiça comum”),
apesar da generalidade de seus termos, não deixa de ser aplicada de acordo com
o preceito do art. 60, letra d, da Constituição Federal, para não incorrer na
argüição de inconstitucional.
Estabelecimento no sentido em que emprega essa expressão o art. 35, §3º do
Código Civil, é somente a sucursal ou agência dirigida por um preposto investido
de amplos poderes de gestão e representação judiciária, ativa e passiva.
O art. 45, §1º do Decreto que regulamentou a Lei dos Acidentes no Trabalho,
abriu uma exceção, que consulta inteiramente o intuito da mesma Lei, ao

11
RSTF, vol. 57, p. 72 – Agravo de Petição nº 3556 – 13.07.1923.
12
RSTF, vol. 27, p. 60 – Recurso Extraordinário nº 1251 – 29.01.1920.
13
RSTF, vol. 25, p. 263 – Conflito de Jurisdição n. 467 – 24.04.1920.
164

princípio de que o réu deve ser, em regra, acionado no foro de seu domicílio,
firmando a competência do Juiz do lugar em que tiver ocorrido o acidente.
“(...) considerando que essa disposição regulamentar não pode ser argüida de
inconstitucional, mesmo pelos que ainda seguem a lição de João Barbalho,
porquanto, tendo a Lei, que se regulamentou, falado, no art. 21, em Juízo
competente, sem definir essa competência, cabia ao Poder Executivo sanar essa
lacuna, assegurando assim a execução da lei, cujos intuitos ficariam
inteiramente burlados, se não ficasse estabelecido qual o juiz competente para
processar e julgar as causas oriundas de acidentes no trabalho;
considerando, além disto, segundo a doutrina modernamente ensinada por
publicistas de incontestável valor, que o poder regulamentar do Presidente da
República é amplo, pode inovar na matéria legislada, sanando qualquer lacuna
do ato legislativo.”14

No entanto, este rigor do STF em relação ao princípio da presunção de


constitucionalidade das normas, sob o receio de estar o Poder Judiciário
ultrapassando suas funções ao declarar uma norma inconstitucional, às vezes se
revelava excessivo, tal como se deu em relação à inconstitucionalidade formal, ou
mais precisamente15, em relação à inconstitucionalidade por vício no processo de
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elaboração da norma, tal como se pode verificar no seguinte acórdão do STF:

“Não é líquida a questão de se saber se o Poder Judiciário pode decretar a


inconstitucionalidade da Lei, por vício verificado em sua elaboração, sendo
assim, de negar-se o habeas corpus, requerido com tal fundamento.”16

Como o controle de constitucionalidade era incidental e concreto, ou seja,


ocorria somente em casos concretos e deveria ser resolvida como questão
incidental, a declaração de inconstitucionalidade poderia ocorrer em qualquer

14
RSTF, vol. 29, p. 70 – Agravo de Petição n. 2887 – 15.01.1921. Interessante registrar o voto do
Ministro PEDRO LESSA, a respeito da competência conferida ao Presidente da República para
expedir decretos: “A minha divergência com os votos vencedores reside unicamente em que eu
não admito que o Poder Executivo, ao regulamentar uma lei altere as regras de direito, contidas
de modo formal em outras leis. A CF é muito clara em seu art. 48, n. 1 – ‘Compete privativamente
ao Presidente da República: 1) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e resoluções do
Congresso; expedir decretos, instruções e regulamentos para sua fiel execução’.
Certo que alterar as normas de direito, encerradas em lei expressas, como é o preceito legal que
estatui como regra o foro do domicílio, não é concorrer para a fiel execução das leis, mas para a
subversão do regime legal, com sacrifício de direitos garantidos por lei incontestável.
Não há doutrina que prevaleça contra uma expressa disposição constitucional.”
15
Cabe aqui registrar a distinção entre “inconstitucionalidade orgânica” e “inconstitucionalidade
formal propriamente dita”, conforme aponta CLÈMERSON CLÈVE. Segundo o autor, “a
inconstitucionalidade orgânica, decorrente de vício de incompetência do órgão que promana o ato
normativo, consiste numa das hipóteses de inconstitucionalidade formal. Com efeito, diz-se que
uma lei é formalmente inconstitucional quando foi elaborada por órgão incompetente
(inconstitucionalidade orgânica) ou seguindo procedimento diverso daquele fixado na Constituição
(inconstitucionalidade formal propriamente dita). Pode, então, a inconstitucionalidade formal
resultar de vício de elaboração ou de incompetência. (Op. Cit., pp. 31-2.)
16
RSTF, vol. 51, pg. 28 – Habeas corpus nº 8518 – 29.05.1922.
165

espécie de processo, não havendo uma ação específica para tanto. Com efeito, o
STF exercia o controle de constitucionalidade em qualquer processo que fosse de
sua competência, tanto originária como recursal (v.g., recurso extraordinário,
conflito de jurisdição, recurso eleitoral, agravo de petição, carta testemunhável,
habeas corpus ou apelação cível, sendo estes dois últimos os mais comuns).
Entretanto, vale observar que a possibilidade de se declarar a
inconstitucionalidade por meio de habeas corpus foi alvo de inúmeros debates
pelos ministros do STF ao longo da Primeira República, tendo a jurisprudência do
STF oscilado por diversas vezes, ora decidindo pela viabilidade, ora pela
inviabilidade da argüição de inconstitucionalidade via processual. Nesse sentido,
vale citar os seguintes acórdãos:

“O habeas-corpus não é meio de revogar Leis, mesmo leis inconstitucionais. Os


Estados podem, em suas organizações judiciárias, estabelecer condições para a
concessão de provisões de advogado e solicitados, como auxiliares do Juízo.”17
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“Ementa do Acórdão: O habeas-corpus não é meio idôneo para se declarar a


inconstitucionalidade de uma Lei.

Ementa dos votos vencidos - É exatamente nos processos de habeas-corpus que,


com mais forte razão, se deve admitir e resolver a questão de
inconstitucionalidade das Leis; porquanto, o que neles se trata de garantir é a
liberdade individual.
Quando se invoca perante um Juiz, ou um tribunal coletivo, uma Lei contrária à
CF, o Juiz ou Tribunal deixará de aplicá-la, desde que a inconstitucionalidade
seja patente, superior a qualquer dúvida razoável.
Excluir o processo do habeas-corpus dos que oferecem aos juizes a condição
para declarar a inconstitucionalidade das Leis, é o mais arbitrário dos atos com
que se pode infringir a mais comezinha das regras do direito público que
adotamos.”18

Cumpre frisar que não havia qualquer medida judicial que tivesse por
objeto a declaração de inconstitucionalidade. Desse modo, a garantia da
Constituição dependia em um primeiro momento que fosse ajuizada uma ação
visando à reparação do direito violado pela lei que desrespeitava a Constituição.
Somente após o ajuizamento da ação poderia o Poder Judiciário pronunciar-se
sobre a constitucionalidade da norma. Neste caso, a declaração de
inconstitucionalidade poderia ocorrer mesmo que não fosse alegada por nenhuma
das partes, como deixou assente o STF:

17
RSTF, vol. 25, pg. 251 – Habeas corpus nº 5342 – 01.10.1919.
166

“Uma Cia. estabelecida em um Estado, e que tem no DF um depósito, onde


vende seus produtos, não está sujeita ao imposto de indústrias e profissões no
mesmo DF.
As leis manifestamente incompatíveis com a CF não devem ser aplicadas pelos
juizes e tribunais.
Mesmo não sendo a inconstitucionalidade alegada por nenhuma das partes, o
juiz ou tribunal tem o poder de pronunciá-la.
Aplicação da CF art. 9º, n. 4, e da lei n. 221 de 1894, art. 13, §10º.”19

Cabe, por fim, assinalar que o controle de constitucionalidade só poderia


ser exercido pelo Poder Judiciário, com a exclusão de qualquer outro órgão, como
se pode verificar nos seguintes acórdãos:

“Cabem os remédios possessórios contra os atos da administração pública


manifestamente ilegais; e dessa natureza é o ato de um prefeito municipal
deixando de cumprir uma disposição da Lei municipal, sob o pretexto de sua
inconstitucionalidade.
Aplicação da Lei 221, de 1894, art. 54, n. VI, “s”.”20
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“Ao Poder Executivo falta competência para negar execução às leis, sob a
alegação de inconstitucionalidade delas.”21

Portanto, verifica-se que a garantia da Constituição de 1891 (seu projeto


político) somente poderia ocorrer através do controle de constitucionalidade,
exercido exclusivamente pelo Poder Judiciário. Tal atribuição somente poderia
ocorrer nos casos concretos, com o efeito da declaração de inconstitucionalidade
restrito às partes envolvidas no processo judicial. Não havia nenhum modo de se
argüir a inconstitucionalidade em tese, nem tampouco poderia o Poder Judiciário
declarar de ofício a inconstitucionalidade de uma norma, sem que houvesse uma
ação judicial para tanto. A garantia da Constituição dependia do ajuizamento de
ações pelas pessoas que tivessem seus direitos constitucionais violados....afetadas
pelo desrespeito à Constituição.
Embora o controle de constitucionalidade pudesse ser exercido por
qualquer órgão do Poder Judiciário, o STF, como última instância, assumia uma
posição de destaque na função de guarda da Constituição.

18
RSTF, vol. 23, pg. 124 – Habeas corpus nº 5428 – 01.11.1919.
19
RSTF, vol. 29, pg. 160 – Apelação Cível nº 3011 – 10.11.1920.
20
RSTF, vol. 30, pg. 140 – Agravo de Petição nº 2927 – 30.04.1921.
21
RSTF, pg. 230 – Apelação Cível nº 2097 – 13.04.1912.
167

Assim, cumpre verificar como ocorreu a guarda da Constituição de 1891


face à atuação do Poder Público no exercício da função legislativa, a partir da
análise das questões que com maior freqüência chegavam ao STF em sede de
controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Pretende-se, desse
modo, verificar sobre quais as matérias, dentro do projeto da Constituição de
1891, estavam sendo levantadas argüições de inconstitucionalidade, ou por outra,
em que pontos a Constituição estava sendo violada e como o STF se manifestou
sobre as mesmas, compreendendo a análise o período desde a entrada em vigor do
texto constitucional até o ano de 1926, quando então ocorreu a reforma da
Constituição22.
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22
Interessante observar que a constitucionalidade da própria reforma constitucional foi
questionada perante o STF, no julgamento do processo de habeas corpus n.º 18.178, em 1.10.1926,
alegando o impetrante que o processo de reforma constitucional não seguiu as normas previstas
pela Constituição no que se refere ao quorum necessário para a aprovação de emendas à
Constituição, que, segundo o impetrante, deveria ser de dois terços dos membros das duas câmaras
do Congresso, e não dois terços dos presentes à sessão legislativa. Tratava-se de
inconstitucionalidade formal, portanto. A questão, como foi visto, já se revelava polêmica entre os
principais comentaristas da Constituição de 1891, JOÃO BARBALHO e CARLOS
MAXIMILIANO, cabendo aqui frisar que as manifestações de ambos os autores haviam sido
publicadas muito antes da Reforma de 1926, escapando, desse modo, de qualquer espécie de
casuísmo. O STF, no entanto, filiando-se ao entendimento de CARLOS MAXIMILIANO,
manifestou-se pela constitucionalidade da reforma constitucional, nos seguintes termos:
"Constitucionalidade da reforma da Lei Fundamental da República.
impetrante argui de inconstitucional a recente reforma da Lei Magna, dizendo: que ela não foi
aprovada por dois terços dos votos do Senado, exigido pelo art. 90 § 2º da Constituição de 1891,
segundo o qual “a proposta dar-se-á por aprovada, se no ano seguinte o for mediante três
discussões, por maioria de dois terços dos votos das duas Câmaras do Congresso”, que a
exigência não é, portanto, de dois terços dos membros presentes, e assim deve ser entendido
porque sempre que a Constituição se refere à votação das decisões do Congresso, fala em
“membros presentes” (art.33 § 2º, 37 § 3º, 39 § 1º e 47 § 2º); somente neste caso não se refere a
“membros presentes” mas a “Câmaras”- o que significa “da Casa Legislativa”, isto é, dos
membros que a compõe (...)
(...) Não é de se aceitar a argumentação do eminente constitucionalista patrício (João Barbalho
defendeu a inconstitucionalidade da Reforma Constitucional por não ter sido observado o art.90
da CF). Convence Carlos Maximiliano, que se pronuncia por esta forma: “Para a assinatura da
proposta o texto exige a Quarta parte dos membros da Câmara; para a votação em um ou outro,
reclama dois terços dos votos. Logo, no último caso, refere-se o art. 90 a dois terços dos
presentes, havendo número suficiente para deliberar (a metade mais um) e não dois terços dos
membros.
(...) tratar-se-ia de uma interpretação (de João Barbalho), que não exclui a contrária, firmadas
ambas em raciocínio mais ou menos aceitáveis. (...) Enfim, não tenho necessidade de indagar qual
dessas interpretações é a mais aceitável. O que está fora de dúvida é que se trata de uma
interpretação razoável da lei nunca foi motivo para invalidá-la por inconstitucional.
(...) A pretexto de uma inconstitucionalidade que não é manifesta, mas muito duvidosa pelo menos,
não é lícito ao Poder Judiciário deixar de aplicar a reforma constitucional (...)"
Diário de Justiça, 03.02.1931, p. 818 - Habeas Corpus n.18.178 - 01.10.1926.
168

5.2. As Questões Mais Recorrentes23

23
Cumpre frisar que a análise da jurisprudência ficará restrita ao exame das questões mais
recorrentes no exercício do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos pelo STF,
razão pela qual não será abordada a defesa dos direitos individuais, que, embora tenha sido
marcante na atuação daquela Corte durante a Primeira República, não envolvia, na sua maior parte,
o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Desse modo, não se pode afirmar que
os casos que envolviam direitos individuais figuraram entre as questões mais recorrentes no
exercício do controle de constitucionalidade pelo STF. Impende assinalar que a amostragem da
guarda do projeto político da Constituição de 1891 pretendida pelo presente trabalho limita-se ao
exercício do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, embora ciente de que não se
trata da única forma de se exercer a guarda da Constituição. Nesse sentido, ainda que muitos
tenham sido os processos em que o STF assegurou o exercício dos direitos individuais, foram
poucos os processos em que aquela Corte o fez através do controle de constitucionalidade de leis e
atos normativos, razão pela qual não poderia figurar entre as questões mais recorrentes. A título
ilustrativo, no entanto, vale citar os acórdãos pesquisados:
“Em caso de processo crime, a lei não oferece ao advogado o direito de ser recolhido à prisão
especial. A Constituição Federal, art. 72, parágrafo 2., aboliu todos os privilégios incompatíveis
com os princípios constitucionais em vigor. Logo, em face da Constituição Federal, não há, nem
pode haver, o privilégio dos advogados disposto nas Ordenações do Reino.” (RSTF, vol. 5, p. 389
– Recurso de Habeas-corpus n. 3810 – 03.09.1915.) “São compreendidos na exceção do art. 1º da
Lei n. 981, de 7/1/03, para o fim de contarem antiguidade de oficial, das datas das respectivas
comissões, os alferes e os segundos tenentes promovidos a 3/11/94, que tiverem prestado até a
data da referida promoção, serviços de guerra, distinguindo-se por atos de bravura, devidamente
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justificados e publicados em ordem do dia do Exército, ou constantes de suas fés de ofício. Não é
lícito ao Poder Executivo negar execução às leis que se lhe afigurem inconstitucionais, e muito
menos se lhe pode reconhecer o arbítrio de considerar uma mesma Lei válida para uns e
insubsistente para outros. CF, art. 72, §2º e Lei n. 1836, de 1907, art. 1º.” (RSTF, vol. 39, p. 50 –
Apelação Cível n. 2636 – 02.07.1921.) “O artigo 11, 3º, CF, veda que ao funcionário público se
apliquem disposições legais derrogatórias ou supressivas de garantia de estabilidade em cujo
gozo estiverem por força de Lei anterior.” (RSTF, vol. 15, p. 477 – Recurso Extraordinário n.
1017 – 23.01.1918) “Anulação de ato do Executivo que violou direito adquirido. Sendo vedada a
promulgação de leis retroativas (art. 11, n. 3, CF), com maioria de razão vedada é a expedição de
decretos ou de atos administrativos com esse efeito.” (RSTF, vol. 20, p. 49 – Recurso
Extraordinário n. 1009 – 21.06.1919). “Aos sorteados para o sorteio militar em 1919, não se
aplica a lei n. 3918 de mesmo ano, por força do art. 11, n. 3, CF, que veda a promulgação de leis
com efeito retroativo. Até o sorteio militar de 1919, inclusive, têm isenção do serviço os sorteios
que sustentassem irmã solteira ou viúva, que viva em sua companhia. Aplicação da Lei 1860 de
1908, art. 76.” (RSTF, vol. 25, p. 146 – Habeas-corpus n. 5926 – 31.05.1920.) “A promoção por
antigüidade, assegurada em Lei, constitui para o funcionário a quem vem tocar, desde o momento
em que a vaga se verifica, um direito adquirido, que à Justiça cumpre amparar, quando por
ventura, preterido ou violado. Aplicação da Lei n. 2738, de 1913, art. 119.” (RSTF, vol. 32, p.
134 – Apelação Cível n. 2453 – 02.04.1921). “Os empregados titulados ou jornaleiros da Estrada
de Ferro Central do Brasil perceberão, além dos seus vencimentos ou salários, uma gratificação
adicional, relativa ao tempo de efetivo serviço na Estrada, gratificação que será considerada para
todos os efeitos como parte integrante dos mesmos vencimentos ou salários. Embora suprimida
por lei posterior essa gratificação não pode deixar de ser reconhecida aos funcionários que até
então tenham feito jus á mesma pelo cumprimento da única condição exigida pela lei anterior, do
lapso de tempo e que porventura não chegaram a ser efetivamente pagos dessas gratificações.
Direito adquirido é todo aquele que resulte de um fato idôneo a produzi-lo em virtude de Lei do
tempo em que foi esse fato realizado, se bem que a ocasião de fazê-lo valer não se tenha
apresentado antes da atuação de uma Lei nova sobre o mesmo assunto, isto é, todo o direito
previndo de um fato jurídico já sucedido, mas ainda não feito valer em toda a sua extensão, não
consumado, que existe apenas como poder. Aplicação da CF, art. 11, n.3; (...)” (RSTF, vol. 35, p.
114 – Apelação Cível n. 2877 – 13.11.1920.) “As prerrogativas e garantias concedidas aos
pilotos diplomados pelos estabelecimentos oficiais ou a eles equiparados, antes da Lei de 1907,
constituem direitos adquiridos de que não podem os mesmos pilotos ser despojados por Lei,
regulamento ou aviso posterior. CF, art. 11, n. 3.” (RSTF, vol. 40, p. 47 – Habeas-corpus n. 7952
– 19.11.1921.) “Desde que a Lei não é inconstitucional, o Poder judiciário tem o dever de lhe não
recusar aplicação, quaisquer que sejam os defeitos que se lhe apontem. Uma vez requerida e
169

concedida disponibilidade remunerada, consoante os termos expressos em determinada Lei, não


pode o governo, que a deferiu, revogá-la, sob qualquer pretexto, porque estabelecido ficara, entre
o governo e o funcionário, um ato jurídico perfeito, ao qual nem a Lei pode prejudicar. Direito
adquirido é todo aquele que: é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da Lei do
tempo em que esse fato se realizou, embora a ocasião de fazê-lo valer, se não haja apresentado
antes da existência de um nova lei, sobre o mesmo objeto; e nos termos da Lei, sob cujo império
ocorreu o fato de que se originou, começou a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.
Godofredo Cunha, vencido – inconstitucionalidade da disposição em que o autor se funda, por
importar em uma delegação do congresso em Lei Orçamentária e contrariar o disposto nos arts.
48, n. 11, 57, §1º e 72, §2º, CF.” (RSTF, vol. 43, p. 74 – Apelação Cível n. 3955 – 02.05.1922.)
“É inconstitucional a lei municipal que revoga outra anterior que reconhecia a vitaliciedade dos
funcionários respectivos, em relação àqueles que já haviam adquirido direito a essa vantagem por
terem preenchido as condições exigidas pela lei revogada, quando ainda em vigor (art. 11, nº 3,
CF).” (Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 152 – Recurso Extraordinário nº 698 –
22.06.1912; Recurso Extraordinário nº 781 – 15.01.1913.) “As garantias resultantes do art. 72,
§2º, CF, somente serão asseguradas aos estrangeiros residentes no país e que nele se radicam,
colaborando com os nacionais dentro da ordem e para o progresso. O anarquista, em conflito
com a ordem social, a que não se julga subordinado e que se propõe a destruir pela violência,
constitui um “elemento flutuante, que não se fixa em parte alguma”, não tendo, portanto,
residência no país.” (RSTF, vol. 12, p. 7 – Habeas-corpus n. 4386 – 06.10.1917.) “É legal a
expulsão decretada pelo Governo, de estrangeiros prejudiciais à tranqüilidade pública,
anarquistas, militantes, que fazem propaganda das idéias libertárias e concitam o operariado à
revolta contra as autoridades constituídas.” (RSTF, vol. 30, p. 83 – Habeas-corpus n. 6847 –
23.05.1921.) “Não sofre constrangimento ilegal o estrangeiro expulso do território do Brasil, em
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conseqüência de prova feita, em processo regular, de ser um anarquista perigoso, um elemento


prejudicial á ordem constituída.” (RSTF, vol. 35, p. 32 – Habeas-corpus n. 6858 – 30.05.1921.)
“A greve pacífica é um direito que pode ser livremente exercido. A Lei de expulsão de
estrangeiros não se aplica ao estrangeiro naturalizado tácita ou expressamente. Aplicação do art.
69, §5., CF.” (RSTF, vol. 25, p. 149 – Habeas-corpus n. 5910 – 14.06.1920.) “Ementa do Acórdão
- A CF, equiparando os estrangeiros aos nacionais, quanto à inviolabilidade dos direitos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, criou para o Brasil, uma
situação excepcional, privando o seu governo de expulsá-lo discricionariamente. O exercício de
greve, corolário do direito de constituir sindicatos, é garantido pela legislação dos povos cultos,
não podendo ser arvorado em “manobra fraudulenta”, prevista pelo nosso Código Penal, o ato
perfeitamente lícito de quem convida os seus companheiros de classe a exercerem o referido
direito.Aplicação do art. 72, §12, CF. Ementa dos votos vencidos - A expulsão é um atributo da
soberania, independente, para a sua aplicação, de Lei escrita, sendo uma restrição que sofre, por
atos motivos de conveniência pública, o direito de residência do estrangeiro, o qual pode ser
deportado, ou expulso, pelo Governo, discricionariamente, independente de processo e sentença.”
(RSTF, vol. 28, p. 35 – Habeas-corpus n. 6616 – 22.12.1920.) “Não podem ser expulsos do
território nacional os estrangeiros residentes no Brasil, por lhe serem extensivas as garantias
asseguradas aos nacionais pelo artigo 72 da Constituição Federal.” (RSTF, vol. 15, p. 8 –
Habeas-corpus n. 4348 – 11.08.1917.) “O estrangeiro residente no Brasil não pode ser expulso do
território nacional, senão nos casos taxativamente enumerados em Lei, e de acordo com as suas
prescrições.” (RSTF, vol. 26, p. 296 – Habeas-corpus n. 5792 – 05.05.1920.) “O habeas-corpus
não garante exclusivamente contra prisão ou ameaça de prisão, porquanto, nos termos em que o
consagra o Estado federal pode e deve ser admitido em todos os casos de violência ou coação por
ilegalidade e abuso de poder, amparando, como remédio pronto e eficaz, a liberdade para o
exercício de direitos pessoais, desde que estes sejam líquidos e incontestáveis. A distinção entre
brasileiros naturalizados e portugueses natos, ou entre brasileiros e estrangeiros, estabelecida
pela Lei paulista para o ensino particular, é contrária à Constituição. CF, art. 72, §§ 2º e 24 (...)”
(RSTF, vol. 42, p. 38 – Habeas-corpus n. 8527 – 31.05.1922. Este acórdão também encontra-se
publicado no Diário da Justiça, 27.12.1930, p. 7630.) “Não pode verificar-se (expulsão de
estrangeiro), quando o estrangeiro acusado prova que reside no país há mais de dois anos
contínuos. Cabe habeas corpus do ato que determina a medida com infração dessa regra.”
(Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 135 – Habeas Corpus nº 2940 – 11.10.1910; Habeas
corpus nº 2948, 15.10.1910; Habeas corpus nº 3199, 15.06.1912; Habeas corpus nº 3262,
11.10.1912.) “É de se deferir o pedido e assegurar ao paciente o exercício em toda sua plenitude
das funções de piloto (...) o advogado (...) requer ordem de habeas corpus (...) a fim de que cessem
170

5.2.1 Estado de Sítio

A Constituição de 1891 não estabeleceu, ao menos com a clareza exigida


pelas disposições extremas e de caráter excepcional, os limites e contornos da
declaração do estado de sítio. De fato, a Constituição estabelecia que competia
privativamente ao Congresso Nacional declarar em estado de sítio um ou mais
pontos do território nacional, na emergência de agressão por forças estrangeiras
ou de comoção interna, bem como aprovar ou suspender o sítio que houver sido
declarado pelo Poder Executivo, ou seus agentes responsáveis, na ausência do
Congresso (art. 34, n. 21). Deixou, portanto, assente que a declaração de estado de
sítio pelo Presidente da República sofreria um controle pelo Poder Legislativo.
Contudo, não estabeleceu expressamente se o controle exercido pelo Poder
Legislativo excluiria o controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, e, o
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que parece mais importante, não estabeleceu sequer se caberia algum controle

as restrições ilegalmente impostas pelo Ministério da Marinha à liberdade de profissão para que
devidamente se habilitou o paciente (...)” (Diário de Justiça, 27.03.1931, p. 1629 – Habeas Corpus
n. 8451 – 24.04.1922.) “A garantia do exercício das profissões, consignada no art. 72, parágrafo
24, CF, não exclui a exigência de habilitações técnicas, que fazem parte, e são elementos
constitutivos dessas mesmas profissões. A garantia constitucional é ampla, abrange o exercício da
generalidade das profissões, mas todas ela só podem e devem ser exercidas, respeitadas as
condições de sua exigência legal, segundo a jurisprudência uniforme do STF.” (RSTF, vol. 2, p. 9
– Recurso de Habeas-corpus n. 3544 – 23.05.1914.) “A liberdade de profissão consagrada pelo
§24 do art. 72 da CF, não é, como tem entendido a jurisprudência, uma liberdade ampla,
absoluta, pois está sujeita a certas restrições estabelecidas pela Lei ordinária, como medida
indispensável de segurança pública. Aplicação da Lei estadual do Piauí, n. 891 de 1917.” (RSTF,
vol. 35, p. 16 – Habeas-corpus n. 6697 – 29.01.1921.) “Dos termos amplos do parágrafo 22 do
artigo 72, CF, depreende-se facilmente que o habeas-corpus garante a liberdade individual
qualquer que seja a forma porque se possa manifestar dentro da lei. Restringir aquele recurso à
proteção unicamente da personalidade física, isto é, para que ninguém possa ser preso
injustamente ou impedido de livremente locomover-se, é retrogradar à primitiva concepção da
liberdade individual, é desprezar o texto da lei das leis da República, deixando ao desamparo da
justiça, pela falta de outros meios judiciais de conservá-las, entre outras a liberdade de
pensamento e a de consciência, que o pacto federal assiná-la, no entanto, com a maior firmeza.”
(RSTF, vol. 2, p. 92 – Habeas-corpus n. 3554) “A nenhuma autoridade é lícito ofender a liberdade
de imprensa, traçando normas aos diretores e redatores dos jornais acerca dos assuntos de que
devem tratar, e do modo e do modo por que se devem pronunciar sobre esses assuntos. É proibida
entre nós a censura prévia, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela
forma que a lei determinar.” (RSTF, vol. 3, p. 18 – Habeas-corpus n. 3609) “A 3. Câmara da
Corte de Apelação é competente para conhecer de habeas-corpus, quando parte do Chefe de
Polícia da Capital Federal o constrangimento de que se queixa o paciente. A censura teatral,
exercida pela polícia em virtude da legislação em vigor, não é contrária à Constituição Federal, e
funda-se em considerações do mais elevado interesse público, não constituindo, assim,
constrangimento ilegal. À Polícia cabe, pela legislação pátria, a inspeção dos teatros e casas de
espetáculo públicos, podendo pois, proibir a representação de qualquer peça, uma vez que
contenha ofensa à moral, às instituições nacionais ou estrangeiras, a particulares, ou possa
171

sobre o Poder Legislativo no exercício desta atribuição, ou seja, se caberia algum


controle sobre a constitucionalidade da declaração do estado de sítio. Ao
contrário, tornou ainda mais nebulosa e incerta a possibilidade de controle pelo
Poder Judiciário ao elencar como um dos casos que permitiriam a decretação do
estado de sítio a “comoção interna”, termo por si só bastante vago, e mais ainda se
considerarmos que o Poder Judiciário era um órgão não-representativo que, na
função de guardião da Constituição, figurava como um novo ator na cena política
do País, e cujas atribuições, portanto, não deveriam ser presumidas.
Nesse quadro, coube ao STF, no julgamento do Habeas Corpus n.º 300, em
23.04.1892, definir se haveria e, neste caso, quais seriam os limites à decretação
do estado de sítio, nos termos da Constituição. Vale registrar que ação havia sido
impetrada por RUI BARBOSA a favor do almirante EDUARDO
WANDENKOLK, senador pela Capital Federal, e outros, dentre marechais,
generais, senadores, deputados e jornalistas, que se encontravam detidos em
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função do estado de sítio decretado pelo então Presidente da República


FLORIANO PEIXOTO. Dentre os pacientes, alguns haviam sido presos antes do
estado de sítio e cujas prisões, conforme acentuara RUI, eram “de sua origem,
nulas e insubsistentes”; outros haviam sido presos depois de cessado o estado de
sítio, dentre os quais o senador WANDENKOLK, no pleno gozo da imunidade
constitucional; e outros haviam sido presos durante o estado de sítio. RUI
BARBOSA, após alegar serem inteiramente ilegais as prisões daqueles que
haviam sido presos antes e depois do estado de sítio, fundamentou sua defesa a
favor daqueles que haviam sido presos durante o estado de sítio a partir de três
teses:

“Primeira: O estado de sítio não observou as condições essenciais de


constitucionalidade; pelo que são juridicamente inválidas as medidas de
repressão, adotadas no seu decurso. Segunda: Dessa inconstitucionalidade o
STF é o competente para conhecer. Terceira: findo o estado de sítio, começa,
para os detidos políticos, o direito ao julgamento segundo as formas usuais do
processo”.24

De fato, defendia RUI BARBOSA que o estado de sítio que havia sido
decretado pelo Presidente FLORIANO PEIXOTO era inconstitucional, porque

causar perturbação da ordem pública.” (RSTF, vol. 13, p. 32. – Habeas-corpus n. 4205 –
12.06.1916.)
172

não houvera perigo iminente para a pátria, conforme exigia a Constituição, de


modo que, segundo RUI BARBOSA, um dos principais autores da Constituição
de 1891, não havia qualquer dúvida em relação à possibilidade de controle quanto
à constitucionalidade da medida de estado de sítio. Ademais, prosseguiu RUI,
ainda que houvesse sido decretado em conformidade com o texto constitucional,
todos os efeitos do estado de sítio deveriam desaparecer com a sua terminação.
RUI BARBOSA alegou também que o Poder Judiciário não poderia deixar de
apreciar o caso, sob o argumento de tratar-se de questão política, já que “os casos,
que, se por um lado tocam a interesses políticos, por outro envolvem direitos
individuais, não podem ser defesos à intervenção dos tribunais, amparo da
liberdade pessoal contra as invasões do executivo”25.
O STF, no entanto, proferiu sua decisão em sentido diverso, denegando a
ordem de habeas corpus, com apenas um voto vencido dentre os onze ministros
presentes na sessão. Quanto aos fundamentos da decisão, relatou LÊDA
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BOECHAT RODRIGUES:

“A 27 de abril era publicado o acórdão, muito sucinto, em que se dava como


razão de decidir a incompetência do Poder Judicial para apreciar, antes do juízo
político do Congresso, o uso que fizera o Presidente da República da atribuição
constitucional de declarar o estado de sítio no recesso do Congresso Nacional;
não era ‘da índole do S.T.F. envolver-se nas questões políticas do Poder
Executivo ou Legislativo’; ‘ainda quando na situação criada pelo estado de sítio,
estejam ou possam estar envolvidos alguns direitos individuais, esta
circunstância não habilita o Poder Judicial a intervir para nulificar as medidas
de segurança decretadas pelo Presidente da República, visto ser impossível
isolar esses direitos da questão política, que os envolve e compreende, salvo se
unicamente tratar-se de punir os abusos dos agentes subalternos na execução das
mesmas medidas, porque a esses agentes não se estende a necessidade do voto
político do Congresso’. Pouco importava que as prisões houvessem sido
realizadas antes ou depois do estado de sítio, uma vez que foram decretadas
dentro dele’. Finalmente, a cessão do estado de sítio não importava, ipso facto,
‘na cessação das medidas tomadas dentro dele, as quais continuavam a subsistir,
enquanto os acusados não forem submetidos, como devem, aos tribunais
competentes, pois, do contrário,, poderiam ficar inutilizadas todas as
providências aconselhadas em tal emergência por graves razões de ordem
pública”.26

24
apud. RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 20.
25
Idem. Como bem observou LÊDA BOECHAT RODRIGUES, RUI BARBOSA havia formulado
“um princípio que seria mais tarde incorporado à Constituição de 1946 [art. 141, §4.º - A lei não
poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual]: ‘Onde
quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da
injustiça’.”(Op. Cit., p. 21)
26
Op. Cit., pp. 22-3.
173

Como se pode verificar, com apenas um voto dissidente, o STF, embora


não tenha discordado inteiramente de RUI BARBOSA, reconhecendo que, de
fato, determinados atos adotados pelo Poder Público e classificados como
“questões políticas” podem eventualmente violar direitos individuais, firmou
entendimento de que, ainda assim, não caberia ao Poder Judiciário intervir em tais
questões, “visto ser impossível isolar esses direitos da questão política, que os
envolve e compreende”. O STF, desse modo, ao excluir da apreciação pelo Poder
Judiciário a violação a direitos individuais, por decorrer esta de um ato de
natureza política, estabeleceu um limite à sua atuação como guardião da
Constituição.
Logo, se não poderia o STF salvaguardar direitos individuais durante a
vigência do estado de sítio, tampouco poderia se manifestar acerca da
constitucionalidade da medida.
Esta orientação, no entanto, que afastava da apreciação do Poder Judiciário
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qualquer medida decorrente da declaração de estado de sítio, não foi seguida ao


longo de toda a Primeira República. Com efeito, o STF, contrariando não apenas
sua jurisprudência firmada nos primeiros anos de vigência da Constituição, mas
também a doutrina de juristas influentes como CARLOS MAXIMILIANO27,
julgou-se competente para conhecer os habeas corpus impetrados para
salvaguardar direitos violados em decorrência do estado de sítio, embora nem
sempre concedesse a ordem requerida. Mantinha, no entanto, o entendimento em
relação à impossibilidade de se controlar a constitucionalidade da decretação do
estado de sítio. Nesse sentido, vale citar os seguintes acórdãos:

“A inconstitucionalidade da decretação do estado de sítio pelo presidente da


República é matéria que escapa à competência do Poder Judiciário.
Uma vez conferida a um dos poderes políticos, criados pela Constituição, uma
atribuição para a prática de dado ato, ou para o uso de dada faculdade, é ele o
único juiz competente da oportunidade e das razões determinantes do respectivo
ato, ou do uso da sua faculdade; o contrário seria a negação completa da sua
independência.
Todavia, o Supremo Tribunal deve conhecer de um pedido de habeas-corpus,
formulado por indivíduos presos durante o estado de sítio, para poder verificar
qual a natureza dos fatos, embora, apreciando-os, se julgue incompetente para
conceder a ordem.”28

27
MAXIMILIANO, CARLOS, Op. Cit., p. 375
28
RSTF, vol. 2, pg. 287 – Habeas Corpus nº 3527
174

“O habeas-corpus não se limita a livrar alguém de prisão injusta, ou garantir-


lhe a livre locomoção, mas serve também para proteger o amplo exercício legal
da atividade moral, ainda que tendo por escopo uma função pública,
administrativa, política ou judiciária.
A suspensão das garantias constitucionais, pelo estado de sítio, não compreende
o habeas-corpus. A livre manifestação do pensamento pela imprensa é uma das
garantias constitucionais suspensas em virtude do estado de sítio.”29

“Conhece-se do pedido de habeas-corpus durante o estado de sítio. Constitui


constrangimento ilegal - a incomunicabilidade na detenção como medida de
sítio.
É erro grosseiro supor que o judiciário tem competência para anular o decreto
da lei sobre sítio, opondo aos motivos desse ato - que não estão provados os fatos
que determinam aquela providência.”30

Desse modo, embora o STF não julgasse a constitucionalidade da


decretação do estado de sítio, manifestava-se sobre a constitucionalidade das
medidas tomadas durante e decorrentes de sua vigência, controlando, portanto,
não a adoção desta medida excepcional, mas, a partir daí, a constitucionalidade do
exercício do poder político durante o estado de sítio. Contudo, é interessante
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ressaltar que, mesmo esta orientação adotada pelo STF, que excluía do controle de
constitucionalidade pelo Poder Judiciário o ato da decretação do estado de sítio, já
não se mostrava unânime, havendo uma parcela de ministros do STF que,
discordando desta jurisprudência, manifestavam-se acerca da constitucionalidade
do próprio estado de sítio e, não raro, o declaravam inconstitucional, tal como se
verifica nos seguintes acórdãos:

“É concedida a impetrada ordem de habeas-corpus, para que, mantida a


detenção do paciente por efeito do dec. N. 10.861 de 25 de Abril de 1914, que
estabeleceu o estado de sítio, seja ela em lugar não destinado aos réus de crime
comum e seja permitida ao paciente a comunicabilidade, caso ele não a tenha,
guardado o regime de estabelecimento.
Ementa do votos vencidos: A inconstitucionalidade do estado de sítio e
consequentemente da sua prorrogação, torna ilegal a detenção do impetrante.”31

“É negado provimento ao recurso para confirmar a decisão recorrida, que


declarou prejudicado o pedido, à vista da informação do chefe de polícia, de ter
sido feita a detenção por sua ordem, em consequência do estado de sítio.
Ementa dos votos vencidos: Em face da inconstitucionalidade do estado de sítio,
são ilegais as prisões autorizadas como medidas dele decorrentes.” 32

29
RSTF, vol. 2, pg. 294 – Habeas Corpus nº 3539
30
RSTF, vol. 5, pg. 18 – Habeas Corpus nº 3556 – 10.06.1914.
31
RSTF, vol. 10, p. 303 – Habeas Corpus nº 3603 – 22.08.1914.
32
RSTF, vol. 10, pg. 301 – Habeas Corpus nº 3645 – 24.10.1914.
175

Quanto a este último acórdão, vale aqui trazer à colação o voto do Ministro
Pedro Lessa:

“Também a nossa Constituição só permite a decretação do estado de sítio


quando há guerra, externa ou interna, internacional ou civil, ou grave comoção
intestina.
Não é possível reconhecer a constitucionalidade deste estado de sítio atual,
torpíssima farsa criminosa, da qual não podem derivar nenhumas restrições à
liberdade individual.”33

Esta corrente, no entanto, manteve-se como minoritária ao longo de todo o


período da Primeira República, tendo o STF firmado jurisprudência no sentido da
impossibilidade de se exercer o controle de constitucionalidade sobre a decretação
do estado de sítio. Nesse sentido:

“Não há ato algum do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, argüido de


inconstitucionalidade ou de lesivo de direitos, que escape ao exame do Poder
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Judiciário, quando a isso regularmente provocado pela vítima da lesão.


O Poder Judiciário não julga a Lei ou resolução do Congresso ou o ato do
Executivo, sob o aspecto da sua oportunidade ou conveniência, mas somente da
sua constitucionalidade, ou legalidade, isto é, da conformidade ou não, dele com
as limitações postas pela CF ou pela Lei, à ação do Poder de que emana o ato
impugnado.
Da necessidade e conveniência dos atos de detenção ou desterro, durante o
estado de sítio, o único juiz é o Poder Executivo, o responsável pela manutenção
da ordem pública.”34

“Cabe, privativamente, ao Congresso Nacional, com a exclusão de qualquer


outro Poder, aprovar ou suspender, se o julgar inconstitucional, o estado de sítio
decretado pelo Poder Executivo da União, na ausência do Congresso.
CF, arts. 34, n. 21, e 80.”35

33
Idem.
34
RSTF, vol. 54, pg. 5 – Habeas Corpus nº 8690 –16.10.1922. Tratava-se de habeas corpus
impetrados em favor de Edmundo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã, e Irineu Marinho,
diretor d’A Noite. Conforme relatado no acórdão: “(...) alegam os pacientes que o governo serve-
se da medida do sítio parta exercer perseguições contra os pacientes pela crítica que, nos jornais
que dirigem, fizeram a seus atos. (...) considerando que da necessidade e conveniência dos atos de
detenção, ou desterro, enquanto dura o sítio, o único juiz é o Poder Executivo, o responsável pela
manutenção da Ordem Pública; considerando que a Constituição Federal previa a possibilidade
dos abusos a que alude o impetrante, e estabeleceu como único corretivo para eles a
responsabilidade criminal das autoridades que tenham ordenado as medidas abusivas (art. 80,
§4º, CF); (...) considerando que, enquanto tal reforma se não fizer, a intervenção do judiciário na
proteção dos alcançados pelas medidas do sítio terá de se circunscrever ao exame da
conformidade ou não dos atos do Legislativo ou do Executivo relativos à suspensão de garantias
com os dispositivos constitucionais que a regulam (...)”. Embora vencido, vale registrar o voto do
ministro HERMENEGILDO DE BARROS: “(...) sustentando a doutrina de que o Poder
Judiciário tem competência para conhecer de casos políticos, desde que haja lesão de direito
individual, não exceptei a intervenção daquele poder, mesmo em estado de sítio”.
176

“Cabe privativamente ao Congresso Nacional, com exclusão de qualquer outro


poder, aprovar ou suspender o estado de sítio decretado pelo Poder Executivo da
União, na ausência do Congresso.
CF, art. 80”36

5.2.2 Tributos

As argüições de inconstitucionalidade de tributos junto ao STF foram


bastante freqüentes ao longo da Primeira República, o que se explica, em parte,
pelo fato de que os tributos atingem um largo número de cidadãos contribuintes
em condições econômicas que permitiam o acesso ao Poder Judiciário. Assim,
considerando-se que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei - a que
instituiu o tributo, no caso - pelo Poder Judiciário, ainda que fosse proferida pelo
STF, instância máxima, gerava efeito somente entre as partes envolvidas no
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processo, não se estendendo aos demais contribuintes, caberia a estes a cada um


destes ajuizar uma ação individual, a fim de, uma vez declarada a
inconstitucionalidade da referida lei, assegurar o seu direito de não pagar o
referido tributo. O STF, por seu turno, deveria declarar inconstitucionalidade da
referida lei tantas vezes quantas fossem o número de processos envolvendo o
tema.
Contudo, não era esta a única causa do avolumado número de processos
em que se argüia, perante o STF, a inconstitucionalidade de tributos. Embora, de
fato, o STF tenha se manifestado diversas vezes sobre um mesmo tributo, por
conta do efeito meramente inter partes da declaração de inconstitucionalidade em
suas decisões, cumpre assinalar que não foram poucos os tributos cuja
constitucionalidade fora argüida junto àquela Corte. A variedade de tributos
apontados como inconstitucionais ao longo da Primeira República poderia não
causar espécie, dado o considerável período de pouco mais de 40 anos de vigência
da Constituição de 1891. Entretanto, em que pese a variedade de tributos cuja
constitucionalidade fora arguida e também a variedade de dispositivos

35
RSTF, vol. 83, p. 5 – Habeas Corpus nº 9326 – 16.07.1923. Neste caso, o paciente havia
requerido ao Juiz Federal da Seção do Estado do Rio de Janeiro uma ordem de habeas-corpus
preventivo, que lhe assegurasse o exercício do direito de manifestar livremente o seu pensamento
sobre a política geral da Nação no Estado do Rio, sob o fundamento da inconstitucionalidade do
estado de sítio decretado pelo Presidente.
177

constitucionais que estariam sendo violados, deve-se registrar que a questão de


fundo era quase sempre a mesma: a questão federativa, ou mais especificamente a
distribuição de competência tributária entre os entes federativos, o que demonstra
a dificuldade dos governantes em se adequar ao projeto constitucional quanto a
este tema.
Nesse sentido, vale apontar que o STF, por unanimidade, em sessão de
24.11.1894, declarou inconstitucional a lei do Estado da Bahia, de 25.08.1892,
que havia criado um imposto de importação estadual sobre as mercadorias
estrangeiras já tributadas pela União. Este imposto - chamado "imposto de
estatística - violava, segundo o STF, o art. 7.º, n. 1, que atribuía à União a
competência exclusiva para decretar impostos sobre a importação estrangeira.37
Este entendimento foi mantido pelo STF em julgados posteriores:

“Cobrança de impostos denominados de ‘estatística’, criado pela lei de 25 de


agosto de 1892. O imposto que recai sobre a importação de mercadorias de
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procedência estrangeira, quando destinado a fazer parte da receita do Estado, é


inconstitucional e não pode ser por este cobrado”.38

“A lei estadual de Pernambuco, n.º 407 de 28/06/1899, é inconstitucional em sua


disposição do art. 2.º e do art. 4.º, para tributar mercadoria de procedência
estrangeira.”39

Em 23.05.1896, o STF julgou inconstitucionais leis orçamentárias também


do Estado da Bahia que estabeleciam imposto de exportação sobre as mercadorias
nacionais saídas daquele Estado para outros Estados, cabendo assinalar que
haviam sido juntados aos autos do processo pareceres da lavra de RUI BARBOSA
e outros advogados de renome, o que demonstra a relevância do tema. Assim,
seguindo o entendimento esposado por RUI BARBOSA, o STF proferiu o
seguinte acórdão:

“(...) considerando que, sendo livre, isto é, isento de direitos, o comércio de


cabotagem às mercadorias nacionais (art. 7.º, n.º 2 da Constituição), não pode
ser tributada por um Estado a saída de tais mercadorias de um porto seu para o

36
RSTF, vol. 89, p. 9 – Habeas Corpus nº 9382 – 23.07.1923.
37
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 73. (Recurso Extraordinário n.º 17,
Jurisprudência, 1894, pp. 4-6.)
38
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência, p. 103, 1897 – Recurso Extraordinário n.º 14 –
13.01.1895.
39
BASTOS, JOSÉ TAVARES, Repertório das Decisões do STF, vol. II, pg. 18. – RE n.º 374,
30.08.1909.
178

de qualquer outro Estado da União, e inconstitucionais são, pois, as leis


orçamentárias do Estado da Bahia que violam este preceito: acórdão em dar
provimento ao recurso para, julgando o recorrente desobrigado do imposto que
lhe foi cobrado, mandar que lhe seja restituída a quantia de 4:625$506, que
indevidamente pagou, condenada nas custas a Fazenda Estadual”.40

Como se pode verificar, o STF declarou inconstitucionais as referidas leis


estaduais, que estabeleciam impostos sobre a exportação/saída de seus produtos
para outros Estados, a partir do princípio da liberdade de comércio interestadual,
buscando fundamento no disposto no art. 7.º, n.º 2, que ao estabelecer que é da
competência exclusiva da União decretar direitos de entrada, saída e estadia de
navios, deixa assente que “é livre o comércio de cabotagem às mercadorias
nacionais, bem como às estrangeiras que já tenham pago impostos de
importação”. Este entendimento, contudo, não foi unânime, tendo sido vencidos
os ministros FIGUEIREDO JR., H. DO ESPÍRITO SANTO e AMÉRICO LOBO.
Nesse sentido, anotou LÊDA BOECHAT RODRIGUES:
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“Segundo Figueiredo Jr., o art. 9.º, n.º 1, da Constituição Federal, ao atribuir


aos Estados a competência exclusiva de decretar impostos sobre a exportação
das mercadorias de sua própria produção o fizera sem definir a palavra
exportação, e portanto devia-se entender, a exemplo do que ocorria no Império
com as taxas provinciais de exportação, que os Estados podiam tributar tanto o
tráfico para os países estrangeiros como o de cada Estado para qualquer dos
outros da União. H. Espírito Santo, em voto muito curto, declarou que o julgado
do Tribunal fora de encontro ao que claramente decretara a Constituição
Federal no art. 9.º, §1.º, ‘que de nenhum modo pode suportar a interpretação tão
forçada, que acaba de receber, e que redunda em revogação de lei’. Américo
Lôbo, relator vencido do feito, acusou o acórdão de haver omitido
completamente ‘o eixo da contenda que é o fato, aliás confessado pelo
Recorrente, de ser produto baiano o café que na Bahia pagou direitos de
exportação, de cuja restituição se trata’. O provimento do recurso, disse, ‘a título
de interpretação, feriria de frente mais de um preceito constitucional e lançaria
os Estados ao braseiro das lutas intestinas, senão à imoralidade dissolvente do
mútuo saque de suas rendas, entregando-os manietados à cobiça de um ou mais
sindicatos que corvejariam de improviso sobre o corpo exânime da
Federação’.”41

Cabe registrar que o ex-constituinte AMARO CAVALCANTI, formado


em direito pela Union University e profundo conhecedor do direito norte-
americano, insurgiu-se contra esta decisão do STF, publicando uma série de
artigos no Jornal do Comércio condenando a interpretação extensiva feita pelo

40
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 74. (Recurso Extraordinário n.º 12 – 23.05.1896)
41
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 75.
179

STF a respeito do disposto no art. 7.º, n.º 2, o que fundamentava a declaração de


inconstitucionalidade das referidas leis. Em suas palavras: “declarar a invalidade
de uma lei, promulgada pelo poder competente – por mera interpretação
ampliativa – é jurisprudência perigosa, senão inadmissível, por contrária à
independência dos poderes públicos entre si; e, no caso sujeito, nem essa
interpretação serve de argumento, porque a simples redação ou forma do texto
repele-a de modo claríssimo”42. Após ser contestado por RUI BARBOSA43,
também através de uma série de artigos publicados no jornal do Comércio,
AMARO CAVALCANTI reiterou seu entendimento, travando, assim, um
verdadeiro debate doutrinário a respeito do tema:

“(...) o Supremo é o primeiro a não ignorar, que a conseqüência fatal da sua


recente decisão (falo com todo o respeito) seria impossibilitar a vida financeira
dos Estados. ... A vigorar a teoria nova, ainda que amparada pela decisão
suprema, - os Estados ficam sem a sua melhor parte de rendas, que é a
proveniente do comércio interestadual; – e, além disto, terão que restituir o que
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inconstitucionalmente têm arrecadado desde 1892, - isto é, para uns centenares


e para outros milhares de contos de reis! E onde iria parar a sorte da República,
ao influxo de tão brilhante teoria?! Como cidadão, como homem político,
preferiria errar, pondo-me ao lado do bem público, do que acertar, fazendo o
mal, fascinado da luz radiante de princípios teóricos, nem sempre aplicáveis aos
fatos de um povo...”44

Interessante observar o argumento, cuja importância não se pode ignorar,


trazido por AMARO CAVALCANTI ao atentar para a obrigação que os Estados
teriam de restituir, uma vez declarada a inconstitucionalidade das leis que
instituem os impostos, tudo o que foi arrecadado a partir destes tributos, e,
portanto, indevidamente arrecadado, o que poderia, eventualmente, comprometer
as finanças dos Estados. Com efeito, de acordo com a doutrina exposta por

42
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 76.
43
“Ninguém diz que a justiça federal, em matérias constitucionais, possa obrar ‘por mera
interpretação ampliativa’, que o Supremo Tribunal, ‘como intérprete final da Constituição, possa
julgar da constitucionalidade das leis sempre e como bem lhe pareça’. O meu livro sobre Os Atos
inconstitucionais do Congresso e do Executivo estuda rigorosamente as condições, as regras, os
limites restritivos da função judiciária neste ramo sobre todos melindroso dos seus deveres: e
ainda no meu trabalho recente acerca da aposentadoria dos magistrados em disponibilidade
acumulei arestos, para mostrar que a justiça não deve pronunciar a invalidade das leis, senão
quando contra esta não milite dúvida razoável. Mas daí não tolerar que a magistratura não possa
reconhecer ao Governo, da União, ou dos Estados, ‘limites que não foram, explicitamente,
traçados pelo legislador constituinte’ vai incomensurável distância. ... Para o meu adversário a
constitucionalidade dos impostos interestaduais é palpável. Para mim, é palpável a sua
inconstitucionalidade. Quem decidirá entre nós, senão a hermenêutica judicial?” (RODRIGUES,
LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 77)
44
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., pp. 78-9.
180

MARSHALL no caso MARBURY Vs. MADISON, a norma declarada


inconstitucional era nula, nada podendo ser exigido com base nela. A prova da
realidade, contudo, parecia revelar um problema em relação à teoria. De qualquer
modo, o autor não se preocupou em buscar alguma solução a este problema,
limitando-se a criticar a inconstitucionalidade dos referidos tributos.
Entretanto, após a declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, das
referidas leis estaduais da Bahia que estabeleciam impostos sobre a saída de seus
produtos para outros Estados, o que, segundo o STF, violava a Constituição, foi
aprovada pelo governo federal, em sentido frontalmente oposto a esta decisão, a
lei n.º 410, de 12 de novembro de 1896, que reconhecia expressamente aos
Estados o poder de tributar as exportações para outros Estados. Embora a lei não
tivesse o condão de alterar a jurisprudência do STF, podendo até mesmo ter a sua
validade contestada, por violar justamente a interpretação dada pelo STF ao texto
constitucional, fato é que com entrada em vigor da lei n.º 410, o que ocorreu após
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os debates travados por RUI BARBOSA e AMARO CAVALCANTI, e cuja


importância não deve ser desprezada45, o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 92, em 13.02.1897, mudou seu
entendimento a respeito do tema, embora ainda por maioria de votos, tendo sido
vencidos os ministros JOÃO BARBALHO, PEREIRA FRANCO,
BERNARDINO FERREIRA e JOSÉ HIGINO:

“O art. 9.º, n.º 1 da Constituição, estatuindo a competência dos Estados para


decretar impostos de exportação sobre as mercadorias de sua própria produção,
não excetuou dessa competência, nem explicitamente, nem, com sustentam os
recorrentes, pela força implícita do termo, a exportação de um para outro Estado
da República. ... Nada sufraga a arbitrária suposição de ter querido o legislador
constituinte alterar a significação usual das palavras, para chegar, por esse
processo anômalo, à alteração do direito, recusando aos Estados da nova
federação aquilo de que gozavam as províncias do império... O art. 7.º não
cogita senão de poderes da União; e, pois, a cláusula incidente do n.º 2, relativa
à liberdade do comércio de cabotagem para as mercadorias nacionais ou para
as estrangeiras, já quites do imposto de importação, apenas encerra uma isenção

45
A influência do debate travado entre RUI BARBOSA e AMARO CAVALCANTI revela-se, a
título ilustrativo, na seguinte passagem do voto do Ministro MACEDO SOARES, no julgamento
do Rec. Extr. n.º 92, de 13.02.1897: “Questões do maior momento são aqui apresentadas de
sopetão, com o estudo apenas de um relator e dois revisores, e decididas pela grande maioria da
casa, à qual nem tempo se dá para examiná-las, e há de votar na fé dos que as estudaram. Estou
hoje convencido, e sobretudo depois da luminosa discussão travada na imprensa diária desta
cidade, entre os Drs. Amaro Cavalcanti, Rui Barbosa e Aristides Maia, que a Constituição
Federal não instituiu a liberdade de cabotagem.” (apud. RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op.
Cit., p. 81)
181

de impostos federais, conforme está hoje declarado pela Lei n.º 410, de 12 de
novembro de 1896, e não, como sustentam os recorrentes, uma limitação ao
direito, irrestritamente conferido a cada um dos Estados por outro artigo
constitucional, de tributar a exportação das mercadorias de sua produção.
Também não se pode enxergar tal limitação no art. 34, §5.º da Constituição. O
poder, aí atribuído privativamente ao Congresso Nacional, de regular o
comércio internacional, bem como o dos Estados entre si e com o Distrito
Federal, não envolve o de regular a tributação das mercadorias ou dos
mercadores.”46

Este entendimento, como lembra LEDA BOECHAT RODRIGUES, foi


mantido pelo STF em outros julgados, tal como no julgamento do Rec. Ext. n.º 98,
de 17.02.1897.47
No entanto, cumpre assinalar que em 11 de junho de 1904 foi aprovado
pelo governo federal o Decreto n.º 1.185, que declarou livre de quaisquer
impostos da União, ou dos Estados e municípios o intercurso de mercadorias
nacionais ou estrangeiras, quando objeto de comércio dos Estados entre si e com o
Distrito Federal, ab-rogando, destarte, a Lei n.º 410, de 12 de novembro de 1896.
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Como assinala LÊDA BOECHAT RODRIGUES: “vencia, assim, a boa doutrina


sustentada pelo Supremo Tribunal Federal no acórdão de 23 de maio de 1896 e
por Rui Barbosa, na sua polêmica com Amaro Cavalcanti, do mesmo ano”48.
Cumpre frisar que, se em relação ao imposto de exportação, a
jurisprudência do STF oscilou entre a sua possibilidade e a vedação
constitucional, acompanhando sempre a legislação em vigor – o que poderia até
sugerir que, ao menos a este respeito, coube ao Congresso o papel de intérprete da
Constituição –, o mesmo não ocorreu em relação aos impostos de importação
freqüentemente criados por diversos Estados da federação, tributando a entrada
das mercadorias produzidas em outros Estados. Com efeito, o STF, mesmo antes
da aprovação do Decreto n.º 1.185, sempre se manifestou pela
inconstitucionalidade de tais tributos, como se pode verificar nos seguintes
acórdãos:

“O STF declarou inconstitucional o imposto sobre gêneros importados de outros


estados criado pela lei pernambucana n.º 315 de 30/06/1897, pois este tipo de
imposto só poderia ser criado por lei federal.”49
46
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT, Op. Cit., p. 80.
47
Op. Cit., p. 81.
48
RODRIGUES, LÊDA BOECHAT. “História do Supremo Tribunal Federal”, Tomo II – 1899-
1910 – Defesa do Federalismo, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, S.A., 1968, p. 98.
49
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência, pg. 140, 1905 – RE n.º 196, 09.01.1901
182

“O STF declarou a inconstitucionalidade da Lei Estadual (Bahia) n.º 315 de


1897 que criou o imposto de importação interestadual. A Fazenda local invadiu a
competência exclusiva da União federal.”50

Com a entrada em vigor do Decreto n.º 1.185, o STF manteve sua


jurisprudência, declarando reiteradamente a inconstitucionalidade dos impostos de
importação criados pelos Estados sobre mercadorias produzidas em outros
Estados, o que, a partir de então, só seria permitido uma vez atendidas as
condições previstas no referido decreto, quais sejam: a de que as mercadorias a
serem tributadas já constituíssem objeto de comércio do Estado tributante e, desse
modo, se achassem incorporadas à massa da sua riqueza comum, bem como que o
imposto nelas lançado incidisse também, com a mais completa igualdade, nas
mercadorias particulares do Estado tributário. Nesse sentido, vale trazer à colação
os seguintes acórdãos:
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“É inconstitucional quando lançados (impostos de importação) pelos Estados


sobre a importação de mercadorias fora dos limites fixados pela Lei nº 1185 de
11/6/04 e Dec. nº 5402 de 23/12/04, isto é, antes de constituírem objeto do
comércio interno ou de se acharem incorporadas ao acervo de suas riquezas.”51

“O art. 9, parágrafo 2. da Constituição Federal, com o intuito manifesto e


evidente de assegurar a harmonia dos Estados da Federação, no que concerne
ao intercâmbio de sua produção, veda expressa e absolutamente aos Estados a
tributação, qualquer que seja a sua modalidade, de mercadorias produzidas
pelos Estados da Federação e assim sendo - não pode o Estado importador
onerar - nem mesmo a título de defesa de sua produção, com o fim de impedir a
introdução de mercadorias similares de produção nacional - tributar, onerar ou
gravar de qualquer modo a importação de gêneros produzidos em outros Estados
- o que seria atentatório ao regime federativo.”52

“- Apelação Cível n. 1405 – 12.09.1917 (Rio Grande do Sul)

É inconstitucional o imposto lançado por um Estado sobre mercadorias de


produção de outro Estado, desde que sobre elas incida no ato mesmo da

50
Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência, pg. 158, 1905 – RE n.º 204, 31.06.1901
51
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 191 – Recurso Extraordinário nº 468 – 07.07.1909;
Recurso Extraordinário nº 534 – 01.09.1909; Apelação Cível n.º 1408 – 09.08.1909; Apelação
Cível n.º 1355 – 22.10.1910; Apelação Cível n.º 1415 – 13.06.1911; Apelação Cível n.º 1408 –
09.08.1909; Recurso Extraordinário n.º 585 –14.10.1911; Apelação Cível n.º 1412 – 14.08.1912;
Apelação Cível n.º 1407 – 14.09.1912; Recurso Extraordinário n.º 566 – 24.12.1912; p. 192,
Apelação Cível n.º 1460 – 16.08.1913; Apelação Cível n.º 1975 – 07.05.1913.
52
RSTF, vol. 5, p. 17 – Agravo de Petição n. 1960, 22.09.1915.
183

importação, antes que constituam objeto de comércio interno do Estado, e se


achem, incorporadas ao acervo de suas próprias riquezas.”53

“- Apelação cível n. 1984 – 12.09.1917 (Bahia)

Taxas criadas pela Lei de um Estado, para as bebidas alcoólicas de procedência


de outros Estados, constituem imposto de importação interestadual, que incide
em proibição constitucional.”54

“- Apelação Cível n. 1994 – 12.09.1917 (Bahia)

É inconstitucional o imposto lançado por um Estado sobre mercadorias de


produção de outro Estado, a não ser nos precisos termos dos artigos 3º e 4º do
Dec. N. 5401 de 23 de Dezembro de 1904, que:
essas mercadorias já constituem objeto de comércio do Estado tributante e se
achem incorporadas à massa da sua riqueza comum;
que o imposto nelas lançado incida também, com a mais completa igualdade, nas
mercadorias particulares do Estado tributário.”55

“- Apelação Cível n. 1992 – 14.09.1917 (Bahia)


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A nenhum Estado será permitido, salvo o disposto no art. 9º n. 3, CF, tributar, à


entrada de seu território, qualquer que seja a denominação do imposto, as
mercadorias estrangeiras e as nacionais de produção de outro Estado.
Depois de entradas tais mercadorias no território do Estado, a este só é lícito
tributá-las concorrendo as seguintes condições:
que essas mercadorias já constituam objeto do comércio interno do Estado e se
achem incorporadas à massa da riqueza comum;
que as taxas ou tributos nelas lançadas incidam, também, com a mais completa
igualdade nas mercadorias similares de produção do Estado, e, quando não
houver produção similar, depois que forem vendidas por grosso pelo importador,
ou quando exportar ao consumo a retalho.
O remédio jurídico de que pode usar o possuidor de mercadorias, que for
turbado ou ameaçado na sua posse, em virtude de Lei estadual que estabeleça
impostos fora das referidas condições, é a ação possessória, de marcha
processual, criada pela Lei n. 1185 de 1904.”56

“- Recurso Extraordinário n. 550 – 22.10.1919 (Ceará)

Cabe recurso extraordinário, quando na Justiça Local foi contestada a validade


da lei local, e a decisão proferida em última instância julgou válida a Lei
impugnada.
Aos Estados, só é lícito estabelecer taxas ou tributos que, sob qualquer
denominação, incidam sobre as mercadorias estrangeiras ou nacionais de
produção de outros Estados, quando essas mercadorias já constituam objeto do
comércio interno do Estado e se achem, assim, incorporadas ao acervo de suas
próprias riquezas, ou quando as taxas e tributos estabelecidos incidam também,

53
RSTF, vol. 14, p. 45 – Apelação Cível n. 1405 – 12.09.1917.
54
RSTF, vol. 15, p. 287 – Apelação cível n. 1984 – 12.09.1917.
55
RSTF, vol. 15, p. 288 – Apelação Cível n. 1994 – 12.09.1917.
56
RSTF, vol. 61, p. 61 – Apelação Cível n. 1992 – 14.09.1917.
184

com a mais perfeita igualdade, sobre as mercadorias similares de sua própria


produção.
As mercadorias não constituem objeto de comércio interno de um Estado, não se
achando, portanto, incorporadas à massa de suas riquezas, enquanto
permanecerem nas mãos dos importadores, nos seus próprios envoltórios
originais. Inconstitucionalidade da Lei estadual cearense n. 833, de 23/9/05.
Aplicação da Constituição Federal, arts. 7, n. 1 e 2, 34, n. 5 e 59, §1º, b.”57

“- Apelação Cível n. 2448 – 28.07.1920 (Belém)

É vedado aos Estados, como aos Municípios, tributar mercadorias de produção


de outros Estados, antes que se incorporem ao acervo de suas riquezas.
aos Juizes federais incumbe garantir os importadores contra a cobrança, por
parte dos Estados ou Municípios, de impostos proibidos pela CF.
É inconstitucional o imposto quando incide sobre a mercadoria, no ato de
desembarque, quando ainda nos respectivos invólucros.
O intuito da Lei n. 1185, de 1904, foi garantir o livre intercurso das mercadorias
importadas de uns, em outros Estados, pondo-as a coberto da cobrança de
impostos de importação inconstitucionais.
O remédio possessório é tão aplicável aos casos de taxação de mercadorias em
trânsito, como àqueles em que se tributarem mercadorias nacionais ou
nacionalizadas, que, embora destinadas ao consumo do Estado importador,
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mesmo que não estiverem identificadas com as riquezas que constituem o objeto
do seu comércio interno, porquanto, em ambas as hipóteses, o imposto será um
entrave ao intercâmbio dos Estados que a Lei visa facultar e proteger.
Aplicação da CF, art. 60, letra a, e 7º, §2º.”58

“- Apelação Cível n. 2464 – 21.05.1921 (Belém)

Só depois que as mercadorias se incorporam ao acervo dos bens do Estado é que


este as pode legalmente taxar, contanto que os tributos que as oneram incidam
com a maior igualdade sobre as mercadorias similares de produção do Estado.
A mercadoria importada de qualquer circunscrição territorial do país - Estado
ou Município - só se diz incorporada à riqueza comum e, portanto, constituindo
objeto do comércio interno, quando é vendida pelo importador, a grosso ou a
vareja; antes disso, enquanto permanece nas mãos daquele, contida nos
envoltórios originais, não tem perdido ainda o seu caráter de importação e está,
por conseguinte, fora da massa dos bens tributáveis.
Assim, pois, todo o imposto que a for atingir nesta situação é um imposto
inconstitucional e vexatório, porque, seja qual for a máscara com que se
disfarce, é um tributo de entrada, um imposto de importação, que aos Estados é
vedado estabelecer e cobrar, e contra o qual é utilizável a defesa legal da
manutenção de posse.
CF, arts. 7, n.2; e 60, letra a.”59

“- Agravo de Petição n. 2937 – 07.05.1921 (Bahia)

Não são inconstitucionais os impostos criados por um Estado, quando incidem


sobre mercadorias estrangeiras ou de produção de outros Estados, desde que já
incorporadas à riqueza do mesmo Estado.60
57
RSTF, vol. 23, p. 247 – Recurso Extraordinário n. 550 – 22.10.1919.
58
RSTF, vol. 27, p. 108 – Apelação Cível n. 2448 – 28.07.1920.
59
RSTF, vol. 35, p. 145 – Apelação Cível n. 2464 – 21.05.1921.
185

- Agravo de Petição n. 2937 (Embargos) – 17.08.1921 (Bahia)

Não é inconstitucional o imposto criado por um Estado, quando incide sobre


mercadorias estrangeiras ou de produção de outros Estados, desde que já
incorporadas à riqueza do Estado criador do imposto.
A mercadoria de outro Estado ou estrangeira, exposta ao consumo em um
Estado, já se incorporou à sua riqueza.61

Como se pode verificar, o STF manteve sua jurisprudência, declarando


inconstitucionais as leis estaduais de importação de mercadorias provenientes de
outros Estados. No entanto, adequou sua jurisprudência aos termos legais,
acatando, portanto, as exceções previstas no Dec. 1.185, e atenuando, destarte, o
princípio da plena liberdade de comércio entre os Estados, firmado inicialmente.
Outra questão, ainda em sede tributária, sobre a qual o STF teve que se
manifestar, por afetar o princípio da liberdade de comércio interestadual, e,
portanto, a federação definida pela Constituição, refere-se à vedação
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constitucional à criação, tanto pelos Estados como pela União, de impostos de


trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre
produtos de outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os
veículos de terra e água que os transportassem (CF, art. 11, 1.º). Nesse sentido, o
STF declarou inconstitucionais leis estaduais que estabeleciam imposto de
trânsito, vedado pela Constituição:

“- Apelação Cível n. 1979 – 20/11/16 (Bahia)

É vedado ao Estado estabelecer o imposto de trânsito sobre mercadorias


procedentes de outros Estados.”62

“- Recurso Extraordinário n. 533 – 10.01.1919 (Ceará)

Cabe recurso extraordinário interposto da sentença que, proferida em ação em


que se argüiu de inconstitucional uma Lei Estadual, decidiu pela validade dessa
Lei ( art. 59, § 1º, b, CF).
É inconstitucional a Lei de um Estado que estabelece impostos sobre as
mercadorias em trânsito pelo respectivo território, por ferir o art. 11, n. 1,
CF.”63

60
RSTF, vol. 31, p. 115 – Agravo de Petição n. 2937 – 07.05.1921.
61
RSTF, vol. 33, p. 98 – Agravo de Petição n. 2937 – 17.08.1921.
62
RSTF, vol. 48, p. 123 – Apelação Cível n. 1979 – 20.11.1916.
63
RSTF, vol. 19, p. 309 – Recurso Extraordinário n. 533 – 10.01.1919.
186

“- Apelação Cível n. 3018 – 10.12.1921 (Paraíba)

“(...) considerando que já no antigo regime havia sido repelida pelo Conselho
de Estado a pretensão de algumas províncias defenderem a sua própria
produção, taxando a importação dos gêneros das outras províncias, sendo um
dos fundamentos da decisão ser essa luta de interesses econômicos muito
prejudicial à União e à integridade do Império (Viveiros de Castro - “História
Tributária do Brasil”);
considerando que foi para impedir essa luta, muito mais de recear no
regime federativo, em que são mais frouxos os laços de coesão nacional, do que
no regime unitário que vigorava no Império, que a CF, art. 11, n. 1, vedou aos
Estados como à União, criar impostos de trânsito;
considerando que, sendo manifestamente inconstitucional o imposto
estabelecido pela Lei paraibana, n. 426 de 8/11/15, era caso de se conceder o
interdito proibitório (...)
É vedado aos Estados como à União criar impostos de trânsito.
CF, art. 11, n. 1, e Lei n. 1185, de 1904, art. 5º.”64

“- Apelação Cível n. 3074 – 12.08.1922 (Paraíba)

É inconstitucional a Lei estadual, do Estado da Paraíba, n. 426, de 8/11/15, que


estabeleceu o imposto de trânsito sobre mercadorias da produção de outros
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Estados.
CF, art. 11, n. 1.” 65

Finalmente, vale destacar dois impostos sobre cuja constitucionalidade o


STF teve que se manifestar em diversos acórdãos: o imposto sobre bilhetes de
loteria e o imposto sobre dividendos de companhias e sociedades anônimas,
ambos impostos federais, argüidos de inconstitucionais sob o fundamento de ser a
competência estadual. Inconstitucionalidade formal, portanto.
Em relação ao imposto sobre bilhetes de loteria, entendia o STF que, por
tratar-se de serviço de concessão estadual, não poderia ser tributado pela União, já
que o art. 10 da Constituição proibia expressamente “aos Estados tributar bens e
rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”. Nesse sentido,
vale trazer à colação alguns acórdãos proferidos pelo STF, em sede recursal,
cabendo observar que em todos eles a Fazenda Nacional figura como parte
recorrida, o que sugere que a constitucionalidade da referida legislação havia sido
aceita pelo tribunal a quo:

“O artigo 368 do Código Penal pune unicamente a loteria não autorizada por
lei. A Lei Federal reconhece como autorizadas as loterias dos Estados.

64
RSTF, vol. 39, p. 125 – Apelação Cível n. 3018 – 10.12.1921.
65
RSTF, vol. 48, p. 145 – Apelação Cível n. 3074 – 12.08.1922.
187

É inconstitucional a taxação, pela União, dos bilhetes de loterias de concessão


dos Estados (art. 9º, §1º, n. 1 e art. 10, CF)”66

“É inconstitucional a taxação, pela União Federal, de loterias dos Estados de


acordo com o espírito do disposto no artigo 10, CF.”67

“É nulo, por inconstitucional, o imposto cobrado pela União, sobre bilhetes de


Loteria, de concessão estadual, extraída e vendida unicamente dentro do
território do Estado concedente.”68

“É contrária ao art. 10 da Constituição Federal a taxação de Loteria, explorada


por concessão de algum Estado, o que lhe dá o caráter de serviço estadual.”69

Quanto ao imposto sobre dividendos das companhias e sociedades


anônimas, o argumento sob o qual argüia-se a sua inconstitucionalidade referia-se
também à competência para instituí-lo. É que segundo alegavam os contribuintes,
o imposto sobre dividendos seria, materialmente, um imposto sobre indústrias e
profissões, cuja competência pertencia aos Estados (art. 9.º, n.º 4). O STF, no
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entanto, decidiu sempre pela constitucionalidade do referido tributo, alegando que


este não se confundia com o imposto sobre indústria e profissões:

“Os impostos sobre dividendos, não se confundindo com os impostos sobre


indústria e profissões, não incorrem em vício de inconstitucionalidade.”70

“Não é inconstitucional a Lei Federal que decreta imposto sobre dividendos de


Companhias.
O imposto sobre dividendos é distinto do imposto de industrias e profissões.
O imposto, que pelo art. 9º, §4º, CF, passou a pertencer aos Estados, foi o
imposto sobre o exercício de indústria ou profissão.”71

“O imposto federal sobre dividendos dos bancos, companhias e sociedades


anônimas não é inconstitucional, e é diverso do imposto de indústria e profissão,
que a CF reservou aos Estados.”72

“O imposto sobre dividendos é constitucional, porque não se confunde com o de


indústrias e profissões.
Ao seu pagamento estão sujeitas as sociedades anônimas estrangeiras, mas tão-
somente quanto aos seus dividendos distribuídos no Brasil e não quanto aos que
o forem no estrangeiro.”73

66
RSTF, vol. 13, p. 203 – Apelação Cível n. 2884 – 08.08.1917.
67
RSTF, vol. 14, p. 44 – Apelação Cível n. 2900 – 05.09.1917.
68
RSTF, vol. 14, p. 248 – Apelação Cível n. 2888 – 27.10.1917.
69
Diário da Justiça, 10.10.1930, p. 6043 – Apelação Cível n° 2897 – 22.12.1917.
70
RSTF, vol. 11, p. 411 – Apelação Cível n. 1690 – 20.11.1916.
71
RSTF, vol. 13, p. 212 – Apelação Cível n. 1690 – 20.11.1916.
72
RSTF, vol. 63, p. 67 – Apelação Cível n. 2339 – 21.09.1917.
188

“O imposto sobre dividendos é, de acordo com a jurisprudência do STF,


constitucional e pertence à União e não aos Estados.
O poder de tributar é inerente à soberania de cada Estado e não excede os
limites do seu território e em relação às coisas e bens nele situados.
Para que a renda e lucros dos capitais estrangeiros pertencentes às S.A., com
sede fora do território do país, possam ser tributados, é necessário que o Poder
Legislativo o faça de modo expresso e claro, porque, em matéria de tributação, a
interpretação por analogia, por indução, ou por extensão não é permitida, e a
dúvida se interpreta em favor do contribuinte.
O imposto sobre a renda e lucros de capitais estrangeiros em circulação dentro
do território da República é constitucional e legítimo, mas é essencial que se
origine de disposição expressa de Lei.”74

Embora se possa afirmar que o STF manifestou-se sempre pela


constitucionalidade do referido tributo, “não se confundindo com os impostos
sobre indústria e profissões”, vale observar que nem sempre a decisão foi
unânime a este respeito, como se verifica nos seguintes acórdãos:
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“A alegação de inconstitucionalidade de impostos é admissível nos executivos


fiscais. O imposto de dividendo é constitucional e não se confunde com o de
indústria e profissão. Àquele estão sujeitas as Companhias e sociedades
Anônimas com sede no Estado.
Ementa dos votos vencidos: Observações científicas valem apenas como
subsídios para a reforma de uma Lei, mas não tem a eficácia de anular
disposições legais regularmente promulgadas.
O imposto sobre dividendos é um imposto de indústrias e profissões, e, como tal,
por força do disposto no art. 9º, CF, não pode ser cobrado pela União.”75

“Não é inconstitucional a Lei Federal que decreta imposto sobre dividendos de


Companhias.
O imposto sobre dividendos é distinto do imposto de indústrias e profissões.
O imposto que, pelo art. 9º, §4º, CF, passou a pertencer aos Estados, foi o
imposto sobre o exercício de indústria ou profissão.
Ministro E. Lins, vencido.”76

Como se pode verificar, a partir de toda a jurisprudência citada a respeito


das argüições de inconstitucionalidade sobre a instituição e cobrança de tributos,
havia uma certa resistência ao sistema tributário previsto pela Constituição no que
se refere, sobretudo, à organização da Federação, já que as argüições ora se
fundavam nas vedações constitucionais aos Estados, ora em conflito de
competência, entre Estados e União.

73
RSTF, vol. 48, p. 140 – Apelação Cível n. 3241 – 12.08.1922.
74
RSTF, vol. 77, p. 118 – Apelação Cível n. 3320 – 20.08.1924.
75
RSTF, vol. 13, p. 205 – Apelação Cível n. 1892 – 21.07.1917.
189

Interessante também observar que o STF, sobretudo em relação aos


impostos federais sobre bilhetes de loteria e sobre dividendos de companhias e
sociedades anônimas, teve que se manifestar por diversas vezes sobre a mesma
legislação, seja pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade do referido
tributo, já que o efeito da declaração de inconstitucionalidade restringia-se às
partes em litígio, e a declaração de constitucionalidade não tinha efeito vinculante.
É importante frisar este fato, pois foi decisivo para a reforma do modelo de
controle de constitucionalidade pela Constituição de 1934, a partir da qual poderia
o Senado Federal suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo
STF77.

5.2.3 Direitos Políticos

As questões que envolviam direitos políticos resolvidas pelo STF


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marcaram a jurisprudência daquela Corte. Tal constatação já demonstra, a um só


tempo, a dificuldade de adaptação da realidade política do País ao projeto político
da Constituição de 1891, assim como a importância do STF como guardião da
Constituição. De fato, o STF assumia um importante papel na organização política
do País, na medida em que a ele eram dirigidas com grande freqüência as
esperanças daqueles que eram prejudicados pela prática política que se seguia à
margem da ordem constitucional, chegando mesmo ao cúmulo de ser depositário
da esperança francamente inconstitucional de grupos confessadamente
revolucionários, o que se deu no julgamento em 22.05.1922 do Habeas Corpus n.º
8484:

“(...) habeas-corpus em favor dos Drs. Tarquino ... para exercerem livremente as
funções de presidente e secretário, respectivamente, da Junta governativa do
Estado do Maranhão aclamados pela revolução triunfante naquele Estado, os
quais se acham ameaçados de constrangimento em consequência de um habeas-
corpus concedido pelo juiz federal em favor do Dr. Raul Machado, Governador
deposto.
Acordam preliminarmente não conhecer do pedido por infringente de todos os
preceitos legais e ter por objetivo deturpar a missão que a Constituição da

76
RSTF, vol. 44, p. 134 – Apelação Cível n. 1690 – 20.05.1922.
77
Para um exame mais minucioso, permitimo-nos citar o nosso trabalho: LEITE, FÁBIO
CARVALHO, “Algumas Considerações sobre o Controle da Constitucionalidade das Leis pelo
STF no Período de 1891 a 1934”, in. Direito, Estado e Sociedade, n.º 15 – agosto-dezembro. Rio
de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica – Departamento de Direito, 1999, pp. 137-143.
190

República outorgou a este Tribunal, pois a tanto eqüivale pretender legitimar


atos de violência manifesta contra autoridade legalmente constituída; justificar a
persistência na prática de crime previsto na Lei penal e dar efeito jurídico a um
movimento subversivo que atentou contra a organização constitucional e
administrativa de um dos Estados da Federação
É aberrante das normas jurídicas pretender pelo habeas-corpus a garantia de
atos revolucionários contrários à Constituição e às Leis. 78

Este episódio demonstra bem o grau de importância que ia assumindo


aquela Corte, embora se trate de situação excepcional e até mesmo absurda – ou
talvez justamente por isso, já que colocava o STF em uma posição transcendente,
como um órgão “acima do bem e do mal”. A importância do STF durante o
período da Primeira República, entretanto, prescindia destes casos excepcionais,
pois a simples atuação em questões políticas, assunto que parecia caro ao STF –
como, de resto, a qualquer órgão do Poder judiciário – já revelava a grandeza da
função desempenhada por aquela Corte, confirmada pela freqüência com que se
pronunciava sobre este tema.
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De fato, a violação aos direitos políticos dos ocupantes de cargos eletivos


foi uma constante durante a primeira República, o que já demonstra a dificuldade
de implantação de um princípio básico do regime republicano, qual seja a
representação política. A organização política pretendida pelas forças sociais
dominantes no País, a fim de atender aos seus interesses econômicos79, exigia uma
certa homogeneização na tomada de determinadas decisões políticas, o que, em
um regime federativo, poderia até ser obtido (o que não seria impossível; apenas
improvável), mas nunca efetivamente garantido, ao menos não através de eleições
honestas. O acordo então firmado pelas forças dominantes, formalizado através de
uma vasta rede de compromissos de níveis municipal, estadual e federal80, exigia,
por vezes, o sacrifício da livre escolha dos governantes pelos entes da federação,
solapando, a um só tempo, os princípios republicano e federativo. Neste sistema
político, que se consolidou a partir da “política dos Governadores” implantada por
CAMPOS SALES, caberia ao governo federal apoiar nos Estados os candidatos
eleitos pela política dominante no respectivo Estado, o que se daria com, sem ou

78
RSTF, vol. 41, p. 49 – Habeas-corpus n. 8484 – 22.05.1922.
79
SANTOS, WANDERLEY GUILHERME DOS, Op. Cit., pp. 91-2.
80
VIEIRA, JOSÉ RIBAS. “O Autoritarismo e a Ordem Constitucional no Brasil”, Rio de Janeiro:
Renovar, 1988, p. 55.
191

mesmo contra o apoio popular e a contagem dos votos. JOSÉ MURILO DE


CARVALHO, ao analisar o valor do voto na Primeira República, observa:

“Há amplas evidências sobre fraudes escandalosas que acompanhavam o


processo eleitoral em todas as suas fases. O coronel podia controlar os votantes
e manipular as atas eleitorais, mas quem definia a apuração dos votos e
reconhecia os deputados era o próprio congresso em acordo com o Presidente da
República. Esse foi o acordo negociado por Campos Sales com os governadores.
A apuração final podia inverter o resultado das atas.”81

Em seguida, o autor cita o ex-deputado JOSÉ VIEIRA, testemunha ocular


do processo de reconhecimento na Câmara em 1909, que observou: “os
reconhecimentos de Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal só se farão quando
os chefes chegarem a acordo. Para o caso as eleições nada estão valendo”82.
Este sistema político que se desenvolvia a partir do controle explícito
sobre as eleições locais – que, aliás, poderiam nada valer – violava não apenas o
projeto político da Constituição como um todo, mas também, individualmente, os
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direitos políticos conquistados por aqueles que haviam sido eleitos nos termos
definidos pela Constituição. Assim, se o STF encontrava-se desprovido de
qualquer meio para conhecer da constitucionalidade em tese (fiscalização abstrata)
do sistema coronelista que se implementava a margem da Constituição, poderia ao
menos exercer o controle de constitucionalidade nos casos concretos, assegurando
o direito ao exercício da função política àqueles que haviam sido legal e
legitimamente eleitos para tanto. Não declaravam, assim, a inconstitucionalidade
da causa, mas ao menos a de seus efeitos.
Desse modo, impende assinalar que o STF, ao longo de todo o período que
abrange a Primeira República, julgou inúmeros processos envolvendo direitos
políticos, sendo, em sua maior parte, pedidos de habeas corpus, a fim de que fosse
assegurado ao impetrante, ocupante de algum cargo político, o direito de exercer a
função para a qual havia sido eleito, obstado por estar o impetrante sofrendo
alguma espécie de constrangimento ilegal. De fato, na esteira da famosa “doutrina
brasileira do habeas corpus” – como ficou conhecida a interpretação extensiva
dada pelo STF ao habeas corpus – entendia o STF que “o habeas-corpus é o

81
CARVALHO, JOSÉ MURILO DE. “Mandonismo, Coronelismo e Clientelismo: uma discussão
conceitual”, in. “Pontos e Bordados: escritos de história e política”, Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999, p. 136.
82
Op. Cit., pp. 136-7.
192

remédio jurídico, não só para garantir a liberdade de locomoção, como também o


exercício de funções eletivas”83. Assegurava, assim, através do habeas corpus, o
direito político violado, permitindo ao impetrante exercer as funções políticas
inerentes ao cargo para o qual havia sido eleito. Convém recordar que, embora o
habeas corpus visível e rigorosamente não fosse a ação judicial apropriada, o
ordenamento jurídico não oferecia outro meio para a proteção do direito ao
exercício da função política, como em geral a qualquer outro direito líquido e
certo. Coube ao STF, num esforço de adaptação jurisprudencial, proteger este
direito constitucionalmente assegurado, por meio de uma medida judicial
certamente inadequada, que redundou na criadora e criativa jurisprudência
batizada como doutrina brasileira do habeas corpus. CARLOS MAXIMILIANO,
observando a inadequação do habeas corpus para assegurar o exercício dos
direitos políticos, havia anotado que “os próprios impetrantes reconheciam a
iniquidade, tanto que disfarçavam o expediente político debaixo de roupagens de
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garantia da liberdade de locomoção: requeriam que se lhe assegurasse a


faculdade de entrar no edifício da assembléia regional, conselho municipal ou
governo de Estado, e ali exercer as suas funções (de legislador ou
administrador)”84. De fato, ao conceder a ordem de habeas corpus o STF não
garantia ao impetrante somente o exercício do direito de ir, vir e permanecer, mas
também o de exercer a função política para a qual havia sido eleito, como se
verifica no seguinte acórdão:

“Acordam dar provimento ao recurso para, reformando o acórdão recorrido,


conceder a ordem impetrada, a fim do paciente poder entrar no edifício da
Câmara Municipal de Iguassu, e ali exercer livremente o seu mandato, de acordo
com as prescrições legais.”85

Assim, para conceder a ordem requerida pelos impetrantes, deveriam estes


comprovar não apenas a ilegalidade do constrangimento – tal como ocorre nos
casos de violação ao direito de locomoção – mas também a liquidez e certeza do
seu direito reclamado – no caso, o direito ao exercício da função política. Nesse
sentido, vale trazer à colação alguns acórdãos que ilustram este entendimento:

83
RSTF, vol. 3, p. 311 – Recurso de habeas-corpus n. 3686 – 05.12.1914.
84
MAXIMILIANO, CARLOS, Op. Cit., p. 781.
85
RSTF, vol. 50, p. 21 – Habeas-corpus n. 4323 – 25.07.1917.
193

“Verificada a ilegalidade do constrangimento de que se queixam vereadores de


uma Câmara Municipal, e sendo líquido e certo o seu direito, é o habeas-corpus
o remédio jurídico contra aquele.”86

O mandato dos vereadores triênio anterior (1913-1915) perdura até que sejam
reconhecidos os vereadores novamente eleitos. O direito dos primeiros é líquido
e incontroverso - e é amparado pelo habeas-corpus, a fim de que exerçam as
suas funções municipais, enquanto não for empossada a nova Câmara.87

“O recurso de habeas-corpus tem sido admitido como amparo contra a coação


ilegal ao exercício dos direitos políticos, mas, para que possa ser invocado, é
mister que o título do paciente não sofra contestação razoável.”88

Como se pode verificar, a ordem efetivamente só era concedida pelo STF


se o impetrante comprovasse a liquidez e certeza do direito invocado. Entretanto,
a liquidez e a certeza ao cargo político dependia da apuração dos votos e do
reconhecimento dos eleitos89, o que se encontrava na esfera política, dentro,
portanto, da rede de compromissos que marcava o coronelismo. Vale aqui citar a
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observação de WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS:

“Foi sob a Constituição de 1891 que Campos Sales precisou dar curso a seu
programa econômico e financeiro de saneamento monetário, redução do débito
externo e restrição dos gastos governamentais em todos os níveis. Para tanto,
necessitava limitar a autonomia dos estados, pelo menos em relação à
capacidade de decidir sobre políticas econômicas sem o assentimento do governo
central, e a resposta foi encontrada no dispositivo político chamado comitê de
credenciais, cujo objetivo era rever os resultados eleitorais e reconhecer os
eleitos. O governo central controlava através deste comitê a representação
política, afastando qualquer ameaça potencial a suas decisões e propostas.”90

86
RSTF, vol. 16, p. 11 – Habeas-corpus n. 4090 – 27.09.1916.
87
RSTF, vol. 8, p. 197 – Recurso de habeas-corpus n. 4090 – 27.09.1916.
88
RSTF, vol. 12, p. 164 – Habeas-corpus n. 3910 – 29.01.1916. No mesmo sentido: RSTF, vol.
12, p. 315 – Habeas-corpus n. 4161 – 06.01.1917; RSTF, vol. 16, p. 22 – Habeas-corpus n. 4321 –
18.07.1917; RSTF, vol. 16, p. 33 – Habeas-corpus n. 4390 – 10.10.1917; RSTF, vol. 16, p. 250 –
Habeas-corpus n. 4485 – 30.01.1918; RSTF, vol. 27, p. 7 – Habeas-corpus n. 6358 – 06.09.1920;
RSTF, vol. 28, p. 7 – Habeas-corpus n. 5554 – 24.01.1920; RSTF, vol. 35, p. 9 – Habeas-corpus n.
6538 – 23.10.1920; RSTF, vol. 35, p. 17 – Habeas-corpus n. 6992 – 29.01.1921; RSTF, vol. 12, p.
21 – Habeas-corpus n. 4136 – 09.12.1916; RSTF, vol. 50, p. 46 – Habeas-corpus n. 8387 –
17.04.1922; RSTF, vol. 51, p. 18 – Habeas-corpus n. 8388 – 17.04.1922; RSTF, vol. 52, p. 22 –
Habeas-corpus n. 8391 – 17.04.1922; RSTF, vol. 57, p. 22 – Habeas-corpus n. 9065 – 18.06.1923;
RSTF, vol. 64, p. 5 – Habeas-corpus n. 8648 – 18.10.1922.
89
Nesse sentido, assim decidiu o STF: “Os direitos políticos somente se tornam individuais depois
de preenchidas as condições de investidura e de exercício. Os cidadãos, que pretenderem ter sido
eleitos para os cargos de Governador e vice-governador de um Estado não podem ser empossados
mediante habeas-corpus, desde que não demonstram eleição apurada, poderes verificados e
compromisso prestado.” (RSTF, vol. 12, p. 178 – Habeas-corpus n. 4238 – 18.01.1917); “A
cidadãos, eleitos representantes do Município, reconhecidos, proclamados e empossados, se
conceda habeas-corpus para o exercício dos respectivos cargos.”(RSTF, vol. 16, p. 444 –
Habeas-corpus n. 4477 – 30.01.1918)
90
Op. Cit., pp. 91-2.
194

Assim, o candidato que houvesse sido eleito, mas não reconhecido pelo
comitê de credenciais não comprovaria direito líquido e certo, já que, segundo o
STF, “constitui função exclusiva dos corpos legislativos a verificação de poderes
dos seus membros componentes”91. Desse modo, conforme decidiu aquela Corte:
“irregular que tenha sido a eleição de representantes estaduais, por qualquer
fundamento que se apresente, desde que foram reconhecidos e proclamados pelo
poder competente, não cabe ao Poder Judiciário senão respeitar e garantir essa
situação”92. Nesse mesmo sentido, vale citar:

“A verificação de poderes é uma função essencialmente política que compete às


respectivas corporações legislativas, tendo as legislações dos Estados, quanto às
Câmaras Municipais, estabelecido recursos para um dos poderes dos mesmos
Estados. O Supremo Tribunal tem assegurado por habeas-corpus o livre
exercício de mandatos políticos, somente no caso de ser líquida e incontestável a
situação jurídica do paciente, sendo único efeito do habeas-corpus assegurar ao
paciente o direito de entrar e sair livremente do edifício em que a função política
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haja de ser exercida.”93

“Não é admissível a concessão do habeas-corpus quando o direito dos pacientes,


vereadores municipais, não é líquido e incontestável, havendo necessidade de se
investigar a legitimidade da eleição e da respectiva verificação de poderes,
exame este que escapa inteiramente à competência do Poder Judiciário.”94

“O conhecimento de questões essencialmente políticas, quais as referentes à


verificação de poderes das Câmaras Legislativas, escapa à competência do
Poder Judiciário.”95

“A decretação da perda do mandato de intendente e da suspensão do exercício


do cargo, feita pelo respectivo Conselho Municipal, em virtude de faculdade
conferida pela Lei Orgânica dos Municípios, escapa à competência do Poder
Judiciário, não podendo, por isso, ser objeto de habeas-corpus.”96

“O habeas-corpus somente garante o exercício de funções determinadas, quando


certo, líquido e incontestável é o direito do paciente ao exercício dessas funções.
Constitui função exclusiva dos corpos legislativos a verificação de poderes dos
seus membros componentes.
A regularidade do processo eleitoral, a validade do diploma expedido e a
elegibilidade do candidato são questões cujo conhecimento escapa, por via de
regra, à esfera da jurisdição do Poder Judiciário.”97

91
RSTF, vol. 44, p. 5 – Habeas-corpus n. 6490 – 30.10.1920.
92
RSTF, vol. 17, p. 210 – Habeas-corpus n. 4559 – 19.06.1918.
93
RSTF, vol. 8, p. 208 – Recurso de Habeas-corpus n. 4003 – 17.06.1916.
94
RSTF, vol. 10, p. 177 – Recurso de habeas-corpus n. 4097 – 14.11.1916.
95
RSTF, vol. 75, p. 28 – Habeas-corpus n. 10688 – 28.041924.
96
RSTF, vol. 89, p. 3 – Habeas-corpus n. 6678 – 26.01.1921.
97
RSTF, vol. 44, p. 5 – Habeas-corpus n. 6490 – 30.10.1920.
195

Desse modo, ao qualificar o reconhecimento das eleições e a verificação


de poderes como “questões políticas”, estabelecendo que as mesmas, por
conseguinte, escapam ao controle do Poder Judiciário, o STF deixava às forças
sociais dominantes o preenchimento dos órgãos de governo, deixando órfãos os
cidadãos legitimamente eleitos que acaso não tivessem o apoio dos coronéis. Os
ocupantes de cargos políticos dependiam, para o exercício de suas funções, não do
apoio popular, mas sim do apoio dos coronéis que dominassem nos Estados e,
que, portanto, integravam o compromisso coronelista. JOSÉ MURILO DE
CARVALHO anotou a respeito do coronelismo:

“A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronéis


apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As
manipulações dos resultados eleitorais sempre beneficiavam um grupo em
detrimento do outro e tinham um custo político. Se entravam em conflito com um
número significativo de coronéis, os governadores se viam em posição difícil, se
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não insustentável. Basta mencionar os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de


Mato Grosso. Em todos eles os governadores foram desafiados, humilhados e
mesmo depostos. São também conhecidos os casos de duplicatas de assembléias
estaduais, de bancadas federais e até mesmo de governadores.”98

De fato, não havendo qualquer controle jurídico sobre a regularidade das


eleições e da composição dos cargos eletivos, as duplicatas de assembléias
passaram a ser uma constante e a integrar a paisagem política da Primeira
República. Interessante observar que, embora a existência de dois ocupantes para
um mesmo cargo representasse o cúmulo/extremo da fraude eleitoral e
irregularidade na composição dos órgãos de governo, violando assim frontalmente
a Constituição, o STF manteve sua jurisprudência, no sentido de afastar do Poder
Judiciário o controle sobre questões políticas, valendo no entanto registrar a
existência de votos vencidos. Nesse sentido:

“Os casos exclusivamente políticos estão fora da competência do Poder


Judiciário. A dualidade de Governador e de Congressos são fatos que dizem
respeito à organização constitucional do Estado e não podem ser resolvidos por
meio de habeas-corpus. Para estes casos, o Congresso Nacional é o competente.
Ementa dos votos vencidos: O STF tem competência para decidir, por habeas-
corpus, questões que versem sobre a legalidade de investiduras legislativas. Esta
tem sido a jurisprudência em numerosos casos. Resolvendo-os, o Tribunal não

98
Op. Cit., p. 137.
196

julga qual dos dois governadores teve maioria absoluta de votos: decide, apenas,
a questão constitucional em litígio.”99

“O habeas-corpus não é meio idôneo a impedir dualidade de poderes


municipais.
E. Lins, vencido – tenho conhecido de habeas-corpus para proteção de qualquer
direito ou do exercício de qualquer função pública, se, para esse fim não houver
nenhum outro remédio jurídico hábil e eficaz.
Pedro dos Santos, vencido de acordo com E. Lins.
Viveiros de Castro e G. Natal, vencidos.”100

As duplicatas de assembléias, como observa JOSÉ MURILO DE


CARVALHO, “eram no mínimo embaraçosas para os governadores e podiam
preparar o caminho para a intervenção federal, numa confirmação da natureza
sistêmica do coronelismo. Muitas vezes, rebeliões de coronéis eram incentivadas
pelo governo federal para favorecer oligarquias rivais nos estados”. De fato, a
dualidade de governo poderia ser facilmente caracterizada como uma das
hipóteses que ensejariam a decretação intervenção federal, seja para manter a
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forma republicana (art. 6.º, n.º 2), seja para restabelecer a ordem e tranqüilidade
nos Estados (art. 6.º, n.º 3). Nesse sentido, vale observar que o STF também
qualificava a decretação da intervenção federal como uma “questão política”, que,
por conseguinte, também escapava ao controle pelo Poder Judiciário101. A
omissão do STF no controle de constitucionalidade da dualidade das assembléias,
bem como da intervenção federal daí decorrente, deixava o campo aberto às
conveniências políticas das forças sociais dominantes e à implantação de um
sistema político expressamente inconstitucional. Com efeito, conforme decidido
pelo STF:

“A dualidade de governos em um Estado da Federação importa em grave


perturbação da forma republicana federativa, o que autoriza a intervenção do
Governo Federal para assegurá-la.

99
RSTF, vol. 11, p. 9 – Habeas-corpus n. 4104 – 01.11.1913.
100
RSTF, vol. 57, p. 14 – Habeas-corpus n. 8906 – 09.04.1923. No mesmo sentido: “O habeas-
corpus não é meio idôneo para resolver questões políticas referentes a dualidades de poderes
municipais.” (RSTF, vol. 57, p. 19 – Habeas-corpus n. 8967 – 02.05.1923)
101
Nesse sentido decidiu o STF: “A intervenção da União Federal nos Estados é um ato
essencialmente político; por isso, falece competência ao Poder Judiciário para conhecer dos
motivos que determinaram esse ato, ou das consequências de natureza política dele decorrentes,
sendo absolutamente indébita a sua ingerência nessa matéria.” (RSTF, vol. 2, p. 10 – Habeas
Corpus n. 3545); “Os atos de caráter essencialmente político, praticados pelo interventor federal,
no desempenho da sua missão, escapam à apreciação e revisão do Poder Judiciário.” (RSTF, vol.
61, p. 6 – Habeas Corpus n. 8910)
197

O preceito constitucional que rege a intervenção federal, quando se referiu à


forma republicana federativa, não pôs a vista exclusivamente no Governo
Nacional; preocupou-se, ao contrário, e principalmente, com a organização
governamental dos Estados.
A dualidade traduz um caso inteiramente político, ao qual não é lícito o
judiciário dar solução, por escapar da sua esfera de ação. Aplicação da CF art.
6., §2. e da do Estado do Espírito Santo, arts. 47, § único e 49.”102

Verifica-se, portanto, que os direitos políticos constitucionalmente


previstos não eram assegurados pelo STF, que, sob o fundamento de se tratar de
questão política que escaparia ao seu controle, deixava aos próprios órgãos
legislativos dos Estados a verificação dos seus poderes. A omissão do STF neste
caso não apenas permitia a violação aos direitos políticos individuais – o que foi
feito sem cerimônias pelos órgãos legislativos dos Estados – como também
permitiu a existência de uma organização política visivelmente inconstitucional,
operada pelas forças sociais dominantes.
A questão tornava-se ainda mais complexa quando se tratava dos direitos
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políticos dos ocupantes de cargos municipais. É que, neste caso, diversas foram as
leis que previam a verificação dos poderes não pelo respectivo órgão legislativo
municipal, mas sim por um dos poderes estaduais, o que violaria a autonomia
municipal assegurada pelo art. 68 da Constituição. Deve-se recordar, no entanto,
que o texto constitucional era extremamente conciso no que se refere à autonomia
municipal, assegurando-a “em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”,
sem, contudo, oferecer parâmetros minimamente definidores das matérias que
seriam de seu peculiar interesse. Cabe ainda recordar que a vagueza do conteúdo
do dispositivo que assegurava a autonomia municipal resultou da atuação dos
constituintes federalistas durante o processo de elaboração da Constituição, os
quais defendiam que a definição da autonomia municipal caberia aos Estados, em
suas Constituições, de modo que se pode afirmar que o art. 68 da Constituição
representou antes uma conquista da autonomia dos Estados do que efetivamente
dos municípios. Como observa VICTOR NUNCES LEAL: “Já na Assembléia
Constituinte, apesar de ser a autonomia dos municípios, no consenso geral,
considerada inerente ao regime republicano, a sua conceituação provocara
controvérsia, tendo prevalecido a fórmula favorável à maior liberdade dos
Estados para regularem a organização municipal.” E prosseguiu o autor: “Na

102
RSTF, vol. 24, p. 267 – Habeas-corpus n. 6008 – 07.06.1920.
198

vigência da Constituição de 91, a invocação dos trabalhos parlamentares foi,


aliás, um dos grandes argumentos a que recorreram todos aqueles que, por
interesse ou convicção, defenderam a prerrogativa estadual de impor limitações à
autonomia dos municípios.”103 Com efeito, a análise dos debates constituintes –
que definem a mens legislatoris (vontade do legislador) – aponta para uma vitória
daqueles que defendiam a autonomia dos Estados, a quem caberia definir da
autonomia municipal aos Estados, nos termos vagos estabelecidos pela
Constituição. A este propósito, observa JOSÉ RIBAS VIEIRA que: “a solução
adotada de transferir para os poderes constituintes estaduais a viabilização da
autonomia municipal resultou como algo frustrante, pois doze das Constituições
estaduais dessa época, isto é, a maioria delas, negaram a efetivação da
autonomia municipal”104. De fato, mesmo a eletividade dos órgãos de governo
dos Municípios, decorrente do regime representativo e do princípio republicano,
ambos expressos no artigo inaugural da Constituição – princípios que, portanto,
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deveriam ser respeitados pelos Estados na organização de suas Constituições e na


adoção de suas leis (art. 63) – não foi regularmente observada. Cabe aqui recordar
que, durante o processo constituinte, o dispositivo constante do projeto de
Constituição que assegurava como um dos princípios definidores da autonomia
municipal, a serem observados pelos Estados, a “eletividade da administração
local” (art. 67, I do projeto de Constituição) foi rejeitado pelo Congresso
Constituinte, o que poderia denotar que os Estados estavam desobrigados de
atender a este princípio na organização de suas Constituições, embora a leitura
sistemática do texto constitucional apontasse em sentido diverso, o que configura
o velho embate entre a mens legis (vontade da lei) e a mens legislatoris (vontade
do legislador)105. Tendo o Congresso Constituinte deixado ao critério dos Estados
definir o que se deveria entender por “peculiar interesse” dos municípios, aponta
VICTOR NUNES LEAL que: “trataram os Estados de restringir o princípio da
eletividade da administração local. Alguns excetuaram apenas os municípios das
capitais, cujos prefeitos passaram a ser nomeados; outros estenderam o princípio
da nomeação do prefeito àqueles em que houvesse estâncias hidrominerais ou

103
LEAL, VICTOR NUNES. “Coronelismo, Enxada e Voto: O Município e o Regime
Representativo no Brasil”, 2.ª edição, São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975, pp. 116-7.
104
VIEIRA, JOSÉ RIBAS. Op. Cit., pp. 54-5 (nota de rodapé)
199

obras e serviços de responsabilidade do Estado; outros, finalmente, não


hesitaram em tornar todos os prefeitos de livre nomeação do governo estadual”.
Combatendo esta atuação legislativa dos Estados, asseverou RUI BARBOSA:

“...ao constituir-se o regime atual, os fiéis da nova democracia cuidaram ver


realizadas todas as suas esperanças, quando a autonomia dos municípios entrou
à Carta de 1891 com a fórmula grave, ampla e roçagante do art. 68.º. Mas
apenas o tempo veio submeter à prova real a sinceridade dos patriarcas e sua
descendência, quando os homens da ortodoxia começaram a recuar, o art. 68.º
mirrou, e do seu texto espremido nas mãos dos regeneradores surgiu esse parto
de montanha, essa cria de reação, essa tacanhez da usura política: nomeação do
Poder Executivo municipal pelos Governos dos Estados”.106

Assim, coube ao STF, no exercício do controle concreto de


constitucionalidade dos casos levados à Corte por aqueles que haviam sido
prejudicados pelos atos de nomeação do Poder Executivo municipal, definir o
alcance e o sentido da norma que assegurava a autonomia dos municípios. A este
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respeito, cumpre observar que a jurisprudência do STF revelou-se bastante


instável e oscilante107, cabendo citar os seguintes acórdãos:

“É nula a lei estadual que confere à justiça local a interferência na verificação


dos poderes dos membros do governo municipal, visto atentar contra a
autonomia do município garantida pelo art. 68, CF.”108

“Não ofende a autonomia do município naquilo que é de seu interesse peculiar, a


lei estadual que dá recurso, com efeito suspensivo, para o Congresso Legislativo,
no caso de dualidade de apurações de eleições municipais.109

“É constitucional a lei estadual que sujeita à justiça local, em grau de recurso e


em última instância, o reconhecimento de poderes de vereadores municipais,
visto não ofender a autonomia municipal, assegurada pelo art. 68, CF e ser antes
um corretivo para possíveis abusos em matéria de reconhecimento de
poderes.”110

105
A respeito do debate travado entre os defensores de ambas as correntes, ver CAMARGO,
MARGARIDA MARIA LACOMBE, “Hermenêutica e Argumentação – Uma Contribuição ao
Estudo do Direito”, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp. 124-130.
106
apud. VICTOR NUNES LEAL, p. 119
107
Interessante registrar o estudo feito por ANDREI KOERNER, que revela uma variação nos
votos dos ministros do STF em matérias de caráter político – no caso, em relação à concessão ou
denegação de habeas corpus em conflitos entre oligarquias – o que, segundo demonstra o autor,
decorre da origem da nomeação de cada ministro como parte do compromisso coronelista. (“O
Poder Judiciário Federal no sistema Político da Primeira República”, in. Revista da USP, Dossiê
Judiciário, n.º 21, pp. 58-69, mar-mai/94.)
108
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 364 – Recurso Extraordinário nº 600 – 21.01.1911.
109
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 52 – Habeas Corpus nº 3005 – 02.05.1911.
200

“É constitucional a lei estadual que sujeita à justiça local, em grau de recurso e


em última instância, o reconhecimento de poderes de vereadores municipais,
visto não ofender a autonomia municipal, assegurada pelo art. 68, CF e ser antes
um corretivo para possíveis abusos em matéria de reconhecimento de
poderes.”111

“A lei estadual que confere ao governador do Estado a faculdade de anular


eleições municipais e nomear uma comissão, que proceda a novas eleições, é
atentatória do art. 68, CF.”112

“Não é contrário ao art. 68, CF, o art. 14, §1º, da Lei do Estado da Bahia, n.
1102, de 11/8/15; e, portanto , é válida e normal a nomeação de intendente
municipal da Bahia, feita pelo governador, com aprovação do Senado
Estadual.”113

“Nega-se provimento ao recurso, a fim de assegurar ao paciente as suas funções


municipais como presidente da Câmara Municipal de Nova Friburgo, Estado do
Rio de Janeiro, sem cogitar de funções executivas. E assim se julga por se
evidenciar dos documentos apresentados que ao prefeito nomeado para aquela
cidade pelo presidente do Estado cabem estas funções, sem ofensa da autonomia
municipal.”114
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“É constitucional o recurso de verificação de poderes dos Conselhos ou


Câmaras, e das autoridades municipais, para o Poder Judiciário, pois julgando
ele pelo alegado e provado, garante mais eficazmente a autonomia dos
Municípios.
Na eleição de Prefeito e subprefeito é inadmissível a interferência do Poder
Executivo Estadual, embora a mesma eleição tenha sido efetuada com infração
de Leis e Regulamentos em vigor.”115

“O recurso para o Tribunal Superior de um Estado, da verificação de poderes


dos vereadores ou conselheiros municipais não é inconstitucional, porquanto o
Tribunal julga de acordo com o alegado e provado, e com as garantias do
processo. Esse recurso garante e não prejudica a autonomia municipal,
consagrada pela Constituição Federal.”116

“Ementa do acórdão - Não é inconstitucional a Lei estadual do Pará, que


permite recurso da verificação de poderes dos membros dos Conselhos
Municipais para o Poder Legislativo.
O texto constitucional (art. 68) que garante “a autonomia do município, em tudo
o que respeita o seu peculiar interesse”, refere-se à autonomia de função e não
de organização, cujas condições ficaram às Constituições dos Estados.

110
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 58 – Recurso Extraordinário nº 599 – 10.01.1911.
111
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 58 – Recurso Extraordinário nº 600 – 24.01.1912.
112
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 52 – Habeas Corpus nº 3332 – 12.04.1913.
113
RSTF, vol. 21, p. 447 - Habeas-corpus n. 3865 – 06.11.1915.
114
RSTF, vol. 16, p. 15 – Habeas-corpus n. 4117 – 14.11.1916.
115
RSTF, vol. 12, p. 27 – Habeas-corpus n. 4276 – 23.05.1917.
116
RSTF, vol. 15, p. 429 – Habeas-corpus n. 4318 – 18.07.1917.
201

Em matéria de organização dos municípios não se pode negar aos Estados a


faculdade de legislar, respeitando-lhes a autonomia no exercício das respectivas
funções.”117

“Ementa do acórdão: Na autonomia municipal assegurada pelo art. 68, CF, não
se contem, necessária e obrigatoriamente, a verificação de poderes dos membros
do governo do Município pelos Conselhos Municipais. Essa verificação pode ser
atribuída, sem o mínimo desrespeito à predita autonomia, ao Poder Judiciário,
ao Legislativo ou ao Executivo.
Aplicação do art. 68, Cf e art. 71, §5º da Constituição do Pará.
Ementa dos votos vencidos - o único poder, para o qual é permitido instituir
recurso da verificação de poderes efetuada pelos Conselhos Municipais, é o
Poder Judiciário, que julga pelo alegado e provado.
Confiada ao Poder Legislativo, poder essencialmente político, a função de, em
grau de recurso, declarar quais são os cidadãos eleitos vereadores ou prefeitos,
será a extinção completa da autonomia municipal, expressamente assegurada
pelo art. 68, CF.”118

“Não é inconstitucional a faculdade outorgada pelas Leis do Estado do Pará, à


Assembléia Legislativa, para, em grau de recurso voluntário, conhecer da
apuração das eleições municipais procedidas pelos respectivos Conselhos, visto
não afetar a autonomia municipal consagrada no art. 68, CF.
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Só por meio de recurso extraordinário poderá o STF conhecer da


constitucionalidade de uma Lei local.
CF, art. 68.
Ministros Sebastião de Lacerda, Pedro Lessa, André Cavalcanti, Godofredo
Cunha, vencidos.”119

“Ao Estado, e não ao Município, conferiu a Constituição Federal competência


para dar organização ao aparelho administrativo municipal.
A autonomia do Município, no conceito do Legislador Constituinte, consiste em
gerir ele, por esse aparelho, todos os negócios do seu peculiar interesse.
Não é contrária ao art. 68, CF, a instituição pelo Estado de recurso das decisões
dos órgãos de administração municipal sobre verificação de poderes dos seus
membros para o Congresso do Estado.
CF, art. 68.”120

“Ao Estado, e não ao Município, conferiu a Constituição Federal competência


para dar organização ao aparelho administrativo municipal.
A autonomia do Município, no conceito do Legislador Constituinte, consiste em
gerir ele, por esse aparelho, todos os negócios do seu peculiar interesse.
Não é contrária ao art. 68, CF, a instituição pelo Estado de recurso das decisões
dos órgãos de administração municipal sobre verificação de poderes dos seus
membros para o Congresso do Estado.
CF, art. 68.
Ministros Godofredo Cunha, Sebastião de Lacerda e André Cavalcanti, vencidos.
Pedro Lessa, vencido – como já tenho demonstrado em recursos idênticos a este,
o que se fez no Pará viola o art. 68, CF.

117
RSTF, vol. 19, p. 263 – Habeas-corpus (recurso) n.4703 – 23.12.1918.
118
RSTF, vol. 22, p. 167 – Habeas-corpus (recurso) n.4708 – 23.12.1918.
119
RSTF, vol. 46, p. 34 – Habeas-corpus n. 4718 – 11.01.1919.
120
RSTF, vol. 50, p. 29 – Habeas-corpus n. 4713 – 08.01.1919.
202

Não é lícito, diante dos termos expressos deste artigo, confiar aos Congressos
Legislativos dos Estados a faculdade de decidir em grau de recurso da
verificação de poderes dos vereadores e intendentes municipais. Se se admitisse
o que quer o Estado do Pará, quem em última análise organizaria as Câmaras
municipais seria o Congresso do Estado e não o município. Entregue a um poder
público, como é o poder legislativo, a constituição das câmaras municipais, por
meio de recurso criado no Pará, a autonomia municipal está extinta e burlado o
art. 68, CF.121

“A autonomia dos municípios, restrita ao seu peculiar interesse, limita-se às


funções de sua polícia administrativa e economia interna, que são os seus únicos
interesses restritamente próprios ou peculiares.
A municipalidade, como corporação que é, está e sempre esteve, como todas as
corporações de interesse público, sujeita, quanto à regularidade do
preenchimento de suas condições de investidura e de exercício, ao provimento do
Poder Judiciário, se provocado em tempo útil e forma regular.
A lei estadual n. 1561, de 3/12/18, segundo a qual o Tribunal da Relação do
Estado do Rio de Janeiro considera-se competente para conhecer e julgar de um
recurso interposto contra o ato de verificação de poderes, nada contem de
inconstitucional.
Sebastião de Lacerda - Concedi a ordem de habeas-corpus porque: a) a
Constituição da República proclamou no art. 68, a autonomia do município, em
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tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse; b) a matéria em que se assenta


essa autonomia é a que se refere à verificação de poderes dos representantes
locais, na qual a intervenção de qualquer dos órgãos do Estado contraria o
preceito do citado art. 68; c) consagrada tal autonomia, com as restrições que a
interpretação desse dispositivo tem estabelecido, forçoso é recusar ao Poder
Judiciário do Estado a interferência na constituição da administração municipal,
revogando, por meio de recursos para ele interpostos, as decisões sobre eleições
municipais.”122

“Nulidade, por inconstitucional, da intervenção do Congresso Legislativo do


Estado do Maranhão no reconhecimento de poderes das autoridades
municipais.”123

“Ementa do Acórdão - I) o habeas-corpus só protege o direito ao exercício de


uma função pública, quando esse direito é certo, líquido e incontestável; II) como
tal não se pode considerar um direito que em face da CF, tem sido, mais de uma
vez, contestado e desconhecido pelo STF, definitivo intérprete da mesma
Constituição e das Leis; III) as Constituições dos Estados não infringem a
Constituição da República, nem o regime presidencial, com o estabelecerem,
como o fazia a Constituição do Império, distinção para o efeito da reforma, entre
princípios constitucionais e princípios não-constitucionais; IV) não infringem,
igualmente, a dita Constituição, quando instituem, para chefes do Poder
Executivo Municipal, prefeitos, nomeados pelos Presidentes dos Estados; V) no
regime presidencial, o poder judiciário anula e cassa os atos ilegais do Executivo
e declara nulas para se não aplicarem à espécie as Leis inconstitucionais, o que
eqüivale, igualmente, a cassá-las ou anulá-las, tanto que a essa função judicial

121
RSTF, vol. 50, p. 31 – Habeas-corpus n. 4715 – 08.01.1919.
122
RSTF, vol. 20, p. 28 – Habeas-corpus (recurso) n. 4876 – 10.05.1919.
123
RSTF, vol. 20, p. 25 – Habeas-corpus n. 4845 – 30.04.1919.
203

os modernos constitucionalistas americanos qualificam, com muito acerto, de


veto judicial.
Ementa dos Votos Vencidos - Em hipótese alguma, em face do art. 68, CF, pode o
Governo de um Estado nomear os prefeitos municipais.
Não pode ser inquinada de inconstitucional a Lei estadual que aumenta ou
diminui o n.º de vereadores dos respectivos municípios. Não é incompatível com
a Constituição Federal a Constituição Estadual que determina poderem ser
reformados por Lei ordinária os textos nela inclusos, que não representem
matéria constitucional. O habeas-corpus foi instituído para garantir
exclusivamente o direito de locomoção, e não outro qualquer direito.”124

“Não se concede habeas-corpus para garantir o exercício de cargos municipais,


desde que a situação dos pacientes não seja certa, líquida e incontestável.
O habeas-corpus não é meio idôneo para declarar inconstitucional uma Lei.
Aplicação da Lei estadual mineira n. 649, de 1915.
Pedro Lessa, vencido - O recurso da apuração ou da verificação de poderes dos
vereadores e prefeitos municipais para uma junta, composta de deputados,
senadores e um representante do ministério público, é a mais formal infração do
art. 68, CF, que assegura a autonomia municipal em tudo o que é de seu peculiar
interesse. Isto é evidente.”125

“É inconstitucional a Lei que estatui o recurso de apuração de eleições


municipais para o Poder Executivo.
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Em processo de habeas-corpus, como em qualquer outra forma processual, é


lícito julgar da inconstitucionalidade de uma Lei, principalmente nos processos
de habeas-corpus, porquanto, por se tratar neles de garantir a liberdade
individual, é que mais cuidado deve haver em evitar a aplicação de leis
inconstitucionais.
Aplicação da Constituição Federal, art. 68.”126

“O habeas-corpus é meio idôneo a garantir a liberdade do exercício de cargos


de eleição municipal, desde que a esse exercício tenham direito líquido, certo e
incontestável os que recorrem a esse remédio constitucional.
Atenta flagrantemente contra a autonomia municipal a intervenção do poder
estadual, anulando as eleições municipais e a apuração respectiva, nomeando
titulares para os cargos do governo municipal.
Aplicação do art. 68, CF.”127

“A Lei do Estado do Rio de Janeiro, n. 1614, de 1919, no art. 11, é


inconstitucional; vício em que incorre também a Lei de Reforma Constitucional
do mesmo Estado, n. 600, de 1903, quando dispõe, no art. 31, §2º, letras a e b,
que as funções executivas serão exercidas por um prefeito, de nomeação do
governo, nos municípios onde o Estado tiver, sob sua responsabilidade
pecuniária, serviços de caráter local, ou houver prestado abono ou fiança em
contratos celebrados pela administração municipal.
Nenhuma cousa se concebe de mais peculiar interesse do Município do que a
eleição dos seus representantes, para o desempenho das funções locais.
A inconstitucionalidade dos atos legislativos ou executivos pode ser ventilada em
qualquer processo, inclusive em habeas-corpus. A existência de leis locais
autorizando a nomeação de prefeitos, não é motivo para excluir do processo de

124
RSTF, vol. 21, p. 34 – Habeas-corpus (Recurso) n. 5090 – 05.07.1919.
125
RSTF, vol. 24, p. 260 – Habeas-corpus n. 5451 – 14.11.1919.
126
RSTF, vol. 23, p. 130 – Habeas-corpus n. 5519 – 27.12.1919.
127
RSTF, vol. 25, p. 135 – Habeas-corpus n. 5515 – 03.01.1920.
204

habeas-corpus a questão constitucional, porque do contrário, os Estados


disporiam desse meio de burlar o preceito constitucional, que garante a
autonomia municipal.
Aplicação do art. 68, CF.”128

“Não cabe à justiça apurar a conveniência ou inconveniência do princípio,


quase universalmente consagrado, de reconhecimento dos candidatos pelas
assembléias ou corpos políticos, nem invalidar as decisões destes.
As leis que instituem Juntas para a contagem dos votos dos candidatos aos
cargos locais, não atentam contra o preceito do art. 68, CF; o que a essas
corporações não deve ser atribuído é o exame da validade das eleições, visto ser
matéria de exclusiva competência do poder verificador.”129

5.2.4 Garantias da Magistratura

O Poder Judiciário não figurava como novidade na organização


constitucional do País, posto que a Constituição de 1824 já o reconhecia como um
dos poderes políticos do Estado (art. 10), com a denominação de Poder Judicial,
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bem como afirmava expressamente a sua independência (art. 151). Entretanto, sua
independência expressamente afirmada não era plenamente garantida, sobretudo
em razão da peculiar organização do Poderes adotada pela Constituição do
Império, com a previsão de um Poder – o Poder Moderador – incumbido de
“velar sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais
poderes políticos” (art. 98), o que o transformava, como colocou PAULO
BONAVIDES, no “Poder dos Poderes, o eixo mais visível de toda a
centralização de Governo e de Estado na época imperial”130. Cumpre frisar ainda
que a Carta Política do Império permitia ao Imperador, no exercício do Poder
Moderador, suspender os Magistrados, em determinados casos (art. 101, n. 7.º)131.
De fato, desprovido de meios que assegurassem sua real independência, era
notória a mobilidade da magistratura durante o Império, que, como anota

128
RSTF, vol. 25, p. 142 – Habeas-corpus n. 5912 – 26.05.1920.
129
RSTF, vol. 33, p. 80 – Habeas-corpus n. 6648 – 05.01.1921.
130
BONAVIDES, PAULO, “Curso de Direito Constitucional”, 7.ª ed., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 329.
131
“Art. 101 – O Imperador exerce o Poder Moderador: (...) 7.º) Suspendendo os Magistrados nos
casos do art. 154.
(...)
Art. 153 – Os Juízes de Direito serão perpétuos; o que todavia, se não entende que não possam
ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo e maneira que a lei determinar.
Art. 154 – O Imperador poderá suspende-los por queixas contra eles feitas, procedendo audiência
dos mesmos Juízes, informação necessária, e ouvido o Conselho de Estado. Os papéis que lhes
são concernentes serão remetidos à relação do respectivo distrito para proceder na forma da lei.”
205

FERNANDO WHITAKER DA CUNHA, “a fazia sentir mais de perto as


pressões de certos interesses”, e a “perpetuidade” – afirma o autor – “era a
garantia única dos juízes de direito”. Assim, se o Poder Judiciário, em si, não se
apresentava como um novo ator na organização constitucional do País, sua
afirmação como um órgão efetivamente independente constituía uma novidade
trazida pela Constituição de 1891, já que a partir de então esta decorreria de
garantias institucionais, e não mais da atuação do Poder Moderador. A dificuldade
de adequação da realidade política do País a esta nova organização dos Poderes já
se fazia sentir na famosa frase atribuída a Floriano: “Se os juízes do Tribunal
concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o
habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão”. E, de fato, a larga
jurisprudência do STF declarando a inconstitucionalidade de leis e atos
normativos que violavam as garantias da magistratura, que asseguravam a sua
independência, demonstra de forma clara a resistência oferecida pelas classes
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políticas dirigentes à organização dos Poderes definida pela Constituição.

A Constituição de 1891, no capítulo referente ao Poder Judiciário,


estabelecia expressamente as garantias de vitaliciedade e irredutibilidade de
vencimentos dos magistrados, nos seguintes termos:

“Art 57 - Os Juízes federais são vitalícios e perderão o cargo unicamente por


sentença judicial.
§ 1º - Os seus vencimentos serão determinados por lei e não poderão ser
diminuídos.”

Trata-se de duas garantias distintas, assegurando a primeira que o juiz não


poderá perder seu cargo, senão por sentença judicial, e a segunda estabelecendo
que os vencimentos dos juízes não podem, em hipótese alguma, ser reduzidos.
Conforme frisou o STF, em recurso de apelação cível interposto pela União
Federal:

“A vitaliciedade não implica a irredutibilidade de vencimentos.


Só os vencimentos dos juizes, por expressa disposição constitucional, são de
qualquer modo irredutíveis, não estando assim, sujeitos a quaisquer impostos.
A garantia da vitaliciedade reside no conceito de que, não se podendo em caso
algum demitir os funcionários vitalícios, senão mediante sentença judicial, não é
lícito reduzir os vencimentos, por diminuição destes, ou por tributação, ou de
qualquer outro modo, desde que a redução frustre ou balde a garantia.
206

Interpretação da Constituição Federal, arts. 57 e 74.”132

Desse modo, os magistrados, investidos de ambas as garantias, poderiam


exercer suas funções livres de ameaças referentes à sua permanência no cargo ou a
seus vencimentos.
A Constituição assegurava ainda a inamovibilidade dos magistrados.
Entretanto, cabe observar que a garantia de inamovibilidade não estava prevista
expressamente no Capítulo referente ao Poder Judiciário, mas decorria da
independência do Poder Judiciário, afirmada no art. 15 (“são órgãos da soberania
nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e
independentes entre si”) e, assim, enquadrava-se no disposto no art. 74, que, no
leque de declaração de direitos da Constituição de 1891, estabelecia, in verbis:

“Art 74 - As patentes, os postos e os cargos inamovíveis são garantidos em toda


a sua plenitude.”
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Nesse sentido, o STF, em recurso de apelação cível interposto pela União


Federal, decidiu que:

“Os magistrados gozam do predicamento da inamovibilidade, não podendo o


governo deslocá-los para onde entender, contra a vontade dos mesmos.”133

Verifica-se, portanto, que a Constituição assegurava expressamente as


garantias de vitaliciedade e irredutibilidade dos vencimentos ao tratar da
organização do Poder Judiciário federal, e implicitamente a garantia de
inamovibilidade, decorrente da sua independência, devendo ser garantida em sua
plenitude. Entretanto, cabe observar que tais dispositivos constitucionais tratavam
expressamente da organização da magistratura federal, deixando a organização do
Poder Judiciário estadual aos próprios Estados, no exercício da sua autonomia
constitucional, que, vale recordar, ocupou o centro dos debates durante o processo
de elaboração da Constituição. Ocorre que a autonomia dos Estados estava
limitada, segundo a própria Constituição, à observância dos princípios adotados
pela Constituição Federal, donde decorre que as constituições estaduais deveriam

132
RSTF, vol. 32, p. 152 – Apelação Cível n. 3129 – 23.04.1921.
133
RSTF, vol. 26, p. 334 – Apelação Cível n. 3362 – 02.06.1920.
207

assegurar a independência do Poder Judiciário a partir das garantias de


vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos. Em textual:

"Art 63 - Cada Estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar
respeitados os princípios constitucionais da União.”

A Constituição, portanto, assegurava as garantias de vitaliciedade,


inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos não apenas ao Poder
Judiciário federal, mas também à magistratura dos Estados, já que a
independência entre os Poderes em geral, e a independência do Poder Judiciário a
partir das sobreditas garantias institucionais, em particular, constituíam princípios
adotados pela Constituição de 1891. Nesse sentido, manifestou-se o STF:

“Cabe recurso extraordinário da decisão da justiça local que, em ultima


instância, considerou válido o ato do governo do Estado, aposentando
compulsoriamente um juiz de direito.
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Caráter e natureza do poder judiciário no nosso regime político-constitucional;


suas atribuições e poderes.
A sua independência é um dos princípios básicos da federação. Os Estados não
podem adotar dispositivos que atendem contra esse preceito.
É inconstitucional a lei estadual que fixa idade para aposentadoria forçada dos
seus juizes.”134

“Ementa do acórdão - A independência do Poder Judiciário decorre da


vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, afirmadas nos
artigos 57 e 74, CF.
Tais predicamentos também se estendem à Magistratura local, por estarem
implicitamente compreendidas no art. 63 da mesma Constituição, e existirem
independentemente ou a despeito das Constituições ou Leis dos Estados. Assim, a
temporariedade do mandato dos juizes transgride os citados preceitos do
Estatuto Federal. (Bahia)”135

“Só é suscetível de reparação judicial a violação do direito adquirido, do fato


consumado e juridicamente válido.
A demissão de um juiz de direito, sem ser nos casos taxativamente previstos na
lei, e mediante o processo regular, é ato nulo, pois atenta contra o princípio da
vitaliciedade, prescrito na Constituição, e obrigatório para os Estados.
A perpetuidade de uma função importa vantagens e encargos para o funcionário,
podendo o governo liberá-los destes, não, porém, deixar de conservar aqueles,
sem violar uma obrigação.”136

“A vitaliciedade dos Magistrados, garantida pelo art. 57 da Constituição


Federal, aplica-se tanto aos juizes federais, quanto, no silêncio das respectivas

134
RSTF, vol. 3, p. 82 – Recurso Extraordinário n. 773 – 22.08.1914.
135
RSTF, vol. 16, p. 495 – Recurso Extraordinário n. 997 – 25.05.1918.
136
RSTF, vol. 20, p. 65 – Apelação Cível (sobre embargos) n. 3043 – 29.05.1918.
208

leis ou a despeito do que possam elas dispor, aos Juizes do Estados, por força do
disposto no art. 63 da mesma Constituição.”137

“Os juizes estaduais gozam das mesmas garantias conferidas aos federais.
Os juizes federais são vitalícios e perderão o cargo unicamente por sentença
judicial.
CF, art. 57. (Mato Grosso)”138

“A irredutibilidade dos vencimentos é um princípio constitucional da União,


destinado a assegurar a independência do juiz e a que devem obediência os
Estados, por força do art. 63, CF.
Essa irredutibilidade obsta a criação de quaisquer impostos sobre os
vencimentos.
CF, art. 63 (Ceará)”139

“A vitaliciedade expressamente consignada no art. 57, CF, aos juizes federais,


estende-se e arrima também os estaduais e os locais.
CF, arts. 57 e 63. (Rio de Janeiro)”140

Convém observar que a jurisprudência do STF, no que tange ao controle


de constitucionalidade de leis e atos normativos que violavam as garantias da
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magistratura, dentre os acórdãos pesquisados, tratava basicamente da magistratura


dos Estados, o que demonstra que a violação às garantias institucionais da
magistratura ocorria com maior freqüência em relação aos juízes estaduais do que
aos federais. Tal constatação, no entanto, não deve causar maior espanto, já que,
não sendo a Constituição Federal expressa ao tratar da independência do Poder
Judiciário – tema bastante caro às forças políticas do País – na organização dos
Estados, e considerando-se que a autonomia estadual foi objeto de longos debates
durante o processo constituinte, a freqüência com que o STF teve que se
manifestar sobre a inconstitucionalidade dos atos que violavam a independência
dos juízes refletia apenas a resistência a esta organização, o que, pode-se afirmar,
deveria ser esperado. Nesse sentido, vale ainda citar os seguintes acórdãos:

“É contrário ao princípio consagrado no art. 57, CF, o ato do governo estadual


aposentando funcionário pela presunção de invalidez ao atingir certa idade.”141

“Os mesmo motivos de ordem pública que justificam a irredutibilidade dos


vencimentos dos juízes federais, por paridade, se aplicam aos juízes
estaduais.”142

137
RSTF, vol. 21, p. 51 – Habeas-corpus (Recurso) n. 5129 – 12.07.1919.
138
RSTF, vol. 50, p. 105 – Apelação Cível n. 3426 – 29.07.1922.
139
RSTF, vol. 50, p. 116 – Apelação Cível n. 3691 – 02.09.1922.
140
RSTF, vol. 57, p. 133 – Apelação Cível n. 4225 (Embargos) – 27.07.1923.
141
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 37 – Recurso Extraordinário nº 773 – 26.06.1913.
209

“Os vencimentos dos juízes da Corte de Apelação e dos demais juízes locais do
DF são irredutíveis, de acordo com os princípios adotados pela Constituição da
República (art. 57, §1º).”143

“Usando do direito incontestável que lhes assiste, de organizarem, como lhes


aprouver, os serviços públicos, criando e suprimindo cargos, os Estados,
contudo, não podem privar magistrados, vitalícios e inamovíveis, das vantagens
que as leis lhes asseguravam no momento em que foram investidos nos seus
cargos, vantagens que se incorporaram ao seu patrimônio e devem ser
garantidas em toda a sua plenitude, ex-vi do artigo 74, CF.
Suprimida uma comarca, o respectivo juiz tem direito a perceber todos os seus
vencimentos e a se lhe contar antiguidade desde a data em que for afastado do
seu cargo até ser provido em cargo equivalente, ou até ser regularmente
aposentado.”144

“A disponibilidade a que se refere o artigo 7º da Lei n. 1084 de 14 de Setembro


de 1907, do Estado de São Paulo, privando os juizes das regalias do cargo,
eqüivale à perda do cargo e ofende os princípios estabelecidos pela Constituição
Federal e Estadual.”145
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“A garantia da irredutibilidade dos vencimentos, assegurada aos Juizes


Federais, no art. 57, §1º, CF, é extensiva a todos os juizes vitalícios da
República, como condição indispensável à independência do Poder Judiciário.
Assim, os vencimentos de Magistrados, uma vez aumentados, jamais poderão ser
reduzidos, sem ofensa ou violação do precitado princípio constitucional.”146

“A irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados é um princípio


constitucional da União, destinado a assegurar a independência do juiz e a que
devem obediência os Estados, por força do art. 63, CF. (Rio de Janeiro)”147

“A vitaliciedade e a inamovibilidade dos magistrados, quer federais, quer


estaduais, é uma garantia de natureza social, que se não compadece com o
arbítrio do Poder Executivo, na exoneração ou remoção ad libitum, porquanto só
no respeito devido a essas duas condições, para o exercício da função, reside
uma boa e imparcial administração da Justiça.(Rio de Janeiro)”148

“Os juizes vitalícios só perdem os cargos: a pedido seu ou por sentença


condenatória; em virtude de aposentadoria a seu pedido ou decretada pelo
Presidente da República; ou no caso de invalidez, verificada por meio de exame
médico legal, a seu requerimento ou do representante do Ministério Público.

142
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 233 – Recurso Extraordinário nº 737 – 14.06.1911;
p. 235 – Apelação Cível nº 1800 – 27.09.1911; Apelação Cível nº 1063 – 24.01.1912.
143
Manual de Jurisprudência Federal, 1914, p. 364 –Apelação cível nº 1783 – 20.06.1910;
Apelação Cível nº 1624 – 05.08.1910; Apelação Cível nº 1800 – 27.09.1911.
144
RSTF, vol. 7, p. 368 – Apelação Cível n. 2159 – 12.05.1914.
145
RSTF, vol. 15, p. 518 – Apelação Cível n. 3038 – 26.12.1917.
146
RSTF, vol. 21, p. 73 – Apelação Cível n. 3214 – 10.01.1919.
147
RSTF, vol. 50, p. 118 – Apelação Cível n. 3970 – 16.09.1922.
148
RSTF, vol. 51, p. 133 – Apelação cível n. 4225 – 11.10.1922.
210

É inconstitucional o dispositivo do art. 338 do Dec. n. 16.273, de 1923, que


permitia ao Poder Executivo pôr em disponibilidade remunerada os membros da
Magistratura local do DF.
CF, art. 57 (...)”149

É interessante observar a resistência oferecida pelas forças políticas


dominantes em certos Estados à independência dos juizes, o que corrobora a
afirmação de que a novidade trazida pela Constituição de 1891 não era o Poder
Judiciário, mas a sua independência/a garantia da sua independência, a qual os
poderes públicos dos Estados não sucumbiam. Revela-se bastante ilustrativo o
julgamento do Recurso Extraordinário interposto pelo juiz de Direito da Comarca
de Santa Filomena, Milcíades Lopes, em face do Estado do Piauí, requerendo o
pagamento dos respectivos vencimentos, os quais deixou de receber sob a
alegação de que “fôra forçado a abandonar a comarca, assolada por cangaceiros
e criminosos, por lhe não haver o Governo dado as devidas garantias, devendo,
por conseguinte, ser a ré condenada a pagar-lhe os vencimentos correspondentes
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ao tempo desse abandono”. Embora o STF (vencidos os ministros LEONI


RAMOS, GODOFREDO CUNHA e MUNIZ BARRETO) tenha negado
provimento ao recurso, sob o fundamento de que “ao autor não têm sido pagos os
vencimentos em lide; porque sem motivo legal, tem estado fora do exercício do
cargo, ausente da comarca” 150, vale citar o voto vencido do Ministro MUNIZ
BARRETO, que ilustra bem os obstáculos opostos ao exercício da função
jurisdicional:

“votei pelo provimento do recurso, porque o exame cuidadoso que fiz dos autos,
produziu no meu espírito a certeza de que o recorrente, juiz vitalício no Estado
do Piauí, está inibido de exercer as funções do seu cargo em sua comarca, por
isso que o governo desse Estado não lhe fornece as garantias necessárias para
esse exercício. O representante do recorrido, o Procurador-Geral do Piauí, é o
primeiro a proclamar que o Bacharel Milcíades Lopes se encontra
absolutamente impossibilitado de desempenhar as suas atribuições de juiz de
direito.
Eis alguns trechos das razões do chefe do Ministério Público piauiense:
“Destaco o inquérito aberto pelo delegado militar e o artigo que o “Piauí”,
órgão oficial, publicou a 6 de junho, sob a assinatura do Juiz distrital, promotor

149
RSTF, vol. 73, p. 10 – Habeas-corpus n. 10325 – 30.01.1924. Obs: dispõe o art. 338 do Dec. n.
16.273: “O Governo, na execução desta reforma, e até 10 dias depois de entrar em execução este
regulamento, poderá pôr em disponibilidade, com os vencimentos integrais do cargo, os
magistrados e membros do Ministério Público que, pela idade, enfermidade ou outro motivo
relevante, não estejam em condições de bem exercer as suas funções, ou tenham prestado bons
serviços à Justiça, tornando-se, por isso, merecedor de repouso.”
150
RSTF, vol. 40, p. 120 – Recurso Extraordinário n. 1332 – 09.11.1921.
211

público, escrivão, carcereiro, intendente, coletor, presidente do Conselho e


pessoas gradas da localidade. Estas provas traduzem psicologicamente o estado
de exacerbação dos jurisdicionados do Dr. Milcíades, donde se pode também
inferir o seu justo temor de insegurança pessoal e de vida. O juiz que é chamado
de bandido, celerado e mentiroso, imbecil, sem vergonha, analfabeto, escória da
magistratura, pelas autoridades locais, representantes do pensamento político do
governo na administração local, pelos que se dizem o elemento grado, esse juiz
não pode absolutamente encontrar aí a menor garantia para o exercício de suas
funções e deve recear mesmo pela segurança de sua própria vida. Mas o
Governo, apesar disso, não lhe atende aos reiterados pedidos de remoção. Em
Santa Philomena, o Dr. Milcíades não pode exercer mais a sua jurisdição (fls.
167 v.).”
Numa comarca em que sua primeira autoridade é assim injurida por todos os
outros agentes do poder público, alguns dos quais seus subordinados, e pelas
pessoas influentes do lugar, que segurança pode dar a essa autoridade - de
obediência às suas ordens de respeito à sua dignidade de juiz, de defesa de sua
pessoa, a presença de 3 soldados de polícia e um oficial? Somente um louco se
julgaria garantido com essa força. Exposto ao ridículo, vilipendiado, sem
elementos para conter os seus insultadores, o juiz no seu infortúnio, arrastaria
ao maior descrédito a própria justiça, se porventura os exaltados não fossem ao
extremo de lhe tirar a vida.
Como pois negar a esse magistrado direito aos vencimentos do seu cargo
durante a permanência da anormalidade que o priva de exercer as funções que a
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lei lhe confere?”

Por fim, cabe destacar que o STF, ao julgar o Habeas Corpus n.º 9801, em
19.12.1923, contrariando sua jurisprudência não no que se refere à observância
pelos Estados dos garantias da magistratura federal, mas – antes disso – no que se
refere às próprias garantias em si, declarou constitucional – ou por outra, que
“não é manifestamente inconstitucional” – o Tribunal de Remoção de
Magistrados, criado pela Constituição Mineira. De acordo com o impetrante, este
Tribunal, composto do Presidente do Tribunal da Relação, do Presidente do
Senado e do Procurador-Geral do Estado, seria “ofensivo das garantias que a
Constituição da República assegura a todos os juizes, sendo assim,
manifestamente inconstitucional”. Entretanto, o STF, por maioria (vencidos os
ministros PEDRO MIBIELLI, PEDRO DOS SANTOS e LEONI RAMOS),
denegou a ordem impetrada sob o fundamento de que a Constituição não
contemplava como uma das garantias da magistratura a inamovibilidade, valendo
transcrever os fundamentos, por contrariem a firma jurisprudência que o próprio
STF havia construído até o momento:

“(...) Efetivamente, a Constituição só garante aos juizes a vitaliciedade e a


irredutibilidade dos vencimentos (art. 57) mas não a inamovibilidade, a cujo
respeito não contem dispositivo algum.
212

Ora, a vitaliciedade não importa necessariamente a inamovibilidade, tanto que a


Carta Constitucional do Império assegurava aos juizes de Direito aquela e não
esta (art. 153)
Conhecendo o dispositivo deste artigo 153 e só se referindo à vitaliciedade é
claro que o legislador constituinte republicano não assegurou aos juizes a
inamovibilidade.
Tanto mais se impõe esta conclusão, quanto o Governo Provisório, no art. 2º do
Dec. 848, de 1/10/90 havia prescrito: ”Os Juizes Federais são vitalícios e
inamovíveis (...)”.
Não vale alegar-se que a inamovibilidade é implícita à vitaliciedade, porque, por
identidade de razão, o mesmo se pode dizer da irredutibilidade de vencimentos, a
qual, entretanto, explicitamente se referiu o constituinte republicano.”151
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151
RSTF, vol. 75, p. 16 – Habeas-corpus n. 9801 – 19.12.1923.
213

6
CONCLUSÃO

Por tudo o que se examinou até aqui, verifica-se que a trajetória do


republicanismo no Brasil, durante o Império, revela que a República quase sempre
figurou como um meio e não como um fim em si mesma. Exigia-se a República
como uma forma de oposição ao establishment, por este não atender aos interesses
de determinados setores; interesses que, por si, não dependiam necessariamente
do regime republicano, mas tão somente da mudança de orientação política do
governo. Nesse sentido, os movimentos que levantaram a bandeira republicana no
final do século XVIII e ao longo da primeira metade do século XIX, o fizeram
também com objetivo de mudança na orientação política, fosse pela
independência, fosse – numa etapa posterior – pela implantação da forma
federativa de Estado.
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Do mesmo modo, o movimento republicano que se fez presente ao longo


da segunda metade do século XIX também representou um instrumento de pressão
ao regime monárquico, dirigido mais ao governo do que à sua forma, e
contestando antes a condução do processo político do que a fonte de legitimidade
do poder. Entretanto, cessam aí as semelhanças entre o movimento republicano
durante a primeira e a segunda metade do século XIX. De fato, o período que
abrange a segunda metade do século XIX foi marcado por profundas e
significativas mudanças ocorridas no cenário econômico e social do País,
responsáveis pelo surgimento dos cafeicultores – setor que se fixou como o mais
forte e dinâmico no quadro econômico brasileiro. Isto nada obstante, as mudanças
nos quadros econômico e social não forma acompanhadas por uma alteração no
quadro político que assegurasse a participação dos representantes deste novo setor
econômico nas tomadas de decisão referentes à condução da política nacional.
Havia, portanto, uma forte tensão entre a classe política dominante e a classe
econômica em ascensão, marcada pela resistência oferecida pela classe política
dirigente ao ingresso dos representantes deste novo setor econômico na
composição do governo e é a partir desta tensão que se devem avaliar os
principais acontecimentos políticos nas duas últimas décadas do Império,
especialmente o surgimento e o desenvolvimento do movimento republicano, a
214

partir de 1870. Com efeito, foi este o setor que mais fortemente encampou o
movimento republicano, embora o atendimento às suas exigências não revelasse a
imprescindibilidade da mudança na fonte de legitimidade do poder, ainda que a
República figurasse como sua maior bandeira, ou ao menos a mais visível.
Entretanto, ainda que naquele momento estivessem exercendo forte
pressão sobre o governo imperial, não foram os cafeicultores os responsáveis pela
mudança do regime, mas os militares – outro setor descontente com o quadro
político vigente, mantendo a tradição da República como uma alternativa ao
governo e não à sua forma, figurando sempre como um meio para se atingir um
determinado fim.
Desse modo, a proclamação da República proporcionou a tábula rasa
institucional que ambos os setores buscavam a fim de redefinirem seus papéis e
sua participação no processo de condução política do País, ao preço de trazer o
“povo” para a arena da atividade política.
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Assim, embora a derrubada da Monarquia tivesse sido executada


exclusivamente pelos militares, o processo de organização jurídica do novo
regime, definido pelo Governo Provisório, revelou-se aberto à participação de
outros setores da sociedade, a partir da convocação de uma Assembléia
Constituinte eleita diretamente. Convém, no entanto, assinalar que a convocação
da Constituinte não afastou o Governo Provisório do processo de elaboração do
texto constitucional, mantendo-se atento ao desenvolvimento dos trabalhos
constituintes a começar pela própria apresentação do projeto de Constituição –
conhecido como “Projeto do Governo Provisório”.

Os trabalhos constituintes foram marcados pelo debate travado entre os


“unionistas” e os “federalistas” em torno da federação – mais precisamente, em
relação à distribuição de competências entre a União e os Estados. Desse modo, os
“unionistas”, que tinham à frente RUI BARBOSA e defendiam um federalismo
mais centrípeto, com maiores poderes à União Federal do que aos Estados, e os
“federalistas”, representados por JÚLIO DE CASTILHOS (Rio Grande do Sul),
CAMPOS SALES (São Paulo), EPITÁCIO PESSOA (Paraíba do Norte),
BORGES DE MEDEIROS (Rio Grande do Sul) e LAURO MULLER (Santa
Catarina), dentre outros, inclinados a atribuir aos Estados a mais ampla autonomia
política e, por conseguinte, maiores recursos tributários, deram a tônica dos
215

debates travados ao longo do processo constituinte. Com efeito, a extensão da


autonomia estadual não apenas foi o tema mais polêmico do processo constituinte
como também se fez presente em praticamente todos os debates, o que se deve ao
fato de que a intenção de muitos constituintes federalistas era simplesmente trazer
à esfera das constituições estaduais uma boa parte dos temas que os unionistas
pretendiam definir na Constituição Federal. Deve-se recordar que o
estabelecimento, nesta Constituição, de um projeto político abrangente que
vinculasse os Estados poderia frustrar os interesses de determinados setores que
prefeririam, portanto, assegurar uma certa margem de manobra política dentro do
âmbito estadual. Isto explica o fato de muitos debates não abordarem o caráter
democrático ou até mesmo republicano das propostas que eram apresentadas, mas
apenas a conveniência de se estabelecê-las na Constituição Federal. Desse modo,
a atribuição de uma ampla esfera de autonomia política aos Estados poderia
resultar na coexistência de diversos projetos políticos, distintos entre si e,
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sobretudo, em relação ao estabelecido na Constituição Federal.


O texto finalmente aprovado consagrou a vitória dos “unionistas”, embora
já um pouco afastado do modelo trazido pelo projeto do Governo Provisório –
“unionista” por excelência. Manteve, estranhamente desacompanhada de maiores
debates, a intervenção federal nos moldes definidos pelo Projeto do Governo
Provisório, permitindo assim à União intervir nos Estados a fim de repelir invasão
estrangeira, ou de um Estado em outro, manter a forma republicana federativa,
restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição dos respectivos
Governos e assegurar a execução das leis e sentenças federais.
Ademais, a Constituição de 1891 não apenas assegurou um regime
federativo com maiores poderes à União Federal do que aos Estados, como
também estabeleceu que estes, ao elaborarem suas Constituições, deveriam
respeitar os princípios constitucionais da União (art. 63), reduzindo
significativamente o grau de autonomia pretendido pelos “federalistas”. Desse
modo, deveriam os Estados adotar em sua organização constitucional, dentre
outros, os princípios da democracia liberal de alternância no poder e sucessão
legítima dos governantes, bem como o princípio da separação dos Poderes, que a
Constituição consagrou, nos moldes definidos por MONTESQUIEU, assegurando
ainda a harmonia entre os Poderes, a partir do sistema de freios e contrapesos
desenvolvido pelos federalistas JAMES MADISON, ALEXANDER HAMILTON
216

e JOHN JAY. Assim, embora a Constituição consagrasse a dualidade do Poder


Judiciário, a organização da magistratura pelos Estados deveria observar as
normas pertinentes estabelecidas pela Constituição Federal, a fim de assegurar a
independência do Poder Judiciário, decorrente do princípio da separação dos
Poderes.
Além disso, vale ainda ressaltar que a Constituição também limitava a
autonomia tributária dos Estados ao consagrar como princípio norteador do
sistema tributário a plena liberdade de comércio interestadual. Deste modo, a fim
de assegurar a harmonia entre os Estados da Federação, a Constituição não apenas
estabelecia expressamente que os impostos decretados pela União Federal
deveriam ser uniformes para todos os Estados, vedando a criação de quaisquer
distinções e preferências entre Estes, como também, sob a orientação do mesmo
princípio, proibia que um Estado taxasse os produtos de outros Estados.
A Constituição assegurava ainda a autonomia dos Municípios, o que
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representava, portanto, a um só tempo, uma garantia conferida aos municípios, e


uma imposição atribuída aos Estados, figurando como mais uma limitação à
autonomia destes.
Por fim, cabe assinalar que a Constituição, como corolário do espírito
liberal de que estava impregnada, trazia ainda um elenco de direitos individuais.
Ainda, como decorrência da forma republicana, consagrou novos direitos, que
definem com maior exatidão a igualdade dos cidadãos, assim como a separação
entre Estado e Igreja e a conseqüente afirmação do Estado laico em matéria
religiosa.
Como se pode verificar, este projeto político da Constituição de 1891
trouxe mudanças bastante significativas à organização político-institucional do
País – tanto quantitativa como, sobretudo, qualitativamente –, e , a fim de garantir
a sua efetividade, atribuiu a guarda da Constituição ao Poder Judiciário, a quem
caberia aplicar as normas constitucionais, podendo inclusive declarar nulas as leis
e atos normativos contrários ao seu conteúdo. Nesse sentido, o STF, órgão de
cúpula do Poder Judiciário, assumiria um papel primordial, uma vez que caberia a
este tribunal decidir em última instância sobre a interpretação e aplicação da
Constituição, embora sempre a partir do exame dos casos concretos a ele
submetidos, não sendo permitido qualquer manifestação em tese sobre questões
constitucionais.
217

Assim, buscou-se verificar, a partir da jurisprudência do STF no exercício


do controle concreto de constitucionalidade de leis e atos normativos, os casos que
com maior freqüência chegavam àquela Corte, o que demonstraria os temas
constantes do projeto político da Constituição de 1891 cujo respeito estava sendo
questionado. Desse modo, verificou-se que os casos mais recorrentes tratavam das
seguintes matérias: estado de sítio, tributos, direitos políticos e garantias da
magistratura, o que sugere uma dificuldade encontrada pelo projeto político da
Constituição para sua implantação quanto a estes temas.
Nesse quadro, conquanto não se possa negar que o STF, em algumas
decisões, omitiu-se no exercício da guarda da Constituição, permitindo o
desrespeito explícito aos ditames constitucionais, deixando a Constituição órfã de
um guardião efetivo e somente na esperança de que seu conteúdo, e, portanto, seu
projeto político fosse respeitado pelos agentes políticos cuja atuação deveria
limitar, certo é que o STF revelou-se, em tantos outros julgados, um verdadeiro
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guardião da Constituição e, deste modo, um garantidor da sua efetividade,


assegurando, ainda que somente no exame de casos concretos, que a realidade
deveria se curvar e se adequar ao texto constitucional. E assim, ainda que aquela
não tenha sido a "República dos sonhos" - ou que tenha sido "a República dos
sonhos de poucos", o que encerra uma contradição semântica - foi a partir do seu
advento que foram definidos os traços fundamentais do constitucionalismo no
Brasil, que, mal ou bem, têm sido mantidos ao longo da história do País.
218

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