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Brasília Volume 22 Número 128 Out. 2020/Jan. 2021


Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República interino


Pedro Cesar Nunes F. M. de Sousa

Subchefe para Assuntos Jurídicos e


Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Pedro Cesar Nunes F. M. de Sousa

Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República


Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.
Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.
Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual


Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807


ISSN (a partir de março de 2011/on-line): 2236–3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 342
CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Centro de Estudos Jurídicos, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,
Anexo II, Térreo, Ala A,
Sala 100 – CEP 70150-900 – Brasília/DF
Telefone: (61) 3411-2863
E-mail: revista@presidencia.gov.br
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© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2021


Revista Jurídica da Presidência

É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


voltada à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e
estudos independentes sobre a atuação do Poder Público, em todas as áreas do
Direito, com o objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação
nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal.

Equipe Técnica

Coordenação de Editoração Revisão de Diagramação


Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo Ana Íris Morais Pessoa
Humberto Fernandes de Moura Ayla Christina Alves dos Santos
Juliana C. Câmara Ribeiro
Gestão de Artigos
Karina Gomes Mansur Costa
Ana Íris Morais Pessoa
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salão interno do Palácio do Planalto.
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Ana Íris Morais Pessoa
Ayla Christina Alves dos Santos
Conselho Editorial
Claudia Lima Marques João Maurício Leitão Adeodato
Doutorado e Pós-Doutorado em Direito Doutorado em Filosofia Jurídica pela
Internacional Privado pela Universidade de Universidade de São Paulo, Brasil, e
Heidelberg, Alemanha. Professora Titular Pós-Doutorado em Filosofia Jurídica pela
do Programa de Pós-Graduação em Direito Universidade de Heidelberg, Alemanha.
da Universidade Federal do Rio Grande do Livre-Docente pela Universidade de
Sul, Brasil. São Paulo, Brasil. Professor Titular da
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Claudia Rosane Roesler


Doutorado em Teoria do Direito pela Joaquim Shiraishi Neto
Universidade de São Paulo, Brasil, e Doutorado em Direito pela Universidade
Pós-Doutorado em Teoria do Direito Federal do Paraná, Brasil. Professor do
pela Universidade de Alicante, Espanha. Programa de Pós-Graduação em Direito da
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão, Brasil.
Universidade de Brasília, Brasil.

José Claudio Monteiro de Brito Filho


Fredie Souza Didier Junior Doutorado em Direito das Relações Sociais
Doutorado em Direito pela Pontifícia pela Pontifícia Universidade Católica de
Universidade Católica de São Paulo, Brasil, São Paulo, Brasil. Professor do Programa de
e Pós-Doutorado em Direito Processual Pós-Graduação em Direito da Universidade
Civil pela Universidade de Lisboa, Portugal. Federal do Pará, Brasil.
Livre-Docente pela Universidade de São
Paulo, Brasil. Professor Associado da
Luís Roberto Barroso
Universidade Federal da Bahia, Brasil.
Doutorado em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, e

Gilmar Ferreira Mendes Pós-Doutorado pela Universidade de

Doutorado em Direito Constitucional Harvard, Estados Unidos da América.

pela Universidade de Münster, Alemanha. Livre-Docente pela Universidade

Docente Permanente do Instituto do Estado do Rio de Janeiro,

Brasiliense de Direito Público, Brasil. Brasil. Professor Titular de Direito


Constitucional da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Maíra Rocha Machado Vera Karam de Chueiri
Doutorado em Direito pela Universidade de Doutorado em Filosofia Jurídica pela New
São Paulo, Brasil, com período sanduíche School for Social Research, Estados Unidos
na Universidade de Barcelona, Espanha, e da América, e Pós-Doutorado pela Yale
Pós-Doutorado pela Universidade de Ottawa, University, Estados Unidos da América.
Canadá. Professora Associada na Escola de Professora Associada da Faculdade de Direito
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio da Universidade Federal do Paraná, Brasil.
Vargas, Brasil.

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Misabel de Abreu Machado Derzi BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /
Doutorado em Direito Tributário pela Rede RVBI
Universidade Federal de Minas Gerais, Google Scholar
Brasil. Professora Titular de Direito LATINDEX – Sistema Regional de
Financeiro e Tributário da Faculdade de Información en Linea para Revistas
Direito da Universidade Federal de Minas Científicas de América Latina, el Caribe,
Gerais, Brasil. España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory
Colaboradores da Edição 128
Pareceristas
Adegmar José Ferreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Adriane Medianeira Toaldo – Prof.a Dr.a na Universidade Luterana do Brasil, RS, Brasil
Carlos Alberto Pereira das Neves Bolonha – Prof. Dr. na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Carlos José Cordeiro – Prof. Dr. na Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil
Carolina Costa Ferreira – Prof.a Dr.a na Universidade de Brasília, no Centro Universitário de
Brasília e no Instituto Brasiliense de Direito Público, DF, Brasil
Cláudio Jannotti da Rocha – Prof. Dr. no Centro Universitário do Distrito Federal, DF, Brasil
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – Prof.a Dr.a na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, SP, Brasil
Deilton Ribeiro Brasil – Prof. Dr. na Universidade de Itaúna, MG, Brasil
Egon Bockmann Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Fernando Horta Tavares – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
Flávio Barbosa Quinaud Pedron – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Francielle Vieira Oliveira – Prof.a Dr.a na Universidade Estácio de Sá, DF, Brasil
Gina Gouveia Pires de Castro – Prof.a Dr.a no Centro Universitário Maurício de Nassau, PE, Brasil
Karol Araújo Durço – Prof. Dr. na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil
Marcio Cunha Filho – Prof. Dr. no Instituto Brasiliense de Direito Público, DF, Brasil
Margareth Vetis Zaganelli – Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Mateus de Oliveira Fornasier – Prof. Dr. na Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul, RS, Brasil
Vladimir Passos de Freitas – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil
Autores Convidados
Grace Ladeira Garbaccio Julien Prieur
BRASIL – Brasília/DF FRANÇA – Paris
Doutora e Mestra em Direito pela Doutor em Direito Ambiental pela
Universidade de Limoges (França). Professora Universidade de Limoges (França). Professor
do Mestrado em Direito e do Mestrado em Convidado da Universidade Católica de
Administração Pública do Instituto Brasileiro Madagascar (África) e da Universidade
de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa Sorbonne Paris 1 e 13 (França).
(IDP, FIA e ESPM). Professora Convidada da E-mail: julien.prieur72@gmail.com
Universidade de Laval (Québec/Canadá) e da
Universidade de Coimbra (Portugal).
E-mail: glgarbaccio@hotmail.com

Autores de Artigos em Língua Estrangeira


Marcelo Fernando Borsio
BRASIL – Brasília/DF
Pós-Doutor em Direito da Seguridade Social pela Universidad Complutense de Madrid
(Espanha). Doutor em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC-SP). Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
Professor da Graduação e da Pós-Graduação do Centro Universitário do Distrito Federal
(UDF). Professor Convidado nos Cursos de Seguridade Social da Universidad Complutense
de Madrid (Espanha).
E-mail: marceloborsio@yahoo.com.br
Dariel Oliveira Santana Filho Jefferson Carlos Carus Guedes
BRASIL – Salvador/BA BRASIL – Brasília/DF
Doutor em Direito pelo Centro Universitário Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia
de Brasília (UniCEUB). Mestre em Direito pela Universidade Católica (PUC-SP). Professor
Universidade Católica de Petrópolis (UCP-RJ). do Mestrado e do Doutorado no Centro
Procurador Federal na Justiça Federal da Bahia. Universitário de Brasília (UniCEUB).
E-mail: dariel_ok@yahoo.com.br E-mail: professor.carusguedes@gmail.com

Autores
Camila de Paula Rangel Fabiana Santos Dantas
BRASIL – Belém/PA BRASIL – Recife/PE
Mestranda em Direito pelo Centro Doutora e Mestra em Direito Público pela
Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
E-mail: camila@cantoadvocacia.com.br E-mail: fabiana.dantas@ufpe.br
Guilherme Botelho Pablo Jiménez Serrano
BRASIL – Porto Alegre/RS BRASIL - São Paulo/SP
Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Doutor em Direito pela Faculdade de Direito (Cuba).
Universidade Católica (PUC-RS). Professor Professor e Pesquisador do Centro Universitário
da Graduação da Universidade Feevale e da Salesiano de São Paulo (UNISAL) e do Centro
Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS). Universitário de Volta Redonda (UniFOA).
E-mail: guilherme@botelhoemelani.adv.br E-mail: metodologo2001@yahoo.com.br

João Pedro Accioly Regina Célia Martinez


BRASIL - Rio de Janeiro/RJ BRASIL - São Paulo/SP
Doutorando e Mestre em Direito Público pela Doutora e Mestra em Direito pela Pontifícia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Universidade Católica (PUC-SP). Professora
Professor Substituto de Direito Constitucional da e Pesquisadora do Centro Universitário de
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Jales (UNIJALES). Pesquisadora da Escola
Professor Convidado da Pós-Graduação em Superior de Advocacia (ESAOAB-SP).
Direito Público da Faculdade Baiana de Direito E-mail: reginamarar@uol.com.br
e de Direito do Estado do Centro de Estudos e
Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED/UERJ). Sandro Souza Simões
E-mail: jacciolyteixeira@gmail.com PORTUGAL - Lisboa
Doutor pela Università Del Salento/Lecce
Juliana Freitas (Itália). Mestre em Direito pela Universidade
BRASIL – Belém/PA Federal do Pará (UFPA). Professor da
Doutora em Direito pela Universidade Federal Graduação e da Pós-Graduação do Centro
do Pará (UFPA), com período na Universitá di Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
Pisa (Itália). Mestra em Direito pela Universidade Professor Assistente Convidado da Faculdade
Federal do Pará (UFPA). Professora da Graduação de Direito da Universidade de Lisboa e
e da Pós-Graduação em Direito do Centro Investigador do Centro de Investigação em
Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Teoria e História do Direito (Portugal).
E-mail: rodriguesfreitasjuliana@gmail.com E-mail: prof.sandroalex@gmail.com

Maria Victória Rodrigues


BRASIL - Rio de Janeiro/RJ
Doutora em Direito pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), com período na
Universidad de Vigo (Espanha). Mestra em
Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
E-mail: victoriaborja@hotmail.com
Sumário

Editorial _________________________________________________________________ 449

Autores Convidados _________________________________________________ 451

1 Développement durable et biodiversité : coutume des autochtones et droit


positif à travers la protection des ressources naturelles à Madagascar
Julien Prieur — Grace Ladeira Garbaccio_____________________________________ 453

Artigo em Língua Estrangeira _____________________________________ 474

2 On the urgency of an emancipatory hermeneutics of Social Security Law in


the post-pandemic era
Marcelo Fernando Borsio — Dariel Oliveira Santana Filho — Jefferson
Carlos Carus Guedes________________________________________________________ 476

Artigos ___________________________________________________________________ 496

3 A concretização dos direitos humanos e fundamentais: vontade, consciência


e ação em tempos de pandemia
Regina Célia Martinez — Pablo Jiménez Serrano____________________________ 498

4 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal:


um caminho para o desenvolvimento
Sandro Souza Simões — Juliana Freitas — Camila de Paula Rangel_______ 522

5 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo


Guilherme Botelho_________________________________________________________ 542

6 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros


Fabiana Santos Dantas_____________________________________________________ 568
7 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos
João Pedro Accioly_________________________________________________________ 592

8 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei


no 13.655/2018
Maria Victória Rodrigues__________________________________________________ 614

Normas de submissão _______________________________________________ 636


Editorial

Caros leitores,

Apresentamos a publicação da edição no 128 da Revista Jurídica da Presidência – RJP,


que encerra o seu 22o volume. Neste período, a RJP aumentou seu Corpo de Consultores
ad hoc – responsável pela avaliação dos artigos submetidos ao periódico pelo sistema
double-blind peer review – por meio de Acordos de Cooperação Técnica firmados com
Instituições de Ensino Superior.
Na seção Autores Convidados, Julien Prieur, Professor Doutor Convidado
da Universidade Sorbonne Paris 1 e 13 (França) e da Universidade Católica
de Madagascar (África), e Grace Ladeira Garbaccio, Professora Convidada da
Universidade de Laval (Québec/Canadá) e da Universidade de Coimbra (Portugal),
trazem o artigo “Développement durable et biodiversité: coutume des autochtones et
droit positif à travers la protection des ressources naturelles à Madagascar”. No texto,
os autores analisam os costumes dos povos nativos da ilha, a possibilidade de
conciliá-los com o direito positivado e a efetividade dessa conciliação em prol do
desenvolvimento e da proteção do meio ambiente.
Já na seção Artigos em Língua Estrangeira, em “On the urgency of an emancipatory
hermeneutics of Social Security Law in the post-pandemic era”, temos a pesquisa
feita pelos Doutores Marcelo Fernando Borsio, Dariel Oliveira Santana Filho e
Jefferson Carlos Carus Guedes. Os autores analisam a hermenêutica atual do Direito
Previdenciário e sua perspectiva em relação à era pós-COVID-19, tendo em vista
a possível pandemia processual que advirá da emergência mundial enfrentada,
atualmente, em todos os ramos do Direito.
Iniciando a seção Artigos, os Professores Doutores Regina Célia Martinez e Pablo
Jiménez Serrano estudam a problemática da não concretização dos direitos humanos
fundamentais na sociedade brasileira e discutem os fatores que contribuem para
que isso ocorra, em tempos de pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia.
Em seguida, os autores Sandro Souza Simões, Professor Assistente Convidado da
Universidade de Lisboa (Portugal), Juliana Freitas e Camila de Paula Rangel Canto
discutem a importância do processo estruturante no exercício de atribuir justiça às
decisões, no artigo “O processo estruturante como meio de alcance da igualdade
formal: um caminho para o desenvolvimento”.
Na sequência, o Professor Doutor Guilherme Botelho analisa o desenvolvimento
do princípio dispositivo na cultura ocidental como norma estruturante do processo,
desde o período pré-clássico do Direito Romano até o seu desdobramento na
doutrina alemã do século XIX.
Também nesta seção, apresentamos o artigo intitulado “A saga legislativa dos
heróis e heroínas brasileiros”, da Doutora Fabiana Santos Dantas, que discorre sobre
a motivação, os procedimentos e os requisitos que envolvem a concessão do título
de herói nacional no Brasil.
O autor João Pedro Accioly examina as causas e as formas de prevenir a
conflituosidade intra-administrativa e analisa os métodos de composição das disputas
entre órgãos ou entidades da Administração Pública disponíveis no sistema jurídico
brasileiro, propondo parâmetros que recomendam ou contraindicam cada um deles.
Encerrando a edição, a Doutora Maria Victória Rodrigues, em “A teoria das
escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018”, trata
dos impactos das inovações trazidas pela referida lei na tomada de decisões pela
Administração Pública.
É com satisfação que finalizamos mais um volume, com muito trabalho e
resultados positivos. Aproveitamos para agradecer à equipe de editoração da RJP,
ao Conselho Editorial, aos autores que submeteram e publicaram seus artigos neste
periódico e aos pareceristas ad hoc, que atuam na avaliação dos textos.
Desejamos a todos uma boa leitura!
1
453

Développement durable et biodiversité :


coutume des autochtones et droit positif
à travers la protection des ressources
naturelles à Madagascar

JULIEN PRIEUR
Doutor em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França). Professor
Convidado da Universidade Católica de Madagascar (África) e da Universidade
Sorbonne Paris 1 e 13 (França).

GRACE LADEIRA GARBACCIO


Doutora e Mestra em Direito pela Universidade de Limoges (França).
Professora do Mestrado em Direito e do Mestrado em Administração Pública
do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP, FIA e
ESPM). Professora Convidada da Universidade de Laval (Québec/Canadá) e da
Universidade de Coimbra (Portugal).

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 La coutume et le droit positif, un couple récent qui doit mûrir
3 Une conciliation entre droit coutumier et droit positif à trouver 4 Conclusion 5 Références.

RÉSUMÉ : Cet article vise à analyser, de manière non exhaustive, la richesse de


la biodiversité de l'île de Madagascar, à la lumière du développement durable. En
ce sens, les coutumes des peuples autochtones – le droit coutumier – et le droit
positif, la possibilité de leur conciliation, ainsi que leur efficacité en faveur du
développement et de la protection de l'environnement seront abordés. L'instrument
de régulation sociale, ancestral, appelé Dina, sera notamment appréhendé, compte
tenu de son importance dans la culture malgache de maintien de l’ordre public.
À travers une synthèse scientifique, cet article utilise la méthode de la recherche
déductive et exploratoire, avec une contribution à l'étude du droit positif, basée sur
l'analyse des références d'articles et des études bibliographiques.

MOTS-CLÉS : Biodiversité Protection et Gestion des Ressources Naturelles Droit


Positif Droit Coutumier Madagascar.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 128 Out. 2020/Jan. 2021 p. 453-473


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454 Développement durable et biodiversité

Desenvolvimento sustentável e biodiversidade: costume de povos nativos e direito


positivo através da proteção dos recursos naturais em Madagascar

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O costume e direito positivo, um casal recente que deve amadurecer 3
Uma reconciliação entre o direito consuetudinário e o direito positivo a ser encontrada 4 Conclusão
5 Referências.

RESUMO: Este artigo visa analisar, de forma não exaustiva, a riqueza da


biodiversidade da ilha de Madagascar, à luz do desenvolvimento sustentável. Nesse
sentido, serão abordados os costumes dos povos nativos – direito costumeiro – e
o direito positivado, a possibilidade de sua conciliação, bem como sua efetividade
em prol do desenvolvimento e da proteção do meio ambiente. O instrumento
de regulação social, ancestral, denominado Dina, será especialmente objeto de
estudo, tendo em vista sua importância na cultura malgaxe de manutenção da
ordem pública. Por meio de uma síntese científica, este artigo utiliza o método de
pesquisa dedutiva e exploratória, com uma contribuição para o estudo do direito
positivo, com base na análise de referências de artigos e estudos bibliográficos.

PALAVRAS-CHAVE: Biodiversidade Proteção dos Recursos Naturais Direito Positivo


Direito Costumeiro Madagascar.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 128 Out. 2020/Jan. 2021 p. 453-473


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Julien Prieur — Grace Ladeira Garbaccio 455

Sustainable development and biodiversity: custom of native peoples and positive


law through the protection of natural resources in Madagascar

CONTENTS: 1 Introduction 2 Custom and positive law, a recent couple that must mature
3 A reconciliation between customary law and positive law to be found 4 Conclusion
5 References.

ABSTRACT: This article aims to analyze, in a non-exhaustive way, the richness of


biodiversity on the island of Madagascar, in light of sustainable development. In
this sense, the customs of the native peoples – traditional law – and the positive
law, the possibility of their conciliation, as well as their effectiveness in favor of
development and protection of the environment will be addressed. The ancestral
instrument of social regulation, denominated Dina, will be particularly apprehended,
given its importance in the Malagasy culture of maintaining public order. Through
a scientific synthesis, this article uses the method of deductive and exploratory
research, with a contribution to the study of positive law, based on the analysis of
references of articles and bibliographic studies.

KEYWORDS: Biodiversity Protection of Natural Resources Positive Law Traditional


Law Based on Local Customs Madagascar.

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456 Développement durable et biodiversité

1 Introduction

M adagascar est mondialement reconnu par les richesses de sa biodiversité. L’île


est qualifiée de pays de mégadiversité1, c'est-à-dire biologiquement très riche.
Une grande partie de cette biodiversité qui est endémique fait partie ou dépend
des écosystèmes forestiers pour sa survie. En effet, la forêt a toujours été source
de vie pour l’homme. Elle joue un rôle important de production et de protection,
notamment, influence également sur le climat, la protection contre l’érosion du vent,
la protection des côtes, celle contre les avalanches. De même elle filtre la pollution
atmosphérique, assure la protection des ressources en eau, la fourniture de bois et
autres produits tant aux industries qu’aux habitants, sans parler également de sa
vocation sociale et culturelle.
Afin de préserver cette richesse, Madagascar s’est engagé pour le respect du
développement durable. Ce concept exige que les ressources soient sauvegardées
en quantité et en qualité, non seulement pour satisfaire aux besoins actuels
mais également pour assurer une efficacité durable aux actions économiques et
environnementales des générations futures. Cette notion implique de traiter de
manière équilibrée les aspects économiques, écologiques et sociaux. Plusieurs
définitions se dégagent de ce concept2, mais celle qui nous semble la plus
appropriée est celle énoncée par les dispositions de l’article 3 de la Convention sur
la coopération pour la protection et le développement durable de l’environnement
marin et côtier du Pacifique du Nord-Est, adoptée à Antigua, le 1 février 2002. Ainsi,
le développement durable y est défini comme

[...] le processus de changement progressif de la qualité de la vie des


êtres humains, qui les place en tant que sujets premiers au centre du
développement, grâce à la croissance économique combinée avec la
justice sociale et la transformation des méthodes de production et de
consommation, et qui est soutenu par l’équilibre écologique et vital de

1 Le concept de pays de mégadiversité a été proposé pour la première fois en 1988 à la Conférence sur la
biodiversité, tenue à Washington. Ce concept qui examine les priorités de la préservation de la biodiversité
mondiale, a pour postulat que seule une petite poignée de pays rassemble la majeure partie de la vie sur
terre (terrestre et aquatique, qu’elle soit en eau douce ou en eau de mer). Pour être qualifié de mégadivers,
un pays doit abriter au moins 1% (3000) des quelque 300 000 espèces de plantes vasculaires endémiques
du monde. Ensemble, les pays mégadivers détiennent au moins les deux tiers, et probablement environ
les trois quarts, de toute la biodiversité. In : Annuel du développement durable 2008.

2 On note que l’auteur en a recensé plus de 750. « Développement durable et politique publique », Thèse
de doctorat. Crideau, Université de Limoges, 20 mai 2010.

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Julien Prieur — Grace Ladeira Garbaccio 457

la région. Ce processus implique le respect pour la diversité ethnique et


culturelle aux niveaux régional, national et local ainsi que la participation
pleine et entière du peuple, jouissant d’une coexistence pacifique et en
harmonie avec la nature, sans préjudice de la qualité de la vie des futures
générations et leur assurant cette qualité. (KISS, 2005).

En droit malgache, le concept de développement durable est reconnu dans


le préambule de la Constitution du 17 novembre 2010 qui énonce « la gestion
rationnelle et équitable des ressources naturelles pour les besoins du développement
de l'être humain ». Par ailleurs, l’engagement du pays pour le développement durable
s’est matérialisé, notamment, par la ratification de la Convention internationale sur
la diversité biologique en 1996, la révision de la législation forestière en 1979,
suivie de l’adoption d’une véritable politique forestière…le droit coutumier va alors
retrouver de son panache tant la gestion des ressources forestières en dépend.
Fort de cet état des lieux rapide, l’île de Madagascar est-elle un eldorado foncier
et agricole ? Sur plus de 58 millions d’hectares, 40 sont constitués de terres agricoles3.
Dans le cadre du développement durable, une véritable « course à la terre » demeure
dans la grande île depuis l’an 20004.
Plus de 80 investisseurs étrangers ont frappé à la porte de l’Etat afin de
s’approprier des sols porteurs de green business, mais en réalité il y a eu très peu
d’élus, pour raisons juridiques5. Néanmoins l’Etat a tendance à céder d’une part ses
plus belles terres arables et d’autre part à vouloir accélérer leurs cessions grâce à
une véritable stratégie foncière mise en place en 20056. L’économie verte a ainsi de
beaux jours devant elle puisque l’Etat prévoit la promotion de 2 millions d’hectares
en zone d’investissement agricole et la participation de 1000 entreprises étrangères
à ce nouveau modèle de développement7. Les acteurs locaux, notamment les

3 Cf. le dernier recensement de 2004. Sur les 58 154 000 ha, la forêt représente 8 485 000.

4 Cette course a la terre s’est traduit par trois périodes : de 2005-2009, premier mouvement important
avec la réforme de 2005 et la loi sur la domanialité de 2008 ; deuxième période en 2009-2014 avec une
accélération des cessions de terre pâturées ou non titrées dans le cadre de la décentralisation ; troisième
période depuis 2015 dans laquelle l’Etat promeut l’accès au foncier puisqu’il envisage de délivrer 500
000 certificats fonciers d’ici 2025.

5 Une des raisons est d’être titulaire d’un bail emphytéotique, ce qui relève d’un véritable parcours du
combattant pour les investisseurs.

6 Cf. Loi no 2005-019 du 17 octobre 2005.

7 Cf. Programme Sectoriel pour l’élevage et l’Agriculture 2015-2025. Lettre de politique foncière. Ministère
d’Etat en charge des projets présidentiels, de l’aménagement du territoire et de l’équipement, 8 mai 2015.

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458 Développement durable et biodiversité

agriculteurs semblent ne pas pouvoir tirer profit de cette évolution8, d’autant plus
que dans les zones rurales l’analphabétisme et la pauvreté sont monnaie courante,
à tel point que les agriculteurs ne peuvent vivre exclusivement de leur production.
Dans cette île de l’Océan Indien, 80 % des malgaches vivent de l’agriculture.
Ce changement de modèle agricole n’est pas sans poser quelques questions au
regard du développement durable, puis des divers conflits existants9. L’émergence
de ce green business pose également un défi au droit. Le droit coutumier ancestral
à Madagascar permet par exemple de céder des terres entre membres d’une même
famille sans avoir recours à des procédures écrites ; l’écrit étant un signe de défiance.
Cette problématique agricole n’est pas sans lien avec la protection des ressources
naturelles renouvelables et la biodiversité en général. Depuis l’émergence du
principe d’intégration de l’environnement en 1992, la législation malgache a pris
en compte ces enjeux. C’est la loi Gelose10 ou Gestion Locale Sécurisée du 30
septembre 1996, qui transfert la compétence de la gestion des ressources naturelles
renouvelables aux acteurs locaux. Ce transfert s’effectue par le biais d’un contrat de
gestion entre l’État, les Collectivités Territoriales (art.6) et les acteurs locaux appelés
communautés de base (Coba)11 et repose également sur le Dina (art. 49), sorte
de contrat social entre les acteurs locaux12. Le droit positif a ici suivi la coutume.
On observe par ailleurs qu’en Afrique, près de la moitié des pays ont un système
juridique basé entièrement ou en partie sur la tradition du droit civil français.
Le code civil réglemente beaucoup de domaines du droit privé tels que la
propriété, la responsabilité civile et les contrats. Ainsi l’application des modèles
du droit français à Madagascar se manifeste par la prépondérance des textes qui

8 L’agriculture malgache étant historiquement familiale, on note que la taille moyenne des exploitations
familiales était de 1,26 ha en 1984 ; 0,84 ha en 2004 et 0,6 ha en 2024 selon les prévisions de
l’observatoire foncier de Madagascar.

9 Conflits entre opérateurs privés étrangers et populations locales, notamment les jeunes malgaches qui
ne peuvent pas accéder à la terre, devenue source de spéculation ; conflits entre l’Etat et les 400 000
jeunes malgaches qui arrivent chaque année sur le marché du travail et pour certains d’entre eux, qui
voudraient accéder à la terre ; conflits entre investisseurs privés étrangers et l’Etat malgache.

10 Loi no 1996-25 du 30 septembre 1996 relative à la gestion des ressources naturelles.

11 Cette loi a remporté un large succès puisque 1850 « contrats Gelose » soit environ 4 % du territoire
sont concernés.

12 La communauté locale de base, désignée sous le sigle de COBA est constitué de l’ensemble de la
population du Fokonolona et porte le transfert de gestion des ressources naturelles proposé par la
Gelose. Cf. Rapport Alain Bertrand, « Appui en transfert de gestion, filières socioéconomiques des produits
forestiers et procédures d’adjudication simplifiée », Cirad, juin 2004.

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s’en inspirent dans l’esprit et la lettre et également par les efforts de codification.
Néanmoins on peut s’interroger sur l’articulation entre le droit positif, dit moderne,
issu de cette influence des pays colons, et essentiellement écrit, et le droit local, ou
coutumier, souvent ancestral, qui bien sûr préexistait avant la période de colonisation
(1896-1960) et dont l’application se poursuit toujours de nos jours, notamment dans
les milieux ruraux. Se complètent ils lorsqu’il s’agit de protéger l’environnement et
les ressources naturelles ?
Si ce n’est pas le cas, lequel est appliqué ? Néanmoins si l’effectivité du droit
n’est pas propre à Madagascar, les enjeux en matière de protection de la nature
sont tels qu’elle relève d’un véritable défi. Et on observe que l’État malgache, jeune
nation, n’a pas une longue tradition dans l’expérience du droit étatique malgré les
trois Républiques qui se sont écoulées. Le droit généré par l’État Malgache a une
très faible emprise sur la société et sur la vie quotidienne de la grande majorité de
la population dont les comportements sont davantage régis encore par des règles
coutumières. Ces dernières, à l’échelle locale, prennent la forme de Dina13. Aussi
pertinentes qu’elles soient, les règles de droit ne produisent pas, par elles-mêmes
les effets qu’on en attend. Leur efficacité dépend le plus souvent des moyens de
contrôle mis en œuvre par les pouvoirs publics pour en assurer le respect14. Ainsi,
les coupes abusives de bois, les feux de brousse...échappent le plus souvent à la
vigilance des autorités de contrôle. L’importance de la régulation locale devient alors
fondamentale. C’est le sens de la loi Gelose de 1996 d’une part, puis de la coutume, à
travers le Dina. Si l’adhésion sociale aux règles de droit est primordiale, on observe
qu’elle fait défaut la plupart du temps, et qu’elle est fonction de leur adéquation

13 Si cet état de fait est attribué à l’importance de l’analphabétisme qui domine dans la société rurale
malgache, elle est aussi le reflet de la faiblesse générale de l’État. » Les Dina sont des conventions
collectives malgaches et forment un ensemble de règles coutumières d’organisation de la société… » cf.
Loi no 2001-004, exposé des motifs.

14 Les règles de protection de l’environnement n’échappent pas à cette réalité. Or, à Madagascar ces
règles souffrent d’un cruel déficit de contrôle. Le respect des règles de protection de l’environnement
suppose l’organisation de contrôles réguliers pour prévenir les atteintes à l’environnement et le cas
échéant, les réprimer. Or, non seulement le territoire malgache est trop vaste (plus grand que la France)
pour organiser régulièrement de tels contrôles mais en outre les organes chargés d’opérer ces contrôles
sont le plus souvent dépourvus des moyens humains, matériels et financiers nécessaires.

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avec le contexte social et culturel à la fois national et local15. A Madagascar en


particulier cette adhésion fait souvent défaut. D’où l’importance des Dina, négociées
avec les acteurs locaux. On observe que l’organisation de la vie en société figure
parmi les objectifs du droit. En ce sens, les discours doctrinaux énoncent que le droit
apparaît comme le moyen de réaliser la paix sociale, de garantir la justice et l’égalité,
d’assurer le respect des droits et des libertés et de permettre le progrès social16. Par
ailleurs, Bentham formule que « La grande utilité de la loi c’est la certitude17 ».
Certains auteurs assimilent cette certitude à la sécurité et identifient celle-ci comme
la première finalité du droit. Le régime de la sécurité opposé au règne de l’arbitraire
est présenté comme la raison principale de l’adhésion au pacte social. Afin d’éviter
l’arbitraire, la norme juridique doit reposer sur un fondement objectif et sérieux, des
faits suffisamment établis ; elle doit manifester une cohérence interne et ne pas
être contradictoire. Ainsi, lors de la rédaction des normes juridiques, les objectifs
doivent répondre à une exigence d’intérêt général et non pas relever de l’arbitraire.
Dans ce cadre, la loi doit concilier les intérêts divergents et de concilier les droits et
libertés antagonistes. Ainsi, les dinas peuvent-ils concilier ces intérêts et lier le droit
coutumier et le droit positif ?
Ainsi nous aborderons dans un premier temps la coutume et le droit positif
un couple encore en formation (1), avant de voir comment ils s’articulent, ils se
confrontent à travers leur effectivité supposée dans le cadre d’un projet de
développement et de protection de l’environnement (2).

15 En ce sens, JHERING considère que le droit « n’est que le moyen de réaliser un but, qui est le maintien
de la société humaine ». R.von JHERING « L’esprit du droit romain », trad. Meulanaere, Bologne, 3ème
éd., tome III. Dans le même ouvrage, il explique que « toutes les règles de droit ont pour but d’assurer
les conditions de vie de la société », ibid., p.305. Cet auteur ramène ainsi la fonction essentielle de la
loi à la paix sociale en écrivant : « la paix est le but que poursuit le droit », La lutte pour le droit, Paris,
Marescqaîné, 1890, p.9. Dans le même sens, voir M.WALINE, qui considère que « la finalité du droit n’est
pas exclusivement d’assurer la justice entre les hommes, mais aussi d’apporter de la sécurité dans les
rapports sociaux ». « Empirisme et conceptualisme dans la méthode juridique : faut-il tuer les catégories
juridiques ? », in Mélanges en l’honneur de Jean Dabin, Bruxelles-Paris, Bruylant-Sirey, 1963, t.1, p.364.
Cité par Vito MARINESE, « L’idéal législatif du Conseil constitutionnel. Etude sur les qualités de la loi »,
thèse de doctorat soutenue à l'Université Paris X, 2007.

16 J. CARBONNIER, Flexible droit. Pour une sociologie du droit sans rigueur, LGDJ, 2001, 10ème éd. p.108. ;
H. KELSEN, Théorie générale du droit et de l’État, Bruylant, LGDJ, 1997, p. 71.

17 Of. nomography – The works of J. Bentham, ed. par J. Bowring, New-York, 1962, vol. 3, p. 233.

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2 La coutume et le droit positif, un couple récent qui doit mûrir


Il convient de définir le Dina, puis de dresser brièvement l’historique et le
contexte juridique de cette évolution.
Dès les temps les plus anciens, le Dina a été l’instrument de régulation
social le plus respecté, afin de maintenir l’ordre public. En effet, fruit d’un accord
librement consenti, qu’il soit l’objet d’un concours entre les villages et la peur
d’éventuelles sanctions en font un instrument fort singulier. A cet égard le Dina
demeure la cellule-mère du tissu socio-politique qu’est le Fokonolona, c’est-à-dire
une communauté humaine à l’échelle d’un ou plusieurs villages. Ce dernier est
une communauté villageoise, spatiale, fondée sur la cohabitation. Cette solidarité
géographique est renforcée le plus souvent par des liens familiaux à l’échelle d’un
village. Ces communautés existent depuis la nuit des temps, sans doute, puisqu’ils
ont été réorganisés par Andrianampoinimerina (1787-1810). Cette organisation
sociétale qui repose sur le Fokonolona a survécu à de multiple mutations, tandis
que d’autres éléments, plus modernes sont venus s’y greffer. D’un art de vivre, en
mythe mobilisateur, le Fokonolona a traversé les époques et ces mutations se sont
répercutés inéluctablement sur la nature même du Dina, d’essence institutionnelle
puisqu’il émane de l’institution composée par le Fokonolona. C’est sa raison d’être,
même. Le Dina renvoie à un univers complexe de significations où se mêlent
philosophie, morale, sociologie puisqu’il précise les liens qui unissent le système
juridique. En effet le Dina est d’abord un cadre de normes sociales et ces normes
viennent s’insérer dans le système étatique existant et mettent en cause, voir même
déstabilise ou contredise l’ordonnancement bien établi des normes juridiques de
l’Etat. Malgré les apparences le Fokolonola n’est pas un ensemble intégré, mais
pour le moins conflictuel, voire même dysfonctionnel, connaissant de multiples
clivages : conflits de hiérarchie entre ses membres, conflits de classes d’âge, de
catégories sociales. Finalement le Dina n’est-il pas la traduction stricte du but
que le Fokonolona s’est donné et veut atteindre ? Au fil de l’histoire n’a-t-il pas été
dépouillé de son essence libertaire et autogestionnaire ? Certains estiment qu’il
en a toutefois conservé l’éthique du Fihavanana, norme de solidarité et de bonne
conduite en société18 qui bien que sérieusement mis à mal, continue à en constituer
le squelette, et le Dina, naguère cellule mère, devenu le simple relais d’un ordre qui

18 Cf. Raymond William Rabemananjara. Le Monde malgache. Sociabilité et culte des ancêtres. Paris.
L’Harmattan, p. 120, 2001.

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lui était autrefois exogène, celui de l’Etat. On est passé d’un Fokonolona érigé sur
le modèle familial qui reposait sur les sages, à une entité politique dont l’autorité
repose sur celle d’un Etat. Le Dina passe de la coutume des ancêtres à un véritable
code programmatique et normatif. Dans cette perspective, le Dina constitue le point
d’ancrage dans le social d’un psychisme collectif en quête de sens et d’un ordre, le
lieu institutionnel ou s’épanouissent au grand jour les principes jadis latents de sa
structure cachée. Le Dina semble alors traduire le fondement incarné de la solidarité
portée par le fokonolona. Il en est sa définition normative et programmatique qui
doit être la concrétisation d’un ordre socio-culturel juste et bienveillant intégrant
ses propres expériences dans une structure administrative sensée. Sa vocation
suprême est donc d’assurer la conservation de la structure du Fokonolona. Il est ainsi
une sorte de contrat social, de contrat d’adhésion des membres du Fokonolona ou
d’un Fokontany, c’est-à-dire l’équivalent d’une intercommunalité19.
Droit coutumier ancestral confronté au droit positif post colonial. Il s’agit ici de
l’originalité dans le droit positif malgache. Ce qui est par ailleurs intéressant c’est
que le Dina s’est adapté aux diverses époques.

2.1 Historique du Dina – une norme coutumière évolutive


Trois périodes sont à distinguer. D’abord la période ante-coloniale. Fondé sur
la coutume non écrite. D’abord verbal, avant de devenir codifié, le Dina réglemente
l’entraide, l’assistance par le travail aux malheureux, vieillards et orphelins. Ce
qui donne au Dina un aspect uniforme qui ne varie guère d’un village à l’autre. Le
Dina cependant évolue à la fin du 19ème au moment où le Fokolonola devient une
personnalité administrative. Il s’agit alors d’accompagner les premières menaces
extérieures notamment avec la France20. Il se substitue aux carences de l’Etat afin
de garantir l’ordre et la sécurité. Il se dote également de ses propres règles de police,
ce qui conduit les populations à apprendre à gérer elles-mêmes leurs intérêts. Ainsi
le premier ministre Rainilaiarivony élabore un Dina-type de 52 articles qui reprend

19 Le Fokontany est une circonscription administrative de proximité. Les dispositions de l’article 152
de la constitution énonce que ce dernier « organisé en Fokontany est la base du développement et de la
cohésion socioculturelle et environnementale ». Il s’agit donc d’une association de communes formalisée.

20 Il s’agit des prémices de la guerre Franco-Malgache avec le blocus des côtes malgaches en 1881 ou la
création d’une ambassade à Paris dans la foulée.

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certaines dispositions des premiers textes existants21. Ainsi Madagascar connaît un


mouvement de généralisation du Dina au moment où la cohésion nationale est mise
à mal par des périls venant de l’extérieur.
La période coloniale se traduit dès 1896 par l’esprit idéaliste du Protectorat22. Ainsi
si dans un premier temps on va respecter l’esprit des Dinas23, l’administration française
finit par réformer le Fokonolona. Le décret du 9 mars 1902 consacre la collectivité
territoriale mineure avec des attributions bien définies24 Le Dina doit être approuvé par
l’administrateur chef de province25. Pour la première fois il est enfermé dans un carcan
juridique. En effet le Dina ne peut en aucun cas modifier les lois, arrêts, règlements
ou tous autres actes émanant de l’autorité supérieure26. Sous son emprise, et pendant
toute la période coloniale, le Fokonolona entre dans une période d’hibernation… Le droit
moderne commence ainsi à prendre le pas sur le droit coutumier.
La période post-coloniale aboutit à ce que les Dinas sont la plupart du temps
adoptés pour faire face à des situations de circonstances, notamment les vols de
bovidés dans les zones rurales. Les premiers textes sur les infractions apparaissent27.
Une nouvelle ordonnance le 24 juillet 1962 relative aux attributions, responsabilités
et pouvoirs du Fokonolona va affiner la réglementation du Dina. Son objet y est
précisé28 ainsi que sa procédure d’approbation par une autorité administrative.

21 Ce Dina-type dès son premier article se réfère à une autorité gouvernementale à laquelle on remettrait
la personne qui aurait contrevenu à la convention. Il contient aussi des mesures de circonstances liées à
la période de troubles et intègre également les premières mesures d’ordre public et de police municipale
et d’hygiène publique. On y trouve également des prescriptions morales, largement influencées par le
protestantisme, devenu la religion d’Etat le 21 février 1869.

22 Lequel consacre le principe de dualité entre une Administration Française de contrôle et une
Administration indigène qui doit être maintenue avec ses cadres et son organisation traditionnels.

23 Cf. la circulaire du Général Gallieni du 6 mai 1897.

24 Il s’agit de la police rurale (protection des cultures, des plantations et des récoltes), justice civile
(arbitrage des affaires soumises par deux membres du même Fokonolona), la voirie, l’hygiène publique
et l’assistance aux faibles.

25 Cf. Article 23 du décret du 9 mars 1902.

26 Idem. Un adage malgache dit « Précision vaut elle restriction ? ».

27 Cf. l’ordonnance no 60-175 du 3 octobre 1960 sur les conventions des Fokonolona précise que les
infractions au Dina ne peuvent donner lieu à des peines, mais à des réparations civiles. Complétée par la
circulaire du 3 octobre 1961, il s’agit en fait pour l’Administration de faire en sorte que le Dina serve de
relais aux dispositions de l’Etat et de rallier ainsi le Fokonolona à sa cause.

28 Il s’agit de l’assistance mutuelle, le développement rural, le police générale ou rurale, l’hygiène et la


salubrité publiques, l’éducation civique.

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A trop vouloir réguler, les premiers problèmes pratiques29 apparaissent, imposant


à la nouvelle circulaire du 11 mars 1968 d’y remédier.
Un trésorier nommé par le Dina est alors créé afin de percevoir le
versement des produits des réparations pécuniaires. Néanmoins, avant cela,
peut être influencé par le mouvement soixante-huitard français de remise en
cause de l’ordre établi, un mouvement nationaliste mû par un nouveau projet
de société en résonance avec la sensibilité collective malgache conduit à se
tourner à nouveau vers le Fokonolona. C’est ainsi que l’ordonnance du 24 mars
197330 fait de ce dernier le fondement institutionnel de l’Etat malgache. D’une
certaine manière ce texte redonne au Fokonolona et aux Dina leurs fonctions
initiales. Il fallait rénover le Fokonolona31  : ainsi le Dina devient une pièce
maîtresse de la société car il traduit l’auto-développement d’un territoire rural,
l’auto-administration d’une population qui participe directement à la direction et
à la gestion des affaires locales. Pour se faire, le Dina repose sur une ou plusieurs
Cobas, (communautés de base, sorte d’association locale, une entité à la fois
humaine, sociale, géographique qui partage les mêmes intérêts). Toutefois cette
ordonnance présente de graves lacunes32. Le Dina n’est pas opposable aux tiers ;
de même, la vulgarisation de la règle comme de son contenu auprès des individus
sont passés sous silence. On peut le regretter. Le Dina devient l’outil juridique, le
contrat social qui détermine souverainement les règles du jeu dans les limites
de ses frontières, ces dernières étant définies par le Fokonolona, le support social,
l’assise territoriale. Ceci suscite une formidable inflation numérique des Dina qui,
le plus souvent sont très disparates et dans leur contenu et dans leur importance.
Cette expérience séduisante d’un Fokonolona autogestionnaire était risquée car
il aurait fallu que l’Etat soit capable de s’effacer afin de permettre une véritable

29 Cette circulaire rappelle que le Fokonolona n’a aucun pouvoir répressif propre, et que les conventions,
(les Dinas), doivent être préparées et signées de manière démocratique avant d’être soumises à l’autorité
administrative qui devra éliminer, le cas échéant les dispositions illégales et inconstitutionnelles. La loi
du 25 octobre 2001 qui va fixer plus tard le nouveau cadre général des dinas va largement s’en inspirer.

30 Elle porte structuration du monde rural pour une maîtrise populaire du développement, JORM
du 3 avril 1973.

31 C’est-à-dire réconcilier l’individu avec l’administration (le fanjakana), assurer l’homogénéisation


sociale par l’édification d’une société d’adhésion et de participation, ainsi que de restaurer le Fihavanana
c’est-à-dire le lien avec les parents et la famille. Il s’agissait également de s’affranchir de la soumission
servile à une autorité. Cf. Etudes, le dinam pokolonola, mythe, mystique ou mystification, p. 157.
32 L’ordonnance de 1973 n’apporte aucune définition juridique à ces cobas, ni ne précise quels sont ses
représentants qui peuvent engager le Coba auprès du Dina.

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autonomie à ces règles localement définies par les Dina. Il aurait également
fallu que les Fokonolona puissent se réapproprier leur territoire en définissant
de véritables projets construits autour de quelques règles fixées par les Dina.
Néanmoins cette tentative de rénovation portée de manière très personnelle par
le colonel Ratsimandrava prend fin avec sa disparition brutale en 197533.
Le nouveau régime dépouille encore le Fokonolona de ses velléités antiétatiques.
Le socialisme Malagasy34 conduit à ce que le Fokonolona perde son statut politique pour
ne plus apparaître que comme une composante administrative de l’Administration
de l’Etat. Ainsi dans cette ambiance de revanche de l’Etat redevenu dominateur, le
Dina est relégué au rôle de simple instrument de relais de l’ordre étatique. Des
actions de sensibilisation d’ampleur sous la forme de séminaires idéologiques35
conduisent à ce que le ministère de l’Intérieur oriente le développement des Dina
vers un dina-type. La loi du 25 octobre 200136 traduit la mainmise de l’Etat sur lui
avec une procédure d’homologation par un tribunal.
Cependant en pratique il n’est pas rare qu’on applique le Dina avant même
son homologation37 ; le magistrat vérifie toutefois que ses dispositions ne sont pas
illégales. On observe que ce nouveau cadre imposé par l’Etat n’est pas forcément
bien perçu aujourd’hui38. Ainsi d’un contrat social basé sur la confiance, le Dina de
2001 devient en quelque sorte un contrat de défiance.
Après avoir appréhendé la coutume et le droit positif, voyons comment
ces deux types de normes peuvent se confronter dans le cadre d’un projet de
développement local.

33 Troisième président de Madagascar, durant 6 jours, avant son assassinat. Il institua une politique
qualifiée de « révolutionnaire » , en instituant les « Fokonolona » comme socle de base, voire du pouvoir.
Cf. Ratsimndrava Richard : Ny Fokonolona, Fianarantsoa, Ambozontany, 2002.

34 Cf. Rasolo André : l’idéologie socialiste de la République Démocratique de Madagascar, Thèse 3e


cycle Etudes Politiques approfondies, Aix Marseille III, 1979.

35 Dans les années 1978 et 1979 notamment.

36 Loi no 2001-004 du 25 octobre 2001 portant réglementation générale des Dina en matière de sécurité
publique, J.O.R.M. no 2746 du 19.11.2001, p. 3047.

37 Cf. article 1.2 de la loi « Dans tous les cas, le Dina ne devient exécutoire qu’après son homologation
par le tribunal judiciaire territorialement compétent » ; et art. 7.

38 Si le Dina est historiquement « négocié » entre personnes rurales souvent analphabètes, le droit
positif émane d’une élite récente post coloniale.

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3 Une conciliation entre droit coutumier et droit positif à trouver


Nous verrons le contexte de la gestion des ressources naturelles, puis ses
conséquences : le contexte de la protection des ressources naturelles et de la
forêt à Madagascar.
Dans le cadre de ce développement durable, les forêts humides de l’Atsinanana
ont été inscrites sur la liste du patrimoine mondial de l’UNESCO en 2007. Les bois
précieux, notamment les bois de rose (Dalbergia) et d’ébène (Diospyros) figurent
parmi ces richesses à protéger. Toutefois, depuis quelques années, ces dernières sont
particulièrement menacées par leur exploitation anarchique du fait de la demande
massive des consommateurs en mobilier et en instruments de musique, et de leur
commerce illicite au niveau international. La Convention international CITES a fini
par imposer des rapports39.
La souveraineté nationale sur les forêts s’exprime par une reconduction du
principe séculaire de la propriété étatique sur les espaces et les ressources, et par la
reconnaissance de la prépondérance de l’État dans la définition des orientations de leur
gestion. La reconnaissance de la propriété étatique est constante dans les lois forestières
depuis l’époque coloniale40. Consacré par la Déclaration de principes sur les forêts qui
réaffirme le « droit souverain et inaliénable de l’État d’utiliser, de gérer et d’exploiter
leurs forêts »41, le principe de la propriété étatique est repris dans la constitution ou dans
le droit forestier national. Par application de la conception française de la domanialité
publique, étendue sous la colonisation, le régime forestier à Madagascar reconnaît à
l’État un droit de propriété sur les terres ne faisant l’objet d’aucune appropriation privée

39 Cf. article Julien Prieur « Le trafic de bois de rose et d’ébène à Madagascar, entre ombre et lumière »,
ed. Larcier, Mélanges Doumbé-Bille, novembre 2019, p. 577-589.

40 Madagascar est réputée pour ses forêts, la richesse de sa biodiversité et son taux élevé d’endémisme.
Le massif forestier se caractérise par la pluralité de ses usages et fonctions. Son importance économique,
son potentiel scientifique et écologique justifient l’intérêt que lui accorde la société internationale,
préoccupée par l’ampleur des menaces auxquelles elle est exposée et par la faiblesse de la capacité
de réaction de l’Etat. On estime par exemple que le couvert forestier d’Afrique perdra un sixième de
sa superficie au cours d’ici à 2030. Les deux dernières décennies ont été pour Madagascar une période
décisive dans le développement des options retenues par les nouvelles politiques forestières ou
simplement imposées par une pratique libérée des contraintes d’un contrôle étatique défaillant. Par
ailleurs, la profusion de textes législatifs et réglementaires encadrant le secteur forestier n’a eu qu’un
effet limité sur la qualité de la gestion. Ce contraste entre le nombre de textes et la persistance voire
l’aggravation des problèmes qu’ils sont censés résoudre, soulève à nouveau la question du rôle du droit
dans la promotion de la durabilité.

41 Cf. Déclaration de principes sur les forêts, point 2a, Rio 1992).

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dans les conditions prévues par le droit moderne. Il s’agit en effet de titrer les terres
afin de permettre à l’État soit de préserver, soit de céder42. La procédure de classement
des forêts43 impose à l’administration forestière d’effectuer un bornage, cette opération
s’appuyant sur un décret de l’époque coloniale. Ce bornage demeure néanmoins trop
coûteux pour l’administration des forêts (MEF), ce qui renforce le poids des Domaines.
Depuis la colonisation l’administration a toujours voulu titrer les forêts afin que ce soit
l’État qui en ait la propriété et la gère. Toutes les utilisations à des fins économiques
sont soumises à une autorisation de l’administration forestière et doivent se conformer
aux objectifs de gestion fixés par l’administration des forêts. Madagascar National Park
(MNP)44 a à cet égard un rôle à jouer puisqu’il finance les contrats de gestion dont il
définit les objectifs à partir d’un cahier des charges avec les acteurs locaux gestionnaires
des aires protégées, souvent au détriment du Ministère chargé de l’environnement et
des Forêts (MEF). On peut craindre parfois la vision conservationniste et monopolistique
de MNP puisqu’il est financé largement par les bailleurs internationaux, et le risque est
aisé pour lui d’avoir un comportement qui ne tient pas assez compte des usages locaux45,
notamment des droits d’usage qui couvrent l’ensemble des ressources de la forêt46 surtout

42 La prééminence du droit écrit sur le droit coutumier, limite la valeur de la propriété foncière coutumière
perçue comme un simple droit d’usage au bénéfice des utilisateurs. Le régime de droit écrit ne coïncide
pas toujours avec les usages et normes locales, qui disposent d’un système encore plus complexe
organisant le rapport au foncier et aux ressources, bâti autour des notions d’appropriation privée et de
maîtrise foncière. L’immatriculation de la terre, considérée comme superflue par de nombreux habitants
ruraux, présente des inconvénients : son coût, les tracasseries administratives qu’il implique et sa faculté
à tempérer les prétentions foncières du bénéficiaire sur la réserve foncière.

43 Cf. art 3 de la loi de 2008 sur le domaine privé de l’État. Cette loi repose sur un rapport de force entre
le ministère des finances et le MEF qui est défavorable à l’administration forestière, car toutes les forêts
ne sont pas titrées.

44 MNP, association d’utilité publique a été créée à des fins de protection des forêts primaires et de la
biodiversité malgache dans le cadre du deuxième Plan National d’Action Environnementale (PNAE).

45 Théoriquement le cahier des charges doit en tenir compte.

46 La loi de 2008 ne répond en rien à cette question mais le MEF a tendance à se comporter comme s’il
était propriétaire de l’ensemble des forêts. Dans ce cadre qu’en est-il des droits à l’usage ? Le MEF depuis
le décret no 60-338 du 7 septembre 1960 fixant les conditions d’attribution et le mode de répartition
des parts sur les amendes, condamnations pécuniaires, saisies et confiscations (JORM du 17 sept 1960 p.
1886-1887) dans son (art. 5) permet à chaque agent de percevoir une indemnité liée à une transaction
ou une sanction versée qui équivaut à dix pour cent de la valeur. Le comportement du MEF n’est ainsi pas
sans lien avec des raisons économiques. Ces droits d’usage en principe ne concernent ni les espèces et
essences protégées, ni la culture du sol forestier.

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468 Développement durable et biodiversité

quand cette dernière n’est pas encore titrée. Le MNP se comporterait ainsi comme un Etat
bis. La mise en œuvre du droit forestier reste faible à Madagascar47.
Il convient de s’interroger sur le fondement du Dina afin d’observer si un intérêt
commun est trouvable entre droit coutumier porté par le Dina et droit positif de l’Etat.

3.1 Le Dina, vers une effectivité commune à trouver, à travers le contrat sui generis ?
En pratique le Dina repose sur des mesures définies par un ou plusieurs Cobas.
Le Dina, résultat de l’initiative libre et spontanée des membres du Fokonolona qui
ont senti le besoin naturel de fortifier leurs relations par l’adoption de règlements
établissant les droits et devoirs de chacun d’entre eux, peut alors être qualifié
d’acte originaire.
Le droit moderne parlerait d’acte sui generis transformé en acte administratif
unilatéral. Ainsi dans ce paradigme originel fondé plus sur une éthique et sur la
moralité que sur la juridicité, le problème de l’effectivité des dispositions du Dina ne
se pose guère. En effet l’ordre normatif issu du Dina se singularise par son caractère
non oppressif. A cet égard l’idée occidentale de règle normative ou de droit n’a
qu’un rôle mineur dans la pensée malgache. Les solutions préconisées au règlement
de tout conflit doivent être dominées par l’équité et le sentiment d’humanité
en dehors de tout schéma juridique. Ainsi comment appréhender le Vonodina
qui « consiste en des réparations pécuniaires ou en nature au profit de la victime
et du Fokonolona48 » ? Les « lois » ne sont pas le procédé normal du règlement des
conflits humains, elles ne sont que des directives, des modèles proposés. Plus la
loi est appliquée, moins efficace est le système social. Pourquoi être surpris alors

47 Trois raisons au moins en sont la cause ; leur déficit de légitimité, leur caractère incomplet, et
l’imprécision des normes. En effet le droit forestier intervient dans un contexte de crise financière
et politique dans un territoire marqué par un recul de l’État qui se désengage de nombreux secteurs
non productifs et limite également ses investissements sociaux dans les zones rurales. Le recours des
populations aux produits de la forêt comme source alternative ou principale de revenus s’est accru, et la
répression des services compétents de l’État a été d’autant plus mal acceptée que les normes du nouveau
droit sont en décalage complet avec les normes coutumières sur des questions centrales telles que la
propriété, la gestion des ressources...extraverti dans sa conception, mal accepté dans son contenu, accusé
de favoriser les intérêts des industriels de la filière bois et les agences de conservation, au détriment des
stratégies de survie des populations, le nouveau droit forestier présente également l’inconvénient d’être
peu connu des populations.

48 Cf. Loi no 2001-004 du 25 octobre 2001, article 3. Dans le cadre de la protection des ressources
naturelles, comment constater ces infractions ? Qui contrôle  ? Souvent les dysfonctionnements sont
réglés entre membres des Cobas.

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qu’un projet de territoire défendu par MNP une émanation de l’État, ne soit pas
respecté ? Le Dina est respecté surtout parce qu’il tire son origine et son existence
même d’une puissance qui le met à l’abri de toute contestation : il a été élaboré par
et avec les Ray Aman-Dreny c’est-à-dire les ainés, dépositaires du Aina (flux vital) de la
communauté. Ce phénomène de soumission au pouvoir des anciens vient du fait que
le Fokonolona est d’abord et avant tout d’essence familiale. Le rôle de l’individu est
secondaire puisqu’il doit s’effacer devant l’entité familiale49.
Ainsi dans les différents régimes qui se sont succédé, l’équilibre résultant du degré
de soumission du Fokonolona à l’administration et du degré d’autonomie qui leur est
consenti s’est sans cesse modifié conduisant la norme de l’État à demeurer incomprise,
incertaine, inefficace. Plus l’État cherche à reprendre le pouvoir, plus il s’exprime à
travers la norme juridique positive, signe caractéristique et moyen d’action de son
pouvoir institutionnalisé. L’Etat devient alors la seule source du droit, ce qui conduit
à ce les règles des Dina soient enserrées dans des limites bien précises. Autrement
dit la coutume est aspirée et happée par le droit positif moderne. Elle n’existe plus
qu’à travers lui. En outre l’utilisation de la technique du Dina-type constitue une autre
manifestation de cette volonté de préserver un ordre moniste au sein de l’Etat. Ce
procédé de tutelle indirecte crée une situation où le Fokonolona est invité à reprendre
dans ses Dinas le modèle établi par le ministère de l’Intérieur. Néanmoins, malgré
l’existence d’une tutelle uniformisatrice la concrétisation des deux ordres est loin d’être
parfaite. Des points de rapprochements se multiplient toutefois. Ainsi, l’éventuel litige
né de l’application du Dina et non réglé au sein du Fokonolona peut être porté devant
une juridiction d’Etat et réglé par elle50. Le Dina n’est alors plus qu’une norme juridique
complémentaire, qu’un acte administratif émanant d’une autorité décentralisée.
Mais en même temps il devient la manifestation de la volonté du Fokonolona de
s’identifier au sein de la société globale ; le Dina devient le lien entre l’individu et
la société malgache. D’autre part le Dina semble devoir faire le lien entre le passé
et l’avenir c’est-à-dire à la fois porter en lui les mesures d’accompagnement destinées

49 L’histoire montre que l’assemblée de la communauté villageoise qui prend les décisions collectives
sous l’influence prépondérante des anciens est devenu alors responsable de l’exécution locale des ordres
du roi, puis du gouvernement.

50 Cf. art. 20 et 22 de la loi no 2001-004 du 25 octobre 2001 portant réglementation générale des Dina
en matière de sécurité publique. En ce sens, l’art. 22 énonce que « Si l'une des parties s’estime lésée
par la décision rendue par le comité exécutif du Dina, elle peut présenter un recours devant le tribunal
judiciaire du lieu où les faits ont été commis (…). Le tribunal (…) statue en premier et dernier ressort dans
un délai de trente (30) jours à compter de la date de réception de la requête ».

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470 Développement durable et biodiversité

à sauvegarder la paix sociale et l’harmonie du groupe tout en opérant une conciliation


entre coutume, Fihavanana, Fanjakana, et droit positif. Le Dina n’est-il pas en réalité
devenu une sorte de contrat sociétal entre une communauté locale d’habitants mue
par des intérêts sociaux, économiques, environnementaux communs et l’Etat ? Dans
ces cas-ci, ne faudrait-il pas clairement identifier ces intérêts et les traduire par des
contrats de gestion spécifiques ? Il s’agit bien pour le moins d’un contrat ad hoc sui
generis, sorte d’ovni juridique singulier.

4 Conclusion
Si le Dina se veut être la traduction malgache de la convention d’Aarhus51 il
semble traduire également deux contractions : d’abord la méfiance voire la défiance
des populations à l’égard du droit positif, véritable traduction du droit des colons ;
ensuite la mauvaise traduction d’un droit péniblement négocié entre l’État finalement
absent. Ce qui laisse le champ libre à certains acteurs tels Madagascar National Park
qui doit alors prendre ses responsabilités et à la fois assurer la participation du public
et l’information à la place de l’Etat, et une population non suffisamment informée
et éduquée, en tout cas capable de comprendre tous les rouages administratifs
complexes, ainsi que les enjeux liés à la gestion durable des ressources naturelles.
Ce défaut de collaboration entre l’Etat et les acteurs locaux crée un vide auprès de
la population rurale malgache qu’elle tente de combler par un comportement plus
individualiste que collectif. Le Dina des ancêtres et du Fanjakana n’étant plus, comment
trouver un nouveau lien entre le citoyen malgache et l’Etat ? Si les aspects historiques
ou politiques52 peuvent tenter de donner des réponses, comment faire pour rénover
le Dina, initialement conçu pour assurer l’ordre public et non pas conçu comme un
instrument de gestion durable et de protection des ressources naturelles.
Deux approches de régulation sociale liée à la préoccupation environnementale
se traduisent aujourd’hui à travers lui. D’une part le droit coutumier ancestral, puis
le droit colonial, moderne et positif. On est ainsi passé d’une gestion traditionnelle
de la nature à une gestion contractuelle de celle-ci. Les populations locales sont
indispensables pour traduire cette mutation du Dina environnemental, néanmoins
elles ne peuvent gérer seules les ressources naturelles, d’autant plus qu’elles n’en

51 Convention des Nations Unies du 25 juin 1998 sur la participation et l’information du public à
l’environnement.

52 Par exemple l’influence de la période Mérina des Fokonolona.

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Julien Prieur — Grace Ladeira Garbaccio 471

ont pas les moyens économiques et légaux. Comment l’État peut-il affirmer son
autorité alors qu’il ne possède que peu de moyens et ne semble pas toujours faire
du respect du droit positif sa priorité ? Comment peut-il influencer positivement
le Coba alors que ce dernier préexistait avant lui et globalement fonctionnait ? Le
droit positif a t’il vocation et la capacité d’appréhender le droit coutumier et s’en
imprégner ou a t’il comme effet de vouloir le modifier voire le supprimer ?
L’État ne peut pas continuer à ignorer les Cobas, gardiens des Dinas et des
coutumes. Il doit en assurer la pérennité économique et sociale en leur proposant
une contre-partie économique claire et négociée en échange de l’efficace
application des Dina. Comment les Cobas peuvent générer suffisamment de
ressources alors qu’ils ne perçoivent rien en retour ? Comment entrer dans un jeu
gagnant-gagnant et non pas donnant donnant ce qui conduirait les membres des
Cobas à demeurer de simples exécutants de l’État et à les installer dans un système
pernicieux de fonctionnariat vis à vis de lui ? L’État doit clairement répondre à un
certain nombre de questions. Comment rendre plus effective l’autogestion53 ou le
vonodina, les réparations pécuniaires en cas de violation des règles du Dina (ne
pas couper de bois précieux par exemple54). Si ce dernier s’appuie en particulier sur
de la coutume malgache55 les acteurs locaux doivent s’approprier le territoire et
le gérer eux-mêmes. Le droit positif dérégule tout cela en instituant de nouveaux
acteurs qui n’ont pas les moyens de leurs missions. Alors que le dina sert à éviter
les conflits voire même la guerre civile entre les tribus, l’Etat en fait son relais,
alors qu’il n’a pas les moyens de ses ambitions56. Quel mode de gestion peut
permettre aux acteurs locaux, Fokonolona et Coba notamment de mieux coopérer ?
Face à cet Etat déficient, les Cobas veulent-ils eux-mêmes gérer leurs ressources.
En sont-ils capables, sans pour autant mettre un terme à un pillage rationnel mais

53 Préconisée à l’article 2 de la loi de 2001-004 du 25 octobre portant réglementation générale des Dina
en matière de sécurité publique.

54 Encore faut-il aller contrôler. Qui paye le déplacement alors, surtout lorsque les membres du coba se
déplacent à pieds et qu’il faut une journée de marche pour aller d’un point A à un point B ? Et lorsqu’on
a saisi l’arbre coupé de manière illégale, comment paye t’on le gardien des séquestres ?

55 Le fihavanana, la sécurité publique, les fady (interdits), les tribunaux populaires, le consensus local etc...

56 Entre un MNP omniprésent à travers le cahier des charges relatif au transfert de gestion des ressources
naturelles avec les Cobas, et un Ministère de l’environnement et des Forêts absent par manque de moyens
et de poids politique.

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472 Développement durable et biodiversité

organisé des ressources57 ? Et comment limiter les potentiels abus d’autorité des
membres de la Coba, contraints de survivre ?
Ces questions demeurent à ce jour sans réponse satisfaisante. Le droit positif
peut-il leur montrer la voie d’une gestion durable ? Les institutions malgaches en
ont-elles la légitimité et la volonté ? Enfin instituer une gestion institutionnelle par
contrat est-ce l’unique voie ?
Si l’émergence du développement durable après 1992 n’a pas vraiment remis
de l’ordre dans les Dinas, la loi Gelose cependant dans un premier temps permet
aux acteurs locaux de gérer leurs propres ressources naturelles. A cet égard «
les avantages concédés aux communautés de base »58, s’avèrent-ils à postériori
suffisants d’autant plus qu’ils ne sont pas effectifs ? Puis la loi du 25 octobre
2001 institue le modèle du Dina-type à travers un modèle-type qui repose sur le
Fokonolona reconnue comme entité administrative. Il s’agit alors résolument de
faire entrer le droit positif dans le droit coutumier. Toutefois le Dina issu de la loi
Gelose n’est pas adapté à la gestion des ressources naturelles renouvelables car
il est trop technique et répressif. Le Dina doit promouvoir la participation de tous
et les préoccupations sociales des usages. Si l’Etat semble ainsi se partager entre
tradition et modernité, il manque néanmoins un échelon, une nouvelle dimension
à ce contrat social. Il faudrait en effet mener une réflexion sur la modernité de la
tradition et la tradition dans la modernité, à la lumière de la sagesse malgache
qui transcende le temps, et que le droit positif n’apporte pas. Le Dina reste avant
tout un contrat dont l’adhésion est plus ou moins fictive ; il pourrait devenir un
véritable contrat sociétal c’est-à-dire un contrat qui intègre à la fois la dimension
sociale et environnementale du développement durable.
On pourrait également renforcer l’idée d’un dina communal afin de mieux
impliquer les communes dans les Cobas, d’une part et de mieux appliquer le Dina
lui-même, son effectivité faisant toujours défaut. A cet égard, un droit véritablement
« négocié » entre acteurs locaux (coba, fokonolona et Fokontany…) et l’Etat pourrait
renforcer la gestion durable des ressources naturelles et satisfaire à la fois les

57 Afin de développer des ressources pour eux, l’article 54 de la loi Gelose de 1996 offre la possibilité
de créer des mesures parafiscales en leur faveur. Mais le texte prévu n’a jamais vu le jour. Par ailleurs un
paysan des coba possédait 4 ha de terre en 89 et produisait 2500 g riz, aujourd’hui 1 ha et 500 kg. Avec
la présence du parc national et d’une zone protégée, la production de quantité de riz par hectare a été
divisé par cinq en moins de trente ans. Cf. données du Cirad.

58 Cf. article 54 de la loi no 96-024 du 30 septembre 1996 relative à la gestion locale des ressources
naturelles renouvelables, JORM no 2390 du 14 octobre 1996, p. 2377.

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bailleurs internationaux, l’Etat malgache, et les populations rurales ! Mais s’il y a


véritablement négociation alors l’État doit se laisser la possibilité de voir certaines
fois la coutume prendre le pas sur le droit positif, ce qui n’est pas gagné, tant la
norme légitime et reconnue demeure pour le commun des mortels, celle de l’Etat.
On ne peut que le regretter.

5 Références
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produits forestiers et procédures d’adjudication simplifiée. Cirad, juin 2004.

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10ème éd. 2001.

JHERING, R.von. L’esprit du droit romain. Trad. Meulanaere, Bologne, 3ème éd., tome III.

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Thèse 3e cycle Etudes Politiques approfondies, Aix Marseille III, 1979.

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et le juge. Article scientifique, 2018.

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2
476

On the urgency of an emancipatory hermeneutics


of Social Security Law in the post-pandemic era
MARCELO FERNANDO BORSIO
Pós-Doutor em Direito da Seguridade Social pela Universidade Complutense
de Madrid (Espanha). Doutor em Direito Previdenciário (PUC-SP). Mestre em
Direito Previdenciário (PUC-SP). Professor da Graduação e da Pós-Graduação
(UDF, LFG, PUC-SP). Professor Convidado nos Cursos de Seguridade Social da
Universidade Complutense de Madrid (Espanha).

DARIEL OLIVEIRA SANTANA FILHO


Doutor em Direito (UniCEUB). Mestre em Direito (UCP-RJ). Procurador Federal
na Justiça Federal da Bahia.

JEFFERSON CARLOS CARUS GUEDES


Doutor e Mestre em Direito (PUC-SP). Professor do Mestrado e do
Doutorado (UniCEUB).

Artigo recebido em 7/7/2020 e aprovado em 23/10/2020.

CONTENTS: 1 Introduction 2 On the need for an emancipatory hermeneutics of Social Security Law
3 Legal hermeneutics and its relationship with social security norms 4 The constitutionalization of
Social Security Law 5 Challenges of contemporary Brazilian social security law 6 Mitigating risks
7 Conclusion 8 References.

ABSTRACT: The present study aims to critically analyze the current hermeneutics of
Social Security Law and its perspective in relation to the post-COVID-19 era, in view
of the possible procedural pandemic - which will arise from the world emergency now
faced - in all branches of law. The interpretation of Social Security Law cannot be limited,
etymologically, to the herméneutikê radical as being the art of interpreting, linked only to
the grammatical and merely rhetorical scope. Thus, understanding the dimension and
scope of social security hermeneutics goes far beyond comparing it to the semiological
meaning of a trivial interpretation of signs or to the legal perception of the interpretive
framework of norms and principles. The pandemic caused by the coronavirus is breaking
paradigms in several areas and, within the scope of Social Security Law, it came to leave
behind positivist technicality and to review it critically, in the light of the Basic Law and
the reality of the facts, as will be demonstrated in this work.

KEYWORDS: Social Security Law Hermeneutics Constitutionalization of Law


COVID-19.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 128 Out. 2020/Jan. 2021 p. 476-495


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Marcelo Fernando Borsio — Dariel Oliveira Santana Filho — Jefferson Carlos Carus Guedes 477

La urgencia de una hermenéutica emancipadora de la ley de seguridad social en la


era pospandémica

CONTENIDO: 1 Introducción 2 La necesidad de una hermenéutica emancipadora de la Ley de


Seguridad Social 3 Hermenéutica legal y su relación con las normas de seguridad social 4 La
constitucionalización de la Ley de Seguridad Social 5 Desafíos de la ley brasileña contemporánea
de seguridad social 6 Mitigación de riesgos 7 Conclusión 8 Referencias.

RESUMEN: El presente estudio tiene como objetivo analizar críticamente la


hermenéutica actual de la Ley de Seguridad Social y su perspectiva en relación con
la era posterior a COVID-19, en vista de la posible pandemia procesal, que surgirá de
la emergencia mundial que ahora se enfrenta, en todas las ramas de la Correcto. La
interpretación de la Ley de Seguridad Social no puede limitarse, etimológicamente, al
radical herméneutikê como el arte de interpretar, vinculado solo al ámbito gramatical
y meramente retórico. Por lo tanto, la comprensión de la dimensión y el alcance
de la hermenéutica de la seguridad social está estrechamente relacionada con la
aceptación semiológica de una interpretación trivial de los signos o una percepción
legal de la interpretación de los principios y principios. La pandemia causada por
el coronavirus está rompiendo paradigmas en varias áreas y, dentro del alcance de
la Ley de Seguridad Social, llegó a dejar atrás el tecnicismo positivista y revisarlo
críticamente, a la luz de la Ley Fundamental y la realidad de los hechos, como se
demostrará en este trabajo.

PALABRAS CLAVE: Ley de Seguridad Social Hermenéutica Constitucionalización de


la Ley COVID-19.

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478 On the urgency of an emancipatory hermeneutics of Social Security Law in the post-pandemic era

A premência de uma hermenêutica emancipatória do direito previdenciário na era


pós-pandemia
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A necessidade de uma hermenêutica emancipatória do Direito
Previdenciário 3 A hermenêutica jurídica e sua relação com as normas previdenciárias
4 A constitucionalização do Direito Previdenciário 5 Desafios do Direito Previdenciário brasileiro
contemporâneo 6 Mitigação de riscos 7 Conclusão 8 Referências.

RESUMO: O presente estudo tem como propósito analisar, criticamente, a


hermenêutica atual do Direito Previdenciário e sua perspectiva em relação à era
pós-COVID-19, diante da possível pandemia processual - que advirá da emergência
mundial ora enfrentada - em todos os ramos do Direito. A interpretação do Direito
Previdenciário não se pode limitar, etimologicamente, ao radical de herméneutikê
como sendo a arte de interpretar, ligada apenas ao escopo gramatical e meramente
retórico. Assim, compreender a dimensão e o alcance da hermenêutica previdenciária
está muito além de cotejá-la à acepção semiológica de uma trivial interpretação de
signos ou à percepção jurídica do arcabouço interpretativo de regras e princípios.
A pandemia provocada pelo coronavírus está quebrando paradigmas em diversas
áreas e, no âmbito do Direito Previdenciário, veio para deixar para trás o tecnicismo
positivista e relê-lo criticamente, à luz da Lei Fundamental e da realidade dos fatos,
conforme se demonstrará neste trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Previdenciário Hermenêutica Constitucionalização do


Direito COVID-19.

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Marcelo Fernando Borsio — Dariel Oliveira Santana Filho — Jefferson Carlos Carus Guedes 479

1 Introduction

In December 2019, the first case of a new Severe Acute Respiratory Syndrome
caused by SARS-CoV-2 was reported in the city of Wuhan, province of Hubei,
China (CICHELERO, 2020, p. 31-47). That case gave birth to the new Coronavirus-
pandemics the world is currently facing, which will certainly leave permanent
consequences for life in society henceforth.
By June 15, 2020, 7.690.708 persons had been infected with, and 427.630
persons had died from COVID-19. In Brazil, by the same date, 867.882 cases had
been confirmed and 43.389 persons (HEALTH, 2020) had died from the pathology.
As has been noticed, the social and economic effects of the pandemics are
unevenly expressed among distinct social classes (WANG, 2020, p. 482-513). Although
COVID-19 is a globalized disease (HUPFFER, 2020, p. 147-166), its effects have a
more serious impact on the elementary social rights of the most vulnerable groups
of society, which are linked to the triple pillar of social security comprising health
services, social assistance and social security. In so doing, it exposes the abject social
inequality that has always overwhelmed Brazil, while strengthening the need for an
urgent fulfillment of the country’s constitutional precepts, especially its provisions
linked to: i) citizenship (article 1, paragraph II, of the Federal Constitution); ii) dignity
of the human person (article 1, paragraph III, of the Federal Constitution); iii) decrease
of social and regional inequalities (article 3, paragraph III, of the Federal Constitution);
and iv) substantive equality (article 5, head paragraph, of the Federal Constitution).
Within such context, the constitutionalization of Social Security Law is linked to
an expansive effect of constitutional norms. The axiological and material essence
of this effect is propagated with normative strength throughout the entire legal
system (BARROSO, 2018, p. 87-127). This will certainly be an indispensable feature
in the post-COVID-19 period.
The behaviors, public ends and values enshrined in the Constitutional Charter
become requirements for the validity and meaning of the several norms that fall
under the purview of infra-constitutional law (BARROSO, 2018, p. 87-127), including
social security norms.
In this regard, the Constitution is not only a system in itself – i.e., a system with
inner unity, order, and harmony –, but also a way of looking at, and interpreting
all spheres of Law. Thus, the constitutionalization of infra-constitutional law, in
general, and Social Security Law, in particular, is not contingent on the insertion of
norms that belong to other realms into the Constitution. It is contingent, instead,

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on a re-examination of its specific provisions based on a constitutional perspective


(BARROSO, 2018, p. 87-127).
Social security issues have been largely predominant among the requests filed
in the Brazilian Federal Justice, leading to staggering judicialization levels. According
to the figures recently publicized by the National Council of Justice in 2020, three of
the five most frequent topics in the Federal Justice in 2019 were related to Social
Security Law (CNJ/2019): the first of them was illness-aid (787, 728 procedures); the
second was disability retirement (512, 416 procedures); and the third was retirement
due to age (228, 115 procedures).
In the same vein, the top four of the five most frequent topics in the second
instance of Brazil’s Federal Justice were linked to Social Security Law (CNJ/2019):
the first of them was illness-aid (152, 870 procedures); the second was disability
retirement (75, 126 procedures).
An even more astonishing and disquieting scenario was found in the Special
Federal Courts, where the five most frequent topics were related to Social Security
Law (CNJ/2019): the first was illness aid (520, 669 procedures); the second was
disability retirement (355, 546 procedures); the third was retirement due to age (120,
871 procedures) and the fourth was social assistance benefit (100, 355 procedures).
As one may notice, Social Security Law conflicts have raised judicialization
figures to unsettling levels. Such process must be particularly avoided henceforth,
bearing in mind the pandemics of procedures that are certainly drawing near in all
fields of Law in the aftermath of COVID-19.
Law fulfills an essential role in the harmonization of the overarching social
structure (SILVA, 2005, p. 25-28), and legal security is a conveyor of tranquility in the
legal system, since it provides security and predictability to individuals (KELSEN,
2009, p. 386-387).
However, the legal texts are not always properly adjusted to the interests of
society, nor aligned with the circumstances of concrete cases. Such contingencies
lead the interpreters of law to an authentic dilemma between two options, namely
applying an unjust law on the basis of safeguarding legal security, or questioning
it to find the most adequate answer to the specific case, while dialoguing with the
factual reality, instead of with the legal text only (BARROSO, 2014).
The conceptions that emerge from the interpretation of legal texts do not
always agree with what Social Security legislators sought to describe in these legal
texts. Hence the logical incongruences of purely literal/grammatical interpretations,

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for instance, of provisions on the requirements for framing rural workers into the
category of special coverage.
An illustrative example may convey a better notion of the particularities
involved in a country of continental dimensions such as Brazil: the area of one single
Brazilian municipality – Altamira, in the state of Pará – has almost twice the area of
a European country – Portugal.
Brazil encompasses the territorial area of entire Nation-States (GALILEU, 2016).
For instance, the area of the state of Rio de Janeiro [43,780 km²] is larger than
Denmark [42,925 km²]; the state of São Paulo [248,222 km²] is larger than the
United Kingdom [243,610 km²]; Tocantins [277,720 km²] is larger than New Zealand
[268,021 km²]; and the same occurs with the state of Pará [1,247,954 km²], compared
to a country as large as Angola [1,247,000 km²].
Considering such context, Social Security lawmakers and interpreters must observe
the respective particularities of each region of this huge country while drafting and
applying the laws, lest they would give rise to additional social security conflicts and
fuel even more the increasingly high judicialization levels of social security requests.
Law is not a stagnant reality. Instead, it behaves as a locomotive in continuous
motion on the rail of life and, consequently, the evolution-process is intrinsic to its
development. For this reason, the coexistence of distinct ways of interpreting the
rules of the game is a healthful feature that helps ensure to citizens the fulfillment
of their rights as human beings.
The interpretation-process inevitably generates a creative surplus. Such
interpretative fecundity becomes explicit in hard cases and cannot be eliminated
from the interpretative praxis of the administrative or judicial realms. Instead, it is a
desirable feature indeed, which helps promote coherence within the constitutional
text (VARGAS, 2019, p. 161-167).
In this sense, the following lines examine the need for an emancipatory
hermeneutics of Social Security Law, with the aims of fulfilling the fundamental
social security rights as enshrined in the Brazilian Constitution, minimizing disputes
and, consequently, mitigating the pandemics of legal requests that is expected to
emerge in the post-coronavirus period.

2 On the need for an emancipatory hermeneutics of Social Security Law


The contrast between doxa and episteme symbolizes the perennial complexity of
thinking about specific areas in human relations. Thus, grasping the true dimension

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and reach of hermeneutics is much more than comparing it to the semiological


meaning of a trivial interpretation of signs, or to the legal perceptions on the
interpretative framework of norms and principles (FACHIN, 2011, p. 186-203).
Such understanding cannot be etymologically restricted to a view of herméneutikê
as the art of interpreting only linked to a grammatical and purely rhetoric scope. This
complexity reveals the relevance of the theme for Brazilian Social Security Law and
exposes the relevance of a prospective constitutionalization of this branch of Law
(FACHIN, 2011, p. 186-203).
As is known, Auguste Comte gave science the gift of positivist scientific
knowledge (COMTE, 1978, p. 2-3), according to which the observed phenomena
should be considered from an eremitic and detached perspective, including the
study of social facts. In this regard, the study and practice of Law was scientifically
conceived to regulate social facts under the rule of the State, which is responsible for
issuing abstract laws capable of leading the individuals to the behavioral judgment
of their moral obligations.
Martin Heidegger (2005, p. 78), on his turn, criticizes modern science for its
Cartesian method, which examines the entity to the detriment of being, while
rendering it into a target to be perceived and analyzed based on its external
aspect. Heidegger proposes the ontological distinction between being and entity,
considering that being represents an exclusively human issue, whereas the entity
is only related to the material bearer of being. In other words, the entity is only an
instrument for the advancement of being (HEIDEGGER, 2005, p. 78-79).
Heidegger (2005, p. 219-220) asserts that the phenomenon of human
existence is prior to thinking itself. Man would not be a subject, but a man-planet
combination in a given epoch. Thus, being is not an exclusively spatial issue but,
primarily, a temporal issue.
Based on Heidegger’s teachings, Gadamer develops the science of hermeneutics
and inserts it into a process that reaches beyond the frugality of interpretations,
since it surpasses a positivist text and builds a dialectical dialogue between the
interpreter and the text (FACHIN, 2018, p. 369-386). For Gadamer (1997, p. 403),
hermeneutics summarizes an intrinsic process of human knowledge and, therefore,
shapes a previous comprehension of experiences and of human existence itself.
Thus, every human being has a previous comprehension (BARROSO, 2014) of
things and it would not be possible to dissociate one’s interpretation from oneself,
that is, from the interpreter in his or her condition as a human being within a particular

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economic, historical, linguistic and social context, bringing along information and
experiences that permeate both one’s analysis and way of conveying his or her
interpretation (GADAMER, 1997, p. 403).
According to Gadamer (2009, p. 43), an interpreter must dialogue with the
text with the aim of relating, amidst a dialectical process, what is read to what is
previously understood, leading to a new understanding that will replace or not the
previous comprehensions with new and more agreeable concepts.
Taking into consideration this Gadamerian vision of hermeneutics, according to
which an interpretation is an understanding of a phenomenon by a being who already
has a previous comprehension with him or herself, instead of a ready-made method for
the identification of an absolute truth (FACHIN, 2011, p. 186-203), let us now proceed
to legal hermeneutics and its relationship with social security laws and norms.

3 Legal hermeneutics and its relationship with social security norms


The notion of previous comprehension is corroborated by the practitioners of
a critical hermeneutic theory in the field of Law, based on the notion of an open
legal system. Luís Roberto Barroso (1996, p.1), for instance, remarks that “every
interpretation is the product of an epoch, of a setting that comprises the facts, the
interpreter’s circumstances and, evidently, the imaginary of each person”.
In a hermetic and closed system, the available alternatives in terms of
interpretation are insufficient to encompass the factual complexity of a problem
under scrutiny, as it occurs, for instance, with the reality of rural labor in the fields
throughout the country, thus leading to injustice.
On the other hand, since hermeneutic theory is an open system, it can lead to
two possible results. In the first possibility, the system may reveal itself as open in
relation to what the text could not encompass, and its gaps may be suppressed via
hermeneutical criteria (STRECK 2000, p. 98). In the second possibility, a system can
be opened via a dialectical hermeneutical procedure, which perpetually subordinates
the norms to the constitutional provisions in place and to the assessment of reality
(FACHIN, 2011, p. 186-203).
By means of example, let us consider the monthly emergency aid of R$600.00
(six hundred reais) provided by Social Security for 3 (three) months to a male Brazilian
worker so he and his family may survive during the pandemics, while the social isolation
measures established by the State are necessary (Law no. 13.982/20, article 2, caput).

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The emergency legislative option mentioned above was beneficial, but


insufficient, precisely because it does not observe the constitutional precepts.
According to article 2, para. 3, of Law no. 13,982/20, a “woman who provides for
the livelihood of a single parent-family will receive 2 (two) allotments of the aid”,
that is, R$1,200.00.
For what reason should not a man who provides for a single parent-family
also receive 2 (two) aid allotments, to remain with only R$600.00? Definitely, no
reasonable explanation is available for such distinction. Here, we find a clear affront
to the constitutional principle of substantive equality, since men who provide for
single parent-families must also feed their children as much as women who provide
for single parent-families. The point is not to deny this right to women, but to assert
that men have a corresponding right. The law mistakenly differentiated individuals
undergoing an identical situation, thus violating the Constitutional Charter.
It is well-known that Dworkin (2002, p. 14) categorized a norm as a genus
comprising norms and principles as its species. Those (norms) would be applicable
according to an all-or-nothing formula: in other words, if a norm is valid, then it also
applies; otherwise, not. On their turn, principles would follow a weighting-logic.
Robert Alexy (1988, p. 139-151), in turn, stated that principles would be
“optimization commands” and should simultaneously emerge in association with
norms, so that – by means of these norms – their intrinsic aims may be fulfilled. Thus,
principles may vary according to the specific features of a particular case.
Dworkin and Alexy, therefore, enabled the semantic openness of Law by
understanding and affirming that core principles may also collide with each other,
and must be weighted on a case-by-case basis (LORENZETTI, 1998, p. 80).
Indeed, the Law-framework is an open system; but not only that. According to
Fachin (2011, p. 186-203), Law is a “dialectically open system” to be understood
from the standpoint of a critical hermeneutics, and it constantly subsumes the valid
norms to the constitutional precepts and to factual reality – including the reality of
the agricultural and livestock activities practiced in this country.
Therefore, a harmonious interpretation of constitutional and infra-constitutional
social security laws includes an “interpretation theory inspired by personalism and
the prevalence of justice over the letter of texts” (BASTOS, 2002, p. 19), seeking to
leave behind the positivist technicism in order to re-read it critically in the light of
the Constitution and of factual reality.

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In this sense, the constitutionalization of Social Security Law maintains an


umbilical connection with an expansive effect of the constitutional precepts, which
substance irradiates throughout the entire legal order both in material and axiological
terms (BARROSO, 2014, p. 31-63). Thus, the public aims and values encased by the
Constitutional principles and norms embed the norms of Social Security Law.
This search reaches beyond the rigid structures of hermeneutic archetypes.
Indeed, the application of constitutional principles and norms transcends
subsumption-syllogisms to build an antagonistic logic, according to which the fact
enlightens the norm, and not otherwise (PERLINGIERI, 2008, p. 55).
The indispensable consciousness that enables a critical hermeneutics of Law is
based on the fact that “the role of knowledge is not only to interpret the world, but
also to transform it” (BARROSO, 2003, p. 14).
As a product of positivist law, under the guidance of social values, legal sensibility
(FACHIN, 2011, p. 186-203) is the most relevant contribution that Constitutionalized
Social Security Law can make to hermeneutic doctrine.
In this regard, social security laws, decrees and regulations, as well as the internal
regulations of the National Social Security Institute (INSS), must be unveiled by
legal experts not only in a literal sense, but also from the standpoint of an in-depth
hermeneutics based on the axiom of appreciating the dignity of the human person,
on the perennial dialectics between the norm and the fact (AZEVEDO, 1989, p. 54),
and between formal and substantive aspects, so it may continuously reinvent and
update Social Security Law (FACHIN, 2011, p. 186-203).
The Constitutional Charter, from this standpoint, ceases to be seen only as
a legal text with its overarching hierarchical status to become something much
wider, as well as a “way of looking at and interpreting all other branches of Law”
(BARROSO, 2003, p. 44), above all the branches connected with fundamental rights,
such as Social Security Law.
Hermeneutics is indeed the path towards attaining the necessary legal sensibility
for grasping Social Security Law, while acknowledging, verbi gratia, the reality of the
activities of this field and exercising a socially efficacious way of looking at it. For this
reason, it is of utmost importance to recognize the prospective constitutionalization
of Social Security Law.

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4 The constitutionalization of Social Security Law


The expression constitutionalization of the Law is somewhat recent in legal
terminology, and it has several meanings (FACHIN, 2011, p. 186-203). In a way, this
phenomenon began with the 1976 Constitution of Portugal, followed by the 1978
Constitution of Spain, and it was strongly influenced by the 1988 Citizen Constitution
(BARROSO, 2016, p. 13-100).
In the States where democratization was the most delayed, such as Spain, Portugal,
and Brazil, constitutionalization of the Law is something more contemporary, but it
happened with great vigor. Here, the transitive movement similar to what took place
first in Germany and then in Italy has been observed: the placing of the Constitution
at the core of the legal system (BARROSO, 2016, p. 13-100).
Since 1988, and more intensively in the last decade, the Constitutional Charter
has enjoyed not only the formal supremacy it has always possessed (FACHIN, 2011,
p. 186-203), but, above all, a substantial, axiological supremacy, enhanced by the
opening up of the legal system and the granting of normativity to its principles
(BARROSO, 2016, p. 13-100).
Displaying an unprecedented normative strength, the Magna Carta entered
the Brazilian legal scene and the discourse of legal professionals. As a result, for
example, the outdated Civil Code left the center of the legal system (BARROSO,
2016, p. 13-100).
As was the case in Italy (PERLINGIERI, 1997)1, the decoding of the Civil Law
also took place in Brazil, a phenomenon that was not achieved by the enactment,
at the beginning of this century, of the Civil Code currently in force. In this scenario,
the Constitution becomes a way of looking at and interpreting all areas of the Law
(BARROSO, 2016, p. 13-100), and here Social Security Law is presented.
This phenomenon, called by some as constitutional filtering, signals that the
legal system in its entirety must be read and understood under the constitutional
gaze, in order to materialize the values established by the Highest Law (FACHIN,
2011, p. 186-203).
The constitutionalization of infra-constitutional laws, herein understood as
Social Security Law, does not have as its most relevant symbol the insertion of norms
pertaining to other areas into the Fundamental Law, but, especially, the reinterpretation
of its institutes in light of the Constitution (BARROSO, 2016, p. 13-100).

1 Regarding the Italian case, v. Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 1997, p. 6.

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The connections between Civil Law and Constitutional Law, between the latter
and Social Security Law, unravel in the human being, the subject of rights, the clearest
constant. In the same way that the undeniable constitutionalization of inter-private
relationships makes the reciprocal interferences between those branches of the Law
(Civil and Constitutional) more and more evident, the irrefutable constitutionalization
of the social security relationships between beneficiaries and the INSS makes the
mutual influences between Social Security Law and Constitutional Law clearer and
clearer (FACHIN, 2018, p. 369-386).
In order to enable the transfer of normative texts to the factual reality, an
approximation between the force of the letter of the norm and the constructive
force of the facts, which is obtained by interpreting the infra-constitutional norm
in light of all constitutional values, principles, and ethics, becomes indispensable
(FACHIN, 2018, p. 369-386).
Hence, before applying any social security rule, interpreters should examine
whether it is in accordance with the Constitution, because if not, they should not
apply it. Interpreters of Social Security Law should always bear this procedure
in mind. Furthermore, when employing such rules, the operator of the Law shall
guide their meaning and scope and implement the constitutional intentions
(BARROSO, 2016, p. 13-100).
At this point, it is necessary to make a comment. Social security legislation
stipulates that rural workers children are considered special social security
beneficiaries, if proven that they work with their respective family group, as long as
they are over 16 (sixteen) years old (Art. 11, VII, c, of Law no. 8.213/91).
Employing a literal/grammatical interpretation and deciding as Judge Jupiter
did (OST, 2007, p. 101-130), according to whom a judge would be the mere mouth
of the law, as ordinarily happens in the administrative social security plan, minors
under 16 (sixteen) years old could never be classified as special beneficiaries, even
if they have effectively worked in rural labor since their earliest childhood, which
would exclude them from the social security protection.
However, the rule that prevents child labor in Brazil was obviously established to
protect minors under 16 (sixteen) years of age and not to harm them, by preventing
them from receiving their social security rights.
Thus, having these children or adolescents, regardless of age, effectively worked
in rural areas, when they should not have done so, since they should have been
studying and/or playing, they are entitled to social security protection.

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A different interpretation of this would undoubtedly be a double punishment:


1 ) working when they should be studying and playing; 2nd) working and not receiving
st

their rights, which would certainly constitute a punitive bis in idem and an in dubio
adversus misero interpretation, both inadmissible in a Democratic Rule of Law.
The minimum age to start working in Brazil is a constitutional guarantee created
in favor of minors and not against them, as one could imagine if the social security
type were closed and, therefore, did not allow any interpretative flexibility.
Accordingly, the Federal Supreme Court has impeccably decided that Article
7, XXXIII, of the 1988 Magna Carta cannot be interpreted to the disadvantage of
adolescents or children who work, since the constitutional provision was created
with the intention of protecting them and not of curtailing their rights2.
As seen above, perhaps, one of the most instigating challenges for this century’s
interpreter of the Law is the abyssal divide between the discourse filled with good
intentions and implementation by experience, which means understanding the legal
norm as a citizenship and democratic practice tool in all private – Civil Law – and
public relations - Social Security Law (FACHIN, 2018, p. 369-386).
Legal norms, whether infra-constitutional or constitutional, have axiological
substance, so, they project themselves functionally. In this context, one of the
crucial roles of the Law is the active hermeneutic construction of norms in order
to transform their implementation into benefits for human beings and for their co-
existential bonds (FACHIN, 2018, p. 369-386).
The main goal here is to offer possibilities of social security-constitutional
hermeneutics when facing issues related to social security beneficiaries,
in general, and to Brazilian rural workers, in particular, as a social, political, and
legal institution, which, in its complex framework, is the appropriate scenario for
the perception of the effectiveness of infra-constitutional social security norms in
light of the Magna Carta, under the constitutional vectors of human dignity and
substantial equality (FACHIN, 2018, p. 369-386).
Therefore, it appears that the Constitution is at the epicenter of the legal system,
from where it disseminates all of its normative vigor, being endowed with formal
and material supremacy. Hence, it operates not only as a parameter of legitimacy for
the infra-constitutional order, but also as a vector for the interpretation of all system
rules, therein encompassed the social security ones.

2 RE 537.040, Rap. Just. Dias Toffoli, and RE 600.616-AgR/RS, Rap. Just. ROBERTO BARROSO, First Group,
DJe of 9/10/14.

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5 Challenges of the contemporary Brazilian Social Security Law


Just like Civil Law, contemporary Social Security Law needs to free itself from
the formal asphyxia it faces when it interconnects with Constitutional Law, receiving
the auspicious influence of constitutional provisions, thus building a living Law that
is susceptible to the dialectic between the binding strength of social security rules
and the edifying strength of facts (FACHIN, 2018, p. 369-386).
Another important challenge to be faced between social security norms and
the reality of the rural activity, verbi gratia, is the plurality of sources, which includes
overcoming the reductionism of social security codes.
Therefore, it is necessary to overcome the classic and static separation between
the power functions of the State, recognizing the jurisprudence, the doctrine and
the reality of the facts, always in light of the Constitutional Charter, as legitimate
sources of Social Security Law, similar to what had already happened with Civil Law
(FACHIN, 2018, p. 369-386).
The creative power of facts (FACHIN, 2018, p. 369-386) must guide Social
Security Law, mainly the one related to rural welfare, especially because, in a country
with so much diversity, the unique reality of rural labor, case by case, should guide
the activity of the interpreter of all social security rules.
This is so that, in the same way as with our native Civil Law, the meeting between
Social Security Law and Constitutional Law may bring “a substantial and prospective
dimension of all constitutional principles, values and ethics, in a continuous and incessant
accountability process to the social and political reality” (FACHIN, 2018, p. 369-386).
The challenges set forth above are not immutable, they are not insurmountable
dogmas, but should be seen as a problematizing sign of the prospective construction
of a Social Security Law and a Constitution that can, together, face the complexities
that involve the Brazilian social security system, particularly the rural one (FACHIN,
2018, p. 369-386).
It is imperative to understand that we are facing a problematizing protagonist
of the phenomenon of constitutionalization of the Law (BARROSO, 2014, p. 31-63),
including Social Security Law, as sustained herein, in which the volume of constitutional
problems subject to the filter of the State has not yet located its mimetic point (FACHIN,
2018, p. 369-386).
In this panel, a dialogue between sources is a good starting point so as not to
violate the uniqueness of the legal system (FACHIN, 2015, p. 122). Social Security

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490 On the urgency of an emancipatory hermeneutics of Social Security Law in the post-pandemic era

and Constitutional Law, in a permanent dialogue, similar to what already happens


between Civil and Constitutional Law, may mutually impose axiological grounds on
each other for the complex issues to be faced in social security under the baldachin
of the constitutional normative (FACHIN, 2018, p. 369-386). This is what is expected
from now on!

6 Mitigating risks
As can be seen, by placing the Constitution at the heart of the legal system
(FACHIN, 2011, p. 186-203), it is possible to overcome the model that completely
binds public managers, therein included civil servants who work at the INSS, to the
law, as idealized by a hasty and conventional reading of the principle of legality,
according to which their actions would be based, in an absolute way, on what the
infra-constitutional legislator would state in a legal text (BARROSO, 2014, p. 31-63).
In fact, managers should base their actions directly on the Constitution, thus
transforming the principle of legality, which is transmuted into the principle of
broad normativity, assimilating its subordination to the Political Charter and to the
Law, necessarily in this order, in this sequence (BARROSO, 2014, p. 31-63).
The constitutionalization of Social Security Law is dressed in the expansive effect of
constitutional norms (FACHIN, 2011, p. 186-203), whose rules and principles are spread
throughout the entire legal system (BARROSO, 2014, p. 31-63). As explained above, from
it follows the interpretation of all social security rules considering the Constitution.
This phenomenon is undoubtedly positive and harmonious with the Democratic
Rule of Law and with a greater capacity for achieving fundamental rights (FACHIN,
2018, p. 369-386). Nevertheless, the possibility that an exaggerated constitutionality
may cause harmful results should be mentioned as, for instance: i) making the
infra-constitutional social security legislation inflexible; ii) legal and administrative
decisionism (BARROSO, 2014, p. 31-63).
Therefore, it is essential for the interpreter of social security rules to assume the
argumentative burden of applying rules that have undetermined legal concepts or
principles with fluid meanings (BARROSO, 2016, p. 13-100).
Excessive use of discretion should not be tolerated. Principles such as human
dignity, material equality and solidarity are not blank checks for personal and
idiosyncratic choices (BARROSO, 2014, p. 31-63). The Constitution should be,
simultaneously, the engine, the brakes, and the counterweight of any interpretation

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of the existing social security rules (FACHIN, 2018, p. 369-386), always under the
scrutiny of proportionality.
Consequently, in order to mitigate the above-mentioned risks, two criteria must
be met (BARROSO, 2014, p. 31-63) by the interpreter of Social Security Law: i) priority
by law: where there is a clear and appropriate ruling by the infra-constitutional
legislator, it shall prevail, and the interpreter should renounce seeking for a different
solution for reasons of convenience (e.g. grace periods for obtaining social security
benefits); ii) priority by rule: where the social security legislator has worked through
the elaboration of an appropriate rule, it shall prevail over the principles of equivalent
hierarchy (e.g. periods for receiving death benefits correlated to the pensioner’s age).
Therefore, if there is a clash between the rules and the social security principles,
which cannot be solved by the traditional interpretation methods, the former will
have preference, provided they are valid, suitable for the reality of the facts, and in
harmony with the Basic Law (BARROSO, 2014, p. 31-63). Otherwise, the rules should
pave the way for a contemporary hermeneutics based on the Federal Constitution.

7 Conclusion
As we can see, the legal system as a whole and Social Security Law, in particular,
are complex and pluralistic, mostly with regard to rural workers, given the enormous
geographic, economic, and social differences that have always existed in this
continental-sized country.
In this regard, and inspired by Judge Hermes (OST, 2007, p. 101-130), Social Security
Law and Society must maintain a dialogical relationship, capturing from reality any
and all core descriptions for creating norms and recognizing that the pure and static
notion of Social Security Law does not take contemporary challenges into account.
What is proposed herein is not the discretionary will and one without limits,
which would put in check the social security legality itself. On the contrary, what
we want is to reinforce the legal command through the interpreter, thus avoiding
its premature decline. In view of all the above, the following propositions for Social
Security Law in the post-COVID-19 era are presented:
i) The interpreter of social security demands should not be limited to the literal
meaning of the letter of the law or to the will of those who created it, especially in
hard cases, but to the legal framework as a whole, as a unity, overcoming the code
culture and problematizing the specific case in order to grant maximum effectiveness

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to the Political Charter and provide the indispensable and effective feasibility to all
fundamental rights (LEMOS; GRACIANO, 2020, p. 88-112).
ii) Generally speaking, a social security judge, whether in the administrative or
judicial sphere, cannot be a mere mouth of the law, starting from the false premise
that laws are not interpreted, they are applied. There must be a balance between
the existing legal provisions and the social security reality in a continental-sized
country, full of peculiarities.
iii) The time has come to employ an emancipatory hermeneutics of Social Security
Law. The Law is a dialectically open system, which must be understood under the
prism of a critical hermeneutics, which constantly subordinates infra-constitutional
rules - such as, for example, those dealing with the requirements for the classification
of special beneficiaries - to the constitutional provisions, among them the principles
of human dignity and material equality, and to the factual reality, herein included rural
activities throughout Brazil.
iv) Harmonically interpreting constitutional and infra-constitutional social
security laws encompasses a “theory of interpretation inspired by personalism and
the preeminence of justice over the letter of the law” (BASTOS, 2002, p. 19), seeking
to leave behind any positivist technicisms and re-read it critically, in light of the
Fundamental Law and the reality of the facts.
v) This quest to overcome any positivist technicisms in the field of Social Security
Law goes beyond rigidly configured hermeneutic archetypes. In fact, the application
of constitutional principles and norms transcends the mere subsumption syllogistic
reasoning to build an antagonistic logic, according to which the fact informs the
norm, and not the other way around (PERLINGIERI, 2008, p. 55).
vi) The social security laws, decrees, regulations, and normative acts of the INSS
must be discovered by the jurist not only in their literal meaning, but under an
in-depth hermeneutics, guided by the axiom of appreciation for human dignity in
the perennial dialectic between the norm and the fact, between the formal and the
substantial, permanently reinventing and updating the Social Security Law.
vii) The Constitutional Charter should not only be seen as a legal text with a
higher hierarchy, to be something much more than that, but also as a “way of looking
at and interpreting all other branches of the Law” (BARROSO, 2003, p. 44), mainly
those that deal with fundamental rights, such as Social Security Law.
viii) It is through hermeneutics that the legal sensibility necessary for
understanding Social Security Law will be achieved, recognizing, for example, the

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reality of the activity in rural areas and lending it a socially effective way of looking
at it, which is why it is imperative to recognize the prospective constitutionalization
of Social Security Law.
ix) It is essential to have the decoding of the social security law, as was the case
with the Civil Law. In this scenario, the Federal Constitution should move from being
a system in itself - with its order, unity, and harmony - to being, above all, a way of
looking at and interpreting the Social Security Law.
x) Every interpretation of a social security benefit claim must be first and foremost
a constitutional interpretation. Thus, there must be a constitutional filtering in the
analysis of any benefit request from a rural worker or from any other social security
beneficiary, since the legal system must be interpreted and understood in accordance
with the Fundamental Law, in order to implement the values abided by it.

8 References
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3
498

A concretização dos direitos humanos e


fundamentais: vontade, consciência e ação
em tempos de pandemia

REGINA CÉLIA MARTINEZ


Doutora e Mestra em Direito (PUC-SP). Professora e Pesquisadora (UNIJALES).
Pesquisadora (ESAOAB-SP).

PABLO JIMÉNEZ SERRANO


Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Oriente (Cuba).
Professor e Pesquisador (UNISAL e UniFOA).

Artigo recebido em 4/9/2020 e aprovado em 30/10/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A norma positivada: perspectiva da teórica comunicacional do direito


3 Os limites do direito posto: obstáculos à concretização em tempos de crise 4 A concretização:
do texto à ação em tempos de pandemia 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo efetuar o estudo da problemática


que deriva da não concretização dos direitos humanos fundamentais na sociedade
brasileira contemporânea. Em uma perspectiva teórica, doutrinária e filosófica,
discutem-se os fatores que incidem nessa não concretização em tempos de
pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia. A metodologia eleita foram os métodos
dedutivo, indutivo, documental e histórico. Discutem-se os limites que a visão
legalista (ou positivista) impõe aos processos e mecanismos de concretização e,
ainda, o conceito, o sentido e o alcance da efetivação de direitos nas sociedades
modernas, que se sabe em crise. Conclui-se que a responsabilidade de concretizar
direitos, quer em tempos de pandemia, quer em tempos de pós-pandemia, não é
unicamente estatal, mas também social, isto é, dos cidadãos e dos concidadãos,
tendo a solidariedade, a convivência social e a justiça dialógica como premissas,
para além dos interesses econômicos, ideológicos e partidários.

PALAVRAS-CHAVE: Concretização de Direitos Direitos Humanos Fundamentais


Vontade, Consciência e Ação Pandemia.

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The concretization of human and fundamental rights: will, awareness and action
in pandemic times

CONTENTS: 1 Introduction 2 The positive norm: perspective of the communicational theory of law
3 The limits of post law: obstacles to implementation in times of crisis 4 Implementation: from
text to action in times of pandemic 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This article has as main objective the study of the problem that derives from
the non-realization of fundamental human rights in contemporary Brazilian society.
From a theoretical, doctrinal and philosophical perspective, the factors that affect the
non-realization of fundamental human rights in times of pre-pandemic, pandemic
and post-pandemic are discussed. The chosen methodology was the deductive,
inductive, documentary and historical methods. Based on these methods, the limits
that the legalistic (or positivist) view imposes on the processes and mechanisms of
concretization are discussed, as well as the concept, the meaning and the scope of the
realization of rights in modern societies, which are known in crises. It is concluded that
the responsibility for realizing rights, both in times of pandemic and post-pandemic, is
not only state, but also social, that is, of citizens and fellow citizens; having solidarity,
social coexistence and dialogical justice as principles and premises of this process, in
addition to economic, ideological and partisan interests.

KEYWORDS: Realization of Rights Fundamental Human Rights Will, Consciousness


and Action Pandemic.

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500 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

La concretización de los derechos humanos y fundamentales: voluntad, conciencia


y acción en tiempos de pandemia

CONTENIDO: 1 Introducción 2 La norma positivada: perspectiva de la teoría comunicacional


del derecho 3 Los límites del derecho puesto: obstáculos a la implementación en tiempos
de crisis 4 Implementación: del texto a la acción en tiempos de pandemia 5 Conclusión
6 Referencias.

RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo principal el estudio del problema
que se deriva de la no realización de los derechos humanos fundamentales en
la sociedad brasileña contemporánea. Desde una perspectiva teórica, doctrinal y
filosófica, se discuten los factores que inciden en la no efectividad de los derechos
humanos fundamentales en tiempos prepandémicos, pandémicos y pospandémicos.
La metodología elegida fueron los métodos deductivo, inductivo, documental e
histórico. A partir de estos métodos se discuten los límites que la visión legalista
(o positivista) impone a los procesos y mecanismos de concretización, así como
el concepto, el significado y el alcance de la realización de los derechos en las
sociedades modernas, conocidamente en crisis. Se concluye que la responsabilidad
de la realización de los derechos, tanto en tiempos de pandemia como de
pospandemia, no es solo estatal, sino también social, es decir, de ciudadanos y
conciudadanos; teniendo como principios y premisas de este proceso la solidaridad,
la convivencia social y la justicia dialógica, además de los intereses económicos,
ideológicos y partidistas.

PALABRAS CLAVE: Concretización de Derechos Derechos Humanos Fundamentales


Voluntad, Conciencia, Acción Pandemia.

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1 Introdução

A concretização de direitos, em geral, e dos direitos humanos fundamentais, em


particular, enfrenta profundas limitações em um mundo ainda governado pelas
diferenças e em que miséria, pobreza e exclusão social são dominantes. Assim, a
constitucionalização desses direitos parece ser o único objetivo das políticas
jurídicas praticadas nos diversos sistemas de governos conhecidos.
Os variados problemas e fenômenos sociais e jurídicos herdados, quer dos
sistemas de governos, quer de formações socioeconômicas antecedentes, continuam
a se perpetuar como consequência da negação e da inobservância da concretização
dos direitos humanos fundamentais e foram agravados pela pandemia que,
modernamente, afeta o desenvolvimento, agride a saúde e a economia global.
A respeito dessa problemática, no presente artigo discute-se o conceito e o
sentido da concretização dos direitos humanos fundamentais procurando, assim,
demostrar que o reconhecimento (a positivação) desses direitos não deve ser
considerado o único objetivo dos sistemas jurídicos modernos.
O problema científico que estimula a presente pesquisa é o seguinte: quais são
os vínculos ou relações lógicas existentes entre a positivação, a ação (vontade e
consciência) e a concretização de direitos em tempos de pandemia e de pós-pandemia?
Com o intuito de abordar o mencionado problema, foram delineadas as seguintes
premissas (ou hipóteses de trabalho):
a) a positivação é condição da concretização de direitos, mas nem todo direito
positivado é concretizado (nem concretizável);
b) nenhum direito se concretiza por si só. Logo, não basta o direito ser posto em
texto de lei, importa a ação humana que é movida pela vontade e pela consciência.
No mesmo sentido, e levando em conta uma linha coerente de discussão,
considerou-se importante usar a categoria efetividade como um conceito operacional,
por ser umas das características essenciais dos direitos humanos fundamentais.
Decerto, o conceito efetividade, conforme doutrinas (nacional e internacional),
também se refere à atuação do Poder Público, no sentido de garantir a efetivação
dos importantes direitos em estudo. Mas, a quem cabe a responsabilidade de
concretizar? Ou melhor, quem deve concretizar direitos: o Estado, os Governos (ou
governantes) ou a sociedade?
Para poder responder à questão, é pressuposto que conheçamos, primeiro, as
diferenças possíveis entre norma positivada e norma concretizada e, segundo, a relação
existente entre efetividade, eficácia (vertical e horizontal) e responsabilidade solidária.

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502 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

Assim, com o intuito de bem conduzir a investigação e a discussão, foram


delineados os seguintes objetivos: a) destacar os obstáculos que a própria positivação
impõe ao processo de concretização (leitura interna do direito concebido como
ordem normativa); b) redefinir o conceito, o sentido e alcance da concretização de
direitos; e c) discutir os elementos que incidem na não concretização de direitos, a
saber, a vontade, a consciência e a ação (leitura externa ao direito, enquanto sistema).
No decorrer da investigação considerou-se igualmente importante o
reconhecimento da ausência de mecanismos eficientes e atinentes à concretização
de direitos (perspectiva pragmática ou pragmatismo jurídico) como um campo de
ação relevante a nossa pesquisa. Essa análise derivou-se de um estudo precedente
acerca da diversidade de fatores que incidem na concretização de direitos e
que tornaram possível a proposta da escolha consciente de meios adequados à
consecução dos objetivos delineados.
A metodologia eleita envolve os métodos dedutivo, indutivo e histórico/comparado.
Assim, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e doutrinária, elege-se como
marco teórico as obras que definem o sentido da positivação e a importância da
vontade, da consciência e da ação no contexto do direito e das políticas públicas.
Conclui-se que a positivação de direitos e, em particular, a dos direitos humanos
fundamentais contribui para sua concretização, mas, que ela não deve ser considerada
como o único indicador, ou fator, nesse processo.
Finalmente, como contribuição, destacam-se os seis obstáculos à concretização
dos direitos humanos fundamentais em tempos de pandemia alertando-se, assim,
acerca da necessidade da tomada de decisões em face da idealização de um projeto
de país solidário que permita a edificação da consciência no contexto das sociedades
brasileira em tempos de pós-pandemia.

2 A norma positivada: perspectiva da teórica comunicacional do Direito


A presente seção cuida de uma das perspectivas do Direito histórico e moderno,
isto é, do Direito concebido como um conjunto de normas. Trata-se, pois, de uma
abordagem por meio da qual se realça a expressão positivista do Direito – aqui
caracterizada como virtudes do positivismo – fundada na importância da norma jurídica
posta, que é condição da certeza e da segurança que uma ordem coerente e orientada
por meio de recursos lógico-formais deveria oferecer às sociedades modernas.
Conforme esse entendimento (fundamento) dogmático-normativo e
formalista, o Direito seria uma ordem invariável de normas e institutos jurídicos

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que encontraria sua legitimidade nos poderes dos Estados, cujo problema principal
seria a vigência da hierarquia e da coerência normativa (validade), objetivos que
definem os pecados do positivismo moderno.
Com base na ideia de um positivismo virtuoso, o Direito se define como um conjunto
de normas (regras) positivadas que são consideradas obrigatórias em uma determinada
sociedade, pois sua violação dará lugar à intervenção de uma sanção (BOBBIO, 1995, p.
27-29). Nesse sentido o direito deveria ser concebido como uma ordem normativa da
conduta humana (um sistema de normas) definida por Hans Kelsen (1998, p. 4) como
o verdadeiro objeto do conhecimento jurídico (a Ciência do Direito).
Diz-se, assim, do domínio jurídico-normativo da ciência jurídica ser expressão
daquele domínio do Direito, em que unicamente vigoram as normas jurídicas
traduzidas na forma de proposições prescritivas, por meio das quais e com o bom
uso da linguagem, se objetiva uma mensagem (SERRANO, 2019).
Certamente é por meio dessa positivação (objetivação) feita pelos legisladores
que a sociedade se propõe a convencionar e comunicar uma mensagem. Nesse
sentido, julgam-se coerentes os ensinamentos de Norberto Bobbio (1995, p. 27, 29)
quanto à correspondência entre normas e convenção social, pois verdadeiramente
“quando identificamos o Direito com as normas postas pelo Estado, não damos uma
definição geral do Direito, mas uma definição obtida de uma determinada situação
histórica, aquela em que vivemos”.
Resumidamente é possível afirmar que, para poder regular o comportamento
humano, o Direito tem como propósito fundamental comunicar uma ordem de
comportamento, por meio da qual se prescreve o que deve ser (permissões) e o que
não deve ser (proibições). Daí a importância da Teoria Comunicacional do Direito que
a seguir será objeto de análise.

2.1 Teoria Comunicacional do Direito


A Teoria Comunicacional do Direito, objeto da obra de Gregorio Robles
(2005), se situa no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe interessante
combinação entre o método analítico e o hermenêutico. Diz-se de uma Teoria do
Direito que se ocupa das normas jurídicas enquanto mensagens produzidas pela
autoridade competente e dirigidas aos integrantes da comunidade social. Se o
fenômeno jurídico se expressa em linguagem, ela (a linguagem) há de ser o único
meio de estudar e compreender os problemas jurídicos. Por ser precisamente
um texto, o direito deve ser compreendido, isto é, interpretado. Nesse sentido, o

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504 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

jurista deve se preocupar com a melhor forma de interpretar, de argumentar e de


construir raciocínios jurídicos.
Nessa perspectiva o Direito é considerado como um mero texto, isto é, como
linguagem escrita. Pois bem, nesta análise, a linguagem tem um papel importante na
concretude (concretização) do Direito. Eis que, por meio da linguagem, o Direito se
torna objetivo quando escrito e, dessa forma, o jurista teórico e o prático, os agentes
públicos, políticos, magistrados etc. deveriam ser capazes de analisar, interpretar,
integrar e julgar sem preferências nem preconceitos.
A linguagem certamente tem um papel importante na formação da consciência
e do conhecimento. O homem, como ser social, sente, escuta, analisa, julga,
afirma, nega, deseja e comunica aos seus semelhantes suas impressões e seus
pensamentos. Assim, a linguagem facilita a passagem da contemplação, isto é, da
cognição sensorial, ao pensamento generalizado e abstrato, e daí ao conhecimento
concreto e objetivo.
A linguagem é o instrumento comum do qual nos servimos para compreender
o nexo que existe entre o conhecimento subjetivo e objetivo. O estudo da
linguagem, ainda que breve, nos permite conhecer melhor o nexo existente
entre pensamento humano e a produção intelectual. Entenda-se por produção
intelectual: a produção artística, (poemas, narrativas, ensaios e obras literárias),
filosófica, religiosa ou científica onde, como bem afirma Paul Ricoeur (1976, p. 40),
a escrita toma o lugar da fala.
Para Ricoeur, a escrita não é apenas a fixação de um discurso oral prévio, a
inscrição de uma linguagem falada, mas é o pensamento humano diretamente
trazido à escrita sem o estádio intermediário da linguagem falada (RICOEUR, 1976,
p. 40). Certo é que racionalidade, linguagem, descrição e argumento, todos se podem
referir tanto a alguma realidade objetiva como a alguma teoria (crítica). Portanto, aos
efeitos de nosso estudo, concordamos com a ideia de que o conhecimento (subjetivo
e objetivo) e a linguagem estão estreitamente ligados.
Podemos operar com um dado conhecimento só quando esse adotou a forma da
linguagem. Destarte, por meio da linguagem (da palavra articulada), podemos nos
expressar, isto é, representar os pensamentos e as opiniões formados tendo como
base objetos, fenômenos e ideias. Assim, a linguagem aparece como um meio que
vincula as nossas mentes ao mundo.
Essa orientação foi consolidada pelas ciências, principalmente, a partir da obra
do primeiro Wittgenstein (1999, p. 62), para quem teria como objetivo explicar

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a natureza das sentenças, por considerar que elas figuram a realidade. Para
Wittgenstein as proposições se pronunciam apenas acerca do que está no mundo.
Portanto, tudo aquilo que diz respeito à ética não pode ser expresso por proposições.
Assim, conclui o autor:

Parece, então, que a elucidação – proposição é aquilo que pode ser


verdadeiro ou falso – determina o que é uma proposição, na medida
em que digo: o que se ajusta ao conceito ‘verdadeiro’, ou aquilo a que
o conceito ‘verdadeiro’ se ajusta, isto é uma proposição. É como se
tivéssemos um conceito de verdadeiro e falso, com o auxílio dos quais
podemos determinar o que é uma proposição e o que não é. O que
se engrena no conceito de verdade (como numa roda dentada) é uma
proposição. (WITTGENSTEIN, 1999, p. 69).

É obvio que devemos usar palavras (conceitos e categorias) para explicitar o nosso
conhecimento, isto é, para explicar uma ideia ou teoria. Para compreender o significado
do explicitado (explicado), investigamos (interpretamos) o sentido e o alcance da fala
ou da escrita, relacionando a ideia à palavra que a exprime. Assim sendo, todo homem,
em suas normais condições psíquicas, é capaz de falar, pois é capaz de compreender
os sinais e a reflexão da qual se serve intencionalmente. O homem fazendo uso
da linguagem é capaz de conhecer e refletir a realidade por meio do pensamento.
Ela (a linguagem) designa e expressa o pensamento, eis o nexo entre a linguagem,
o conhecimento e o mundo.
Contudo, quaisquer que sejam as prerrogativas da linguagem falada, as palavras
se perdem; daí a necessidade de fixá-las, expressá-las por meio da escrita. É nesse
sentido que o pensamento humano é trazido à escrita, tomando esta última o lugar
da fala (RICOEUR, 1976, p. 40). Percebe-se que a objetivação das normas em leis
escritas (na forma de comandos: proibições e permissões) também se apresenta
como uma necessidade no direito.
Entre as grandes vantagens da escrita podemos destacar a sua fixidez, sua
permanência. Fixando o pensamento, a escrita o coloca em condições de perdurar
no tempo e espaço, de falar aos ausentes e às gerações futuras. Assim, podemos
dizer que a escrita é a memória da humanidade.
Resumindo, da interconexão entre linguagem e direito podemos deduzir o seguinte:
1o) O conhecimento jurídico é o resultado da atividade humana, isto é, uma
assimilação ideal da realidade jurídica indispensável para o desenvolvimento da
ciência, sendo que tal conhecimento é a expressão de um sistema linguístico
(linguagem jurídica).

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506 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

2o) Existe uma estreita relação entre realidade, pensamento e linguagem, pois
as palavras (as figuras jurídicas) refletem propriedades (qualidades, quantidades
ou valores) já vistas nos fenômenos, nas coisas e, ainda, nas decisões e normas.
Assim sendo, sem uma ideia a exprimir, a palavra já não é palavra, mas mero som.
Todo pensamento permanece mais ou menos incompleto enquanto não se houver
revestido de sua expressão.
3o) A linguagem jurídica é um instrumento do conhecimento e de comunicação,
isto é, um conjunto de sinais destinados a exprimir o pensamento e prescrever
condutas, porém, antes de comunicar e de exprimir um sinal (proibir ou permitir),
precisamos de alguma coisa a significar, isto é, de uma conduta, de uma política, de
uma relação etc. Nesse sentido, o fim principal da linguagem jurídica é comunicar
ideias de organização, por meio de ordens ou comandos, mas também, a disseminação
de um conhecimento, de um agir conforme valores (consciência social: jurídica e
moral) e instruir, com suas regras e dispositivos, a quem lê, escuta e se interessa
pelas ciências e pela ordem normativa.
Assim, a finalidade da linguagem, isto é, do discurso jurídico, diferentemente
da de outras ciências, se molda a uma tipologia específica, a saber: valorativa,
descritiva, prescritiva. Assim, por exemplo, a linguagem científica (doutrinária) é
essencialmente descritiva e argumentativa (exemplo: A é B, por C) tendo como
função a descrição e a argumentação das teses. O juízo valorativo resulta da
linguagem valorativa na medida em que se faz possível quando invocamos valores
(Se A é Justo, A é Bom). Já o texto normativo se constrói com recursos próprios da
linguagem prescritiva (Se A é Ruim, deve ser proibido). Logo, não é permitido A ou
se A, deve ser B, mas, se não B, então C – sanção).
Destarte, o Direito se faz cada dia mais simbólico pela necessidade da
escrita (discurso). Observa-se que tanto as teorias quanto os códigos existem
como um sistema de signos, isto é, de símbolos, por meio dos quais se procura
explicar, descrever ou prescrever o fato ou a conduta. Devido a essa dialeticidade,
modernamente alguns autores se empenham em demonstrar que o Direito é um
texto – o Direito como Texto – buscando nesse texto, como objeto de estudo, os
problemas que nascem da lógica ou da interpretação (hermenêutica). A teoria é falha
quando unicamente coloca em relevância a norma, isto é, a linguagem prescritiva.
Esse é o sentido da Teoria Comunicacional do Direito, por meio da qual se propõe
uma nova leitura do direito tomando como tese principal que o Direito é um grande
fato comunicacional. Trata-se de uma concepção que tem em vista a perspectiva

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histórica numa análise longitudinal da realidade. Como visto, tal perspectiva teórica
situa-se no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe interessante combinação
entre o método analítico e o hermenêutico. Diz-se de uma nova e instigante Teoria
do Direito, que se ocupa das normas jurídicas no sentido de serem mensagens
produzidas pela autoridade competente e dirigidas aos integrantes da comunidade
social (ROBLES, 2005).
Certamente, por meio de dispositivos, o legislador comunica aos destinatários
semelhantes o dever ser, o comando que objetiva inibir a conduta humana.
A afirmação de que unicamente pelo fato da positivação de normas o aplicador
do direito há de agir seguindo o comando prescrito é utópica, é uma falácia.
Acontece que, na prática, com muita frequência, o aplicador desse direito
sujeita-se à sua própria convicção ao fazer uso da norma (dos princípios e das
regras) para concretizar a sua própria justiça. Assim sendo, é legitimo afirmar que,
se, por um lado, o direito é texto, por outro é também ação e tais características e
sentidos serão objeto de análise nos tópicos seguintes.

2.2 O direito como texto


Autores que consideram ser o Direito um texto insistem na ideia de que ele é
um mero sistema de comunicação. Por esse caminho, qualquer análise do fenômeno
jurídico há de ser feito “percorrendo o estudo do emitente, da mensagem, do meio e
do receptor” (ROBLES, 2005).
A concepção em estudo considera que o Direito se manifesta necessariamente
na forma de linguagem: se é linguagem, é texto. Contudo, todo direito é uma
mensagem expressa em forma de texto e espera-se, assim, superar a já criticada
“teoria normativa ou pura do direito” (ROBLES, 2005).
Conforme os ensinamentos de Gregório Robles (2005, p. 1-2), cada ordenamento
jurídico é um texto gerado por atos de fala, que denominamos decisões jurídicas.
As decisões geram texto num processo inacabado até que o ordenamento, por
qualquer razão, desapareça. Conforme o nosso autor, as decisões produzem
texto verbalizado cujas unidades elementares chamamos de normas jurídicas.
Essas normas jurídicas não são proporcionadas diretamente pelas decisões, mas,
em verdade, constituem o resultado de uma reconstrução hermenêutica que opera
sobre o material bruto do ordenamento. O conjunto das normas forma o sistema
jurídico, conceito paralelo ao de ordenamento, mas que não se confunde com ele

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508 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

porque o sistema também é produto da reconstrução hermenêutica do material


bruto que o ordenamento efetivamente é.
Para Robles, as decisões e as normas se articulam em torno de unidades mais
amplas, chamadas de instituições jurídicas, que refletem o aspecto organizador do
texto jurídico, o que não pode ser entendido como mera agregação de normas1. Veja-se
aí que, conforme esse argumento, o direito continua a ser norma prescritiva de conduta.
A contribuição da teoria radical implica a necessidade de orientar, por meio de tais
normas, o comportamento humano conforme os valores presentes na consciência
coletiva. Porém, essa teoria é falha, ao esquecer outros tantos domínios do Direito.
Dentre as teses propostas pelo autor, podemos citar as seguintes (ROBLES,
2005, p. 13, 19, 29):
a) o direito é texto: por trás do texto há mais coisas (como homens, interesses,
aspirações, ideias, bens, conflitos, decisões, poderes, sujeições, vinculações etc.);
b) o fenômeno jurídico se nos apresenta em forma de linguagem. Assim, o
Direito é um grande fato comunicacional; e
c) o Direito é um fenômeno de comunicação e não apenas uma ordem coativa
de conduta humana, um meio de controle social ou um ideal de justiça.
Assim, podemos atribuir ao reducionismo Roblesiano a seguinte repercussão
metodológica:
1. Contribuição epistemológica: Por meio da teoria comunicacional, nos é
apresentado o Direito, (não como um direito puro: ordenamento, mas como o material
empírico: sistema impuro2), objeto das pesquisas, que orienta o comportamento das
pessoas de tal modo que se estabeleçam os valores presentes na consciência coletiva.
2. Contribuição metodológica: A teoria aponta o método hermenêutico-analítico
como recurso necessário para a abordagem do direito escrito. Assim, nos fornece as
bases para novas formas (axiologia) de interpretação e de argumentação jurídica.
Quanto à contribuição da proposta do autor resumidamente, pode-se afirmar
que sua teoria se limita a apontar o modo universal de apresentação do direito na
comunicação humana, que como tal pode servir de ponto de partida para um enfoque

1 Tem especial importância a diferenciação entre o conceito de ordenamento e o conceito de sistema.


Para o autor, o ordenamento é o texto jurídico bruto, resultado da atividade de decisão, o sistema
representa o texto jurídico elaborado graças ao trabalho da dogmática jurídica. Esta não é entendida
como uma ciência descritiva, mas construtiva e prática; e o sistema que ela produz é o verdadeiro centro
de interesse da teoria do direito.

2 Consideramos a norma (conjunto de normas: ordenamento) um material impuro, pois os processos da sua
criação, interpretação e integração se ligam a outros fatores não normativos (sociológico, político e valorativo).

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teórico. A teoria não é incompatível com teses ontológicas fortes como aquela que
afirma que o direito é o justo, ou que sustenta que é fato social.
Em suma, a concepção do direito como texto nos convida a seguir e a observar
as perspectivas para a ciência, a saber:
a) pragmática – do ponto de vista pragmático (pragmática jurídica), propõe-se o
estudo dos contextos que determinam os usos linguísticos nos determinados sistemas
de comunicação visando a compreender a relação entre sujeito (comunidade), signos
(símbolos) e simbolizado (objeto);
b) semântica – do ponto de vista semântico, propõe-se o estudo da significação
dos conceitos (palavras ou signos) que visa a determinar o sentido e o alcance de
uma proposição conhecida em determinado tempo e espaço; e
c) sintática – do ponto de vista da sintática, orienta-se a investigação acerca da
relação existente entre os signos conferidos num texto e contexto.
Ora, ao reduzirmos o Direito a um texto, assumimos unicamente como relevante
para as pesquisas e a prática jurídica o caráter linguístico desta importante área do
saber humano; e isso significa reduzir todos os problemas e dimensões jurídicas a
um aspecto específico da ordem normativa escrita: seu texto. Essa, por sua vez, é a
maior crítica face à teoria comunicacional do direito, por envolver determinados
inconvenientes e obstáculos à concretização de direitos.

3 Os limites do direito posto: obstáculos à concretização em tempos de crise


Nesta seção serão abordados os chamados limites do texto positivado,
tratando-se de uma noção que integra os denominados pecados do positivismo, já
mencionados na seção 1.
Como apontado na introdução ao presente trabalho, a positivação de direitos pode
ser, de fato, uma condição da concretização de direitos pois, por meio dela, objetivamos
(tornamos concreto), sistematizamos e comunicamos uma mensagem. Mas acontece
que nem todo direito positivado é concretizado (nem concretizável) (hipótese 1).
Primeiramente, é louvável aceitar a ideia de que todo texto mesmo antes de
sua integração e aplicação precisa de interpretação, ou seja, passa por processo
pelo qual o agente (intérprete e aplicador do direito) tenta desvendar o sentido e o
alcance da norma posta em texto. Em segundo lugar, a concretização de direitos se
faz depender da sua interpretação e aplicação.
E aqui surge um interessante problema, como bem assinala Carlos Maximiliano
(1996, p. 11): uma intepretação pode decorrer das dúvidas surgidas após a

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510 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

promulgação dos instrumentos jurídicos sobre a aplicação de dispositivos bem


redigidos, uma vez que o legislador oferece preceitos abstratos, traçando os
delineamentos exteriores da ordem jurídica, dentre os quais o intérprete acomoda
isoladamente o caso concreto.
Assim, os problemas da interpretação, da integração (da aplicação) e da
consequente concretização de normas e direitos também estão vinculados à
linguagem e à lógica jurídica e, por este motivo, ao se interpretar deve-se utilizar o
método exegético-analítico, com o qual se verifica a intenção do legislador, por meio
da análise do sentido das palavras utilizadas no texto (SERRANO, 2015).
Nesse sentido, o conhecimento do uso da linguagem e da lógica jurídica nos
permite entender corretamente o sentido dado à redação da norma. Igualmente, o
conhecimento do uso da linguagem e da lógica jurídica é ferramenta fundamental
que nos permite argumentar uma sentença, fundamentar adequadamente um
relatório e realizar todo o trabalho de aplicação da lei (SERRANO, 2015).
Mas, com quais obstáculos nos deparamos nos processos de interpretação,
integração e concretização? Eis aqui a nossa resposta:
No decorrer dos citados processos nos deparamos com os seguintes problemas:
1 Tecnicismos jurídicos, o desconhecimento ou mal uso das técnicas legislativas,
assim, por exemplo: a) excessos de proibições (normas proibitivas); b) uso e
abuso de conceitos abstratos (generalidade versus abstratividade); c) lacunas no
ordenamento, lacunas legais, omissão não intencional ou voluntária; d) falta de
objetividade jurídica; e) conflito e relação entre normas (falta de coerência ou de
validade normativa).
2 Ausência de meios (ou mecanismos) de concretização, problema esse oriundo da:
omissão do Estado; b) ineficácia das políticas públicas; e c) falta de Ética pública.
3 A ação humana, problema oriundo da:) ausência de vontade política e b) falta
de consciência social: jurídica e moral.
A seguir, de forma resumida, cuidaremos do significado desses obstáculos para
a concretização de direitos na sociedade em tempos de crise.
A respeito dos excessos de proibições (normas proibitivas) que geram burocracia,
informalidade e corrupção vale lembrar que: “a lei é imperativa para um e, desse
modo, permissiva para outro. Ao obrigar um indivíduo a certa conduta para com
outro indivíduo, a norma jurídica garante a este a conduta correspondente daquele”
(KELSEN, 2005, p. 110).

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O problema presente se refere às proibições estabelecidas em detrimento dos


direitos humanos. Assim, por exemplo:
– a proibição de ir e vir dentro de um determinado Município, Estado ou País;
– a prescrição de salários desiguais para homens e mulheres que desenvolvem
a mesma função ou trabalho;
– as proibições e os limites impostos à atividade por conta própria, a
transferências, compra ou permuta de um imóvel (casa), veículos etc.;
– as proibições que não contribuem para a simplificação dos trâmites para abrir
ou registrar uma empresa; e
– as proibições que contribuem para a não desburocratização econômica (a
obtenção de financiamentos para empresas).
A respeito dos abusos de termos (conceitos) abstratos, colocamos em destaque
os conceitos de generalidade3 versus o de abstratividade4. Vejamos.
Defesa: Além de ser geral, diz Vasconcelos (1978, p. 182) que:

[...] a norma jurídica deveria ser abstrata, isto é, teria de preceituar em tese.
Generalidade e abstratividade seriam meios imprescindíveis, na concepção
do legislador, à garantia da idoneidade da lei mantendo-a à margem das
disputas pessoais. Aspirava-se assegurar a certeza do direito, único valor
que o positivismo soube distinguir.

Crítica: A norma de direito fundamental tem como caraterística fundamental sua


universalidade (alcança a todos), que não é condição da abstratividade, que além de
eliminar, origina disputas pessoais. Logo, uma menor abstratividade é condição da
melhor interpretação e consequente concretização. Assim, deve-se evitar o uso de
termos vagos e ambíguos, por serem aqueles que originam a subjetividade: “que deve
ser corrigida por quem aplica o direito, pois em alguns casos o legislador diz mais e
em outros menos” (SERRANO, 2019, p. 20).
Igualmente, a procura abusiva (em excesso) por novos conceitos retira da
ciência sua segurança, certeza e a degrada em trabalho manual. Tais excessos
podem ser considerados a-científicos, por travarem uma luta de vida ou morte
com a ciência. Então, surge uma multidão de autores, montanhas de citações,
convidando o cientista a fazer literatura de segunda mão com tesouras. Isso

3 A norma é geral, porque seu preceito se dirige indiscriminadamente a todos. Especificando melhor: a
todos, segundo a igualdade de situações.

4 De difícil compreensão, termo impreciso, obscuro.

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512 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

aconteceu na época dos pós-glosadores e, depois, no século XVII e no século


atual (IHERING, 2005, p. 57-58).
Dessa forma, como Aristóteles ensinaria:

[...] não basta a ciência ser internamente coerente: ela deve também ser
ciência sobre a realidade. Desse modo, não é suficiente que ela parta de
axiomas e teses, desenvolvendo-se dedutivamente com rigor lógico. A
definição nominal diz apenas o que uma coisa é, mas não afirma que ela é,
ou seja, que realmente existe. Afirmar a existência seria, assim, mais do que
apresentar uma tese, explorar o significado de uma palavra: seria assumir
uma hipótese. Por meio de hipóteses, cada ciência afirma a existência de
certos objetos [...]. (ARISTÓTELES, 1999, p. 19).

Quanto às lacunas legais: omissão não intencional ou voluntária (ausência de


regra), dever-se-ia estabelecer uma distinção entre as lacunas no ordenamento,
inexistência de lei e as lacunas da lei, deficiência na lei, inexistência de uma norma
ou regra aplicável ao caso concreto, problema que inspirou a regra de hermenêutica
contida no Decreto-lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro): “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”
Da mesma forma, fala-se da falta de objetividade jurídica das normas,
assim resumida:
a) Objeto, determinação do objeto de regulação normativa. Exemplo:
“publicidade” veraz: não abusiva e não enganosa – em relação aos artigos 37 e
seguintes do CDC.
b) Sentido, “prescrição de uma obrigação legal”. Exemplo: condição de veiculação,
fundado nos princípios: Identificação e Transparência.
c) Alcance, sujeito ou destinatário da norma. Exemplo: qualquer “fornecedor” de
produtos ou serviços.
Quanto à ausência de meios (ou mecanismos) de concretização com muita
regularidade ou como meio ou mecanismo de concretização podemos fazer
referência às políticas públicas e ações afirmativas (ineficientes). Tais problemas são
oriundos dos seguintes conflitos:
– Qual é o papel ou a função do Estado?
– Intervencionismo ou não intervencionismo?
Primeiro: a intervenção (estatalismo) é, de fato, uma interferência maior.
Segundo: a não intervenção (liberalismo) é, também, uma interferência maior.
Então, qual seria a interferência moderada? A social democracia?

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Em relação a ação humana, vontade, consciência e o efeito do presente estudo,


afirmamos que a maior dificuldade encontrada no empenho da concretização dos
Direitos Humanos e Fundamentais é a falta de vontade política e a ausência do
interesse das instituições estatais e sociais.
Logo, a falta de uma ética pública torna impossível a implementação desses
direitos, cuja aplicação, com muita frequência, “envolve grandes interesses
econômicos e políticos” (DIMOULIS, 2011, p. 55).
Ressalta-se que isso se torna evidente na própria definição de direitos humanos:
Direito do homem é aquele cujo reconhecimento é condição necessária para o
aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização. A
maior dificuldade são os termos avaliativos interpretados de modo diverso conforme
a ideologia assumida pelo intérprete. Mas as contradições nascem quando se passa da
teorização e enunciação verbal para a aplicação prática (BOBBIO, 2004, p. 18).
Por ser, também, considerado o direito uma ciência da ação, importa, então,
prestar atenção na relação existente entre enunciados (enunciação) e concretização.
Assim, por exemplo: Se é A, B deve ser e Se você quiser B, faça C.

4 A concretização: do texto à ação em tempos de pandemia


Na presente e última seção cuidaremos da hipótese de trabalho de número 2: no
mesmo sentido, nenhum direito se concretiza por si só. Porque, como será analisado,
não basta o direito ser posto em texto de lei, importa a ação humana, que é movida
pela vontade e a consciência.
Como visto, o conhecimento jurídico se objetiva por meio da fala ou da escrita.
Ele se torna fisicamente objetivo e acessível a todos por meio do discurso. É no
discurso onde usamos construções linguísticas simbólicas (signos) que nos auxiliam
na objetivação das nossas ideias e concepções. Recorremos aos signos para
representar objetos e explicar fenômenos. Assim, as palavras surgem como sinais
sensíveis e necessários da comunicação jurídica. Chama-se de signo ao aspecto
material da palavra (o som, a escrita) por meio dos quais designamos os objetos,
isto é, toda coisa ou toda representação, de que temos consciência. É por meio da
combinação de palavras que objetivamos o nosso pensamento.
Dessa forma, “uma palavra”, afirma Paul Ricoeur (1976, p. 13), “por si mesma
não é verdadeira nem falsa, embora uma combinação de palavras possa significar
alguma coisa e, no entanto, nada apreende. O suporte deste paradoxo é, mais uma
vez, a frase e não a palavra”.

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514 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

As palavras que constituem a linguagem são termos que resultam de uma razão
e de uma necessidade, pois, por meio das palavras, representamos as ideias que nós
formamos sobre as coisas ou fenômenos. Assim, por exemplo, as palavras: imaginar,
compreender, conceber, instalar, degustar, confusão, tranquilidade etc. são todas
tomadas das operações das coisas sensíveis e aplicadas a certos modos de pensar.
Nesse sentido, Leibniz considerava que:

[...] sendo as palavras empregadas pelos homens para serem sinais das
suas ideias, podemos perguntar primeiro como é que estas palavras
receberam um sentido determinado. Ora, temos que convir em que tal
acontece, não por algum nexo natural que existiria entre certos sons
articulados, e certas ideias (pois neste caso só haveria uma língua entre
os homens), mas em virtude de uma convenção arbitrária, em razão da
qual certa palavra se tornou o sinal de certa ideia. (LEIBNIZ, 1996, p. 267).

Certamente durante o processo de análise e resoluções dos problemas jurídicos


procuramos estabelecer relações entre os fenômenos, por meio de palavras, termos
ou nomes. Assim, com as palavras representamos situações e relações de direito quer
voluntárias quer involuntárias por exemplo: contrato – casamento – morte – nascimento,
nessas sequências, e, concluímos, que a morte e o nascimento são fatos jurídicos e
contrato e casamento, mais do que simples fatos, são atos jurídicos. A significação de
tais construtos dá-se pela definição aceita na doutrina construída na própria ciência.
Tais recursos linguísticos servem para relacionar as unidades de observação com as
variáveis, ou estas últimas entre si. Assim, o contrato é uma relação jurídica que, com
caráter patrimonial, vincula a duas ou mais pessoas. Eis uma definição que deriva da
relação entre os construtos: contrato, relação jurídica, patrimônio.
Pois bem, por meio das palavras ou termos designamos as propriedades,
qualidades, quantidades das pessoas, fenômenos e coisas. Tal designação ajuda na
formação das ideias que temos do mundo que nos cerca, ou seja, na distinção das
pessoas: jovem, velho, alto, calvo, inteligente, magro etc. e das coisas: doce, salgado,
preto etc. No caso específico do Direito, usamos denominações especificadoras
para indicar um aspecto (campo de ação) mais concreto do conceito: exemplos:
Direito – Direito Civil; Norma – Norma Jurídica; Relação – Relação Jurídica; Contrato
– Contrato do Trabalho.
Assim, a linguagem facilita a passagem da norma pensada à regra escrita,
tornando-se a escrita num verdadeiro dado, um instrumento de realização da vontade
do legislador que deveria representar a vontade da sociedade. Todavia, a linguagem
é o instrumento de concretude da Ciência do Direito, nasce aqui a ideia do discurso

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escrito como uma interessante perspectiva do Direito. Nesse sentido, na escrita se


traduz o pensamento do jurista teórico (doutrinador) do jurista prático (operador do
direito: legislador, juiz, advogado, promotor etc.).
Entenda-se a escrita como a produção intelectual e normativa. É o recurso
por meio do qual passamos do discurso oral ao escrito, ora sustentado nos tipos
de linguagem, a saber, explicativa (descritiva) ou prescritiva. Certo é que a escrita
simboliza a realidade objetiva que se explica ou se prescreve como é o caso das
teorias e da ordem normativa. Entre as grandes vantagens da escrita (Direito escrito)
é a fixação do pensamento buscando a aproximação da norma jurídica.
Daí a importância atribuída à Teoria Hermenêutica e à Prática da Argumentação
Jurídica. Temas: Discurso jurídico. Argumentação e raciocínios. Persuasão e Verdades
jurídicas (SERRANO, 2017).
O reducionismo lógico coloca o Direito como resultado das operações lógicas.
O conhecimento do uso da linguagem e da lógica jurídica permitiria entender
corretamente o sentido dado à redação da norma. Igualmente, o conhecimento do
uso da linguagem e da lógica jurídica é ferramenta fundamental que nos permite
argumentar uma sentença, fundamentar adequadamente um relatório e realizar
todo o trabalho de aplicação da lei.
A lógica formal é, consoante se vê, o estudo das estruturas formais do
conhecimento, ou do pensamento sem conteúdo, isto é, dos signos e formas
expressionais do pensamento, em sua consequencialidade essencial. No campo da
Lógica formal, o que importa é a consequência rigorosa das proposições entre si, e
não a adequação de seus enunciados com os objetos a que se referem (REALE, 2002).
Certamente, o Direito, sendo uma ciência, também tem sua Lógica. Há uma Lógica
Jurídica ou uma Lógica do Direito, que trabalha, evidentemente, com categorias ideais,
porquanto toda Lógica só o é em razão de objetos ideais. Isto não quer dizer, porém,
que a Ciência Jurídica seja toda ela reduzível a uma Lógica ou só concebível segundo
estruturas lógico-formais. A Lógica condiciona todo conhecimento científico, mas
não esgota esse condicionamento. Juristas contemporâneos acabam reduzindo o
Direito a uma ciência puramente ideal. Assim, por exemplo, para alguns seguidores
de Hans Kelsen a Ciência do Direito é uma ciência que tem por objeto normas,
entendidas estas, como puros juízos lógicos e objetos ideais. Esta tese que se
continha na formulação originária da chamada “Teoria Pura do Direito”, se apresenta
com muitas ramificações, em vários países, inclusive na América Latina e no Brasil.
Mas, posteriormente, Kelsen veio a reconhecer que a norma jurídica não é mera

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516 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

entidade lógica e que a questão primordial para toda a teoria do Direito, não é um
problema de Lógica (REALE, 2002, p. 185).
Como nem sempre há um deslinde claro entre o texto e a concretização,
resulta interessante responder as seguintes indagações: a) O que é concretização?
(Significação); b) Quem ou a quem cabe concretizar? (Responsabilidade do Estado
ou Responsabilidade social); c) Quem ou a quem cabe controlar? (Quem é o nosso
ombudsman); d) O que concretizar? (Direitos concretizáveis: constitutivos das
dimensões dos Direitos humanos e fundamentais); e) Como concretizar? (Mecanismos
de concretização); f) Para que concretizar? (Funcionalismo e Perspectivas do Direitos
humanos e fundamentais). Vejamos:
a) O que é concretização? Os Direitos humanos fundamentais podem e devem ser
concretizados pois nada vale o reconhecimento histórico e legal desses direitos se
eles não são realizáveis. Mas, o que entendemos por concretização?
Por concretização entendemos a efetivação dos direitos já consagrados nas
legislações nacionais e internacionais. Assim, importa voltar o nosso olhar para a
efetividade do direito ao invés de olhar para o seu caráter formal.
Definimos a concretização como o estado, a condição e o efeito que permite a um
direito se tornar concreto ou possível de implementação ou realização. Certamente,
nada vale um Direito sem direitos realizáveis, isto é, um direito positivado mas não
desfrutável e distante da realidade. Cumpre salientar que, em época da pandemia
COVID-195, muitas mudanças normativas tiveram destaque (MARTINEZ, 2020a, 2020b).
Uma coisa é proclamar esses direitos, outra é desfrutá-los efetivamente, sendo
que, existe uma diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e
protegido (BOBBIO, 2004, p. 9). Daí a luta por uma concretização efetiva dos Direitos
Humanos e Fundamentais.
b) Quem pode ou a quem cabe concretizar? (Responsabilidade do Estado ou
Responsabilidade social). Os direitos humanos e fundamentais como direito erga omnes6.
Conforme explica Alexy (1998a), a concretização dos direitos humanos exige
a necessidade de um Estado constitucional democrático. Por um lado, os direitos

5 COVID-19, sigla em inglês para Coronavirus disease 2019, que causa doença respiratória. Inicialmente
registrada na China e depois disseminada por todos os outros países, inclusive o Brasil, é grave, e tem
número alto de contágio – o que pode levar o paciente a número significativo de internações e óbito
–, resultou em medidas emergenciais do governo tanto no âmbito federal e estadual quanto municipal,
dentro de suas competências, para fazer frente às realidades específicas (MARTINEZ, 2020c, p. 1).

6 Em latim, que significa "contra todos", "frente a todos" ou "relativamente a". Direito de todos, que vale
para todos (tradução nossa).

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fundamentais são direitos contra o Estado; por outro, os direitos humanos são,
também, direitos frente aos outros seres humanos. Logo, a concretização tem como
condição prática o diálogo entre os objetivos estatais (plasmados em normas jurídicas
gerais e abstratas) e os objetivos dos cidadãos (nexo materializado nos textos legais).
“O Estado e as empresas devem contribuir para a efetivação dos referidos direitos
e participação direito no conceito de desenvolvimento sustentável vinculando-se a
um triângulo que relaciona objetivos sociais, econômicos e ambientais.” (MARTINEZ;
COSTA, 2016, p. 241; MARTINEZ, 2020a).
c) Quem ou a quem cabe controlar? Quem é o nosso ombudsman7? Se, por um
lado, os direitos fundamentais são direitos contra o Estado; mas, por outro, são,
também, direitos frente aos outros seres humanos, a mera incorporação dos direitos
fundamentais numa Constituição não basta. A pergunta decisiva consiste em saber
quem deve controlar a observância dos direitos fundamentais. Existem duas respostas
fundamentais: o processo democrático (1) ou um tribunal constitucional (2).
(1) O legislador deve ser controlador exclusivamente mediante o processo
democrático, importa, assim, um Estado democrático de direito.
(2) Um tribunal constitucional deve ser o controlador, importa, assim, o Estado
constitucional democrático.
Porém, a relação entre o Estado democrático de direito e o Estado constitucional
democrático não é de restrita alternativa, mas de complementação, pois um e outro
são condições necessárias para a institucionalização dos direitos humanos, mas são
insuficientes. Devem ser complementados com uma jurisdição constitucional em
face de um Estado constitucional democrático. O Estado democrático de direito não
é nada mais do que a união do Estado formal de direito com a democracia, por meio
do qual se garanta a autonomia e a correção (ALEXY, 1998a).
d) O que concretizar? Todos os direitos históricos, presentes e futuros, consagrados
e expressos nas chamadas dimensões, podem e devem ser progressivamente
concretizados. Direitos incluídos nas dimensões presentes e futuras, todos
relacionados à Convivência Social, que se sabe condicionada.
e) Como concretizar? (Mecanismos de concretização) Quais são os mecanismos
(M = meio) de concretização?
i) um sistema democrático (democracia); e
ii) princípio reitor: Convivência Condicionada.

7 A instituição ombudsman é denominada de diversas formas, a saber, Defensor do povo, Procurador dos
Direitos Humanos, Procurador dos Direitos do Cidadão, Comissionado do Parlamento, Provedor de Justiça etc.

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518 A concretização dos direitos humanos e fundamentais

O direito à participação no processo da formação da vontade estatal é um direito


humano. Esse direito humano, na forma de direitos fundamentais políticos, abrange
a liberdade de opinião, reunião, associação, imprensa, até ao direito de sufrágio geral
direto. Um segundo argumento se refere à correção da legislação. Assim, as leis que
violam os direitos humanos seriam leis incorretas. Portanto, o conceito de correção
conecta o conceito de direitos humanos com o conceito de democracia. A democracia
seria, assim, a perfeita garantia dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.
Toda tensão entre direitos fundamentais e democracia estaria eliminada, pois
direitos fundamentais e democracia estariam reconciliados sem reserva.
A concretização de direito exige tanto políticas públicas coerentes e permanentes
que devem ser oriundas do Estado (Poderes Públicos) quanto a atuação dos diversos
componentes da sociedade: pessoas naturais (solidariedade) e jurídica (cidadania
organizacional e empresarial), sob os princípios de Cidadania plena e solidariedade,
cuja responsabilidade é do Estado, dos cidadãos e dos concidadãos.
O princípio da solidariedade aponta para a responsabilidade para que
haja uma convivência social justa. Pois bem, os direitos humanos são direitos
de indivíduos e grupos, reconhecidos como tal em tratados e declarações
internacionais, que integram o direito internacional consuetudinário.
Consideram-se, assim, os direitos humanos como um conjunto de direitos e
garantias, cujo reconhecimento há de tornar possível a dignidade humana,
imprescindível à convivência social justa, próspera, pacífica e livre das agressões e
abusos oriundos, não só dos Estados, mas também das condutas imorais e ilícitas
dos concidadãos (HUMAN RIGHTS, 2014).
f) Para que concretizar? a resposta reservada para essa questão exige o estudo
do funcionalismo jurídico, por meio do qual se resumem as perspectivas dos Direitos
humanos e fundamentais. Por um problema de espaço, o funcionalismo nessa área
do saber humano será objeto de abordagem em próximos ensaios.

5 Conclusão
Não é viável afirmar seriamente que a aplicação (concretização) depende
unicamente da positivação das normas jurídicas.
Há, no mínimo, seis obstáculos à aplicação (concretização) de direitos, a
saber: a) imprecisão da linguagem do Direito; b) possibilidade de conflitos entre
as normas; c) possibilidade de haver casos que requeiram uma regulamentação
jurídica; d) possibilidade, em casos especiais, de uma decisão contrária à

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literalidade da norma; e) ausência de meios ou mecanismos de concretização; e


f) falta de vontade e consciência.
Direitos humanos e fundamentais são direitos morais universais e, por esse motivo,
todos devem ter igualdade de ter esses direitos e, consequentemente, oportunidades.
Acontece que somos iguais em dignidade, mas não em atitudes. Portanto, é ilusória
a afirmação de que somente as sociedades não capitalistas geram igualdades e se
preocupam com a não pobreza em tempos normais ou de crise.
Na prática, nessas sociedades, assim como nas sociedades capitalistas já
existiam desigualdades e injustiças manifestas antes e durante o processo de crise
(pandemia). Há uma diferença visível entre as condições de vida nas sociedades
modernas, razão pela qual importa a tomada de consciência para ações que
objetivem o bem-estar social em tempos de pós-pandemia.
Não existe no mundo sociedade igualitária. Logo, a discussão acerca da negação
das liberdades como premissa para erradicar as desigualdades sociais é vazia, pois
com a negação das liberdades só se propicia o não desenvolvimento, a exclusão social
e, consequentemente, a não concretização dos direitos humanos e fundamentais.
A eliminação da pobreza e das desigualdades em tempos de crise e mesmo
de pós-pandemia somente é possível por meio da promoção dos direitos sociais,
condição para inclusão e perfazimento da cidadania plena e da igualdade de
oportunidades, sendo, portanto, responsabilidade de todos, e principalmente do
Estado e da sociedade (setor público e privado). Por esse caminho, a edificação da
consciência deve se sobrepor ao egoísmo, à corrupção e ao lucro não ético. A riqueza
obtida pelo trabalho e a contribuição social não deve ser objeto de preocupação.
O que deve preocupar é a riqueza ilícita e imoral: a criminalidade e a corrupção.
Todos somos iguais em dignidade (dignidade da pessoa humana), em direitos e
em oportunidades. Importa, logo, disseminar e conscientizar as atuais e as futuras
gerações a respeito dessa condição imprescindível ao desenvolvimento, à existência
digna e à justiça social.

6 Referências
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4
522

O processo estruturante como meio de


alcance da igualdade formal: um caminho
para o desenvolvimento
SANDRO SOUZA SIMÕES
Doutor pela Università Del Salento/Lecce (Itália). Mestre em Direito (UFPA).
Professor da Graduação e da Pós-Graduação (CESUPA). Professor Assistente
Convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Investigador
do Centro de Investigação em Teoria e História do Direito (Portugal).

JULIANA FREITAS
Doutora em Direito (UFPA), com período na Universitá di Pisa (Itália). Mestra em
Direito (UFPA). Professora da Graduação e da Pós-Graduação em Direito (CESUPA).

CAMILA DE PAULA RANGEL


Mestranda em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA).

Artigo recebido em 28/2/2020 e aprovado em 27/9/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O Direito se adaptando à realidade... 3 A superação de padrões


processuais tradicionais 4 Igualdade formal em foco: um caminho para o desenvolvimento
5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Este artigo aborda a importância do processo estruturante para o alcance


da igualdade formal, em um caminho para o desenvolvimento. Ao longo deste
trabalho, a partir da metodologia de pesquisa bibliográfica, foi possível identificar o
processo civil de interesse público com a tutela de direitos coletivos. A percepção do
processo como instrumento de concretização de valores constitucionais, somadas à
judicialização e ao ativismo judicial foram identificadas como premissas essenciais
ao desenvolvimento do tema. A nova compreensão das funções processuais, com
o incremento de técnicas de participação democrática por meio do processo de
cooperação e diálogo foram essenciais ao próprio desenvolvimento das premissas
acima elencadas, culminando com o atual momento vivenciado, em busca da
efetividade processual. Compreendeu-se a inadequação do modelo individualista de
processo frente aos novos direitos, ligados aos valores constitucionais e de proteção
das coletividades, e à sociedade contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Estruturante Igualdade Formal Desenvolvimento.

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The structuring process as a means of reaching formal equality: a way to development

CONTENTS: 1 Introduction 2 Law adapting to reality... 3 Overcoming traditional procedural


standards 4 Formal equality in focus: a path to development 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This article addresses the importance of the structural process as a formal
equality, in a path to development. Throughout this text, with the bibliographic
research methodology, it was possible to identify civil proceedings of public
interest with the tutelage of collective rights. The perception of the process as an
instrument of concretization of constitutional values, added to judicialization and
judicial activism were identified as essential premises for the development of the
theme. The new understanding of the procedural functions, with the increase of
democratic participation techniques through the process, cooperation and dialogue
were essential to the development of the premises listed above, culminating with
the current experience, in search of procedural effectiveness. It was understood the
inadequacy of the individualistic process model in face of the new rights, linked to
the constitutional and protection values of collectivities, and to contemporary society.

KEYWORDS: Structuring Process Formal Equality Development.

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524 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal

El proceso de estructuración como un medio para lograr la igualdad formal: un


camino hacia el desarrollo
CONTENIDO: 1 Introducción 2 La ley adaptada a la realidad... 3 Superar las normas de procedimiento
tradicionales 4 Igualdad formal en foco: un camino hacia el desarrollo 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: Este artículo aborda la importancia del proceso de estructuración para


el logro de la igualdad formal, en un camino hacia el desarrollo. A lo largo de
este trabajo, adoptando la metodología de investigación bibliográfica, fue posible
identificar el proceso civil de interés público con la protección de los derechos
colectivos. La percepción del proceso como un instrumento para la realización de
los valores constitucionales, sumado a la judicialización y el activismo judicial,
fueron identificados como premisas esenciales para el desarrollo del tema. La
nueva comprensión de las funciones procesales, con el aumento de las técnicas
de participación democrática a través del proceso, la cooperación y el diálogo,
fueron esenciales para el desarrollo de las premisas enumeradas anteriormente,
que culminaron en el momento experimentado actual, en busca de la efectividad
procesal. La inadecuación del modelo de proceso individualista se entendió en vista
de los nuevos derechos, vinculados a los valores constitucionales y de protección de
los colectivos, y a la sociedad contemporánea.

PALABRAS CLAVE: Proceso de Estructuración Igualdad Formal Desarrollo.

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1 Introdução

As modificações das estruturas processuais têm ocorrido diante da ineficiência,


quanto ao alcance da justiça, dos modelos tradicionalmente estruturados,
não apenas no common law, por meio da concepção de processo civil de interesse
público e de public law litigation/public interest litigation1, como também no civil law,
por meio da expansão da tutela de direitos coletivos. É possível notar que ambos
os sistemas apresentavam perspectivas aparentemente distintas para os mesmos
problemas o que, no fundo, pode ser identificado como a necessidade de tutela
jurisdicional adequada, em especial para os direitos coletivos lato sensu.
A efetividade processual é um dos componentes mais valiosos da ciência
processual em seu momento contemporâneo. Definidas as bases científicas e teóricas
da ciência processual e analisados os seus institutos, é chegado o momento de se dar à
execução a relevância necessária ao papel que cumpre na realização da ordem jurídica
justa. E é sob o ponto de vista da efetividade que se justifica o presente trabalho.
Por décadas, analisada como atividade material despida de conteúdo
jurisdicional, pode-se hoje afirmar como estando superada a míope concepção, já
que a tutela satisfativa é parte integrante do conceito de jurisdição, e ela deve ser
entendida não apenas como a atuação judicial de dizer o direito como também de
satisfazê-lo. Com a evolução da ciência jurídica, não apenas o direito processual se
modificou. O direito como um todo sofreu grandes influxos da alteração de seu polo
metodológico, da Constituição para o Código Civil, norma parâmetro de validade e
interpretação de todo o ordenamento jurídico. O influxo de novas ideias jurídicas,
políticas e filosóficas somado às modificações da própria estrutura social fizeram
perceber que os instrumentos processuais tradicionais não estavam completamente
afinados com as necessidades do direito material debatido em juízo.
As relações jurídicas cada vez mais globalizadas e as mudanças no tráfego jurídico
trouxeram para o debate novas necessidades e, consequentemente, o desenvolvimento de
novos instrumentos para a completude da tutela jurisdicional. Visto que são o direito e o
processo fenômenos socioculturais, não poderia ser diferente. Paralelamente à evolução
da sociedade e das relações jurídicas, o Poder Judiciário cada vez mais foi provocado para
solucionar as infindáveis controvérsias jurídicas surgidas no mundo contemporâneo.
A judicialização é uma realidade. E o Judiciário foi além: a postura de histórica
deferência (e quase subserviência) aos demais Poderes (Legislativo e Executivo)

1 Litígio de Direito Público/litígio de interesse público (tradução nossa).

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526 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal

foi, aos poucos, cedendo espaço à atuação cada vez mais proativa, criativa e ousada,
o que pode ser interpretado como ativismo judicial. Nesse ponto, cabe observar
que o presente trabalho, a partir de uma metodologia de pesquisa bibliográfica,
não se propõe a identificar o acerto ou desacerto da postura ativista, ou seja,
sobre a análise da legitimidade constitucional-democrática do ativismo judicial;
ao invés disso, toma esse fato como existente na prática e parte desse pressuposto
para enfrentar o problema sob a perspectiva estritamente da técnica processual.
A partir das novas bases e situações jurídicas, o direito processual teve que se
desenvolver e se adaptar às necessidades até então ignoradas, e, partindo do
imperativo de se resguardar os direitos e garantias fundamentais no exercício
da função jurisdicional, o direito processual identificou a igualdade formal,
prevista no artigo 5o, caput, da Constituição Federal (“todos são iguais perante a
lei...”), como esse imperativo, para que, então, consigamos alcançar um dos nosso
objetivos como República Federativa do Brasil que somos, que é o de garantir o
desenvolvimento nacional (BRASIL, 1988, art. 3o,II).
Assim, com o objetivo de trazer (algumas) bases da fundamentação acerca do
processo estruturante como um elemento de efetivação do desenvolvimento de uma
sociedade, alcançada por decisões mais justas porque construídas a partir das dados
e contextos sociais, esse trabalho enfrenta, como problema a seguinte indagação:
a atuação das partes, e do próprio Judiciário, em um processo, precisam ser repensadas
de modo a garantir a promoção do desenvolvimento com a efetiva compreensão, e
aplicação, da igualdade formal, no exercício de atribuir justiça às decisões?
No trabalho, que traz um desenvolvimento composto por 3 (três) seções,
consideramos incialmente como o Direito – como Ciência Social que é – deve se
adaptar constantemente às exigências impostas pela complexidade e cada vez maior
prolixidade das relações; e como devem sanados os conflitos oriundos e decorrentes
da sua constituição. Seguimos para enfrentar, na seção seguinte, a necessidade
de superação dos padrões estabelecidos tradicionalmente no que diz respeito à
efetivação do acesso à justiça, mais pontualmente, sob a sua perspectiva material.
E, finalmente, encerramos nosso estudo identificando a igualdade formal como um
dos princípios basilares do processo estruturante, na medida em que lhe compete
subsidiar o afastamento de situações juridicamente distintas, de fato, e a aproximação
daquelas idênticas, de modo a garantir, não a certeza do julgamento, mas a sua justiça;
e, para tanto, é fundamental que tanto as partes processuais como o próprio Judiciário
reconheçam que o seu papel, nessa relação jurídica, deve ser repensado.

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2 O direito se adaptando à realidade...


A percepção dessa nova realidade jurídica deu ensejo ao estudo do fenômeno
do que se entende por processos civis de interesse público, com características
peculiares e distintas do modelo histórico individualista. Considerando que se trata
de conceito utilizado em ordenamentos do direito comum (common law) e também em
certos países do direito legislado (civil law), como o próprio ordenamento brasileiro,
o presente estudo busca identificar e sistematizar suas principais características.
Para isso, foi necessário responder à indagação sobre o que se entende por processo
civil de interesse público e o que isso significa no direito brasileiro.
Nessa caminhada, é imprescindível, ainda, enfrentar um dos pontos mais
nevrálgicos dos processos de interesse público, relacionado à sua fase satisfativa, mais
especificamente, à execução das decisões condenatórias que estabeleçam prestações
de fazer complexas. Se o processo de interesse público impôs a releitura de diversos
dogmas processuais individualistas, o mesmo se pode dizer quanto à fase satisfativa.
O recorte metodológico da execução judicial de obrigações de fazer complexas
se justifica na medida em que se trata do aspecto mais sensível da fase satisfativa
dos processos civis de interesse público, onde há maior dificuldade de efetivação
das decisões e de superação da crise de direito material. A sociedade e as relações
jurídicas se tornaram complexas. O mesmo se pode dizer em relação às diversas
prestações a serem efetivadas pelo Judiciário.
Como os sujeitos processuais devem lidar com a satisfação de obrigações
complexas, como a de recuperação de danos ambientais em larga escala, que
atingem dezenas de cidades, milhões de pessoas? De que forma se deve efetivar
decisão condenatória transitada em julgado que determina a matrícula de todas as
crianças menores de seis anos de idade em creches e pré-escolas de determinada
localidade? Esses são alguns dos questionamentos que deixam clara a dificuldade
prática de efetivação de decisões condenatórias a obrigações de maior complexidade,
em especial quando implicam restrição de direitos fundamentais.
A importância da matéria é notória, pois envolve justamente a tutela de
valores amparados pela norma constitucional, como a dignidade da pessoa humana
e especialmente o direito à igualdade formal, e demais direitos fundamentais,
especialmente amparados pelo teor do artigo 5o, da Constituição da República.
É necessário perceber que a observância a esses valores é também um
caminho para que a sociedade atinja o desenvolvimento necessário para que

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528 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal

sejam fornecidas respostas adequadas aos seus anseios, advindos de relações


sociais complexas e delicadas.
É de se afirmar que não se tem a pretensão de, no âmbito dessa abordagem,
esgotar a matéria no que tange ao estudo dessas formas de tutela. Mais uma vez
se diz, por ser relevante, que isso se dá em função da necessidade de corte de
conhecimento, uma vez que a pesquisa precisa ter aderência temática. A questão
metodológica precisa ser observada. Ademais, cada uma dessas tutelas renderia
um livro exclusivo. Serão abordados, assim, os aspectos principais de como
o procedimento específico dos processos estruturantes são realizados, apontando
quais características que as configuram como procedimento diferenciado, e são
capazes de romper com a dogmática processualista convencional.
O conceito de processo estrutural, por sua natureza inovadora dentro do
ordenamento jurídico brasileiro, envolve discussões complexas e de suma importância
para a discussão acerca da importância da igualdade formal e consequentemente
para que a sociedade seja capaz de se desenvolver, considerando que “o número
de litígios envolvendo interesse público e fora da bipolaridade clássica (além dos
processos coletivos que, bem ou mal, inserem-se também na tradição subjetivista
individualista) é cada vez maior” (CÔRTES, 2020, p. 2).
Por tratar-se de “implantação de políticas públicas que envolvem direitos
coletivos de interesse público” (LUCON, 2018, p. 368), uma das principais
características dos processos estruturais é justamente rever, ou até mesmo romper,
com institutos processuais tradicionais, em uma tentativa de atingir respostas mais
efetivas e adequadas aos complexos conflitos tratados em vias de processos estruturais.
Desta forma, o papel das partes e do próprio magistrado é revisto, de forma
que o diálogo entre as partes é valorizado, realizando verdadeira colaboração
processual, de maneira que:

Os processos de natureza estrutural, por seu turno, dadas as características


do direito material que eles visam a atuar, conformam os deveres que
informam o princípio da colaboração a partir de outros parâmetros.
Quando se está diante de um litígio complexo, cujas premissas fáticas
podem não ser identificáveis desde logo e suja resposta adequada para
o caso, muitas vezes, não é uma só, exige-se dos sujeitos envolvidos no
litígio um diálogo contínuo e prospectivo a respeito de todos os elementos
que compõem a controvérsia. Soluções unipessoais, nessas hipóteses,
produzem resultados indesejados, porque tendem a ser distantes da
realidade, logo não adequadas ao direito material: um único sujeito, por
exemplo, seja ele parte ou juiz, não é capaz por si só de conhecer todas

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as implicações que envolvem a tutela de um direito coletivo de interesse


público. Imagine-se, por exemplo, hipótese envolvendo dano ambiental
de grandes proporções. (LUCON, 2018, p. 369).

Como reflexo direto desse novo desenho processual, é possível perceber que se
exige do magistrado uma postura diferenciada, mais dialógica e ativa, uma vez que
o simples distanciamento encastelado de outrora não mais será adequado ou até
mesmo tolerado, dada a complexidade dos assuntos tratados em demandas lideradas
por processos estruturais. Em razão de tais aspectos, torna-se imprescindível que essa
nova face jurisdicional seja (de)marcada por amparo teórico, porque se ao Judiciário
compete dirimir conflitos oriundos de casos complexos e com elevado impacto social,
fundamental que sejam construídos mecanismos capazes de absorver essa demanda
de uma forma mais adequada, a partir de decisões estruturais (OSNA, 2019, p.360)
Logo, a forma de atuação continuada se faz necessária para a construção das
respostas necessárias a esses tão delicados conflitos, mesmo que para isso seja
necessário romper com institutos e conceitos tradicionais da prática processual, em
especial considerando a aplicação fria e seca da letra da lei processual.

3 A superação de padrões processuais tradicionais


O desenvolvimento metodológico do direito processual e a constatação da
postura ativista assumida pelo Judiciário brasileiro nos últimos anos impõem ao
jurista a missão de identificar as formas procedimentais adequadas para a tutela
das situações jurídicas submetidas à apreciação jurisdicional. Como observado,
o movimento de crescente judicialização e de postura ativista de magistrados
trouxeram à baila novas discussões e questionamentos que puseram em xeque
diversas concepções clássicas da ciência processual, calcadas em premissas de
um processo civil pensado e desenvolvido para os litígios individuais e de uma
sociedade totalmente distinta da sociedade contemporânea.
De acordo com o entendimento trazido por Marco Félix Jobim:

Quando o Poder Legislativo não consegue atribuir ao povo novas leis que
possam modificar esse ambiente ou quando o Poder Executivo fica inerte em
seu dever de administrar, é o Poder Judiciário que deverá intervir, em ambos
os casos, por meio de processos individuais ou coletivos. A esse fenômeno dá-
se o nome de ativismo judicial, em contraposição a autocontenção judicial,
o que, em alguns casos, pode trazer benefícios e em outros, prejuízos, sendo
que o que ora se defende é que no ativismo judicial equilibrado a tendência
do acerto é maior que a do erro. (JOBIM, 2013, p. 104).

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Marcelo Lima Guerra (1998) constata o fenômeno, observando as modificações


impostas à ciência processual frente à evolução da própria sociedade e de suas relações.
Destaca, igualmente, o que denomina de novos direitos, relacionados principalmente
à crescente importância das prestações de fazer e não fazer de trato sucessivo, assim
como à inadequação da tutela ressarcitória genérica para a superação das crises de
inadimplemento eventualmente existentes. Em suas próprias palavras:
Observa-se que, na sociedade contemporânea, a multiplicação das formas
de prestações de serviços, fruto da revolução tecnológica operada a partir do
pós-guerra, levou a que fosse quebrada a secular hegemonia das obrigações de
prestação de coisa, mantida ainda nas codificações modernas, assumindo um papel
proeminente a disciplina jurídica das obrigações de prestação de fato. (...). Igualmente,
o reconhecimento e a proteção aos chamados novos direitos, isto é, situações não
enquadráveis no clássico catálogo de direitos subjetivos. (GUERRA, 1998, p. 296).
Esses novos direitos, apesar de bastante diversificados, apresentam importantes
características comuns, a saber: a) o conteúdo desses direitos corresponde,
frequentemente, a prestações de fazer e de não fazer de trato sucessivo, isto é, que
se realizam continuamente através de um período de tempo mais ou menos longo;
b) a violação deles conduz, quase sempre, a uma lesão irreparável (ou de difícil
reparação); c) revela-se totalmente inadequada, para a proteção de tais direitos, a
chamada tutela ressarcitória, genérica ou por equivalente, que consiste, como se
sabe, na condenação ao pagamento de determinada quantia em dinheiro, ou seja,
equivalente pecuniário da prestação inadimplida (GUERRA, 1998, p. 296).
De modo semelhante, é possível constatar que tais modificações tiveram
o mérito de “colocar em pauta uma série de novos paradoxos para novas funções
desempenhadas pela Jurisdição pátria” (THEODORO JR., NUNES, BAHIA, 2013,
p. 167) já que, como fenômeno sociocultural, a ciência processual e seus institutos
são reflexo direto dos valores sociais e do próprio sistema político vigente.
As formas tradicionalmente estabelecidas como modelo de efetivação das
decisões judiciais cada vez mais têm se revelado inadequadas e ineficientes para dar
conta destas modificações socioculturais, em especial as decorrentes da expansiva
judicialização e ativismo (e, diga-se, até mesmo de protagonismo) assumidos pelo
Judiciário nos últimos anos (VIOLIN, 2015, p. 84).
Pode-se afirmar que, em essência, o processo civil de interesse público
se destina à tutela de situações jurídicas coletivas. Dentre suas principais
características, destaca-se o momento satisfativo, especialmente o das prestações

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de fazer de natureza complexa, voltado, por exemplo, à efetivação/correção de


políticas públicas, reestruturação de pessoas jurídicas ou mesmo às técnicas de
reversão de danos ambientais. Viu-se que a efetivação de tais prestações encontra
diversos óbices no modelo tradicional de efetivação, em muito influenciado pela
concepção binária e tradicional do processo; porque não basta reconhecer em
teoria a relevância jurídica desses valores: como quaisquer outros, eles só se
tornam verdadeiramente operativos na medida em que existam meios próprios e
eficazes de vindicá-los em juízo (MOREIRA, 1980, p. 4).
Entretanto, nos casos de processos civis de interesse público que tragam
conteúdo prestacional complexo, por vezes, a decisão judicial proferida não será
imediatamente realizável, devendo-se trilhar com cautela o melhor caminho para a
efetivação de prestações que não se realizam de modo simples e instantâneo.
De fato, a decisão estruturante é relativamente diferenciada em relação ao padrão
tradicional, pois deve estar preparada para a progressiva e paulatina especificação
quando de sua realização prática, com o passar do tempo e com a verificação das
medidas adotadas no curso da fase executiva (LUCON, 2018, p. 372).
Michelle Taruffo também constata que

[...] o problema surge em particular quando a execução da sentença


comporta uma série de atividades complexas e diversificadas, ou, então,
quando esta comporte o desenvolvimento e o controle de atividades
continuadas ou destinadas a durar no tempo. (TARUFFO,1990, p. 75).

Nesse sentido, é necessário trabalhar de acordo com uma ótica em que é possível
que surja, dentro do processo, um ciclo de decisões, em que devem ser considerados,
principalmente, a definição do objeto do processo, a estabilização do julgamento e
o desempenho concomitante de atividades de cognição e de execução.
As múltiplas dificuldades – políticas, de legitimidade, ideológicas, de capacidade
institucional e até mesmo financeiras – de implantação de prestações de fazer
complexas em processos de interesse público atormentam a doutrina, os tribunais,
e, sobretudo, a própria sociedade civil. Lidar com a caracterização dos processos
civis de interesse público e os mecanismos de efetivação das suas decisões é tarefa
que exige do intérprete a necessidade de se revisitarem os institutos processuais
clássicos, como já exposto acima, o que inclui a fase decisória e, essencialmente, a
satisfativa (LUCON, 2018, p. 373).

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Nas palavras de Aluísio Mendes (2012), “em razão da nova realidade e dos novos
interesses, defende Cappelletti a necessidade de adequação do processo e dos
institutos processuais às novas exigências” (MENDES, 2012, p. 96).
Dentre as novas exigências, destaca-se a relativa à necessidade de provimentos
adequados para a tutela dos interesses coletivos, relacionada “com a insuficiência
de uma tutela essencialmente repressiva e monetária para a satisfação efetiva
dos novos direitos e interesses coletivos” (MENDES, 2012, p. 97). Os obstáculos ao
cumprimento do que judicialmente determinado, diante da potencial complexidade
do dever imposto, suscitam o dilema da efetividade de tais decisões e da escolha
dos meios executivos próprios para a solução da crise de satisfação, o que se
tem denominado na doutrina norte-americana de remedial dilemma2. A edição
de provimentos em escala e de sucessiva especialização é apontada como nota
característica dos processos civis de interesse público, notadamente em seu escopo
de atuação social (modificação de estruturas sociais).
A doutrina afirma que tais casos impõem novos padrões decisórios, distintos
do modelo tradicional, pois “exigem soluções que vão além de decisões simples a
respeito de relações lineares entre as partes. Exigem respostas difusas, com várias
imposições ou medidas que se imponham gradativamente” (ARENHART, 2013,
p. 395). A vinculação da decisão da causa à lógica binária (certo, errado, procedência,
improcedência) não tem se mostrado adequada para a correta definição e composição
da situação jurídica em debate que, como já se destacou acima, é complexa e não se
adequa totalmente ao padrão abstrato bi polarizado.
O raciocínio simplista de impor ao juiz a escolha de uma dentre duas propostas
“é na maior parte das vezes obrigá-lo a cometer injustiças” (PINHO e CÓRTES, 2014,
p. 235), o que reforça a necessidade de se ter em conta que o padrão decisório das
lides estruturantes não segue a mesma lógica das demandas ordinárias, demandando
do magistrado a superação de dois principais obstáculos. Como se notou acima,
o primeiro obstáculo a ser superado se encontra na correta definição da situação
jurídica de direito material discutida, ou seja, na fase cognitiva.
A estrutura subjetiva policêntrica, a necessidade de tornar real a participação
democrática por meio do processo e a cognição diferenciada indicam atividade
cognitiva de grande extensão e profundidade, potencialmente duradoura e com
grandes desgastes para todos os envolvidos. O segundo obstáculo a se superar se refere
à correta e justa definição da medida judicial a ser utilizada para satisfazer a pretensão

2 Dilema corretivo, dilema reparador (tradução nossa).

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certificada do melhor modo possível, com vistas à atuação da tutela jurisdicional do


modo mais próximo possível do seu adimplemento natural e espontâneo.
Na tentativa de superar a inadequação do padrão processual, especialmente
desenhado para os litígios individuais, para os processos civis de interesse público
mostra-se interessante a utilização de mecanismos decisórios diferenciados, tais
como “provimentos em cascata, de modo que os problemas devam ser resolvidos à
medida que apareçam” (ARENHART, 2013, p. 400), com uma primeira decisão fixando
linhas gerais, diretrizes e posteriores decisões pontuais, específicas, de implantação
da decisão principal em sucessivas etapas de especificação e liquidação.
Sob essa ótica, a decisão judicial final de mérito do processo deveria
trazer decisão de conteúdo genérico e amplo, sem adentrar em especificidades
maiores, que seriam decididas ao longo da própria fase executiva do julgado e
conjuntamente a ela. Porém, esse caráter genérico não está a dizer que a decisão
não deve ser clara e coerente, o que é essencial para o sucesso da determinação
judicial, de maneira que “os institutos do processo civil clássico necessitam, assim,
ser moldados, ou mesmo reformados, para dar tratamento a essa nova forma de
tutela de interesses públicos” (DAHER, 2020, p. 57).
Didier Jr. e Zaneti Jr. (2016, p. 379) mencionam decisão estrutural/decisão
estruturante para cuidar da questão, in verbis:
A decisão estrutural (structural injunction) é, pois, aquela que busca implantar
uma reforma estrutural (structural reform) em um ente, organização ou instituição,
com o objetivo de concretizar um direito fundamental, realizar uma determinada
política pública ou resolver litígios complexos. Por isso, o processo em que ela se
constrói é chamado de processo estrutural. Parte-se da premissa de que a ameaça
ou lesão que as organizações burocráticas representam para a efetividade das
normas constitucionais não pode ser eliminada sem que tais organizações sejam
reconstruídas. (DIDIER JR, ZANETTI JR, 2016, p. 379).
Nas palavras de Edilson Vitorelli Diniz Lima, entretanto,

[...] percebeu-se que a emissão de ordens ao administrador, estabelecendo


objetivos genéricos, não era suficiente para alcançar os resultados
desejados. Ou o juiz se envolvia no cotidiano da instituição, cuidando de
minúcias de seu funcionamento, ou teria que se conformar com a ineficácia
de sua decisão. (LIMA, 2015, p. 579).

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Portanto, é essencial à efetivação das decisões dos processos civis de interesse


público, especialmente para os casos de prestações de fazer complexas, a edição de
provimentos em escala e graduais, com especificação ao longo da execução.
Permite-se, assim, que as técnicas processuais estejam diretamente
relacionadas à situação fática com a qual o Judiciário deve lidar para superar a
crise de satisfatoriedade com tal técnica, cabe ao magistrado (em conjunto com
os demais sujeitos processuais, no exercício de atividade cooperativa e dialógica)
a especificação casuística e alinhada à conduta dos sujeitos processuais no
decorrer do tempo, permitindo que a execução e a especificação das decisões e
meios de execução estejam alinhadas à realidade prática existente. Dessa forma,
concede-se ao magistrado maiores poderes na condução da execução e na
adaptação das medidas adequadas à satisfação da prestação, também estimulando
as partes à adoção de condutas cooperativas (LUCON, 2018, p. 370).
A tutela jurisdicional deve ser eficiente e, portanto, adequada a superar as
diversas crises de direito material sobre as quais tenha que se manifestar, até mesmo
sem a participação direta do Estado-Juiz. Se essa afirmação pode ser feita em relação
ao ordenamento processual como um todo, com muito mais razão à fase executiva
das prestações de fazer complexas dos processos civis de interesse público.

4 Igualdade formal em foco: um caminho para o desenvolvimento


Ante as considerações aqui expostas, é de suma importância que se aborde
como o processo estrutural e a nova ótica trazida por ele podem ser considerados
forma de atingir a igualdade formal.
Nesse sentido, é necessário também que se entenda a importância do conceito
de igualdade formal, que muitas vezes é desvalorizado pela doutrina em detrimento
da igualdade substancial. O princípio da igualdade, corolário básico da Constituição
Federal, pode ser desdobrado de várias maneiras, e sua evolução em várias formas.
A igualdade formal, também considerada como o sentido de igualdade perante
a lei, é o desdobramento direto do teor do caput do artigo 5o da Constituição Federal
brasileira. Trata-se da necessidade de que todos os cidadãos tenham o mesmo
tratamento e as mesmas oportunidades dentro da construção social realizada
no ordenamento brasileiro, obtendo como consequência a proibição absoluta de
diferenciações não justificáveis, servindo também como limite à atuação estatal.
O princípio da igualdade perante a lei impõe que o mesmo órgão não pode
modificar arbitrariamente o sentido das suas decisões em casos substancialmente

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iguais e, ainda, quando o órgão em questão considere que deva afastar-se de seus
precedentes deve oferecer, para tanto, uma fundamentação objetiva e razoável,
cabendo, neste caso, à justiça constitucional avaliar a razoabilidade dos critérios
interpretativos utilizados pela justiça ordinária para fundamentar o porquê da
aplicação de um novo critério, e não buscar o motivo pelo qual houve uma eventual
mudança de critério para solucionar um caso concreto. Não se pode admitir a igualdade
entre os cidadãos, sem que exista igualdade nos julgamentos (OLLERO, 2005, p. 45-46).
A regra geral da igualdade formal contempla que a igualdade na aplicação
da lei impõe a impossibilidade de um mesmo órgão modificar arbitrariamente
o sentido de suas decisões em casos substancialmente iguais e, quando o
fizer – ou seja, quando um órgão decide se afastar de seus precedentes –,
fundamente suficiente e razoavelmente sua decisão. Distinto é o problema da
igualdade na aplicação da lei quando esta não se refere a um único órgão, mas
sim a órgãos diversos: para tais casos, a fonte da busca da uniformidade é a
jurisprudência proveniente dos órgãos jurisdicionais de instâncias superiores, pois
necessário se faz que a igualdade formal se compatibilize com a independência
dos órgãos jurisdicionais, no sentido de que estes órgãos superiores uniformizem
a aplicação da lei através da sua jurisprudência. (FREITAS, 2018, p. 144).
Dessa forma, a igualdade formal deve ser entendida como a impossibilidade de
distinções, considerando que todos são iguais perante a lei, exceto pelas diferenças que
devem ser reconhecidas juridicamente necessárias ao alcance da própria igualdade
(material ou substancial), portanto, devidamente autorizadas na própria lei.

Em nenhum Estado Democrático, até a década de 60, e em quase nenhum


até esta última década do século XX se cuidou de promover a igualação e
vencerem-se os preconceitos por comportamentos estatais e particulares
obrigatórios pelos quais se superassem todas as formas de desigualação
injusta. Os negros, os pobres, os marginalizados pela raça, pelo sexo, por
opção religiosa, por condições econômicas inferiores, por deficiências
físicas ou psíquicas, por idade etc. continuam em estado de desalento
jurídico em grande parte no mundo.

Não obstante a garantia constitucional da dignidade humana igual para


todos, da liberdade igual para todos, não são poucos os homens e mulheres
que continuam sem ter acesso às iguais oportunidades mínimas de trabalho,
de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados
que são à margem da convivência social, da experiência democrática na
sociedade política. (ROCHA, 1996, p. 284).

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536 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal

A violação ao princípio da igualdade na aplicação da lei requer que a diferença


do tratamento entre duas ou mais pessoas se produza em relação às situações
similares e seja arbitrária – não justificada por uma mudança de critério que possa
reconhecer-se como tal – fruto de uma variação na interpretação da lei, que responde
a uma reflexão do julgador distanciada, de forma arbitrária ou seletiva, da sentença
pertencente a uma linha jurisprudencial consolidada (FREITAS, 2018, p. 144).
Como consequência direta do princípio constitucional da igualdade formal, é
possível citar o artigo 4o, inciso VIII, do texto constitucional, que trata da igualdade
racial, o artigo 5o, inciso I, que aborda a igualdade de gênero ou ainda o artigo
150, inciso III, que aborda a igualdade tributária, entre muitos outros dispositivos
distribuídos ao longo do texto da Constituição da República.
Ao abordarmos os trâmites processuais, pensados e realizados a partir da
ótica dos processos estruturais, é possível perceber que essa nova perspectiva
processual é perfeitamente compatível com a necessidade de perseguirmos a
igualdade formal.
Nesse sentido, atingir a igualdade formal a partir de respostas construídas
através de um processo é um caminho para que a sociedade atinja o desenvolvimento
necessário para que políticas públicas efetivas sejam pensadas e realizadas, fazendo
então com que a sociedade possua mecanismos eficazes para responder aos seus
próprios conflitos.
O princípio da igualdade na aplicação da lei impõe a proibição de diferenças
de tratamento arbitrárias não justificadas por uma mudança de critério que
possa ser reconhecida como tal. Geralmente, tais justificativas são expressas por
uma referência ao critério anterior e pelas razões que motivaram o afastamento
dos precedentes e a estruturação de uma nova resposta ao problema suscitado.
A desigualdade estaria justificada quando patente que a diferença de tratamento
tem seu fundamento em uma efetiva mudança de critério, seja por desprender-
se da própria decisão judicial, seja por existirem outros elementos de juízo
externo que assim o indiquem; em concreto, exemplificado por posteriores
pronunciamentos coincidentes com a linha aberta pela decisão impugnada
(FREITAS, 2018, p. 143).
A decisão estruturante, construída paulatinamente e de maneira dialogada, que
faz parte de um ciclo de decisões dentro do processo judicial, é uma forma nítida de
como a igualdade formal pode ser atingida, senão vejamos:

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Além disso, é preciso que se admita certa atenuação da regra da


congruência objetiva externa, que exige correlação entre a decisão e
a demanda que ela resolve, “de modo a permitir ao magistrado alguma
margem de liberdade na eleição da forma de atuação do direito a
ser tutelado”. Em casos tais, é fundamental libertar o magistrado das
amarras dos pedidos das partes, uma vez que a lógica que preside os
processos estruturais não é a mesma que inspira os litígios individuais,
em que o julgador se põe diante de três caminhos a seguir, quais sejam:
o deferimento, o deferimento parcial ou o indeferimento da postulação.
A ideia dos processos estruturais é, como visto, a de alcançar uma
finalidade, mediante a execução estruturada de certas condutas. Sucede
que nem sempre é possível a parte antever todas as condutas que
precisam ser adotadas ou evitadas pela parte contrária para alcançar
essa finalidade. Muitas vezes isso somente é aferível já no curso do
processo. Daí a necessidade de ser maleável com a regra da congruência
objetiva externa. (DIDIER JR., 2019, p. 347-348).

A posição ativista tomada pelos magistrados que julgam processos estruturais


é uma resposta à necessidade trazida por tais processos, em uma esfera de controle
judicial de políticas públicas, tanto na esfera pública e estatal quanto na esfera
privada. Logo, é necessário buscar uma resposta social aos problemas tratados
dentro do bojo de processos estruturais.
A incrementação da complexidade dos conflitos da sociedade contemporânea
faz com que haja a necessidade de regulação de demandas de maneira mais refinada,
em especial quando trata-se de demandas coletivas.

Nessa nova realidade da complexa sociedade contemporânea, diante


do aprofundamento das relações econômicas e sociais, começam a
surgir situações geradoras de determinadas categorias de prejuízos aos
interesses de um grande número de pessoas. A solução destas situações,
que até então era conhecida e que, normalmente, vinha sendo oferecida
por meio do processo civil de lide individual, não consegue resolver de
forma satisfatória. No quadrante destes novos fenômenos sociais, caso
estes não estejam sendo devidamente dominados pelo homem, “o direito,
instrumento de ordenamento da sociedade, deverá assumir tarefa e
dimensões até agora ignoradas”. (PINTO, 2019, p. 395).

Portanto, as características próprias das decisões tomadas em processos


estruturais demonstram como a superação de padrões é um caminho a se percorrer
em busca de atingir a igualdade formal almejada pelo legislador constitucional, no
sentido de fazer com que a sociedade possa atingir o desenvolvimento necessário

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538 O processo estruturante como meio de alcance da igualdade formal

para que os complexos conflitos enfrentados pela sociedade sejam respondidos de


maneira eficaz através de processo construído de maneira plural e dialogada.

5 Conclusão
Convém observar que os acordos processuais podem estar direcionados
à composição das lides ou apenas ao desenvolvimento do processo. De fato,
no primeiro caso, a solução consensual na fase executiva se distingue daquela
inicialmente entabulada para o processo de conhecimento, onde ainda se discute
a certificação da própria relação jurídica de direito material. O componente
desfavorável reside no fato de que, nesse momento, o exequente possui em seu
benefício um título executivo judicial que não apenas certifica determinada
situação jurídica, como traz sua exigibilidade. Apesar disso, surge aspecto prático
de inegável valor, que se relaciona às dificuldades de efetivação das prestações
judicialmente reconhecidas. Se em processos individuais a dificuldade prática
de implantação de prestações de fazer pode se mostrar dificultosa, quiçá em
demandas de interesse público de índole complexa.
De todo modo, há que se colocar no fiel da balança os pesos dessas duas
circunstâncias, estimulando as partes à obtenção de solução consensual para a
satisfação da pretensão.
Vem-se percebendo que a execução cível democrática, para cumprimento das
obrigações provenientes dessas novas modalidades de litigiosidade, deve assumir um
papel processual dialógico e coparticipativo de modo a promover um cumprimento
planejado, com o chamamento de todos os envolvidos. Tanto em relação à situação
jurídica de direito material quanto ao modo de ser da execução, a solução consensual
deve ser vista como modelo preferencial, prima facie, a ser exercido e estimulado
pelos magistrados, notadamente em processos civis de interesse público de índole
complexa. Sendo assim, os mecanismos tradicionais de atuação imperativa devem
estar reservados apenas para hipóteses subsidiárias, quando a atuação consensual
não se mostrar viável, devendo o magistrado justificar sua não utilização após o
regular exercício do dever de alerta e contradita.
Portanto, a superação de ideias tradicionais em termos de técnica processual
deve ser naturalizada, e por vezes até priorizada, uma vez que estes institutos
clássicos não se mostraram suficientes para produzir as respostas justas para os
conflitos enfrentados pela coletividade.

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Sandro Souza Simões — Juliana Freitas — Camila de Paula Rangel 539

Dessa forma, os processos estruturais se delineiam como maneira de se


obter decisões construídas de maneira plural e dialogada, priorizando um papel
protagonista do magistrado, a participação maciça dos entes envolvidos no conflito
tratado, a aproximação entre as partes, o ciclo de decisões encadeadas, entre outros
aspectos, em busca de igualdade formal entre as partes.

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5
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Formação e evolução do princípio


dispositivo na cultura ocidental de processo

GUILHERME BOTELHO
Doutor e Mestre em Direito (PUC-RS). Professor da Graduação
em Direito (FEEVALE e PUC-RS).

Artigo recebido em 15/2/2019 e aprovado em 27/3/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Origem e formação do princípio dispositivo 3 O Publicismo no processo


civil e o desdobramento do princípio dispositivo 4 O Código de Klein como fruto da dicotomia
dispositionsmaxime e verhandlungsmaxime na doutrina alemã 5 A evolução dos estudos sobre a
disposição das partes e dos poderes do juiz na moderna doutrina italiana 6 Princípio da dependência
da tutela à vontade do interessado (Dispositionsprinzip) 7 Conclusão 8 Referências.

RESUMO: Este artigo analisa o desenvolvimento do princípio dispositivo na cultura


ocidental como uma norma estruturante do processo desde o período pré-clássico da
experiência romana, apta a garantir o direito exclusivo da parte de iniciar o processo
e que veda ao juiz a possibilidade de intervir na formação do objeto litigioso. Em
plano diverso reside a escolha das técnicas processuais, tais como a possibilidade
de determinar a produção de prova por iniciativa judicial. Demonstra-se que esta
é uma conclusão alicerçada na melhor interpretação dos aforismos romanos, que
historicamente construíram esse princípio. Como método científico de abordagem
do assunto será utilizado o método dedutivo. A abordagem da pesquisa se dá pelo
modelo qualitativo na medida em que se almeja o entendimento do fenômeno
em seu próprio contexto. Em função das peculiaridades da pesquisa qualitativa a
mesma tende a ser menos estruturada, de modo a trabalhar com o que é importante
para os indivíduos, sistemas sociais, políticos, jurídicos e econômicos, utilizando-se
para tanto, da investigação profunda sobre o tema proposto na presente pesquisa.
Desta forma a mesma parte de questões ou focos de interesse amplos, que vão se
definindo à medida que o estudo se desenvolve.

PALAVRAS CHAVE: Direito Processal Civil Direito Comparado Princípio Dispositivo.

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Formation and evolution of the dispositive principle in Western process culture

CONTENTS: 1 Introduction 2 Origin and formation of the dispositive principle 3 Publicism in the
civil process and the unfolding of the dispositive principle 4 The Klein Code as the result of the
dichotomy dispositionsmaxime and verhandlungsmaxime in German doctrine 5 The evolution
of studies on the disposition of the parties and the powers of the judge in modern Italian doctrine
6 Principle of dependence on guardianship at the will of the interested party (Dispositionsprinzip)
7 Conclusion 8 References.

ABSTRACT: This article analyzes the development of the device principle in Western
culture as a structuring norm of the process since the pre-classical period of the
Roman experience, able to guarantee the exclusive right of the party to initiate
the process and which prevents the judge from the possibility of intervening in the
formation of the disputed object. At a different level lies the choice of procedural
techniques, such as the possibility of determining the production of evidence by
judicial initiative. It is shown that this is a conclusion based on a better interpretation
of the Roman aphorisms, which historically built this principle. As a scientific
method of approaching the subject, the deductive method will be used. The research
approach is based on the qualitative model insofar as it aims to understand the
phenomenon in its own context. Due to the peculiarities of qualitative research, it
tends to be less structured, in order to work with what is important for individuals,
social, political, legal and economic systems, using deep research on the proposed
theme. in the present research. In this way the same part of questions or focuses of
broad interest, which will be defined as the study develops.

KEYWORDS: Civil Procedural Law Comparative Law Principle of the Device.

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544 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

Formación y evolución del principio dispositivo en la cultura occidental de procesos

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Origen y formación del principio dispositivo 3 El publicismo en


el proceso civil y el despliegue del principio dispositivo 4 El Código Klein como resultado de la
dicotomía dispositionsmaxime y verhandlungsmaxime en la doctrina alemana 5 La evolución
de los estudios sobre la disposición de las partes y los poderes del juez en la doctrina italiana
moderna 6 Principio de dependencia de la tutela a voluntad del interesado (Dispositionsprinzip)
7 Conclusión 8 Referencias.

RESUMEN: Este artículo analiza el desarrollo del principio dispositivo en la cultura


occidental como norma estructurante del proceso desde el período preclásico de la
experiencia romana, capaz de garantizar el derecho exclusivo de la parte a iniciar
el proceso y que impide al juez la posibilidad de intervenir en la formación. del
objeto en disputa. En otro nivel se encuentra la elección de técnicas procesales,
como la posibilidad de determinar la producción de prueba por iniciativa judicial.
Se muestra que esta es una conclusión basada en una mejor interpretación de los
aforismos romanos, que históricamente construyeron este principio. Como método
científico de abordaje de la asignatura se utilizará el método deductivo. El enfoque
de la investigación se basa en el modelo cualitativo en la medida en que pretende
comprender el fenómeno en su propio contexto. Debido a las peculiaridades de
la investigación cualitativa, tiende a ser menos estructurada, para trabajar con
lo que es importante para los individuos, los sistemas sociales, políticos, legales
y económicos, utilizando una investigación profunda sobre el tema propuesto. en
la presente investigación. De esta forma la misma parte de preguntas o focos de
amplio interés, que se irán definiendo a medida que se desarrolle el estudio.

PALABRAS CLAVE: Derecho Procesal Civil Derecho Comparado Principio Dispositivo.

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1 Introdução

O presente trabalho trata sobre o conteúdo e a extensão do princípio dispositivo.


Variadas hipóteses se apresentam para a análise destas temáticas complexas,
tais quais definir o conteúdo do princípio dispositivo, seja para aceitar sua ideia mais
ampla ou mais restrita, a fim de dar autonomia a outros potenciais princípios ou
técnicas, no que se referem à aportação dos fatos e a iniciativa na indução dos meios
probatórios além do impulso processual; conceituar os modelos organizacionais, suas
semelhanças e diferenças, avaliar se estas diferenças decorrem de fatores históricos,
políticos ou simplesmente ideológicos ou até mesmo se de uma soma de todos eles.
Evidente, no entanto, que, mesmo não sendo seu escopo do estudo,
necessariamente são abordadas de forma comparativa outras culturas ou formas de
organizar as relações de poder e de debate no processo civil. Assim, o estudo traça
algumas premissas teóricas importantes para seu avanço, sendo as principais para
a formulação do primeiro capítulo o célebre ensaio de Tito Carnacini (1951) e os
avanços de Mauro Cappelleti (1962) na harmonização dos princípios dispositivo e
da tratazzione1 a partir de Carnacini.
Nessa perspectiva, o direito estrangeiro é utilizado apenas com o propósito de
ampliar os subsídios para as reflexões internas que se fazem necessárias, no intuito
de desvendar a estrutura organizacional mais adequada e propícia ao tipo de Estado
encontrado no Brasil, em momento político de extrema efervescência. É a partir da
comparação que se alcança uma maior compreensão de si próprio e, como dito por
Oscar Chase (2014), o “desafio de ver os elementos constitutivos de sua própria
sociedade se assemelha à tentativa de descrever para um peixe o que é a água”. Por
sua vez, o método científico de abordagem do assunto é o dedutivo e a abordagem
da pesquisa se dá pelo modelo qualitativo.
O Princípio Dispositivo é pedra chave para compreensão do direito processual
e sofreu forte influência ao longo dos séculos até atingir o estágio cultural
contemporâneo. É imprescindível comprendê-lo de forma vertical, para, a partir
deste ponto, compreender os influxos ideológicos atuais que debatem sua amplitude
e seu espaço de proteção ao indíviduo frente a uma ampliação da partipação
processual do juiz como condutor do litígio.
Assim, o presente artigo científico aborda a evolução do princípio dispositivo
desde o período pré-clássico do Direito Romano, passando pelo medievo até o seu

1 Tradução nossa

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546 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

desdobramento na doutrina alemã do século XIX. É abordada ainda a influência que


o pensamento publicista, desenvolvido na cultura do civil law daquele século, impôs
na reconstrução do princípio. Ao cabo, a partir das lições desenvolvidas, em especial
na doutrina europeia depois da afirmação da autonomia do direito processual, o
estudo busca traçar o conteúdo do princípio dispositivo, do princípio da demanda e
das opções estruturais de processo civil.

2 Origem e formação do princípio dispositivo


Com razão está Chiovenda (1969, p. 118), quando afirmara que não é possível
estudar institutos fundamentais do processo civil e enfrentar seus culminantes
problemas, senão a partir de uma perspectiva histórica, e o ponto de partida deve ser
sempre o processo romano, porque a história do direito processual “per larghissima
parte si reassume in quella dei rapporti fra il romanismo e il germanismo”2 e aquela
influência precede esta.
A experiência romana, como se sabe, foi revolucionária, exercendo força em
todos os aspectos culturais das sociedades ainda nos tempos modernos. No direito
e, mais especificamente no direito processual civil, não foi diferente, sendo que já
em seu período pré-clássico se verificam algumas normas estruturantes do processo,
que até hoje se fazem presentes na cultura processual da generalidade dos países.
Dentre estas normas estruturantes é possível constatar o chamado princípio
dispositivo (ou da demanda) em brocados romanos que até hoje são bem conhecidos:
“nemo iudex sine actore”3, “da mihi factum, dabo tibi ius”4, “iudici fit probatio”5, “iudex
iudicet secundum allegata et probata partium”6, “quod non est in actis non est in mundo”,
“ne eat iudex ultra petita partium”7 e “ne procedat iudex ex officio”8. Trata-se, talvez, do
mais relevante princípio estruturante do processo civil, dado que é ele “[....] all’origine
dell’attribuizione del diritto di azione alla persona interessata [...]”9 (LIEBMAN, 1951, p. 111).

2 Em grande parte, resume-se àquelas relações entre o romanismo e o germanismo (tradução nossa).

3 “Não há juiz, sem autor” (tradução nossa).

4 “Da-me os fatos, que eu te dou o direito” (tradução nossa).

5 “Juiz é o destinário da prova” (tradução nossa).

6 “Juiz julga segundo alegado e provado pelas partes” (tradução nossa).

7 “Nem o juiz julgará além do pedido das partes” (tradução nossa).

8 “Juiz não procederá de ofício” (tradução nossa).

9 “A origem da atribuição do direito de ação à pessoa interessada” (tradução nossa).

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Guilherme Botelho 547

Trata-se, portanto, da melhor transposição processual e garantia do direito de agir em


juízo, verdadeiro “princípio-síntese do ordenamento jurídico processual nos países de
tradição romano-canônica” (BOTELHO, 2010, p. 72).
Do princípio dispositivo decorre que “l’invocazione della tutela giuridizionale in
materia civile (intensa nel più ampio significato) costituisce il contenuto di un diritto
strettamente individuale e che perciò la difesa dei propri interessi è affidata alla libera
determinazione del titolare”10 (LIEBMAN, 1951, p. 111).
Ele se desenvolve a partir do direito romano como consequência do direito material
do indivíduo, dado que apenas o titular do direito pode vir a juízo reivindicá-lo. A grosso
modo, apenas o dono do direito pode exercer sua pretensão e apenas este sabe em
que termos precisa da intervenção jurisdicional. Imerso em um ambiente de pleno
privatismo e individualismo, ele nasce com máxima amplitude. Mesmo no período da
cognitio extra ordinem, protegeu-se, sob os brocados destacados: (1) o direito exclusivo
da parte de apresentar o pedido de tutela jurisdicional, não podendo o julgador realizar
proteção sem prévio pleito; (2) a vedação ao juízo de exame sobre fatos não aportados
pelas partes; (3) a proibição ao julgador de conceder proteção que extrapole os limites
do pedido formulado; (4) o direito das partes de renunciar ao seu direito material ou
desistir da demanda; (5) o direito exclusivo das partes de apresentar os meios de
prova a fim de melhor comprovar os fatos articulados.
Como já mencionado em outra oportunidade (BOTELHO, 2020), essa característica
do litígio de natureza civil, nascida neste ambiente de extremo privatismo e
individualismo que caracteriza o direito processual, decorre de necessidades impostas
pelo próprio direito material e se mantém em todo o ordo iudiciorum privatorum.
Todavia, o interesse público passa a justificar que o impulso processual que, no ordo
iudiciorum privatorum, pertencia exclusivamente às partes, passasse no direito romano
pós clássico a ser uma incumbência do magistrado (MILLAR, 1945, p. 85-86).
Como expõe Guasp (1943, p. 34), em que pese pareçam ter idêntico valor, dado que
é expressão de uma limitação para o juiz desenvolver espontaneamente sua atividade,
é possível visualizar uma distinção entre os aforismos “nemo iudex sine actore” e
“ne procedat iudex ex officio”, podendo-se extrair do primeiro apenas a proibição ao
juiz de iniciar o processo, enquanto o segundo “[...] poderia configurarsse como una
prohibición para el Juez de hacer avanzar el juicio, no ya de ponerlo en marcha, por los

10 “A invocação da proteção jurídica em matéria civil (intensa no sentido mais amplo) constitui o
conteúdo de um direito estritamente individual e, portanto, a defesa dos próprios interesses é confiada à
livre determinação do titular” (tradução nossa).

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548 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

diversos estádios que há de recorrer hasta llegar a la decisión final”11. É que, por impulso
processual (MILLAR, 1945, p. 81-91), tem-se um valor diverso da definição do conteúdo
da causa, ligado à tarefa da marcha procedimental, podendo o desenvolvimento da
demanda ficar a cargo da constante participação da parte ou a depender do juízo. É o
chamado impulso da parte (party-prosecution) ou impulso oficial (judicial prosecution).
Com o fim do Império Romano, propaga-se um inicial domínio da tradição
germânica, com revalorização da inatividade judicial e sobreposição do interesse
das partes. No mais, com a retomada dos estudos das fontes romanas no século XI
na Escola de Bolonha, o princípio dispositivo não sofre maior restrição, mantendo-se
imprescindível, em especial, a iniciativa da parte para o desenvolvimento da demanda,
bem como a definição do objeto litigioso, mediante a proibição de julgar fora dos
limites traçados no pedido (BOTELHO, 2020).
No final do século XVIII, o privatismo e o individualismo encontram seu apogeu
com o ataque aos Estados Absolutistas e o nascimento dos Estados de Direito. A
revolução francesa, movimento histórico de ruptura de nossa história, baseado nos
valores da liberdade, igualdade e fraternidade, dá vazão ao Code de procédure civile de
1806, que é uma verdadeira homenagem ao liberalismo processual, dado que, embora
tenha representado grande evolução na técnica processual, não aporta ideologia
muito diferente da Ordennance de 1667, revelando “[...] por consiguiente plenamente la
matriz del sistema del derecho común”12 (CAPPELLETTI, 1974, p. 343).
Em resumo, como já afirmamos anteriormente, é possível afirmar que a origem
do princípio dispositivo vem arraizada em nossa herança romana e compreendida
inicialmente como uma proteção do particular na definição do conteúdo da causa e no
desenvolvimento do processo, dado que, o que é privado fora do processo, continuará
sendo dentro dele (BOTELHO, 2020). Nessa ótica, o princípio dispositivo se constrói e se
faz imprescindível no processo civil como insuperável expressão do poder reconhecido
aos privados de dispor da própria esfera jurídica (CARNACINI, 1951, p. 735).

3 O Publicismo no processo civil e o desdobramento do princípio dispositivo


É na doutrina alemã do século XIX que o direito processual tem firmado sua
autonomia como ciência. A obra de Oskar Büllow (1964), no ano de 1868, é vista,

11 “Poderia configurar-se como uma proibição para o juiz de avançar em juízo, já não de pô-lo em marcha,
pelas diversas etapas que há de percorrer até chegar à decisão final” (tradução nossa).

12 “Plenamente por consequência a matriz do sistema de direito comum” (tradução nossa).

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pela maior parte da doutrina, como verdadeira certidão de nascimento do direito


processual civil. Também contribuíram a essa autonomia a teoria da ação como
direito abstrato de Plósz e Degenkolb (CHIOVENDA, 1993, p. 64) e a famosa polêmica
sobre a ação de Muther e Windscheid, reconhecendo-se o direito de ação como
direito público autônomo e desvinculado do direito material. É a partir de então
que se inicia um novo método de pensamento voltado à autonomia da ciência: o
cientificismo (ou processualismo), em evolução à fase praxista anterior.
E é justamente neste momento de descoberta e efervescência, que se utiliza
pela primeira vez a expressão Verhandlungsmaxime, para designar a subordinação
do juiz à iniciativa da parte (CARNACINI, 1951; TROLLER, 2009). A expressão parece
de difícil tradução e designaria a ideia de “máxima ou princípio do debate ou da
discussão”. Considerando, todavia, imprópria a ideia que pretendia explicar, outro
alemão, no ano de 1858, teria proposto nova expressão a fim de melhor explicar
o fenômeno: dispositionsmaxime13 (máxima da disposição). Logo, a doutrina alemã
evoluiu para aceitar e distinguir as duas expressões, dando-lhes significados próprios.
O dispositionsmaxime seria marcado pelo dever de inércia do julgador, que deve
aguardar o pleito da parte para prestar jurisdição, assim como pela incumbência
exclusiva da parte para delimitar o objeto litigioso, não podendo o magistrado realizar
exame que extrapole os limites do pedido. Incumbe à parte, ainda, a desistência da ação
ou mesmo a renúcia ao direito material sob a qual se funda. Na contraposição quanto à
disposição do titular do direito de utilizar ou não o instrumento do processual para sua
proteção e delimitar sua pretensão, são utilizadas as expressões: Dispositionsmaxime
vs. Offizialmaxime ou Inquisitionsmaxime (BARBOSA MOREIRA, 1989).
Para Robert Wyness Millar (1945, p. 59-63), no entanto, a melhor tradução para
Verhandlungsmaxime seria de princípio da apresentação pelas partes e princípio
da máxima investigação ou da investigação judicial, para tradução da ideia de
seu oposto, o Inquisitionsmaxime. Apoiando-se na doutrina alemã, Millar resume o
princípio da investigação judicial como aquele que obriga o juiz a averiguar de
ofício a verdade material ou absoluta, considerando fatos que não tenham sido
apresentados pelas partes, sem poder ter como certos fatos não investigados,
mesmo que admitidos pelos litigantes.
A doutrina alemã, assim, difunde seus estudos sobre o princípio dispositivo a
partir de duas faces distintas, ou máximas ou princípios distintos, mas que residem

13 Segundo Barbosa Moreira (1989), utilizando-se das informações de Bomsdorf, o termo teria sido criado
por Ortloff, que também teria batizado seu princípio oposto com a denominação de Offizialmaxime.

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em um mesmo plano (CARNACINI, 1951, p 724-726). De um lado, a disposição do


direito material no processo, como uma face externa da disposição; de outro, a
disposição das técnicas ou instrumentos processuais e da aportação dos fatos e
eleição dos meios de prová-los.
Carnelutti expõe a divergência posta na doutrina alemã, destacando que parte
dela vê nos conceitos dois princípios distintos, em que pese em um mesmo plano,
enquanto outros (corrente à qual se filia) não veem nenhuma diferença entre os
motivos que concedem à parte o direito de iniciar uma demanda ou de propor uma
prova, havendo apenas uma:

“diversa proporção do interesse privado e do interesse público ou uma


diversa avaliação da capacidade da parte em tutelar o próprio interesse,
a qual aconselhe num caso um mais cauteloso reconhecimento do que no
outro do princípio da disposição”. (CARNELUTTI, 2002, p. 38).

Outras expressões utilizadas e difundidas da doutrina alemã como conceitos


confrontantes são o Dispositionsprinzip vs. Offizialprinzip, que representariam o
princípio dispositivo e o princípio da oficialidade. O Dispositionsprinzip seria o
princípio densificador da máxima disposição (Dispositionsmaxime), enquanto o
Offizialprinzip seria o princípio que permitiria a intervenção estatal na própria
liberdade da parte em utilizar o instrumento do processo para a respectiva
vindicação (Offizialmaxime).
Por fim, também não há que confundi-los com as máximas ou técnicas do
impulso a cargo da parte (party-prosecution), em que a doutrina alemã utiliza a
expressão Parteibetrieb ou Selbstbetrieb, e do impulso oficial (judicial prosecution), no
qual é utilizada a expressão Offizialbetrieb (MILLAR, 1945, p. 81-91).
Assim, a doutrina alemã, a partir dos estudos de Göenner, passou a ver o
princípio dispositivo sob dois ângulos distintos, como duas faces da mesma moeda.
De um lado, detém uma faceta interna voltada ao aporte dos fatos e da escolha dos
meios probatórios. De outro lado, possui uma face voltada ao exterior e corresponde
ao poder de pedir a tutela jurisdicional e impedir o julgamento ultra ou extra petita.
Provavelmente, o fato histórico que impulsionou a doutrina alemã no
aprofundamento de seus estudos sobre a extensão e alcance do princípio dispositivo
tenha sido a experiência proporcionada pelo Rei Frederico II. Movido pela premissa
de que os advogados eram o grande empecilho para o melhor resultado do Judiciário,
ele ampliou ao máximo as funções dos tribunais, por meio de um novo regime
judiciário, que se apoiou inicialmente em um código provisório que entrara em vigor

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Guilherme Botelho 551

em 1748, convertido posteriormente em lei geral, em 1781, e, por fim, ao assumir o


trono, se aperfeiçoou, ao regulamentar o processo, com a Ordenanza Judicial General
(Allgemeine Gerichtsordnung) de 1793.
Segundo esse sistema, as alegações das partes eram apresentadas pelo juiz
delegado (o instrutor) ou por funcionários judiciais conhecidos como comissários de
justiça. Estes mesmos comissários também atuavam na produção das provas, enquanto
os advogados se limitavam ao debate por escrito quanto às questões de direito da
causa. Assim, era dever do juiz se assegurar de que os fatos relatados pelas partes
eram verídicos. Observa Troller (2009, p. 54), todavia, que, por conta da desconfiança
no julgador, própria do direito comum, se mantiveram contraditoriamente presentes
regras rígidas de valoração das provas acostadas. A Ordenanza Judicial General de 1793
se manteve incólume por apenas quarenta anos, em vista das críticas que se acenderam
contra ela. Acabou substituída pelas Ordenações de 1833 e 1846, em que voltou a
vigorar o princípio dispositivo. Nas palavras de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2009,
p. 43): “Acima da tutela estatal, condizente com o absolutismo esclarecido de Frederico,
o Grande, prevaleceu a ideia liberal da livre condução da personalidade”.

4 O Código de Klein como fruto da dicotomia dispositionsmaxime e


verhandlungsmaxime na doutrina alemã

Após a compreensão da função pública do processo delimitada na doutrina alemã


do início do século XIX e das distinções expostas até aqui sobre o princípio dispositivo,
Franz Klein elabora o projeto do Código Austríaco que, publicado em 1895, entra em
vigência em 1o de janeiro de 1898. O prazo de três anos se justificou pela necessidade
de adaptação dos advogados e juízes ao novo sistema processual que representava
uma “verdadeira revolução copérnica” (ALVARO DE OLIVEIRA, 2009, p. 55).
Franz Klein, seu redator, sofreu na época grande influência de Anton Menger,
um dos principais defensores do socialismo jurídico. Menger, que foi professor de
Klein, era crítico da estrutura liberal da economia e da política, defendendo uma
intervenção do Estado na vida privada e, inclusive, nas estruturas processuais.
Em 1890, Menger (1898) lança sua obra Das Burgerliche Recht und die Besitzlosen
Volkslassen (O direito civil e os pobres), e faz dura critica à igualdade formal imposta
pela lei e à passividade do julgador na condução dos litígios.
O autor defende que o juiz tem sempre um duplo papel na condução dos litígios:
extraprocessualmente serve como educador, que deve instruir todos os cidadãos
de seus direitos; endoprocessualmente, em contraste com o princípio dispositivo e

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552 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

com a imparcialidade, deve assumir a representação do mais pobre. Assim, afirma


textualmente que “Una vez concedido al rico el derecho de hacerse representar por
Abogado, el Juez debería procurar establecer un equilibrio entre las partes, asumiendo
la representación de la parte pobre” (MENGER, 1898, p. 126-127). Salienta que
o processo civil, ambiente de extrema complexidade para o leigo, “[...] resultaría
menos prejudicial para lo pobre en la defensa de su derecho, si el Juez pudiera intervenir
espontáneamente en la administración de la justicia civil” (MENGER, 1898, p. 121)14.
Menger (1989, p. 124-125) via também no direito processual civil um importante
instrumento de transformação social, dado que a estrutura passiva do julgador
tendia a um privilégio descabido em benefício do rico. Admite que a atuação do
juiz em prol do mais pobre traria “algumas dificuldades técnicas”, mas que seriam
bem menos prejudiciais do que a falta de paridade entre as partes. E é sob esta
influência que Klein fala do processo civil como de um Wohlfahrtseinrichtung, “isto
é, como instituição para o bem-estar, dotada inclusive de efeitos pedagógicos
(erzieherische Wirkung)” (ALVARO DE OLIVEIRA, 2009, p. 55) e que tem que ter como
escopo o bem-estar social coletivo.
Para Klein, existem três pontos de vista da jurisdição: o da autoridade dominante,
o do indivíduo privado, e o da coletividade. O primeiro daria vazão a ordenamento
processual autoritário (seria o exemplo do processo tardio romano); o segundo,
inspirado em uma ideologia liberal, era encontrado no processo direito comum da
Idade Média; enquanto o terceiro seria o modelo por ele desenvolvido em seu Código,
que seria inspirado, portanto, “no ponto de vista coletivo” (CAPPELLETTI, 2001, p. 58).
Assim, enquanto parte da doutrina vê na Zivilprozessordnung austríaca de
Klein uma legislação que reside no ideal meio termo, isto é, nem autoritário como
o processo romano-justineano, nem puramente individualista como o processo
comum (ALVARO DE OLIVEIRA, 2009, p. 55), outra parte a tem como uma legislação
autoritária, que atribui excessivos poderes ao julgador (CIPRIANI, 2006, p. 153-195).
Verdade é que se trata da primeira e mais bem sucedida inovação de estrutura
processual com iniciativa probatória a cargo do juiz. Vale dizer, se é possível
afirmar que o Regulamento Judiciário Geral de 1781 é o “embrião do Código de
Klein” (CIPRIANI, 2006, p. 153-195), que é imprescindível fazer a devida justiça às
suas inovações. Isso porque, diferentemente do primeiro, Klein respeita o princípio

14 “Uma vez concedido ao rico o dirieto de ser representado por advogado, o juiz deveria procurar
estabelecer um equilíbrio entre as partes, assumindo a representação da parte pobre” ... “resultaria
menos prejudicial para o pobre, na defesa do seu direito, se o juiz pudesse intervir espontanemante na
administração da justiça civil” (tradução nossa).

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dispositivo, deixando a cargo das partes a formulação da demanda, assim como


a delimitação do objeto litigioso, não podendo o magistrado examinar nada que
extrapolasse a pretensão exposta. Todavia, partindo do pressuposto de que o litígio
é um mal social, Klein via no processo um instrumento de proteção coletiva, sendo
que sua finalidade não era apenas da resolução de conflitos, mas a realização de
justiça. O compromisso do magistrado com a investigação das narrativas das partes
era uma imposição natural desta perspectiva.
A divisão pensada por Göenner teve grande influência no Código de Processo
Civil austríaco (Zivilprozessordnung - ZPO), já que proporcionou a preservação do
Dispositionsmaxime, em que pese retirar das partes o monopólio do aporte dos
fatos em juízo e da escolha dos meios de prova a comprová-los. A compreensão do
processo como instrumento público encontrou harmonia com a disponibilidade do
direito do privado. Nas palavras de Carnacini (1951, p. 725), o Código demonstrou
capacidade na “[...] possibilità di conciliare l’assoluta dipendenza dalla volontà della
parte per quanto riguarda il servisi dello strumento processo, con una piú o meno marcata
autonomia del giudice nella scelta dei mezzi di prova [...]”15.
Assim, na Zivilprozessordnung austríaca, o debate passa a ser público e oral. Os
recursos, limitados às decisões definitivas. Estabelece-se imediatidade entre o juiz
e as partes na condução das provas. O julgador passa a ter liberdade de valoração
das provas, em evolução ao sistema de prova legal anterior. É concedida ao
julgador a direção material do processo a fim de aportar fatos aos autos, mediante
investigação e determinação de provas de ofício e, inclusive, o aconselhamento
sobre as consequências jurídicas de seus atos ou omissões (§ 432). Chama a
atenção também a possibilidade de alteração do pedido mesmo após a citação
e sem o consentimento do demandado. A admissão da emenda era discricionária
ao magistrado a partir do critério da economia processual (§ 235). Essa emenda
poderia decorrer de própria sugestão do juízo.
No início dos novecentos são incontáveis as menções doutrinárias ao sucesso da
legislação austríaca, em especial por sua vantagem em simplificação e celeridade,
com referências que um processo por lá durava, em média, entre um a seis meses. As
estatísticas, bem verdade, são postas em xeque por Franco Cipriani (2006, p. 193-195).

15 “Possibilidade de conciliar a absoluta dependência da vontade da parte quanto ao uso do


instrumento do processo, com uma autonomia mais ou menos marcada do juiz na escolha dos meios
de prova” (tradução nossa).

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Não por acaso, a ZPO austríaca se demonstrou muito mais revolucionária e


influente do que a ZPO alemã de 1877 e, antes dela, do Code Napoleônico de 1806.
Fairén Guillén (1955, p. 306) afirma que sua influência “es casi única en la Historia
del Derecho moderno”, sendo o texto que mais se aproxima de “lo que debe ser un
processo concebido idealmente”. Segundo Chiovenda (1969), a codificação austríaca
influencia as leis processuais da Bulgária (1907 e 1922), da Noruega (1915), da
Dinamarca (1919, 1922, 1927), da Iuguslávia (1932), da Polônia (1933) e até da
China (1921). Aliás, a própria ZPO alemã sofre sua influência nas novelas de 1909
e 1924. A Zivilprozessordnung austríaca é também uma das grandes influências do
Código de Processo Civil brasileiro de 1939.
Assim, opera-se a revolução da Zivilprozessordnung austríaca de Klein: de um
lado, o questionável ideário político do socialismo jurídico de usar o processo civil
como instrumento de combate à desigualdade social, mediante a defesa do mais
pobre; de outro, uma acentuada capacidade técnica na divisão das atividades de
investigação e no trato com princípios fundamentais, tais como o dispositivo. Tudo
isso envolto em um processo oral e público.

5 A evolução dos estudos sobre a disposição das partes e dos poderes do juiz na
moderna doutrina italiana

Os estudos da doutrina alemã foram de grande influência aos juristas italianos,


que, no limiar do século XX, difundiram o processualismo, tendo em Giuseppe
Chiovenda o fundador da escola processual italiana moderna (CASTILLO, 1997), a
principal ponte para a nova fase que se instalaria.
Incumbem-se justamente a Chiovenda as primeiras notas que levam o avanço
do debate sobre os limites do princípio dispositivo e dos poderes do juiz no processo.
Chiovenda distingue a propositura da demanda, da formação do material do seu
conhecimento e a direção do processo. Afirma que existe uma limitação aos poderes
do juiz, consistente na proibição de iniciar a demanda e de fugir à correspondência
necessária entre o pedido e o resultado e que esta limitação é de caráter absoluto. No
entanto, existem outras limitações que influenciam “en la formácion del material de
conocimiento, y otros a su ingerencia en la dirección de processo y son limites variables
y relativos”16. Todavia, entende que a proibição ao exame dos fatos essenciais não
alegados pela parte (secundum allegata et probata partium judicare debet) é uma

16 “Na formação do material de conhecimento, e outros à sua interferência na direção do processo e são
limites variáveis e relativos” (tradução nossa).

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imposição da regra que lhe impede julgar fora dos limites do pedido. Exposta a
ação pela parte, é possível conceber, abstratamente, um juiz investido de todos os
poderes para descobrir a verdade dos fatos alegados, ou como sujeito continuamente
preso à iniciativa das partes. A primeira opção caracterizaria o princípio inquisitório,
enquanto a segunda, o dispositivo (CHIOVENDA, 1925, p. 178-181).
Poucos anos depois, Calamandrei (1965a, p. 145-176; 1965b, p. 415-426;
1965c, p. 204-233) também dá sua participação no tema, por meio de, pelos menos,
três ensaios fundamentais. De chofre, o autor expõe a distinção entre o princípio
dispositivo e o inquisitório, com a comparação entre o direito civil e o penal.
Destaca que o processo civil pode ser do tipo dispositivo, quando expõe um conflito
de interesses privados, mas que, por vezes, o processo civil pode ter por objeto
interesse que justifica o uso de “[...] un altro tipo di processo civile, che possiamo fin
d’ora denominare lato sensu processo civile ‘inquisitorio’ [...]”17. Salienta que a distinção
entre processo dispositivo e inquisitório reside na intensidade de importância da
participação da vontade privada no exercício da jurisdição. Enquanto o primeiro
fica condicionado à iniciativa da parte, no segundo, o magistrado tem poderes
desvinculados àquela iniciativa. Salienta, ainda, que a diferença não reside tanto na
estrutura, mas no sujeito ao qual se dá o comando das atividades.
Em clara evolução do seu pensamento, já sob a égide do nuovo codice de
procedura civile, Calamandrei (1965, p. 216-221) prefere falar em um princípio da
autoridade que transpõe o interesse público, que se opera sobre o processo e que
deve ter como fito conciliar o seu caráter público com os poderes de disposição da
parte sobre a própria esfera jurídica. Distingue o princípio da demanda como valor
intocado no codice e que decorre da disposição da parte sobre o próprio direito,
sendo uma “logica conseguenza della autonomia negoziale riconsciuta al privato”18.
Diferencia ainda, o princípio da demanda do princípio do impulso, que no codice
continua como regra a cargo da parte. Como consequência do princípio da demanda,
decorre o da correspondência entre o pedido e a sentença, o qual também impede o
juiz de considerar fatos não alegados pelas partes. Junto ao princípio que determina
a necessidade de alegação dos fatos, caminha aquele pelo qual cabe às partes a
indicação dos meios de prova que entendem adequados; é este que justamente
deve ser chamado de dispositivo e que tem como seu oposto o princípio inquisitório.

17 “Um outro tipo de processo civil, que podemos doravante denominar de processo civil inquisitório latu
sensu” (tradução nossa).

18 “Consequência lógica da autonomia negocial reconhecida ao setor privado” (tradução nossa).

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Por fim, salienta que a distinção para a adoção de cada princípio é a natureza do
direito. Nos direitos indisponíveis vige o inquisitório, sendo lícito ao juiz determinar
os meios de prova que entender pertinentes a descobrir a verdade, até porque falar
de dispositivo em direitos indisponíveis seria uma contradição em termos.
Assim, a doutrina italiana passa a distinguir com mais clareza o princípio
della domanda e della trattazione e começa a debater o conteúdo e extensão do
princípio dispositivo (LIEBMAN, 1962, p. 3-5). Enquanto para alguns se tratava de
um princípio absoluto, como próprio da autonomia privada e reflexo da disposição
do direito pela parte, para outros não passava de um simples conceito diretivo
ao legislador (um critério de oportunidade) (CHIOVENDA, 1993, p. 174-175).
A conscientização do interesse público que permeia o processo judicial dá espaço
para se conceder ao magistrado “la iniziativa nella trattazione e nella istruzione
della causa”19 (LIEBMAN, 1962, p. 5).
Em célebre ensaio intitulado “tutela giurisdizionale e tecnica del processo”,
Tito Carnacini (1951, p. 695-772) avança nos estudos alemães para aduzir que a
distinção entre a disposição do direito material pela parte em nada se compara com
a disposição sobre os instrumentos processuais. O autor adverte que, enquanto o
direito pertence ao seu titular, o processo é instrumento público e a disposição sobre
as técnicas processuais não pode pertencer às partes como mera consequência da
titularidade do direito material.
Assim, residem em planos distintos o direito à tutela jurisdicional e as técnicas
processuais. Nesta perspectiva, a possibilidade de determinação de prova motu
proprio pelo magistrado é apenas uma técnica que pode ou não ser adotada pelo
legislador, dado o interesse público que move o julgador na busca pela resolução
adequada do litígio (CARNACINI, 1951, p. 709-714).
O autor enfatiza que não se pode confundir a posição de parte e a atividade
que ela desenvolve no processo, o que precisamente está ligado ao regime de
tutela do interesse material e o que, de outro lado, está ligado ao regime interno
do instrumento escolhido: o primeiro supera o campo processual, ainda que se
apresente sub especie processus. Critica a doutrina alemã que, ainda sob dupla
faceta, põe coisas distintas sob um único princípio: uma, o fato de a parte ser a
dona do objeto em litígio e de servir-se do processo civil; e outra, a determinação
do material de fato e dos meios para prová-los. Na visão da doutrina alemã, não
se chegou a pensar em dois princípios distintos, visto que não havia nenhuma

19 “A iniciativa no debate e na instrução da causa” (tradução nossa).

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diferença essencial nos motivos que justificam iniciar o processo, ou de propor a


prova por testemunhas, dado que se trataria apenas de uma diversa proporção de
interesse privado e público, ou de uma diversa valoração da própria capacidade da
parte para tutelar seu próprio interesse, mediante aumento ou diminuição de sua
disposição (CARNACINI, 1951, p. 716-731).
As afirmações de Carnacini (1951) representam importante avanço, uma vez que
põem ênfase no fato de que a aportação dos fatos ao processo, assim como o seu
impulsionamento a cargo da parte ou do magistrado ou a permissão de iniciativa
probatória a cargo do julgador, não poderiam ser vistas como mera consequência
ou extensão da adoção do princípio dispositivo, isto porque residem em planos
distintos. Em suma, tem o notável mérito de demonstrar que a iniciativa probatória
a cargo do juiz em nada diminui a incidência do princípio dispositivo, já que se trata
de técnica processual, que em nada o afeta.
Como não vê a proibição ao juiz de iniciar ex officio o processo ou, ao menos, de
julgar ultra ou extra petita, senão apenas como mera manifestação do direito material,
assevera que o princípio dispositivo deve ser visto como princípio de oportunidade
e que tem sua contraposição no princípio inquisitório. Esta contraposição está na
estrutura interna do processo, sendo inquisitório o processo que não depende, no que
pertine à eleição dos fatos relevantes e dos meios de prova, apenas da vontade dos
particulares. Logo, “[...] consiste proprio e soltanto nel venire meno di questo monopolio
istruttorio delle parti a seguito dell’entrata in scena [...]”20 (CARNACINI, 1951, p. 771).
Discorda-se em parte da conclusão de Carnacini. Parece possível ver as garantias
que proíbem a instauração da demanda de ofício e o julgamento dentro dos limites
do pedido como manifestações processuais da autonomia do indivíduo sobre
a própria esfera jurídica (plano do direito material), porém é muito interessante
destacar a conclusão do mestre italiano, porque ela demonstra o quão umbilical é a
relação destas garantias com o direito material.
É por conta da relevante influência dos clássicos processualistas italianos que
se desenvolve a ideia de princípio inquisitório com a iniciativa probatória do juiz e,
por consequência, a dificuldade de definição do dispositivo, como sua contraposição
natural. Vale dizer, a má compreensão do inquisitório levou a doutrina a uma má
compreensão também do seu valor antagônico.

20 “Consiste precisamente e apenas na perda deste monopólio investigativo das partes após a
entrada em cena” (tradução nossa).

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Alguns anos mais tarde, o tema da compreensão do princípio do dispositivo e da


formação dos sistemas processuais de forma comparada também chamou a atenção
de Mauro Cappelletti (1962, p. 111-135), que dedicou várias obras e ensaios em
maior ou menor medida ao tema.
Cappelletti (2001, p. 34) enfatizou o equívoco da contraposição entre inquisitório
e dispositivo nestes termos e alertou que é inapropriado alcunhar de modelo
inquisitório de processo uma estrutura processual organizada a partir do princípio
dispositivo, compreendido como vedação à atuação de ofício do juízo, bem como ao
respeito aos limites da pretensão.
Aquele autor afirma que o processo, como qualquer instrumento ainda que não
jurídico, possui suas próprias exigências, as quais os sujeitos devem se adaptar ao
seu mecanismo interno, conformando sua própria atividade (CAPPELLETTI, 1962,
p. 305). Ratifica que é importante distinguir as normas que se referem ao momento
do exercício da pretensão à tutela do interesse material deduzido em juízo, das
normas que se referem à técnica e à estrutura interna do processo. Isso porque, no
primeiro momento, o autor “[...] dispone del suo interesse materiale, e più precisamente
disponde del potere di chiederne la tutela giurizdizonale [...]21”(CAPPELLETTI, 1962, p.
306-307). No segundo, exerce iniciativa endoprocessual.
Assim, o princípio dispositivo “[...] indica quel tanto, e solo quel tanto, che sulla sfera
giurizdizionale si riflette come conseguenza logicamente e giuridicamente necessaria
del carattere privato [...] dell’objeto litigioso ossia del rapporto sostanziale dedotto in
giudizio”22 (CAPPELLETTI, 1962, p. 319). Daí, conclui que não é possível chamar de
inquisitório um sistema processual em que o juízo não pode apresentar de ofício a
demanda ou intervir nos limites do objeto litigioso, isto é “[...] um sistema inspirado
no princípio dispositivo, porque é precisamente a exata posição do princípio
inquisitório” (CAPPELLETTI, 2001, p. 34).
Por fim, o mesmo autor i) critica a doutrina alemã que vê no Verhandlungsmaxime
algo próximo ao judex secundum allegata et probata partibus judicare debet, como uma
consequência lógica e necessária da natureza privada do objeto litigioso; ii) salienta
que se faz imprescindível distinguir a alegação do fato do ato de prová-lo; e iii) afirma
que as alegações dos fatos se constituem em um imperativo que vincula o juiz na

21 “Dispõe do seu interesse material, e mais precisamente tem o poder de requerer sua tutela jurisdicional”
(tradução nossa).

22 “Indica que tanto, e somente aquele tanto, que se reflete na esfera jurídica como consequência lógica
e juridicamente necessária da natureza privada [...] do objeto contencioso, ou seja, da relação substancial
deduzida em juízo” (tradução nossa).

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Guilherme Botelho 559

formação da demanda (causa de pedir), dado a aceitação da teoria substanciação


ao invés da individualização, “[...] l’allegazione dei fatti giurici costituisce un elemento
necessario ed essenziale della domanda giudiziale.”23 Assim, como consequência “[...] del
carattere privato del rapporto litigioso, al potere dispositive delle parti”24, deve integrar o
Dispositionsmaxe. Diferencia, portanto, a disponibilidade da prova da disponibilidade
das alegações e destaca que duas exceções precisam ser postas: que tanto os fatos
secundários quanto os fatos os quais o juiz deve conhecer de ofício permitem seu
exame independente de alegação (CAPPELLETI, 1962, p. 329-350).
A partir das lições expostas, a moderna doutrina italiana continuou os debates
que, bem verdade, nas últimas décadas, focaram-se mais na atividade probatória
do que na estrutura organizacional do processo. Em obra de fôlego, Ernesto
Fabiani (2008) analisa a evolução histórica do princípio inquisitório no direito
penal e sua compreensão na contraposição com o sistema acusatório. Demonstra a
impropriedade do debate para o processo civil a partir da iniciativa probatória como
critério diferenciador e propõe a sua organização sob outra perspectiva.
Fabiani parte de premissa diversa de Cappelletti sobre o conteúdo do princípio
dispositivo e aduz que são possíveis dois modelos de processo e de instrução civil:
o processo dispositivo (ou da parte) e o processo inquisitório (ou de ofício). O primeiro
é caracterizado pelo fato de que a instauração do processo, a alegação dos fatos e
a introdução das fontes de prova no processo são reservados às partes. O segundo se
caracteriza pela atribuição ao juiz dos poderes de iniciativa oficiosa na instauração da
demanda e/ou na determinação do material da causa, incluso o poder de introduzir no
processo fatos ou fontes de prova não alegados e não indicados pelas partes.
Em outro plano, em relação “alla mera atività di deduzione formale della prova”25,
é possível distinguir o método instrutório aquisitivo em que o magistrado pode
determinar meios de provas não requeridos pelas partes e o método instrutório
dispositivo, em que as partes têm exclusividade na iniciativa probatória (FABIANI,
2008, p. 539-543). Em comum entre os autores, a conclusão de que se o impulso a
cargo do julgador ou seu poder de determinar de ofício uma prova não requerida
por qualquer das partes não tem qualquer correlação com o princípio dispositivo,
porque representam meras técnicas ou opções de política legislativa, logo,

23 “A alegação de fatos jurídicos constitui um elemento necessário e essencial do pedido judicial”


(tradução nossa).

24 “Da natureza privada da relação em disputa, ao poder dispositivo das partes” (tradução nossa).

25 “À mera atividade de dedução formal da prova” (tradução nossa).

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560 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

equivocado denominar como inquisitório o tipo processual que permita ao juiz a


investigação de ofício a fim de formar seu convencimento. Inquisitório será apenas
o processo que permita ao magistrado a intromissão no próprio objeto litigioso.
É que a expressão inquisitório, como referência a um modelo processual, é de
construção muito anterior no direito penal, que encontra como seu contraponto
o modelo acusatório. A expressão inquisição (investigação), como aponta Fabiani,
é normalmente utilizada para se referir ao procedimento adotado pelo tribunal
de inquisição do século XIII, por vezes chamado de inquisição medieval, ou para
se referir à inquisição espanhola do tempo de Fernando II e Isabel de Castela, ou,
ainda, em referência à inquisição romana, instituída por Paulo III, com a criação do
tribunal do santo ofício, em 21 de julho de 1542. Todavia, muito antes, já se pode
apontar um processo ou sistema penal do tipo inquisitório no final do período
imperial romano (FABIANI, 2008, p. 12-13).
Já na primeira fase da idade média é possível verificar o tranquilo
restabelecimento do modelo acusatório de processo penal, que apenas a partir
do século XII, volta a sofrer desprestígio por conta do rápido desenvolvimento do
processo de ofício em vista da forte influência do processo canônico. O processo de
natureza inquisitória alcança seu apogeu nos Decretos de Inocêncio III (1198-1216),
aplicáveis basicamente na perseguição aos hereges (FABIANI, 2008, p. 35).
O sistema inquisitório continuou com grande prestígio nos séculos seguintes,
sendo um de seus últimos exemplos no âmbito penal a Ordennance Criminelle de
1670, promulgada na França por Luís XIV, em período de maior potência do Estado
Absoluto, até restar substituído, no início da revolução francesa, por um modelo
inspirado no processo penal inglês de marca acusatória, “[...] con l’adozione del
codice d’istruzione criminale del 1808, di quello che viene storicamente qualificato
como ‘sistema misto’ (respetto, evidentemente, ai contrapposti sistemi allo stato puro,
accusatorio e inquisitorio”26 (FABIANI, 2008, p. 51). A partir de então, o modelo
inquisitório passa a ser marcado pela concentração das atividades de acusador e
julgador na mesma pessoa.
A legislação processual penal sofre mundialmente grande influência do codice
d’istruzione criminale del 1808 e o sistema misto – em geral bipartido, com uma
fase inicial inquisitória e um processo de marca acusatória, mediante um órgão

26 “Com a adoção do código de instrução criminal de 1808, do que historicamente se qualifica como
um 'sistema misto' (obviamente no que diz respeito aos sistemas opostos em estado puro, acusatório e
inquisitorial” (tradução nossa).

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Guilherme Botelho 561

do Estado com a função de promoção da acusação que assegura ao magistrado


maior imparcialidade na função de exclusiva de julgar – ganha prestígio na cultura
romano-canônica moderna.
Em suma, é possível afirmar que o princípio inquisitório, assim como o princípio
dispositivo, estão historicamente ligados à definição do objeto litigioso e à própria
disposição do direito subjetivo. O direito de punir aquele que viola norma de natureza
penal não é do privado, mas do Estado, logo, é natural a atuação do princípio
inquisitório nesta seara. A iniciativa do Estado, por meio de um órgão também estatal,
mas diverso do Juiz, não se dá pelo respeito de necessidade de iniciativa da parte, mas
pela necessidade de preservação da ideia moderna de impartialidade (terzietà).

6 Princípio da dependência da tutela à vontade do interessado (Dispositionsprinzip)


Como se viu, são antigos os debates em torno da extensão e natureza do
princípio dispositivo, sem qualquer consenso. As dificuldades terminológicas
também são imensas. Como bem observou Barbosa Moreira (1989, p. 43), a doutrina
faz alusão ao princípio dispositivo a fim de aludir “a qualquer das manifestações da
subordinação do juiz à iniciativa da parte”. Seu fundamento também se demonstra
divergente tanto na doutrina italiana antes examinada, como também na do Brasil:
por vezes, dá-se como fundamento o dever de imparcialidade do juiz, outras vezes, a
autonomia privada (BARBIERI, 2005, p. 122).
Também se viu que a doutrina italiana alicerçou seus estudos em mais de um
sentido para o dispositivo, às vezes concedendo-lhe um sentido onipresente, outras
vezes utilizando a distinção entre princípio da demanda e do debate, por influência
alemã para explicar seu conteúdo. O dispositivo também é dividido em sentido material
e processual e pode significar apenas pequena parcela do fenômeno, como se referir,
por exemplo, a “disponibilidade das partes quanto as alegações e fontes de prova”.
Ao longo dos últimos dois séculos, o que se vê é a ampliação das dificuldades
de terminologia e, em especial, do fundamento desta garantia. A utilização do
dispositivo como verdadeiro slogan prejudica a compreensão do complexo de
fenômenos diversos que ele tende a apresentar. Nesse caso, é imprescindível o
cuidado terminológico, a fim de “redimensionar – como urge – todo o fenômeno
subjacente” (BARBOSA MOREIRA, 1989, p. 44).
A importância na definição terminológica ganha ainda maior relevância,
quando se verifica que o tema nas últimas décadas “constitui objeto de um recente
revival” (TARUFFO, 2013, p. 58), por conta do debate ideológico imposto, em geral,

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562 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

sobre os poderes do juiz no campo probatório. A necessidade de uma abordagem


mais profunda sobre o significado do dispositivo apenas se acentuou, enquanto as
dificuldades terminológicas aumentaram.
O que se vê, assim, é a extração de seu conteúdo na disposição do direito pelo
privado. Como já mencionado, o pedido de tutela jurisdicional é uma consequência de
sua disposição sobre o direito material. Ocorre porque as partes não têm disposição
sobre o instrumento processual, e por isso não poderiam ver assegurada uma inércia
do julgador na condução do processo. Sendo o direito de ação um direito subjetivo
público, não há maior disponibilidade da parte sobre seu procedimento ou técnicas.
Assim, a premissa na qual a doutrina contemporânea forja o fundamento do
dispositivo se apresenta equivocada, em que pese até pareça lógica. Como bem
pondera Barbosa Moreira (1989, p. 36), a expressão dispositivo sugere incidência
sobre “relações jurídicas disponíveis”, isto é, dos “direitos de que os respectivos
titulares podem dispor com liberdade”.
O dispositivo seria uma projeção lógica e necessária, no campo processual,
daquela disponibilidade: “o que é disponível fora do processo continua a sê-lo
no processo” (BARBOSA MOREIRA, 1989, p. 36). Em consequência, o princípio
dispositivo incidiria apenas em litígios que versam sobre direitos disponíveis, dado
que “[...] uma vez que neste o predomínio da vontade particular constitui reflexo
da disponibilidade do direito, aquela deveria predominar onde que se cuidasse de
direito disponíveis, e somente aí [...]” (BARBOSA MOREIRA, 1989, p. 36). Esse, aliás,
sempre foi o pensamento de Calamandrei (antes relatado) e de Liebman (1962,
p. 15-16), que, como se sabe, influenciou de forma ímpar Alfredo Buzaid, redator
do Código de Processo Civil de 1973.
A doutrina que se apega à distinção entre direitos disponíveis e indisponíveis,
de regra, o faz para defender a inexistência de iniciativa probatória do juiz, nos feitos
que versam sobre direitos disponíveis. Aduzem que a iniciativa probatória fere o
princípio dispositivo e que ele apenas não incidiria em processos que versam sobre
direitos indisponíveis, em que se sobrepõe o interesse público.
O erro do raciocínio é flagrante, pois, mesmo em processos que versam sobre
direitos indisponíveis, de regra, não pode o magistrado propor a demanda de
ofício ou mesmo alterar o objeto litigioso. De outro lado, é possível ao legislador
exemplificadamente permitir, excepcionalmente, a abertura de ofício do processo de
inventário, que verse, em regra, sobre direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis,

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Guilherme Botelho 563

como fazia o Código de Processo Civil de 1973, sendo bem verdade que o legislador
de 2015 preferiu não repetir a excepcionalidade.
A questão é que existe efetivamente uma garantia do indivíduo contra a
ingerência de sua esfera jurídica sem prévia manifestação de vontade. Vale dizer, o
indivíduo tem direito à autonomia privada na gestão de seus bens. Por sua vez, esse
direito reflete no processo mediante uma garantia específica: da não intervenção
jurisdicional, sem prévia manifestação do jurisdicionado. Como se constitui de um
valor fundamental, esta intervenção, quando postulada, deve respeitar os estritos
limites do pedido.
Seguindo a doutrina de Carnacini (1951, p. 744), pode-se falar em um “princípio
fundamental da dependência da tutela à vontade do interessado”, que protege o
indivíduo contra intervenção do Estado. Logo, não é uma proteção ao direito disponível,
porque incide inclusive naqueles de natureza indisponível. A indisponibilidade do
direito impede seu titular de renunciá-lo, porém não o obriga a exercer o poder
(faculdade) de pleitear a tutela jurisdicional, caso esteja sofrendo qualquer turbação
ou restrição no plano do direito material. Esse princípio nada mais é do que o
reconhecimento da Dispositionsmaxime, reconhecida na doutrina alemã.
No mais, parece também importante salientar que o direito romano não conheceu
a categoria dos chamados direitos indisponíveis. Há evidência de que o princípio não
nasce como proteção da disposição do direito no sentido que se tentou recuperar
modernamente, mas na proteção da faculdade do titular de exercer a pretensão à
tutela do direito. O princípio da dependência da tutela à vontade do interessado não
se move em conta da disponibilidade do direito. É proteção do indivíduo, do direito
de liberdade e de propriedade: é garantia do titular do direito. Logo, atua sempre
que houver titular reivindicando direito próprio, mesmo que indisponível.
Assim, o princípio fundamental da dependência da tutela à vontade do
interessado – que pode ser chamado de princípio da demanda, desde que restrito
ao conceito traçado, já que expressão de maior uso na doutrina nacional – é uma
proteção natural do indivíduo. Ela se distingue das demais proteções contra a
intervenção do Estado-Juiz que se operam dentro do processo, porque estas não
representam uma garantia imediata ao direito material. Isso porque, o indivíduo
não é titular (proprietário) das alegações sobre o fato, da iniciativa de provar ou do
impulso a fim de dar andamento no processo judicial. Essas garantias se operam
sobre situações processuais e o processo é instrumento público de resolução de
conflitos, mediante decisões que apliquem o direito objetivo ao caso concreto.

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564 Formação e evolução do princípio dispositivo na cultura ocidental de processo

É imprescindível, portanto, salientar nossa visão de que a dependência da tutela


à vontade do interessado deve ser vista como um reflexo processual dos direitos
à liberdade e à propriedade, constituindo-se em um princípio processual (“ou
pré-processual”27), seja porque visa “a proteger o indivíduo contra o arbítrio judicial e
estatal” (ALVARO DE OLIVEIRA, 2009, p. 99), seja porque representa um estado ideal
a ser alcançado pelo legislador, servindo de fonte interpretativa para as normas de
primeiro grau. O mesmo ocorre com seu valor antagônico, o inquisitório.
Assim, o princípio da dependência da tutela à vontade do interessado, que
representa uma garantia fundamental da autonomia privada, podendo ser chamado
também de princípio da demanda, engloba apenas e tão somente o poder exclusivo
da parte de instaurar a demanda (exercer a pretensão à tutela jurídica) e definir os
limites da proteção e, portanto, da extensão da intervenção jurisdicional, que deseja
pleitear, através do pedido, não podendo o magistrado julgar fora destes limites.

7 Conclusão
O princípio do dispositivo deita suas raízes no direito romano e vem
acompanhando as mais diversas culturas ao longo dos séculos. Pensado como
princípio de proteção do titular do direito em juízo, ele é recuperado como uma
garantia da natureza disponível do direito material, a partir da ideia de que o que
é disponível fora do processo deve continuar a sê-lo fora dele, com o que integra
a plena disposição das partes, não apenas da conformação do objeto processual,
como também de suas técnicas, pertencendo apenas a elas seu impulsionamento,
vedando-se ao magistrado que se pronuncie sobre o que não foi alegado.
É apenas a partir do movimento publicista do início do século XIX e do
estabelecimento da premissa de que o processo é instrumento de proteção dos
direitos, que advém a necessidade de sua recompreensão, mediante a distinção
entre disposição do direito material em juízo e disposição das técnicas processuais,
com isso equivocada a divisão entre dispositivo em sentido material e dispositivo
em sentido processual, como se fossem faces opostas da mesma moeda.
A proibição à instauração do processo ex officio e ao julgamento fora dos
limites do pedido são verdadeiros reflexos processuais dos direitos fundamentais
à liberdade e à propriedade, com o que não atuam no mesmo plano da eventual
disposição das partes que possa, em maior ou menor medida, incidir sobre as técnicas

27 Pontes (1975, p. 19) usa a expressão pré-processual para referir-se à pretensão à tutela jurídica.

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Guilherme Botelho 565

processuais. A classificação e divisão das faces históricas do princípio do dispositivo,


em princípios da demanda e do debate, parece mais adequada do que aquela mais
comum na doutrina nacional, que divide o princípio dispositivo em sentido material
e processual, pelos equívocos que naturalmente essa terminologia tende a gerar.
O princípio da demanda está estreitamente ligado aos direitos fundamentais à
liberdade e à propriedade, com o que a escolha das técnicas processuais em nada
o afeta, constituindo-se em escolha de oportunidade do legislador. Estas escolhas
devem ter a cultura como norte. Isso porque as características processuais devem se
adequar ao direito material a ser instrumentalizado. Não ao acaso, Estados Liberais
tendem a organizar o contraditório de forma paritária, enquanto Estados Sociais
tendem a organizar o diálogo mediante relações que põem o julgador em posição
de hierárquia frente às partes.
Outrossim, desde Zivilprozessordnung austríaca de Klein, os Estados Sociais
compreenderam e passaram a ver no processo não apenas um instrumento de
resolução de conflitos, mas um poderoso instrumento de concretização dos direitos,
isto é, de realização dos valores morais positivados na ordem jurídica. O Estado Social
pode, assim, utilizar-se da jurisdição a fim de impor suas políticas de mitigação das
desigualdades, mediante técnicas que permitam sua maior intervenção. O contrário
é também visível em Estados Liberais, que veem na jurisdição apenas um meio de
resolução de conflitos, refletindo sua cultura de menor intervenção.

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6
568

A saga legislativa dos heróis e


heroínas brasileiros

FABIANA SANTOS DANTAS


Doutora e Mestra em Direito Público (UFPE).

Artigo recebido em 14/2/2019 e aprovado em 5/2/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Conceito e significado do Herói Nacional 3 Procedimento legal para


consagrar heróis e heroínas no Brasil 4 Tiradentes, um breve estudo de caso 5 Efeitos jurídicos
do heroísmo na legislação brasileira 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: A memória dos heróis e heroínas nacionais é parte importante da narrativa


de construção da Nação e integra o patrimônio cultural brasileiro. O objetivo do
presente artigo é analisar a motivação, os procedimentos, os requisitos e a legislação
que os consagra, verificando a eficácia dessa forma de lembrança celebrativa. A
discussão sobre a forma de conceder o título honorífico é relevante para aperfeiçoar
os critérios e os procedimentos, como meio de potencializar a presença dos heróis
nacionais no cotidiano dos cidadãos, efetivando o seu direito à memória, e também
de sistematizar e interpretar esse universo normativo disperso e pouco conhecido.
O resultado esperado é contribuir para uma melhor compreensão do tema através
de um panorama e da contextualização da discussão, realizada através de um
breve estudo de caso sobre Tiradentes, bem como de documentos legislativos e
bibliografia pertinente.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional Direito à Memória Patrimônio Cultural Brasileiro.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 128 Out. 2020/Jan. 2021 p. 568-591


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Fabiana Santos Dantas 569

La saga legislativa de los héroes y heroínas brasileños


CONTENIDO: 1 Introducción 2 Concepto y significado de Héroe Nacional 3 Procedimiento legal
para consagrar los héroes y heroínas en Brasil 4 El Tiradentes, un breve estudio de caso 5 Efectos
jurídicos del heroísmo en la legislación brasileña 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: La memoria de los héroes y heroínas nacionales es una parte


importante de la narración de la construcción de la Nación e integra el patrimonio
cultural brasileño. El objetivo del presente artículo es analizar la motivación, los
procedimientos, los requisitos y la legislación que los consagran,verificando su eficacia
en cuanto al modo de rememoración. La discusión sobre los medios de conceder el
título honorífico es relevante para perfeccionar los criterios y procedimientos para
potenciar la presencia de los héroes nacionales en el cotidiano de los ciudadanos,
tornando efectivo su derecho a la memoria, y también para sistematizar y interpretar
el universo normativo disperso y desconocido. El resultado esperado es contribuir a
una mejor comprensión del tema a través de un panorama y de la contextualización
de la discusión realizada por medio de un breve estudio de caso sobre el Tiradentes,
como también de documentos legislativos y bibliografía pertinente.

PALABRAS CLAVE: Derecho Constitucional    Derecho a la Memoria    Patrimonio


Cultural Brasileño.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 22 n. 128 Out. 2020/Jan. 2021 p. 568-591


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570 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

The legislative saga of Brazilian heroes and heroines


CONTENTS: 1 Introduction 2 Concept and meaning of Nacional Hero 3 Legal proceeding to
consecrate heroes and heroines in Brazil 4 Tiradentes, a brief case study 5 Judicial effects of
heroism on the Brazilian legislation 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: The memory of national heroes and heroines is an important part of the
Nation's construction narrative and is part of the Brazilian cultural heritage. The
purpose of this article is to analyze the motivation, procedures, requirements and
legislation that enshrines them, verifying their effectiveness as a form of celebratory
remembrance. The discussion about how to award the honorific title is relevant to
improving the criteria and procedures, as a way to enhance the presence of the
national heroes in the daily lives of citizens, realizing their right to memory, and
also to systematize and interpret this normative universe that is dispersed and little
known. The expected result is to contribute to a better understanding of the topic
through a panorama and contextualization of the discussion, carried out through
a brief case study on Tiradentes, as well as legislative documents and relevant
bibliography.

KEYWORDS: Constitutional Law Right to Memory Brazilian Cultural Heritage.

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1 Introdução

M nemosyne, a deusa Memória cultuada na Antiga Grécia, tinha entre as suas


atribuições revelar o passado e o futuro (VERNANT, 1990, p. 141). Concedia aos
poetas e adivinhos o poder de voltar às origens e à essência (geralmente identificadas
com o passado) e lembrá-las para a coletividade, mas também o dom da imortalidade,
pois quem se tornasse memorável não morreria jamais (CHAUÍ, 2001, p. 126).
Nem todos os indivíduos alcançam a imortalidade através da memória coletiva1,
pois marcá-la indelevelmente exige gestos importantes, virtudes notáveis, feitos
cuja excepcionalidade transcende a realidade e o caráter cotidianos. Quando se
trata de consagrar um herói nacional, há o reconhecimento de que a sua memória
individual adquire um valor coletivo e, por isso, pode (e às vezes deve) ser lembrado
através de comemorações públicas.
A memória dos heróis e dos santos – oficiais ou não – liga-se ao direito à
memória dos mortos, efetivado sob a forma de respeito, que pode ser manifestado
pela defesa por intermédio dos familiares (os gestores da boa memória), conforme
estipula o Código Civil brasileiro, e também por outras três maneiras: a lembrança
celebrativa, em relação aos vultos e personalidades históricas; a reabilitação, quando
o indivíduo falecido não teve em vida o reconhecimento ao qual fazia jus e o direito
genérico de respeito aos mortos (DANTAS, 2010). A consagração de um indivíduo
como Herói da Pátria é um exemplo notável de lembrança celebrativa, que também
pode servir para reabilitar quem, em vida, não foi reconhecido ou assumiu um papel
nos fatos históricos posteriormente ressignificado. O valor de um indivíduo para a
Nação, às vezes, só é percebido após muitas gerações.
No Brasil, existem muitos heróis e heroínas oficiais e não oficiais. Às vezes,
apenas atos que observam os valores corriqueiros de moralidade e honestidade,
tais como devolver o dinheiro alheio encontrado, ganhar um campeonato ou ajudar
pessoas e animais bastam para criar uma aura de heroísmo transitório e consequente
apreço social. Entretanto, quando se considera o interesse público que transforma
a memória individual em patrimônio comum, é preciso questionar os motivos,
os significados, os procedimentos e a eficácia jurídica, a fim de compreender sua
importância para a memória coletiva.
Afinal, como alguém se torna herói nacional no Brasil e o que isso significa
juridicamente? O objetivo do presente artigo é analisar os procedimentos e as

1 Virtute vixit, memoria vivit, gloria vivet.

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572 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

consequências normativas do título e sua significância para a Nação, através de


pesquisa bibliográfica, realizada pela análise e pelo fichamento crítico dos livros,
artigos científicos e documentos referidos ao final, além da pesquisa documental,
especialmente pelas leis que os consagram.

2 Conceito e significado do Herói Nacional

O herói é o portador simbólico do destino de todos (CAMPBELL, 2007, p. 40).

Herói2 é alguém que transcendeu a condição humana normal, tornando-se quase


divino, porque praticou atos de bravura, demonstrou virtudes incomuns, como coragem,
persistência ou força3 em situações excepcionais, cujos gestos assumem importância
coletiva (MICELI, 1994, p. 29) e o tornam um modelo para os outros. O herói é capaz
de enfrentar as adversidades que o destino lhe apresenta com altivez e destemor e de
ensinar pelo exemplo as lições aprendidas aos outros (CAMPBELL, 2007, p. 32).
O indivíduo é desafiado continuamente pelas vicissitudes da vida e, em
algumas circunstâncias, depara-se com eventos e forças que lhe exigem atitudes
extraordinárias e que acabam por moldar o seu destino. Nessa jornada, o indivíduo
transforma-se através de perigos, provações e obstáculos, e transcende a sua vida
ordinária (CAMPBELL, 2007, p. 60), sendo-lhe exigida uma conduta exemplar mesmo
nessas horas de dificuldade extrema4.
Entretanto, o ciclo heroico não se exaure no enfrentamento exitoso de situações
extraordinárias, mas exige que sejam devolvidos à comunidade os símbolos da
bênção, as dádivas que vão restaurar a própria comunidade (CAMPBELL, 2007,
p. 198), pois a experiência do herói cristaliza o alento comunitário.
Os heróis são uma espécie de arquétipo que ilustra virtudes públicas. Por
essa razão, eles encarnam os ideais nacionais, que são exatamente os motivos
de sua comemoração e exaltação e torna-se um dos símbolos do Estado ou das

2 A etimologia da palavra herói (do grego heros e do latim dele derivado) permite vislumbrar a origem
excepcional e quase divina, e o caráter protagonístico do personagem nas narrativas (CUNHA, 2001, p. 408).

3 A heroína, potente psicotrópico opiáceo, recebeu esse nome (heroisch) do fabricante Bayer (VON EVERS,
2015) exatamente por apresentar efeitos mais fortes do que as demais drogas disponíveis à época. No
mesmo sentido, cf. Norman Ohler (2017, p. 25), é o relato do consumo para potencializar a ação dos
soldados, que se tornavam quimicamente destemidos.

4 Por outro lado, nossa época não se satisfaz com o testemunho ou com a afirmação e defesa de ideais.
Vivemos o momento do super-herói, aquele que possui habilidades físicas extraordinárias, literalmente
capaz de voar e subir pelas paredes.

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comunidades5. Disso, ressaltam as duas principais finalidades em consagrá-lo:


servir de referencial moral para avaliar e dirigir condutas e também contribuir
para (in)definir a Nação que simbolizam, como destaca Miceli (1994, p. 13-14), cujo
processo de construção é contínuo e inconcluso.
Um herói nacional nem sempre será um herói do povo, e, por vezes, os valores por
ele encarnados podem ser dissonantes e divergentes do ethos local, pode faltar-lhe o
reconhecimento do mérito por absoluta ignorância ou mostrar-se anacrônico.
Ser herói é diferente de ser mártir6, porque esse último perece por ser submetido
a um suplício, geralmente involuntário, em nome dos seus ideais, dos seus valores
e das suas crenças, como exemplificam os cristãos. Na origem da palavra martírio,
encontra-se a ideia de testemunho, portanto o mártir é alguém que por meio da sua
dor física manifesta uma convicção ou o seu próprio sofrimento transforma-se em
uma manifestação dessa convicção (CUNHA, 2001, p. 504).
A representação mais tradicional do heroísmo exige a consciência de um
sacrifício voluntário e corajoso em nome de um bem maior, geralmente identificado
com a defesa da Pátria, características ausentes no martírio, e o cenário mais
frequente é a participação em guerras ou batalhas, como se pode perceber neste
trecho da célebre Canção de Rolando, quando o herói é confrontado pelo seu sábio
amigo Oliver quanto à desvantagem numérica do seu exército frente ao inimigo:

Tant mieux, répond Roland, mon ardeur s’en accroit. Ne plaise à Dieu, ni a
ses três-saints anges, que France, à cause de moi, perde de sa valeur. Plutôt
mourir qu’être déshonoré: plus nous frappons, plus L’Empereur nous aimet.
(LA CHANSON DE ROLAND, 1872, p. 91)7.

Entretanto, o que faz um personagem merecer o reconhecimento, a exaltação e


mesmo a devoção de um povo varia bastante em cada época histórica: constante é
a necessidade de prover a esfera pública de bons exemplos a serem seguidos, ainda
que sem a exatidão histórica dos fatos e das biografias.

5 Quando não é o próprio herói o mítico fundamento para a criação do Estado, os atos extraordinários
podem servir de justificação para o exercício do poder político e da relação de obediência que pressupõe
o conceito de governo.

6 Também é diferente de ser santo, porque não é necessário demonstrar certas virtudes, como a bondade,
a humildade, nem fazer milagres ou qualquer outro aspecto religioso.

7 “Tanto melhor, respondeu Roland, meu ardor aumenta. Não apraz a Deus, nem aos seus santos anjos
que a França, por minha causa, perca o seu valor. Melhor morrer que cair em desonra: quanto mais
golpearmos, mais seremos amados pelo Imperador” (tradução nossa)

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574 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

No Panteão brasileiro, existem heróis e heroínas no sentido mais tradicional,


mas também mártires e outros personagens que se destacaram sem o componente
do sacrifício voluntário pela Pátria, o que conceitual e praticamente não seria um
problema, em razão da natureza e dos valores por eles afirmados. A questão torna-se
relevante, do ponto de vista desta breve reflexão, quando se trata de heróis consagrados
legislativamente, com finalidade identitária e pedagógica para os cidadãos.
Considerar oficialmente alguém como herói nacional não se trata de
simplesmente homenagear um indivíduo, mas de destacar aquilo na sua biografia
que foi relevante para o Estado e para o povo, com a mensagem de que seu
exemplo deve ser seguido. Para alguns povos, o herói é a própria semente da
Nação e da identidade nacional, como William Wallace para os escoceses, ou a
unificação, a pacificação, a independência.
Nesse sentido, os heróis são encarnações de ideais que servem de exemplo e
ponto de referência para a identificação coletiva. São um forte aliado na legitimação
de regimes políticos e originam-se de uma necessidade coletiva ou correspondem
a um modelo de comportamento coletivamente valorizado (CARVALHO, 2003, p. 55).
Além disso, a concessão de um título como esse é uma estratégia mnemônica
que permite criar continuidade histórica e incluir determinado personagem em uma
narrativa (ZERUBAVEL, 2004, p.45).
Traduzir essas ideias em um conceito legal-operacional é um desafio de
proporções quase épicas.

3 Procedimento legal para consagrar heróis e heroínas no Brasil


O herói é uma espécie de arquétipo que ilustra virtudes públicas, encarnando
e personificando os ideais nacionais, que são exatamente os motivos de sua
comemoração e exaltação e se tornam um dos símbolos do Estado ou das
comunidades, como referido no item anterior.
Não existe uma forma única de consagrá-los, podendo o herói ou heroína ser
construído através da tradição oral, em mitos e lendas que ultrapassam e conectam
gerações, como na Canção de Rolando referida. No Brasil são consagrados por
lei ordinária, que determina a inscrição dos seus nomes em um livro de registro
específico, chamado de "Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria". Ou seja, é o Poder
Legislativo (Congresso Nacional) quem declara os heróis e heroínas brasileiros.
Não há uma limitação quanto à matéria de uma lei ordinária, mas sim meramente
quanto à forma, estabelecida pela Lei Complementar no 95/1998. Por essa razão, a

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existência de projetos de lei irrelevantes, do ponto de vista do interesse público, é


um fenômeno que afeta negativamente a eficiência e a economicidade da atuação
do Poder Legislativo.
Não é demais lembrar que a lei é um instrumento de controle social que
demanda altos custos para a sua elaboração e implementação. A concessão de
um título como de herói nacional e a criação de uma data celebrativa devem ser
relevantes para a memória nacional e possuir ressonância social, conforme o artigo
215, §2o, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), sob pena de uma atuação legislativa
injustificável do ponto de vista econômico, sociocultural e político.
Observe-se o parecer da relatora Deputada Ângela Amin, ao analisar o projeto
de Lei no 4.467/1994 no âmbito da Comissão de Educação, Cultura e Desporto, que
pretendia a criação do “Dia Nacional do Administrador de Recursos Humanos”:

1 – A simples instituição de dias comemorativos não garante obrigações


de observância desses dispositivos e, por outro lado, nada impede que
categorias, independentemente de legislação a respeito, comemorem
datas definidas pelos envolvidos.

2 – O calendário anual de datas históricas e comemorativas fixas já contém


386 dias, 130 dos quais definidos por legislação federal (exceto numerosos
dias santificados e 21 semanas comemorativas), o que não implica em
qualquer compromisso de comemoração efetiva. Além do que cada novo
dia comemorativo instituído pelo Estado poderá gerar uma demanda
artificial de novas categorias, sobrecarregando os legisladores com matéria
irrelevante do ponto de vista social. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1994).

Além disso, a consagração de um herói nacional por título legislativo impõe o


reconhecimento oficial de uma versão da biografia do personagem que pode não
corresponder à veracidade do seu passado, conferindo a chancela estatal a uma ficção
equivocada, quando não desumanizando e descontextualizando. A previsão de critérios
legais e de procedimento adequado para a concessão do título, portanto, revela-se
imperiosa inclusive para evidenciar os motivos (valores) que fundamentaram o ato.

3.1 Critérios legais vigentes


A Lei no 11.597/2007 criou o registro denominado “Livro dos Heróis da Pátria”8,
que se encontra depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves,

8 A Lei no 13.433/2017 alterou a denominação do registro perpétuo para “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.

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576 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

cuja finalidade é perpetuar o nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros que


tenham oferecido a vida à Pátria. A análise dessa singela lei, que possui apenas
quatro artigos, permite destacar os critérios gerais para a atribuição do título e
consequente registro:
a) Nacionalidade brasileira;
Conforme estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 12, a nacionalidade
brasileira originária ou derivada é obtida pelo nascimento em território brasileiro,
pela descendência de pai ou mãe brasileiros e/ou pela naturalização.
Portanto, segundo os parâmetros legais, apenas brasileiros podem ser em
tese considerados heróis, afastando-se desde a edição da Lei no 11.597/2007 a
possibilidade de consagrar as personagens em momento anterior a 1822. Por tal
critério, Tiradentes não poderia ser considerado herói, já que era português.
A circunstância de que originalmente o livro apenas referia-se a heróis não
era excludente, evidentemente, da possibilidade de consagrar uma brasileira como
heroína, como aconteceu com Anna Justina Ferreira Nery, pela Lei no 12.105/2009. A
alteração do nome do livro de registro pela Lei no 13.433/2017, portanto, tratou-se
de um gesto simbólico de afirmação e reconhecimento do valor heroico feminino.
b) Inscrição de um indivíduo ou conjunto de indivíduos como heróis;
c) Ofertar a vida para a defesa e a construção da Pátria;
Observe-se o artigo 1o da Lei no 11.597/2007:
Art. 1o O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, depositado no Panteão da Pátria e
da Liberdade Tancredo Neves, destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros
e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida à Pátria, para sua
defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo (BRASIL, 2007).
A interpretação da expressão oferecer a vida à Pátria para a sua defesa e
construção constituiu-se em um exercício interessante, pois, embora seja destacada
na necessidade de um comportamento extraordinário, especificamente indicado
pelas expressões excepcional dedicação e heroísmo, não há a exigência de sacrifício
ou perecimento em campo de batalha para a sua caracterização.
Se é certo que o cidadão comum está excluído da possibilidade de ser consagrado
como herói, ainda que revele virtudes cívicas, ou seja, uma autoridade, o legislador
poderá à sua conveniência destacar quais comportamentos revestem-se do caráter
heroico ou de excepcional dedicação para a defesa e construção da Pátria.
Nesse sentido, a análise de alguns projetos de lei aponta para uma diversidade
de comportamentos que podem dar ensejo à honraria. Por exemplo, o herói

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Antônio Sampaio (Brigadeiro Sampaio) participou da batalha de Tuiuti e faleceu


em decorrência de ferimentos de combate, em julho de 1866, e recebeu o mesmo
reconhecimento do Maestro Heitor Villa-Lobos pelo conjunto da obra.
Há a consagração de heróis de causas importantes e específicas, mas também
em comemoração de uma versão histórica consagrada oficialmente, como ocorreu
com Santos Dumont. Observe-se o Parecer no 769/2003, que analisou o projeto de
Lei no 70/2003, abaixo transcrito:

Nesse sentido, ao endossar as palavras do projeto de lei em comento – segundo o


qual o ilustre brasileiro “foi uma das mais importantes personalidades do século
XX e um dos maiores inventores de todos os tempos” –, além de levar em conta
a proximidade da celebração do centenário do primeiro vôo de um artefato
mais pesado que o ar, consideramos incontestável a pertinência da homenagem
proposta. Permitimo-nos lembrar, ainda, que a inscrição dos grandes vultos da
história brasileira no Livro dos Heróis da Pátria, constitui um efetivo caminho para
imortalizar seu exemplo para as gerações futuras. (SENADO FEDERAL, 2003).

A homenagem à sua memória deu-se em função da importância social que lhe


é atribuída – pela invenção do avião – que não necessariamente corresponde ao
conceito tradicional de herói explicitado nos itens anteriores.
A consagração como forma de lembrança celebrativa aparece claramente no caso do
Barão de Serro Azul, no Parecer no 449/2005, que analisou o projeto de Lei no 354/2004:

Por um lado, vem a ser o principal artífice da paz entre os curitibanos e os


revolucionários maragatos, que intentavam se dirigir ao Rio de Janeiro para
derrubar o governo de Floriano. Mas, por outro, veio a ser considerado traidor,
pelos florianistas, justamente por suas tratativas em favor da mesma paz
entre brasileiros. Essa atuação destacada do Barão de Serro Azul, por sua vez,
passa hoje por outras formas de resgate, particularmente com a transposição
para as telas de cinema de sua vida, no filme O Preço da Paz, produzido
por Maurício Appel, dirigido por Paulo Morelli, com elenco de estrelas como
Hérson Capri (Barão de Serro Azul), Giulia Gam (Baronesa de Serro Azul), e,
ainda, José de Abreu, Camila Pitanga e Danton Mello, nos outros papéis de
destaque. Antes mesmo do reconhecimento oficial, que se pretende fazer por
intermédio do projeto de lei aqui analisado, este já está havendo por parte
do público, pois o filme foi escolhido como Melhor Longa-Metragem pelo
júri popular da 7ª Mostra de Cinema de Tiradentes e do Festival de Gramado.
Nesse último festival, recebeu também os prêmios de Melhor Direção de Arte
e Melhor Montagem. Ao aprovar a inscrição do nome do Barão de Serro Azul
nesse registro que já consagrou outros tantos heróis, o Congresso Nacional
estará prestando um grande serviço à memória de luta pela liberdade e pela
paz, dois grandes valores de nosso povo. (SENADO FEDERAL, 2005).

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578 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

A ampla liberdade de reconhecimento das virtudes para a concessão do título


de herói levou à grande diversidade de critérios, podendo-se afirmar que o conjunto
da legislação ordinária produzida não permite indicar uma tipologia firme sobre
que gestos ou personagens podem ser considerados heroicos, herói ou heroína,
promovendo um alargamento talvez indevido do seu significado.
A edição da Lei no 11.597/2007 não conseguiu estabelecer critérios que
diferenciem um personagem histórico merecedor de reconhecimento e homenagem
de um herói nacional, e a consequência disso é a utilização desse título especialíssimo
e excepcionalíssimo de forma inadequada.
Além de oferecer vida para a defesa e construção da Pátria, para sua defesa
e construção, a lei estabelece as condições de excepcional dedicação e heroísmo.
Portanto, a partir de 2007, esses requisitos alternativos devem ser observados nas
propostas de lei, o que não foi verificado em alguns casos. Observe-se a justificativa
para a consagração de Heitor Villa-Lobos como herói nacional através da Lei
no 12.455/2011, conforme o Parecer no 584/2011:

A proposição tem o mérito de prestar uma justa homenagem ao compositor


que representa uma das maiores expressões artísticas nacionais. Esse preito
faz-se ainda mais oportuno quando constatamos que o reconhecimento da
grandeza de Villa-Lobos no Brasil não se mostra inequivocamente superior
ao que lhe é prestado em outros países. Não obstante a importância
de sua atividade como educador e animador cultural, ou como regente
e instrumentista, é a obra musical de Villa-Lobos que se nos impõe de
modo incontornável. Sua música, como se quisesse abarcar todo o Brasil,
assimilou elementos de tradições populares dos diversos grupos étnicos
e regiões, reunindo-os em uma obra inconfundivelmente pessoal e
artisticamente inovadora, que se lança para o futuro, simbolizando um
projeto de nação a ser sempre atualizado. É necessário, para realizar uma
tal obra, componente fundamental da moderna cultura brasileira, que se
junte à excepcional vocação uma dedicação intensa, prolongada por toda
uma vida. Ao cumprir a condição de que tenham transcorrido 50 anos da
morte do homenageado, tal como estabelecida no art. 2o, caput, da Lei
no 11.597, de 29 de novembro de 2007, que “dispõe sobre a inscrição de
nomes no Livro dos Heróis da Pátria”, a homenagem proposta mostra-se
plenamente justificada. Acrescente-se a isso que a proposição sob exame
coaduna-se às normas constitucionais, aos princípios gerais do Direito e ao
Regimento da Casa. (SENADO FEDERAL, 2011).

Afirmar que a obra e a biografia de um personagem não correspondem à ideia


tradicional ou eventualmente legal de herói não significa diminuir a sua importância

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histórica e nem o seu apreço público. De fato, a importância de Heitor Villa-Lobos


para a cultura brasileira é inegável, porém o reconhecimento oficial através da sua
consagração como herói nacional é adequado?
d) Requisito temporal: período após o falecimento;
A Lei no 11.597/2007 originalmente previa o prazo de cinquenta anos. Porém,
houve a redução para dez anos do falecimento do homenageado, na Lei no 13.229/2015.
A redução do prazo de cinquenta para dez anos não permite o distanciamento
necessário para avaliar a importância histórica do personagem. Um prazo tão curto
poderia levar ao reconhecimento precipitado e não há na legislação critérios para a
retirada de um nome do registro perpétuo.
e) Considerar a data representativa do feito memorável;
O registro deve levar em consideração o transcurso de data representativa de
feito memorável da vida do laureado. O dispositivo legal, ainda que de forma indireta,
traz um importante requisito que é a identificação de um ato ou gesto importante
para servir de marco.
Não existe um conceito legal do que é um feito memorável, mas esse tipo de
expressão aberta pode ser encontrado em outras normas, como no Decreto-Lei
no 25/1937, que criou o tombamento como instrumento de preservação dos bens
culturais materiais:

Art. 1o Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto


dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história
do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico (...).

A expressão fatos memoráveis da História do Brasil possui a mesma natureza


aberta do feito memorável, a diferença básica é que, no primeiro caso, há uma
abertura interpretativa para possibilitar a discricionariedade técnica da Administração
Pública, que é a responsável pela efetivação do tombamento, e, no segundo caso, tal
possibilidade inexiste, já que o título é concedido por Lei.
Com a edição da Lei no 11.597/2007, os critérios legais para a identificação e o
reconhecimento de heróis e heroínas foram estabelecidos. Porém, considerando que o
instrumento de declaração do título é o mesmo (lei ordinária), com mesma hierarquia,
rigorosamente não precisam ser obedecidos. Dizendo de outra forma, a citada lei
pretende ser norma geral em relação aos critérios para o registro perpétuo, porém não
consegue sê-lo na prática em razão da natureza legislativa do ato que concede o título.

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580 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

Por isso, embora alguns heróis e heroínas não obedeçam aos critérios previstos na Lei
no 11.597/2007 não se pode afirmar que o seu título foi ilegalmente atribuído, mas
sem dúvida se pode questionar a pertinência e a adequação do seu reconhecimento.
Para que a Lei no 11.597/2007 e seus critérios assumissem o caráter de norma geral
e vinculante, o ato de reconhecimento deveria ser jungido ao princípio da legalidade
estrita, como acontece com os atos administrativos de identificação e valoração dos
bens culturais pela Administração Pública, e, por essa razão, essa é a natureza jurídica
mais adequada do ponto de vista sistêmico do Direito Brasileiro.
Concluindo este item, pontua-se que a adoção de procedimentos administrativos
técnicos favoreceria um maior conhecimento do personagem, além de permitir a
consulta à população como parte do procedimento instrutório, conforme prevê a
Lei no 9.784/1999:

Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da


relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates
sobre a matéria do processo.

Art. 33. Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão


estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou
por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

Art. 34. Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de


participação de administrados deverão ser apresentados com a indicação
do procedimento adotado.

Depois, a manifestação do apreço público não necessariamente deve ser feita


pela construção de heróis. Nem todo personagem importante precisa ser considerado
herói para ser homenageado, devendo tal expressão ser utilizada com parcimônia,
a partir do aperfeiçoamento dos critérios legais, e de uma atuação mais técnica de
aferição e verificação da biografia do homenageado, evitando a perpetuação de uma
versão oficial equivocada.

3.2 Procedimento legislativo


A análise do conjunto das leis que determinam o registro de heróis nacionais
permite verificar que foram exercidas três formas de iniciativa: por Medida
Provisória (por exemplo, como ocorreu com Tiradentes e Marechal Deodoro da
Fonseca) pelo Chefe do Executivo; por Projeto de Lei do Executivo e por projetos

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de lei oriundos de deputados e senadores, predominando esses últimos. Não foi


observada nenhuma iniciativa popular de lei tendo como objeto a inscrição de
personalidades do Livro dos Heróis da Pátria.
Geralmente, o reconhecimento do valor cultural é tarefa atribuída à Administração
Pública, através de instrumentos específicos, como o tombamento e o registro, e de
órgãos e entidades especializadas. Parece que a utilização da lei – e não do ato
administrativo de identificação e valoração – não se adequa às disposições do artigo
216 da Constituição Federal, e nem à sistemática da construção do patrimônio
cultural protegido pelo Estado, conjunto ao qual pertence por afinidade a biografia
dos heróis e heroínas. O procedimento legislativo não permite a profundidade e
a discricionariedade técnicas naturalmente exercidas pelos órgãos e entidades
especializadas, e a exaltação desse ou daquele personagem acaba por depender da
iniciativa específica de quem propõe o projeto de lei.
Com tais ressalvas, é preciso destacar que o Congresso Nacional produziu um
grande número de heróis nacionais por meio de leis ordinárias anteriores e posteriores
à Lei no 11.597/2007, podendo ser citados: Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes
(Lei no 7.919, de 11 de dezembro de 1989); Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (Lei
no 7.919/1989); Zumbi dos Palmares (Lei no 9.315/1996); D. Pedro I (Lei no 9.828/1999);
José Plácido de Castro, o Libertador do Acre (Lei no 10.440/2002); Joaquim Marques
Lisboa, o Marquês de Tamandaré (Lei no 10.796/2003); Luís Alves de Lima e Silva, o
Duque de Caxias (Lei no 10.641/2003); Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes
(Lei no 10.952/2004); Francisco Manuel Barroso da Silva, o Almirante Barroso (Lei no
11.120/2005); José Bonifácio de Andrada e Silva (Lei no 11.135/2005); Marechal-do-Ar
Alberto Santos Dumont, o Pai da Aviação (Lei no 11.298/2006); e Frei Caneca (Lei no
11.528/2007), anteriormente à edição da Lei no 11.597/2007.
Posteriormente, foram inscritos Ildefonso Pereira Correia, o Barão de Serro Azul
(Lei no 11.863/2008); Manuel Luís Osorio, o Marechal Osorio (Lei no 11.680/2008);
Anna Justina Ferreira Nery (Lei no 12.105/2009); Antônio de Sampaio, o Brigadeiro
Sampaio (Lei no 11.932/2009); José Tiaraju, o Sepé Tiaraju (Lei no 12.032/2009);
Getúlio Dornelles Vargas (Lei no 12.326/2010); José Hipólito da Costa Furtado
de Mendonça (Lei no 12.283/2010); Barão do Rio Branco (Lei no 12.502/2011);
Domingos Martins (Lei no 12.488/2011); Heitor Villa-Lobos (Lei no 12.445/2011);
João de Deus do Nascimento, Lucas Dantas de Amorim Torres, Luís Gonzaga das
Virgens e Veiga e Manuel Faustino Santos Lira (Lei no 12.391/2011, inscrição
coletiva dos participantes da Revolta dos Búzios); Júlio Cezar Ribeiro de Souza

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582 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

(Lei no 12.446/2011); Padre José de Anchieta (Lei no 12.284/2010); Seringueiros-


Soldados da Borracha (Lei no 12.447/2011); Inscrição coletiva dos heróis paulistas
da Revolução Constitucionalista de 1932 (Lei no 12.430/2011): Mário Martins de
Almeida, Euclydes Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo
de Camargo Andrade, historicamente conhecidos como Martins, Miragaia, Dráusio e
Camargo (MMDC); Felipe Camarão e inscrição coletiva da Batalha dos Guararapes
(Lei no 12.701/2012); Bárbara Pereira de Alencar (Lei no 13.056/2014); Joaquim
Aurélio Nabuco de Araújo (Lei no 12.988/2014); e Leonel Brizola (Lei no 13.229/2015).
Em janeiro de 2018, foram consagrados seis novos heróis brasileiros: João
Pedro Teixeira (Lei no 13.598/2018); José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde
de São Leopoldo (Lei no 13.599/2018); Joaquim Francisco da Costa, Irmão Joaquim
do Livramento (Lei no 13.623/2018); Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (Lei
no 13.622/2018); Martim Soares Moreno (Lei no 13.613/2018); e Luís Gonzaga Pinto
da Gama (Lei no 13.628/2018). E, em julho desse mesmo ano, a Lei no 13.697/2018
consagrou Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Sóror Joana Angélica de Jesus, Maria
Felipa de Oliveira e João Francisco de Oliveira (João das Botas), o que demonstra que
o impulso por esse tipo de lembrança celebrativa ainda é significativo.
O Brasil possui dezenas de heróis nacionais, considerados individualmente ou
em conjunto, e outros tantos em gestação através de projetos de lei em tramitação
no Congresso Nacional9, cuja biografia ou feitos memoráveis não correspondem
necessariamente à ideia mais tradicional e enraizada de heroísmo e cuja lembrança
celebrativa carece de maior efetividade.

3.3 Quatro provações


A análise da legislação federal hoje existente sobre o tema suscitou algumas
questões interessantes para análise, especialmente quanto à competência e ao
procedimento de valoração e dos rituais de exaltação.

9 General Joaquim Xavier Curado (PLC 124/2007), Sóror Joana Angélica de Jesus (PLS 102/2011 e PLS
535/2011), Maria Quitéria, Maria Felipa e João das Botas (PLS 535/2011) e Ajuricaba (PLS 202/2010),
Chico Xavier (PL 4543/2012), Carlos Marighela (PL 2.857/2011 e PL 1771/2011), Francisco José do
Nascimento (PL 4.203/2012), Cacique Serigy (PL 3.724/2012), Chefe Tupiniquim Tibiriçá, o Chefe Temiminó
Araribóia e o Potiguar Poti (PL 3.716/2012), Djalma Maranhão (PL 3.705/2012), Clara Felipa Camarão
(PL 3.684/2012), Jovita Alves Feitosa (3.683/2012), Aracy de Carvalho Guimarães Rosa (PL 3.435/2012),
Luiz Carlos Prestes (PL 1.771/2011), João Goulart (PL 1.642/2011), Maestro Antônio Carlos Gomes (PL
1.549/2011), Rubens Beyrodt Paiva (PL 630/2011), Machado de Assis (PL 6.623/2009), Senador Pinheiro
Machado (PL 6.541/2009), Rui Barbosa (PL 5.942/2009) e Marechal Cândido Rondon (PL 1.834/2007).

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A primeira provação consiste em definir se pode haver heróis municipais e


estaduais. Em tese, não há nada que impeça porque a concessão desse título não
se reveste da qualidade de exclusividade em relação à competência legislativa
federal havendo, inclusive, o exemplo de Felipe Camarão, que foi considerado herói
municipal (Lei no 6.176/2010, da Câmara dos Vereadores de Natal), estadual (Lei
Ordinária no 9.594 de 19 de dezembro de 2011, da Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Norte) e, posteriormente, federal.
Ao ser reconhecido como herói público municipal de Natal (RN), foi autorizada
a construção de um monumento em sua homenagem pela Lei no 6.411/2013, na
praça cívica da cidade de Natal, e também nomeia o Palácio do Governo. O processo
legislativo, embora possa revestir-se de um caráter de discussão pública, não parece
ser o meio mais adequado para discutir a significância de um personagem para fins
de concessão do título de herói nacional. Assim como outros tipos de patrimônio
cultural, caberia, no nosso sentir, aos órgãos e entidades especializados identificar,
preservar e promover a sua memória.
Portanto, a segunda provação consiste em definir a melhor forma de revelar
e ressaltar a importância pública do personagem para construir heróis de forma
democrática. A adoção de meios de consulta para escolher heróis, como plebiscito
ou audiências públicas, poderia servir para legitimação e divulgação.
A terceira é estabelecer procedimentos efetivos para cultuar os heróis, para que
cumpram a finalidade de sua consagração. A comemoração da memória do herói
é uma forma de uso do passado que, para ser efetivo na atualidade, necessita de
objetivos e procedimentos bem desenhados. De fato, a maioria dos brasileiros
desconhece e não cultua os heróis, o que nos leva a questionar a real valia do título
– não dos personagens – para a vida pública da Nação.
Finalmente, como quarta e última provação, devemos refletir como os heróis
deixam de existir. No Brasil, não foram estabelecidos critérios para a perda do título,
portanto, a edição de uma lei ordinária posterior revogadora será o meio formal para
desconstituir o heroísmo daquele personagem que não se revele digno da honraria.

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4 Tiradentes, um breve estudo de caso


Ama a gente assisada
A honra, a vida, o cabedal tão pouco,
Que ponha uma ação destas
Nas mãos dum pobre, sem respeito e louco?
E quando a comissão lhe confiasse,
Não tinha pobre soma,
Que por paga, ou esmola, lhe mandasse!10
(GONZAGA, 2018)

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi o primeiro nome inscrito no Livro
dos Heróis da Pátria, é o anfitrião do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo
Neves e considerado o maior compatriota de todos os tempos pela Lei no 4.897/1965.
O seu exemplo constitui-se em um interessante estudo de caso, do ponto vista
jurídico, visto que foi realizada a sua reabilitação póstuma pela da Lei no 4.897/1965 e
também a construção da lembrança celebrativa por meio da concessão de dois títulos
honoríficos distintos – Patrono da Nação Brasileira e Herói Nacional –, ambas formas
de efetivação do direito à memória individual dos mortos.
Embora não caiba discutir a legitimidade ou veracidade histórica do personagem
neste brevíssimo estudo, de fato há a consagração da memória de um criminoso
condenado, executado em 21 de abril de 1792, considerada a data como feriado
nacional. Não se tratou meramente de conceder um título, mas de ressignificar o
personagem transformando-o de infame inconfidente em herói.
A condenação e o crime atribuídos a Tiradentes eram infames perante o Direito
português vigente à época, recaindo como uma maldição pública sobre a sua
memória e sobre os seus descendentes11. Era preciso, então, desconstruir a memória
pública de um infame, reabilitando a sua memória, o que foi feito pelo artigo 3o da
Lei no 4.897, de 9 de dezembro de 1965:

10 Paulo Miceli (1994, p. 40) destaca esses versos como referências de Tomás Antônio Gonzaga a Tiradentes,
de quem não tinha uma boa opinião, e com o qual foi injustamente acusado de associação na Inconfidência
Mineira. Os versos são do poema Marília de Dirceu, Lira XXXVIII, de Tomás Antônio Gonzaga (2018, p. 90-91).

11 Talvez por essa razão tenha sido concedida pensão aos seus descendentes através do Decreto-Lei
no 952/69, Lei no 7.342/85, Lei no 7.705/88 e Lei no 9.255/96. Trata-se de um benefício de natureza especial,
que foi considerado acumulável por decisão do Supremo Tribunal Federal no Agravo de Instrumento
no 623.655.

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Art. 3o Esta manifestação do povo e do Govêrno da República em homenagem


ao Patrono da Nação Brasileira visa evidenciar que a sentença condenatória
de Joaquim José da Silva Xavier não é labéu que lhe infame a memória, pois
é reconhecida e proclamada oficialmente pelos seus concidadãos, como o
mais alto título de glorificação do nosso maior compatriota de todos os
tempos. (BRASIL, 1965, art. 3o).

Nessa mesma Lei, ele foi considerado "Patrono Cívico da Nação Brasileira".
Posteriormente, a sua imagem pública (quanto às formas de representação) foi
estipulada no Decreto no 58.168, de 11 de abril de 1966, que estabelece como
modelo para reprodução da figura de Tiradentes a efígie de Joaquim José da Silva
Xavier existente em frente ao Palácio Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro.
Essa representação é a que todos temos na memória: de um homem altivo, barbudo
e vestindo o camisolão dos condenados. Devido à evidente restrição à liberdade artística,
essa norma foi revogada pelo Decreto no 78.101, de 20 de julho de 1976. Finalmente,
pela Lei no 7.919, de 11 de dezembro de 1989, o seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis
da Pátria. Além de ser herói, a memória de Tiradentes é celebrada através do seu nome
em cidades e logradouros públicos, além do feriado, evidentemente.
Indagar os motivos pelos quais a sua memória específica mereceu exaltação
serve para revelar quais valores devem ser veiculados e cultuados como virtudes
públicas. Tiradentes assumiu o papel de símbolo do ideal libertário e nacionalista,
pois lutou contra o jugo colonial português, mas também por manter-se leal aos
companheiros, sacrificando-se pela causa.
Há polêmica (não do ponto de vista jurídico, surpreendentemente) quanto ao
caráter heroico de Tiradentes e muito se fala que esse constructo republicano não tem
legitimidade. Ou seja, Tiradentes não foi herói em sua época e não o é agora, e a adoração
de sua figura prende-se muito mais à ideia de martírio do que pelo apreço de seus atos.
Além disso, existe uma zona indistinta entre o heroísmo em sentido tradicional,
o martírio ou outros tipos de realização que não permite distinguir perfeitamente
o conceito legal-operacional de herói, como citamos acima no item 1. Tiradentes
é mais um mártir do que um herói, porque sofreu e morreu na defesa de suas
opiniões e seus ideais.
No entanto, foi declarado como herói por lei e a questão passa a ser a de como
dar efetividade à norma que cria heróis. Quais são seus efeitos práticos? O que
significa ser herói no Brasil?

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5 Efeitos jurídicos do heroísmo na legislação brasileira

Caxias [do antr. Caxias, do militar e estadista brasileiro Duque de Caxias. Adj.
Bras. Pop. 1. Diz-se de, ou pessoa extremamente escrupulosa no cumprimento
de suas obrigações (...). 2. Diz-se de, ou pessoa que, no exercício de sua função,
exige dos subordinados o máximo rendimento no trabalho e extremado
respeito à lei e aos regulamentos. (HOLLANDA, 1999, p. 436).

Alguns heróis viram adjetivos e outros viram estátuas (MICELI, 1994, p. 91),
mas, embora a função dessa legislação seja meramente simbólica e declaratória, a
concessão do título honorífico traz alguns efeitos jurídicos que devem ser levados
em consideração, ainda que sem uniformidade.
O primeiro efeito é o registro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, também
conhecido como Livro de Aço, para o registro perpétuo do nome e da data do feito
memorável do vulto histórico.
O Livro de Aço está depositado em um monumento criado para acolher a
memória dos heróis nacionais, cuja localização se reveste de um caráter simbólico
muito interessante: após a Praça dos Três Poderes, em frente ao Congresso Nacional,
e junto da Pira da Pátria e da Bandeira Nacional.
O monumento foi projetado por Oscar Niemeyer, é denominado Panteão da
Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, embora ele mesmo não tenha sido considerado
herói nacional. A exaltação certamente reflete a comoção pela sua inesperada morte,
ocorrida em 21 de abril de 1985. O monumento foi inaugurado no ano seguinte ao
seu falecimento, em 7 de setembro de 1986, e, em memória do segundo ano do seu
falecimento, foi inaugurada a Pira da Pátria, perenemente acesa representando a
chama simbólica da Nação.
Além do registro em livro próprio e do monumento dedicado aos heróis
em geral, na prática, há um tratamento muito diferenciado em relação a cada
personagem, exatamente porque se trata de um mero título, não precedido de um
processo de identificação e de conhecimento exaustivo. Não são apontados os meios
necessários e adequados à preservação da sua memória individual e coletiva e, como
consequência, há efeitos muito variados da concessão do título, que, geralmente,
se exaurem na homenagem formal, como o ato de nomear logradouros públicos,
conforme dispõe a Lei no 6.454/1977.
Alguns heróis são agraciados com um dia memorial (Tiradentes, dia 21 de abril), que
pode ser feriado ou não. Outros possuem um culto memorial próprio, e outros não. Essa

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falta de uniformidade prejudica a comemoração que, por definição, é o compartilhamento


público da memória do homenageado através da rememoração de suas virtudes, além
de não garantir a preservação do legado material e imaterial associado à memória do
herói ou heroína consagrados.
A memória dos personagens pode ser transmitida por diversos meios materiais
e imateriais, tais como por textos escritos, oralmente, através de cerimônias,
celebrações e datas festivas (dias memoriais), por costumes, por rituais. As
comemorações não celebram apenas o passado, mas reivindicam explicitamente
a sua continuidade, o seu ritual serve para difundir valores do grupo através do
compartilhamento com os indivíduos, da repetição e da invariância da informação
com evidente função mnemônica (CONNERTON, 1999, p. 52-66), viabilizada pela
existência dos calendários, que permitem reunir e coordenar os sucessivos eventos
por semelhança cronológica, como se fossem qualitativamente idênticos.
O culto aos heróis e heroínas será tanto mais efetivo se for transmitido um
modo concreto e coerente de vida, com toda a sua complexidade (CONNERTON,
1999, p. 13). Não adianta transmitir fatos ou valores dissociados ou não adaptados às
necessidades dos receptores porque eles não são apropriados e utilizados, findando
por serem esquecidos ou perdendo o seu significado, o que leva Walter Benjamin
(1994, p. 115) a indagar: “qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural se a
experiência não mais o vincula a nós?”.
Portanto, não basta criar heróis. É preciso congraçar as pessoas em torno de
determinadas virtudes públicas desejáveis que o personagem encarna e ilustra,
para que sirvam de modelo e fator de coesão social.

6 Conclusão
Infeliz a terra que não possui heróis, pois carece de modelos positivos das virtudes
públicas úteis à coesão social. Em nome do compartilhamento de tradições e destinos,
os povos concedem o reconhecimento público — por meio de um título tradicional
que assume diversos significados historicamente, — àqueles que, em momentos
excepcionais e de grande dificuldade, conseguiram destacar-se dos seus compatriotas.
O herói é uma espécie de arquétipo que ilustra virtudes públicas, encarnando e
personificando os ideais nacionais, que são exatamente os motivos de sua comemoração
e exaltação, e tornam-se um dos símbolos do Estado ou das comunidades.
No Brasil, os heróis são consagrados por lei ordinária em nível nacional,
podendo existir heróis estaduais e municipais. A análise jurídica do tema permitiu

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588 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

chegar a algumas conclusões: em primeiro lugar, a maneira de consagrá-los


pode tornar mais ou menos efetiva a lembrança celebrativa. No caso brasileiro, a
consagração através de lei ordinária, a ausência de rituais específicos, de alguma
forma de participação popular na escolha, entre outros fatores, contribui para um
generalizado desconhecimento não só sobre os personagens, mas dos motivos e das
virtudes que os levaram a ser considerados heróis nacionais.
Em segundo lugar, não há uniformidade de critérios, nem de efeitos para a
atribuição do título. No fundo, questiona-se quais os valores públicos que devem ser
encarnados e consagrados em um modelo humano positivo, que pelo exemplo seja
capaz de ilustrar e inspirar virtudes e comportamentos considerados socialmente
valiosos para o indivíduo e para o grupo. Não se trata aqui de questionar esse ou
outro personagem, mas os motivos e a mentalidade que criam os heróis e também
o papel que devem exercer perante a sociedade brasileira e, ainda, como podemos
efetivamente representá-los e zelar pelo direito à memória individual e coletiva.
Ademais, a consagração de um herói nacional por um título legislativo impõe
o reconhecimento oficial de uma versão da biografia do personagem que pode não
corresponder à veracidade do seu passado, conferindo a chancela estatal a uma
ficção equivocada, quando não desumanizando e descontextualizando. A previsão
de critérios legais e de um procedimento adequado para a concessão do título,
portanto, revela-se imperiosa inclusive para evidenciar os motivos (valores) que
embasam o ato. Às vezes, mais interessante do que saber o porquê é saber por quem
é homenageado e qual o uso que se faz dessa narrativa.
A Lei no 11.597/2007 criou o registro denominado “Livro dos Heróis e Heroínas
da Pátria”, que se encontra depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo
Neves, cuja finalidade é perpetuar o nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros
que tenham oferecido a vida à Pátria. Não se trata de uma norma geral, como poderia
parecer, já que tenta estabelecer critérios gerais para a atribuição do título, tais
como nacionalidade brasileira, prazo, critério de avaliação do ato (ofertar a vida para
a defesa e a construção da Pátria e excepcional dedicação e heroísmo). Portanto, a
partir de 2007, esses requisitos alternativos deveriam ser observados nas propostas
de lei, o que não foi verificado em alguns casos.
Não há critérios legais que permitam indicar uma tipologia firme sobre
que gestos ou personagens podem ser considerados heroicos, herói ou heroína,
ampliando, talvez indevidamente, o seu significado. Além disso, como cada herói é

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Fabiana Santos Dantas 589

reconhecido por lei de mesma hierarquia, na prática os critérios estabelecidos pela


Lei no 11.597/2007 não são observados.
Destacou-se que a referida Lei não possui o caráter de norma geral e vinculante
em razão da natureza legislativa do ato de concessão do título. Mais adequado seria
que o ato de reconhecimento e valoração assumisse a natureza de ato administrativo,
jungido ao princípio da legalidade estrita, como acontece com outros bens integrantes
do patrimônio cultural brasileiro.
Os critérios estabelecidos em lei devem ser suficientes para permitir a
identificação dos feitos ou das virtudes públicas que tornam o personagem
merecedor da honraria, além de outras formas de manifestação de apreço público
distintas. Nem todo personagem importante precisa ser considerado herói para
ser homenageado, devendo tal expressão ser reservada àqueles personagens
considerados excepcionais, a partir do aperfeiçoamento dos critérios legais e de
uma atuação mais técnica de aferição e verificação da biografia.
A análise da legislação federal hoje existente sobre o tema suscitou algumas
outras questões, especialmente quanto à competência e ao procedimento de
valoração dos rituais de exaltação, quanto à ausência de critérios para a exclusão
de um personagem do registro perpétuo, bem como quanto à melhor adequação da
concessão do título à natureza de ato administrativo e não legislativo.
O Brasil possui dezenas de heróis e heroínas nacionais, considerados
individualmente ou em conjunto, e outros tantos em gestação através de projetos de
lei em tramitação no Congresso Nacional, cuja biografia ou feitos memoráveis não
correspondem necessariamente à ideia mais tradicional e enraizada de heroísmo e
cuja lembrança celebrativa carece de maior efetividade.
Não basta criar heróis. Tal como nas lendas, é preciso garantir que voltem
simbolicamente à comunidade trazendo a sua experiência e o seu exemplo edificante,
estimulando as pessoas a compartilhar e praticar virtudes públicas desejáveis que o
personagem encarna e ilustra, para que sirvam de modelo e fator de coesão social,
porque, afinal de contas, é para isso que essas figuras existem.

7 Referências
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patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro,
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590 A saga legislativa dos heróis e heroínas brasileiros

BRASIL. Decreto no 58.168, de 11 de abril de 1966. Estabelece, como modêlo


para reprodução da figura de Tiradentes, a efígie de Joaquim José da Silva Xavier
existente em frente ao Palácio Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro. Diário Oficial
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Mecanismos de solução de conflitos


intra-administrativos

JOÃO PEDRO ACCIOLY


Doutorando e Mestre em Direito Público (UERJ). Professor Substituto de Direito
Constitucional (UFRJ). Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito do
Estado do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED/UERJ) e
da Pós-Graduação em Direito Público da Faculdade Baiana de Direito.

Artigo recebido em 7/11/2017 e aprovado em 28/1/2019.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Administração Pública multidimensional e pluralidade de


interesses públicos 3 O desafio da coordenação intra-administrativa 4 A solução de conflitos
intra-administrativos 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Este trabalho analisa os conflitos havidos no interior da Administração


Pública, entre os seus diversos órgãos e entidades. Examinaremos as causas,
as formas de prevenção e, centralmente, os métodos de resolução dos litígios
intra-administrativos pelo Presidente da República, pelo Advogado-Geral da União,
por autocomposição dos contendentes – especialmente no âmbito da Câmara
de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal –, por arbitramento pelo
Consultor-Geral da União, por arbitragem privada e pelo Poder Judiciário. A partir
de pesquisas bibliográficas e análises de decisões, especialmente sob o prisma
qualitativo, propõem-se parâmetros que recomendam ou contraindicam cada uma
das formas de solução de conflitos que serão examinadas.

PALAVRAS-CHAVE: Conflitos Intragovernamentais Arbitragens Intra-administrativas


Administração Pública Litigância Intragovernamental Arbitragens Endoestatais.

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Intragovernmental disputes resolution

CONTENTS: 1 Introduction 2 Complex Governments and plurality of public interests 3 The


intragovernmental coordination challenge 4 The resolution of administrative disputes
5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This article analyzes the conflicts within the Government, between
agencies or departments. The paper addresses its causes, its avoidance methods
and the ways to solve intragovernmental litigation under Brazilian law, focusing
on arbitration procedures. From bibliographical research and decision analysis,
especially from a qualitative perspective, it is proposed standards that recommend
or contraindicate each of the dispute resolution methods that will be examined.

KEYWORDS: Intragovernmental Arbitration Public Administration Interagency


Litigation Intragovernmental Disputes Interagency Arbitration.

Mecanismos de resolución de conflictos intraadministrativos

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Administración pública multidimensional y pluralidad de


intereses públicos 3 El desafío de la coordinación intraadministrativa 4 La solución de conflictos
intraadministrativos 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: Este artículo analiza los conflictos dentro de la Administración Pública,


entre sus diversos órganos y entidades. El documento aborda sus causas, sus métodos
de evasión y las formas de resolver los litigios intragubernamentales según la ley
brasileña, centrándose en los procedimientos de arbitraje. Desde la investigación
bibliográfica y el análisis de decisiones, especialmente desde una perspectiva
cualitativa, se proponen parámetros que recomiendan o contraindican cada uno de
los métodos de resolución de disputas que serán examinados.

PALABRAS CLAVE: Conflictos Intragubernamentales Arbitrajes Intraadministrativos


Administración Pública Litigios Intragubernamentales Arbitrajes Endoestatales.

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1 Introdução

A Administração Pública contemporânea é, mundo afora, tão macroscópica


quanto complexa. O crescimento e a diversificação das funções confiadas ao
Estado levaram a processos de desconcentração e descentralização administrativa,
como se verá no tópico seguinte.
Além dos previsíveis atritos decorrentes da segmentação da máquina pública em
incontáveis órgãos e entidades,a debilidade na coordenação e articulação governamental
tem gerado, de modo sucessivo e nocivo, evitáveis conflitos intra-administrativos em
boa parte do globo.
A litigiosidade intra-administrativa é particularmente grave no Brasil. A uma,
porque o Estado brasileiro é constituído sob forma federativa tridimensional,
decompondo-se em quase 5.600 entes, incumbidos de competências privativas,
comuns e concorrentes. A duas, porque é consideravelmente elevada a atividade
econômica estatal direta e indireta: parte significativa das maiores empresas
brasileiras são estatais delegatárias de serviços ou monopólios públicos. A três,
porque os níveis de desigualdade social verificados no país somados à vastidão das
promessas inscritas na Constituição de 1988 (CF/88), de fato, impõem a manutenção
de estruturas administrativas mais robustas do que é necessário em Estados de
maior grau de desenvolvimento e de Constituições menos generosas, por assim dizer.
O objetivo deste artigo é, de modo breve, examinar as causas e as formas
de prevenir a conflituosidade intra-administrativa e, de modo central, analisar os
métodos de composição das disputas entre órgãos ou entidades da Administração
Pública disponíveis no sistema jurídico brasileiro, com vistas a propor parâmetros
que recomendam ou contraindicam cada um deles.

2 Administração Pública multidimensional e pluralidade de interesses públicos


A Administração Pública oitocentista, a qual incumbia feixe relativamente
restrito de atividades, organizava-se em forma de pirâmide. As atribuições e a própria
existência de toda a burocracia estatal defluíam escalonadamente do Chefe do
Poder Executivo. A máquina administrativa típica do Estado Liberal, frequentemente
adjetivada de napoleônica ou weberiana, denota-se por ser hierárquica, autoritária,
burocrática, legalista e diminuta, tanto em diversidade de funções quanto em
estrutura material, se comparada aos padrões atualmente verificados (ENTERRÍA,

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1998, p. 125). Daí, também, a expressão lassalliana Estado guarda-noturno


(BONAVIDES, 2014; CANOTILHO, 1992, p. 92).
Os fenômenos históricos, políticos, sociais, econômicos e tecnológicos, que se
desenrolaram a partir do final do século XIX e se intensificaram da década de 1930 em
diante, alteraram profundamente esse quadro. A Administração foi progressivamente
assumindo a prestação de mais serviços e funções (FALLA, 1962, p. 24-28). E mesmo
o recuo do aparato estatal, com o movimento neoliberal iniciado na década de 1980,
não reverteu, ao contrário, reforçou a multifuncionalidade estatal – sofisticando as
técnicas de regulação setorial, por exemplo.
Hoje, já não se tem um Estado Guarda-Noturno, um Estado Social, um
Estado Empresário, um Estado Planejador, um Estado Fomentador ou um Estado
Regulador. A Administração Pública contemporânea abrange todas essas funções
e, frequentemente, exerce-as de modo concomitante e a partir dos mais distintos
instrumentos de que dispõe.
Ao fim do dia, tanto as funções quanto os instrumentos empregados, muitos dos
quais objeto de consolidadas categorias doutrinárias ou legais, assumem contornos
heterodoxos e em constante mutação. A Administração vem se fracionando, se
especializando, incorporando novas técnicas e sendo desafiada a lidar com número
sempre crescente de demandas da sociedade e inovações científicas, que se sucedem
em ritmo cada vez mais veloz.
Para Vital Moreira, como resultado da superação do Estado monoclassista que se
consolidara após as revoluções burguesas (e a consequente fundação de um Estado
pluriclasse), vivemos hoje sob a égide de uma Administração Pública Policêntrica.
“O pluralismo social e político provocou o pluralismo e a diferenciação organizatória
da Administração” (MOREIRA, 1997, p. 35).
Sabino Cassese aponta que a Administração Pública contemporânea é
“multiorganizativa, no sentido de que a amplitude e a variedade das funções
públicas não apenas levaram à perda da unidade da organização do Estado, mas
levaram-no também a adotar diversos modelos organizativos” (CASSESE, 2000,
p. 188). Por constituírem estruturas fracionadas e diversas, o publicista italiano
considera ser “preferível falar em Administração multiorganizativa a utilizar os
adjetivos pluralística ou policêntrica. Esses termos designam apenas o primeiro
(fragmentação), e não o segundo (diferenciação), dos dois caracteres indicados
acima” (CASSESE, 2000, p. 190).

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596 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

Como era de se esperar, as múltiplas tarefas e interesses colocados sob a guarda


de órgãos ou entidades estatais tendem a entrar em conflito. Para Sundfeld:

A Administração cresceu e se fragmentou em muitos órgãos e entidades,


cuja coordenação é cada vez mais difícil e cujos objetivos e competências
se chocam o tempo todo. Também não é mais tão convincente a figura do
interesse público aos cuidados da Administração (tudo no singular: um
interesse público e uma Administração). Nas situações que se apresentam é
normal o conflito plural: entre muitos interesses públicos, aos cuidados de
muitos órgãos e entidades, públicas e semipúblicas. (SUNDFELD, 2014, p. 68).

De um lado, não é raro que repartições, muitas vezes não hierarquicamente


vinculadas, travem colossais conflitos de competência. Isso é particularmente
comum, em Estados federais, sobretudo nas matérias sujeitas à competência
concorrente; e o peculiar federalismo tridimensional brasileiro, com os seus mais de
5.500 municípios, estimula ainda mais esse tipo de contenda.
Por outro, é de se destacar que a diferentes organismos administrativos – frutos
de processos de desconcentração ou descentralização – muitas vezes se confia a
tutela de interesses públicos potencialmente antagônicos. Quando tais repartições
se reúnem para discutir, estruturar e implementar políticas públicas intersetoriais,
os impasses tendem a ser inevitáveis. Para Carla Bronzo:

A intersetorialidade passa (e a perspectiva sistêmica que ela coloca) a


tornar-se uma estratégia necessária para compor políticas adequadas às novas
realidades sociais. As mudanças no campo da gestão pública manifestam-se no
sentido de estabelecer uma nova cultura de gestão contraposta às tendências
compartimentalizadoras e procedimentais da ortodoxia burocrática,introduzindo
dinâmicas mais participativas e integradoras. Se a intersetorialidade é necessária
para dar conta das necessidades sociais contemporâneas, ela cria desafios
de coordenação administrativa e, por vezes, redunda em conflitos internos.
(BRONZO, 2007, p. 13).

É o caso, entre outros, dos atritos entre autoridades ambientais e órgãos


responsáveis pelo desenvolvimento industrial; entre o Ministério da Saúde, interessado
na aquisição e distribuição de novas drogas mais eficazes ou baratas, e a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), responsável por conceder o registro sanitário
a medicamentos; entre o Ministério da Infraestrutura ou o do Desenvolvimento
Regional, interessados na construção de novas infraestruturas de mobilidade; e entre
o Instituto do Patrimônio Histórico Administrativo Nacional (IPHAN), nas hipóteses em
que as obras pretendidas vulnerem o patrimônio histórico ou artístico nacional.

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Por fim, a complexificação da Administração Pública vem multiplicando a


quantidade de relações intra-administrativas ou interfederativas, muitas vezes
firmadas sobre bases contratuais, também potencialmente conflituosas (LEITÃO,
2011). É o caso, por exemplo, da contratação, pela Administração Direta, de bancos
públicos para prestarem serviços financeiros ao ente; da delegação da exploração
petrolífera, pela União (com participação do MME e da ANP), em favor da PETROBRAS;
da contratação da SABESP ou da CEMIG para serviços de água e esgoto ou energia
elétrica, respectivamente, por entidades ligadas ao seu ente instituidor ou não; da
regulação, pela ANEEL, das atividades desenvolvidas pela ELETROBRAS.
Várias nomenclaturas poderiam ser cogitadas para designar as contendas
referidas. Optou-se pelas seguintes expressões e significados: i) ao referir-se aos
conflitos intra-administrativos, pretende-se alcançar quaisquer disputas entre órgãos
e entidades da Administração Direta ou Indireta, de direito público ou privado,
ligadas a qualquer dos entes federativos; ii) ao falar em conflitos interfederativos,
trata-se das lides formadas por instituições administrativas ligadas a entes políticos
diferentes; e iii) ao utilizar a expressão conflitos intragovernamentais, refere-se a
contendas entre entidades ou órgãos pertencentes a uma mesma Administração
Pública, a um mesmo ente.

3 O desafio da coordenação intra-administrativa


A multiplicidade de organismos, funções e interesses tutelados pela
Administração Pública impõe um grande desafio: a coordenação intra-administrativa
(ARAGÃO, 2013, p. 108). O Estado contemporâneo precisa ter “capacidade de pensar
e de ordenar o múltiplo, sem o reduzir à unidade ou abandoná-lo à dispersão”
(ARNAUD; DULCE, 2000, p. 394).
Em um sistema presidencialista, como o brasileiro, a direção superior e a
coordenação da Administração Pública competem precipuamente ao Presidente da
República, com o auxílio dos Ministros de Estado. Cabem a tais autoridades traçar
as diretrizes gerais das políticas públicas, emitir regulamentos e supervisionar a
atuação dos demais órgãos e entidades administrativas.
No Brasil, a iniciativa de leis que versem sobre organização administrativa é
privativamente reservada ao Presidente da República (art. 61, §1º, II, CF/88), que ainda
pode dispor sobre o assunto por meio de Medidas Provisórias ou Decretos, com vistas
à regulamentação de diploma legal (art. 84, IV, CF/88) ou nas hipóteses objeto de
autorização constitucional expressa (os decretos autônomos do art. 84, VI, CF/88).

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598 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

Sobre os órgãos que lhes são institucionalmente subordinados, o Chefe do


Poder Executivo exerce também as prerrogativas próprias do Poder Hierárquico.
Pode determinar a atuação de seus comandados, bem como delegar e avocar as
competências que lhes tenha conferido (ARAGÃO, 2013, p. 102-105).
Nos domínios da hierarquia, a regra é a lógica escalonada de estruturação
administrativa – que, como foi observado, já não mais é aplicável à Administração
Pública como um todo. Nesse campo, o Presidente disporá de grandes poderes
– políticos e jurídicos – para conformar a atuação de seus subordinados.
No campo da Administração Indireta, o poder hierárquico cede lugar à
supervisão ministerial (DI PIETRO, 2014, p. 558-561) ou ao controle acionário
(ARAGÃO, 2018, p. 315-336). A intensidade de ambos varia de acordo com a
natureza da entidade administrativa em questão. As agências reguladoras e as
universidades públicas, por exemplo, gozam de maior autonomia e, como regra
geral, estão suscetíveis a menores ingerências, via supervisão ministerial, do que
as autarquias ordinárias e fundações públicas.
As sociedades de economia mista atuantes em regime de concorrência sujeitam-se a
um controle menor do que as empresas públicas dependentes e prestadoras de serviços
públicos, muitas vezes equiparadas, na prática, a entidades autárquicas.
A supervisão ministerial, também referida na literatura por tutela administrativa,
não pode ser presumida sem expressa previsão legal ou constitucional: pas de tutelle
sans texte1, diz o antigo brocardo francês (DI PIETRO, 2014, p. 558).
Os órgãos de advocacia pública também desempenham funções relevantes na
coordenação e prevenção de contendas intragovernamentais. No plano da União,
convém destacar a possibilidade de o Advogado-Geral da União (AGU) emitir pareceres,
que vinculam toda a Administração Federal após aprovação presidencial para fixar
orientações, procedimentos e competências (LC no 73/1993, art. 40, §1o). Os pareceres da
Consultoria-Geral da União também atraem os mesmos efeitos jurídicos, se aprovados
sucessivamente pelo AGU e pelo Presidente da República (LC no 73, de 1993, art. 41).
A LC no 73, de 1993, em seu art. 43, também prevê a competência da AGU para
editar súmulas, obrigatórias para os órgãos jurídicos da Administração Pública Federal,
inclusive os de assessoramento de autarquias e fundações públicas (BRASIL, 1993).
Os pareceres e as súmulas são os principais instrumentos pelos quais o
Advogado-Geral da União se desincumbe da competência que lhe é outorgada pelo

1 Não há tutela administrativa sem expressa previsão legal (tradução interpretativa). Não há tutela sem
texto (tradução literal).

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art. 4o, XI, de sua Lei de regência: “unificar a jurisprudência administrativa, garantir
a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos
jurídicos da Administração Federal” (BRASIL, 1993).
Por maior que seja a importância dos mecanismos de solução de controvérsias,
a prevenção de litígios é sempre preferível; deve ser a meta. A litigiosidade intra-
administrativa recorrente, especialmente a intragovernamental, é uma patologia, que
compromete a eficiência administrativa e obstaculiza a consecução das atividades-
fim incumbidas ao Estado.

4 A solução de conflitos intra-administrativos


Quando a coordenação falha, os conflitos jurídicos havidos entre componentes
da Administração devem ser eficazmente resolvidos. Embora essas contendas sejam
mais frequentes do que se imagina, pouco se tem refletido sobre elas – aqui e
alhures (MEAD, 2015).
No Brasil, a depender do objeto, tais disputas podem ser solucionadas pelo
Presidente da República, pelo AGU, pela autocomposição dos contendentes
– inclusive no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração
Federal (CCAF) –, por arbitramento pelo Consultor-Geral da União (CGU), por
arbitragem privada e pelo Poder Judiciário2.
No próximo subtópico, serão examinadas com maior profundidade a utilização do
método arbitral, em sentido lato, para solucionar conflitos intra-administrativos, tanto
no âmbito da CCAF quanto na seara das arbitragens regidas pela Lei no 9.307, de 1996.
Por ora, analisa-se, com objetividade, as demais formas de composição de tais lides.
Ao Presidente da República, dentre outras relevantes funções, compete “exercer,
com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”
(art. 84, II, CF/88). Essa prerrogativa abrange, como visto, não só o poder de orientar,
coordenar e supervisionar, bem como o de delegar, avocar e determinar a atuação
de todos os demais órgãos da Administração Direta – subordinados, direta ou
indiretamente, à Presidência. Se Ministros de Estado controvertem sobre aspecto
relevante de política pública ou sobre o órgão competente para promovê-la, pode

2 Por razões didáticas, optou-se por tratar no corpo do artigo apenas do sistema federal de solução de
conflitos intragovernamentais. No âmbito dos Estados e Municípios, os Governadores e Prefeitos fazem às
vezes do Presidente e – se assim dispuser as Constituições ou Leis locais – as procuradorias respectivas
assumem o papel desempenhado pela AGU e CGU no contexto da União. Não há notícia de órgão local
análogo à CCAF. Quanto à possibilidade de autocomposição, arbitrabilidade e apreciação judicial do
litígio não há diferença entre os entes federativos.

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600 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

o Presidente resolver unilateralmente o conflito, fixando o conteúdo da política


pública e a autoridade responsável por executá-la.
Na forma do já transcrito art. 4o, XI, da LC no 73, de 1993, o Advogado-Geral
da União pode, além de prevenir, também “dirimir as controvérsias entre os órgãos
jurídicos da Administração Federal” (BRASIL, 1993), o que deve ser feito na forma do
parecer de que trata o art. 40 da citada LC.
Os conflitos intragovernamentais também podem – e devem – ser objeto de
autocomposição. Alguns deles podem mesmo sê-lo de modo informal. A disposição
para o diálogo aberto e para empreender concessões recíprocas – além de prevenir
a litigiosidade – pode também resolver conflitos já instaurados. Como diria Marcelo
Neves, “o ponto cego, o outro pode ver” (NEVES, 2014, p. 227). Às vezes, entre dois
entendimentos antagônicos, é possível chegar a um terceiro, que conjugue elementos
daqueles, dê conta de problemas não antecipados e, enfim, melhor satisfaça as
necessidades colocadas pelos potenciais contendentes.
A Lei no 13.140, de 2015, em seu art. 32, autoriza que os entes públicos criem,
no âmbito dos respectivos órgãos de Advocacia Pública, câmaras de prevenção e
resolução administrativa de conflitos, com competência para dirimir conflitos
intragovernamentais, avaliar pedidos de autocomposição com particulares e
promover, quando couber, termos de ajustamento de conduta (BRASIL, 2015).
No âmbito da CCAF, a conciliação é buscada de forma institucionalizada e
procedimentalizada. Dentre outras atribuições, compete à Câmara:

I - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio


de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União; II - requisitar aos
órgãos e entidades da Administração Pública Federal informações para
subsidiar sua atuação; III - dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias
entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como
entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e
dos Municípios; IV - buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos
remetidos pelos Ministros dos Tribunais Superiores e demais membros
do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam
no contencioso judicial; V - promover, quando couber, a celebração de
Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento
conciliatório. (BRASIL, 2010, art. 18).

A Lei no 13.140, de 2015, em seu art. 35, também permite que órgãos e entidades
de direito público da Administração Pública Federal ponham fim a suas controvérsias
por transação, com fundamento em autorização do Advogado-Geral da União,

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lastreada em jurisprudência pacífica de Tribunal Superior, ou parecer de sua lavra,


aprovado elo Presidente (BRASIL, 2015).
À CCAF cabe, ainda, propor “ao Consultor-Geral da União o arbitramento das
controvérsias não solucionadas por conciliação” (Decreto no 7.392, de 2010, art. 18,
VI). Daí a função importante que a Consultoria-Geral da União exerce no contexto da
litigância intragovernamental. O professor Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (2015,
p. 187), que foi Consultor-Geral entre 31/01/2011 e 29/06/2015, anota que:

Por intermédio de arbitramento - nominado, no caso da impossibilidade de


conciliação na Câmara que coordena, ou por parecer, na hipótese de solução
de divergências entre consultorias jurídicas dos Ministérios - a CGU tem por
incumbência principal o alcance de convergência de entendimentos entre
as várias opiniões jurídicas que se enfrentam dentro do Poder Executivo.
Não produz consenso, no sentido ordinário da expressão, porque colhe
opiniões e arbitra. Os pareceres da CGU têm como objetivo a resolução de
controvérsias na Administração. (GODOY, 2015).

A arbitragem que ora se menciona não é aquela prevista pela Lei no 9.307, de 1996.
Aliás, é de se questionar se tal método compositivo merece mesmo esse rótulo. Embora
haja quem pense diferente (GODOY, 2015, p. 186), parece mais adequado caracterizar
o ato resolutório praticado pelo CGU como espécie de poder administrativo dirimente,
incidente sobre conflitos endógenos, tal qual aquele conferido ao Advogado-Geral
da União pela LC no 73, de 1993 (OLIVEIRA, 2018, p. 35). Outro exemplo de função
administrativa dirimente pode ser encontrado no contexto das Agências Reguladoras,
em que é comum existir procedimentos administrativos de solução de disputas entre
particulares ou entre autoridades administrativas e particulares (e.g., Lei no 9.478,
de 1997, art. 20 e Lei no 9.984, de 2000, art. 4oA, §4o). Também nesses casos o ato
administrativo de composição do conflito apreciado é judicialmente sindicável em
ampla extensão. No Direito Comparado, fenômenos correlatos também têm sido
diferenciados da arbitragem e de outras formas de prestação jurisdicional:

El órgano regulador al imponer una resolución obligatoria entre las partes resuelve
sobre relaciones en principio jurídico privadas y sometidas a la Ley de autonomía en
la contratación. En cierto modo dirime o arbitra un conflicto inter-privatos, al resolver
sobre pretensiones de las partes. Esta circunstancia ha hecho reflexionar a cierta
doctrina que se ha decantado por la atribución de una potestad arbitral en manos
de la Administración y configuradora de una actividad arbitral así mismo como una
categoría básica de la actividad administrativa. El problema planteado es sin duda
de amplio calado puesto que existen imperativos constitucionales que determinan
el fin de la actuación administrativa en cumplimiento de los intereses generales

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602 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

y no para resolver conflictos, bajo una acepción plenamente jurisdiccional entre


particulares. El derecho a la tutela judicial efectiva y el principio general de sumisión
de la Administración a la legalidad vigente constituirían asimismo importantes
obstáculos para la categorización como arbitral de esta función de los organismos
reguladores. La intervención reguladora está enderezada al cumplimiento de la Ley
y la satisfacción del interés general pero no al de componer intereses o conflictos
entre particulares. Con el objeto de deslindar esta función resolutoria pública de
la eventual función arbitral, en estricto sentido, de los organismos de regulación,
preferimos hablar en este caso de una actividad dirimente resolutoria del órgano
de regulación con sujeción al típico esquema del Derecho Público Administrativo.
(MEDINA, 2004, p. 279-280)3.

Ambos estão intimamente associados à competência presidencial de direção


superior da Administração Pública Federal. Aliás, o iter e o instrumento de veiculação
são praticamente os mesmos: o ato dirimente é corporificado como parecer e sujeita-
se, se emitido pelo Advogado-Geral da União, à aprovação presidencial e, se emitido
pelo Consultor-Geral da União, à aprovação sucessiva pelo AGU e pelo Presidente da
República (LC no 73, de 1993, art. 41).
Vários fatores recomendam essa posição. Em primeiro lugar, o arbitramento
pelo Consultor-Geral da União não requer o prévio assentimento das partes do
conflito; basta a provocação de uma delas. Em segundo, não se assegura as garantias
processuais ínsitas à jurisdição (e.g., devido processo legal, contraditório, ampla defesa,
paridade de armas, direito à dilação probatória etc.). Por último, o parecer do CGU que
resolve a disputa consubstancia ato administrativo, que, além de suscetível à ampla
revisão pelo Poder Judiciário, só produz efeitos se aprovado pelo Advogado-Geral da
União e pelo Presidente da República – como se viu.

3 “O órgão regulador, ao impor uma resolução obrigatória entre as partes, decide sobre as relações que, a
princípio, são privadas e estão submetidas à regra da autonomia da vontade. De certa forma, resolve ou arbitra
um conflito entre particulares, ao decidir a respeito das pretensões das partes. Essa circunstância fez com
que parcela da doutrina tenha reconhecido à Administração um poder arbitral, configurando a arbitragem
como uma categoria básica da atividade administrativa. O problema proposto é, sem dúvida, abrangente,
uma vez que existem imperativos constitucionais que determinam que a atividade administrativa deve
estar orientada a consecução de interesses públicos e não para resolver conflitos privados, sob formatação
essencialmente jurisdicional. O direito à tutela judicial efetiva e o princípio geral de submissão da
Administração à legalidade também constituiriam obstáculos importantes para a categorização dessa
função dos órgãos reguladores como arbitragem. A intervenção regulatória é direcionada ao cumprimento
da lei e à satisfação do interesse público, e não diretamente à composição de conflitos de interesses
particulares. Para diferenciar essa função administrativa resolutória de eventual função arbitral em sentido
estrito, dos órgãos reguladores, preferimos falar neste caso de uma atividade administrativa dirimente do
órgão regulador, sujeita ao esquema típico do Direito Administrativo Público” (tradução nossa).

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Parece claro, portanto, que o arbitramento realizado pelo Consultor-Geral da


União não constituí exercício privado de poderes jurisdicionais (isto é, arbitragem).
A aproximação do instituto com o fenômeno arbitral – referido como tal pelos atos
normativos que o regem – reside no fato de que ele opera a substituição da vontade
dos órgãos e entidades conflitantes por juízo técnico emitido por terceiro.
Sendo referida como arbitragem ou não (o nomen iuris4 é sempre o que menos importa),
certo é que a composição de conflitos perante a CGU, após a frustação das tentativas
conciliatórias no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal
(CCAF), não se subordina ao mesmo regime jurídico das arbitragens propriamente ditas,
que é fornecido fundamentalmente pela Lei no 9.307, de 1996.
Pense-se, por exemplo, nos limites relativos à arbitrabilidade subjetiva e objetiva.
Diversamente do que ocorre no subsistema da Lei de Arbitragem, o Consultor-Geral
da União poderá, por arbitramento, dirimir disputas entre órgãos administrativos
despersonalizados ou conflitos acerca de direitos indisponíveis ou extrapatrimoniais
(políticas públicas, conflitos de competência etc.).
É importante esclarecer também que, ao contrário da conciliação perante a CCAF
(que detém competência para apreciar disputas interfederativas), só são arbitráveis
pelo Consultor-Geral da União os conflitos envolvendo órgãos e entidades da
Administração Pública Federal (CCAF, 2018, p. 13).
Embora esta não pareça ter sido a solução normativamente adotada, tem se
firmado, no âmbito da AGU, entendimento no sentido de que, se o conflito jurídico
opõe exclusivamente entidades administrativas federais de natureza autárquica
(fundações públicas e autarquias), a autoridade competente para arbitrar a disputa
passa a ser o Procurador-Geral Federal (BRASIL, 2015 e 2016)5.

4 “Denominação jurídica” (tradução nossa).

5 O entendimento parece constituir uma interpretação corretiva, de base sistemática, que, considerando
o feixe de atribuições institucionais da Procuradoria-Geral Federal, atraiu para tal autoridade uma
competência normativamente alocada ao Consultor-Geral da União. Na última edição do Regimento
Interno da Procuradoria-Geral Federal, veiculado pela Portaria no 338/2016, já se prevê dentre as
competências do Departamento de Consultoria (DEPCONSU/PGF/AGU) a função de “assistir o Procurador-
Geral Federal no tocante à análise de controvérsias jurídicas que envolvam autarquias e fundações
públicas federais submetidas à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União”
(art. 33, VIII). Dentre outros, essa tese é acolhida no Parecer no 00032/2015/DEPCONSU/PGF/AGU. Não
voltaremos, nas páginas seguintes, a reiterar essa diferenciação criada por via hermenêutica. Por razões
didáticas, continuaremos a referir somente à competência de arbitramento atribuída ao Consultor-Geral
da União; embora já se tenha esclarecido que, no caso de ambos os confrontantes serem autarquias
ou fundações públicas federais, a autoridade para o arbitramento será o Procurador-Geral Federal, com
auxílio do Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal.

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604 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

Nos últimos anos, conflitos jurídicos relevantes, travados entre órgãos e


entidades da Administração Federal, foram resolvidos por arbitramento perante a
Consultoria-Geral da União – o que demonstra a relevância dessa instituição pouco
conhecida pela sociedade e até mesmo pelos operadores jurídicos. Entre os casos
apreciados pela CGU, Godoy enumera os seguintes:

[Conflitos] entre o Ministério da Defesa-MD e o Ministério do Planejamento-


MPOG (sobre alienação de bens sob cuidado das Forças Armadas); Ministério
dos Transportes-MT, Secretaria Especial de Portos-SEP e Agência Nacional
de Transportes Aquáticos-ANTAQ (em relação a prorrogação de contratos de
arrendamento de portos); Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da
Presidência da República-SAJ e Assessoria Jurídica da Controladoria-Geral da
União (competência para aplicação de penalidade em processo administrativo
disciplinar); núcleos estaduais da CGU (contratações com a Empresa Brasileira
de Comunicação-EBC); Ministério da Justiça e Ministério da Previdência
Social (alcance da expressão efetivo exercício no serviço público); Ministério
do Meio Ambiente e Ministério da Ciência e Tecnologia-MCT (competência
para exigência de estudo prévio de impacto ambiental); Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional e Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio
(definição de sujeito passivo de uma contribuição para a Agência de Cinema);
Ministério das Minas e Energia e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (uso
de processo licitatório simplificado por parte das subordinadas da PETROBRÁS);
Ministério da Defesa e Ministério da Educação (questão das vagas para
militares em escolas públicas); Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico
Nacional-IPHAN e Instituto Brasileiro de Museus-IBRAM (competência para
declarar bem musealizáveis). (GODOY, 2015, p. 187-188).

Os litígios intra-administrativos, não raro, também são levados ao Judiciário. O


Poder Público, que é o maior litigante do país (CNJ, 2011), frequentemente contende
contra si próprio. Algumas peculiaridades decorrem desse fenômeno. Em primeiro
lugar, cabe destacar que os órgãos integrantes da Administração Direta, por serem
despersonalizados, não podem demandar ou serem demandados em juízo no seu
próprio nome. Como regra geral, o ente ao qual o órgão administrativo é vinculado,
o representa e responde por ele em juízo.
Nesse sentido, ações judiciais cujas partes sejam, em ambos os polos, órgãos de
uma mesma Administração Pública devem ser extintas liminarmente por confusão
entre autor e réu. Há, no entanto, uma exceção a essa regra: embora não gozem
de personalidade jurídica, alguns órgãos administrativos de cúspide gozam de
personalidade judiciária para defender as suas prerrogativas institucionais, conforme
esclarece a súmula 525, do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2015).

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João Pedro Accioly 605

No que toca aos conflitos travados entre entidades administrativas (que dispõem
de personalidade jurídica própria) e nas contendas entre estas e a Administração
Direta (sempre representada judicialmente pelo ente político), as disputas judiciais
não só são teoricamente possíveis, como largamente verificadas. No entanto, desde a
promulgação da Lei no 13.140, de 2015, a “propositura de ação judicial em que figurem
concomitantemente nos polos ativo e passivo órgãos ou entidades de direito público
que integrem a administração pública federal deverá ser previamente autorizada pelo
Advogado-Geral da União” (BRASIL, 2015).
Passa-se a analisar agora as circunstâncias nas quais cada mecanismo de
solução de disputas intra-administrativas é mais adequado. De modo geral, deve-se
evitar a judicialização de conflitos entre órgãos ou entidades administrativas. Não
sendo possível prevenir a formação das lides, é preferível resolvê-las internamente
e, caso seja viável, por conciliação. Assim, para Godoy:

E se há desentendimentos, porque inerentes a visões de mundo, ideologias


e idiossincrasias, deve-se propiciar espaço para composição de desacertos
institucionais, dentro do Poder Executivo. Deve-se ter um mecanismo de
produção de consenso. Um presidencialismo bem organizado, articulado e
eficiente deve contar com instâncias para resolução de conflitos internos,
evitando-se, como regra, a judicialização dos problemas endógenos. E
as instâncias internas devem ser simplificadas, desobstruídas do fardo
burocrático, ainda que sempre submetidas a constante controle externo.
(GODOY, 2013, p. 29).

A composição de disputas intragovernamentais em sede judicial fragiliza


institucionalmente o Poder Executivo, além de esbarrar com frequência em
obstáculos próprios à separação dos Poderes. Nesse sentido, Hertz afirma:

Two powerful arguments counsel against intragovernmental


litigation. First, the United States is a single entity, yet article II's
case-or-controversy requirement forbids one person from being both plaintiff
and defendant. Second, judicial resolution of disputes between, agencies may
trench on the President's authority, if not obligation, to resolve such disputes as
Chief Executive. This separation of powers concern is underlined by the Framers'
adoption of a unitary executive, with a single, accountable head-a structure that
seems inconsistent with allowing agencies to turn to courts to settle their disputes.
These arguments are linked. First, the more unified and hierarchical the executive
branch appears under article II, the less likely an article IH case or controversy
can exist within it. Second, lodging the executive power in the President could be

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606 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

‘a textual commitment’ of decisionmaking authority to a branch other than the


judiciary. (HERTZ, 1991, p. 895-896)6.

Como se não bastasse, com a multiplicidade de instâncias e recursos, a falta de


expertise técnica e o notório assoberbamento do Judiciário, não raro deparamo-nos
com decisões judiciais que, a um só tempo, são equivocadas e extemporâneas.
As disputas de cunho essencialmente político travadas no interior da Administração
Direta parecem reclamar definição pelo Presidente da República. É o Chefe do
Poder Executivo que dispõe, no contexto da Administração, da maior legitimidade
democrática para bater o martelo a respeito dos conflitos políticos. Além disso, a
apreciação presidencial tende a ser o método mais célere para resolver contendas
dessa natureza e, nos domínios da Administração Direta (onde impera o princípio
hierárquico), não há óbices ao manejo de um instrumento expedito como esse.
Quando a controvérsia for juridicamente complexa e tiver implicações que
exorbitem ao caso concreto (isto é: for relevante para outros órgãos e entidades
administrativas), é recomendável que ela seja submetida à apreciação do
Advogado-Geral da União.
Quando a disputa abranger complexidades técnicas, pessoas jurídicas autônomas
ou tiver índole patrimonial, o caminho preferencial parece ser a arbitragem
propriamente dita, aquela regida pela Lei no 9.307, de 1996. O ponto também será
retomado no próximo subtópico.
Para encerrar este, contudo, é preciso ressaltar apenas que a conciliação, entre
órgãos e entidades administrativas em conflito, deve ser concretamente estimulada
qualquer que seja a natureza da disputa, seja como método principal para a sua
composição, seja como incidente de outro mecanismo de solução de controvérsias.
Na visão de Magda Lúcio e Meire Mota Coelho,

6 “Dois argumentos poderosos advogam contra os litígios intragovernamentais. Primeiro, os Estados


Unidos são uma entidade única e a legislação proíbe uma pessoa de ser tanto demandante quanto réu
numa mesma ação. Em segundo lugar, a resolução judicial de disputas entre as agências pode se valer do
poder-dever do Presidente da República, como Chefe do Executivo, de resolver disputas entre os órgãos
que lhe são subordinados. Essa leitura parece alinhada com a lógica por trás da adoção de um executivo
unitário pelos constituintes, com uma única cabeça responsável por toda a Administração. Essa estrutura
parece não permitir que os órgãos administrativos recorram aos tribunais para resolver suas disputas. Os
dois argumentos estão vinculados. De um lado, quanto mais unificado e hierárquico o Poder Executivo for,
menor será a probabilidade de conflitos intragovernamentais serem judicializados. Do outro, a alocação
de todo o poder executivo ao Presidente deve ser interpretada como uma exclusão textual do Poder
Judiciário como autoridade decisória para arbitrar conflitos internos ao Executivo” (tradução nossa).

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[...] o ato da mediação age de maneira transversal na estrutura estatal,


momentaneamente, no ato da instalação da mesa conciliadora, e se dilui
quando da solução do conflito ou controvérsia. Nesse sentido, a mediação,
como instrumento de gestão, unifica o Estado brasileiro sob o paradigma
da pacificação, ao fixar este como uma missão comum a todos os órgãos,
independentemente do lugar que ocupam na estrutura administrativa. Esse
paradigma tende a fortalecer o atendimento ao cidadão, finalidade última
do Estado brasileiro, como a ação prioritária dos órgãos públicos. (LÚCIO;
MOTA COELHO, 2010, p. 85).

É preciso levar a conciliação a sério. Mais do que um discurso, é preciso


garantir, incentivar e, talvez, considerar mesmo punir as autoridades que
adotem posturas anticonciliatórias e insistam em criar ou em exasperar litígios
intra-administrativos frívolos.

4.1 A solução de litígios intra-administrativos por métodos arbitrais


No tópico anterior, foi indicada a existência de dois sistemas de arbitragem aptos
a dirimir conflitos intra-administrativos. Eles constituem círculos secantes – ligados
por uma pequena zona de intercessão. Explicar-se-á a figura, analisando a matéria
não só pelo prisma da possibilidade jurídica, como da conveniência administrativa.
Os conflitos havidos exclusivamente entre órgãos administrativos (Administração
Direta versus Administração Direta) e as contendas intra-administrativas a respeito de
direitos extrapatrimoniais ou indisponíveis só são arbitráveis perante a Consultoria-
Geral da União, depois de frustrada a tentativa de conciliação no âmbito da CCAF.
Os conflitos entre a Administração Pública Federal, de um lado, e, do outro,
i) particulares ou ii) órgãos ou entidades administrativas de outros entes (disputas
interferativas), somente podem ser resolvidos por arbitragens privadas, nos moldes
da Lei no 9.307, de 1996.
Os conflitos, a respeito de direitos patrimoniais e disponíveis, entre entidades
administrativas federais e entre estas e a Administração direta respectiva constituiriam
a zona de intercessão aludida acima. Nessas hipóteses, seria juridicamente possível
a utilização de ambos os sistemas de arbitramento possíveis: o que corre perante a
Consultoria-Geral da União ou a Procuradoria-Geral Federal e a arbitragem privada,
de que trata a Lei no 9.307, de 1996.
O arbitramento de disputas que envolvam entidades administrativas pelo
Consultor-Geral da União traz, no entanto, inúmeras perplexidades, sobretudo no
caso de autarquias especiais (e.g., agências reguladoras, universidades públicas,

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608 Mecanismos de solução de conflitos intra-administrativos

conselhos profissionais, Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE) e


de empresas estatais (especialmente sociedades de economia mista). O desconforto
aumenta quanto essas entidades são partes em disputas patrimoniais.
Ainda que goze de independência técnico-funcional (MOREIRA NETO, 2006), as
suspeitas de parcialidade serão inevitáveis e justificáveis. O Consultor-Geral da União,
a exemplo do Advogado-Geral da União, ocupa cargo de confiança do Presidente da
República; não se exigindo nem mesmo que pertençam aos quadros da AGU.
Ambos estão institucionalmente subordinados à Presidência e se sujeitam à
demissão ad nutum7. Como esperar que arbitramentos justos e imparciais sejam
monocraticamente conduzidos pelo CGU diante de conflitos que envolvam, por
exemplo, relevantes interesses fazendários da União versus interesses patrimoniais
da Petrobras (e dos seus acionistas, inclusive os privados)?
Aqui só não há um vício constitucional porque o arbitramento efetuado pelo
CGU não consiste, efetivamente, em exercício privado da jurisdição. Ainda quando
exercida fora dos Tribunais, a jurisdição precisa ser imparcial. O árbitro, no sistema
da Lei no 9.307, de 1996, e na prática internacional, deve necessariamente ser um
terceiro imparcial, sem interesses ou lanços estreitos com as partes das disputas
que julgará. O arbitramento realizado pelo CGU só pode consistir, reitere-se, em
ato administrativo dirimente, articulado como ferramenta de controle ministerial. A
imparcialidade é, portanto, prescindível e o mérito do parecer, diferentemente dos
laudos arbitrais emitidos conforme a Lei no 9.307, de 1996, poderá ser amplamente
revisto pelo Poder Judiciário.
O Parecer AGU/AG-12, de 2010, aprovado pelo Advogado-Geral da União, torna a
situação examinada ainda mais complicada. Por meio dele, acolheu-se o entendimento
de que a cláusula compromissória adotada em contrato de cessão onerosa de
petróleo, assinado pela União, Petrobras e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis – ANP, era “ilegal, imprópria e inadequada”, concluindo-se pela
obrigatoriedade de se “utilizar, no caso, as Câmaras de Conciliação e Arbitragem da
Advocacia-Geral da União” (BRASIL, 2010).
A utilização da CCAF para dirimir conflitos entre Administração Direta, de um lado,
e entidades independentes ou empresas estatais, do outro, ainda que juridicamente
possível (não existe óbice constitucional ou legal para tanto), deve ser desencorajada.
No caso das entidades administrativas independentes, o arbitramento fragiliza a
autonomia que lhes fora concedida pela ordem jurídica diante da finalidade relevante

7 A expressão latina significa “a qualquer momento” (tradução nossa).

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que perseguem. Já no caso das estatais, sobretudo quando atuantes em concorrência


e sujeitas à copropriedade entre Estado e particulares, o mecanismo em comento
pode lhes gerar prejuízos financeiros, atingindo reflexamente os seus acionistas.
Em ambas as hipóteses, a probabilidade de judicialização da controvérsia, após a
prolação do parecer, é alta. Assim, a medida pecaria pela ineficiência; constituindo
iter pré-processual que só diferiria a administração final da justiça.
Em paralelo, a exclusão, pretendida pela Advocacia-Geral da União, da arbitragem
privada das contendas entre entidades administrativas e entre estas e órgãos públicos,
além de não encontrar qualquer respaldo normativo, parece ferir a razoabilidade
e ameaçar a independência, inclusive patrimonial, das entidades da Administração
Indireta – algumas com autonomia reforçada por Lei ou pela Constituição; outras
constituídas sob a forma de direito privado e, no caso das sociedades de economia
mista, com a participação mesmo de particulares em seu quadro social.
Aliás, há um argumento histórico que corrobora este entendimento. Durante
a tramitação do Projeto de Lei do Senado no 406, de 2013, que redundou na Lei
no 13.129, de 2015, o ex-Senador Gim Argello apresentou proposta de emenda ao
referido PLS que visava a incluir, na Lei de Arbitragem, dispositivo com o seguinte
teor: “A arbitragem dos litígios envolvendo apenas órgãos e entidades nacionais da
Administração Pública direta e indireta incumbe à Advocacia Pública”. A proposta de
emenda, em que pese sua interessante justificativa,8 acabou, nessa parte, rejeitada
pelo Senado Federal e não deve prosperar pela via hermenêutica.

5 Conclusão
A amplitude e a heterogeneidade das funções confiadas aos Estados
contemporâneos redundaram em máquinas administrativas complexas, policêntricas
e multiorganizativas. Com o crescimento e a diversificação dos interesses
carecedores de tutela, das demandas sociais, das tarefas estatais e das entidades

8 Observe-se excerto da justificativa à Emenda no 07 ao PLS no 406, de 2013: "a Advocacia Pública,
seguramente, é o espaço institucional mais adequado para a arbitragem dos conflitos entre órgãos e
entidades do Poder Público. Primeiro, porque é regida pelo Direito Público. Segundo, porque conhece
bem as leis do país, sobretudo, as que regem a Administração Pública. Terceiro, porque conhece
profundamente as instituições públicas brasileiras (sistemas, estrutura, cultura, dificuldades, limitações,
diretrizes, etc.). E, quarto, porque possui experiência na solução de litígios entre órgãos e entes públicos,
vez que, como mencionado, já há algum tempo, vem atuando com sucesso nessa seara". Documento
disponível para download em: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4412824&disp
osition=inline. Acesso em: 30 dez. 2020.

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públicas, aumentaram também, em quantidade e em importância, as relações


intragovernamentais e interfederativas.
E onde há relação, jurídica ou não, intermitentemente há também conflito.
A Administração Pública deve, portanto, investir em articulação, coordenação
e supervisão institucional, com vistas a prevenir desavenças entre os seus
órgãos e entidades. Uma vez instauradas, contudo, deve-se buscar preferencialmente
mecanismos extrajudiciais e consensuais para resolvê-las – de acordo com as
diretrizes sugeridas.
Verifica-se, finalmente, a existência de dois sistemas arbitrais, em sentido
lato, para a resolução de disputas intra-administrativas. O primeiro deles, especial,
é conduzido privativamente pelo Consultor-Geral da União, após esgotadas as
tentativas de conciliação perante a CCAF.
A ele, não são aplicáveis as restrições objetivas à arbitrabilidade previstas na
Lei no 9.307, de 1996. Contudo, os conflitos havidos entre a União e particulares ou
Administrações Públicas locais não podem ser solucionados pelo CGU. Além disso,
em prestígio à solução imparcial e eficiente da disputa, não é recomendável que o
expediente seja utilizado quando entidade administrativa independente ou empresa
estatal seja parte da controvérsia.
O segundo sistema corresponde à arbitragem extraestatal, cuja disciplina
geral é fornecida pela Lei no 9.307, de 1996. Por tal método, só podem ser
dirimidos conflitos acerca de direitos patrimoniais e disponíveis. Ademais, por
pressupor partes juridicamente autônomas, a arbitragem privada também não é
via adequada para a resolução de disputas entre órgãos componentes de uma
mesma Administração Direta.
Aprofundar a discussão quanto aos métodos de solução de controvérsias
endoestatais, tema ainda pouco explorado pela literatura, é fundamental para
melhorar a articulação institucional da Administração Pública e possibilitar que
disputas internas sejam dirimidas de modo eficaz e célere. Ainda que modestamente,
espera-se ter contribuído para isso.

6 Referências
ACCIOLY, João Pedro. Arbitragem e Administração Pública: um panorama global.
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614

A teoria das escolhas trágicas na


Administração Pública à luz da
Lei no 13.655/2018

MARIA VICTÓRIA RODRIGUES


Doutora em Direito (UFF), com período na Universidade de Vigo (Espanha).
Mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA).

Artigo recebido em 15/2/2019 e aprovado em 20/4/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 As escolhas trágicas na Administração Pública 3 A superação dos desvios


de conduta na Administração Pública e a possibilidade de escolha 4 Aferição do custo-benefício e
suas limitações 5 A Lei no 13.655/2018 e a obrigação de mensuração da atividade do administrador
6 Conclusões 7 Referências.

RESUMO: Este trabalho desenvolve-se em um cenário nacional marcado pelo


descrédito na Administração Pública, ao tempo em que trata de questões atinentes
à proteção da confiança no Estado e à reserva do possível, objetivando identificar
razoabilidade e proporcionalidade nas decisões administrativas. Neste sentido,
busca-se a análise do custo-benefício, como orientador das escolhas trágicas, por
meio dos juízos de adequação, conveniência e oportunidade, com demonstração ipso
facto da inexistência de liberdade do gestor público no que respeita ao interesse
público, com base na Lei no 13.655/2018, que altera a “Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro” (LINDB). É imprescindível diagnosticar inicialmente as demandas
sociais, utilizando critérios históricos, antropológicos, de afetação, orçamentários,
técnicos, dentre outros; e, somente após este momento, efetuar a prognose, para
alcançar a melhor solução, retirando, assim, o arbítrio do administrador.

PALAVRAS-CHAVE: Escolhas trágicas Decisões Administrativas Lei no 13.655/2018.

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The tragic choices theory in Public Administration after Law no. 13.655/2018

CONTENTS: 1 Introduction 2 The tragic choices in Public Administration 3 Overcoming


deviations in public administration conduct and the possibility of choice 4 An analyse of
cost-benefit and restrictions 5 The Law no. 13.655/2018 and the obligation of measuring the
public administrator work 6 Conclusions 7 Reference.

ABSTRACT: This article develops in the current Brazilian scenario, when the state
is characterized by discredit in Public Administration and dealing with questions of
legal certainty and reserve of contingencies, searching for identify reasonableness
and proportionality in administrative decisions. In this regard, it approaches the
aim of analyses the cost-benefit relation, as guiding of tragic choices in public
administration, by doing appropriate judgments of convenience and opportunity,
and showing ipso facto the absence of public management liberty about the public
interest, based in Law no. 13.655/2018, that changes the “Lei de Introduçao às
Normas do Direito Brasileiro” (LINDB). It is indispensable to diagnose the social
demands, using historic, anthropological, endowment, budget, technical and other
criteria; and just after this analysis, it will be possible to make prognoses to reach
the best solutions, removing the discretion of public management.

KEYWORDS: Tragic Choices Administrative Decisions Law no. 13.655/2018.

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616 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

La teoría de las elecciones trágicas en la Administración Pública a la luz de la


Ley 13.655/2018
CONTENIDO: 1 Introducción 2 La decisión trágica en la administración pública 3 La superación
de las desviaciones en la administración pública y la posibilidad de elección 4 Evaluación de la
relación costo-benefício y sus restricciones 5 La Ley 13.655/2018 y la obligación de medición de
la actividad del administrador público 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: El artículo se desarrolla en una realidad brasileña donde el descrédito en


la Administración Pública es grande, y busca tratar las preguntas sobre la protección
de la confianza en el Estado y la reserva de lo posible, con fines de identificar
la razonabilidad y proporcionalidad en las decisiones administrativas. En este
sentido, la búsqueda es analizar la relación del coste-beneficio, como orientador
de las elecciones trágicas en la administración pública, por medio de los juicios
de adecuación, conveniencia y oportunidad; con demonstración ipso facto de la
inexistencia de libertad de los actos del gestor público sobre el interés público, con
base en la Ley 13.655/2018, que altera la “Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro” (LINDB). Es imprescindible diagnosticar las demandas sociales, utilizando
criterios históricos, antropológicos, de afectación, presupuestario, técnicos, entre
otros; y, solamente después de este momento, hacer la prognosis, para alcanzar la
mejor solución y sacar el arbitrio del gestor público.

PALABRAS CLAVE: Elecciones Trágicas Decisiones Administrativas Ley 13.655/2018.

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1 Introdução

O presente artigo trata da escolha trágica realizada pela Administração


Pública, no bojo das alterações legislativas que incluíram a exigência da
consideração de medidas alternativas e a análise das consequências práticas da
decisão administrativa. Inicialmente, pontua-se que a questão trágica é aquela de
difícil resolução, pois qualquer escolha realizada pelo administrador ocasionará
consequências negativas; ela é antecedida pela questão óbvia e dependerá de
critérios factíveis para priorização de argumentos, de modo a se alcançar uma
solução justa para cada situação analisada em seus contextos amplo e específico.
No âmbito do dever público de administração, a decisão trágica envolve a
escolha entre deveres de igual importância no plano abstrato, mas, face ao limite
orçamentário, apenas um dos deveres poderá ser realizado no caso concreto.
Analisa-se, ainda, a necessária extirpação de qualquer tipo de desvio de conduta
técnica e ética, para que, em um segundo momento, sejam realizados os exames
de razoabilidade e proporcionalidade, de modo que tal escolha seja feita com
segurança e justiça.
A Lei no 13.655/2018, que altera a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB), traz em seu artigo 20 o seguinte texto:

Art. 20: Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá


com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação


da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo
ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
(BRASIL, 2018, art. 20).

O texto alterado da LINDB traz novos critérios exigíveis aos administradores


públicos na tomada de decisões, proibindo a escolha com base em valores abstratos
quando não analisadas as consequências do caso concreto. A realização das
escolhas trágicas na Administração Pública, como aquelas que trarão consequências
negativas, é um terreno fértil para discutir as inovações da referida legislação.
O objetivo geral do presente artigo científico é analisar a Lei no 13.655/2018,
essencialmente seus artigos 20 e 21, no que concerne aos seus impactos na
Administração Pública e na tomada de decisões conceituadas como escolhas trágicas.

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618 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

Os objetivos específicos consistem em: a) identificar os conceitos e as


características das escolhas trágicas na Administração Pública; b) analisar a
razoabilidade e a proporcionalidade nas decisões administrativas; c) refletir sobre a
Lei no 13.655/2018, sob a ótica das possibilidades efetivas de sua instrumentalização
prática, a partir da mensuração das decisões administrativas.
Os métodos utilizados para confecção deste trabalho denominam-se
hipotético-dedutivo e dialético, porquanto visam confirmar a hipótese formulada.
Ela repousa na necessidade de controle da atividade discricionária do Estado,
com base na Lei no 13.655/2018, que altera a LINBD e passa a exigir não apenas
a motivação nas decisões administrativas, mas também a análise das suas
consequências práticas.
A elaboração do presente trabalho contou, inicialmente, com um processo de
observação da realidade da administração pública brasileira que, como fato notório,
percebe-se a má alocação e limitação dos recursos públicos disponíveis. Por fim,
a pesquisa exploratória e bibliográfica, demonstrando o caráter qualitativo da
pesquisa, conta com o número de obras listadas ao término deste, que forneceu
substrato suficiente para o levantamento da hipótese aqui delineada, uma vez pois
que se trata de trabalho embasado no método hipotético-dedutivo e dialético.
A análise desenvolvida, então, possui caráter essencialmente crítico e propositivo,
com o fito de instrumentalizar a administração pública, de modo que esta realize com
maior eficiência e qualidade as suas escolhas, colaborando para o desenvolvimento do
país, especialmente neste momento de implementação da Lei no 13.655/2018.
Os resultados obtidos na presente pesquisa indicam a confirmação da hipótese,
compreendendo-se, pois, a necessidade de implementação de melhorias nos gastos
públicos através da fixação de critérios de mensuração da discricionariedade
administrativa, essencialmente, no cerne das escolhas trágicas, concomitantemente
à implementação das exigências trazidas pela Lei no 13.655/2018, principalmente
em nos artigos 20 e 21, nas práticas administrativas.

2 As escolhas trágicas na Administração Pública


Situações de escolha, qualquer que sejam elas, colocam o indivíduo perante
a seguinte questão: o que deve ser feito? Essa é a chamada escolha óbvia, a qual
está sempre presente.
Em algumas situações está também presente a denominada escolha trágica:
alguma das opções de escolha é livre de transgressão moral? O estudo dessas

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questões, por meio da filosofia, literatura e observação da vida contemporânea, tem


relevante importância na reflexão sobre os direitos dos cidadãos e os interesses
públicos, os quais, para serem concretizados, demandam, na maioria das vezes, a
realização de escolhas trágicas, para as quais a análise do custo-benefício, feita na
escolha óbvia, não é suficiente (NUSSBAUM, 2001, p.169).
A questão trágica não é, pois, decidida apenas por meio de um critério de custo
benefício, pois este reside na primeira etapa. Ela deve ser decidida por meio de uma
análise da redução de danos, ou seja, no caso concreto, qual seria a opção que traria menos
danos – frise-se que a análise das consequências práticas da decisão administrativa é
exigência contida no artigo 20 da Lei no 13.655/2018, objeto desta pesquisa.
Pode-se inferir dos tempos atuais que a informação é um dos bens mais
relevantes, e dentre eles o mais influente. O indivíduo desenvolve-se de acordo
com conhecimentos que adquire; ele é identificado a partir de informações que
disponibiliza e são elas que compõem todo um universo de dados sobre preferências,
patrimônios e condições de vida do sujeito. Certo é que o Estado não se interessa
pela disponibilização de todo esse universo de maneira indistinta, a qualquer um, e,
com isso, a proteção e inviolabilidade das informações devem existir. Por outro lado,
informação para o Estado diz respeito à segurança pública, conduzindo à reflexão:
até que ponto a proteção da privacidade deve ser superior ao princípio da segurança
pública nacional? Desse exemplo depreende-se que a solução sobre o que deve ser
posto em prática pela Administração vai depender do exame da situação concreta.
Os Estados como França, Itália, Inglaterra, Bélgica e Estados Unidos buscaram
resolver o problema por meio de textos legais, relativizando a garantia dos sigilos
fiscal e bancário, através da permissão ao acesso de dados da vida econômica
das pessoas pela Administração, no que disser respeito ao interesse público, às
origens do patrimônio e a sua destinação, seu uso e o adimplemento de suas
obrigações administrativas e tributárias (ROCHA, 2013, p. 323-383). Ocorre que
a previsão legal não resolve o problema no caso concreto, pois é composta por
conceitos indeterminados, como o de interesse público, o que não retira o caráter
discricionário da decisão sobre se a quebra do sigilo é justa ou não.
A proteção da confiança no Estado impõe sua relevância para a presente
pesquisa porque considera o descrédito do Estado como fator encarecedor e,
consequentemente, obstaculariza a eficiência da Administração Pública. Tendo isso
em vista, o administrador deve perseguir o aumento de sua credibilidade frente os
credores e administrados.

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620 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

Acerca das questões relativas ao desempenho da administração fazendária


e das isenções tributárias, serão investigados os entornos da relação
custo-benefício das decisões do agente público.

2.1 O estudo da razoabilidade e da proporcionalidade: uma questão de princípios?


Nesta seção tratar-se-á da razoabilidade e da proporcionalidade, institutos
aqui entendidos como postulados jurídicos, distanciando-se da doutrina clássica
que os entende como princípios. Além disso, cuida-se de diferenciá-los e de
estabelecer o seu momento de aplicação.
Os princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na melhor
medida possível, pois a sua realização depende da análise das possibilidades fáticas
e jurídicas do caso concreto, em um processo de sopesamento com outros princípios
jurídicos, por vezes, colidentes. Não existem, portanto, princípios contraditórios, mas, sim,
concorrentes, pois são deveres ou mandados de otimização aplicáveis em diferentes
graus, conforme as várias possibilidades normativas, como entende Alexy (1993).
Os postulados, por sua vez, não impõem a promoção de um fim, mas, de outra forma,
eles estruturam e orientam a aplicação do dever de promovê-lo, não prescrevendo
comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a
normas e princípios que indiretamente prescrevem comportamentos (ÁVILA, 2005).
A proporcionalidade e a razoabilidade são postulados, pois não são aplicados
de modo subsuntivo, de aplicação imediata norma-caso, tampouco podem ser
utilizados livremente para fundamentação de uma decisão. Constituem-se, por sua
vez, como forma de interpretação e aplicação das normas que são adequadas aos
casos concretos. Portanto, não podemos definir razoabilidade e proporcionalidade
como princípios jurídicos, já que aos mesmos, conforme definiu Alexy, cabe a
interpretação e a aplicação das normas jurídicas, mais especificamente dos
princípios, quando há colisão entre eles (CAMPOS, 2013).
Nesse sentido, Ávila afirma que postulados são condições de possibilidade
do fenômeno jurídico, de modo que não oferecem argumentos substanciais para
fundamentar uma decisão, explicando apenas como pode ser obtido o conhecimento
do Direito (ÁVILA, 2001).
A razoabilidade e a proporcionalidade devem guiar o processo de decisão
administrativa, em dois níveis: no primeiro, a razoabilidade, que diz respeito
à expectativa e segurança jurídica, e, no segundo, a proporcionalidade, que

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envolve os exames de adequação, necessidade e custo benefício1. Esses dois


planos fazem correspondência, respectivamente, às escolhas óbvias, que têm
exame prima facie – O que deve ser feito? O que é razoável? – e trágicas – Qual
a solução mais adequada? Ela é necessária? Seu custo-benefício é positivo?
Passa-se, pois, ao exame detido de cada um desses postulados.
A noção de razoabilidade está vinculada à aceitação social dos conteúdos
jurídicos, que quando não correspondentes ao que a sociedade espera, seja porque
são inaceitáveis, iníquos, ridículos ou opostos ao bom funcionamento do Estado, a
esta procura de todas as maneiras evitar sua consumação, posto que tal hipótese
seria desarrazoada (PERELMAN, 1978, p. 39). Já para Hart, razoabilidade, assim
como a neutralidade e a imparcialidade, é uma virtude judicial, constituindo-se em
elemento moral da interpretação jurídica, de modo que ela conduza a uma aceitação
razoável da decisão (HART, 1986).
Afirma esse autor que o desenvolvimento da razoabilidade se deu em razão
do caráter aberto dos textos legais, os quais dependerão do labor dos juízes, já
que não podem tomar decisões arbitrárias e nem tem condições de realizar uma
dedução mecânica, completamente vinculada; os intérpretes recorrem, pois, à
razoabilidade para compreender e aplicar as normas quando o texto não for de
aplicação direta (HART, 1986).
Já Helenilson Pontes, afirma que esse princípio objetiva evitar a consumação de
atos, fatos ou decisões socialmente inaceitáveis, injustas ou arbitrárias, vinculando
sua utilização pelo legislador, juiz, administrador ou intérprete, seja no processo de
aplicação ou interpretação (PONTES, 2000, p. 87).
Apesar do bom entendimento dos autores, ressalva-se novamente que o
presente trabalho não entende a razoabilidade como meio, técnica ou princípio para
o alcance da solução, mas como estado fático-jurídico da solução.
A proporcionalidade, em um segundo plano, não examina as expectativas dos
administrados em relação às decisões – ou seja, o que se espera e é moralmente
aceitável e que traz segurança jurídica, como é o exame da razoabilidade –, mas
possui o objetivo de encontrar a solução que seja mais eficiente ao caso concreto.
Segundo Helenilson Pontes, ainda com duas dimensões, uma positiva e outra
negativa, a proporcionalidade sempre terá a função de constituir o limite e o fim da

1 Kornhauser Lewis A., em contrapartida, no texto On Justifying cost-benefit analysis, defende que a análise
do custo-benefício oferece um meio atraente para as escolhas óbvias, mas não é um bom caminho para
as escolhas trágicas, ou quando quaisquer das alternativas é ruim.

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622 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

atuação estatal, no exercício de suas funções públicas; isso porque se consubstancia


em juízo de adequação, necessidade e conformidade entre o interesse público
limitador de um bem jurídico e o peso que este assume quando da análise do caso
concreto (PONTES, 2000, p. 57).
Conforme explanado acima, a proporcionalidade tem valor de eficiência,
enquanto a razoabilidade denota segurança. Essas características explicam o porquê
de sociedades em diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico e cultural
poderem realizar o exame da razoabilidade e proporcionalidade, ou apenas o primeiro.
Sociedades menos avançadas empreendem prioritariamente a busca pela
segurança jurídica, ou seja, o cumprimento de normas e expectativas sociais,
deixando no segundo plano a eficiência das escolhas. Tal limite não existe em
sociedades com uma realidade técnica-tecnológica-social mais avançada, pois, nesse
caso, as possibilidades de escolha são mais acertadas e têm maior possibilidade de
realização, cabendo lhes exigir eficiência.
Ocorre que, assim como as sociedades menos desenvolvidas tecnicamente não
se caracterizam pela exigência primordial da eficiência, sociedades que possuem
uma Administração Pública em que estão presentes desvios de conduta por falta
ética e técnica não possuem a faculdade de realizar escolhas.

3 A superação dos desvios de conduta na Administração Pública e a


possibilidade de escolha

A superação dos desvios de conduta na Administração Pública, como já acentuado,


é, no presente trabalho, considerada pressuposto para a possibilidade de ocorrência e
de resolução das escolhas trágicas. Isso porque, se há desperdício ou desvio de verbas
e recursos para fins escusos, não há como medir-se o grau de escassez.
O desvio de conduta é aqui tratado nos sentidos técnico e ético; o primeiro diz
respeito a tudo que gera ineficiência, ou seja, anomalias relativas aos processos e
procedimentos e às técnicas obsoletas. Quanto ao desvio de procedimento – conceituado
por Geoges Vedel (1992) como o fato da administração utilizar meios distintos daqueles
para os quais estaria legitimamente intitulada –, ressalta Celso Castro que a figura
é praticamente ignorada no sistema jurídico brasileiro, não obstante seu relevo e
significação, tendo em vista que os atrasos e as omissões da Administração no trato com
os processos geram acentuado impacto social e econômico (CASTRO, 2000).
O desvio ético, denominado por muitos autores de desvio de poder, ocorre quando
o agente público não cumpre suas funções com higidez, seja agindo ou omitindo-

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se, quando exerce prerrogativas que lhe são conferidas indevidamente, fazendo uso
indevido daquelas legitimamente outorgadas, ou ainda agindo além delas. Segundo
José Cretella Júnior (1964, p. 66), o desvio de poder serve para atingir tanto finalidade
pública quanto privada, diversa daquela que a preceituara. Dessa maneira, em qualquer
das situações, está o agente confluindo contra o interesse público.
Agente é o sujeito de competência para o exercício da função pública. O agente
possui, portanto, discricionariedade – dever de procurar a melhor escolha –, e não
liberdade, faculdade que possui como gente, pessoa física, dotada de capacidade para
decidir sobre sua vida. Quando o agente atua, dentro do Estado, como se gente o fosse,
ou seja, guiado pela liberdade, está agindo com desvio de conduta.
Moreira Neto (1992, p. 69) distingue a moralidade administrativa da moral
comum, que é uma espécie desta última, derivada da legitimidade política
e finalidade pública. Conforme prelecionou o autor, é pela finalidade que se
estabelece o que vem a ser a moralidade da atuação pública, aferida em relação
a seus fins e a seus meios, sempre vinculada à ideia de legitimidade da ação
do Estado no atendimento ao interesse público. Portanto, a utilização de meios
ilegítimos ou a traição da finalidade, ínsita na regra de competência, caracterizam
a imoralidade ou o desvio de conduta. O autor afirma ainda que a ineficácia não
decorre imediatamente da violação da regra moral de conduta, mas mediatamente,
já que foi violada a regra jurídica que a continha.
Os desvios de conduta na Administração Pública geram, nos Estados Unidos da
América, um considerável número de casos judiciais, os quais discutem desvios éticos
e técnicos geradores de ineficiência na administração pública, obstando a realização
de muitos deveres públicos por desperdiçarem recursos (MOLAN, 1997, p. 236).
Dessa maneira, não há a reserva do possível, uma vez que recursos estão
sendo alocados em destinos inadequados, e a inevitável escolha trágica,
natural em administrações livres de desvios, resta impossibilitada diante da má
destinação orçamentária.

3.1 A reserva do possível


Após a extirpação das escolhas indefensáveis, aquelas que não são aceitáveis
de maneira alguma, e dos desvios de conduta da administração pública cabe
realizar a análise da reserva do possível. Simplificadamente, ela é o limite que o
Estado possui para fazer o que é possível, nas escolhas trágicas.

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Holmes e Sunstein, no livro The cost of rights (2000), afirmam que todas as
escolhas têm custos. Essa observação, proveniente do senso comum, quer dizer que
ao escolher X em detrimento de Y está se desistindo de Y, que é definido como custo
da escolha, caso tenha sido ele a alternativa mais valiosa preterida. Nota-se, pois,
que efetivar qualquer direito2 implica um custo para a alternativa valiosa excluída e,
consequentemente, para determinada parcela da sociedade. Essa percepção de que as
escolhas públicas são custosas é importante para compreender a reserva do possível,
a qual, mais uma vez, é a impossibilidade de realização de todas as alternativas de
escolha. Ou seja, o Estado não tem condições financeiras de realizar todos os direitos
– na acepção de Holmes e Sunstein –, tornando inevitável a realização da escolha
trágica, a partir de critérios de adequação, de necessidade e de custo-benefício.
A reserva do possível, portanto, consiste na escassez dos recursos públicos, em
razão da crescente demanda de prestação de serviços e limitação do orçamento.
Para Pleguezuelos, a escassez de recursos obriga à eficiência, que consiste no
alcance dos objetivos públicos com o menor custo possível e a otimização dos
meios disponíveis (PLEGUEZUELOS, 1999, p. 27).
Nesse sentido, relembra-se que a eficiência é perspectiva natural, ou inerente, à
própria administração pública, assim como a necessária convivência com a reserva do
possível, que os economistas denominam de Limite do Orçamento. Amartya Sen, com
sua perspicácia habitual, comenta tal fator como sendo onipresente, pois fazer suas
escolhas não significa a inexistência de limites orçamentários, mas simplesmente
que a escolha deve ser feita internamente ao limite do orçamento ao qual o Estado
e os indivíduos devem se adequar (SEN, 2011).

3.2 A proteção da confiança no Estado


“O mau pagador paga duas vezes”. Essa máxima popular exprime a realidade da
Administração do País frente aos seus credores. Assim, é premente meditar neste
tópico acerca da confiabilidade do Estado, parâmetro de extrema relevância para a
análise do gasto público.
O descrédito no Estado, então, torna-o muito mais caro. Isso advém do maior
risco de inadimplência que a Administração inspira, dificultando-a, muitas vezes,
de alcançar o máximo de aproveitamento das verbas públicas. Afinal, resta

2 Para os autores, direitos negativos e positivos são igualmente direitos, tendo em vista que os dois
exigem do Estado, ao menos, uma estrutura para sua garantia, como, por exemplo, os custos com agências
de fiscalização, de maneira a garantir a liberdade de expressão.

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evidente que a qualidade do gasto público é obstaculizada pela ausência de


confiança no Estado.
Nesse sentido, defende-se que a utilização de critérios de mensuração garanta
a maior segurança nos momentos decisórios da Administração Pública de maneira a
aparelhar os gestores para a tomada de decisão. Assim, os gastos seriam efetuados
de forma mais adequada, porque a instrumentalização orienta o administrador não
apenas na redução de possibilidades de escolha, mas quiçá em uma realidade ideal
para alcançar a única solução válida. Destarte, a inspiração de maior segurança à
sociedade, atendendo suas demandas criteriosamente, confere maior credibilidade
ao Estado, devendo ele, então, buscar merecer a confiança dos cidadãos.
O alemão Hartmut Maurer (2001, p. 68) utiliza a expressão “proteção à confiança”,
assumindo-a como princípio diretivo, que carece de realização específica. Nesse
ponto, ele sustenta que tal proteção parte da perspectiva do cidadão e deriva da Lei
Fundamental alemã em seu sentido mais primário. Afinal, a proteção à confiança é
o direito gozado pelos administrados de verem suas situações jurídicas adequadas
ao tempo e ao espaço.
Isso reflete, em certa medida, na conceituação realizada anteriormente, posto
que a proteção da confiança no Estado, corroborando o entendimento de Maurer,
diz respeito à perspectiva do cidadão em ver atendidas suas expectativas na
Administração, já que lhe concedeu seu voto juntamente com sua confiança não
apenas naquele administrador, mas principalmente no funcionamento do governo.
O mesmo autor afirma que a proteção à confiança, enquanto princípio, busca a
melhor relação entre a estabilidade e a flexibilidade das normas e da atuação do
Estado. Essa relação está sempre envolta em uma tensão natural, pois, embora deva
se perseguir a estabilidade, muitas vezes será necessário ceder às exigências da
flexibilidade para atender às próprias demandas sociais (MAURER, 2001).
O estudo das escolhas trágicas na Administração, então, deve observar também
a problemática da confiança dos cidadãos no Estado, porquanto os administrados
vivenciam uma situação de descrença e de insegurança. Ratificando essa realidade,
denota-se o tratamento dispensado pelos credores do Estado desacreditado, o que
encarece a Administração e reduz ainda mais as possibilidades de emprego dos
recursos já escassos.
No Direito italiano, encampada pelas ideias do argentino Horacio D. Creo Bay,
observa-se a tese de amparo por mora da Administração Pública, que consiste em
uma técnica de controle da inatividade administrativa. O estudo desenvolvido

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pelo referido jurista portenho demonstra uma solução viável para o combate à
morosidade administrativa, tendo em vista as queixas constantes da população,
tanto que adquiriu respaldo legal (BAY, 1995).
Especificamente, o amparo conferido ao cidadão representa seu direito
de ingressar em juízo e obter uma decisão irrecorrível do magistrado em seu
benefício, quando se tratar da inatividade formal ou material da Administração
Pública. A inatividade material é exemplificada por situações de passividade
do administrador, como simplesmente o fato de não responder a uma petição;
enquanto a inatividade formal manifesta-se quando a Administração comete
infrações ao seu dever de resolver, quando ela deixa de resolver uma demanda
que lhe caiba. Essa é uma maneira de fornecer instrumentos aos administrados
para a concretização de sua confiança no Estado (BAY, 1995, p. 4).
Nesse contexto, é imprescindível para a Administração Pública cercar-se
dos cuidados necessários à garantia da confiança dos administrados, dentre eles
os credores, com o fito de melhor aplicação das verbas públicas e por meio da
mensuração dos elementos relativos a cada escolha trágica.
Certamente no preço maior, muitas vezes pago pelo Estado, está embutida a
desconfiança quanto à pontualidade no pagamento, elemento gerador dos possíveis
acréscimos de valores.

4 Aferição do custo-benefício e suas limitações


O custo-benefício consiste em indicador da proporcionalidade. Conforme
já mencionado, a análise da adequação, da necessidade e do custo-benefício
direciona o administrador à concretização da eficiência, que é a representação da
proporcionalidade decorrente do Estado de Direito.
Volta-se, então, à discussão do termo proporcional, e superado o entendimento
de que ele representa fator exógeno, recorda-se que ele advém da própria
natureza do Estado. Isso porque a norma não pode ser considerada boa se não
for útil à sociedade; assim, vislumbra-se a relação estrita da proporcionalidade
com o custo-benefício. Nesse diapasão, reitera-se o conteúdo do artigo 21 da Lei
no 13.655, de 2018, que altera a LINDB e orienta os administradores públicos:

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas.

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Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,


quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de
modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não
se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função
das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (BRASIL, 2018).

Por seu turno, a apuração do custo-benefício, realizada neste tópico, avalia,


inicialmente, a utilidade da norma ou da decisão administrativa pautada nela;
afinal, a análise deve ser condicionada: a decisão deve ser efetuada desde que
seja útil. Reflete-se, neste ponto, sobre a questão da eficiência, porquanto não há
decisão eficiente que não seja útil, bem como não há Administração Pública legítima
enquanto se conservem os atos ineficientes.
O celebrado livro The cost of rights traz ideias inovadoras acerca do custo dos
direitos do cidadão, concedendo arcabouço teórico contundente para a presente
discussão, embora lhe caibam ferrenhas críticas. Seus autores, Holmes e Sustein,
defendem um conceito interessante acerca dos direitos do cidadão, afirmando
que todos os direitos possuem um custo e que esse custo deve ser repassado aos
cidadãos por meio dos impostos (HOLMES e SUSTEIN, 2000, p. 17).
Seguem adiante aduzindo que um interesse social apenas se torna direito
quando positivado no sistema jurídico, bem como quando são usados os recursos
coletivos para defender referido direito. Os autores tratam ainda da hierarquia como
pressuposto para a existência do direito, porquanto ele apenas será concretizado na
pessoa responsável por monitorar e aplicar as sanções relativas ao descumprimento
daquele direito (HOLMES e SUSTEIN, 2000).
Este trabalho não subscreve essa última inferência dos autores porque não há
hierarquia, de maneira que sua ideia de regressão infinita na escala de poder não se
efetiva na prática e, tampouco, se pode considerar que a regra seja o desrespeito ao
direito, visto que ele representa uma exceção.
Retornando à relação custo-benefício, há que se enumerar a diversidade de
fatores confluentes para sua investigação. Conforme enunciado no título da seção
em tela, essa relação é uma verdadeira perscrutação, uma vez que avalia critérios
variados e que assumem valores também variados, dentro de cada situação concreta.
Demonstrando, assim, sua complexidade.
Nesse sentido, novamente vislumbra-se a teoria das escolhas trágicas. Estas
serão pautadas em critérios complexos e flexíveis, o que não representa flexibilidade
ou subjetividade do administrador, mas a definição de critérios distintos e adequados
dentro de uma lógica espaço-temporal. Novamente, volta-se às determinações da Lei

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628 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

no 13.655, que reforça tais conceitos quando, especificamente nos artigos 20 e 21,
proíbe o administrador de tomar decisões com base em valores jurídicos abstratos
ou se alijando das consequências práticas no caso concreto.
No que concerne a essa temática, vale destacar o texto do professor
norte-americano Lewis Kornhauser (2001, p. 201), que trata, por exemplo, da
maximização de vidas salvas em determinada situação, ou da maximização da
qualidade de vida, por meio de indicadores etários, de uma comunidade específica.
Esse jurista afirma, ainda, que a análise do custo-benefício, dentro dos casos
concretos, determina quantos recursos deverão ser ali alocados, especialmente no
que diz respeito à redução de riscos e melhoramentos ambientais das atividades. Para
ele, o estabelecimento de critérios garante uma limitação do que é relevante dentro
da lógica do custo-benefício, e esse exercício sempre auxiliará no acertamento das
decisões (KORNHAUSER, 2001, p. 202).
A aplicação prática da teoria acima pode ser observada no seguinte exemplo:
o gestor deve efetuar uma escolha relativa à infraestrutura da cidade; contudo, a
verba que ele dispõe para melhoria do asfaltamento possui diversas demandas.
Assim, ele deve optar entre reparar os danos já existentes no asfalto de uma região
ou investir no asfaltamento de um bairro que ainda não tem asfalto. Então, ele
decide analisar o custo-benefício das duas possibilidades. Há a necessidade dos
cidadãos que vivem nos bairros não asfaltados, necessidade inerente à realidade
urbana, enquanto existe o interesse daqueles que utilizam as vias prejudicadas
por buracos e desvios.
Na situação acima, o gestor público inicialmente limita o critério mais relevante
naquele momento, que o direciona para o reparo dos buracos em caráter urgente.
Isso porque o trânsito, nas vias principais dentro da cidade, já tem apresentado
lentidão, engarrafamentos e problemas diversos. Enquanto isso, os bairros mais
distantes, naquele momento, não apresentam demasiada urgência, em razão
do menor número de automóveis, bem como não exibem prejuízo pontual ou
ascendente no local. Deverá ser realizado o referido asfaltamento, entretanto, em
momento posterior, devido aos prejuízos causados pela demanda concorrente.
Ora, o fato recai novamente na questão da preponderância de interesses públicos,
que será observada dentro de cada situação concreta. Nesse momento, porém, já é
possível pensar acerca dessa preponderância sob a égide do custo-benefício e a
limitação de seus critérios.

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4.1 Análise de desempenho da Administração Fazendária como modelo de estudo


Cuida-se de questionar nesta seção: o que significa uma administração
tributária eficiente? A resposta repousa na mensuração. É necessário medir, também
sob a dialética custo-benefício, qual é o melhor ponto de fixação da alíquota
tributária, por exemplo. Afinal, não é uma questão tão simples, que apenas deriva de
indicadores econômicos e internos da administração fazendária, mas que depende,
principalmente, da capacidade e da disposição de pagamento dos administrados.
Nesse ponto, maior capacidade tributária tampouco coincide com melhor
situação econômica, porque, muitas vezes, aquela pessoa jurídica que demonstra
maior renda está gerando grande benefício social por meio da geração de empregos,
enquanto aquele com menor capacidade não produz qualquer melhoria social.
No caso em análise, o maior contribuinte é apenado com uma alíquota tributária
mais alta, ao passo que ele divide com o Estado uma responsabilidade que não é
sua: a geração de empregos. Então, na tentativa de solucionar a questão levantada
acima, o Estado confere as denominadas isenções fiscais. No entanto, será que elas se
traduzem na opção mais adequada? Esse questionamento será elucidado em momento
oportuno, mas já se adianta: na maior parte das vezes, não é a escolha acertada.
Em continuidade ao referido tema, vale frisar a problemática da sonegação
fiscal. Sabe-se, pois, que os índices de sonegação são diretamente proporcionais
à carga tributária: quando esta se eleva, cresce o aporte sonegado. Isso ocorre por
diversos fatores, mas principalmente pela falta de confiança no Estado, tema aqui já
abordado. O cidadão acredita que não tem obrigação de contribuir com a Fazenda
Pública, quando os valores são elevados, porque não observa a reversão social do
grande amonte recolhido, bem como pela natureza de sacrifício atribuída ao tributo.
Então, o objetivo da administração fazendária na busca de eficácia deve ser, em
princípio, a redução da carga tributária (BARRETO, 2009).
Sobre o tema, destaca-se o ponto de vista de Gileno Gurjão Barreto, na
obra A reforma da Administração Tributária no Mundo (2009). O jurista discorre
acerca do modelo de administração tributária eficaz, tomando o diagnóstico dos
problemas como primeiro passo, e também o mais crítico. O indicador acadêmico
concernente à mensuração da eficiência da administração tributária, mundialmente,
denomina-se tax gap, que corresponde ao percentual resultante da diferença entre o
total de impostos arrecadados e aquele determinado pelo legislador.
O aludido autor prossegue a narrativa, afirmando que a função do Estado é
fundamental diante da capacidade tributária do país, porquanto recursos mal geridos

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630 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

influenciarão essencialmente sobre a manutenção de altas cargas tributárias ao


longo do tempo, prejudicando claramente a economia. E conforme já explicitado, altas
cargas tributárias importam em maior sonegação e, consequentemente, em alto tax
gap – indicador de ineficiência da Administração (BARRETO, 2009, p. 93).
Percebe-se, assim, a complementariedade dos temas atinentes às escolhas trágicas
na administração, não apenas acerca da qualidade do gasto público, mas também
da qualidade de gestão tributária, pois recursos mal geridos relacionam-se à sua má
arrecadação. Ratifica-se, ainda, que o desempenho do administrador também deve
ser submetido a padrões de mensuração, como ocorre com a eficiência fazendária;
há apenas que se estabelecer critérios de aferição. Espera-se que a recente alteração
da LINDB pela Lei no 13.655 possa motivar os poderes públicos a desenvolver tais
critérios, expurgando da Administração a voluntariedade que reiteradamente se
mascarava de poder discricionário.

5 A Lei no 13.655/2018 e a obrigação de mensuração da atividade do administrador


Cumpre, inicialmente, trasladar para análise o texto legal que embasa o presente
estudo científico, a Lei no 13.655/2018, especificamente nos artigos 20 e 21:

Art. 1o O Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução


às Normas do Direito Brasileiro), passa a vigorar acrescido dos seguintes
artigos:

(...)

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá


com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação


da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou
norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,


decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas.

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Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,


quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de
modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não
se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função
das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (BRASIL, 2018).

A referida lei federal foi publicada no dia 26 de abril de 2018 e na mesma


data entrou em vigor, incluindo no Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de
1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre
segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Em razão do curto espaço de tempo de vigência da Lei no 13.655/2018, ainda
não há muitos produtos científicos nos quais se pode respaldar para escrever
o presente trabalho, que se demonstra como tentativa de reflexão sobre os
impactos da lei sobre a situação fática da Administração Pública no Brasil,
especialmente no que concerne às escolhas trágicas do agente público.
As discussões doutrinárias sobre a Lei em comento se direcionam ao
princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões, que não é nenhuma
novidade no ordenamento brasileiro, bem como ao princípio da consequência
jurídica do ato. Também a temática da racionalidade e do bom senso na tomada
das decisões surge como embasamento dos argumentos atinentes ao tema, ou
ainda a necessidade de agir de forma proporcional, equânime e menos gravosa
possível ao interesse dos administrados.
A leitura do parágrafo anterior, entretanto, não traz nenhuma novidade real
à concepção de Administração Pública, que sempre foi obrigada a motivar seus
atos, agir de forma proporcional, obedecendo à necessidade e à adequação e
devendo ser orientada pelo interesse público – ao menos no papel. Então, o que
muda com a Lei no 13.655/2018? Parece que a proposta do legislador é reforçar
princípios já existentes, ratificando-os porquanto não obedecidos na prática,
logo, não possuindo eficácia ou eficiência na Administração Pública.
Os novos temas que devem ser inseridos na discussão acerca da Lei no
13.655/2018 são: a) as maneiras possíveis de mensurar os impactos ou as
consequências práticas das decisões administrativas; b) as formas de reduzir a
discricionariedade do administrador quando estiver diante das chamadas escolhas
trágicas; c) os mecanismos de aferição das medidas alternativas citadas no texto
legal; e d) a orientação ao administrador para buscar o maior grau de eficiência.
Já existe substrato legal sólido, o que falta é a instrumentalização. Enquanto
as discussões permanecerem no âmbito de elucubrações essencialmente teóricas,

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632 A teoria das escolhas trágicas na Administração Pública à luz da Lei no 13.655/2018

repetindo-se e reformulando-se conceitos de motivação ou fundamentação das


ações do agente público, não se alcançarão vias reais de ação.
Ao final, resta novamente que tocar na escolha trágica da Administração Pública,
fazendo-se clara a máxima de que “o maior poder do homem é seu poder de escolha”.
E o homem-administrador, que ocupa lugar de agente quando assume as vestes
públicas, possui a responsabilidade sobre as escolhas de todos os seus administrados,
seja na seara meramente burocrática, no desempenho de seus deveres vinculado
e discricionário, ou ainda, por exemplo, na concessão de uma isenção tributária.
Independentemente da decisão tomada, aquela que não fora eleita representa uma
parcela significativa de interesses. Deve-se, pois, estabelecer e cumprir critérios
específicos de mensuração, que deverão surgir como consequência lógica da inovação
legislativa constante na Lei no 13.655/2018. Ou ao menos é o que se espera.

6 Conclusão
O presente trabalho, portanto, buscou esclarecer que somente é possível falar
das possibilidades de escolha quando a Administração Pública está imune dos
desvios éticos e técnicos, alcançadas as condições normais de eficiência, higidez e
impessoalidade. Para isso, demonstrou-se que a discricionariedade administrativa
não se confunde com voluntarismo ou arbitrariedade do administrador.
Nesse contexto, rememora-se que a escolha trágica se conceitua por envolver
opções complexas e relevantes, e aquela opção não eleita pelo gestor público
corresponde a uma parcela significativa de interesses públicos. Destarte, é necessário
o juízo de ponderação de prioridades, dentro da realidade jurídico-fática específica.
Já a Lei no 13.655/2018, que altera a LINDB, reitera princípios relevantes para
a Administração Pública e surge para proibir definitivamente a tomada de decisões
sem motivação específica, excluindo-se delas os princípios jurídicos abstratos e
incluindo-se a análise das consequências práticas da atuação.
Conclui-se, assim, que as decisões administrativas, conforme a nova lei, passam
a dimensionar realmente as questões de custo-benefício envolvidas, reduzindo os
impactos negativos. No entanto, essa legislação demanda de instrumentalização para
ser cumprida. Dessa forma, o Poder Público, especialmente no âmbito da Administração,
precisa criar mecanismos de medição das suas decisões, visto que apenas a diagnose
acertada à situação concreta possibilita o prognóstico também apropriado.

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Malheiros, 2010.

VEDEL, Geoges e Pierre Deivolvé. Droit Administratif. Tome I e II, Paris: Puf, 1992.

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http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v22e128-1988
* Normas de submissão de trabalhos
à Revista Jurídica da Presidência

Condições para recebimento dos artigos

Ineditismo: a Revista Jurídica da Presidência publica apenas artigos inéditos,


que não tenham sido divulgados em outros meios (blogs, sites ou outras publicações).

Envio de artigos: somente serão aceitos artigos encaminhados à Coordenação


de Editoração da Revista Jurídica da Presidência por meio do sítio eletrônico: https://
revistajuridica.presidencia.gov.br.

Número de Palavras: mínimo de 7.000 (sete mil) e máximo de 10.000 (dez mil)
no artigo completo, incluindo notas de rodapé e Referências.

Idiomas: os autores podem encaminhar artigos redigidos em Português, Inglês,


Francês e Espanhol.

Tipo de arquivo: são admitidos arquivos com extensões .DOC, .DOCX, .RTF e
.ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante
estabelecidos.

Requisitos para o(s) autor(es): a Revista Jurídica da Presidência só admite artigos


de autores e coautores com, no mínimo, o mestrado em andamento.

Fomento: o autor deve informar à Revista qualquer financiamento, bolsa de pesquisa


ou benefícios recebidos, de fonte comercial ou não, declarando não haver conflito de
interesses que comprometa o trabalho apresentado.

Composição e formatação dos artigos


Os artigos devem ser digitados com fonte tipo Arial ou Times New Roman,
tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5 e texto justificado. A configuração da
página deve ser feita no padrão A4 (210 mm x 297 mm), com margens superior e
esquerda de 3 cm e inferior e direita de 2 cm.

Revista Jurídica da Presidência


637

As seções iniciais e finais do artigo devem ser denominadas Introdução  e


Conclusão, respectivamente.

Os textos submetidos deverão conter os seguintes itens:

1 Título
Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando
houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter apenas a
primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja
obrigatório. Exemplo:

A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito

2 Sumário
Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e
nome das seções principais que compõem o artigo.

3 Resumo
Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que
ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não
deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que
não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas. 

4 Palavras-chave
Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada
para sua indexação, separados por travessão. 

5 Referências
A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023
– Informação e Documentação – Referências – Elaboração/Nov. 2018 da ABNT. Esse
item deve conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em
ordem alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita
levando-se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação.
Os trabalhos de igual autoria e publicados no mesmo ano serão diferenciados
acrescentando uma letra ao final do ano (Ex. 2016a, 2016b).
Revista Jurídica da Presidência
638

Citações e destaques no texto


As citações realizadas ao longo do texto devem obedecer ao disposto na NBR
10520 – Informação e Documentação – Citações em documentos – Apresentação/
Ago. 2002 da ABNT e adotar o sistema autor-data, segundo o qual se emprega o
sobrenome do autor ou o nome da entidade, a data e a(s) página(s) da publicação da
qual se retirou o trecho transcrito.

1 Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve


apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:

A criança passa a ocupar as atenções da família, tornando-se dolorosa a


sua perda e, em razão da necessidade de cuidar bem da prole, inviável a grande
quantidade de filhos (ARIÈS, 1973, p. 7-8).

Mas esse prestígio contemporâneo do Poder Judiciário decorre menos de uma


escolha deliberada do que de uma reação “de defesa em face de um quádruplo
desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo” (GARAPON, 2001, p. 26).

2 Citação indireta ou direta com o nome do autor expresso no texto: deve


apresentar, entre parênteses, o ano e a(s) página(s) da publicação. Exemplo:

Duarte e Pozzolo (2006, p. 25) pontuam que a ideologia constitucionalista adota


o modelo axiológico de Constituição como norma, estabelecendo uma defesa radical
de interpretação constitucional diferenciada da interpretação da lei.

A Licença Compulsória, segundo Roberta Marques (2013, p. 321), pode ser


definida como “a permissão de industrialização e comercialização de um produto
patenteado, sem o consentimento do titular do monopólio”.

Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo
ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser
separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento
entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.

Destaques: os destaques existentes na obra original devem ser reproduzidos de


forma idêntica na citação. Caso não haja destaques no original, mas o autor do artigo
deseje ressaltar alguma informação, é possível utilizar-se desse recurso atentando-se
às normas especificadas abaixo. 
Revista Jurídica da Presidência
639

1      Destaques no original: após a transcrição da citação, empregar a expressão


“grifo(s) no original” entre parênteses.

2     Destaques do autor do artigo: após a transcrição da citação, empregar a


expressão “grifo(s) nosso(s)” entre parênteses.
 
Outros destaques em trechos do texto devem ocorrer apenas  no estilo de
fonte itálico e somente nos seguintes casos: 1) expressões em língua estrangeira; e
2) realce de expressões.

  Tradução de citação em língua estrangeira: as citações em língua estrangeira


devem ser sempre traduzidas para o idioma predominante do artigo nas notas de
rodapé, acompanhadas do termo “tradução nossa” entre parênteses.

  Notas de rodapé: devem conter apenas informações complementares e que


não podem ser inseridas no texto. Não devem ser muito extensas nem devem conter
citações e devem ser formatadas na mesma fonte do artigo, tamanho 10 pontos,
espaçamento entre linhas simples e alinhamento justificado.
 

Elementos com traduções obrigatórias para outros idiomas


Os elementos Título,  Sumário,  Resumo  e  Palavras-chave devem
ser obrigatoriamente traduzidos para outros idiomas. Os artigos enviados em Língua
Portuguesa devem ter esses itens traduzidos para o Inglês e para mais um idioma, a
escolher entre Espanhol e Francês.

Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para


o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o
Francês ou para o Espanhol.

Referências
 Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências, de
acordo com o disposto na NBR 6023 da ABNT. Para auxiliar os autores na composição
das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:

Revista Jurídica da Presidência


640

1 Livros (manual, guia, catálogo, enciclopédia, dicionário, trabalhos


acadêmicos):
 Impressos. Exemplos:

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto.  Responsabilidade social: práticas sociais e


regulação jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Eletrônicos. Exemplos:

BAVARESCO, Agemir; BARBOSA, Evandro; ETCHEVERRY, Katia Martin (org.). Projetos de


filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. E-book (213 p.). (Coleção Filosofa). ISBN 978-
85-397-0073-8. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/projetosdeflosofa.
pdf. Acesso em: 21 ago. 2011.

GODINHO, Thais. Vida organizada: como definir prioridades e transformar seus


sonhos em objetivos. São Paulo: Gente, 2014. E-book.

2 Coletâneas.
Exemplos:

TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In:
LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (coord.). A renovação
processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor
José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

AVRITZER, Leonardo. Reforma Política e Participação no Brasil. In: AVRITZER,


Leonardo; ANASTASIA, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG, 2006.

3 Periódicos:

Impressos. Exemplo:

MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regulação


legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011,
p. 165-192.

PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de


samba para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 12 de janeiro
de 2002, p. 2.

Revista Jurídica da Presidência


641

Eletrônicos. Exemplo:

COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do


investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set.
2015, p. 237-255. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.
php/saj/article/view/1113/1099. Acesso em 16 mar. 2016.

4 Atos normativos.
Exemplos:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 1
jan. 2017.

BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização


da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa, e
dá outras providências. In: VADE MECUM. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. 1 CD-
ROM, p. 1-90.

5 Projetos de lei.
Exemplos:

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei no 6.793/2006, versão final. Dá nova


redação ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre
os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal.
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?c
odteor=382965&filename=PL+6793/2006. Acesso em: 16 mar. 2016.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no


41/2010. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º,
no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5
de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá
outras providências. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/
materias/-/materia/96674. Acesso em: 16 mar. 2016.

Revista Jurídica da Presidência


642

6 Jurisprudência:

Impressa. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança


contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou
empresa pública. Diário da Justiça: seção 1, Brasília, DF, ano 82, n. 32, p. 246, 14
fev. 2007.

Eletrônica. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança


contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia
mista ou empresa pública. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2007].
Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?&b=TEMA&p=true&t
=&l=10&i=340#TIT333TEMA0. Acesso em: 19 ago. 2011.

7 Notícias eletrônicas.
Exemplos:

COSTA, Rodolfo. Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir


conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: http://blogs.
correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-
gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/. Acesso em 16 mar. 2016.

PORTAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministro aplica nova lei da infância e


garante prisão domiciliar a mãe de filho pequeno. Brasília, 11 mar. 2016. Disponível
em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/
Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Ministro-aplica-nova-lei-da-inf%C3%A2ncia-e-
garante-pris%C3%A3o-domicil iar-a-m%C3%A3e-de-filho-pequeno. Acesso em: 16
mar. 2016.

Avaliação
Os artigos recebidos pela Revista Jurídica da Presidência são submetidos ao
crivo da Coordenação de Editoração, que avalia a adequação à linha editorial da
Revista e às exigências de submissão. Os artigos que não cumprirem essas regras
serão devolvidos aos seus autores, que poderão reenviá-los, desde que efetuadas as
modificações necessárias.

Aprovados nessa primeira etapa, os artigos são encaminhados para análise dos
pareceristas do Corpo de Consultores ad hoc, formado por professores doutores das

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643

respectivas áreas temáticas. A decisão final quanto à publicação é da Coordenação


de Editoração e do Conselho Editorial da Revista Jurídica da Presidência.

Direitos autorais
Ao submeterem artigos à Revista Jurídica da Presidência, os autores declaram
ser titulares dos direitos autorais, respondendo exclusivamente por quaisquer
reclamações relacionadas a tais direitos, bem como autorizam a Revista, sem ônus,
a publicar os referidos textos em qualquer meio, sem limitações quanto ao prazo,
ao território ou qualquer outra, incluindo as plataformas de indexação de periódicos
científicos nas quais a Revista venha a ser indexada. A Revista fica também autorizada
a adequar os textos a seus formatos de publicação e a modificá-los para garantir o
respeito à norma culta da língua portuguesa.

Considerações finais
Qualquer dúvida a respeito das normas de submissão poderá ser dirimida por
meio de mensagem encaminhada ao endereço eletrônico: revista@presidencia.gov.br.

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