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Brasília Volume 23 Número 129 Fev. /Maio 2021


Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República


Onyx Lorenzoni

Subchefe para Assuntos Jurídicos e


Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Pedro Cesar Nunes F. M. de Sousa

Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República


Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.
Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.
Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual


Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807


ISSN (a partir de março de 2011/on-line): 2236–3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 342
CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Centro de Estudos Jurídicos, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,
Anexo II, Térreo, Ala A, Sala 100 – CEP 70150-900 – Brasília/DF
Telefone: (61) 3411-2863
E-mail: revista@presidencia.gov.br
https://revistajuridica.presidencia.gov.br

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2021


Revista Jurídica da Presidência

É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


voltada à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e
estudos independentes sobre a atuação do Poder Público, em todas as áreas do
Direito, com o objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação
nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal.

Equipe Técnica

Coordenação de Editoração Revisão de Diagramação


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Humberto Fernandes de Moura Ayla Christina Alves dos Santos
Juliana C. Câmara Ribeiro
Gestão de Artigos
Karina Gomes Mansur Costa
Ana Íris Morais Pessoa
Ayla Christina Alves dos Santos Arte da Capa
Fotografia das colunas do Palácio do
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Fotógrafa
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Filipe do Nascimento Pires
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Revisão de Idiomas Mariana Rocha Cavalcante
Ana Íris Morais Pessoa Marina Araque Correia Mansur
Ayla Christina Alves dos Santos Rafaela Silva Borges
Cidália Gomes Sant’Ana
Conselho Editorial
Claudia Lima Marques João Maurício Leitão Adeodato
Doutorado e Pós-Doutorado em Direito Doutorado em Filosofia Jurídica pela
Internacional Privado pela Universidade de Universidade de São Paulo, Brasil, e
Heidelberg, Alemanha. Professora Titular Pós-Doutorado em Filosofia Jurídica pela
do Programa de Pós-Graduação em Direito Universidade de Heidelberg, Alemanha.
da Universidade Federal do Rio Grande do Livre-Docente pela Universidade de
Sul, Brasil. São Paulo, Brasil. Professor Titular da
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Claudia Rosane Roesler


Doutorado em Teoria do Direito pela Joaquim Shiraishi Neto
Universidade de São Paulo, Brasil, e Doutorado em Direito pela Universidade
Pós-Doutorado em Teoria do Direito Federal do Paraná, Brasil. Professor do
pela Universidade de Alicante, Espanha. Programa de Pós-Graduação em Direito da
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão, Brasil.
Universidade de Brasília, Brasil.

José Claudio Monteiro de Brito Filho


Fredie Souza Didier Junior Doutorado em Direito das Relações Sociais
Doutorado em Direito pela Pontifícia pela Pontifícia Universidade Católica de
Universidade Católica de São Paulo, Brasil, São Paulo, Brasil. Professor do Programa de
e Pós-Doutorado em Direito Processual Pós-Graduação em Direito da Universidade
Civil pela Universidade de Lisboa, Portugal. Federal do Pará, Brasil.
Livre-Docente pela Universidade de São
Paulo, Brasil. Professor Associado da
Luís Roberto Barroso
Universidade Federal da Bahia, Brasil.
Doutorado em Direito pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Brasil,
Gilmar Ferreira Mendes e Pós-Doutorado pela Universidade de
Doutorado em Direito Constitucional Harvard, Estados Unidos da América.
pela Universidade de Münster, Alemanha. Livre-Docente pela Universidade do Estado
Docente Permanente do Instituto do Rio de Janeiro, Brasil. Professor Titular de
Brasiliense de Direito Público, Brasil. Direito Constitucional da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Maíra Rocha Machado Vera Karam de Chueiri
Doutorado em Direito pela Universidade de Doutorado em Filosofia Jurídica pela New
São Paulo, Brasil, com período sanduíche School for Social Research, Estados Unidos
na Universidade de Barcelona, Espanha, e da América, e Pós-Doutorado pela Yale
Pós-Doutorado pela Universidade de Ottawa, University, Estados Unidos da América.
Canadá. Professora Associada na Escola de Professora Associada da Faculdade de Direito
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio da Universidade Federal do Paraná, Brasil.
Vargas, Brasil.

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Misabel de Abreu Machado Derzi BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /
Doutorado em Direito Tributário pela Rede RVBI
Universidade Federal de Minas Gerais, Google Scholar
Brasil. Professora Titular de Direito LATINDEX – Sistema Regional de
Financeiro e Tributário da Faculdade de Información en Linea para Revistas
Direito da Universidade Federal de Minas Científicas de América Latina, el Caribe,
Gerais, Brasil. España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory
Colaboradores da Edição 129
Pareceristas
Ana Gabriela Mendes Braga — Prof.a Dr.a na Universidade Estadual Paulista, SP, Brasil
Ana Maria de Oliveira Nusdeo — Prof.a Dr.a na Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Adamo Dias Alves — Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Adegmar José Ferreira — Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Adriana Goulart Sena Orsini — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Adriane Medianeira Toaldo — Prof.a Dr.a na Universidade Luterana do Brasil, RS, Brasil
Aline Albuquerque — Prof.a Dr.a no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
André Alves Portella — Prof. Dr. na Universidade Federal da Bahia, BA, Brasil
André Ribeiro Giamberardino — Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Antônio Carlos Morato — Prof. Dr. na Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Antônio José Maristrello Porto — Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, RJ, Brasil
Antônio Lavareda — Prof. Dr. no Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, PE, Brasil
Arthur Mendes Lobo — Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Beatriz Schettini — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil
Benedicto Gonçalves Patrão — Prof. Dr. na Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil
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Carla Appollinario de Castro — Prof.a Dr.a na Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil
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Carlos Ari Sundfeld — Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, SP, Brasil
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Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida — Prof.a Dr.a na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, SP, Brasil
Daniel Oitaven Pearce Pamponet Miguel — Prof. Dr. na Universidade Federal da Bahia, BA, Brasil
Danielle Annoni — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
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Diogo Palau Flores dos Santos — Prof. Dr. no Instituto de Educação Superior de Brasília, DF, Brasil
Edimur Ferreira de Faria — Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
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Egon Bockmann Moreira — Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Ela Wiecko Volkmer de Castilho — Prof.a Dr.a na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Federico Nunes de Matos — Prof. Dr. na Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil
Felipe Comarela Milanez — Prof. Dr. na Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil
Fernanda Tartuce Silva — Prof.a Dr.a na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Fernando Horta Tavares — Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
Flávia Souza Máximo Pereira — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil
Flávio Barbosa Quinaud Pedron — Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
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Francisco Gérson Marques de Lima — Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Gina Gouveia Pires de Castro — Prof.a Dr.a no Centro Universitário Maurício de Nassau, PE, Brasil
Grace Ladeira Garbaccio — Prof.a Dr.a no Instituto Brasiliense de Direito Público, DF, Brasil
Hélcio de Abreu Dallari Júnior — Prof. Dr. na Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP, Brasil
Henrique Smidt Simon — Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Humberto Dalla Bernardina de Pinho — Prof. Dr. na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Ilton Garcia da Costa — Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Ilzver de Matos Oliveira — Prof. Dr. na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Isolda Lins Ribeiro — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Janriê Rodrigues Reck — Prof. Dr. na Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
João Maurício Leitão Adeodato — Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil
Jonabio Barbosa dos Santos — Prof. Dr. na Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
Jorge Renato dos Reis — Prof. Dr. na Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
José André Wanderley Dantas de Oliveira — Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco,
PE, Brasil
José Heder Benatti — Prof. Dr. na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
Jussara Maria Leal de Meirelles — Prof.a Dr.a na Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
PR, Brasil
Karol Araújo Durço — Prof. Dr. na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil
Lise Tupiassu — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
Luís Carlos Martins Alves Júnior — Prof. Dr. no Centro Universitário de Brasília, DF, Brasil
Marcelo Fernando Borsio — Prof. Dr. na Universidade do Distrito Federal, DF, Brasil
Márcia Correia Chagas — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Marcio Camargo Cunha Filho — Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Júnior — Prof. Dr. na Universidade Federal de
Alagoas, AL, Brasil
Marcos Aurélio Pereira Valadão — Prof. Dr. na Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil
Marcos Wachowicz — Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Margareth Vetis Zaganelli — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Maria Stela Campos da Silva — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
Nestor Eduardo Araruna Santiago — Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Pastora do Socorro Teixeira Leal — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Pará, PA, Brasil
Paulo Burnier da Silveira — Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Paulo César Corrêa Borges — Prof. Dr. na Universidade Estadual Paulista, SP, Brasil
Paulo Henrique Blair de Oliveira — Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Pedro Durão — Prof. Dr. na Universidade Federal de Sergipe, SE, Brasil
Raphael Carvalho de Vasconcelos — Prof. Dr. na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Regina Célia Martinez — Prof.a Dr.a no Centro Universitário de Jales, SP, Brasil
Regnoberto Marques de Melo Júnior — Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Renato Gugliano Herani — Prof. Dr. na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Rogério Greco — Prof. Dr. na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas
Gerais, MG, Brasil
Rubia Carneiro Neves — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Sergio Torres Teixeira — Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco e na Universidade
Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Sílzia Alves Carvalho — Prof.a Dr.a na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Tácio Lacerda Gama — Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil
Tanise Zago Thomasi — Prof.a Dr.a na Universidade Tiradentes, SE, Brasil
Teresa Ancona Lopez — Prof.a Dr.a na Universidade de São Paulo, SP, Brasil
Theresa Rachel Couto Correia — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Valter Foleto Santin — Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Valter Shuenquener de Araújo — Prof. Dr. na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Veronica Lagassi — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Vladimir Passos de Freitas — Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PR, Brasil
William Soares Pugliese — Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Yara Maria Pereira Gurgel — Prof.a Dr.a na Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
RN, Brasil
Autores Convidados
Angelo Viglianisi Ferraro Goran Ilik
ITÁLIA – Calábria; MACEDÔNIA DO NORTE – Bitola
Pós-doutor e Mestre na Universidade Mediterranea Pós-doutorando no Mediterranea
de Reggio Calabria — MICHR (Itália). Professor International Center for Human Rights
Adjunto e Diretor da Mediterranea International Research – MICHR na Universidade Reggio
Centre for Human Rights Research (Itália). Professor Calabria (Itália). Professor da Faculdade de
da Universidade de Economia de Cracóvia Direito na Universidade St. Kliment Ohridski
(Polônia). Professor na Universidade de Economia em Bitola (Macedônia do Norte). Cofundador
Plekhanov em Moscou (Rússia). Professor da do Institute for Research and European Studies
Universidade de Sergipe (Brasil). (Macedônia do Norte).
E-mail: avf@unirc.it E-mail: goran.ilik@uklo.edu.mk
Patrizia Borsellino
ITÁLIA – Milano
Doutora em Filosofia pela Università degli Studi di Milano. Doutora em Direito pela Università degli Studi di
Pavia (Itália). Professora Titular de Filosofia do Direito da Università Degli Studi di Milano-Bicocca (Itália).
E-mail: patrizia.borsellino@unimib.it

Tradução
Margareth Vetis Zaganelli
BRASIL – Vitória/ES
Pós-Doutora em Direito pela Università degli Studi di Milano-Bicocca, pela Alma Mater Studiorum Università
di Bologna e pela Università degli Studi Del Sannio (Itália). Doutora em Direito pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Mestre em Educação (UFES). Professora Titular de Direito Penal, Bioética e Direito
Comparado (UFES). Professora Visitante da Università degli Studi di Milano-Bicocca, da Alma Mater Studiorum
Università di Bologna e da Università degli Studi Del Sannio (Itália). Professora Investigadora do Projeto Jean
Monnet Module Emerging “Moral” Technologies and the Ethical-legal Challenges of New Subjectivities.
E-mail: mvetis@terra.com.br

Autor de Artigo em Língua Estrangeira


Mateus de Oliveira Fornasier
BRASIL – Ijuí/RS
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com Pós-Doutorado em
Direito e Teoria pela University of Westminster (Inglaterra). Professor do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ).
E-mail: mateus.fornasier@unijui.edu.br
Autores
Alessandra Brustolin Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo
BRASIL – Cascavel/PR BRASIL – Recife/PE
Mestra em Ciência Jurídica pela Universidade Doutora e Mestra em Direto pela
Estadual do Norte do Paraná (UENP). Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
E-mail: alessandrabr.adv@outlook.com Professora Adjunta dos cursos de graduação
e Pós-Graduação da Universidade de
Daniela Silva Fontoura de Barcellos Pernambuco (UPE). Foi Coordenadora Setorial
BRASIL – Rio de Janeiro/RJ de Extensão do Campus FCAP/PE. Professora
Doutora em Ciência Política pela Universidade permanente do Programa de Pós-Graduação
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em Direitos Humanos — PPDGH/UFPE.
em Direito Civil pela UFRGS. Professora E-mail: belebm@hotmail.com
Adjunta de Direito Civil da Faculdade Nacional
de Direito da Universidade Federal do Rio de Lília Carvalho Finelli
Janeiro (UFRJ). BRASIL – Belo Horizonte/MG
E-mail: barcellosdanielasf@gmail.com Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Edinilson Donisete Machado Mestra em Direito do Trabalho pela UFMG.
BRASIL – Marília/SP E-mail: lilia.finelli@gmail.com
Doutor em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Mestre Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo
em Direito pela Universidade Estadual BRASIL – Rio de Janeiro/RJ
Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professor Pós-doutor pelo Instituto Histórico e Geográfico
titular do Centro Universitário Eurípides Brasileiro (IHGB). Doutor em Direito pela
de Marília (UNIVEM) e da Universidade Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ).
Estadual Norte do Paraná (UENP). Mestre em Direito pela Universidade Federal de
E-mail: edinilson.machado@uenp.edu.br Santa Catarina (UFSC). Professor da UFRJ.
E-mail: vauthierborges@yahoo.com.br
Felipe Calderon-Valencia
COLÔMBIA — Medelín Rodrigo Rage Ferro
Doutor em Droit pela Université BRASIL – São Paulo/SP
Panthéon-Assas. Professor-Pesquisador da Doutor em Direito pela Universidade
Universidad de Medellín. Catolica de Santos (UNISANTOS).

E-mail: felipecalderonvalencia@gmail.com Doutorando em Direito pela Universidade


de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela
Escola Paulista de Direito (EPD).
E-mail: rorferro@gmail.com
Ulisses Schwarz Viana
BRASIL – Brasília/DF
Pós-doutorando em Direito Constitucional pela Universidad de Granada, Espanha. Doutor em
Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP). Mestre em Direito Constitucional pela Escola de Direito e Administração Pública de
Brasília do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Professor do Programa de Mestrado
Acadêmico e Doutorado em Direito, graduação e Pós-Graduação lato sensu da Escola de Direito
e Administração Pública de Brasília do IDP. Professor de Direito Tributário na Pós-Graduação
da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
E-mail: ulisses.schwarz@hotmail.com
Sumário

Editorial _________________________________________________________________ 19

Autores Convidados _________________________________________________ 21

1 Twenty years later: application of the Charter of Fundamental Rights of the


European Union as an anthropocentric and innovative document
Angelo Viglianisi Ferraro — Goran Ilik______________________________________ 23

2 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas: uma


conquista para pacientes e profissionais da saúde
Patrizia Borsellino — Margareth Vetis Zaganelli____________________________ 47

Artigo em Língua Estrangeira _____________________________________ 66

3 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare: between


International Humanitarian Law (IHL) and Meaningful Human Control
Mateus de Oliveira Fornasier_______________________________________________ 67

Artigos ___________________________________________________________________ 94

4 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento


do Supremo Tribunal Federal para a solução da problemática
Alessandra Brustolin — Edinilson Donisete Machado — Felipe
Calderon-Valencia_________________________________________________________ 95

5 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista: qual o valor da


vida humana?
Isabele Bandeira de Moraes D’angelo — Lília Carvalho Finelli___________ 124

6 O precedente à brasileira: vinculação sem persuasão


Ulisses Schwarz Viana_____________________________________________________ 149

7 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle


concentrado de constitucionalidade
Rodrigo Rage Ferro________________________________________________________ 173
8 O regime jurídico da pessoa com deficiência: uma análise sobre os
tratados, sobre a Constituição, sobre a legislação e a jurisprudência
Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo — Daniela Silva Fontoura
de Barcellos________________________________________________________________ 199

Normas de submissão _______________________________________________ 220


Editorial

Caros leitores,

Neste mês, iniciamos o 23o volume da Revista Jurídica da Presidência com a


publicação da edição no 129.
Na seção Autores Convidados, apresentamos o artigo “Twenty years later: Application
of the Charter of Fundamental Rights of the European Union as an anthropocentric and
innovative document”, dos Professores Angelo Viglianisi Ferraro e Goran Ilik, que
trazem a análise do conteúdo jurídico e do alcance das normas da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia nos últimos vinte anos.
Ainda nessa seção, podemos ler o artigo da Dra. Patrizia Borsellino, Professora da
Università degli Studi di Milano-Biccoca (Itália), intitulado “Regras sobre consentimento
informado e disposições antecipadas: uma conquista para pacientes e profissionais
da saúde”, traduzido por Margareth Vetis Zaganelli. No texto, a autora examina lei
italiana relativa às regras sobre consentimento informado e sobre disposições
antecipadas no âmbito da assistência clínica aos pacientes em situação de doença
e até o final da vida.
Mateus de Oliveira Fornasier, na seção Artigo em Língua Estrangeira, traz o
artigo “The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare: between
International Humanitarian Law (IHL) and Meaningful Human Control”, em que
verifica como os avanços tecnológicos da inteligência artificial no uso de armas
autônomas devem ser regulados de forma adequada aos princípios já inseridos no
Direito Internacional Humanitário.
Na sequência, na seção Artigos, Edinilson Donisete Machado, Felipe
Calderon-Valencia e Alessandra Brustolin analisam o direito à saúde garantido
pela Constituição e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal com relação à
judicialização de medicamentos como obstáculo para a solução dessa problemática,
o que repercute diretamente em questões orçamentárias relacionadas ao
financiamento com políticas e serviços de saúde.
No texto intitulado “Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista: qual o
valor da vida humana?”, as autoras Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo e Lília Carvalho
Finelli expõem uma análise do Direito Comparado e reflexões acerca do instituto do
dano extrapatrimonial, principalmente nos eventos de grave abalo à saúde, como em
desastres ambientais e em tragédias afetas ao trabalho humano.
Ulisses Schwarz Viana, no artigo “O precedente à brasileira: vinculação sem
persuasão”, apresenta estudo sobre a adoção da sistemática de precedentes judiciais
e as implicações dela nas estruturas dogmáticas, como na tradição do common law.
Ainda na seara do direito processual, Rodrigo Rage Ferro, por sua vez, volta-se
para uma análise da complexidade inerente à interpretação de conceitos jurídicos
no contexto do controle concentrado de constitucionalidade, como eficácia erga
omnes, efeito vinculante e coisa julgada, na tentativa de aprofundá-los com base na
jurisprudência do STF e na doutrina nacional e estrangeira.
Finalizando esta edição, Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo e Daniela
Silva Fontoura de Barcellos abordam como ocorreu a internalização da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no direito brasileiro,
por meio da descrição de diversas correntes de incorporação de tratados de direitos
humanos no Brasil.
Agradecemos aos membros do Conselho Editorial, aos nossos pareceristas
ad hoc pela colaboração e à nossa equipe de editoração, cujo empenho resultou
nesta publicação.
Nosso agradecimento também aos autores, por submeterem e publicarem seus
trabalhos neste periódico, contribuindo para o enriquecimento da discussão acadêmica.
Uma ótima leitura!
1
23

Twenty years later: application of the


Charter of Fundamental Rights of the
European Union as an anthropocentric and
innovative document

Angelo Viglianisi Ferraro


Pós-doutor e Mestre na Universidade “Mediterranea” de Reggio
Calabria — MICHR (Itália). Professor Adjunto e Diretor da Mediterranea
International Centre for Human Rights Research (Itália). Professor da
Universidade de Economia de Cracóvia (Polônia). Professor na Universidade de
Economia Plekhanov em Moscou (Rússia). Professor (UFS).

Goran Ilik
Pós-doutorando no Mediterranea International Center for Human Rights Research
– MICHR na Universidade Reggio Calabria (Itália). Professor da Faculdade de
Direito na Universidade St. Kliment Ohridski em Bitola (Macedônia do Norte).
Cofundador do Institute for Research and European Studies (Macedônia do Norte).

CONTENTS: 1 Introduction 2 The Charter of Fundamental Rights of the European Union as an


anthropocentric and innovative document 3 The proclaimed rights in the EU Bill of Rights 4 The
scope of the proclaimed norms 5 The interpretative tools that can be used to recognize the useful
effect of the Charter 6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: The paper analyzes the legal content and scope of the norms of the
Charter of Fundamental Rights of the EU and their meaning and application as a
para-constitutional document of anthropocentric and innovative nature in the last
twenty years. Special attention is paid to the place and role of the CJEU as a judicial
body in charge of implementing and harmonizing EU law. The article also deals with
the possibility of direct application of the norms of the Charter, both vertically and
horizontally. In addition, the paper cites the CJEU case law to confirm the thesis that
it must undertake a moral and legal obligation in order to impose itself not only as
a creator of legal doctrines but also as the guardian of the fundamental rights and
freedoms of the EU.

KEYWORDS: C JEU EU Values Rights Interpretation.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 23-46


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2315
24 Twenty years later

Vinte anos depois: aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
como um documento antropocêntrico e inovador

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A Carta de Direitos Fundamentais na União Europeia como um


documento antropocêntrico e inovador 3 Os direitos proclamados na UE na Declaração de Direitos
da UE 4 O alcance das normas proclamadas 5 As ferramentas de interpretação que podem ser
usadas para reconhecer o efeito útil da Carta 6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O artigo analisa o conteúdo jurídico e o alcance das normas da Carta


dos Direitos Fundamentais da UE e significado e aplicação como documento
para-constitucional de caráter antropocêntrico e inovador nos últimos vinte anos.
É dada especial atenção ao lugar e ao papel do CJEU como órgão judicial
responsável pela aplicação e harmonização do direito da UE. O artigo igualmente
trata da possibilidade de aplicação direta das normas da Carta, tanto vertical
quanto horizontalmente. Além disso, o presente trabalho cita a jurisprudência do
CJEU para confirmar a tese no sentido da sua obrigação moral e jurídica para se
impor não apenas como criador de doutrinas jurídicas, mas também como guardião
dos direitos e liberdades fundamentais da UE.

PALAVRAS-CHAVE: CJEU UE Valores Direitos Interpretação.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 23-46


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2315
Angelo Viglianisi Ferraro — Goran Ilik 25

Veinte años después: Aplicación de la Carta de los Derechos Fundamentales en la


Unión Europea como documento antropocéntrico e innovador

CONTENIDO: 1 Introdução 2 La Carta de los Derechos Fundamentales de la Unión Europea como


documento antropocéntrico e innovador 3 Los derechos proclamados en la UE en la Declaración de
Derechos de la UE 4 El alcance de las normas proclamadas 5 Las herramientas de interpretación
que se pueden utilizar para reconocer el efecto útil de la Carta 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: El artículo analiza el contenido legal y el alcance de las normas de la


Carta de los Derechos Fundamentales de la UE y su significado y aplicación como
documento paraconstitucional antropocéntrico e innovador en los últimos veinte
años. Se presta especial atención al lugar y al papel del CJEU como órgano judicial
responsable de la aplicación y armonización de la legislación de la UE. El artículo
también aborda la posibilidad de aplicar directamente las reglas de la Carta, tanto
vertical como horizontalmente. Además, el documento cita la jurisprudencia del
CJEU para confirmar la tesis de que debe asumir la obligación moral y jurídica de
imponerse no solo como creador de doctrinas jurídicas, sino también como guardián
de los derechos y libertades fundamentales de la UE.

PALABRAS CLAVE: CJEU UE Valores Derechos Interpretación.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 23-46


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2315
26 Twenty years later

1 Introduction

E xactly twenty years have passed since the proclamation of the Charter of
Fundamental Rights of the European Union in Nice, under the guise of a
solemn declaration (later re-proclaimed, in an adapted version, in Strasbourg on
17 December 2007). And although in terms of law even a month is sometimes a
very long period – given the speed at which society, science, and new technologies
evolve, this EU Bill of Rights continues to appear updated and well written.
The Charter, described as “the keystone of European integration” (JOSPIN, 2001),
has provoked different positions in doctrine among those who have considered its
approval as “a real regression, legally and politically” (FERRARA, 2002, p. 27) and
those who have seen in it a rhetorical repetition of normative provisions already
contained in other European or international charters (such as the ECHR, the European
Social Charter or even the Universal Declaration of Human Rights), or in any case, a
merely reconnaissance text without neglecting the position of the minority, localist,
nationalist, separatist groups within the European Parliament itself, in addition
to the British Conservatives, who have repeatedly expressed their skepticism, not
so much because of its content, but because of “its very existence, which in itself
highlights the political and not just the market nature of the Union, as well as being
an important step in the process of constitutionalization of the European Union”
(BARBERA, 2001 passim). Furthermore, we will present the functional dimension
and prerogatives of the Court of Justice of the European Union, and its interpretive
power derived from the EU fundamental values and its constitutive treaties, using
the Charter on Fundamental Rights of the European Union as a source for making of
legal doctrines. Therefore, in the text below, we will try to elaborate the specificity
of the application of the Charter, with all of its potency and constraints within the
complex system of the European Union, considering its nature as an anthropocentric,
innovative and progressive document.

2 The Charter of Fundamental Rights of the European Union as an anthropocentric


and innovative document

It is certainly very important to explore the role of the Court of Justice of the
European Union (CJEU) in a real application of this document in the legal world.
Therefore, it is necessary to underline that by following the aim for promotion,
affirmation, and proliferation of the EU law, the Court possesses specific interpretive

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power, directly arising from the EU fundamental values and its constitutive treaties,
which essentially regulates its normative framework, the legal structure, and its
prerogatives as a central judicial actor armed with interpretive power. In that context,
we can define the meaning of the interpretive power as a specific legal and institutional
capacity of the Court of Justice for taking legal and intellectual actions that involve
perception, articulation, and direct applicability of the EU treaties and legal documents
in the spirit of European unification. As the author Karen J. Alter argued,

[…] the central factor that allows the expansion of European law through
the legal interpretation is the fact that the [CJEU] is an institution positioned
outside the domestic contexts of the Member States in which national actors
dominate (...) and supranational actors which supplies the capacity to review
and national norms and European law. (ALTER, 2001, p. 28).

This formulation unambiguously confirms the current capacity of the CJEU with
regard to its interpretive power over the national legislative, litigations and norms,
in the spirit of European law. Or, as Article 19 of the Lisbon Treaty (2018) stipulates:

The Court of Justice of the European Union (...) shall ensure that in
the interpretation and application of the Treaties the law is observed.
The Member States shall provide remedies sufficient to ensure effective
legal protection in the areas covered by the Union law. (THE LISBON
TREATY, 2018, art. 19).

As regards the CJEU, it is primarily necessary to locate the role, the competencies
and the position of the Court of Justice of the EU. So, in accordance with the Article
19 of the Lisbon Treaty, The Court of Justice of the European Union:

[…] shall in accordance with the Treaties: 1. rule on actions brought


by a Member State, an institution or a natural or legal person; 2. give
preliminary rulings, at the request of courts or tribunals of the Member
States, on the interpretation of Union law or the validity of acts adopted
by the institutions; and 3. rule in other cases provided for in the Treaties.
(THE LISBON TREATY, 2008).

From this formulation, also stems and the position of the Court of Justice of the
EU, as judicial institution located above the national courts, which is activated by a
Member States initiative or submission of the particular procedure or request for
interpretation to the Court of Justice, in order to harmonise the EU law with that of
the Member States. As an instrument for realisation of the competencies, the CJEU
adopts preliminary rulings, according to which:

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1 Reviews the legality of the acts of the institutions of the European Union;

2 Ensures that the Member States comply with obligations under the
Treaties; e

3 Interprets EU law at the request of the national courts and tribunals (The
Lisbon Treaty, 2008).

It is important to emphasize that the interpretive power of the Court certainly


springs from the fundamental rights and freedoms as basic tenets of the creation, the
existence, and the functioning of the EU as such. Moreover, the Lisbon Treaty reaffirms
the Union as a major promoter and keeper of the fundamental values of humanity
(according to the EU constitutive treaties), especially in Article 21, as follows:

[...] democracy, the rule of law, the universality and indivisibility of human
rights and fundamental freedoms, respect for human dignity, the principles
of equality and solidarity, and respect for the principles of the United
Nations Charter and international law. (THE LISBON TREATY, 2013).

It can be stressed that the EU primarily rests on the values such as: respect of human
dignity, fundamental freedoms and rights, the rights of the communities and family,
freedom and liberty, democracy, equality, the rule of law, social justice, etc. Therefore, it
can be acknowledged that the main purpose of the Charter as a new EU Bill of Rights
was certainly to provide certainty and renewed vigor to the common heritage of rights,
especially thanks to the increased visibility they have undoubtedly achieved.
The Charter immediately took on the role of a European para-constitutional
framework, which set clear regulatory boundaries beyond which the legislative discretion
of the Union and the Member States must stop and within which their political and
legal commitment must be maximized. Concerning the fundamental rights, it is useful
to stress that Article 6 of the Lisbon Treaty (2013) stipulated the following:

The Union recognizes the rights, freedoms, and principles set out in the
Charter of Fundamental Rights of the European Union of 7 December 2000,
as adapted at Strasbourg, on 12 December 2007, which shall have the same
legal value as the Treaties. The provisions of the Charter shall not extend in
any way the competencies of the Union as defined in the Treaties. (LISBON
TREATY, 2013, art. 6).

The rights, freedoms, and principles in the Charter “shall be interpreted in


accordance with the general provisions (…) its interpretation and application and
with due regard to the explanations referred to in the Charter, that set out the sources

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of those provisions” (THE LISBON TREATY, 2008). Naturally, all this has meant for the
drafting body the need to often make continuous linguistic and lexical compromises
or too often resort to excessively broad and generic formulas, but it cannot be denied
that the achievement of results considered unanimously satisfactory is an important
goal, in the logic of a functionalist realization of a stronger European legal integration.
On the other hand, it is undeniable that the large mistrust of the Charter pushed
to the point of questioning its very usefulness, is probably linked to an incorrect
application of its scope. There are, for example, those who – reading the event too
much – considered it to be an effort identical to that made on other occasions in
the past when an attempt was made to create a catalog of fundamental rights to
be included in the (European) Community system (but history has shown that this
was not the case); and those who, on the other hand, went too far in the opposite
(federalist) direction, considering the Nice Charter as a genuine constitutional act.
The veto placed by some Member States (especially the UK, Sweden, and
Denmark) to the recognition of the direct legal effect of the Charter was not,
however, a weak point, as many authors and scholars believed, but the trump card
of that document, because it allowed “the inclusion of new rights, especially of a
social nature, since a consensus would not have been reached otherwise” (WEBER,
2002, p. 42). The certain importance that such document has had in everyday life
immediately demonstrated its metapolitical value thanks to the role of the Court of
Justice as well, “as viva vox iuris, tending to give the Charter the force of a ‘living law’ by
including it in its hermeneutical horizon” (CIANI, 2003, p. 20-21) — as an important
axiological parameter, and (indirectly, at least initially) as a control instrument not
only for the European institutions but also for the Member States (LOIODICE, 2001,
passim). The Charter has, moreover, the merit of having tried to make the most of
both the principle of indivisibility (whereby every right must be read and interpreted
in the light of all others – “Freedom cannot be without equality, solidarity limits
freedom” (PACIOTTI, 2002, p. 98) – and the one of the universality of the legal
situations covered by it (recognizing the ownership of the latter to each individual,
regardless of their nationality or place of residence) (CIANI, 2003, p. 27). In the context
of defining the fundamental rights of the EU citizens (private persons) stipulated in
the Charter’s content, at least three quarters of respondents in Sweden (77%), and
Greece, Cyprus and Malta (all 75%) are interested in having more information about
the content of the Charter, compared to 42% in the United Kingdom, 43% in Estonia
and 46% in Slovenia according to Special Eurobarometer 487b Report (2019) (Figure 1).

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Figure 1

Source: EUROBAROMETER, 2019, p. 16.

These are perhaps the two most important peculiarities of the Charter – the
principles of indivisibility and universality – which have allowed many authors to
call it an anthropocentric document. It is no coincidence that the Charter’s Preamble
points out that: “It places the individual at the heart of its activities, by establishing
the citizenship of the Union and by creating an area of freedom, security and justice”
– and not simply reconnaissance (PIZZORUSSO, 2001, p. 68). Also, the Preamble
determines the Member States and the EU:

[…] to strengthen the protection of fundamental rights in the light of


changes in society, social progress, and scientific and technological
developments by making those rights more visible in a Charter (...)
Conscious of its spiritual and moral heritage, the Union is founded on
the indivisible, universal values of human dignity, freedom, equality, and
solidarity; it is based on the principles of democracy and the rule of
law (...). (CFREU, 2000, p. 8).

In this regard, the Parties that signed and sealed this Charter determine that courts
of the EU Member States and the CJEU will interpret the Charter while beginning with
the constitutional traditions and international obligations common to the Member
States, the European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental
freedoms, the social charters adopted by the Union and the Council of Europe, the case
law of the European Court of Human rights and of course the Court of Justice of the EU
as a judicial and doctrinal authority of the Union (CFREU, 2000, p. 8).

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3 The proclaimed rights in the EU Bill of Rights


A particularly significant aspect of the EU Charter of Fundamental Rights can
be found in its Preamble, which makes a clear reference to a peaceful future as “the
result of building institutions common to nations that had fought each other for
centuries” (PACIOTTI, 2002, p. 19), according to a scholar who was a member of the
group of editors of the text and to a commitment to “strengthen the protection of
fundamental rights in the light of changes in society, social progress and scientific
and technological developments” (CHARTER, 2012, C 326/395). Moreover, these first
lines, which open the EU Bill of Rights, also highlight apertis verbis that “enjoyment of
these rights entails responsibilities and duties with regard to other persons, to the
human community and to future generations” (CHARTER, 2012, C 326/395).
The Charter, in its legislative body, is composed of seven Chapters, within which
a series of already proclaimed rights and freedoms are gathered for the most part
in other important international conventional texts, but here are grouped, in a very
singular way, around a series of fundamental principles or values, and all referable
to unity thanks to the aforementioned principles of indivisibility and universality.
The first of these values is Dignity (Human dignity, Right to life, Right to the
integrity of the person, Prohibition of torture and inhuman or degrading treatment or
punishment, Prohibition of slavery and forced labor), which is now truly common, even
though it is somewhere expressed and somewhere – on the contrary – unexpressed,
in all the constitutions of the Member States, but it is also proper of the Community
Verfassung. It should be recalled that the Universal Declaration of Human Rights (1948)
states in its Preamble that “recognition of the inherent dignity and of the equal and
inalienable rights of all members of the human family is the foundation of freedom,
justice and peace in the world”. An author (CIANI, 2003, p. 38) underlines that “it is a
super-principle from which it is possible to deduce the limits of any right to freedom”.
The novelty of the Charter, compared to the draft European Constitution of 1994, and
in conformity with the Declaration of Fundamental Rights and Freedoms of 1989, is
precisely the provision of the right to human dignity in Article 1, therefore even before
the right to life (sanctioned by Article 2) (VIGLIANISI FERRARO, 2004, p. 702).
This is followed, in particular, by Freedoms (Chapter II) (Right to liberty and
security, Respect for private and family life, Protection of personal data, Right to marry
and right to found a family, Freedom of thought, conscience and religion, Freedom
of expression and information, Freedom of assembly and of association, Freedom
of the arts and sciences, Right to education, Freedom to choose an occupation and

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right to engage in work, Freedom to conduct a business, Right to property, Right to


asylum, Protection in the event of removal, expulsion or extradition), Equality (Chapter
III) (Equality before the law, Non-discrimination, Cultural, religious and linguistic
diversity, Equality between men and women, The rights of the child, The rights of the
elderly, Integration of persons with disabilities) and Solidarity (Chapter IV) (Worker's
right to information and consultation within the undertaking, Right of collective
bargaining and action, Right of access to placement services, Protection in the event
of unjustified dismissal, Fair and just working conditions, Prohibition of child labour
and protection of young people at work, Family and professional life, Social security
and social assistance, Health care, Access to services of general economic interest,
Environmental protection, Consumer protection), which seem to echo the ancient
principles (such as Liberté, égalité, fraternité), proclaimed on another historical occasion
of great importance for the whole of Europe in the years of the French Revolution.
Chapters V and VI are intended to regulate Citizen’s rights (Right to vote
and to stand as a candidate at elections to the European Parliament, Right to
vote and to stand as a candidate at municipal elections, Right to good
administration, Right of access to documents, Ombudsman, Right to petition,
Freedom of movement and of residence, Diplomatic and consular protection) and
Justice respectively (Right to an effective remedy and to a fair trial, Presumption
of innocence and right of defense, Principles of legality and proportionality of
criminal offenses and penalties, Right not to be tried or punished twice in criminal
proceedings for the same criminal offense) (CFREU, 2000, p. 9-20).
Therefore, it can be concluded that the Charter clarifies and gives visibility
to the catalogue of fundamental rights. The enumerated rights contained in the
Charter can be categorized into four broad categories:
1 The so-called classical civil rights, i.e. human rights already guaranteed by
the European Convention on Human Rights (ECHR);
2 The political rights inherent in the European citizenship established by
the Treaties concerning the European Union (Maastricht, Amsterdam, Nice,
and Lisbon);
3 Economic and social rights, which take over those, set out in the Community
Charter of the Social Rights of Workers, adopted on 9 December 1989 at the
Strasbourg Summit, by the Heads of State or Government of the 11 Member
States, in the form of a Declaration;

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4 New generation rights (regardless if third, fourth, or fifth generation) such as


environmental rights, consumer rights etc.
Chapter VII, on the other hand, deals with the General provisions, whose task is
to contextualize the Charter within the pre-existing European legal world, thereby
coordinating the rules contained therein with those already operating at Community
and national level (GARCIA, 2002, passim; VIGLIANISI FERRARO, 2005, p. 503-581).
This Chapter more accurately determines the area of Charter application, the
scope of interpretation of the rights and principles, the degree of protection of the
fundamental rights, and the explicit prohibition of abuse of stipulated rights, as
an imperative provision which appeals (Article 54) that: “Nothing in this Charter
shall be interpreted as implying any right to engage in any activity or to perform
any act aimed at the destruction of any of the rights and freedoms recognized in
this Charter or at their limitation to a greater extent than is provided for herein”
(CFREU, 2000, p. 22). The provisions of the Charter are directly related to the EU
institutions (its agencies, bodies, and offices), and the Member States as well, in
a situation when they apply the EU law, and follow the principle of subsidiarity
as a fundamental principle in the functioning of the European Union. Hence, it is
very important to stress that the Charter is not applicable to the areas that are
under exclusive national competence by the Member States. In this sense, it is very
interesting to mention that there are only four EU countries where at least half of all
respondents know it is true that the Charter applies to EU Member States only when
implementing EU law: Hungary (56%), and Belgium, Romania and Croatia (all 54%),
as presented in Special Eurobarometer 487b Report (2019) (Figure 2).
Figure 2

Source: EUROBAROMETER, 2019, p. 16.

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Providing the aforementioned fundamental rights, the Charter appears as an


interpretive framework consisted of human rights and freedoms as its parameters,
which must be used for interpretation of legislative, litigations, or norms, addressed
and submitted to the CJEU. The stipulated rights also represent a confirmation of the
EU liberal (democratic) essence, which starts from the position of giving more rights
and freedoms while interpreting the submitted legal requests or referrals by the
Members States. When addressing questions to the CJEU (requests for preliminary
rulings), national courts often refer to the Charter. Of those requests submitted by
judges in 2018, 84 contained a reference to the Charter, as compared to 44 in 2017
and 19 in 2010 (Graph 1).
Graph 1

Source: REPORT FROM THE COMMISSION, 2018, p. 30.

4 The scope of the proclaimed norms


One of the most discussed issues by the doctrine engaged in the study of property
law in a European context – in so far as the Charter is applicable – is that the private
individual invokes direct effectiveness of the norms contained in that document,
therefore, asks for the immediate justifiability of his claims of European derivation,
without waiting for an implementing – or reforming – intervention by the national
legislator. The Treaty of Lisbon, while giving the Charter a binding power similar to

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that one given to the original or primary law, has established nothing in this respect
(reference is made to Article 4 (3) TEU, Article 19 (1) TEU, and Article 197 TFEU).
Аs a curiosity, аccording to Special Eurobarometer 487b Report (2019), more
than half of all respondents think the Charter is legally binding, with the highest
proportions seen in the Netherlands (66%), Sweden (63%) and Slovenia and the
Czech Republic (both 62%). The Netherlands (22%), the Czech Republic (21%), and
Sweden (20%) are the only EU countries where at least one in five says that the
Charter is definitely legally binding. Overall, there are 17 countries where at least
one in five say that they do not know. The following figure brings a visual example
of the answers:
Figure 3

Source: EUROBAROMETER, 2019, p. 28.

While anticipating clarification by the Court of Justice on this issue, an important


aid for the national interpreter could certainly be found in the CJEU case law
itself, which has been drafted not only to enumerate the exact scope of the rules
contained in the Treaties, but, above all, to offer the national courts some useful
guidelines concerning the effects to be attributed to sources of secondary legislation
ontologically devoid of the character of direct applicability. At the same time, the
CJEU appears as a proactive judicial actor, which through the interpretation of the
EU law actively performs latent political and legal integration of the Member States.
Starting from this, the Court attributed an extremely high credit for its significant
contribution to the advancement of European integration. Or as an author stressed:
“Unquestionably, the activist stance of the [CJEU] has borne great fruit in the past,
and much of the success of the Community project can be attributed to it” (De
Waele, 2010, p. 12). Arguably both, “neo-functional as well as intergovernmental

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scholars, promoted extreme hypothesis about the relevance of the judiciary. Over
time, their opposing positions slowly converged” (WASSERFALLEN, 2008, p. 8).
Their discourse, according to the author Fabio Wasserfallen (2008, p. 8), was “mainly
about whether the Court is superior upon governments or vice versa. But neither law,
nor politics is determinant towards the other”. By interpreting norms (from the Charter),
the judiciary can heavily influence the policy-making process (WASSERFALLEN, 2008, p. 8).
Hence, it should be noted that the CJEU is not an isolated island, but an extremely
communicative judicial institution, which functions in continuous communication
and cooperation with the courts of the Member States. Namely, as the Lisbon Treaty
stipulates: “The Court thus constitutes the judicial authority of the European Union
and, in cooperation with the courts and tribunals of the Member States, ensures the
uniform application and interpretation of European Union law” (CURIA, 2013). Namely,
the communication between the national courts and the Court of Justice, following
the constitutive treaties of the EU, is based on the principle of referring effectuated
in non-coercive hierarchical communication. This principle highlights the Court
quasi-federal sui generis nature, which makes this judicial institution authoritative but
not absolute. The national court is the one who decides on the referral and the EU Court
delivers decisions on the addressed questions whereas the case is then referred back
to the national courts that need to apply the EU law on the specific case. Consequently,
the CJEU in an unconstrained way causes the transformation of the national legislation
and the judiciary through its preliminary rulings, which perform targeting and modeling
of the national legislation and the judiciary following the provisions of the EU law. As
is well known, since the entry into force of the international treaties establishing the
first Communities, the CJEU has made it clear that not all the provisions contained
therein enjoy direct effects similar to those recognized apertis verbis only to certain
binding acts (i.e. regulations). According to the CJEU, the rules laid down in Article
30 TFEU (ex Article 12 EEC, concerning customs duties) (in Van Gend & Loos, Case
26/62), Article 18 TFEU (ex Article 12 EC, containing the prohibition of discrimination
on grounds of nationality) (in Patrick Christopher Kenny v. Insurance Officer, Case 1/78),
Article 49 TFEU (ex Article 43 EC, concerning the freedom of establishment) (in Costa
v. Enel, Case 6/64), are, for example, directly applicable, while the provisions contained
in Articles 67 EC (not incorporated into the Treaty on the Functioning of the European
Union), 151 and 153 TFEU (ex Articles 136 and 137 EC, concerning certain important
social rights) were not considered to be self-executing. As early as 1970, starting with
the Grad judgment concerning the direct effect of a decision (in Franz Grad v Finanzamt
Traunstein, Case 9/70), the CJEU stressed that:

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a specific obligation on the part of the State has a right on the part of the
individual, and while it is true that regulations (…) are directly applicable
and therefore by virtue of their nature capable of producing direct effects, it
does not follow from this that other categories of legal measures mentioned in
that article can never produce similar effects. (CURIA, 1973).

A few months later, in the SpA SACE v. Finance Minister of the Italian Republic
ruling on the direct effect of a directive, the C JEU punished the Italian State's
non-compliance and expressis verbis highlighted the principle of the direct effect
of directives that reproduce or better clarify the content of self-executing rules
already enshrined in the constitutive Treaties.
In the years immediately following, the European Courts began to forge the
principle of d’effet direct in a more articulate and precise manner, going as far as to
affirm the direct effectiveness of directives, which have expired and have not been
implemented (or have been incompletely transposed), negative – i.e. which impose
on a Member State an absolute and unconditional obligation not to do so, to abstain
from adopting certain rules) – or detailed – i.e. clear, precise (laying down obligations
in unequivocal terms), and unconditional.
The CJEU has clarified that (in adherence to a generally accepted notion in the
international community of State) they must be considered as public body obliged
to recognize the direct effect of the directives, which are not (or not adequately)
transposed by the state legislators, the territorial authorities (in Fratelli Costanzo
v. Comune di Milano, Case 103/88), the forces in charge of maintaining public order
and public security, even if independent from the state (in Johnston v. Chief Constable
of the Royal Ulster Constabulary Case 222/84), bodies providing public health services
(in Marshall v. Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority, Case
152/84), tax authorities (in Ursula Becker v Finanzamt Münster-Innenstadt, Case 8/81,
and ECSC v. Acciaierie e Ferriere Busseni, Case C-221/88), and, more generally, any
entity which regardless of its legal form has been entrusted by a specific act of public
authority with the task of stipulating certain provisions or, as it is stated in A. Foster
and Others v. British Gas Plc, Case C-188/89,

[...] unconditional and sufficiently precise provisions of a directive may


be relied upon against organizations or bodies which are subject to the
authority or control of the State or have special powers beyond those
which result from the normal rules applicable in relations between
individuals. (CURIA, 1973).

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Similar rules would seem to apply today to the provisions of the Charter of
Fundamental Rights of the European Union.
It would therefore be appropriate to make a preliminary distinction between
rules that have only a negative impact (for example, a ban, such as that referred to
in Article 2, i.e. on the death penalty, which implies an immediately preceptive duty
of abstention), rules that reproduce the content of certain provisions already found
in the European Treaties and on which the CJEU has ruled in recognition of their
direct effects (such are, for example, those enshrined in Article 2), norms concerning
equality between women and men in all areas, including employment, work and pay
(Article 23), and, finally, provisions which require positive — or supplementary,
if preferred — action by the national authorities or the European institutions
themselves (this group includes all rules concerning the protection of the elderly,
the disabled or the environment, which impose an obligation on the state to act).
Apart from the possibility of giving direct effect to the latter category of
provisions, the first two and, more generally, all those that set out rules that are
“sufficiently precise and detailed” (i.e. that confer a well-defined and unconditional
right, which therefore corresponds to an equally precise obligation on public bodies),
can probably be considered self-executing.
It should be considered from this point of view that the same explanations
attached to the Charter – with the purpose to clarify what Article 52 (5) means
when it differentiates rights from principles – point out that, based on this distinction,
subjective rights are respected while principles are observed which is stipulated in
Article 51 (1). The principles can be implemented by legislative or executive acts
(adopted by the EU under its powers and by the Member States only in the context
of the implementation of Union law); consequently, they are relevant to the court
only when these acts are interpreted or reviewed. They do not, however, give rise to
direct claims for positive action by the institutions of the Union or the authorities
of the Member States (the Court of cassation’s application of Article 25 of the
Charter, concerning the rights of the elderly, is unusual in this respect). If, reasoning per
absurdum, a Member State was to introduce legislation designed to deny its citizens
the possibility of bequeathing more than half of their property to their children
(some of whom are resident in other European countries) and require the transfer of
the remaining share to the state’s assets, it would probably be possible to invoke the
direct effect of Article 17 of the Charter (as well as being able to plead, obviously,
the violation of a series of constitutional rules, for which, however, as is well known,

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the person concerned would not enjoy the same immediate protection provided
by supranational law); and they would operate, obviously, according to the Court
of Justice, only in a vertical and unidirectional sense (since the state could never
take advantage, paradoxically, of its failure to fulfill an obligation deriving from the
participation in the EU). Much more delicate is the problem concerning the possibility
of granting the rules contained in the Charter, and therefore also in Article 17, not
only a mittelbare Drittwirkung (the effectiveness would be similar to that of the human
rights enshrined in the third paragraph of Article 1 of the Basic Law for the Federal
Republic of Germany: “basic rights shall bind the legislature, the executive and the
judiciary as directly applicable law”), but also a mittelbare Drittwirkung (as called for
in the United Nations General Assembly Resolution 53/144 of 9 December 1999,
containing the Declaration on the right and responsibility of individuals, groups, and
organs of society to promote and protect universally recognized human rights and
fundamental freedoms), i.e. a power of immediate dis-application of incompatible
national rules even in the case of relations between private parties (natural persons,
legal entities, groups etc.).
In doctrine, there is a consensus that private individuals can only be bound
to respect the rights contained in the Bill of Rights of the European Union if,
and to the extent that, the national legislators implement the rules in question, as
there is no provision in the Charter which, on the other hand, supports the idea of
direct recognition of the obligations of individuals. Nor does the aforementioned
Article 54, which, as has been seen, unlike Article 17 of the European Convention
on Human Rights (ECHR), does not use the expression a state, group or individual,
but lays down a general duty not to attribute to any fundamental right a reading
which could lead to abuse.

5 The interpretative tools that can be used to recognize the useful effect of
the Charter

The opportunity not to recognize direct horizontal effects of provisions (and


even those protecting fundamental rights), although justified by the need not to
give interpreters a power that should be reserved for legislators, has – as is well
known – always given rise to many doubts because of the serious and discriminatory
consequences that may arise (it is no coincidence that many national courts have
often extended the immediate effects of supranational sources that have remained
unimplemented to inter-private relations).

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40 Twenty years later

The same right contained in a self-executing rule of the Charter (and not
transposed, for example, by the national legislator) could, for example, be invoked
directly by a worker only in the case of a public employment relationship, whereas,
on the contrary, the same could not happen in the case of a contract of employment
between private individuals.
As is well known, to remedy such (unacceptable) inequalities, the CJEU has
developed the instrument of interpretation in conformity with EU law and, while
confirming the impossibility of recognizing immediate horizontal effects to standards
contained in sources that are not directly applicable, has, in other words, invited the
interpreter to use the provisions as a hermeneutical parameter, in the light of which
the national legislation can be used if decided to be read and implemented. Such
a judicial technique (which in substance has practical implications very similar to
those produced by the recognition of direct effects) does not seem to be always
feasible in practice. On the other hand, CJEU jurisprudence

[…] concerning intertwined relations between the principles of direct effect


and interpretation in conformity (see, on the matter and as a pedagogical
example, Maribel Dominguez judgment, C-282/10, whereas 23) stated it is
up to national authorities to firstly conduct an interpretation in conformity
of national rules and, only when this interpretation would not be possible,
direct effect could be thought. (ABREU, 2021).

Think of the cases (really remote, if we talk about fundamental rights) in


which in a particular Member State there is no national legislation regulating the
matter covered by the EU law (as could happen for example for the prohibition,
contained in Article 3 of the Charter, of the reproductive cloning of human beings,
which, if not transposed from a national source, could perhaps operate – directly
and in a binding manner – only for public health facilities, but not for private ones).
However, let us also reflect on the hypotheses in which the national provision, even
though it exists, does not have a structure so elastic as to lend itself to an adequate
interpretation (in such cases, an interpretation following the Charter would result in
an interpretatio contra legem of the internal rule: a possibility deemed inadmissible
even by the Court of Justice itself with regard to the European Union law tout court.
See, for all of them, the judgments of Praetor de Salò of 11 June 1987, Case 14/86;
Arcaro of 26 September 1996, Case C-168/95; Berlusconi and Others of 3 May 2005,
Cases C-387/02, C-391/02 and C-403/02.

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Angelo Viglianisi Ferraro — Goran Ilik 41

The extreme expedient, recently adopted by the CJEU to guarantee adequate


protection of private citizens in horizontal relations as well, has been the
recognition of the so-called exclusion effect or impediment (which, in reality, can
be defined as substantially disapplicative) of the self-executing rules. According
to this controversial case law, by the principle of the primacy of EU law over
national law, the same possibility of producing and/or maintaining (or at least
applying judicially) internal rules that conflict with those contained in the EU
legal documents should be excluded a priori.
However, there has also been talking of triangular effectiveness or (with more
explicit reference to fundamental human rights) indirect horizontal effects, concerning
a relation between private parties, but via the act of a public authority, for instance, an
executive or legislative act; and the issue decided in Commission v Hungary of 21 May
2019 (Case C-235/17) seems to be emblematic in this respect. As the CJEU made
clear in this ruling by providing that no one shall be deprived of his or her property, the
second sentence of Article 17(1) of the Charter does not only concern deprivations of
property whose subject is the transfer of property to public authorities. This, however,
is not to be denied – it is tantamount to the not extremely implicit recognition of
direct horizontal effects, as has happened much more casually in terms of the CJEU,
both for a series of rules of the Treaties (for example, those protecting the four
fundamental freedoms) and for certain rights proclaimed in the Charter (think of
Kücükdeveci v Swedex GmbH & Co KG, C-555/07 and Dominguez cases, C-282/10).
We have only to wait for further precise indications from the Court of Justice in
order to know the real scope of the individual rights enshrined in the Charter and
to understand which rules produce immediately executable claims for the benefit of
private individuals.
The Annual Report from the European Commission [COM (2019) 257] presents
a review of the most relevant data concerning the application of the Charter. The
EU courts have increasingly referred to the Charter in their decisions. The number
of decisions quoting the Charter in their reasoning rose from 27 in 2010 to 195
in 2017 and 356 in 2018. The Charter articles referred to prominently in cases
before the EU courts were those on the right to an effective remedy and to a fair
trial, the right to good administration, equality before the law and the right to
property (Graph 2).

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42 Twenty years later

Graph 2

Source: REPORT FROM THE COMMISSION, 2018, p. 30.

6 Conclusion
Twenty years after the proclamation of the European Charter of fundamental
rights, it is possible to say that many goals have been achieved, but many challenges
are still on the horizon. And it certainly appears illogical and inconsistent the
possibility — repeatedly invoked in recent times by some constitutional courts, such
as the Italian one — of using the so-called counter-limits to paralyze the effects of
the norms sanctioned in the Charter that conflict with those contained in the state
constitutions in the name of a “naive and infertile patriotism” (RUGGERI, 2015, p. 330).
If anything, it is easy to predict that – thanks to the important role of the Court
of Justice as well, as it happened since the ’90s with the non-observance of the
Community sources (so-called primary and derived) – also for the rules of the EU
Bill of Rights another important (and drastic) remedy could be configured (as an
alternative or in addition to the above-mentioned instruments of direct effect and
conforming interpretation), in order to guarantee maximum protection to the EU
citizens: i.e. the civil responsibility of the state for violation of the fundamental
rights recognized in the Charter.

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Considering that this particular form of sanction was then used to repair the
damage caused by failure to comply with any rule of European law – even only with
a general principle of the EU (as it happened in M. G. Eman and O. B. Sevinger v College
van burgemeester en wethouders van Den Haag Case, C-300/04) – it is easy to imagine
that, since the Charter has now taken on the same binding value as the Treaties, it is
possible to recognize this instrument of protection for private individuals, in cases of
manifest and serious violation of the rights set out therein (in this regard, a reference
may be made to the judgment of 11 June 2015 in Berlington Hungary Tanácsadó
és Szolgáltató kft and Others v Magyar Állam, Case C-98/14), just as it is expressly
provided for, and moreover, in Article 340 TFEU (ex Article 288 EC) for the prejudice
caused to private individuals by unlawful conduct of the EU institutions or agencies
and as some authoritative scholars have long imagined could happen due to the
violation of the rules of the European Convention on Human Rights by the signatory
countries (RONZITTI, 2009, p. 242). Useful guidance can be drawn from the Judgment
of the Court of Justice of 15 January 2014 in Association de médiation sociale, Case
C-176/12. Consequently, the Court (Grand Chamber) decided:

Article 27 of the Charter of Fundamental Rights of the European Union, by


itself or in conjunction with the provisions of Directive 2002/14/EC of the
European Parliament and of the Council of 11 March 2002 establishing
a general framework for informing and consulting employees in the
European Community, must be interpreted to the effect that, where a
national provision implementing that directive, such as Article L. 1111-3
of the French Labour Code, is incompatible with European Union law, that
article of the Charter cannot be invoked in a dispute between individuals
in order to disapply that national provision. (CURIA, 2014).

After denying the direct invocation of Article 27 of the Charter to disapply


a national law that conflicts with the provision in question – both because of
the low perceptive nature of the latter and because the dispute concerned two
private parties – the Luxembourg judicial authority stressed the possibility
for the citizens concerned to take legal action in order to obtain the state’s
compensation for damages caused through violation of the supranational law.
This is an approach that certainly favors the position of the injured parties in
their fundamental rights and guarantees the private enforcement of a Charter that is
now called upon to play a very important role within the European Union.
Therefore, we can stress that the Court of Justice and the Member States too
must embrace the moral and legal obligation derived from the stipulated human

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44 Twenty years later

rights and freedoms, and thus impose their institutional authority as a keeper of
those fundamental rights. This especially concerns the role of the Court of Justice
of the EU, which represents a “doctrinaire authority based on the EU axiological
set and its constitutive treaties, while appearing as doctrine – maker and
doctrine – keeper, at the same time” (ILIK, 2013, p. 5).

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Political Science Association, St. Gallen, January, p. 8-9, 2009. Legal cases

Van Gend & Loos, Case 26/62.

Patrick Christopher Kenny v. Insurance Officer, Case 1/78.

Costa v. Enel, Case 6/64.

Franz Grad v. Finanzamt Traunstein, Case 9/70.

SpA SACE v. Finance Minister of the Italian Republic, Case 33-70.

Fratelli Costanzo v. Comune di Milano, Case 103/88.

Johnston v. Chief Constable of the Royal Ulster Constabulary, Case 222/84.

Marshall v. Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority,


Case 152/84.

Ursula Becker v. Finanzamt Münster-Innenstadt, Case 8/81.

ECSC v. Acciaierie e Ferriere Busseni, Case C-221/88.

Foster and Others v. British Gas Plc, Case C-188/89.

Kücükdeveci v. Swedex GmbH & Co KG, Case C-555/07.

Dominguez v. Centre informatique du Centre Ouest Atlantique and Préfet de la


région Centre, Case C-282/10.

Coman and Others v. Inspectoratul General pentru Imigrări and Ministerul Afacerilor
Interne, Case C-673/16.

M. G. Eman and O. B. Sevinger v. College van burgemeester en wethouders van Den


Haag, Case C-300/04.

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2
47

Regras sobre consentimento informado e


disposições antecipadas: uma conquista
para pacientes e profissionais da saúde
PATRIZIA BORSELLINO
Professora Catedrática de Filosofia do Direito da Università degli Studi di
Milano-Bicocca (Itália). Doutora em Filosofia pela Università degli Studi di Milano.
Doutora em Direito pela Università degli Studi di Pavia (Itália). Professora Titular de
Filosofia do Direito da Università Degli Studi di Milano-Bicocca (Itália).

TRADUÇÃO: MARGARETH VETIS ZAGANELLI1

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Os limites da relação de tratamento 3 O consentimento informado não


confundido como elemento fundamental da relação de tratamento 4 As Disposições Antecipadas de
Vontade (DAV) como instrumento de atuação das vontades do paciente 5 O mandato de tratamento: um
novo paradigma entre o limite de recusa de tratamentos e o compromisso com o alívio do sofrimento
6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O artigo analisa a nova Lei italiana no 219/2017, relativa às regras sobre
consentimento informado e sobre disposições antecipadas. O trabalho destaca as razões
pelas quais essa nova Lei representa um importante marco normativo no que diz respeito
à assistência à saúde na Itália. Essa Lei não apenas fornece regras sobre disposições
antecipadas, mas vai além: marca as fronteiras da relação médico-paciente e define o
modelo de assistência que deve inspirar a prática clínica. O artigo sublinha a importância de
algumas disposições como o direito de recusar tratamentos que mantêm a vida e, ao mesmo
tempo, a isenção das responsabilidades civil e penal do médico que retirou ou reteve esses
tratamentos quando o paciente expressou sua recusa. Além disso, outras disposições são
analisadas, como aquelas relativas aos deveres do médico de não administrar tratamentos
fúteis e de aliviar o sofrimento, sempre e em qualquer caso, mesmo quando o paciente tenha
recusado tratamentos, fornecendo sedação paliativa. O texto delineia as características da Lei
e avalia positivamente sua capacidade de provocar as mudanças culturais necessárias que
poderiam ser úteis para preencher a lacuna entre as práticas clínicas atuais – as quais ainda
são influenciadas pela lógica defensiva – e as necessidades efetivas dos pacientes.

PALAVRAS-CHAVE: Relação Terapêutica Consentimento Informado Recusa de


Tratamentos Médicos Disposições Antecipadas Terapia da Dor.

1 Pós-Doutora em Direito pela Università degli Studi di Milano-Bicocca, pela Alma Mater Studiorum Università di Bologna e
pela Università degli Studi Del Sannio (Itália). Doutora em Direito (UFMG). Mestra em Educação (UFES). Professora Titular de
Direito Penal, Bioética e Direito Comparado (UFES). Professora Visitante da Università degli Studi di Milano-Bicocca, da Alma
Mater Studiorum Università di Bologna e da Università degli Studi Del Sannio (Itália). Professora Investigadora do Projeto Jean
Monnet Module Emerging “Moral” Technologies and the Ethical-legal Challenges of New Subjectivities.

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48 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

Rules on informed consent and advance directives: an achievement for patients


and healthcare professionals

CONTENTS: 1 Introduction 2 The limits of the treatment relationship 3 Informed consent not
confused as a fundamental element of the treatment relationship 4 The Advance Arrangements of
Will (DAV) as an instrument for the performance of the patient's wills 5 The warrant of care: a new
paradigm between the limit of refusal of treatments and the commitment to the relief of suffering
6 Conclusion 7 References.

ABSTRACT: This paper analyses the new Italian Act n. 219/2017 concerning Rules
on informed consent and advance directives. It highlights the reasons why this new
Act represents a turning point in the normative framework concerning healthcare
assistance in Italy. Not only does this Act provide rules on advance directives, but
it goes further: it marks the borders of the physician-patient relationship and
defines the model of assistance that ought to inspire clinical practice. The paper
underlines the importance of some provisions like the right to refuse life-sustaining
treatments and at the same time exemption from civil and penal liability of the
physician who has withdrawn or withheld those treatments when the patient
has expressed her refusal. In addition, further provisions are analyzed like
those concerning the physician’s duty to not administer futile treatments and to
alleviate suffering, always and in any case even when the patient has refused
treatments, by providing palliative sedation. The paper outlines the features of
the Act and positively assesses its ability to bring about the necessary cultural
changes that could be useful to fill the gap between current clinical practices, which
are still influenced by defensive logic, and patients’ effective needs.

KEYWORDS: Healthcare Relationship Informed Consent Refusal of Medical


Treatment Advance Directives Pain Management.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 47-65


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Patrizia Borsellino 49

Règles sur le consentement éclairé et les arrangements précoces : une réalisation


pour les patients et les professionnels de la santé

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 Les limites de la relation de traitement 3 Consentement éclairé


non confondu en tant qu’élément fondamental de la relation de traitement 4 Les Arrangements
Préalables de Volonté (DAV) comme instrument pour l’exécution des testaments du patient 5 Le
mandat des soins : un nouveau paradigme entre la limite du refus des traitements et l’engagement
au soulagement de la souffrance 6 Conclusion 7 Références.

RÉSUMÉ : Le document analyse la nouvelle loi italienne n. 219/2017 concernant


les règles sur le consentement éclairé et les directives préalables. Il souligne les
raisons pour lesquelles cette nouvelle loi représente un tournant dans le cadre
normatif concernant l’aide aux soins de santé en Italie. Non seulement cette loi
prévoit-elle des règles sur les directives préalables, mais elle va plus loin : elle
marque les frontières de la relation médecin-patient et définit le modèle d’aide qui
devrait inspirer la pratique clinique. Le document souligne l’importance de certaines
dispositions comme le droit de refuser les traitements de maintien de la vie et, en
même temps, l’exemption de la responsabilité civile et pénale du médecin qui a retiré
ou retenu ces traitements lorsque la patiente a exprimé son refus. En outre, d’autres
dispositions sont analysées comme celles concernant le devoir du médecin de ne
pas administrer de traitements futiles et d’alléger la souffrance, toujours et en tout
cas même lorsque le patient a refusé des traitements, en fournissant une sédation
palliative. Le document décrit les caractéristiques de la Loi et évalue positivement
sa capacité à apporter les changements culturels nécessaires qui pourraient être
utiles pour combler l’écart entre les pratiques cliniques actuelles, qui sont encore
influencées par la logique défensive, et les besoins efficaces des patients.

MOTS-CLÉS : Relation de Soins de Santé Consentement Éclairé Refus de


Traitement Médical Directives Préalables Gestion de la Douleur.

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50 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

1 Introdução

Na última parte da décima sétima legislatura, o voto favorável da larga maioria


do Senado (italiano)2 sancionou a aprovação definitiva da Lei no 219, de 22
de dezembro de 2017, que institui “Normas em matéria de consentimento informado
e de disposições antecipadas de vontade”, e entrou em vigor em 31 de janeiro de
2018. Foi a última etapa de uma longa e conturbada questão política, que começou
no início dos anos 2000 e durou por várias legislaturas – a partir da décima quarta
(BORSELLINO, 2018, cap. V) – em que se sucederam, até o final, mais conclusões
positivas que temores justificados. Contudo, após tantas tentativas malsucedidas, e
também após se ter escapado do perigo de haver uma lei que desconsiderava tanto
os direitos dos pacientes quanto o papel dos médicos, como se arriscou em julho de
2011, com a aprovação pela Câmara dos Deputados do Disegno Calabrò3 , finalmente
se superou o difícil desafio de realizar uma disposição legislativa, com a qual será
melhor garantida a cada indivíduo uma assistência adequada às suas condições,
às suas necessidades e sempre respeitosa com o que concerne a sua vontade, em
qualquer situação de doença e até o final da vida, caso haja plena atuação da lei.
O que o nosso país agora tem, em consonância com muitos outros países
europeus e não europeus que a adotaram mais prontamente (PIZZETTI, 2008,
segunda parte), é uma disciplina que não surge no vácuo. Pelo contrário, é
colocada dentro de uma estrutura de princípios e de valores que já são afirmados
há muito tempo sob o plano normativo. Está-se, de fato, em total coerência
com os princípios não só consagrados em termos legais – presentes antes de
tudo na Constituição, incluindo o nível supranacional europeu –, mas também
incorporados nas éticas médica e de enfermagem, que a lei define o papel dos
sujeitos envolvidos e as linhas de ação em que se basear a prática clínica, fornecendo
critérios de orientação seguros em diversificadas situações de tratamento e, em
particular, nos mais críticos, devido à presença de doenças com mau prognóstico e
devido à aproximação do fim da vida. Trata-se, portanto, de uma provisão que, na
delicada questão das decisões de tratamento, não introduz princípios ou valores
novos diferentes dos já disponíveis no atual quadro normativo, nem prevê, em

2 Contextualização incluída pela edição da Revista.

3 Projeto de Lei sobre "Disposições relativas à aliança terapêutica, consentimento informado e declarações
antecipadas de tratamento", apresentado pelo Senador Raffaele Calabrò (PDL), no Comitê de Higiene da
Saúde do Senado da República da Itália, em 27 de janeiro de 2009.

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relação a pacientes e médicos, direitos, deveres e responsabilidades, dos quais já


não existam os pré-requisitos nas regras de direito e nos códigos de ética, bem
como reconhecimentos decisivos de importantes decisões judiciais, como, por
exemplo – para limitar-se a dois exemplos reconhecidos pelo público em geral –,
as relativas ao caso de Welby e ao caso de Englaro. Mesmo assim, trata-se de
um texto destinado a ser um ponto de virada, pois elabora as condições para
a implementação desses princípios e valores, regulando os instrumentos, e, ao
mesmo tempo, graças ao forte valor simbólico e representativo ainda coberto
pela regra geral de conduta confiada à lei, pode servir para promover a mudança
cultural necessária à remoção dos obstáculos e das persistentes resistências à
implementação de práticas de tratamento sempre e, em qualquer caso, marcadas
pelo melhor interesse do paciente, e não por lógicas defensivas não justificáveis.

2 Os limites da relação de tratamento


A primeira e fundamental contribuição dada pela lei deve ser reconhecida na
caracterização da relação de tratamento que surge notoriamente delineada no
primeiro artigo. O modelo proposto é o de uma relação que, em clima de confiança e
em vista de decisões funcionais à proteção do direito à saúde consagrado no art. 32 da
Constituição Italiana, estabelece que os pacientes, os médicos e os outros profissionais
de saúde, ao trabalhar em equipe, “contribuem para a relação de tratamento com base
em suas respectivas habilidades” (art. 1.2), bem como, mas apenas se o paciente desejar,
“os membros de sua família, a parte da união civil, ou o parceiro, ou outras pessoas de
sua confiança" (art. 1.2). Portanto, tem-se um cenário envolvido por diferentes atores,
cujo envolvimento no processo de tomada de decisão clínica é esperado, porém, sem
deixar margem para dúvidas sobre os diferentes papéis que lhes são atribuídos. De
fato, com uma perspectiva voltada a valorizar a competência e a responsabilidade
profissional não apenas dos médicos, mas também de outros profissionais de saúde,
de acordo com suas atribuições, vindo em primeiro lugar os enfermeiros, a lei destaca o
papel insubstituível dos médicos, aos quais cabe identificar os tratamentos que podem
ser propostos, conforme diferentes cenários de doenças, e presumir as consequências
previsíveis, em termos de benefícios e também de riscos, da implementação ou de
falha na implementação de tratamentos de saúde e de testes de diagnóstico. Por outro
lado, a lei reconhece, sem qualquer hesitação, que (em regra) são aqueles que têm
sua saúde e suas vidas em jogo, ou seja, pacientes, e não outras pessoas, nem mesmo
os mais próximos, que devem decidir sobre todos os tratamentos, incluindo aqueles

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52 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

enquadrados na ampla categoria de tratamentos que salvam vidas, manifestando uma


vontade positiva por consentimento ou uma vontade negativa por dissidência.
As exceções são as situações, regidas pela lei em seu artigo terceiro, nas quais
as decisões de tratamento dizem respeito a pessoas menores de idade, legalmente
incapazes ou assistidas por um curador, cuja indicação, nos termos do art. 408 do
Código Civil Italiano, “forneça a assistência necessária ou a representação exclusiva
no setor da saúde”. Nessas situações, está prevista a participação no processo de
tomada de decisão das figuras dos decisores substitutos, já previstos pela legislação
vigente, ou seja, no caso de menores, as pessoas que exercem a responsabilidade
parental ou o tutor, enquanto, no caso de sujeitos declarados legalmente incapazes
e/ou com autonomia diminuída ou comprometida, respectivamente, o tutor ou o curador,
se nomeado. A lei, no entanto, preocupa-se de maneira significativa que, nessa área
delicada de assistência, também seja garantido o envolvimento da parte interessada,
na medida do possível; ao passo que dispõe, no início do artigo, o direito dos menores
e dos incapazes de valorar suas capacidades de compreensão e de decisão e, portanto,
seu direito de receber informações que lhes permitam expressar sua vontade, levando
em consideração sua capacidade de discernimento e sua condição em geral.
Graças às disposições acima mencionadas, a lei deixou definitivamente para trás
o modelo tradicional de relação terapêutica (o paternalista), que, por um lado, recusou
a confiança exclusiva ao médico das decisões a serem implementadas no manejo da
doença em termos de atribuição, justificando o chamado privilégio terapêutico, que é a
ideia de que a disponibilidade de um tratamento considerado pelo médico como útil
para a saúde e, sobretudo, para a manutenção da vida, torna sua administração sempre
e de fato legítima e devida; enquanto, por outro lado, a lei aprovou a interposição
de familiares como interlocutores privilegiados, ou mesmo exclusivos, dos médicos,
principalmente no contexto da doença com mau prognóstico, mesmo na ausência
de qualquer manifestação de vontade do paciente nesse sentido. Além disso, nesse
modelo, anteriormente privado de um fundamento justificativo pelas regras do
direito – colocadas em diferentes níveis do ordenamento – e pelas regras da ética
(médica e de enfermagem), concorda-se em elevar o princípio de voluntariedade
dos tratamentos a fundamentais critérios de referência para o correto exercício dos
cuidados em saúde. A lei contrasta que, sem desvalorizar o trabalho dos envolvidos
no tratamento nem desconsiderar a relevância das relações familiares e interpessoais,
visa-se garantir que o paciente finalmente consiga ocupar o lugar central que lhe
pertence no cenário metafórico da relação de tratamento.

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3 O consentimento informado não confundido como elemento fundamental da


relação de tratamento

A esse respeito, são de grande importância as especificações relativas ao


consentimento “livre e informado da pessoa interessada” (art. 1.1) imediatamente
identificado como uma condição imprescindível para o início ou continuação de
qualquer tratamento, com exceção dos casos expressamente previstos pela própria
lei. A lei sublinha seu valor como elemento fundador da relação de tratamento
(sobre o qual a relação se baseia e conforme exprime o segundo parágrafo do artigo
1o), como um ponto de encontro entre sujeitos dignos de serem respeitados em
sua autonomia e, portanto, nas escolhas que a eles competem, mas definitivamente
esvazia o campo da convicção falaciosa da plena coincidência e da sobreposição
das áreas de autonomia reservadas aos médicos, por um lado, e aos pacientes, por
outro. De fato, se o que está reservado para os primeiros é a autonomia justificada
pela competência profissional, em virtude da qual cabe a eles apenas identificar
e propor os percursos de tratamento apropriados às condições do paciente.
A esses últimos é, ao contrário, reconhecida a autonomia decisional, ou seja, a
prerrogativa de ter a última palavra nos tratamentos, sejam eles aqueles a serem
implementados ou tratamentos já implementados e com a intenção de durar
ao longo do tempo, para passar da suposição de que a intangibilidade da esfera
corporal seja, na ausência do consentimento da pessoa interessada, um princípio
que se aplica a todos, inclusive aos profissionais de saúde.
Com essa caracterização pontual do consentimento informado, a
Lei no 219/2017 distancia-se da retórica da chamada aliança terapêutica, com a qual
se tentou repetidamente endossar a ideia da convergência necessária da avaliação
entre médico e paciente e, em qualquer caso, da prevalência a ser atribuída à
avaliação médica. Igualmente, resolve-se, por outro lado, o distanciamento da
representação – muitas vezes enfatizada pelos oponentes – do consentimento para
o tratamento como cumprimento burocrático formal, bem como funcional, exceto
por escolhas conscientes de que os pacientes, especialmente em condições de maior
fragilidade, não são capazes de realizar sozinhos.
O consentimento informado, que a lei exige que os profissionais de saúde
incluam em seu trabalho diário, não se resolve, de fato, por meio da assinatura de
um formulário, mas deve ser entendido como um ponto de aterrissagem de um
percurso no qual o paciente deve estar acompanhado por um médico ciente de que
“o tempo de comunicação entre médico e paciente constitui tempo de tratamento”

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54 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

(art. 1.8). E é precisamente a relação comunicativa que constitui o contexto no qual


a lei estabelece que sejam recebidas as informações (relacionadas a condições de
saúde, a diagnósticos, a prognósticos, a benefícios e a riscos de testes de diagnóstico
e de tratamentos sanitários, a quaisquer alternativas terapêuticas etc.), que são as
condições necessárias de consentimento. A informação – que o terceiro parágrafo do
art. 1o identifica ser um direito de cada pessoa, contemplando, aliás, em harmonia
com o Código de Ética Médica (art. 33), igualmente a hipótese de o paciente que
encarrega a outra pessoa de sua confiança a tarefa de expressá-la em seu lugar e
de exprimir seu consentimento – deve ser compreensível e, como o consentimento
é um pré-requisito, deve estar relacionada às condições peculiares do paciente.
Essas especificações, juntamente com a ênfase dada pela lei à formação
“em matéria de relação e de comunicação com o paciente” (art. 1.10) como parte
integrante da formação total de médicos e de outros profissionais de saúde,
permitem afirmar que o legislador prefigurou um cenário, até o momento ainda
pouco refletido pelas práticas, de processos de tomada de decisão que são
realmente compartilhados com os pacientes por médicos que não cometem o erro
de reduzir as informações pela transmissão unidirecional de dados de relevância
clínica e que, por outro lado, sabem transformá-las em um processo bilateral,
no qual aqueles que fornecem os elementos informativos preocupam-se com a
compreensão real de seu significado e de seu alcance pelos destinatários e, ao
mesmo tempo, estão preparados para receber e interpretar as mensagens que
transmitem as necessidades, as expectativas, as convicções morais e as vivências
experienciais dos que estão em tratamento.
A perspectiva delineada pela lei, nas formulações sintéticas de que é composta
– que, por outro lado, justamente porque evita o risco de prender a informação e o
consentimento segundo lógica burocrática, autoriza, como já observado anteriormente,
a modulação em relação às condições do paciente, bem como a documentação em
diferentes formas –, cria os pressupostos para superar as dificuldades e os obstáculos
que a autonomia, para a qual as informações e o consentimento do paciente se destinam,
encontrou e ainda encontra nos âmbitos mais críticos, dentre os quais estão em primeiro
plano a assistência a doentes com mau prognóstico e, sobretudo, os tratamentos de
fim de vida. À luz dessa lei – que não impede, pelo contrário, reforça a praticabilidade
do modelo de consentimento informado como um processo evolutivo compartilhado,
marcado pela escolha do momento e dos modos de informação e de consentimento
em relação às necessidades do paciente (ORSI et al., 2015) –, a tese de que os cuidados

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paliativos devem ser concebidos, com relação ao consentimento informado, como uma
espécie de zona franca, parece ainda mais destituída de fundamento hoje em dia.

4 As Disposições Antecipadas de Vontade (DAV) como instrumento de atuação


das vontades do paciente

Sob sólido fundamento do modelo de relação terapêutica que atribui um


papel determinante à vontade em relação aos tratamentos do paciente, a Lei
no 219/2017 estabelece a disciplina de “disposições antecipadas de vontade”,
amplamente considerada parte central e caracterizadora da medida, como
evidenciado na qualificação lei sobre testamento biológico, predominantemente
declarada em nível midiático.
Trata-se de uma qualificação redutiva, uma vez que a lei tem um escopo muito
mais amplo, já parcialmente mencionado nas páginas anteriores. No entanto, não
há dúvida de que solicitar uma pontual e aguardada intervenção regulamentar
por meio do instrumento legislativo era precisamente matéria das decisões sobre
tratamentos destinados a indivíduos que não eram mais capazes de manifestar sua
vontade (cada vez mais numerosos, em consequência do progresso da medicina e do
envelhecimento da população). De fato, apesar dos reconhecimentos concedidos ao
direito de autodeterminação do paciente sob o plano jurídico e ético e da legitimação
de princípio, no quadro normativo, também da vontade expressa de forma antecipada,
as múltiplas questões levantadas no campo de aplicação mantiveram elevado, para
os indivíduos que se tornaram incapacitados, o risco de não ter suas vozes ouvidas
e de passar por intervenções e tratamentos contrastando com suas crenças e com
sua avaliação pessoal de qualidade de vida, o que viola o art. 3o da Constituição, que,
embora afirme a igual dignidade social e a igualdade de todos os cidadãos perante
a lei, sem distinções de condições pessoais, não deixa espaço para a suspensão de
direitos, em consideração à situação clínica em que se apresenta um sujeito.
Antes de tudo, o legislador realizou a adequada escolha terminológica de falar
disposições, sinônimo de diretrizes, e não de declarações – como há muito tempo
foi feito em nosso país, ao contrário de em outros contextos nacionais, de acordo
com o documento do Comitê Nacional de Bioética "Declarações antecipadas de
tratamento" (2003) – para designar o instrumento mediante o qual todo sujeito
maior de idade, capaz de entender e de querer expressar suas próprias vontades em
relação às escolhas terapêuticas – na hipótese de uma eventual incapacidade futura,
ao consentir a tratamentos diagnósticos e terapêuticos, ou senão ao se recusar a

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56 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

implementá-los. Abordado por esse instrumento, no geral – pode desfazer os


principais aspectos problemáticos, ditando regras em relação ao conteúdo, à forma
e às modalidades de documentação, assim como o fiduciário, que a parte interessada
tem o direito de designar nas DAV e, finalmente, decerto, antes de tudo, com relação
à questão fundamental do valor e, portanto, do grau de natureza vinculativa a ser
reconhecido nas diretivas.
Com relação ao conteúdo, a lei não exclui nenhum dos processos pelos quais cada
indivíduo possa expressar seu consentimento/dissidência de forma atual. Trata-se de
uma previsão muito oportuna, graças à qual se previne o risco de se conduzir a um
drástico redimensionamento, ou até mesmo a um verdadeiro esvaziamento do direito
à autodeterminação sobre os tratamentos de cada indivíduo, e, ao mesmo tempo,
garante-se que as vontades antecipadas possam operar como um instrumento capaz
de contrastar com a obstinação terapêutica. Tendo em vista que, de fato, conforme
prevê o art. 16 do Código de Ética Médica, ao avaliar a não proporcionalidade e a
inadequação de um tratamento, também se observa o impacto na qualidade de vida,
em cuja definição o ponto de vista do paciente é decisivo, é claro que a vontade do
paciente assume um papel fundamental – a fim de determinar se se configuram ou
não formas de obstinação – em relação a todos os tratamentos que salvam vidas e
não apenas em relação àqueles claramente desproporcionais, de cuja implementação
o médico deve, no entanto, sempre abster-se com base em uma avaliação clínica.
Quanto à forma, a lei prevê, no quinto parágrafo do art. 4o, a elaboração
segundo diferentes modalidades, não só o ato autêntico ou a escritura privada
autenticada, mas também a escritura privada entregue ao cartório e anotada no
registro adequado, quando existente, ou nas instalações sanitárias, nas hipóteses
e segundo as modalidades especificadas no parágrafo 7o (Regiões que adotaram
modalidades telemáticas de gestão do registro clínico, prontuário eletrônico
ou outras modalidades informatizadas de gestão de dados). Em consideração às
condições físicas do paciente, as DAV são então fornecidas por meio de gravações de
vídeo ou de dispositivos que permitem que a pessoa com deficiência se comunique.
Com as mesmas formas, são modificáveis ou renováveis e, em caso de urgência, são
revogáveis com declaração verbal recolhida por um médico ou registrada em vídeo,
na presença de duas testemunhas. Essas são previsões com as quais a lei consegue
encontrar um bom ponto de equilíbrio entre duas necessidades diferentes e ambas
relevantes: a de garantir, na melhor das hipóteses, a submissão da vontade antecipada
ao sujeito que as manifestou, permitindo a verificação de sua autenticidade; e, ao

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mesmo tempo, a de se proteger de um engessamento em formas excessivamente


rígidas, pouco útil à valorização da autonomia dos sujeitos.
Além das observações anteriores, a solução adotada no que diz respeito à
participação do médico na formação das disposições antecipadas deve ser brevemente
recordada. Embora enfatize, a partir do primeiro parágrafo do art. 4o, a importância das
escolhas feitas pelo paciente depois de ter adquirido informação médica adequada
sobre as consequências que as escolhas acarretam, a lei não exige, distanciando-se
da previsão do art. 38 do Código de Ética Médica, que, para efeitos da validade das
vontades anteriormente manifestadas, existam rastros documentais de informação
médica. Trata-se de uma solução que poderia expor-se a críticas por não prevenir o
risco de escolhas antecipadas sobre tratamentos pouco conscientes, mas que pode
parecer apropriada se colocada na perspectiva da referida reflexão, exigida por lei,
de todas as relações entre médicos e pacientes – começando por aquelas que cada
cidadão tem com o clínico geral – como relações caracterizadas pela comunicação e
diálogo. Se forem dados passos significativos nesse sentido, será possível, de fato, ter
a expectativa lógica que os sujeitos interessados em elaborar a DAV, sem encontrar
qualquer restrição formal adicional, possam encontrar na relação com o seu clínico,
e/ou com outro médico em que confiem, a conjuntura originária em que recebem todas
as informações de que necessitam, encontrando, assim, um interlocutor preparado e
disponível para orientá-los nas escolhas e para facilitar a expressão da sua vontade.
Além disso, permanece entendido que, na relação de cuidado entre o médico,
os demais profissionais de saúde, o paciente e, com seu consentimento, os familiares
e/ou pessoas próximas a ele, a lei coloca as vontades antecipadas nos tratamentos
contextualizados para uma área específica de patologia com evolução prognóstica
desfavorável e nos eventos futuros, mas longe de serem incertos. Nesse caso, a lei,
mais uma vez distanciando-se da exclusão tradicional das decisões sobre o tratamento
do paciente incurável, anuncia, no art. 5o, a recolha de suas vontades no percurso de
planejamento compartilhado do tratamento. Ou seja, dentro de um processo deliberativo
no qual a expressão de consentimento do paciente para que os tratamentos sejam
implementados imediatamente, bem como a manifestação de "intenções para
o futuro, incluindo a possível indicação de um fiduciário" ocorrem com base em
informações adequadas sobre a evolução previsível da doença bem como sobre os
efeitos realistas das estratégias clínicas disponíveis em termos de qualidade de vida.
Chegando à figura do fiduciário, pessoa com maioridade e capaz de entender
e de querer, encarregado da tarefa de substituir e de representar o interessado nas

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58 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

relações com os médicos e instalações de saúde, a lei disciplina a modalidade de


assunção do cargo, eventual renúncia ou revogação por parte do emissor e, sobretudo,
contempla a hipótese de DAV que não contenha a indicação de um agente fiduciário.
Trata-se de uma solução que leva em consideração o fato de que o interessado, ao
elaborar as declarações, pode não ter ao seu redor pessoas consideradas por ele
adequadas para assumir o papel de fiduciário, mas que não expõe o sujeito aos
riscos de ver diminuída a eficácia de suas disposições e de não poder contar com
um interlocutor substituto que mantenha relações com os profissionais de saúde
em seu lugar e que proteja seus interesses, tornando-se porta-voz de sua vontade,
em caso de necessidade, precisamente quando a incapacidade se manifestar. O
quarto parágrafo do art. 4o estabelece, efetivamente, que também nesse caso as
DAV preservam sua eficácia e, em boa associação com outras figuras já regidas pelo
ordenamento, oferecem a nomeação de um curador, de acordo com o Título XII do
I Livro do Código Civil. A lei não introduz a distinção, que seria apropriada, entre
as hipóteses em que disposições de instrução específicas foram dadas e aquelas em
que um tipo de delegação ilimitada foi dada. Contudo, mesmo na ausência dessa
disposição, os critérios inspiradores da lei, bem como os critérios que marcam todas
as formas de representação (pais, tutores etc.) não permitem dúvidas quanto ao fato
de que, no primeiro caso, o fiduciário tem a tarefa de garantir a vontade do paciente,
nunca substituindo a sua própria vontade pela da pessoa interessada, enquanto, no
segundo, ele deve operar em seu melhor interesse.
No que diz respeito à relação entre o fiduciário e o médico, mesmo na ausência de
referências ao propósito, o parágrafo 5o permite vislumbrar a referência à necessidade
não apenas de confronto e de diálogo, mas também de acordo, em particular no caso
de desatender às vontades manifestadas pelo paciente, proporcionando, aliás, na
hipótese de divergência de opinião, a remessa da decisão ao juiz tutelar. Uma previsão
preferível àquela – apresentada durante o longo debate que precedeu a aprovação da
lei – da implementação dos comitês éticos da estrutura da saúde, atribuição a que o
poder de tomada de decisão contrasta com o papel dos órgãos consultivos, nos quais,
em relação ao campo da prática clínica, foram investidos comitês de ética ao longo de
sua história, em nosso contexto nacional e em outros países.
Por fim, deve ser considerada a solução adotada pela lei para a questão do valor
a ser atribuído às DAV, decisiva para testar a adequação a uma intervenção normativa
sobre a matéria, com relação ao objetivo de concretizar a autodeterminação dos
sujeitos no campo dos tratamentos. Não há dúvida que o legislador tenha optado

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pelo caráter vinculativo das vontades manifestadas antecipadamente, com a


implicação de que o médico possa realmente desconsiderar essas vontades, mas
apenas no caso de não existirem as condições para sua implementação, ou seja,
no caso em que o médico, com o apoio de outras figuras, envolvido no papel de
representantes e fiduciários de pacientes, verifica a falta de correspondência entre a
situação em que a disposição deveria ser aplicada e a situação prevista.
É verdade que o parágrafo 5o também leva em consideração a hipótese de que
as DAV possam ser desconsideradas no caso de tratamentos imprevisíveis estarem
disponíveis no momento da subscrição. No entanto, deve tratar-se de tratamentos
que possam oferecer oportunidades de melhorar as condições de vida qualificadas
com o adjetivo concretas. Talvez seria apropriado adicionar previstas e aceitáveis pelo
paciente, mas é razoável considerar que essa seja a interpretação de que a previsão
é suscetível, uma vez que, como observado anteriormente, é o mesmo Código de
Ética Médica (art. 16) que faz com que a vontade do paciente e a sua avaliação
pessoal de qualidade de vida sejam critérios imprescindíveis para a determinação
da adequação de um tratamento.
Ao adotar essa disciplina equilibrada em matéria de valor das vontades
antecipadas, a lei está longe de diminuir ou de enfraquecer o papel do médico, o
qual, mesmo no caso de assistência ao paciente incapaz, continua designado não
apenas ao papel fundamental de delinear os cenários de intervenção que podem
ser propostos, mas também ao de verificar, tendo como interlocutor o fiduciário, a
correspondência entre os cenários prefigurados nas DAV e aqueles em que surge o
problema da implementação de intervenções diagnósticas e terapêuticas. Está sendo
superada, por outro lado, a ideia de que a sujeição imposta às escolhas sanitárias
pelas vontades sobre os tratamentos expressos pelo sujeito possa – ou mesmo deva
– ser atenuada, com base na avaliação do bem-estar do paciente, feita pelo médico
de acordo com seus próprios valores. Tal ideia admitiria, com todas as implicações
paternalistas que a acompanham, a tese de que poderia ser a finalidade terapêutica,
e não a vontade do paciente, o que legitimaria a intervenção sanitária, cuja
implementação continuaria estando sujeita às avaliações dos médicos, incumbidos
do papel de árbitros de mérito e de relevância da vontade dos pacientes, bem como,
conforme lhes compete, da adequação clínica dos tratamentos.

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60 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

5 O mandato de tratamento: um novo paradigma entre o limite de recusa de


tratamentos e o compromisso com o alívio do sofrimento

No entanto, não é apenas a definição precisa das atribuições, devido aos vários
assuntos da relação terapêutica, que caracteriza a disciplina introduzida pela
Lei no 219/2017. Em estreita correlação com essa definição, a nova lei identifica,
de fato, a extensão e os limites do tempo de tratamento existente para os médicos
e, no âmbito de suas competências, para outros profissionais de saúde, delineando
também o paradigma assistencial em que deve se basear a prática em saúde. Esse
paradigma toma forma graças a várias disposições, começando pelas contidas no
quinto e sexto parágrafos do artigo 1o, certamente entre os mais qualificados da lei,
nos quais é abordada a sensível matéria da recusa dos tratamentos.
Em um contexto normativo, como o do nosso país – no qual a Constituição dispõe,
no segundo parágrafo do art. 32, que “ninguém pode ser obrigado a um determinado
tratamento de saúde” e o Código de Ética Médica, por sua vez, afirma, no art. 35, que
“... o médico não realiza nem continua procedimentos de diagnóstico e/ ou intervenções
terapêuticas sem a preliminar aquisição de consentimento informado ou em presença
de dissidência informada” –, nenhuma dúvida deve surgir sobre a existência, para o
paciente, do direito de recusar qualquer exame ou tratamento terapêutico e, por parte
do médico, do dever relacionado à abstenção da avaliação do tratamento recusado. No
entanto, isso não impediu que a recusa, se oposta pelo paciente no início, especialmente
com relação à continuação de um tratamento necessário à sobrevivência, ocupasse
uma posição de liderança entre as questões ética e legalmente controversas,
mantendo o caráter de eventualidade problemática, em face do qual, a crença de
não poder dispor de critérios seguros capazes de orientar os seus comportamentos
continuou a ser difundida entre muitos profissionais de saúde. É verdade que o direito
do paciente de recusar (pessoalmente ou por meio do representante, se incapaz) até
mesmo tratamentos que salvam vidas foi reconhecido por ocasião de inúmeros casos
levados ao conhecimento dos juízes, a começar pelos casos supramencionados de
Welby e Englaro. Mas esses reconhecimentos muito relevantes, que ocorreram no final
de exaustivos procedimentos legais, não marcaram a superação de preocupações e
de resistências pelos trabalhadores da saúde, alimentadas pela crença persistente de
que o médico seja obrigado a responder por seu trabalho em sede civil e penal, nada
menos que pela assimilação enganosa da desistência terapêutica ao caso eutanásico.
Se colocadas nesse contexto de difícil, se não por vezes de impossível,
implementação de direitos, embora já estabelecidos no plano jurídico

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e ético, longe de serem redundantes, nas suas qualidades de conceder


clareza – espera-se, de forma definitiva –, as passagens da lei apresentam-se
explicitamente no sentido de manifestar o direito de cada pessoa recusar “qualquer
exame ou tratamento indicado pelo médico devido a sua patologia ou a atos
individuais do próprio tratamento”, bem como o direito de revogar o tratamento
prestado, solicitando sua interrupção (art. 1.5) e, em particular, a passagem afirmada
no sexto parágrafo do artigo 1o, isto é, de que o médico “obrigado a respeitar a
vontade expressa do paciente de recusar o tratamento médico ou de renunciar
ao mesmo” será “isento de responsabilidade civil ou penal” se ele abandonou ou
suspendeu o tratamento após a recusa do paciente.
Essas disposições que não apenas deslegitimam, mas privam da razão de
ser as atitudes intervencionistas motivadas pela preocupação defensiva são
complementadas por lei com mais especificações, a começar pela presente no quinto
parágrafo do artigo 1o, segundo a qual a nutrição e a hidratação artificiais devem ser
consideradas tratamentos que o paciente pode se recusar a implementar ou continuar
“como o fornecimento, mediante receita médica, de nutrientes por dispositivos
médicos”. Trata-se de uma especificação muito oportuna, que, ao ser introduzida pela
lei, fortaleceu a posição da comunidade científica e, ao mesmo tempo, pôs fim ao
debate alimentado apenas por prejudiciais entrincheiramentos ideológicos.
Contudo, entre as previsões que merecem atenção especial, uma vez que
são relevantes para a definição do tempo de tratamento para o qual o médico
encontra-se designado, há também aquelas por causa das quais a Lei no 219/2017
prevê possíveis mal-entendidos sobre o alcance e as implicações do modelo de
relação de tratamento com base na valorização do papel decisional a ser reconhecido
ao destinatário dos tratamentos.
O primeiro equívoco é aquele que poderia ocorrer se se acreditasse que ao
paciente – certamente o detentor do direito de recusar qualquer tratamento, mesmo
os tratamentos apropriados, sem excluir aqueles que salvam vidas – deva ser
simetricamente reconhecido o direito de pedir, com a pretensão legítima de obter,
qualquer tratamento, incluindo aqueles isentos de evidências que comprovem a sua
eficácia (como aconteceu, por exemplo, no caso Di Bella ou, mais recentemente,
no caso Stamina). O segundo equívoco, pelo contrário, é o que daria origem à
assimilação entre o abandono terapêutico e a abstenção pelo médico de praticar os
tratamentos recusados pelo paciente.

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62 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

Em relação ao primeiro equívoco, a lei fornece amparo, ao especificar que


“o paciente não pode exigir tratamentos de saúde contrários à lei, à deontologia
profissional ou às boas práticas clínico-assistenciais” e, assim, distanciar-se de
representar o médico como um mero executor da vontade do paciente. Quanto ao
segundo equívoco, permite-se, em vez disso, eliminar os obstáculos, desde que a
recusa do paciente aos tratamentos necessários para a sobrevivência não autorize
o médico a interromper sua assistência. Pelo contrário, o parágrafo 5o do art. 1o
estabelece que o médico que se depara com a recusa tem o dever de oferecer ao
paciente, além das consequências dessa decisão, eventuais tratamentos alternativos
em relação aos recusados e, em qualquer caso, tem de promover qualquer ação de
apoio, continuando a assistência. Enquanto o art. 2o, que a lei dedica à “terapia da
dor, proibição de obstinação irracional nos tratamentos e dignidade na fase final
da vida”, reforça, por sua vez, o modelo segundo o qual o tempo do tratamento,
existente nas mãos do médico, estende-se muito além da implementação de
tratamentos funcionais para recuperar e/ou manter a sobrevivência a todo custo.
A Lei no 38, de 15 de março de 2010, que trata das “Disposições para acesso à
terapia da dor e a cuidados paliativos”, no primeiro parágrafo do art. 2o, efetivamente
reitera o dever do médico de tomar medidas para aliviar os sofrimentos do paciente,
especificando que isso também é aplicado no caso de recusa ou de retirada do
consentimento para o tratamento de saúde indicado pelo médico. Por conseguinte,
o mesmo artigo oferece, em seu segundo parágrafo, a confirmação legislativa da
condenação à obstinação terapêutica, já presente no art. 16 do atual Código de
Ética Médica, ao sancionar, no caso de pacientes com mau prognóstico e próximos
da morte, o dever do médico de “abster-se de qualquer obstinação irracional na
administração de tratamentos, tal como de recorrer a tratamentos inúteis e
desproporcionais” e conclui o esquema de um paradigma assistencial no qual o foco
no sofrimento do paciente ocupa o lugar central, contemplando, quando houver
sofrimentos refratários a diferentes tratamentos de saúde, o possível recurso, com o
consentimento do paciente, “à sedação paliativa profunda contínua em associação
com terapia da dor”.
Com essa última disposição, o legislador interveio sobre esse tipo derradeiro de
resposta ao sofrimento amplamente percebido pelos operadores como problemático,
e, mais uma vez, pouco utilizada, como no caso da desistência do tratamento que
salva vidas, recusado pelo paciente – sobretudo, mesmo que não apenas – pelo
temor infundado de sua imputabilidade à eutanásia. E o legislador o fez com

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Patrizia Borsellino 63

uma disciplina equilibrada que, se por um lado reserva ao médico a avaliação da


adequação do remédio, por outro, graças à referência ao “sofrimento refratário aos
tratamentos de saúde”, sem maiores especificações, abre possibilidade de recorrer à
sedação paliativa profunda, não apenas para controlar sintomas refratários de tipo
físico (dor, dispneia, vômito incoercível etc.), mas também para aliviar a chamada
angústia existencial, ou seja, a relacionada a sofrimentos psicológicos intratáveis (a
serem distinguidos das patologias psiquiátricas tratáveis), que cada vez mais urgem
a atenção dos profissionais de saúde no campo dos cuidados paliativos e igualmente
naqueles casos ainda carentes de respostas curativas (AMBOSET; ORSI, 2017).

6 Conclusão
A nova lei sobre consentimento informado e disposições antecipadas de vontade
não é uma lei perfeita. Se o final da legislatura não tivesse se exposto ao risco real,
quer dizer, à certeza de ter sua aprovação mais uma vez impedida, algumas de suas
formulações poderiam ter se beneficiado de intervenções corretivas. Acrescenta-
se que se trata de um texto que não define as possíveis sanções que deveriam
ser aplicadas em caso de violação de direitos e de descumprimento de deveres
por parte de profissionais da saúde, com a implicação inevitável de remeter sua
determinação aos juízes, e, além disso, que se trata de uma provisão sem conexão
com a Lei recente no 24/2017, que trata das “Disposições em matéria de segurança
dos tratamentos e da pessoa assistida, bem como em matéria de responsabilidade
profissional dos profissionais da área da saúde”, a qual permaneceu sem relação com
a disciplina da responsabilidade médica por omissão de informações e violação da
vontade do doente.
Apesar disso, a Lei no 219/2017 representa uma importante intervenção
normativa e digna de apreciação por múltiplos motivos. Em primeiro lugar, porque
não perde de vista o contexto em que se coloca hoje o problema da definição
dos limites da relação de tratamento e do estágio da medicina, marcado por
uma articulação dos cenários de morrer, que pouco ou nada tem a ver com
lidar com a natureza, a depender dos métodos e das estratégias de intervenção,
bem como da evolução tecnológica mais ou menos elevada, capaz de exercer
verdadeiro e real controle sobre o morrer, modulando seus tempos e métodos.
Em segundo lugar, porque respeita a laicidade – qualificada pelo Tribunal
Constitucional em 1989 (Corte Costituzionale, Sentenza no 203/1989) como
princípio supremo do ordenamento jurídico italiano – em uma acepção inclusiva,

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64 Regras sobre consentimento informado e disposições antecipadas

na qual considera irrenunciável o respeito às convicções morais e religiosas dos


indivíduos, tendo como o único limite o dano ao outro, e, em consequência, considera
moralmente inadmissível, até mesmo antes de legalmente, uma lei que, ao afirmar
uma única orientação de valor e uma única concepção de dignidade pessoal, e
ao impor também àqueles que não a reconhecem, não se preocupa em expropriar
indivíduos de escolhas fundamentais para sua vida, nem em aumentar, com isso,
seu sofrimento e sua infelicidade. Em terceiro lugar, mas talvez antes de tudo,
porque anuncia, determinando aos profissionais de saúde, que coloquem em sua
prática diária um modelo de assistência muito avançado, do qual a atenção ao
bem-estar e aos estados subjetivos dos doentes e a consideração que eles, como
pessoas, representam elementos constitutivos, são irrenunciáveis em qualquer
situação terapêutica e em qualquer contexto de doença.
Deve-se reconhecer, de forma realista, que as práticas ainda estão muito distantes
desse modelo, mas, após a lei, não pode mais haver dúvidas sobre as direções a serem
seguidas e os instrumentos a serem utilizados para colmatar a distância, nem álibis
para o não empenho em fazê-lo.

7 Referências
AMBOSET, S.; ORSI, L. Quando tutto è dolore. Roma: Armando, 2017.

BORSELLINO, P. Bioetica tra “morali” e diritto. Nuova edizione aggiornata. Milano:


Raffaello Cortina, 2018.

CORTE COSTITUZIONALE. Sentenza no 203/1989. Istruzione pubblica - Insegnamento


della religione cattolica – Facoltatività. Presidente: SAJA. Disponível em: https://
www.cortecostituzionale.it/actionSchedaPronuncia.do?anno=1989&numero=203.
Acesso em: 13 ago. 2020.

ITÁLIA. Código Civil Italiano. Lei no 262, de 16 de março de 1942. Edição


extraordinária da Gazeta Oficial n. 79, de 4 abr. 1942. Disponível em: http://www.
jus.unitn.it/cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Codciv.htm. Acesso em: 20 abr. 2021.

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jan.1948. Disponível em: https://www.senato.it/documenti/repository/istituzione/
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Patrizia Borsellino 65

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e promozione della persona. Milano: Giuffré, 2008.

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3
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The regulation of the use of Artificial


Intelligence (AI) in warfare: between
International Humanitarian Law (IHL) and
Meaningful Human Control

MATEUS DE OLIVEIRA FORNASIER


Doutor em Direito (UNISINOS), com Pós-Doutorado em Direito e Teoria pela
University of Westminster (Inglaterra). Professor do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) (UNIJUI).

Artigo recebido em 6/7/2020 e aprovado em 10/3/2021.

CONTENTS: 1 Introduction 2 Principles for autonomous lethal weapons (LAWs) 3 On the


difficulties related to the regulation of the use of IA in warfare by IHL 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: The proper principles for the regulation of autonomous weapons were
studied here, some of which have already been inserted in International Humanitarian
Law (IHL), and others are still merely theoretical. The differentiation between
civilians and non-civilians, the solution of liability blanks and proportionality are
fundamental principles for the regulation of the warlike use of artificial intelligence
(AI), but the significant human control of the warlike AI must be added to them.
Through the hypothetical-deductive procedure, with a qualitative approach and
bibliographic review, it was concluded that the realization of the differentiation
criterion, value-sensitive design, the elimination of accountability gaps, significant
human control and IHL must support the regulation of the use of autonomous
weapon systems – however, the differentiation between civilians and non-civilians
and proportionality are not yet technologically possible, which makes compliance
with IHL still dependent on significant human control; and the opacity of warlike AI
algorithms would make legal accountability for its use difficult.

KEYWORDS: Artificial Intelligence Autonomous Weapons Regulation Responsibility


Meaningful Human Control.

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68 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

A regulação do uso bélico da Inteligência Artificial (IA): entre o Direito Internacional


Humanitário (DIH) e o Controle Humano Significativo

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Princípios para uso das armas autônomas letais (LAWs) 3 As dificuldades
relacionadas à regulação do uso bélico de (IA) no DIH 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: Os princípios adequados à regulação de armas autônomas foram


estudados aqui, alguns dos quais já inseridos no Direito Internacional Humanitário
(DIH), enquanto outros ainda são apenas teóricos. A diferenciação entre civis e não
civis, a solução de lacunas de responsabilidade e a proporcionalidade são princípios
fundamentais para a regulação do uso bélico da inteligência artificial (IA), mas
o controle humano significativo da IA bélica deve ser somado a ele. Mediante o
procedimento hipotético-dedutivo, com uma abordagem qualitativa e revisão
bibliográfica, concluiu-se que a concretização do critério de diferenciação, o design
sensível a valores, a eliminação de lacunas de responsabilização, o controle humano
significativo e o DIH devem fundamentar a regulação do uso de sistemas e armas
autônomas – porém, a diferenciação entre civis e não civis e a proporcionalidade
ainda não são tecnologicamente possíveis, o que torna a adequação ao DIH ainda
dependente do controle humano significativo; e a opacidade dos algoritmos da IA
bélica dificultaria a responsabilização jurídica pelo seu uso.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência Artificial Armas Autônomas Regulação


Responsabilidade Controle Humano Significativo.

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La regulación del uso de la Inteligencia Artificial (AI) en la guerra: entre el Derecho


Internacional Humanitario (DIH) y el Control Humano Significativo
CONTENIDO: 1 Introducción 2 Principios para el uso de las armas autónomas letales (LAWs) 3 Las
dificultades relacionadas a la regulación del uso belicoso de (IA) no DIH 4 Conclusión 5 Referencias.

RESUMEN: Los principios adecuados para la regulación de armas autónomas


son estudiados en esto trabajo, algunos de los cuales ya han sido confirmados
en el Derecho Internacional Humanitario (DIH), y otros aún son teóricos. La
diferenciación entre civiles y no civiles, la solución de brechas en la responsabilidad
y la proporcionalidad son principios fundamentales para la regulación del
uso bélico de la inteligencia artificial (IA), pero a ellos se debe agregar
el control humano significativo de la IA de guerra. Mediante el procedimiento
hipotético-deductivo, con enfoque cualitativo y revisión bibliográfica, se concluyó
que la realización del criterio de diferenciación, el proyecto sensible al valor, la
eliminación de las brechas de responsabilidad, el control humano significativo y
el DIH deben apoyar la regulación del uso de sistemas y armas autónomos; sin
embargo, la diferenciación entre civiles y los no civiles y la proporcionalidad aún
no son tecnológicamente posibles, lo que hace que el cumplimiento del DIH siga
dependiendo de un control humano significativo; y la opacidad de los algoritmos
de IA de guerra dificultaría la responsabilidad legal por su uso.

PALABRAS CLAVE: Inteligencia Artificial Armas Autónomas Regulación


Responsabilidad Control Humano Significativo.

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70 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

1 Introduction

A utonomous weapons result from the combination of AI and military equipment


in general; they are capable of operating on land, in the air, in water and
in outer space, being categorized by the US Armed Forces as being defensive or
offensive (DEL MONTE, 2018, p. 95-97). Such weapons can also be non-lethal (such
as surveillance equipment) or lethal (which select and attack targets without human
intervention). They are highly worrisome, and the United Nations are still addressing
the ban on lethal autonomous weapons, even though the US, China and Russia are
currently implementing them (i.e. the US Navy Phalanx system, which has similar
among the Chinese and the Russians, which identifies and attacks autonomously
anti-ship missiles). When applied to weapons, AI becomes very interesting militarily:
it incomparably improves speed, stealth and effectiveness of military operations, and
significantly reduces spending as well, allowing personnel to devote their time to
tasks that really currently require human attention (FROESE, 2018).
That is an extremely relevant topic, in a scenario of technological
development also directed for military use. Therefore, it is up to the studies of
Public International Law – mainly International Humanitarian Law (IHL) – to
corroborate with an update, in the light of technical normative issues and in
a transdisciplinary way, looking for intersections between the Philosophies of
Technology and Law for acquiring insights into the standardization of AI warfare.
Given this, this could be asked: which principles of IHL can serve as a basis
for the regulation of autonomous weapons? Hypothetically, the differentiation
between civilians and non-civilians, the solution of blanks in responsibility, and
proportionality as well, are fundamental principles for the regulation of the
military use of AI, but the significant human control of AI in war must be added
to them, in a necessary update of IHL. Methodologically, a literature review was
conduced, with a hypothetical-deductive procedure and a qualitative approach.
This work aimed to study the most adequate principles for the regulation of
autonomous weapons, some of which are already enforced in IHL rules, and others
still only theoretical yet. Its development was divided into two specific objectives.
In its first section, it was analyzed what principles related to the development and
use of autonomous weapons have been pointed out as the most suitable for their
regulation. For that, the probable consequences of the use of autonomous weapons
for the future of the war were explained; soon after, the principles of distinction,
value sensible design, the elimination of responsibility gaps and, in particular,

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Mateus de Oliveira Fornasier 71

meaningful human control, were studied. The second section covered the most
important IHL rules for the future regulation of the matter.

2 Principles for autonomous lethal weapons (LAWs)


AI must revolutionize military operations, being useful in almost all spheres of
military activities: from training to actions; in autonomous and semi-autonomous
systems (which are controlled by humans or in human-machine interaction). States
would be obliged to invest in the long term in AI research, both from a civil and
military point of view (LELE, 2019, p. 153). Defensively, AI is more relevant to
decision-making (from planning to actual operations) at various levels of military
action, in times of peace and war. China, Great Britain, Israel, Russia, South Korea and
the USA are investing in these weapons, being them applicable as:

(I) Drones (aerial, terrestrial or submarine): they can be used for automated
analysis of data and images (serving as support for decisions), or for combat.

(II) Lethal autonomous weapons (LAWs): permanently installed systems that


act autonomously to prevent attacks on civilian and military installations
(such as dams and nuclear installations), borders and warships.

(III) Autonomous assistants (or partially autonomous): used to dismantle mines and
bombs, evacuate the wounded from battle zones, deliver supplies and explore
places inaccessible to humans. (KREUTZER; SIRRENBERG, 2020, p. 230-231).

Sinchana et al. (2020) list the main uses of AI technologies in military defense today:

(I) Ontologies: data models used to represent knowledge and represent


relationships between various concepts about something. Used to
represent operations, intelligence, logistics, and to define entities, events,
tactics, techniques and processes.

(II) Systems based on knowledge and AI capacity: software that uses methods
of determination and knowledge to solve problems. Used by the Air Forces
to provide technical expertise in maintenance.

(III) Autonomous weapons: weapon systems capable of selecting and acting


on targets without human intervention. Drones, advanced robots, artillery,
etc., designed and used to act in specific situations in combat.

(IV) Terrain analysis: use of systems for site analysis before military operations
are also carried out. Their use underlies tactical decisions, operations and
intelligence. (SINCHANA et al., 2020).

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72 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

Autonomous weapons will be deployed by the main nuclear powers (USA, China and
Russia), with autonomy on the human level, by 2050 (DEL MONTE, 2018, p. 165-166). In
this new reality – in which the main nuclear powers will not face each other directly, as this
would trigger total human annihilation – such weapons will pose a danger to humanity
beyond its destructive potential. Their autonomy can trigger a potentially unavoidable
diplomatically war and, when the great powers and some dishonest States have
autonomous weapons, the greater the chances of miscalculations or misinterpretation
and, consequently, of a war that would continue by autopilot until human annihilation.
Israel already has Harap, a drone that searches and destroys radar systems in a completely
autonomous way, flying until a target appears. The US anti-submarine vessel Sea Hunter
sails for months at a time, looking for enemies without people on board. In addition, there
are about 400 weapons and partially autonomous robotic systems under development
worldwide (COKER, 2019, p. 57).
For Johnson (2019, p. 159-160), unmanned autonomous weapons are deployed
defensively and offensively, which can undermine the deterrent utility of existing
defense systems. In addition, the merger of AI with other early warning systems,
shortening decision time and facilitating the location of high-value hidden military
assets (such as submarines), may adversely affect international security and stability
in the use of nuclear weapons. The rapid diffusion and resources of dual use provided
by autonomous weapons will complicate the ability of States to anticipate, assign
and effectively combat future autonomous attacks. Thus, the incipient development
of counter-AI will have an increasing importance in national security and in strategic
calculations. And the relatively slow pace of global defense industry AI development
relative to the commercial sector will affect the balance of power and the structure of
international competition, further worsening the prospects for international security.
As dependencies between the digital and physical domains increase, so do
threats from cyber attacks. Machine learning will expand the scope and scale future
cyber attacks, which can overwhelm the States’ fledgling cyber defenses. AI’s many
inexplicable resources (black box) will exacerbate these risks and further complicate
defense planning for an uncertain and complex strategic scenario. For now, it is
still unclear what resources AI will leverage, whether new weapons can emerge
and how this dynamic will affect the future military and strategic balance between
States – and potentially between States and non-State entities as well.
The rapid US-China race to innovate in AI will have profound and destabilizing
implications for future security. Since both sides are internalizing such technologies,

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each side is likely to conceive very differently about them. Chinese-American


prejudices, preferences and other cognitive biases will be codified and inserted into
autonomous weapons. Under conditions of crisis and conflict, prejudicial biases
will exacerbate the underlying distrust and misperceptions between the US and
China. Those technical challenges would increase the perception in Washington
that Beijing intends to exploit AI to fulfill its geopolitical ambitions, and vice versa.
But although the Sino-American competition for autonomous weapons is not yet a
security dilemma, several concerns emerge from the situation:

(I) A security dilemma is an unstable and dangerous situation, with


uncertainties, miscalculations and struggles for power. Although there
are alarmists who compare the competition in question to an arms race,
it may still be more sensible to view AI as a transformative technology
with practically endless applications politically, economically and socially
– as happened in the past with electricity, which was used to great human
progress, but also brought a range of unintended consequences.

(II) Although the situation does not reach the level of a security dilemma,
China and the USA are competing fiercely for the potential gains of AI,
which may trigger a real security dilemma;

(III) Chinese and American public policymakers should manage to


understand the possible political (i.e. compromised democratic elections),
economic (replacement of human workers by machines) and ethical (related
to privacy, advancing cyber war, etc.) implications of the application of AI,
but as a rule one should not fear every instance of its implementation.
(BROWN, 2020, p. 33-34).

Although the fast adoption of AI technologies can transform war on several


fronts, it carries new risks that will have to be reconciled with the broad integration
of algorithmic systems in military functions worldwide (JENSEN; WHYTE;
CUOMO, 2019). In the same places where the new technology promises to transform
the characteristics of military power, it also complicates the cognitive aspects of
decision and bureaucratic interactions in security institutions. The speed with which
AI systems enable new forms of war also destabilizes human agency in conducting it.
Technology reshapes human daily life and behavior through algorithms. Individuals
gradually lose autonomy, becoming mere points in a global information grid. Every
time one communicates digitally, he/she reconnects to the network as a transmitter
and activate one’s brain’s reward circuits (that’s why digital technology is so addictive).
Thus, humanity is experiencing a change in the relationship with technology, in

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74 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

addition to its agency capacity and changes in the brain’s neural pattern, as humans
start to use what is programmed in machines to manage themselves: the internet
search engines manage individuals by reading their thoughts, directing them to what
they decide each individual would consider interesting. Algorithms also monitor brain
rhythms, heartbeat and eye movements of drone pilots, checking their attention and
concentration at work. A pilot can be disconnected if he/she is considered to be at risk
of becoming very stressed, being the task transferred, consequently, to another person
who is momentarily more capable (COKER, 2019, p. 56).
Autonomous weapons will outperform the human in moral situations, as the
human situation encourages the loss of human control, and many of the immoral
actions that result from it (COKER, 2019, p. 58-59). Robots, by comparison, do not
have the same fighting dynamics as humans, as they do not have the same prejudices
against enemies, nor would they have the propensity to value preexisting belief
patterns, or human feelings such as guilt and shame.
AI will drive the war even more because of technological factors – with
mankind being increasingly absorbed by them, and they by mankind, in a symbiotic
and post-human situation. AI-oriented systems will be less and less considered
as tools, and more as collaborators. Machines are better than humans for routine,
repetitive and incessant situations (such as risk monitoring, information gathering,
data analysis and pattern discovery, if any, reacting quickly and operating other
machines). This demands a change in the humans’ attitude towards the machine
(from master to colleague) – otherwise, the human can become excessively
dependent on it and lose independent agency.
Regarding the development and use of autonomous weapons, there are
positions that consider them ethically inadequate, being the removal of humans
from death control a sufficient premise to ban autonomous weapons. Due to the
relatively low cost of this type of apparatus/systems, the possibility of programming
their algorithm with moral rules, and the possibility of removing humans from the
front lines of combat, these technologies must be developed and used in conflicts.
Furthermore, autonomous moral weapons may be the only entities capable of making
genuinely ethical decisions about destroying their targets. However, there are
requirements for its use:

(I) Such entities must have systems of guidance and judgment equal to or
greater than the abilities of human beings;

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(II) There must be the incorporation of moral programs with which all
parties agree in them (relating, for example, to the Law of War and IHL);

(III) The ignorance of these requirements would subject the responsible


ones to international pressure and sanctions;

(IV) New protocols, referring to autonomous weapons, must be added to


international norms related to war. (UMBRELLO; TORRES; DE BELLIS, 2019, p. 8).

Thus, a design that ethically directs the development of autonomous weapons


can be proposed – value-sensitive design, with principles that incorporate the
values of stakeholders in a project, encourage cooperation and coordination
of stakeholders and, with that, promotes the social acceptance of autonomous
weapons as a future fact preferable to war involving human losses (UMBRELLO,
2019, p. 30). Technologies are always imbued with values, implicitly or explicitly. The
development of an international autonomous arms governance is vital, therefore.
And through the value-sensitive design approach, along with the incorporation of
IHL as a basis for determining design requirements, such autonomous weapons
could incorporate ethical-legal values.
Levinghaus (2016, p. 119-122) presents interesting points related to ethics in
the use of autonomous weapons. Firstly, at the current stage of technology, it is
impossible to design a weapon that, once programmed, fulfills with high reliability
the ideally constructed premises regarding the criterion of distinction – the ability of
machines to distinguish between legitimate and illegitimate human targets. And from
the perspective of IHL, autonomous weapons that are unable to distinguish are illegal.
But autonomous systems capable of distinguishing between various types of objects,
which autonomously track and destroy (inhuman) enemy objects are by no means
unethical or illegal, as their use is not related to human destruction.
It is also important to address the blanks in responsibility, which arise in
situations where no one can be liable for the use of force during armed conflicts.
In the case of using autonomous weapons, there is no possibility of configuring
non-accountability. Here the issue is very much concerning to increase individual
risk by sending autonomous weapons for warfare action. In other words, one must
always question how safe autonomous weapons are – as enemy hackers could
invade them, for example. Thus, interdisciplinary approach – between normative
and cognitive knowledge about autonomous weapons – must be carried out.
It is also interesting to note the temporality of the liability assessment, which, at
the first glance, is retrospective (relative to past facts). However, a so-called prospective

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76 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

responsibility can also be considered, obliging interested parties to create adequate


structures to prevent accidents. Thus, adequate standards of prospective responsibility
for the use and development of autonomous weapons must be guaranteed, and the
risks arising from their deployment by the military and weapons designers must
be mitigated – as they are the ones who must carry out regular reviews of arms
technologies to ensure that projects meet standards relevantly.
Fully autonomous weapons, having a range of thousands of kilometers and the
power to choose human targets, endanger the responsibility for warlike actions, and
can undermine human dignity in some scenarios at the same time, even if they behave
in an IHL compatible manner (HOROWITZ, 2016, p. 33-34). While it is possible to
resolve (or mitigate) this problem through training, accountability rules and restricting
scenarios for the use of such weapons, this area requires further investigation.
Autonomous military systems can create significant moral dilemmas because
of total authority, not just complementary to human judgment, that could be given
to the operating system – which would make human beings ethically less relevant
to war decisions. However, such systems are not yet possible, and it is unlikely that
humans will give up this level of control over war. It is necessary, therefore, to rethink
the theory of war based on the use of autonomous weapons, as they, on the one
hand, can increasingly alienate humans from the relevance of conducting war; on
the other hand, the war itself could become more precise, involving less unnecessary
human suffering. In any case, it will be essential to ensure that the human element
remains the central protagonist of the war.
The efforts to minimize the risks of AI in the military field should be focuses not
only on issues of definition related to autonomous weapons, but also on binding
principles for responsible AI’s research (SURBER, 2018). In this sense, the use of the
term autonomy for technological artifacts must be considered a synonym for the loss
of human control and responsibility for the results of technological processes. The
guiding principles of AI research may require programmers and engineers to develop
only technological artifacts whose results will remain controllable by humans, and
for which they will always be responsible. It would be advisable to also group
principles identified by initiatives of professional organizations and representatives
of the private sector on the issue, and to create an international body to oversee
compliance with such standards.
An introduction of software codes and algorithms in a legislative process would
require the creation of a constant political-technological interface through, for

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example, fixed State departments for AI. A constant dialogue between technology
experts and politicians in an institutional integration can limit the risk that
programmers and policymakers will surpass the responsibility for the immoral
results of autonomous systems. In addition, such an idea would require the source
codes to be publicly accessible.
Several reasons to support the attack on the human dignity of autonomous weapons
can be listed, and perhaps the main ones are (SHARKEY, 2019): (I) the suppression of
human agency over other people’s life and death decisions (thus, totally subjugating the
human to the autonomous action of the machines); (II) the possibility of disrespecting
meaningful human control over such systems/apparatus. There are many technological
applications that affect human dignity (such as chemical weapons, nuclear weapons,
biological weapons), in addition to the fact that human behavior itself may harm the
dignity of others (by causing unnecessary suffering).
Thus, only human dignity cannot be considered a very reliable basis for
arguments against autonomous weapons when compared to other means and
weapons of war. The risk to human dignity is only one of the reasons for banning
autonomous weapons and maintaining human control over them – and yet, it
is perhaps not the most attractive. It is more intelligent to resort to various types
of objections in arguments against autonomous weapons, not just to human
dignity – not least because there is no philosophical consensus about their
meaning. Three other classes of arguments must be added to dignity, then:
(I) non-conformities of autonomous weapons to IHL;
(II) need for significant human control in the use of technology;
(III) deleterious consequences of using such technology for global stability.
AI weapons would create new arms race that would put everyone at risk,
but much more widespread than the nuclear weapons race, as they are cheaper
and much easier to develop independently. States will be better off preventing the
development and implementation of such systems. Preventive governance structures
should be implemented with limits on the development of AI weapons with the
potential to violate IHL (GARCIA, 2019, p. 340).
Warlike AI will make war more inhumane, because attribution of responsibility is
a necessary element to hold war criminals liable, and these weapons make liability
much more difficult. Currently, nations have one of the greatest opportunities in history
to promote a better future, developing preventive security structures that preventively
prohibit AI armament and ensure that such technology is used only for the common
good of humanity.

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78 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

2.1 On the importance of meaningful human control


Meaningful human control emerged as the most promising starting point for
a holistic approach to the regulation of autonomous weapons in Geneva between
2014 and 2015, and it seems to have become a contemporary trend in the debate
on the matter (BHUTA; BECK; GEISS, 2016, p. 381 et seq.). There is a contradiction,
however, in the possibility of significant human control in the context of
autonomous weapons – as once there is significant human control, there cannot
be complete autonomy for machines. So, such a notion seems to be just a synonym
(more constructive and pleasant internationally) for a ban on total autonomy
over certain critical functions of an autonomous weapons system. Furthermore,
although human control is seen as an ambiguous principle, the States that form
the European Union have helped, within the framework of UN discussions on the
topic of lethal autonomous weapons (LAWs), to enshrine it as the new organizing
principle to regulate question (BARBÉ; BADELL, 2020, p. 147).
At the most basic normative level, meaningful human control can be developed
from two premises (ROFF; MOYES, 2016): (I) a machine that applies force and
operates without any human control must not be accepted; (II) a human being
simply pressing a start button in response to cues from a computer, without clarity
or cognitive perception, is not enough for substantive human control. Although
diplomatic responses to the concept of meaningful human control tend to focus
more on the term meaningful, such an expression generally indicates only the need
for the political community to outline what forms of human control are needed. This
process may be based on general control principles as cumulatively constituting
previous, concomitant and posterior control mechanisms in relation to the use of
force – thus the following principles result from that thought:
(I) Predictability: it must be possible to predict the consequences, within
humanly understandable parameters, regarding the design of a technology, and
the production, storage and maintenance of its apparatus, and the provision of
accurate information throughout the system must be maintained;
(II) Reliability: the technology must be designed to offer reliability – and also to
degrade itself in case of malfunction, preventing catastrophic failures (which is
an important control in case of exogenous events or shocks);
(III) Transparency: the technology must be designed in a way so that it becomes
possible, if necessary, to interrogate the system in order to clearly, intuitively and
humanly inform users/ operators about the decisions, objectives and logic used

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by the system in carrying out its actions – and its design must be focused on its
actual user, not for an ideal one;
(IV) Accuracy of information: the user must have accurate information, in order to
understand the intended results (purposes), the technology and the processes
applied by it, as well as the context in which it is supposed to work;
(V) Possibility of timely human intervention: a human user must initiate the
operation of a certain technology while the contextual information on which
they are acting is still relevant. Furthermore, although systems may be designed
to operate more quickly than it is humanly possible, there must be resources
for timely intervention by another system, process or human being;
(VI) Existence of responsibility with a certain standard: liability for use of a
technology must be conceptual and practically linked to the potential for
timely human action and intervention. In addition, it must reaffirm who holds
it (due to processes initiated), condition the technical system (ensuring that its
users/operators understand the consequences for their actions or omissions),
and focus on broader sets (organizations, for example) that produce such
technological devices and systems – although it may initially fall on human
agents related to the system.
The specification of the sufficiency level is difficult to detail, but the technological
categories can still be assessed based on those considerations. Technological
limits, such as automation and autonomy, may represent different capacities of
predictability, reliable information about the context of use, timely intervention or
consideration of responsibility. In addition, any extension of the legal concept of
what an attack is can also be challenged in the face of the challenges that these
regulatory requirements present. In fact, the meaning of the expression attack is
particularly important, because the texture of the law is open – which makes it both
beneficial and harmful: beneficial because its interpretation can change as needs
arise; and harmful because they can be changed arbitrarily as well. The mere duty
of conformity is not sufficient when key terms can be interpreted so openly in the
context of autonomous weapons, to the point of emptying any argument in favor of
the application of human legal judgment.
Being functioning of human communities also dependent on the knowledge and
compliance with social norms. The possibility of justifying their violation in favor of
more important ones, it is necessary that the artificial agents, when becoming part
of the human communities, must follow such norms too – contextualized, of course,

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80 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

according to peculiarities pertaining to them, and the norms that compel human
conduct must be known by them as well. But moral judgments are not only based
on compliance with the rules, as reasons are also needed to motivate the action
(SCHEUTZ; MALLE, 2020). Thus, the humanly possible transparency of the reasons
that led a machine to decide on a certain standard is fundamental – which includes
justifying its actions according to applicable standards.
If machines enter society, deciding on humans’ lives and deaths, or assuming
socially influential roles, they will have to be able to decide and act in a normatively
compatible manner, expressing their knowledge of applicable rules before the
action, and offering appropriate justifications, especially in response to criticism,
after action. Thus, it is up to humans to design artificial agents and provide them with
this form of normative competence that will serve as a social safeguard, ensuring
that they are able to improve human condition.

3 On the difficulties related to the regulation of the use of AI in warfare by IHL


Arms races can be managed, targeted, or even prevented (MAAS, 2019,
p. 303-304). Their regulation may be direct (by coalitions/national political
regimes), by downwards-elaborated norms, or upwards, through the establishment
of epistemic communities – small and properly organized communities of specialists.
But they are limited when it comes to military AI, given the limited consensus on
the ethical character of such technologies. Furthermore, the window of opportunity
to coordinate such a community and institutionalize global norms on military AI
may already be closing – and this is even worse because the current debates in the
nascent epistemic community about that issue have too narrow objectives, which
concern the insertion of the human control over such systems/apparatus.
The nascent epistemic community that fights military AI should look beyond
its focus on banning LAWs just for ethical and legal reasons. While valid, a more
effective and comprehensive control effort for military AI can cause this epistemic
community to reorganize and readjust itself – but the community must support the
entire portfolio of justifications that historically drive arms control – which include
not only ethics and legality, but also strategic stability and security. This approach
is more likely to affect policy, as it offers more plausible justifications for actors
sympathetic to the control of military AI, which helps in the dissemination and
institutionalization of standards, in addition to directing control efforts across the
entire spectrum of risks presented by military AI.

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With regard to non-state actors, it is also necessary to make technology


companies, when deciding to undertake efforts to develop autonomous weapons,
educate themselves about IHL and participate in the debates focused on AI
security (LEWIS, 2019). In other words, a more informed approach by business is
recommended, benefiting from history, Law, principles and practices that have long
been designed to promote humanity in war. These steps can help to constructively
regulate the use of AI in war.
It is hard to believe that States someway would agree to go back to a situation
without using autonomous weapons (ETZIONI; ETZIONI, 2017, p. 79-80). Thus, perhaps
the most promising way to regulate them is, initially, to determine whether it is
possible to enter into fully autonomous international arms prohibition agreements
with missions impossible to abort or retrace – because if they malfunction and reach
civilian centers, it will be impossible to stop them, analogically to what happens to
unexploded landmines placed without marking.
Several organizations of civil society are actively pushing for a ban, including the
Future of Life Institute and Stop Killer Robots Campaign. In addition, several States
have been discussing complex weapons under the United Nations Convention on
Certain Conventional Weapons (CCW) since 2014. A group of governmental experts
(GGE) on lethal autonomous weapons met for the first time in 2017, but their work
has progressed much slowly hitherto – with divergences in definitions, methodology
and the expected scope for negotiations, among other reasons. There is no consensus
on the desirable scope of any prohibitions to be imposed on autonomous weapons,
and the military powers remain cautious about introducing severe restrictions on
the use of these technologies (GARCIA, 2019). Nevertheless, the involved States
agree that, despite the dubious nature and rapid development of those technologies,
progress in the AI sector and civil applications should not be hindered. Furthermore,
they agree that IHL must be respected. Significant human control is advocated by
most countries, especially with regard to target selection and attack.
There is no direct and specific legal restriction on the use of fully autonomous
combat systems currently – however, the use of such weapons contradicts IHL
rules. Furthermore, a comprehensive ban on the development and use of robotic
technologies is unlikely to be possible. The most plausible scenario for solving
the problem internationally is just a ban on the direct use of this type of military
equipment during armed conflicts. At the same time, it is necessary to outline the
acceptable areas for the application of robotic technologies, being medical and

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82 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

logistical support for military operations, military construction, and bomb removal
robots, the most advisable areas for their use (YURIEVICH et al., 2019).
The most likely scenario for drawing up an international agreement on the
problem of deadly automatic systems is not a comprehensive ban on the development,
use and distribution of technologies without meaningful human control, but a ban on
the use of this type of military equipment. Moreover, considering the political and
economic interests in the current global scenario, the likelihood of a swift adoption of
a commitment document is not high. More importantly, the regulation of autonomous
weapons must establish in which areas their use would be acceptable.
An international regulation for LAWs must give fundamental importance to
significant human control – and in that sense, although the UN is perhaps the best
option for international regulation of the issue, it faces different dimensions of
challenges due to the exponential growth of the AI (SETHU, 2019, p. 367): firstly,
the UN is the appropriate international legal framework for the regulation of AI
in its warlike use, as that organization is the main bulwark for the protection of
human rights and the application of IHL – and AI weapons can be used in times of
war as well as in times of peace and, for that reason, both human rights and IHL
will have to converge. Secondly, legal parameters to solve the problems related to
the use of LAWs must be precisely defined – for that, it is pertinent to define the
principiological foundation of meaningful human control, which will shed light on
the mental element of crime or the necessary area of the commitment of a crime.
Nevertheless, there are inconsistencies and disagreements between States in
obtaining a uniform definition of the meaning of such a foundation – therefore, the
UN plays the fundamental role of reaching consensus.
Automated weapon systems will become commonplace in the future war, not
least because AI-based data analysis is unmatched in terms of human knowledge.
However, human intervention is crucial when considering ethical issues based on
machine judgments, and the humanization of war should be the area of concern for
IHL in this sense, since the implications of the warlike use of AI will affect future
global developments based on disruptive warfare technologies. The use of automated
weapon systems in external warfare must remain under human control – otherwise,
it can turn against people, causing unnecessary civilian losses. The social challenges
regarding the use of such technology are critical, especially in view of the religious
and cultural influences, which weigh heavily on military personnel regarding the use
of autonomous weapons.

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The problem with agreeing to a general and preventive ban on autonomous


weapon systems lies in the possibilities of evasion to it. Scholars continue to
debate definitions about autonomy, agency, technical resources, operational
aspects and appropriate supervisory human control in the context of
autonomous weapons. Finding a State consensus for definitions about them in
the UN Convention on Certain Weapons, which underlies negotiations on legal
regulation, hardens the process (BODE; HUELSS, 2018). Regardless of whether or
not a ban is imposed, autonomous weapons will shape understandings of what
is practically appropriate and thus replace a deeper political-social debate about
what is normatively acceptable about them. It is necessary to be aware of such
normative consequences of autonomous weapons to assess the role they will play
in future security policies and in international relations in general.
While some States are calling for a preventive ban on LAWs, most of the international
community is considering using them as a possibility. However, the objective of acquiring
such systems varies between political systems. Democracies, motivated by the possible
reduction in the loss of human life in war activities, would need to invest significant
resources to reach the needed high levels of human-machine interactive technology
to make possible the use and development of LAWs. In authoritarian systems, however,
LAWs could mean a costcutting for dictators wishing to repress protesters when police
or soldiers are resistant to the use of lethal force (WARREN; HILLAS, 2020, p. 840).
Multilateral forums engaged in discussions on LAWs have focused more on combat
scenarios than on repression of popular movements hitherto – but for an effective
global regulation which could refrain non-state actors to proliferate them, the causes
by which LAWs are being adopted in each country must be addressed.
UN members are aware about the risks posed by terrorists and how autonomous
commercial technologies can be readjusted and armed, but there is no consensus on
a multilateral response to that threat, and domestic responses would vary. For China,
which seeks civil-military integration in which the public and private sectors are
confused, AI seems to be already being nationalized. On the other hand, democracies
seems too vulnerable, as it is more difficult to coerce transnational corporations
into promoting a governmental agenda. Thus, the US response indicates that
China perhaps has a more conducive system to a viable and mutually beneficial
relationship with those entities.

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84 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

3.1 IHL Principles as the Foundation for the Future Regulation of the Military Use
of Artificial Intelligence

In IHL, Article 36 of the Armed Conflict Protocol-1, ratified by Brazil, together with
Protocol 2, by Decree 849, to the 25th of June, 1993 (BRAZIL, 1993), determines that
the study, development, acquisition, adoption of new weapons and the prohibition
of their use when attacking an enemy, must observe the following principles of
international humanitarian aid (MATHEW; MATHEW, 2019). In addition, the following
principles must also be observed:
(I) Distinction (arts. 50 to 54): civilian people or objects cannot be attacked,
and harassing civilians who do not participate in any hostilities is considered
a heinous crime, meaning the complete failure of the Armed Forces to identify
the specific target. The hideous character of such a crime also includes weapons
that cannot be discriminated (such as chemical and biological ones);
(II) Proportionality (art. 35): counterattacks must be proportional to the offenses
that provoke them, and the weapons used must avoid damaging civil people or
objects, when compared to the expected military advantage they offer;
(III) Precaution (articles 57 and 58): it is illegal to cause excessive damage when
comparing the action to the general military advantage, and the leadership
defines what is an extreme loss. Specific precautionary measures must be taken
to protect soldiers, and the attack must be carried out so that warnings of its
occurrence are issued whenever possible.
Responsibility blanks regarding to the use of LAWs could be reduced, and thus,
respect for people could be shown, as even when machines make all the decisions,
it would be possible to align the effective development of AI with human moral
commitments, and thus, to be in compliance with international war conventions
(PFAFF, 2019, p. 148-150). Then, eliminating or strictly reducing the use of LAWs is out
of the question. The development and use of LAWs could prevent war or reduce the
damage caused by war activities as well – however, LAWs could encourage militaristic
responses even when other non-violent alternatives are available, resulting in
atrocities for which no one would liable, and this would desensitize militaries to the
murder they commit. In order to promote the first and avoid the second, the following
measures should be considered by States to ensure the ethical use of LAWs:
(I) IHL update, establishing normative standards that include human
responsibility for the behavior of autonomous systems – also regarding the
quality of information and assessments that machines provide, ensuring that

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systems are used only in conditions for which they were designed with ethical
performance, and the monitoring of the interactions between the environment
and the machine (being that operations must be interrupted when conditions
change in a manner that could make violations possible);
(II) Establishment of accountability standards for employees, programmers,
designers and manufacturers for violations – especially because trust conditions
of commanders and operators of LAWs heavily depend on guarantees that the
machine meets moral and functional standards of operation;
(III) Maintenance of a reasonably high limit for use, using autonomous systems /
apparatus only when the conditions of the jus ad vim (fair use of force) are met;
(IV) Specification of conditions for the use of LAWs, in order to guarantee
meaningful human control and the maintenance of trust – conditions that must
be updated along technological developments, avoiding further blanks and
antinomies between the effective use of AI and moral commitments;
(V) Establishment of AI proliferation patterns that, at a minimum, include a
commitment to employ these systems only in conflicts that meet the standards
of jus ad bellum and jus in bello. Furthermore, there must be a strong presumption
of denial to the recipients of the technology who, in the past, have been weak in
their commitments to these standards;
(VI) Preservation of the identity of the human military personnel, being health
treatment offered for possible desensitization and psychological trauma;
(VII) Development of a communication plan to explain the ethical framework for
the use of AI to the public, the media and the legislature.
The UN GGE on LAWs has emphasized the need for the development
and use of such systems in accordance with IHL. However, with regard to the
governance of autonomy in arms, there is a blank in actual IHL, as challenges raised
by LAWs overcome issues of compatibility with IHL, including critical issues related
to ethics, morality and fundamental values that are critical for mankind (CHENGETA,
2020). The shortcomings of the legal regime regarding LAWs mainly concern the
responsibility blanks that appear when such technology is used. Such blanks cannot
be solved by ignoring their existence, or by creative interpretations of the existing
law, or even through political statements without legal force, being the development
of a binding instrument on LAWs essential.
The use of LAWs would undermine the whole paradigm of war, and its
application in combat is inherently incapable of fulfilling the distinction and
proportionality fundamental principles of IHL (SZPAK, 2020, p. 11). It is important to

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86 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

prohibit, under treaties, any development, production and use of fully autonomous
weapons currently, when technology has not yet developed fully autonomous weapons
(although this is not dystopian or distant). But until the conclusion of such a treaty,
the rules of armed conflict in IHL must apply to LAWs. The proposed treaty should
define what is an autonomous weapon, as well as what roles and functions are
allowed for their use (defensive functions, such as guarding military installations
and no-fly zones, target identification, reconnaissance, mine dismantling and aid to
victims). Autonomous systems are not able to understand subjective factors, such
as intention and ambiguous behavior hitherto – and this is even more problematic,
regarding IHL, when the unclear definition of who are the civilians a conflict is
recalled. Uncertainties, sudden changes, and dependence on context/environment,
demonstrate the incompatibility of LAWs in terms of distinction and proportionality
(BRENNEKE, 2020, p. 91).
In terms of proportionality, collateral damage could be more easily estimated
with the use of AI, but the element of military advantage is too obscure, complex
and subjective, given the myriad of information from various sources. The rule of
proportionality in IHL is openly formulated and, ultimately, depends on morality in
a way that requires battlefield experience and general awareness – characteristics
that LAWs currently do not have, and that will not be technologically acquired soon.
However, the deployment of LAWs in permissive environments is highly unlikely
to violate IHL rules. In addition, the obligation to take precautions in the attack
depends on the rules that establish distinction and proportionality (BRENNEKE,
2020, p. 92). It is also questionable whether such systems could adequately detect
and treat injured or surrendered soldiers. The situation is also complicated by the
fact that the viability of actions on the battlefield is impossible to formulate in
abstract or binary terms.
LAWs are relatively close to a future incompatible with the applicable rules of IHL,
at least as far as common types of battlefields of the present are concerned. But the
fewer people and civilian objects in a given environment, the greater the likelihood
that LAWs will not violate IHL. If scientific research achieves major advances leading
to adherence to the most important distinction, proportionality and precautions in
attack, it will require a considerable amount of time and effort. So far, mankind must
remain in meaningful control of the war actions to guarantee the observance of IHL
during conflicts – although this guiding principle is still received with criticism
by the main global military powers (mainly Russia and the USA). Consequently,

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Mateus de Oliveira Fornasier 87

uncertainties remain about the legal and political paths to follow. States’ proposals
range from a legally binding treaty to a political declaration with no further action.
On the other hand, technological progress should not be neglected, but used
consciously to improve military capabilities and legal conduct (in the light of IHL)
(BRENNEKE, 2020, p. 93).
In addition, deep machine learning can create a logic for decision making,
different from the initially programmed one, developed completely by the machine
and humanly incomprehensible (HUGHES, 2020, p. 127-129). In this sense, inexplicable
algorithms would present a significant risk if the characteristics of the target on which
the algorithm is focused are not humanly known and, inexplicability, would impair
a weapons reviewer’s ability to evaluate weapons using such algorithms. A poorly
understood review would prevent commanders and operators from doing their jobs.
The use of opaque algorithms would also cause skill problems, and if something
goes wrong, they can create intractable problems for due process and accountability
regimes. It is clear that human mental processes, which are also complex and
problematic, are mostly accepted for such purposes – however, mankind still has
the possibility to choose (or not) the inexplicability of the algorithm, while the
inexplicability of the human psyche is inevitable. It is recommended, therefore, to
understand deep learning as still being inherently problematic due to the richness
of the algorithm’s opacity.

4 Conclusion
Autonomous weapons make decisions without any human intervention,
selecting and attacking targets. They are developed on the basis of computation and
robotics, and may come to combat humanity. This must be considered normatively,
otherwise, humanity will irreversibly depend on the machine for moral decisions.
The use of autonomous weapons in warfare can undermine human agency, then;
however, their use could also end the perishing of human lives in military actions
– and for that reason, there are those who defend their use, as long as the IHL is
respected, which would be programmed in their algorithms (value sensible design).
In addition, fundamental norms must also be observed for the assessment of the
ethical and legal character (according to IHL) related to the criterion of distinction
(ability of such apparatus to distinguish between human and inhuman targets, and
between legitimate and illegitimate human targets as well), to overcome gaps in
responsibility for the risk of such weapons. In addition, the prospective responsibility

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88 The regulation of the use of Artificial Intelligence (AI) in warfare

of the military and weapon designers – who must create sufficient standards and
strategies to avoid negative contingencies in the use of such weapons – must also
be normatively developed.
Disrespect for human dignity is inherent in the development and use of
autonomous weapons – and that factor must be weighed to approach their risks.
In other hand, this is not something exclusive to such technology, which makes it
fallacious to exclusively use the dignity argument to support the ban of the use
of such weapons. It must therefore be added to reasons such as non-conformities
with IHL, the need for significant human control, and the deleterious consequences
of the development and use of such technology for global (political, economic,
environmental, etc.) stability. From the fundament of significant human control,
a list of principles can be outlined, such as predictability, reliability, transparency,
precision of information, possibility of timely human intervention and the existence
of responsibility regarding certain standards.
The regulation of autonomous weapons with a basis on international regimes is
something valid and powerful, but it must be added to the efforts of nascent epistemic
communities that fight against their proliferation. However, such communities must
draw on experience (mainly on nuclear weapons control), going beyond the ethical
and legal study of the possibilities of human control over autonomous weapons.
Strategies to sensitize political authorities to the possibilities of human control
should also be promoted, seeking to demonstrate not only the risks of their use,
but also the advantages of using AI for the stability and security of States and
international regimes.
There is still no specific regulation of International Law on the development
and use of autonomous weapons. It is counterproductive to expect a total ban on
the use of AI in war. Thus, it would be interesting to prohibit its use against human
lives (which is already supported by IHL) and to encourage it in auxiliary areas – such
as medical and logistical support, bomb dismantling, removal of victims and civilians
from battlefields, etc. The principles of distinction, proportionality and precaution,
enforced in IHL conventions, therefore, can initially parameterize the regulation of the
military use of AI.
National and international regulations on the use of autonomous weapons
must be established, and IHL must be updated to address also the peculiarities
of that technology – always paying attention to the need of maintain meaningful

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Mateus de Oliveira Fornasier 89

human control. In addition, accountability must also be established for developers


and manufacturers of such weapons, in addition to military users.
At the interface between IHL and technological advancement, the principles
of distinction (between civilians and non-civilians) and proportionality are still the
most problematic practically and theoretically. They are not yet technologically
conceivable, as they are highly dependent on context, environment and on a general
morality which is still impossible to be learned, currently, by algorithms. Therefore,
if IHL compliance with the adoption of lethal autonomous weapons is really desired,
meaningful human control – even though it is subject to much theoretical, military
and political criticism – is still necessary. The impossibility of explaining the
algorithms would make it extremely difficult to hold legal accountability regarding
the risks of the use of military devices that use them.
Efficient regulation of the use and development of autonomous lethal weapons,
on a global level, must consider not only warfare scenarios, but also the possibilities
of their use in the repression of social movements – which further complicates that
issue, as the degree of democratization of each State variably motivates the use
of such weapons. The UN is perhaps the most appropriate entity for international
regulation of the military use of AI, mainly due to its tradition in Human Rights
and IHL. However, the lack of consensus on the basis of meaningful human
control – perhaps the most important for the discussion of the normative parameters
of autonomous weapons – brings a very pertinent complexity to be assessed.

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4
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A judicialização de medicamentos sem


registro na ANVISA e o posicionamento
do Supremo Tribunal Federal para a
solução da problemática
ALESSANDRA BRUSTOLIN
Mestra em Ciência Jurídica (UENP).

EDINILSON DONISETE MACHADO


Doutor em Direito (PUC-SP). Mestre em Direito (UNESP). Professor Titular
(UNIVEM) e (UENP).

FELIPE CALDERON-VALENCIA
Doutor em Droit pela Université Panthéon-Assas (França). Professor-Pesquisador
da Universidad de Medellín (Colômbia).

Artigo recebido em 8/7/2020 e aprovado em 22/4/2021.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A abrangência do direito à saúde constitucionalmente estabelecido


3 O papel da função jurisdicional e o comportamento do STF nas demandas de medicamentos
sem registro na ANVISA 4 A repercussão do posicionamento do STF no cenário de saúde
5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Ainda que não exista um consenso sobre as causas da judicialização da


saúde, estudos recentes apontam de forma incisiva que o Supremo Tribunal Federal
(STF) pode estar criando obstáculos para a sua solução. As demandas relacionadas a
medicamento ocupam lugar de destaque no cenário da judicialização e, especialmente
aquelas que envolvem o requerimento ou concessão de fármacos sem registro
perante a ANVISA, têm sido objeto de discussão. Nesse sentido, o estudo analisa
criticamente o direito à saúde constitucionalmente estabelecido, a postura adotada
pelo STF nesses casos e as suas repercussões no cenário de saúde. Constatou-se que
o posicionamento da Corte revela incongruências, o que repercute diretamente em
questões orçamentárias relacionadas ao financiamento com políticas e serviços de
saúde. Os métodos utilizados foram o dedutivo e a análise de caso de Robert Yin.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à Saúde Medicamentos Sem Registro na ANVISA STF


Análise de Decisão Repercussão Judicial.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 95-123


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2298
96 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

La judicialización de medicamentos sin registro en ANVISA y el posicionamiento del


Supremo Tribunal Federal para la solución del problema
CONTENIDO: 1 Introducción 2 El alcance del derecho a la salud constitucionalmente establecido
3 El rol de la función jurisdiccional y el comportamiento del STF en la demanda de medicamentos
sin registro ante ANVISA 4 La repercusión del posicionamiento del STF en el escenario de salud
5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: Si bien no existe consenso sobre las causas de la judicialización de


la salud, estudios recientes han señalado de manera significativa que el Tribunal
Supremo Federal (STF) puede estar obstaculizando su solución. Las demandas
de drogas ocupan un lugar destacado en el escenario de la judicialización y,
especialmente, aquellas que involucran la solicitud o concesión de drogas sin
registro en ANVISA, han sido objeto de discusión. En este sentido, el estudio
analiza críticamente el derecho a la salud constitucionalmente establecido, la
postura adoptada por el STF en estos casos y sus repercusiones en el escenario
de la salud. Se constató que la posición de la Corte revela inconsistencias, lo que
incide directamente en cuestiones presupuestarias relacionadas tanto con el
financiamiento con políticas y servicios de salud. Los métodos utilizados fueron
las análisis deductivo y de decisión de Robert Yin.

PALABRAS CLAVE: Derecho a la Salud Medicamentos Sin Registro en ANVISA STF


Análisis de Decisiones Repercusión Judicial.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 95-123


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Alessandra Brustolin — Edinilson Donisete Machado — Felipe Calderon-Valencia 97

The judicialization of medicines without registration with ANVISA and the


positioning of the Supreme Federal Court for the solution of the problem
CONTENTS: 1 Introduction 2 The scope of the constitutionally established right to health
3 The role of the jurisdictional function and the behavior of the Supreme Court in the demands
of medicines without registration with ANVISA 4 The repercussion of the position of the
Supreme Court in the health scenario 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: Although there is no consensus on the causes of the judicialization of


health, recent studies have pointedly pointed out that the Supreme Federal Court
(STF) may be creating obstacles to its solution. Demands related to medication
occupy a prominent place in the judicialization scenario and, especially those
involving the application or granting of drugs without registration with ANVISA,
have been the subject of discussion. In this sense, the study critically analyzes the
constitutionally established right to health, the posture adopted by the STF in these
cases and its repercussions in the health scenario. It was found that the Court's
position reveals inconsistencies, which directly affects budgetary issues related to
both financing with health policies and services. The methods used were Robert
Yin's deductive and case analysis.

KEYWORDS: Right to Health Medicines Without Registration at ANVISA STF


Decision Analysis Judicial Repercussion.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 95-123


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2298
98 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

1 Introdução

A judicialização da saúde se tornou uma difícil questão, que vem sendo


trabalhada pela academia sob diferentes vieses. Esses estudos têm como
centralidade desde a formulação até a aplicação das políticas públicas. Apesar de
estes pontos se integrarem quase de forma adjunta à discussão que se pretende
estabelecer, o olhar lançado à problemática por este estudo se dá a partir do direito
constitucionalmente estabelecido e da interpretação constitucional por parte do
Supremo Tribunal Federal (STF).
O poder judiciário brasileiro, especificamente o STF, detém o poder de definir
a abrangência do direito à saúde na fase interpretativa, diante da indefinição
constitucional e, assim, ditar as regras do jogo do que é ou não tutelado. Nos
casos de omissão ou deficiência no agir do Estado que comprometa a eficácia de
direito fundamental, o artigo 5o, § 1o, da Constituição federal (CF/88), ao conferir
aplicabilidade imediata a esses direitos, possibilita que eles sejam reclamados
perante o judiciário. Essa tutela jurisdicional é consensualmente designada
nos trabalhos produzidos sobre o assunto como positiva, mas isso não a afasta dos
problemas decorrentes.
A judicialização de medicamentos tem sido responsável pela maior parcela
das demandas individuais no Brasil e a questão que envolve a concessão de
medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA1
ocupa local de destaque nesse cenário. Questiona-se se a atuação do STF não estaria
criando obstáculos para a solução desta problemática, tendo em vista a ausência de
critérios racionais para a concessão de medicamentos.
Com o julgamento do RE 657.718/MG em 2019 esperava-se que o STF
estabelecesse, em repercussão geral, critérios capazes de servir como orientação
para instâncias inferiores. Todavia, os parâmetros fixados seguiram as mesmas
balizas que já haviam sido traçadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em
decisão no REsp no 1657156/RJ (BRASIL, 2018) sem apresentar ou aproximar uma
solução para o problema da judicialização.
Esse posicionamento pode gerar repercussões negativas no cenário de saúde.
Estudos recentes, na contramão do caminho trilhado pela produção acadêmica, têm
apontado que, provavelmente, o STF gera obstáculos para uma possível solução da
judicialização. Assim, este estudo objetiva trazer uma nova proposta de discussão, a

1 Criada pela Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 95-123


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Alessandra Brustolin — Edinilson Donisete Machado — Felipe Calderon-Valencia 99

partir da análise do problema, sob uma perspectiva que leva em conta as análises
constitucional, jurisprudencial e de suas repercussões.
Na primeira seção, será analisado o direito à saúde estabelecido na Constituição
federal de 1988, sua abrangência e suas eventuais limitações, a fim de verificar
se esse direito alcança a concessão de todo e qualquer medicamento, de forma
ilimitada. Na segunda, será realizada a análise de decisões proferidas pelo STF que
envolvem o requerimento de medicamentos, especificamente: Medida Cautelar na
Pet 1246 MC/SC; RE 271.286/2000; e RE 657.718/2019 MG.
A escolha das decisões seguiu o referencial teórico utilizado e a sua análise
é pautada por quatro critérios específicos: 1) identificar como a Corte interpreta o
direito à saúde previsto na Constituição; 2) verificar se a Corte associa o direito à
saúde à indispensável garantia de outros direitos, especificamente vida e dignidade
humana; 3) analisar se a corte privilegia a saúde curativa ou preventiva; 4) averiguar
se a Corte considera, no momento da aplicação da técnica da proporcionalidade, o
interesse coletivo.
Foram aplicados os métodos dedutivo e estudo de caso de Robert K. Yin (2015).
Parte-se de uma dedução com a hipótese pré-determinada e para se chegar ao resultado
foi aplicada uma perspectiva que envolve a análise de decisões e suas repercussões.

2 A abrangência do direito à saúde constitucionalmente estabelecido


A consagração do direito à saúde na CF/88 enquanto um direito de todos e
para todos (RAEFRAY, 2005, p. 278-279) representa uma das mais ambiciosas (e
problemáticas) promessas constitucionais. A deste direito do texto constitucional,
apesar do inegável avanço em sua tutela, vem acompanhada de todos os problemas
que recaem sobre os meios de sua efetivação (DALLARI, 1988, p. 60-62).
Diante disso, será analisada a abrangência do direito à saúde constitucionalmente
estabelecido, com a finalidade de responder a dois questionamentos específicos:
1) existe um direito ilimitado à saúde e às prestações de saúde? 2) qual é a
abrangência do direito à saúde nos termos da CF/88?
A saúde no Brasil é constitucionalmente instituída enquanto um direito-dever,
como direito de todos e dever do Estado (NORONHA; PEREIRA, 2013). Mas, mesmo
nesse sentido, o texto constitucional brasileiro, ao longo dos artigos 194 e 196 a 200,
não extrapola o mero campo de algumas pistas sobre o direito tutelado (NORONHA;
PEREIRA, 2013). Segundo a CF/88, recai sobre o Estado a responsabilidade pela garantia
da saúde por meio de ações e serviços, sem delimitar especificamente o alcance dessa

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100 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

proteção. Outro fator nebuloso no texto constitucional diz respeito à relação com outros
direitos, como, por exemplo, a vida e a dignidade humana. A leitura do artigo 200 da
CF/88, quando estabelece os bens a serem tutelados e as ações a serem desenvolvidas
no âmbito do SUS, parece ser especialmente responsável por tal interpretação.
O artigo 196 da CF/88 define a saúde em dois aspectos principais: direito – de
acesso universal, igualitário, gratuito e integral – e, por outro lado, um dever, enquanto
responsabilidade estatal (BRASIL, 1988).
Na organização da política de saúde brasileira, o sistema de saúde se encontra
em papel de destaque. O Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pela
Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conta com uma série de princípios definidos
pela CF/88 e que ordenam a sua atuação. Aplicam-se ao SUS, conforme o artigo 194
da CF/88, os princípios da universalidade da cobertura e do atendimento (inciso I);
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais
(inciso II); equidade na forma de participação no custeio e a diversidade na base de
financiamento (inciso V); e o caráter democrático e descentralizado da administração
(inciso VII) (RAEFRAY, 2005, p. 280).
A gratuidade está implícita no texto constitucional (artigo 196 da CF/88). “Em
decorrência deste [princípio], proíbe-se toda e qualquer forma de cobrança do usuário
por ações, serviços e equipamentos públicos de saúde” (JÚNIOR; PAVANI, 2013, p. 88).
Considera-se que a noção de gratuidade, embora não conste expressamente no texto
constitucional, é literal (JÚNIOR; PAVANI, 2013, p. 88).
O acesso universal ao SUS complementa a ideia do artigo 196 da CF/88, da saúde
como um direito-dever, compreendida em um sentido amplo de completo bem-estar
que implica ao Estado a adoção de medidas para a sua garantia: “políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(BRASIL, 1988). A universalidade de acesso integra uma das bases do próprio direito à
saúde nos termos do artigo 196 da CF/88 e também do SUS quando expressamente
consagrada no artigo 194, parágrafo único, inciso I da CF/88.
A universalidade, quando se refere a um atendimento que acolha a todas
as pessoas, é um objetivo amplo e defronta com vários problemas. O aspecto
que compreende a universalidade, a igualdade, a gratuidade e a integralidade,
assegura o acesso à saúde pública a todas, todos e todes2 sem distinções.

2 Expressão utilizada por Tiburi (2018, p. 11) para designar quem não se identifica somente como mulher
ou homem, com espaço para outras expressões de gênero e de sexualidade.

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Quaisquer que sejam suas condições financeiras, tem-se a garantia do acesso,


independentemente de contraprestação.
Na base dos princípios da universalidade e igualdade, a tutela da saúde é
condicionada a um único fator: ser (qualquer) pessoa. Trata-se, portanto, de uma
definição ampla e aberta que acolhe todo aquele que se encontrar em território
nacional, e que possui caráter nitidamente inclusivo (SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 3203).
Assim, percebe-se que a titularidade universal não se confunde com o princípio de
universalidade de acesso ao SUS (SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 119).
As noções de universalidade e igualdade remetem ao indivíduo. Por isso, em
uma primeira leitura, parece que o Constituinte quis privilegiar a saúde individual.
Mas, segundo Júnior e Pavani (2013, p. 85), é justamente por ser este direito
conferido individualmente a todo o ser humano, que tem acesso indistinto em
todo o território nacional aos serviços de saúde, que se reconhece o seu interesse
coletivo. Isso ocorre, porque a universalidade da cobertura e do atendimento também
compreende as noções de universalidade e igualdade pela ótica do SUS. Mais que
isso, é o “[...] o fundamento do modelo constitucional adotado para a proteção da
saúde no Brasil” (RAEFRAY, 2005, p. 279).
Mas sobre a universalidade recaem controvérsias. Afirma-se que o direito à
saúde na CF/88 é caracterizado pela universalidade, tanto no sentido individual
(enquanto direito de todos), o que é reforçado no artigo 196 da CF/88; quanto em
sentido coletivo, conforme sugere o artigo 194, parágrafo único, I, da CF/88. Ratificam
essa interpretação do texto constitucional brasileiro, Sarlet, Figueiredo e Raefray
(RAEFRAY, 2005; FIGUEIREDO, 2010; SARLET; FIGUEIREDO, 2013).
Silva (2010, p. 77), por outro lado, sugere que há uma conclusão intuitiva, no
sentido sustentado pelos autores em razão da utilização do termo proteção pelo
texto constitucional. Todavia, em uma análise mais profunda, o direito à saúde
enquanto tutela individual e coletivamente considerada não pode ser sustentado. O
que existe, segundo ele, é um direito individual de um lado e um interesse coletivo de
outro (SILVA, 2013, p. 736).
O referencial teórico estudado considera o direito à saúde passível de limitações
(RAEFRAY, 2005; SARLET, 2009; FIGUEIREDO, 2010; SILVA, 2010). Apesar disso, as
definições de Raefray (2005), Sarlet (2008), Figueiredo (2010) e Sarmento (2019) sobre
quais seriam esses limites ou da definição de abrangência deste direito não é clara.
Raefray sustenta que a saúde não deve ser individualmente considerada, porque
não existe “[...] um quinhão de saúde para cada indivíduo, [mas] o uso coletivo de

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102 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

um sistema que é construído e se desenvolve com o esforço de todos, dentro do


conceito de comunidade” (RAEFRAY, 2005, p. 302). Essa interpretação, no entanto,
não é capaz de definir a abrangência constitucional do direito à saúde. Em primeiro
lugar, porque ao se desviar da noção individual do direito à saúde, a autora acaba
por desconsiderar esse aspecto que é constitucionalmente estabelecido, diante da
sua fundamentalidade e centralidade na proteção da pessoa. Em segundo lugar,
apesar de apresentar importantes contribuições com relação à necessidade de
ampliação da noção de saúde e o fortalecimento de políticas de saneamento básico
nas cidades, controle ambiental e educação para a saúde, a autora sequer indica
indícios de como isso seria implementado.
Figueiredo (2010, p. 224) vai um pouco além ao sustentar que a tutela do direito
à saúde é um direito individual e coletivo, mas cuja proteção “[...] não se circunscreve
às pessoas em si mesmas, mas abrangem a comunidade em que vivem, isto é, a
sociedade em seu conjunto”. A autora aponta a necessidade de políticas coletivas
voltadas para a proteção da população como um todo e mesmo das futuras gerações.
Essas são ideias de sustentabilidade e de tutela das futuras gerações do direito
ambiental (FIGUEIREDO, 2010, p. 224).
Ainda que esse discurso siga em consonância com as articulações que são
desenvolvidas a nível internacional, por meio da Organização Mundial da Saúde
(OMS), assim como Raefray, a autora não avança e deixa de definir claramente a
abrangência do direito à saúde na CF/88. As conclusões dos estudos desenvolvidos
por Sarlet (2009; 2013) e Sarmento (2019) são no mesmo sentido.
A análise do direito à saúde com base na produção desenvolvida por esses
autores faz com que se conclua, em um primeiro momento, que o direito à saúde é
protegido em seu grau máximo (RAEFRAY, 2005; SARLET, 2008; SARMENTO, 2009) e
percebido tanto como um direito individual, quanto coletivo na ordem constitucional
brasileira, mas os mesmos autores não definem, especificamente, a abrangência
desse direito nos termos da CF/88.
A tese desenvolvida por Silva (2005), por outro lado, vai além. Para o autor,
a interpretação é a solução para a definição de um conteúdo essencial de cada
direito e, assim, determinar a sua abrangência. Entretanto, não se trata de qualquer
interpretação, porém, daquela que inclui no processo de ponderação e da aplicação
da proporcionalidade, interesses coletivos não protegidos diretamente por direitos.
Silva (2005, 2010), ao acatar o enfoque subjetivo dos direitos fundamentais,
considera o direito à saúde enquanto um direito individual e, por isso, que deve

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ser garantido em sua máxima amplitude possível. Mas, contrariamente aos demais
autores analisados, o autor afirma que o que existe, de outra ponta, não é um direito
coletivo e sim um interesse coletivo e, do choque entre eles, resulta uma relação de
restrição e não uma colisão propriamente dita (SILVA, 2010, p. 52).
Diante disso, o conteúdo essencial do direito é que deve ser preservado. A solução
para colisão, em casos simples, quando suscita dúvidas sobre a constitucionalidade,
não gera maiores problemas. Todavia, de casos complexos e problemáticos – como o
da saúde – é que decorrem as maiores dificuldades (SILVA, 2010, p. 55-72).
Assim, se o texto constitucional, por si só, não é suficiente para a definição do
conteúdo essencial do direito à saúde (SILVA, 2010, p. 25-28) e, por isso, também não o é
para definir sua abrangência e se a interpretação constitucional é o melhor meio para
solução nesses casos3 (SILVA, 2010, p. 146-147), a questão que se coloca é quais critérios
devem pautar a decisão do STF nos casos de concessão de medicamentos?
Para esse autor, a postura mais adequada parece ser aquela que se desenvolva
“[...] a partir de um diálogo constitucional fundado nessas premissas de comunicação
intersubjetiva entre os poderes estatais e a comunidade” (SILVA, 2005, p. 51). Não
obstante, nas demandas de medicamentos, a atuação do STF parece estar na
contramão, conforme se verá adiante.
Ao longo dos anos foi se desenvolvendo, no âmbito do STF, um conjunto de
decisões que dizem respeito às prestações de saúde e demandas de medicamentos,
denominadas “jurisprudência do direito a tudo” (FERRAZ, 2019, p. 9). A próxima seção
será responsável por aprofundar essa discussão.
No que diz respeito aos medicamentos, o artigo 6o da Lei no 8.080/1990 (Lei
do SUS) ressalta a integralidade do sistema de saúde, ao dispor sobre as ações que
são incluídas no campo de atuação do SUS. Nos termos da alínea “d” do inciso I do
mesmo artigo, garante-se “a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”
(grifo nosso) (BRASIL, 1990, art. 6o).
Também a legislação infraconstitucional, na regulamentação do sistema de
saúde instituído pela CF/88, reforça que a assistência seja garantida pelo texto
legislativo sem definição de eventuais limites. Essa é a causa de uma série de
problemas, dentre eles a busca pelo judiciário para a determinação de tratamentos,
fornecimento de medicamentos, próteses e outras demandas de saúde.

3 O autor faz a ressalva de que a decisão do juiz não é a única, nem a melhor, mas, por razões de
competência, aquela que vinculará aqueles ligados à decisão.

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104 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

No ano de 2011 foi editada legislação buscando estabelecer o alcance dos


princípios da universalidade e da integralidade dentro do SUS. A Lei no 12.401, de 28
de abril de 2011, e o Decreto no 7.508, de 28 de junho de 2011, que respectivamente
alteram e regulamentam a Lei no 8.080/1990 (Lei do SUS), são editados com o
objetivo de traçar algumas balizas sobre o aspecto de integralidade do SUS.
A Lei no 12.401/2011 inclui o “CAPÍTULO VIII” na Lei no 8.080/1990 instituindo
algumas regras no âmbito dos medicamentos. A legislação estabelece que os protocolos
clínicos e as diretrizes terapêuticas devem indicar os remédios ou produtos necessários
para o tratamento de doenças e que os medicamentos são avaliados “quanto à sua
eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade” (BRASIL, 2011, art. 19-O).
O artigo 19-T (BRASIL, 2011) veda em todas as esferas de gestão do SUS, no
inciso I, “o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e
procedimento clínico ou cirúrgico experimental”, bem como, no inciso II, “a dispensação,
o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou
importado” não autorizados ou sem registro perante a ANVISA (BRASIL, 2011).
A Lei parece conduzir a uma interpretação textual no sentido de não respaldar,
no âmbito do SUS, a concessão de “medicamentos sem registro na ANVISA”, tenham
eles a sua eficácia comprovada com o registro em outras entidades, ou não. A lei não
faz tal diferenciação, mas veda, em todos os casos o fornecimento de medicamento
sem registro no órgão nacional.
Poderia parecer simples, portanto, afirmar que medicamentos dessa natureza
não suscitam maiores discussões, já que a legislação veda expressamente a
sua “[...] dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso” (BRASIL,
1990). Todavia, a concessão desse tipo de medicamentos tem ocupado um papel
singular nas discussões sobre a judicialização da saúde no Brasil. Muito disso está
relacionado ao desafio de compreender a abrangência do direito à saúde no texto
constitucional de 1988.
É também em 2011 que foi criada a Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS – CONITEC, pela Lei no 12.401/2011. Essa Comissão

“[...] tem como objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições


relacionadas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em
saúde no SUS. Além disso, a Comissão também trabalha na constituição
ou alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)”.
(CONITEC, 2015).

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A convergência de fatores que envolvem a saúde na ordem constitucional é


complexa. Além disso, esbarra em uma série de problemas. Muitos desses decorrem
do próprio arranjo federal definido pela CF/88 e pela articulação das competências
não legislativas na execução das políticas públicas (SILVA, 2010, p. 549).
Ao longo dos anos, não foram poucas as discussões sobre os problemas de
eficácia e efetividade da norma constitucional no âmbito dos direitos sociais,
diante das limitações orçamentárias. Essa parece ser ainda uma das preocupações
que ocupa o cerne dos debates em matéria de saúde (WANG, VASCONCELOS;
OLIVEIRA; TERRAZAS, 2014).
Quando se fala na concretização universal e integral da saúde, depara-se com
problemas que geralmente são sintetizados com a expressão escassez de recursos,
mas que compreendem uma complexidade que abarca uma série de fatores:
o estágio de desenvolvimento insuficiente do Estado para a sua garantia (BOBBIO,
1992); a colisão entre questões orçamentárias no tema da despesa em saúde
quanto ao controle social da despesa pública e a garantia do direito integral à
saúde (LUHMANN, 1985); a modificação dos procedimentos e incorporação de
tecnologias na área da saúde, o que encarece os tratamentos e o problema da
farmaceutização da saúde (BIEHL; PETRYNA, 2016, p. 183); o período de políticas de
austeridade que se vivencia no Brasil, aceleradas e intensificadas com a aprovação
da Emenda Constitucional no 95, de dezembro de 20164 (BRASIL, 2016). sem contar
o atual colapso do sistema de saúde brasileiro diante da pandemia da COVID-195,
que coloca em risco a estabilidade do SUS.
A atuação do STF tem exercido expressivas e preocupantes influências
nesse contexto. A judicialização da saúde é um problema que ocupa o cerne das
discussões globais sobre direitos sociais. No Brasil, buscam-se e apresentam-se
possíveis soluções, das mais diversas e, nesse âmbito, de um ou de outro modo são
lançadas críticas ao STF por diversos autores (VALLE, 2009; BIHEL; PETRYNA, 2016;
VASCONCELOS, 2020; WANG; VASCONCELOS; OLIVEIRA; TERRAZAS, 2014). Estudos
recentes desses autores ultrapassaram essa linha de crítica para sugerir indícios de
que a postura do STF estaria contribuindo para o crescimento do litígio em saúde

4 A EC no 95/2016 instala um novo regime fiscal, que limita por vinte anos os gastos públicos.
Determina, por exemplo, aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e
desenvolvimento do ensino no país.

5 O trabalho foi concluído em meados de março de 2021, período em que as mortes por COVID-19 no
Brasil representam um terço dos óbitos no mundo e o sistema de saúde brasileiro trabalha com sua
lotação máxima, um grave período de crise.

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106 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

no país, ou seja, obstruindo uma possível solução para a problemática e, ao mesmo


tempo, tendo potencial para ser a sua solução (VASCONCELOS, 2020).
Diante disso, a próxima seção têm como objetivo analisar o papel da função
jurisdicional e o comportamento do STF especificamente no que se refere às
demandas de saúde.

3 O papel da função jurisdicional e o comportamento do STF nas demandas de


medicamentos sem registro na Anvisa

Ao ampliar as possibilidades de reclamação perante o judiciário em busca da


efetividade dos direitos constitucionalmente garantidos e diante da indefinição no que
tange à abrangência do direito à saúde, a CF/88 contribuiu de forma mais significativa
para a transferência de poderes decisórios das instâncias políticas para os Tribunais.
Nesta seção o objetivo é mapear o comportamento do STF no pós-88,
nos termos de estudos já publicados e, especificamente, pela análise das decisões
proferidas pela Corte na Medida Cautelar na Pet 1.246 MC/SC, na RE 271.286/2000
(RS) e na RE 657.718/2019 (MG), com base nos critérios estabelecidos na introdução.
Busca-se verificar o comportamento judicial do STF com relação ao direito à saúde
no que se refere à demanda de medicamentos sem registro perante a ANVISA.
A análise recai especificamente na sua atuação como Corte Constitucional.
A principal competência da função jurisdicional, enquanto instituição política,
consiste em controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos dos Poderes
Legislativo ou Executivo (MACHADO, 2012). O exercício da função jurisdicional
tem como objetivo assegurar a vontade do Poder Constituinte, uma vez que, como
guardiã da Constituição, espera-se que controle o exercício do poder pelas demais
instâncias do Estado.
Hesse (1998) concluiu, considerando que a resposta para essa indagação é
uma questão de poder ou um problema jurídico e, portanto, a grande tarefa confiada
depende da preservação e do fortalecimento da força normativa da Constituição.
Bonavides (2003, p. 484) faz a mesma advertência com relação aos riscos a serem
enfrentados diante do distanciamento da normatividade constitucional por meio
de opções políticas.
Por mais contemporâneas que sejam essas teorias, entre elas a do pós-
positivismo de Dworkin, seus fundamentos partem de dogmas já consolidados
na doutrina, como é o caso dos postulados da unidade, coerência ou outros, para
a formulação de críticas ou adesão a determinada linha de argumentação. Alexy

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demonstra que o campo de incidência da sua teoria compreende a estruturação


do ordenamento a partir do Estado Constitucional Democrático e, portanto, de um
sistema normativo que veicule princípios e regras do ordenamento (MACHADO, 2012).
Canotilho (1999, p. 1099), no mesmo sentido, insiste que a articulação de princípios
e regras iluminará a compreensão da Constituição como um sistema interno. Assim,
a probabilidade de uma decisão ser correta será sempre maior, quando observado o
ponto de vista interno do ordenamento, por meio da Constituição e, por consequência,
o próprio ordenamento por ela estabelecido (MACHADO, 2012).
A grande dificuldade que se apresenta atualmente, mesmo diante de tais
considerações reside justamente sobre a prestação efetiva e adequada da tutela
jurisdicional e a discussão que ganhou espaço no debate jurídico tem como tema o
ativismo judicial.
Os Tribunais assumiram um papel cada vez mais importante nas decisões
sobre até que ponto os interesses aparentemente inegociáveis incorporados nas
constituições devem ser considerados e protegidos na formulação das políticas
públicas (BRINKS; GAURI, 2008). A revisão judicial pode servir para entrincheirar
ou polarizar ainda mais os conflitos existentes, ameaçando tanto a legitimidade
do tribunal quanto a estabilidade do acordo constitucional mais amplo. À parte
do debate sobre o ativismo judicial, o STF, ao longo dos anos, “se tornou um ator
incontornável na formulação e execução de políticas públicas” (VASCONCELOS,
2020, p. 84). Suas decisões vêm afirmando a possibilidade de um amplo controle das
políticas públicas na área da saúde.
A discussão avançou para a análise de como essas decisões tem impactado
no cenário brasileiro. Decisões aclamadas e louváveis por alargarem o âmbito de
proteção de direitos constitucionalmente estabelecidos são muito questionadas
pela técnica utilizada (VALLE, 2009; SILVA, 2010; VASCONCELOS, 2020).
Sem desconsiderar fatores externos que serão levantados de forma crítica ao
longo desta seção, tem-se como objetivo específico mapear o comportamento do
STF, para verificar como a Corte concebe o direito à saúde; se a Corte compreende
esse direito como indispensável para a garantia de outros; se a Corte privilegia a
saúde curativa ou preventiva; e se a Corte, no momento de aplicação de técnicas
como ponderação e proporcionalidade, considera o interesse coletivo, seguindo a
lógica interpretativa desenvolvida na tese de Silva (2005).
A primeira decisão relevante para a análise, pelas razões estabelecidas, foi
proferida em 1997 pelo Ministro Celso de Mello em sede de Medida Cautelar

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108 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

na Pet. no 1.246 MC/SC, individualmente ajuizada por paciente portador de


Distrofia Muscular de Duchene, sem a disposição de recursos, visando a concessão
de medicamento sem registro na ANVISA. Na decisão, a Corte concebe o direito à
saúde de forma irrestrita e de aplicabilidade imediata, ou seja, não reconhece quaisquer
limitações a esse direito. Além disso, considera o direito à saúde como indispensável
para a garantia de outros direitos, especificamente, o direito à vida, que se sobrepõe,
de acordo com o Ministro Celso de Mello, a um “um interesse financeiro e secundário
do Estado” (BRASIL, 1997).
Nos argumentos levantados, não se evidencia a aplicação das técnicas da
ponderação e proporcionalidade, pelo contrário, verifica-se no entendimento da
Corte uma sobreposição do direito à saúde ao orçamento. Nesse sentido, a Corte
não menciona – em análise literal da decisão – o interesse coletivo, o que leva à
interpretação de que nessa decisão ele foi desconsiderado ou, no mínimo, não
foi levado em conta. Essa decisão é apontada como estopim para a massificação
de ações pleiteando medicamentos relacionados ao tratamento da Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida - AIDS, que decorreu nos próximos anos.
A segunda decisão analisada, proferida no RE no 271.286, no ano de 2000, teve
novamente como Relator o Ministro Celso de Mello,igualmente se trata de uma demanda
individualmente ajuizada por paciente portador do Vírus da Imunodeficiência Humana
- HIV/AIDS, segundo consta na decisão, sem a disposição de recursos, objetivando a
concessão de medicamento sem registro na ANVISA (BRASIL, 2000).
A interpretação utilizada, em comparação com a decisão anteriormente analisada,
é similar, mas com diferenças que foram consideradas relevantes. Novamente o
STF interpretou o direito à saúde como uma garantia imediatamente realizável e
de impostergável realização pelo Poder Público e indissociável do direito à vida. Essa
afirmação é feita por diversas vezes ao longo da decisão.
O Ministro Celso de Mello menciona, em seu voto, que ao Poder Público
incumbe promover as efetivas prestações de saúde “[...] em favor das pessoas e das
comunidades, medidas – preventivas e de recuperação [...] fundadas em políticas
públicas idôneas” (BRASIL, 2000). Mas, apesar disso, em sua conclusão (deferir o
fornecimento de medicamento), a decisão parece ponderar apenas a saúde curativa,
ou seja, aquela baseada em tratamentos, e desconsiderar a sua dimensão protetiva.
Embora o STF enfatize a incumbência ao Poder Público em “[...] formular – e
implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos
cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus do HIV, o acesso universal e igualitário à

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assistência farmacêutica e médico-hospitalar” (BRASIL, 2000) por ter sido proferida em


demanda individual e sem repercussão geral, pode-se considerar que a decisão, assim
como aquela anteriormente analisada, desconsidera o interesse coletivo.
Indiscutivelmente essa decisão foi um divisor de águas quando se fala em
judicialização da saúde no Brasil (VASCONCELOS, 2020; SILVA, 2005; 2008; 2010),
acarretando em repercussões tanto positivas quanto negativas. Sendo aclamada,
mas também objeto de severas críticas.
Ao longo dos anos, a jurisprudência da Corte oscilou entre a negativa no
fornecimento de medicamentos de alto custo, alegando o limite da reserva do
possível (disponibilidade orçamentária) e sua falta de legitimidade para interferir
na alocação dos recursos públicos (BRASIL, 2000). Em outros casos, contudo, a Corte
sustenta que entre o respeito a um interesse financeiro do Estado, o que envolve
autonomia do Poder Legislativo e do Poder Executivo na distribuição dos recursos
públicos, e proteção a um direito social básico, como o direito à saúde, este deve
prevalecer (BRASIL, 2010).
Outras importantes decisões do STF6 que envolvem postulações relativas à
demanda de medicamentos poderiam ser mencionadas. Mas, por terem sido objeto de
outras pesquisas, o estudo desse complexo de decisões não será analisado neste artigo.
Sem ignorar os acontecimentos que sucederam esse período, a última decisão
analisada é o julgamento do Recurso Extraordinário RE no 657.718/MG, julgado pela
Corte em 2019 e que teve como tema central analisado a possibilidade de concessão
de medicamento sem registro na ANVISA, pela via de demanda individual, com
repercussão geral, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2019).
O STF, no julgamento do RE no 657.718/2019 MG, concluiu pela constitucionalidade
do artigo 19-T da Lei no 8.080/1990, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS, o
pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso
não autorizado pela ANVISA, além de fixar critérios para a concessão de medicamentos.
O processo principal originário discutia o fornecimento do medicamento
Mimpara 30mg. No caso predominou o posicionamento do Ministro Barroso que,
mesmo reconhecendo a ANVISA como órgão com capacidade para definir sobre
a segurança de um medicamento, entendeu que o direito à saúde não deve ser
diminuído em razão do dever constitucional do Estado (BRASIL, 2019). No voto, a
Corte (mantendo seu posicionamento) concebe o direito à saúde como um direito
individual e imediatamente realizável. Adota, assim, uma postura baseada na teoria

6 Ver ADI 5.592; RE 657.718; ADI 4.066; RE 566.471; RE 855.178.

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110 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

interna dos direitos fundamentais, eis que desconsidera qualquer restrição externa a
este direito, isto é, que decorre de circunstâncias fáticas ou jurídicas. Apesar de ser
possível verificar em outras passagens da decisão a menção a um cenário de “crise
econômica e estrutural na esfera da saúde pública brasileira” (BRASIL, 2019), a todo
o tempo é reforçada a ideia da saúde como um direito de proteção do indivíduo, não
se mencionando ou considerando a colisão entre este e o interesse coletivo.
Concluiu a Corte que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos
experimentais (aqueles sem eficácia comprovada), sendo excepcionalmente
possível (pela via judicial) o fornecimento de medicamentos fora das listas do SUS, mas
registrados perante a ANVISA ou, quando submetido o medicamento a registro,
mas ainda não registrado no caso de mora razoável da Agência – com base em
critérios estabelecidos no voto – e comprovada a hipossuficiência do demandante.
O debate acerca da judicialização não é novo. Não obstante, pouco se conhece
efetivamente sobre os impactos do posicionamento judicial do STF nos cenários
brasileiros. Diante disso, seguindo, igualmente, a mesma dinâmica do capítulo
anterior, a próxima seção é a tentativa de apresentar um diagnóstico – dentro dos
estudos e dados analisados – das repercussões da atuação da Corte no Brasil.

4 A repercussão do posicionamento do STF no cenário de saúde


Analisadas as decisões, passa-se a avaliar as repercussões do posicionamento
do STF no cenário de saúde. Ferraz (2019, p. 7) constatou que a judicialização da
saúde no Brasil “[...] iniciou-se aproximadamente há duas décadas, em meados de
1990, acelerou na virada dos anos 2000 e, desde então, cresce infalivelmente ano
a ano”. Em 1996, aproximadamente um ano antes da primeira decisão analisada,
quando respostas globais ao HIV/AIDS eram mais baseadas em prevenção, o Brasil
tornou-se o primeiro país do sul global a assinar uma lei e aprovar uma política
de distribuição livre e universal de medicamentos antirretrovirais (ARVs) (BIEHL;
PETRYNA, 2016, p. 177).
Durante o período de janeiro de 1997 a junho de 2004, pesquisa empírica
envolvendo todas as decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (SILVA,
2008, p. 595 apud ALMEIDA, et al. 2013) concluiu que desde o julgamento da primeira
decisão objeto deste estudo (1997) houve o crescimento das demandas individuais
em saúde, com o êxito para os autores em 85% dos casos. Também apontou que,
em 93% das decisões sobre concessão de medicamentos, o direito à saúde foi
individualmente considerado e, principalmente, que não houve preocupação com

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eventual existência de política pública ou não, implantada pelo governo (SILVA, 2008,
p. 595 apud ALMEIDA, et al., 2013). Nesse mesmo período,

[...] a política de combate à AIDS do governo brasileiro – que inclui


a distribuição gratuita de medicamentos, dentre outras medidas – é
considerada pela Organização Mundial da Saúde como uma das mais
eficazes do mundo. (SILVA, 2008, p. 595).

Em 2009, o acesso a medicamentos por demandas individuais com sentença


favorável ao autor, em primeiro grau, no Paraná representava 81,1% das demandas
e com acórdão favorável ao autor, em segundo grau, representava 92,4%, aponta
estudo desenvolvido no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA/PR)
(PEREIRA; PEPE, 2014, p. 37).
De acordo com Ferraz (2019, p. 5-6), durante os anos de 2014 a 2018,
considerando todos os níveis da federação, o litígio de saúde no Brasil alcançou
o patamar de 823 mil novos casos. Destes, só a demanda de medicamentos
corresponde a 344.053 novos casos. O litígio em busca de medicamentos surgiu
“[...] grande parte em torno da questão do acesso a medicamentos para HIV/AIDS e,
posteriormente, expandiu-se para uma gama de tratamentos para outras doenças,
como câncer e diabetes” (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011, p. 384).
No ano de 2019, pesquisa realizada pelo INSPER constatou que “o número
de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017,
enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%” (INSPER, 2019, p. 13).
A pesquisa levou em consideração os dados disponíveis nos Tribunais de Justiça
(TJ) estaduais de primeira instância.
A pesquisa apresentou os indicadores da judicialização da saúde, concluindo,
conforme a base de dados utilizada, que o litígio por medicamentos corresponde a 91%
(noventa e um por cento) das demandas e “[...] no que se refere à judicialização contra
o SUS, os medicamentos são responsáveis por grande maioria das demandas” (INSPER,
2019, p. 128). Também concluiu o que outras pesquisas mencionadas haviam apontado:
forte indício de que a atual demanda de saúde perante os tribunais brasileiros é
individual, ao indicar que apenas 2,35% das demandas são intituladas coletivas e que
mesmo essas promovem interesses individuais (INSPER, 2019, p. 134).
Para Wang, Vasconcelos, Oliveira e Terrazas (2014, p. 1.193) a “[...] postura
do Judiciário brasileiro permitiu — e até incentivou — o impressionante aumento
no número de ações pleiteando tratamentos médicos com base no direito
constitucional à saúde”.

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112 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

A interpretação do STF sobre o direito constitucionalmente estabelecido tem


concebido a saúde e o acesso aos serviços de saúde enquanto direitos absolutos
e quase que imediatamente realizáveis. A essa mesma conclusão, comparando as
experiências brasileira e sul-africana, chegou Rosevear (2018).
Diante disso, a contribuição do artigo é justamente mapear alguns dos
possíveis e principais impactos da atuação judicial suas eventuais influências no
cenário de saúde brasileiro.
Há uma série de impactos resultantes de ordens judiciais para conceder
determinados serviços ou produtos de saúde, como é o caso dos medicamentos.
Maestad, Rakner e Ferraz (2011) apontam: os impactos diretos e indiretos, impacto
real, impacto estrutural, impacto na política de saúde, impacto no acesso geral e de
distribuição de serviços e, principalmente, impactos orçamentários que as decisões
judiciais podem causar.
Nas demandas de saúde no Brasil, o primeiro ponto notável é que existe um
grande (e crescente) número de ações desta natureza. O Brasil é apontado como o
país que lidera o ranking no sucesso de demandas individuais e quase 100% destes
casos são em concessões perante o STF (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011, p. 384).
Sobre o impacto estrutural das decisões judiciais, enquanto meios de mudanças
políticas e legislativas, os autores verificaram que a atuação do STF exerceu uma
mudança expressiva no caso de medicamentos antirretrovirais para HIV/AIDS, por
exemplo (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011, p. 287). Essa também foi a conclusão a
que chegou Rosevear (2018).
O litígio em busca de medicamentos que surgiu, grande parte em torno da
questão do acesso a medicamentos para HIV/AIDS, expandiu-se para uma gama de
tratamentos para outras doenças, como, por exemplo, o câncer (MAESTAD; RAKNER;
FERRAZ, 2011, p. 286; 384).
Dentre os possíveis impactos da atuação do Poder Judiciário brasileiro nos
cenários do país, o que mais se destaca ainda é o orçamentário (WANG; VASCONCELOS;
OLIVEIRA; TERRAZAS, 2014; FERRAZ, 2019; MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011). Alguns
estudos já concluíram que as decisões podem, a longo prazo, influenciar o orçamento
nacional de saúde (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011; WANG; VASCONCELOS;
OLIVEIRA; TERRAZAS, 2014; INSPER, 2019). Em diferentes abordagens, estudos
apontam os impactos orçamentários em todos os níveis da federação.
De acordo com Norghein e Gloppen (2011, p. 304-332), a maior parte dos
medicamentos fornecidos no Brasil por meio de litígios parecem ter baixo e, às

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vezes extremamente baixo, custo-benefício, ressalvados alguns casos, e isso parece


impactar no acesso global de saúde. A curto e médio prazo, o litígio é financiado
pela realocação de recursos, dado o curto prazo para cumprimento das decisões –
autoridades não têm tempo para aguardar recursos (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ,
2011, p. 293). Mas, segundo os autores, o que parece preocupar são os impactos dos
litígios na distribuição dos serviços de saúde a longo prazo (MAESTAD; RAKNER;
FERRAZ, 2011). Estudos anteriores chegaram a ilustrar a dimensão desses custos e
seu crescimento exponencial ao longo dos anos.
É curioso que, já em 2009, os medicamentos importados concedidos pela justiça
e não originalmente incluídos na lista de medicamentos representaram 78,4% dos
custos de todos os litígios de direito à saúde contra o governo federal (MAESTAD;
RAKNER; FERRAZ, 2011). Wang, Vasconcelos, Oliveira e Terrazas (2014, p. 1193)
indicam que no estado de São Paulo houve um aumento de 1.722,65% em cinco anos
no gasto do Ministério da Saúde com medicamentos cuja provisão foi determinada
por ordem judicial. O INSPER (2019) revelou que os gastos com a judicialização
podem impactar a política de compra de medicamentos no país.
Com relação ao ano base 2016, Ferraz (2019, p. 6), elencou que o custo
estimado do gasto público com concessões provenientes de demandas de saúde,
em todo o país, foi de sete bilhões de reais. O que chama maior atenção é que uma
parcela bastante relevante desse montante, em proporção 15,71% do gasto com
judicialização em todo o país, foi gasta apenas em nível federal com a demanda
de dez tipos de medicamentos: Laronidase; Lomitapida; Metrelptina; Atalureno;
Alfagalsidase; Idursulfase; Eloisulfase Alfa; Gasulfase; Eculizumabe. De acordo
com Xavier (2018, p. 56), “o fornecimento direto pela União dos dez medicamentos
listados acima representou quase 91% (noventa e um por cento) dos gastos com
aquisições diretas de medicamentos, insumos e produtos no ano de 2016”.
Esses dados, por si só, se revelam preocupantes. Preocupação ainda maior quando
são confrontados com os relatórios da CONITEC e as informações disponibilizadas
pela ANVISA. Pela avaliação das informações disponíveis, foi possível constatar
que dos dez medicamentos mais judicializados em 2016 apenas dois deles
atualmente não possuem registro perante o órgão regulatório: Lomitapida7 (CONITEC,
2020) e Metrelptina (CONITEC, 2020). Estes também não são os medicamentos que
ocuparam a maior parte da parcela do orçamento dispensado para tanto.

7 Tem sido noticiado na mídia nacional existência de fraudes na concessão judicial deste medicamento.
Não se teve maiores informações a respeito e tampouco é possível afirmar tal ocorrência.

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114 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

Apenas um deles obteve registro posterior a 2016 perante a ANVISA: o Atalureno,


registrado em 2019 (ANVISA, 2019). Os demais, destacando-se especialmente, em
ordem crescente, os três medicamentos responsáveis pela maior fatia de gastos,
foram registrados entre os anos de 2005 e 2008: Eloisulfase (2013); Gasulfase
(2008); Eculizumabe (2015) (CONITEC, 2015, 2016, 2018, 2017, 2020).
Ainda foi verificado que três medicamentos não possuem avaliação pela
CONITEC, não tendo sido analisados os eventuais custos para a sua implementação
no SUS. E, do mesmo modo, não foram objeto de avaliação sobre possível
incorporação ou não às listas de medicamentos custeados pelo sistema. É o caso
caso da Lomitapida, Metrelptina e Atalureno.
Também constatou-se que dos sete medicamentos com avaliação pela CONITEC,
nenhum deles teve uma recomendação de implementação pelo SUS definitivamente
favorável de acordo com o órgão. Laronidase e Idursulfase tiveram uma recomendação
preliminarmente favorável; Alfagalsidase teve a sua recomendação inicialmente
desfavorável. E, novamente, os medicamentos com maior dispensação orçamentária
em razão da judicialização (Eloisulfase, Gasulfase e Eculizumabe) possuem parecer
da CONITEC desfavorável por unanimidade para implementação no SUS.
Os critérios considerados pela CONITEC nos pareceres desfavoráveis por
unanimidade levam em consideração fatores como “altos custos, razões de
custo-utilidade e custo-efetividade” (CONITEC, 2018). De se observar ainda que
segundo o CONITEC (2020), embora os medicamentos Lomitapida e Metrelptina
não possuam registro na ANVISA, o SUS oferece alternativas terapêuticas, mediante
a disponibilização de outros medicamentos com eficácia comprovada para o
tratamento das doenças que eventualmente se destinariam a combater.
Essas informações levam a duas constatações importantes: 1) os medicamentos
que mais impactaram no orçamento a nível federal no ano de 2016 – sem considerar
os níveis estadual e municipal, sendo neste caso, onde se concentrariam os maiores
impactos, conforme indicam os trabalhos já mencionados – possuíam registro
perante a ANVISA; 2) Mesmo registrados, o órgão administrativo responsável por
tal decisão, nos termos da competência legislativa que lhe foi estabelecida, não
considerou viável a sua implementação nas listas do SUS, o que se demonstra
prejudicial, porque a função da CONITEC é justamente analisar a incorporação
ou alteração de tecnologias, garantindo que o SUS ofereça o melhor tratamento
(XAVIER, 2018, p. 57).

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Quando a judicialização avança nesses termos, o judiciário desconsidera a


função administrativa do órgão, que detém competência legislativa para a análise e
determina de forma abrupta (e inconsequente) a concessão para determinados(as)
pacientes de forma individual. Não há, por parte do STF, nas decisões analisadas,
por exemplo, uma determinação de revisão da política pública ou sequer consta das
decisões a menção – não sendo possível avaliar se houve solicitação – de uma nova
avaliação por parte da CONITEC.
Biehl e Petryna (2016, p. 180) sustentam que

[...] os estados brasileiros veem o número de ações judiciais bem-sucedidas


nos tribunais, chegando a dezenas de milhares, um processo que tem
redefinido as funções e responsabilidades do Estado, alterando as práticas
administrativas e excedendo os orçamentos da saúde.

O panorama revelado por este estudo demonstra que o STF parece estar à
margem do cerne da problemática, o que se evidencia pela análise da mais recente
decisão da Corte. Mesmo diante de todos os dados à disposição, os únicos critérios
de limitação impostos pela Corte com relação à demanda de medicamentos foram:
1) não ser medicamento experimental; 2) possuir registro na ANVISA ou, no mínimo
solicitação, em caso de mora razoável. Todavia, como demonstrado, a maior parte dos
medicamentos mais judicializados em 2016 possuíam o registro perante a Agência
regulatória, de modo que uma eventual estratégia de contensão por parte da Corte,
com base nesse critério específico, já não se aplica.
Além disso, o posicionamento da Corte no momento decisório – que é a parte
do jogo que lhe compete – parece ignorar os impactos orçamentários que decorrem
de sua atuação. Pelas decisões analisadas, percebe-se que ao longo dos anos a Corte
manteve a mesma interpretação do direito à saúde. Além disso, parece simplesmente
ignorar o interesse coletivo ou não considera-lo como critério de avaliação – pelo
menos da forma como deveria – nas suas decisões.
No que diz respeito à indagação se a postura do STF foi capaz de contribuir
com a efetivação do direito à saúde no cenário brasileiro, só é possível afirmar
seguramente que a postura da Corte foi positiva no que diz respeito ao caso
do HIV/AIDS (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011; ROSEVEAR, 2018). E, portanto,
contributiva para este caso específico. Não obstante, no enredamento que seguiu
a reboque com as demandas relativas a antirretrovirais, parece que a atuação da
Corte, por outro lado, tem o “potencial de aumentar as desigualdades na prestação
de serviços de saúde” (BIEHL; PETRYNA, 2016, p. 176).

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116 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

Poderia se argumentar que a postura litigiosa foi significativa para a criação


de políticas no país, porque, como visto, apesar da judicialização não ser um
fenômeno novo, é em 2009 que a atenção começa a se voltar para ela. Em 2011,
por exemplo, na tentativa de conter as massivas ações perante o judiciário, foram
criadas legislações a fim de se estabelecer o escopo e abrangência do direito à
saúde. Além disso, outras medidas foram adotadas visando contenção dos impactos
da judicialização, tais como: a criação da CONITEC; dos NAT-JUS8 e sua plataforma
E-NatJus, um sistema de núcleos de apoio ao Poder Judiciário, com o intuito de
fornecer subsídios técnicos para aprimorar o conhecimento dos magistrados na
solução de demandas e conferir maior celeridade às ações judiciais (CNJ, 2019).
Também em 2010 houve uma atualização da Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais – RENAME (BRASIL, 2010).
Assim, essa mudança política é interpretada aqui como um subproduto do
litígio (MAESTAD; RAKNER; FERRAZ, 2011p. 286-287). Mesmo que seja possível se
argumentar que a atuação do Poder Judiciário pode ter contribuído para um impacto
estrutural9 na política de saúde do país, medir os impactos políticos não implica
constatar mudanças reais.

5 Conclusão
O estudo partiu da análise de pesquisas que apontaram o próprio STF como ator
principal da judicialização da saúde no Brasil, afirmando que o seu posicionamento
cria obstáculos para a solução da problemática.
A análise da jurisprudência do STF permitiu verificar que a Corte, ao
decidir os casos avaliados, concebe o direito à saúde como um direito absoluto,
desconsiderando fatores externos de eventual restrição, o que demonstra uma
inadequação na interpretação constitucional no âmbito da bibliografia analisada,
especialmente a tese de Silva.
Verificou-se, pela análise das decisões, que a Corte não leva em conta o
interesse coletivo. Desconsidera ainda, deliberações em âmbito administrativo
por órgãos legalmente competentes para avaliar os impactos da incorporação de
um novo medicamento no sistema de saúde brasileiro e o seu custo-efetividade.

8 Criado pela Resolução 238/2016, do CNJ.

9 O impacto estrutural é avaliado por mudanças legislativas e mudanças na política de saúde (MAESTAD;
RAKNER; FERRAZ, 2011, p. 286-289).

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Além disso, apesar de reconhecer a judicialização como um grave problema,


mesmo quando poderia buscar outras alternativas de técnicas decisórias, mantém
o seu entendimento judicial. Por outro lado, busca outras formas de solução para
a judicialização.
No ano de 2019, com o julgamento do Recurso Extraordinário 657.718/MG,
esperava-se uma mudança na jurisprudência do STF. Mas, ao invés de iluminar a solução
para o problema, o STF não inovou no tratamento da questão. Seguiu o posicionamento
anteriormente adotado pelo STJ e manteve a mesma técnica decisória – e praticamente
os mesmos critérios – utilizados em casos anteriores. O único critério diferente
estabelecido pela Corte recai sobre os medicamentos de caráter experimental, que não
possuem nenhum tipo de registro, sendo vedada a sua concessão. Medicamentos sem
registro na ANVISA, segundo a Corte, podem ser concedidos excepcionalmente. Todavia,
como visto, quando confrontada com a realidade fática, consubstanciada em números e
dados, a decisão é questionável em termos práticos.
Considerando o exposto, o estudo apresenta como conclusão indicíos de que
o STF adota uma postura que obstrui uma possível solução menos onerosa para
o problema da judicialização, no que se refere aos medicamentos sem registro
na ANVISA. A postura da Corte revela incongruências quanto à técnica utilizada e
revela a ausência de diálogo com os demais Poderes. Além disso, a repercussão
desse posicionamento é capaz de gerar impactos negativos no cenário de saúde
e o estudo aponta indícios de que a manutenção do posicionamento pode vir a
comprometer o orçamento de saúde.
Há evidências de que restringir as hipóteses de concessão de medicamentos
com base em critérios claros, racionais e específicos, é contribuir para a solução da
judicialização da saúde.

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118 A judicialização de medicamentos sem registro na ANVISA e o posicionamento do STF para a solução da problemática

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5
124

Tabelamento do dano extrapatrimonial


trabalhista: qual o valor da vida humana?1*

ISABELE BANDEIRA DE MORAES D'ANGELO


Doutora e Mestra em Direto (UFPE). Professora Adjunta dos cursos de
graduação e Pós-Graduação (UPE). Foi Coordenadora Setorial de Extensão do
Campus FCAP/PE. Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em
Direitos Humanos — PPDGH/UFPE.

LÍLIA CARVALHO FINELLI


Doutora em Direito pela Faculdade de Direito (UFMG). Mestra em Direito do
Trabalho (UFMG).

Artigo recebido em 15/2/2019 e aprovado em 20/5/2020.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Reforma trabalhista e dano extrapatrimonial 3 Um estudo comparado


4 O novo dano extrapatrimonial trabalhista, meio ambiente do trabalho e trabalho digno
5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: O desastre ambiental em Brumadinho, o incêndio no Centro de Treinamento


do Clube Flamengo e outras tragédias afetas ao trabalho humano ocorridas no
início de 2019 chamam a atenção para alguns pontos da Reforma Trabalhista, cuja
extensão dos prejuízos trazidos aos direitos dos trabalhadores ainda estava inconclusa.
Optou-se por tratar aqui de um desses pontos, o tabelamento do valor das indenizações
por danos extrapatrimoniais, principalmente nos eventos de grave abalo à saúde ou
morte. Em meio a tantas tragédias, os danos são ainda incalculáveis e a insegurança
jurídica causa revolta. Em situações como essas, o cidadão confia seu futuro à Justiça,
que deve atuar aplicando a legislação vigente. O contorno jurídico dado pela Reforma
Trabalhista ao chamado dano extrapatrimonial, após os eventos ocorridos no período
em destaque, deve ser analisado, tanto sob a perspectiva da legislação pátria, como a
partir do Direito Comparado, sendo este o objetivo do artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional Direito do Trabalho Dano


Extrapatrimonial Tabelamento de Dano.

1 O presente artigo não contou com financiamentos, ficando declarado não haver conflito de interesses
que comprometa o trabalho apresentado.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 124-148


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-1941
Isabele Bandeira de Moraes D'Angelo — Lília Carvalho Finelli 125

Criteria for off-balance labor damages: what is the value of human life?

CONTENTS: 1 Introduction 2 Labor reform and off-balance damage 3 A comparative study 4 The
new off-balance labor damage, work environment and decent work 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: The environmental disaster in Brumadinho, the fire at the Flamengo


Club Training Center and other tragedies affecting human labor in early 2019 draw
attention to some points of the Labor Reform, whose extent of the harm brought to
the rights of workers was still unfinished. It was decided to address here one of these
points, the tabulation of the value of damages for off-balance damages, mainly in
the events of serious damage to health or death. In the midst of so many tragedies,
the damage is still incalculable and legal insecurity causes rebellion. In situations
like these, the citizen entrusts his future to the Justice, that must act applying the
current legislation. The legal framework given by the Labor Reform to the so-called
off-balance-sheet damage, after the events occurred during the period under review,
must be analyzed, both from the perspective of the country's legislation and from
the Comparative Law, which is the purpose of the article.

KEYWORDS: Constitutional Law Labor Law Off-balance Damages Damages Scale.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 124-148


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-1941
126 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

Tabelamiento del daño fuera del balance laboral: ¿cuál es el valor de la vida humana?
CONTENIDO: 1 Introducción 2 Reforma laboral y daño fuera del balance 3 Un estudio
comparado 4 El nuevo daño extrapatrimonial laboral, medio ambiente del trabajo y trabajo
digno 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: El desastre ambiental en Brumadinho, el incendio en el Centro de


Entrenamiento del Club Flamengo y otras tragedias afines al trabajo humano
ocurridas a principios de 2019 llaman la atención sobre algunos puntos de
la Reforma Laboral cuya extensión de los perjuicios traídos a los derechos
de los trabajadores aún estaba inconclusa. Se optó por tratar aquí de uno de
esos puntos, el tabelado del valor de las indemnizaciones por daños fuera de
balance, principalmente en los eventos de grave sacudida a la salud o muerte.
En medio de tantas tragedias, los daños son aún incalculables y la inseguridad
jurídica causa revuelta. En situaciones como éstas, el ciudadano confía su futuro
a la Justicia, que debe actuar aplicando la legislación vigente. El contorno jurídico
dado por la Reforma Laboral al llamado daño extrapatrimonial, después de los
eventos ocurridos en el período en destaque, debe ser analizado, tanto bajo la
perspectiva de la legislación patria, como a partir del Derecho Comparado, siendo
éste el objetivo del artículo.

PALABRAS CLAVE: Derecho Constitucional Derecho del Trabajo Daños fuera del
Balance Fijación de Daños.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 124-148


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-1941
Isabele Bandeira de Moraes D'Angelo — Lília Carvalho Finelli 127

1 Introdução

Um trabalhador limpa a fachada do prédio pendurado apenas por uma corda,


um lixeiro corre atrás de um caminhão à noite para recolher os sacos
de lixo, uma doméstica limpa os vidros sem telas do apartamento, um adolescente
trabalha à noite inviabilizando seus estudos, um motorista trabalha por escalas em
diversas empresas, dobrando sempre sua jornada e jamais fazendo o repouso. Na rotina
corrida do dia a dia, nada disso parece trazer à população em geral qualquer reação.
As situações acima descritas podem ser vistas diariamente na realidade
brasileira, sem que sejam consideradas relacionadas com a relevância do Direito do
Trabalho, que vem a cada dia perdendo mais espaço e consideração, e, pior: sem que
exista, no imaginário de todos, a conexão entre a saúde e a segurança no trabalho
(SST) e o trabalho digno, a vida digna.
Talvez seja por isso que as alterações promovidas pela Lei no 13.467, de 13 de
julho de 2017 (Reforma Trabalhista), na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
no tocante à saúde e à segurança, não tenham tido tanta repercussão. Por qual
razão não foi pauta de maiores debates a prevalência da negociação de intervalos,
dos acordos sobre jornada e grau de insalubridade, da prorrogação de jornada em
ambientes insalubres sem licença do Ministério do Trabalho, que agora nem sequer
existe mais?
Nos tempos em que se firma a extinção do Ministério do Trabalho e se cogita
a incorporação da Justiça do Trabalho a outros ramos, boa parte das catástrofes
vivenciadas ao longo dos últimos meses – represa da Vale, incêndio do Campo de
Treinamento do Flamengo, acidente no trajeto do trabalho com Ricardo Boechat
– têm uma relação direta com o trabalho e o meio ambiente laboral. Para esse fim,
os marcos teóricos adotados por este estudo se fixarão na dimensão ampliada de
meio ambiente do trabalho e de trabalho digno.
O presente artigo tem como objetivo trazer algumas reflexões sobre o
instituto do dano extrapatrimonial à luz da Reforma Trabalhista, a partir da análise
da tragédia de Brumadinho, que ceifou centenas de vidas, examinando pontos
de mudança potencialmente danosos que não tiveram o devido destaque após
a publicação da Lei no 13.467/2017. A metodologia adotada consiste no estudo
interpretativo dos artigos 223-A a 223-G, em análise com o Direito Comparado,
especificamente sobre a parametrização do dano na Inglaterra, na Itália, na França,
nos Estados Unidos e em Portugal.

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128 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

A seguir, serão detalhados os dispositivos legais sobre o tabelamento do dano


extrapatrimonial, as diferenças entre critérios objetivos de fixação e tarifação,
os impedimentos e posicionamentos sobre o tema e as consequências práticas
vivenciadas nos meses de janeiro e fevereiro de 2019. A isso se somará o estudo
comparado, essencial para analisar a legislação apontada.

2 Reforma Trabalhista e dano extrapatrimonial


A Lei no 13.467/2017 entrou em vigor em 11 de novembro de 2017 e, três dias
depois, foi editada a Reforma da Reforma, a Medida Provisória no 808, de 14 de
novembro de 2017. Na redação original (e atual) da Reforma, foi inserido um título
específico para tratar do tabelamento do dano extrapatrimonial, composto pelos
artigos 223-A a 223-G.
A seguir, serão detalhadas as novas normas, indicando-se as diferenças entre
critérios de fixação e tarifação ou tabelamento de danos, além dos impedimentos
legais, constitucionais, internacionais e jurisprudenciais sobre o tema. Por fim, serão
apontadas algumas consequências práticas da aplicação da nova lei.

2.1 Inserção do tabelamento do dano extrapatrimonial pela Lei no 13.467/2017


A Lei no 13.467/2017 foi responsável pela inserção do Título II-A na CLT, relativo
ao dano extrapatrimonial. A partir dos artigos 223-A a 223-G, tornou-se possível o
tabelamento desse tipo de dano, fechando o que se entendia ser uma lacuna na lei
laboral, qual seja, a fixação do dano moral.
A nomenclatura dano extrapatrimonial indica o tratamento de ofensas ao
trabalhador que vão além das verbas salariais ou indenizatórias relacionadas ao
contrato. Por isso, o artigo 223-B indica que esse tipo de dano provém de ação ou
omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica.
Observe-se, portanto, que a lei permitiu que o dano extrapatrimonial ocorra em
ambos os lados da relação jurídica, atingindo tanto empregador quanto empregado.
No entanto, o mesmo dispositivo previu titularidade exclusiva do direito à reparação,
o que será objeto de crítica em tópicos subsequentes.
Como bens juridicamente tutelados em relação à pessoa física, o artigo 223-C
indicou honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde,
lazer e integridade física, apontando com isso a possibilidade de tutela dos casos em
que há associação indevida da imagem do empregado, ofensas à sua posição sexual,

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prejuízos aos descansos e períodos de ócio, como no dano existencial, entre muitos
outros. Deve-se entender, a despeito do posicionamento louvável de Francisco Ferreira
Jorge Neto, Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Letícia Costa Mota Wenzel (2019),
que, mesmo com a limitação dos bens juridicamente tutelados pelo artigo 223-C, a
morte fica contemplada no bem referente à integridade física, embora se concorde
com a posição sobre a ausência de outros bens, como é o caso da liberdade religiosa.
Por outro lado, de acordo com o artigo 223-D, os bens juridicamente tutelados
da pessoa jurídica incluem imagem, marca, nome, segredo empresarial e sigilo da
correspondência. Com isso, quis a lei reprimir os casos em que o empregado ofende
o empregador, diminuindo sua imagem ou nome, revelando a concorrentes pontos
sigilosos, fatos que ultrapassariam a mera dispensa sem justa causa, adentrando na
seara extrapatrimonial do dano moral.
A responsabilidade sobre as ofensas passou a abranger todos os que tenham
com elas colaborado, de forma proporcional à ação ou à omissão (artigo 223-E), o
que pode indicar responsabilizações, inclusive pela ausência fiscalizatória, além da
cumulação com os danos materiais (artigo 223-F), que claramente já era permitida
inclusive por posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 387 do STJ).
Na referida cumulação, deverá existir a discriminação dos valores a título
patrimonial e extrapatrimonial, retirando-se da avaliação dos danos extrapatrimoniais
a análise compositiva dos lucros cessantes e danos emergentes (parágrafos 1o e 2o
do artigo 223-F). Além disso, os critérios de fixação restaram indicados no artigo
223-G, dispositivo cuja redação foi alterada pela Medida Provisória no 808/2017, que
posteriormente perdeu a vigência, retornando-se a previsão inicial.
No quadro subsequente, é possível observar quais critérios devem ser tidos em
conta pelo magistrado na fixação do dano, seja de forma geral ou específica:
Quadro 1 – Critérios para fixação do dano extrapatrimonial segundo o artigo 223-G da CLT

Pontos a serem tidos em Critérios de tabelamento após


consideração na apreciação do julgado procedente o pedido e casos de
pedido (artigo 223-G, caput e reincidência (artigo 223-G, parágrafos 1o
incisos) a 3o), vedada a acumulação
Ofensa de natureza leve, até três vezes
A natureza do bem jurídico tutelado
o último salário contratual do ofendido

A intensidade do sofrimento ou Ofensa de natureza média, até cinco


da humilhação vezes o último salário contratual do ofendido

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130 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

Ofensa de natureza grave, até vinte


A possibilidade de superação
vezes o último salário contratual do
física ou psicológica
ofendido
Ofensa de natureza gravíssima,
Os reflexos pessoais e sociais da
até cinquenta vezes o último salário
ação ou da omissão
contratual do ofendido
Nos casos de dano extrapatrimonial
A extensão e a duração dos
contra o empregador, o salário continua
efeitos da ofensa
sendo a base da fixação
Entre partes idênticas, a
As condições em que ocorreu a
reincidência poderá elevar ao dobro o
ofensa ou o prejuízo moral
valor da indenização

O grau de dolo ou culpa


A ocorrência de retratação
espontânea
O esforço efetivo para minimizar
a ofensa
O perdão, tácito ou expresso

A situação social e econômica


das partes envolvidas

O grau de publicidade da ofensa

Fonte: elaborado a partir das alterações da Lei no 13.467/2017 na Consolidação das Leis do Trabalho.

Ressalte-se que as mudanças feitas pela MP 808/2017 se deveram


especificamente à controvérsia da relação direta entre salário contratual e
indenização, sendo proposto via medida provisória que os valores tomassem como
base o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Além
disso, a reincidência se tornaria mais abrangente (parágrafo 3o do artigo 223-G) e
teria prazo decadencial de dois anos, a contar do trânsito em julgado da decisão
condenatória. No entanto, com o encerramento da vigência sem conversão em lei, a
redação original restou confirmada.
O ponto que diz respeito a este artigo em específico, portanto, é a proteção
do dano à integridade física, que certamente extrapola a esfera patrimonial. Nos
eventos ocorridos entre os meses de janeiro e fevereiro de 2019, é possível perceber
a intercessão específica, em hipóteses de acidente do trabalho.

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No primeiro evento, o rompimento da barragem da mineradora Vale na cidade


de Brumadinho (MG), em 25/1/2019, que vem sendo considerado o maior acidente
de trabalho já ocorrido no país, o artigo 223-G ganhou destaque, em especial pela
prática da terceirização, como será discutido no tópico sobre as consequências
do tabelamento. Após uma grave enchente ocorrida no dia 6/2/2019, o Estado do
Rio de Janeiro sofreu ao ver o incêndio no Centro de Treinamento do Clube Flamengo,
no dia 8/2/2019. A isso, se somou o falecimento do jornalista Ricardo Boechat no dia
11/2/2019, em trânsito aéreo para o trabalho.
A conexão é simples. O acidente de trabalho, seja durante as atividades
(Brumadinho), nos períodos de descanso dentro do ambiente laboral (Flamengo)
ou de deslocamento para o local de trabalho (Boechat), sempre causou danos além
da esfera patrimonial. Porém, antes da Reforma Trabalhista, sua compensação não
se relacionava ao salário dos ofendidos nem tinha tabelas de requisitos a serem
observados pelo juiz na fixação do montante.
Além disso, aponta de forma acertada Roberto Dala Barba Filho (2017) que
a técnica legislativa ainda contém diversos problemas, como a vinculação do
arbitramento segundo o pedido e não pela causa de pedir, da qual decorre um
problema processual, e a ausência de objetividade do que viriam a ser ofensas leves,
médias e graves, indicando que:

A legislação pressupõe, erroneamente, que o raciocínio jurídico do


magistrado o leva a um enquadramento mental, geral e abstrato de uma
determinada lesão num quadro predeterminado de gravidade da ofensa,
para, com base nesse enquadramento, chegar a um determinado horizonte
de valores, quando, na verdade, com base na aferição de elementos – tais
como aqueles consignados nos incisos do caput – o magistrado já valora o
dano a ser reparado e lhe atribui uma importância pecuniária, se for o caso.
(BARBA FILHO, 2017, p. 188-189).

Não se quer dizer, com isso, que seja impossível criar critérios para fixar o dano
moral ou existencial. Apenas se questiona aqui a possibilidade de tarifação, tanto no
direito pátrio como nas normas internacionais às quais o Brasil aderiu, traçando um
paralelo com as leis estrangeiras, em especial as da Inglaterra, da Itália, da França,
dos Estados Unidos e de Portugal, de forma a cotejar os critérios dessas legislações.
Ressalta-se que não se adotará aqui a perspectiva de que o dano extrapatrimonial
equivale totalmente ao dano moral. Isso porque, na seara trabalhista, o dano
existencial se mostra, às vezes, com características diversas do dano moral puro e,
certamente, a inserção dos artigos 223-A a G objetivava contemplar ambos os tipos.

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132 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

2.2 Diferenças entre critérios de fixação e tarifação/tabelamento de dano


Sabe-se que a indenização pode contar com alguns sistemas na esfera
judicial, destacando-se, em especial, o tarifário e o aberto. No primeiro, existe
uma estipulação prévia (legal ou até jurisprudencial) dos limites ao quantum
indenizatório, enquanto o segundo confia ao magistrado a decisão de arbitrar o
valor por ele considerado como correto (SANTOS, 2018, p. 147). Isso não significa,
porém, que não existam nuances entre os dois sistemas.
Para a doutrina cível, da qual teoricamente deveria ter partido a inserção de
dispositivos que tutelassem ofensas que geram efeitos além da esfera patrimonial,
existe uma diferença entre ofertar ao magistrado critérios para fixar o valor da
indenização e dar a ele uma tabela com quantias específicas para este ou aquele dano.
Não à toa, o Brasil optou por prever o seguinte no Código Civil: a) a obrigação de
indenizar decorre de ato ilícito, que obriga à reparação (artigo 927, caput); b) a culpa
não será avaliada nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem
(artigo 927, parágrafo único); c) existem diferenças entre a responsabilidade dos capazes
e a dos incapazes (artigo 928); d) o perigo, quando não decorre de culpa da pessoa lesada,
oferta direito à indenização, com possibilidade de ação regressiva (artigos 929 e 930);
e) há diferenças de responsabilidade para empresários individuais e empresas quando
se diz respeito a produtos, respondendo esses independentemente de culpa (artigo 931);
f) pais, tutores, curadores, empregadores, comitentes, donos de hotelarias e hospedagens,
participantes em crimes, donos ou detentores de animais, de edifícios e construções, todos
são também responsáveis pela reparação civil, com questões específicas em relação à
culpa e às ações de regresso (artigos 932, 933, 934, 936, 937 e 938); g) independência
da ação cível em relação à criminal (artigo 935); h) os maus cobradores são penalizados
com desconto de juros e pagamento de custas em dobro (artigos 939, 940 e 941);
i) a responsabilização atinge também os bens, com solidariedade (artigo 942); e j) não
menos importante, de acordo com o artigo 943, o direito de exigir reparação e a obrigação
de prestá-la transmitem-se com a herança (BRASIL, 2002).
Quanto à fixação da indenização, as previsões no mesmo código são: a) mede-se
a indenização pela extensão do dano e, caso haja desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano, é possível sua redução (artigo 944); b) a concorrência da vítima altera a
indenização (artigo 945); c) nos casos de obrigação indeterminada ou lacuna legal ou
contratual fixando a indenização, o valor seria apurado na forma da lei processual (artigo
946); d) para os casos de homicídio, incluem-se reparações relativas ao pagamento das

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despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família e à prestação de


alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável
da vida da vítima (artigo 948); e) há a previsão de tratamento e lucros cessantes para as
lesões ou ofensas à saúde (artigo 949); f) diante da impossibilidade de exercer ofício ou
profissão ou da diminuição da capacidade de trabalho, além das despesas de tratamento
e lucros cessantes, inclui-se pensão correspondente à importância do trabalho para
que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (artigos 950 e 951); e g) prevê-se
indenização por injúria, difamação ou calúnia, mesmo se não provado prejuízo material
(artigo 953), entre outros dispositivos (BRASIL, 2002).
Percebe-se, no entanto, que o Código Civil não aponta o tabelamento ou
tarifação do dano, indicando apenas diretrizes gerais sobre sua fixação. Ocorre que
esse posicionamento vem levando os tribunais do país a fixarem de forma muito
diversa danos da mesma natureza e extensão, o que causa o que se convencionou
denominar como banalização do dano moral.
Ao serem introduzidos os dispositivos da Reforma Trabalhista, parece que a
intenção inicial era justamente evitar essa banalização, ofertando ao magistrado
ferramentas para fixar as indenizações sempre dentro dos mesmos parâmetros. No
entanto, como será possível observar nos tópicos relativos ao Direito Comparado, a
forma final aprovada foi de um extremo (baixa previsibilidade sobre o resultado final
do montante) para outro (tarifação, com enrijecimento dos valores) e, por isso, fere o
ordenamento jurídico.
Frise-se: uma coisa é oportunizar ao magistrado que se balize em critérios
objetivos de fixação; outra coisa é, em um tabelamento, condicionar os valores a
critérios que não são constitucionalmente possíveis, como ocorre na legislação
trabalhista atual. E não são constitucionais por um simples fato já conhecido no
Direito do Trabalho: o salário não é parâmetro para medir quaisquer danos.
Para corroborar a explicação, serão detalhados os impedimentos legais e
posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema.

2.3 Impedimentos legais e posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema


A CLT é uma legislação infraconstitucional e, por isso, obedece às normas postas
pela Carta Magna ou, pelo menos, deveria obedecer. Ao tarifar o dano, em especial
de acordo com o salário do ofendido ou ofensor e pela dimensão da ofensa, fere-se
constitucionalmente ao mesmo tempo a dignidade (artigo 1o, III), os valores sociais do
trabalho (artigo 1o, IV), a justiça (artigo 3o, I), a não discriminação (artigo 3o, IV), a igualdade

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134 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

(artigo 5o, I), a isonomia (artigo 5o, X) e a proibição de diferenças discriminatórias (artigo
7o, XXX a XXXII), mitigando-se a inviolabilidade da vida.
Não à toa, o Código Civil não indica a tarifação como opção mais acertada à
fixação do dano extrapatrimonial (nem ao patrimonial). Assim já se posicionou
José Affonso Dallegrave Neto, no sentido de que essa omissão sobre a tarifação é
acertada, diante da impossibilidade de aplicação de valores nominais e imutáveis a
todas as situações que possam decorrer da realidade (2014, p. 185).
Ademais, já há muito, os tribunais vêm impedindo a prática, a começar pelo
conhecido caso da Lei de Imprensa (Lei no 5.250/1967), que previa espécie de
tabelamento declarada inaplicável pela Súmula 281 do STJ, com decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) indicando a não recepção pela Constituição da República de 1988
(ADPF 130/2009). A decisão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) veio apenas para formalizar o que já era o posicionamento majoritário, exposto
em diversos Recursos Extraordinários (RE) julgados pelo mesmo tribunal.
A título de exemplo, citem-se os julgados a seguir:

INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral.


Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima.
Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística.
Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da lei no 5.250/1967.
Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente.
Interpretação do art. 5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de
1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata,
ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é
incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela
atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52
da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico
vigente. (BRASIL, 2007).

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.


INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. CRITÉRIOS DE
ARBITRAMENTO EQUITATIVO PELO JUIZ. MÉTODO BIFÁSICO. VALORIZAÇÃO
DO INTERESSE JURÍDICO LESADO E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO.
[...] 5. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a
indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo
de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. 6. Na
segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para
fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a determinação legal
de arbitramento equitativo pelo juiz. 7. Aplicação analógica do enunciado
normativo do parágrafo único do art. 953 do CC/2002 [...]. (BRASIL, 2011b).

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Recorde-se, ainda, que os artigos 223-A a G da CLT foram motivo de pedido


de emenda supressiva pelo Senador Randolfe Rodrigues (2017), destacando em
especial a restrição ao direito de ação (titularidade exclusiva), que traz grandes
impactos práticos para o tema. Ao encontro do posicionamento cível, exemplificado
pelo AgRg no EREsp no 978.651/SP, o Tribunal Regional da 24a Região determinou,
no RO 001839.30.2012.5.24, que:

DANO MORTE E PREJUÍZO DE AFEIÇÃO. DISTINÇÕES. 1. No campo da


responsabilidade civil a morte faz surgir duas linhas indenizatórias
bem definidas: há que se distinguir o direito de indenização por danos
extrapatrimoniais padecidos pela vítima direta (transmissível por herança
e reivindicável pelo espólio), do direito indenizatório decorrente de
danos extrapatrimoniais sofridos pelas vítimas indiretas (por ricochete). 2.
O prejuízo de afeição não pode ser vindicado pelo espólio, mas apenas
pelos que sofreram dano psicológico em razão da ligação afetiva que
mantinham com o falecido (vítima direta). 3. O dano morte é transmissível
por herança e deve ser vindicado pelo Espólio. TRANSMISSIBILIDADE DO
DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. É preciso
distinguir entre o direito da personalidade e direito à indenização por sua
violação: o direito da personalidade é inerente ao seu titular e não pode
ser transmitido, cedido ou alienado, mas, uma vez ofendido em quaisquer
de seus matizes, surge o direito ao ressarcimento, que só poderá ser obtido
pela via patrimonial. RESSARCIBILIDADE DO DANO MORTE. 1. O art. 5o da
Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida e é este o
maior bem jurídico tutelado por nosso ordenamento. 2. Não se concebe que
o maior patrimônio da pessoa humana, constitucionalmente tutelado, uma
vez ofendido, possa permanecer não ressarcido. 3. Nem se diga que o fim da
personalidade jurídica decorrente do falecimento da vítima impossibilitaria
o ressarcimento do dano morte, afinal, foge à lógica sustentar que a própria
lesão seja a causa de sua não ressarcibilidade. 4. E como pondera Sergio
Cavalieri Filho: “O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a
bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade
etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade,
não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue –
repita-se – é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à
indenização”(CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.
8. ed. 4a reimpr. São Paulo: Atlas, 2009). (BRASIL, 2016).

No documento enviado aos demais pares, o senador Randolfe Rodrigues (2017,


p. 4) ainda indicou que o valor contratual claramente não é critério para mensurar
dor psíquica, configurando discriminação por conferir ao sujeito mais bem colocado
no mercado de trabalho maior indenização. Por isso, haveria violação constitucional.

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A emenda, no entanto, não foi considerada, restando o texto original aprovado


na íntegra. A partir de então, consequências práticas certamente já eram previsíveis
e, com os acidentes laborais acontecidos no início de 2019, as inconstitucionalidades
e ilegalidades dos artigos 223-A a G merecem destaque.

2.4 Consequências práticas do tabelamento de dano


Diante dos acidentes de trabalho ocorridos em janeiro e fevereiro de 2019, diversas
consequências práticas do tabelamento de dano inserido pela Reforma Trabalhista
vieram à tona, junto com muitas dúvidas. Em resumo, as principais seriam: a) como
definir a gravidade dos danos?; b) como fixar um montante para um trabalhador
da Vale morto, por exemplo, e outro montante para um trabalhador terceirizado?;
c) como decidir qual vida vale mais?; d) no caso de morte, a titularidade exclusiva
significaria a impossibilidade de os familiares pleitearem o dano extrapatrimonial
trabalhista?; e) em que medida é possível lidar com os alojamentos no âmbito do
Direito Desportivo?; f) há falha na fiscalização ou na conduta empresarial?.
A primeira consequência prática do tabelamento é, claramente, a discriminação
feita a partir do salário contratual. Não há justificativa alguma para, ainda mais no
caso de morte, ofertar à família de um trabalhador uma quantia menor apenas em
decorrência da função que ele cumpria no ambiente laboral.
Embora esse seja o principal ponto de crítica, ele não é único. A própria fixação
da morte como dano gravíssimo pode fazer com que outros acidentes gravíssimos
sejam tidos como apenas graves, diminuindo ainda mais a indenização. Outra
consequência é a impossibilidade de punir educativamente o agressor, tanto no
caso de lesões graves como nos de reincidência, haja vista a determinação legal de
aplicação da penalidade em dobro apenas para os casos de partes idênticas, como
indica Barba Filho (2017, p. 189).
E, mesmo diante da diferenciação de dano, da possibilidade de impacto em
eventos futuros, da impossibilidade de majoração por reincidência, já que as
partes nunca serão as mesmas (pois só se morre uma vez), a Reforma ainda trouxe
a cereja do bolo: o artigo 223-B.
A indicação de titularidade exclusiva proposta pelo artigo 223-B da CLT, além de
violar os artigos 8o e 129 da Constituição da República de 1988, impede a atuação
constitucional do Ministério Público do Trabalho (MPT) na promoção de Ação Civil
Pública e, na contramão das previsões do Código Civil, impossibilita o pleito post

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mortem pelos sucessores (dano em ricochete) e a defesa dos interesses coletivos


pelos sindicatos.
O que aconteceria, no entanto, se a legislação estrangeira fosse aplicada a esses
casos? Nos tópicos a seguir, será elaborado um estudo comparativo dessas legislações.

3 Um estudo comparado
Países como Inglaterra, Itália, França, Estados Unidos e Portugal há muito já
preveem diferentes formas de fixação de danos extrapatrimoniais. Em razão disso,
mostra-se interessante não só indicar pontos semelhantes ou diferentes, como
levantar mais dúvidas a respeito da matéria.
Diante da polêmica que ainda assola o tema – quantificação dos danos
extrapatrimoniais –, é extremamente importante um estudo comparado a partir
dos modelos adotados por outros países, em face do potencial de colaboração
que as diferentes formas de abordagem podem apresentar. Observar os diferentes
pontos de vista poderá proporcionar, a partir de uma ótica externa, soluções mais
apropriadas para o modelo brasileiro.
Vários países utilizam sistemas que estabelecem parâmetros para a definição das
indenizações, contudo a maioria deles fixam os valores amparados em precedentes
judiciais. Os sistemas tarifário e aberto, portanto, não são as únicas opções.
A legislação inglesa traz um Conselho de Estudo do Poder Judiciário – Judicial
Studies Board – responsável por criar as tabelas chamadas de diretrizes para avaliação
de danos gerais decorrentes de acidentes pessoais – Guidelines for the Assessment
of General Damages in Personal Injury Cases –, as quais estabelecem parâmetros de
indenização baseados nos precedentes judiciais para todos os danos corporais, com
valores mínimos e máximos entre os quais o juiz poderá arbitrar.

O Judicial Studies Board é um conselho responsável pelo treinamento


e aperfeiçoamento do Poder Judiciário do Reino Unido, um corpo
independente e muito prestigiado no direito britânico18. Tal tabela é
utilizada com grande frequência na resolução dos casos submetidos ao
Poder Judiciário local. (BATISTA, 2015, p. 126).

A Itália adota um modelo semelhante, no qual existe a elaboração de tabelas


com o objetivo de fixar os danos corporais, sendo que cada região italiana possui
sua própria previsão. Ainda de acordo com os estudos de Batista, “existem tabelas
genovesas, tabelas pisanas e tabelas milanesas. A título de exemplo, a Tabela de

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138 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

Milão utiliza três fatores de cálculo: 1) grau de invalidez; 2) idade da vítima; e


3) valor-base fixado a partir de médias jurisprudenciais” (BATISTA, 2015, p. 126).
Já a França adota um modelo semelhante ao trazido pelo Código Civil brasileiro
(adotado atualmente apenas na seara cível, haja vista a reforma trabalhista),
no qual a quantificação do valor da indenização é arbitrada caso a caso. Embora o
direito francês não preveja expressamente a condenação de danos morais, possui
uma regra básica que serve de fundamento para a condenação. Para o Código Civil
francês, “artigo 1.382: [...] todo aquele que causar um dano a outrem fica obrigado a
reparar a falta.” (FRANÇA, 1804).
A regra expressa acima, então, é adotada como fundamento para a existência de
condenação em danos morais no direito francês, sendo posteriormente aperfeiçoada
e pormenorizada por outras normas. Com relação à quantificação, da mesma forma
que ocorre no Brasil (atualmente aplicado apenas na esfera cível), não existe um
tabelamento para os danos morais, devendo ser fixado em cada caso pelo julgador.
No direito americano, a opção indenizatória inclui as punitives damages (danos
punitivos, em tradução livre), que enaltecem o caráter punitivo das indenizações,
com o propósito de que tais condutas ilegais não sejam reiteradas. Nesse sentido,
a majoração no caso de reincidência apenas inter partes da Reforma Trabalhista
brasileira carece de sentido.
O direito português, por sua vez, traz importante contribuição à seara trabalhista,
pois, embora não adote uma normatização muito fechada para o estabelecimento do
valor dos danos morais, possui uma Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes
de Trabalho e Doenças Profissionais, promulgada pelo Decreto-Lei no 341, de 30 de
setembro de 1993. A referida tabela toma por base estudos científicos sobre a perda
da capacidade de trabalho em virtude de cada lesão, é extremamente detalhada e
estabelece parâmetros variáveis que servirão de base para o julgador na hora de
fixar o montante da indenização.
O grau de maturidade a que chegaram os juristas lusitanos a respeito do
assunto é tamanho que em 2007 o Decreto-Lei no 341, de 1993, foi revogado pelo
Decreto-Lei no 352/2007, que publicou duas tabelas de avaliação de incapacidades:
uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua atividade
no âmbito do direito laboral, e outra direcionada à reparação de danos no Direito
Civil. A título de exemplo, com relação às incapacidades absolutas, vale a pena
registrar o nível de detalhamento e especificação a que chegaram:

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5.A – A atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve


ter em conta:

a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta


incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares
e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do
sinistrado ou doente;

b) A avaliação é feita por junta pluridisciplinar que integra:

b.1) Um médico do Tribunal, um médico representante do sinistrado e um


médico representante da entidade legalmente responsável, no caso de
acidente de trabalho (AT);

b.2) Um médico do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos


Profissionais (CNPRP), serviço do Instituto da Segurança Social, I. P., um
médico representante do doente e um especialista em Medicina do
Trabalho, no caso de doença profissional (DP);

c) O especialista em Medicina do Trabalho, referido na alínea anterior, pode


ser substituído por perito médico de outra especialidade sempre que, as
condições concretas de cada caso a isso aconselhem e seja determinado
pelo CNPRP. (PORTUGAL, 2007).

Conforme pode ser observado, diversos países já adotam formas de tabelamento


para fixação dos danos morais, mesmo que de forma inicial, como ponto de
partida. Existem parâmetros que atribuem critérios básicos para a decisão do juiz,
contudo esses valores podem oscilar conforme as circunstâncias do caso concreto.
É exatamente nesse ponto que se tece a crítica à tarifação feita pela reforma
trabalhista, que engessou o julgador, ao determinar no artigo 223-G o seguinte:

Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

[...]

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga,


a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a
acumulação:

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do


ofendido;

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual


do ofendido;

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140 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual
do ofendido;

IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário


contratual do ofendido. (BRASIL, 2017) (grifos do autor).

Se a morte for entendida como uma ofensa gravíssima, como 50 vezes o último
salário contratual de um trabalhador vitimado pelo acidente de Brumadinho, a
quantia terá o condão de reparar o agravo sofrido? Onde está a dignidade humana
do trabalhador consagrada pela Constituição da República de 1988? Como falar em
trabalho digno? Além disso, apenas a morte seria ofensa gravíssima?

4 O novo dano extrapatrimonial trabalhista, meio ambiente do trabalho e


trabalho digno

A Reforma Trabalhista optou por inserir no ordenamento diversos dispositivos


inconstitucionais, como demonstrado por Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo e
Lília Carvalho Finelli (2017 e 2018). Contudo, o ocorrido em Brumadinho com o
envolvimento da mineradora Vale, no Rio de Janeiro com o incêndio do Campo de
Treinamento do Flamengo e com o falecimento in itinere do jornalista Ricardo Boechat
levanta os holofotes para a indenização por danos extrapatrimoniais, mormente
para os agravos de natureza grave e gravíssima: qual o valor da integridade física e
o da vida humana?
De acordo com os números divulgados em 11 de fevereiro de 2019 pela
Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), “...subiu para 160 o número de
vítimas da tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.”
(VALE, 2019). Segundo o mesmo periódico:

O número de pessoas desaparecidas caiu. Segundo o levantamento, são


155 pessoas ainda não encontradas. Destas, 37 são funcionários da Vale e
outros 118 são de empresas terceirizadas e de comunidades atingidas pelo
mar de lama. Duas pessoas continuam hospitalizadas. (VALE, 2019).

Esses números fazem dessa tragédia um dos maiores acidentes de trabalho do


Brasil ocorridos nos últimos tempos. O rompimento da barragem traz à baila discussões
adormecidas, mas necessárias, sobre meio ambiente de trabalho e trabalho digno.
Com relação aos danos ambientais, de acordo com a reportagem veiculada pelo
site do jornal Estado de Minas, o desastre causou os seguintes danos ambientais:

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A barragem, com um volume estimado de 11,7 milhões de metros cúbicos


de rejeitos, causou danos ao meio ambiente irreparáveis. Após uma prévia
perícia ambiental realizada no local, foi possível constatar que um grande
volume de lama atingiu a vegetação remanescente da Mata Atlântica,
considerado um dos biomas de maior biodiversidade.

A água antes consumida por animais diretamente no rio, se tornou imprópria


para consumo e reduziu a disposição de oxigênio na água, o que afetou em
cheio plantas e animais aquáticos. Além disso, o solo afetado tem uma
grande chance de ter suas características alteradas, já que ao secar, a lama
formará uma camada dura que afetará a fertilidade da terra. (VALE, 2019).

A terminologia meio ambiente do trabalho surgiu no direito brasileiro a partir


da Constituição da República de 1988. Com a constitucionalização do termo, esse
passou a se referir a normas de higiene e segurança do trabalho, integrando diversos
ramos do Direito – a saber: constitucional, administrativo, ambiental, trabalho,
processo do trabalho, consumidor, civil, penal etc. Além disso, a sadia qualidade de
vida no trabalho passou a ser considerada como bem tutelar. Assim é a inteligência
dos artigos 7o, XXII, 196, 200, 225, 10, II, a, do ADCT (PINTO, 2016).
Tal conceito não deve ser interpretado de forma reducionista, ao contrário.
A proteção estabelecida pelo texto constitucional garante o direito à qualidade
de vida saudável, a qual decorre do equilíbrio ecológico do meio ambiente, que
deve ser considerado em sua unidade. A proteção imediata no local em que o
trabalhador realiza suas atividades objetiva proteger a saúde humana, objeto
da dignidade, a qual não pode ser apartada de seu direito fundamental à vida,
mediatamente tutelada pelas normas de proteção ambiental.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, meio ambiente de trabalho é:

O complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento,


equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico,
instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de
periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas
de proteção, jornadas e horas extras, intervalos, descansos, férias,
movimentação, armazenagem e manuseio de materiais, que formam o
conjunto de condições de trabalho etc. (NASCIMENTO, 1999, p. 584).

A partir da definição acima, ultrapassam-se as questões em torno das normas


de higiene e segurança laborais apenas, e se agregam fatores relevantes para a
dimensão do trabalhador em sua interação com a ambiência laboral, de modo que

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142 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

existem reflexos no meio ambiente geral, na visão que o trabalhador tem de si


mesmo e nas suas relações com terceiros.
Em assim sendo, o meio ambiente do trabalho não se limita ao espaço interno da
fábrica - ao contrário, vai além do próprio local de moradia - ou ao ambiente urbano:
abrange todas as condições, elementos, inter-relações, comportamento e valores
que repercutem na sua saúde física, mental e emocional e que estão presentes no
local em que as atividades são realizadas.
As condições de trabalho afetam de forma fulminante as condições de vida e
por que não dizer nesse caso, a manutenção da vida do trabalhador. Tais acidentes
vão além de causar consequências para os trabalhadores e atingem a população em
geral (ROSSIT, 2001, p. 117).
Garantir um meio ambiente de trabalho seguro é uma das condições para o
exercício do trabalho digno. O conceito, embora amplo, foi estabelecido pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, nos seguintes termos:

[...] sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que


homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em
condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo
considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução
das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o
desenvolvimento sustentável. (OIT, 2019a).

Tal conceito determina um ponto de partida e equilíbrio para o desenvolvimento


sustentável, tal como determina a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável,
publicada pela OIT. De acordo com esse documento, devem ser adotadas entre os
Países membros medidas para proteção dos direitos laborais e promoção de ambientes
de trabalho seguros e protegidos para todos os trabalhadores (OIT, 2019b).
Conforme acompanhado nos casos de Mariana e Brumadinho, a atividade laboral
e suas consequências afetam não apenas os estabelecimentos empregadores e os
trabalhadores a eles vinculados, mas a coletividade como um todo. Nos dois casos
apontados, os fatos noticiados dão conta de deixar transparecer tais conexões.
De acordo com o observatório do MPT em parceria com a OIT, “Brasil é quarto
lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho” (MPT, 2019).
Perceba-se que a limitação da reincidência a partes idênticas beneficia as
empresas e impede o critério educativo da sanção. A título de exemplo, no caso de
Mariana/MG, ocorrido em 2015, houve o rompimento da barragem da Mineradora
Samarco – controlada pela empresa Vale – que provocou uma enxurrada de lama,

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liberou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração (óxido de ferro, água


e lama), com potencial lesivo e devastador.
Passados mais de três anos da tragédia, os danos ainda são evidentes. Com
relação às indenizações, das “53.200 solicitações de indenização feitas, 8.417 foram
pagas” (TAJRA, 2019). A parte dos trabalhadores e demais pessoas que perderam a
vida ou tiveram sua saúde afetada e os danos ao meio ambiente e às comunidades
do entorno são incalculáveis:

No Espírito Santo, os municípios mais afetados pela lama de rejeitos foram


Baixo Guandu, Colatina e Linhares. Neste último, onde o rio encontra o mar,
na Praia de Regência, a pesca continua proibida. Foi ali que o destino final
de todos os rejeitos que caminharam ao longo do rio.

Apesar do impacto direto da lama no Rio Doce, outros mananciais foram


prejudicados. A lagoa Juparanã, em Linhares, por exemplo, foi "isolada" por uma
barragem construída em 2015 para impedir que a lama de rejeitos a atingisse.

Mas, com o bloqueio, surgiram outros problemas: a água da lagoa não escoa,
causa inundações e os peixes somem. "A barragem empatou o tucunaré, a
tainha, o robalo e nós estamos em uma crise muito ruim. Estamos passando
quase fome, porque o pescador não está podendo sobreviver porque não
tem peixe", disse o pescador Jeneci Rocha.

Saímos de uma profissão para ir para outra, porque saímos da


pesca do rio e mar para ir para peixe de cativeiro. A gente não tinha
essa experiência, agora, estamos aprendendo. Estamos trabalhando com
a cabeça para ver isso funcionar, porque a gente não pode deixar a
peteca cair. (MACHADO et al., 2018).

Com relação ao caso Brumadinho, as buscas por corpos continuam, os


agravos ao meio ambiente ainda não foram completamente dimensionados e
com relação às indenizações:

Um dos receios do grupo é que a mineradora repita a estratégia jurídica


vista em Mariana — onde uma barragem se rompeu há três anos e deixou
19 mortos. Lá, a Fundação Renova, ligada à Vale, conseguiu da Justiça uma
autorização para descontar valores pagos emergencialmente a pescadores
de outros programas de indenizações. (BEZERRA; AMARAL, 2019).

Nos dois casos, além de serem dois grandes desastres ambientais, foram também
acidentes de trabalhos, no qual morreram 14 trabalhadores, todos terceirizados, de
um total de 17 vítimas fatais – no caso de Mariana. Em Brumadinho os números
ainda não são definitivos, conforme já noticiado acima, a parte dos 165 mortos,

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144 Tabelamento do dano extrapatrimonial trabalhista

155 pessoas ainda não foram encontradas. Dessas, 37 são funcionários da Vale e
outros 118 são de empresas terceirizadas e de comunidades atingidas pelo mar
de lama. Duas pessoas continuam hospitalizadas. São imensuráveis os agravos ao
meio ambiente, às comunidades, aos indígenas, aos trabalhadores, como também as
consequências no que diz respeito à qualidade da água, à pesca e ao turismo local.
A qualidade de vida depende da qualidade de trabalho, não se pode atingir a
sustentabilidade negligenciando esse aspecto.
Infelizmente, não obstante o esforço e a atuação do Ministério Público do
Trabalho, no cenário nacional, e da Organização Internacional do Trabalho com
suas diversas cartas de direito internacionais, no plano internacional, não temos
tido respostas para, sequer, minimizar os impactos do sofrimento no trabalho e dos
danos causados por ele à sociedade, ao meio ambiente e à natureza.
Lembre-se que, no caso Mariana, o padrão indenizatório era de antes da Reforma,
para o qual não havia o tabelamento dos danos morais. Mesmo assim, diante da
alteração do conceito de grupo econômico e da impossibilidade de majoração por
não serem as partes idênticas, o erro continua acontecendo.
É preciso, portanto, propor outras formas de fixar os danos. No tocante aos casos
de morte, há sugestão interpretativa aprovada na supracitada jornada, sob a égide
do enunciado no 20, segundo o qual:

DANO EXTRAPATRIMONIAL: LIMITES E OUTROS ASPECTOS DANOS


EXTRAPATRIMONIAIS. O O artigo 223-B da CLT, inserido pela Lei no 13.467
não exclui a reparação de danos sofridos por terceiros (danos em ricochete),
bem como a de danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, aplicando-se,
quanto a estes, as disposições previstas na Lei nº 7.437/1985 e no Título III
do Código de Defesa do Consumidor. (apud FELICIANO; PASQUALETO, 2018).

Refletir sobre o tema é mais do que necessário, é urgente.

5 Conclusão
De acordo com o relatório publicado recentemente pela OIT, o número de postos
formais de trabalho voltou a crescer no mundo. Esses mesmos dados apontam que os
172 milhões de desempregados que existiam em 2018 representam o equivalente
a 5% da população ativa, taxa mais baixa em dez anos. Contudo, apesar da discreta
melhora, a deterioração na qualidade de trabalho preocupa (OIT, 2019b).
A análise preditiva do ano de 2020 (realizada antes da pandemia de Sars-CoV-2)
mostrou uma tendência de manutenção do percentual (5,4%) nos próximos dois anos

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(OIT, 2020), o que não foi confirmado no relatório de 2021 (OIT, 2021), que apontou
um problema ainda maior: a ausência de segurança e o aumento de acidentes de
trabalhadores conectados a plataformas digitais.
A pesquisa seguiu justamente este itinerário, no qual o aparente ressurgimento
da economia no pós-reforma ocorreu de mãos dadas com a precarização das
condições laborais. Os fatos que serviram como estudo de caso confirmaram
factualmente e com força avassaladora os achados acima.
É também alarmante que, com relação à América Latina, os números dessa
mesma pesquisa dão conta de que a sutil recuperação da economia repercutirá
de modo também leve na geração de empregos. O que poderia ser dito das vidas
perdidas em acidentes laborais?
Neste trabalho ficou demonstrado, diante das grandes perdas sofridas e da análise
dos novos artigos da CLT que tratam da indenização por danos extrapatrimoniais,
que os padrões estabelecidos estão longe de representar a reparação e a inibição
da reiteração da conduta lesiva, conforme previsto em lei. Antes disso, constituem
verdadeira afronta à Constituição da República de 1988, atentando contra a Dignidade
Humana do Trabalhador, como também contra a vedação ao retrocesso social.

6 Referências
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149

O precedente à brasileira: vinculação


sem persuasão

ULISSES SCHWARZ VIANA


Pós-doutorando em Direito Constitucional pela Universidad de Granada,
Espanha. Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP). Mestre em
Direito Constitucional (EDAP) do (IDP). Professor do Programa de Mestrado
Acadêmico e Doutorado em Direito, graduação e Pós-Graduação lato sensu
(EDAP) do (IDP). Professor de Direito Tributário na Pós-Graduação da Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Artigo recebido em 6/7/2020 e aprovado em 18/3/2021.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Precedents no common law: uma visão geral 3 Os precedentes no


novo Código de Processo Civil: common law ou civil law? 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: o presente texto tem por escopo produzir breve estudo sobre a
adoção da sistemática de precedentes judiciais e suas implicações nas estruturas
dogmáticas do direito brasileiro. Indaga-se ao longo do texto sobre a natureza e a
conformação estrutural dos precedentes no sistema processual vigente. No texto se
investiga, como ponto de partida, a natureza e os fundamentos da autoridade dos
precedentes na tradição do common law. Perquire-se sobre a natureza persuasiva ou
simplesmente vinculativa do precedente no Brasil. Chega-se a propor a existência de
uma sistemática de precedentes à brasileira (precedentes in the Brazilian way). Notas
conclusivas são apresentadas com propostas e ressalvas, ao estudioso do direito
brasileiro, quando à possível adoção da doutrina do stare decisis em nossa tradição
jurídica, respondendo à pergunta: common law no Brasil?

PALAVRAS-CHAVE: Precedente Força Persuasiva Força Vinculativa Statutory Law


Common Law.

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150 O precedente à brasileira

Precedent in Brazil: binding force without persuasion

CONTENTS: 1 Introduction 2 Precedents in Common Law: an overview 3 Precedents in the new


Bazilian Civil Procedure Code: common law or civil law? 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: This text aims to produce a brief study on the adoption of the system of
judicial precedents and their implications on the dogmatic structures of Brazilian
law. It is asked throughout the text on the nature and structural conformation of
precedents in the current procedural system. The text investigates, as a starting
point, the nature and the foundations of the authority of precedents in the common
law tradition. It is learned about the persuasive or simply binding nature of the
precedent in Brazil. It is proposed the existence of a system of precedents to the
Brazilian one (precedents the Brazilian way), Concluding notes are presented with
proposals and caveats to the Brazilian law scholar regarding the possible adoption
of the doctrine of stare decisis in our legal tradition, responding to the question:
common law in Brazil?

KEYWORDS: Precedent Persuasive Force Binding Force Statutory Law Common Law.

Le précédent à la brésilienne : force de liaison cent persuasion

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 Les précédents en common law : un aperçu 3 Les précédents dans
le nouveau Code de procédure civile: common law ou droit civil? 4 Conclusion 5 Références.

RÉSUMÉ : Ce texte vise à produire une brève étude sur l'adoption du système de
précédents judiciaires et leurs implications sur les structures dogmatiques du droit
brésilien. Il est demandé tout au long du texte sur la nature et la conformation
structurelle des précédents dans le système procédural actuel. Le texte examine,
comme point de départ, la nature et les fondements de l'autorité des précédents
dans la tradition de common law. On apprend la nature persuasive ou simplement
contraignante du précédent au Brésil. Il est proposé l'existence d'un système de
précédents à celui du Brésil (précédant la voie brésilienne), des notes finales
sont présentées avec des propositions et des avertissements au juriste brésilien
concernant l'adoption possible de la doctrine du stare decisis dans notre tradition
juridique, répondant à la question : la common law au Brésil?

MOTS-CLÉS : Précédent Force Persuasive Force de Liaison Civil Law Common Law.

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1 Introdução

D esde o advento da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015, que introduziu no


ordenamento jurídico nacional o novo Código de Processo Civil brasileiro, um
dos temas que tem gerado mais controvérsias, apoios e resistências no direito pátrio,
não só na teoria do direito processual civil, mas também na teoria geral e na filosofia
do direito, relaciona-se com a adoção dos denominados precedentes.
Este breve texto, na verdade, constitui uma tentativa de observação teórica do
fenômeno da introdução mais explícita e direta da ideia dos precedentes decisórios
no direito brasileiro. Esse fato acabou por trazer ao cenário jurídico nacional a
ideia, defendida por muitos, de que o sistema do civil law adotado tradicionalmente
por nosso direito, por suas raízes históricas no direito continental europeu, estaria
sendo, no mínimo, influenciado pelo modelo insular e estadunidense, ou seja, pelo
denominado common law.
Indaga-se no desenvolvimento deste artigo se o precedente, regulado de modo mais
direto no novel código de processo civil, traz consigo a adoção de elementos tradicionais
do common law ou se, na verdade, teríamos criado o precedent in a Brazilian way1.
Outro ponto objeto de observação no texto é se os precedentes no Brasil
representam um legal transplant (WATSON, 1993) que reproduz aqui o espírito dos
precedents no common law. Ainda mais, se esse modelo implicaria, em certo grau,
abandono do civil law, abrindo caminho para um direito criado judicialmente, como
se verifica nas teses fixadas no regime da repercussão geral no recurso extraordinário
e dos recursos repetitivos.
Buscam-se conclusões sobre o tema que permitam uma melhor compreensão
do modelo de precedentes e, em linhas gerais, de suas possíveis implicações teóricas,
as quais pela extensão deste texto serão fixadas como pontos de partida para as
investigações sobre as eventuais mudanças estruturais no sistema jurídico brasileiro.

2 Precedents no common law : uma visão geral


Para dar início a nossas reflexões sobre o tema deste artigo, deve ser delineada
uma visão geral da ideia do precedent nos domínios do common law.
Por necessidade de síntese e objetividade, trazemos à colação o verbete
precedent do tradicional Black´s Law Dictionary, onde encontramos: 1. The making of

1 Precedente à brasileira.

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law by a court in recognizing and applying new rules while administering justice. […]. 2.
A decided case that furnishes a basis for determining later cases involving similar facts
or issues […] (PRECEDENT, 2019)2.
No âmbito do common law, como se pode constatar das definições contidas no
verbete do Black´s Law Dictionary, o precedent implica (i) criação do direito pelas
cortes ou (ii) decisão de um caso que provê embasamento para casos decididos
posteriormente, desde que envolvam base fática e questões jurídicas similares.
Como se pode verificar, a ideia do precedent no common law não parte de um
direito legislado, como regra – apesar de que existem situações reguladas em
statutes3– mas, sim, como bem observa Lon L. Fuller:

[...] we must begin by taking a commonplace distinction between the making of


laws and their interpretation. Where statutory law is concerned, this distinction
is, on the surface at least, easy to apply and express itself in a division of
labour between distinct institutions: the making of laws is for legislature,
their interpretation is for the judiciary. In the common law, this distinction is
not readily discerned; the judges who interpret the law are also those whose
decisions brought it into being4. (FULLER, 1968, p. 99).

Ao falar sobre a relação dos precedents com a questão do direito como um


sistema, tema ligado à necessidade de uma coerência estrutural interna, Fuller
observa, em outro momento, que:

In the civil law countries, system is thought of as a problem to be solved,


once and for all, by the legislator in the form he gives to statutory law. In
the common law countries, on the other hand, system is a problem for
the judge and the task of solving it forms a part of his daily routine; it is
scarcely an exaggeration to say that for the common law, in the hands of
the Anglo-American judge, system is a problem never solved, but always in
the process of being solved.

2 “1. A criação do direito por uma corte ao reconhecer e aplicar novas regras ao administrar a justiça. [...] 2.
Um caso decidido que fornece uma base para determinar casos posteriores envolvendo fatos ou questões
similares. [...]” (tradução nossa).

3 Direito legislado.

4 “… devemos começar tomando uma distinção corriqueira entre o fazer as leis e sua interpretação. Onde
se ocupa do direito legislado, esta distinção é, ao menos superficialmente, fácil de aplicar e se expressa
na divisão de trabalho entre instituições distintas: fazer as leis cabe ao legislativo, sua intepretação ao
judiciário. No common law esta distinção não é prontamente discernível; os juízes que interpretam a lei
são aqueles em cujas o trazem à existência” (tradução nossa).

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In the common law the problem of system stands in close relation to two
of its most obvious and most commonly noted characteristics: first, its
rules are not laid in advance, but developed out of actual cases as the
accidents of litigation may bring them up for decision; second, the common
law has a strong penchant for following established precedents. The first
of these characteristics is related to the problem as lending it a special
quality not found in statutory law; the second stands toward the problem
of system as an element in its solution5. (FULLER, 1968, p. 95).

Importante chamar aqui atenção ao destaque dado por Fuller ao fato de que o
juiz no civil law opera dentro de um sistema normativo estabelecido estruturalmente
pelo legislador, ao elaborar os textos normativos previamente, trazendo o problema
de que o juiz, nesse sistema, não parte do problema como simples case6, mas, sim, da
relação entre fato e texto normativo.
No common law, por sua vez, o juiz, em geral, parte do caso e de sua adequação
a um precedente. Apesar de que o próprio Fuller reconhece que na situação – que
não é atípica (não infrequente hoje em dia) – de existir um statute (statutory law), ou
seja, um direito legislado, o trabalho do juiz do common law se equipara ao do juiz no
civil law, partindo de textos normativos previamente estabelecidas pelo legislador
(FULLER, 1968, p. 99).
Por outro lado, curiosamente, tem-se constatado o crescimento do statutory law7
na tradição do common law.
Tanto é que, no espaço acadêmico anglo-saxônico, Guido Calabresi produz estudo
teórico em torno do sensível crescimento da produção normativa do Poder Legislativo
(statutory law) no campo do common law. Calabresi ressalta a circunstância de que, com
esse fenômeno, está a ocorrer uma redução do espaço da criação judicial do direito

5 “Nos países do civil law, o sistema é pensado como um problema a ser resolvido, de uma vez por
todas, pelo legislador na forma que ele dá ao direito legislado (statutory law). Nos países do common
law, por outro lado, o sistema é um problema para o juiz e a tarefa de resolvê-lo forma uma parte
de sua rotina diária; é dificilmente um exagero dizer que para o common law, nas mãos do juiz
anglo-americano, o sistema é um problema nunca resolvido, mas sempre no processo de ser resolvido.
No common law o problema do sistema está sempre em estreita relação com duas de suas mais óbvias e
mais comuns características: primeiro, suas regras não estão postas de antemão, mas desenvolvidas de
casos reais como acidentalmente a litigância os apresenta à decisão; segundo, o common law tem um
forte pendor para seguir precedentes estabelecidos. A primeira dessas características está relacionada ao
problema de prestar-lhe uma qualidade não encontrada no direito legislado (statutory); a segunda está
direcionada ao problema do sistema como um elemento em sua decisão” (tradução nossa).

6 Caso, problema a ser solucionado (tradução nossa).

7 Direito legislado.

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154 O precedente à brasileira

(court-made law)8 naquele modelo, apesar de ele reconhecer que esse espaço criativo
dos tribunais ainda se manifesta tanto no campo remanescente do típico common
law, como também no trabalho interpretativo e aplicativo do statutory law. Em outros
termos, Calabresi diagnostica o crescimento dos elementos caracterizadores do civil
law nas esferas tradicionais do common law (CALABRESI, 1985).
Por outro lado, surge outro elemento de significativa importância para a
compreensão do processo criador e sistematizador do direito pelos juízes no common
law, que é a questão do binding precedent,9 conectada com a doutrina do stare decisis,
que passamos a analisar sinteticamente.
O stare decisis é explicitado no Blak´s Law Diciotinary como: “The doctrine of
precedent, under which a court must follow earlier judicial decisions when the same
points arise again in litigation”10 (STARE DECISIS, 2019).
John Bell (PRECEDENT, 2008, p. 923) esclarece que: “…, stare decisis is a rule
giving binding legal authority to the previous decisions of higher courts or even previous
decisions of the same court. A subsequent court is required to follow the ruling laid down
in such a previous decision”11.
Entretanto, remanesce uma questão: qual a natureza dessa força obrigatória ou
autoridade do precedente no common law?
A resposta a esta questão se imbrica com o ponto central deste texto: saber se
o Brasil, ao adotar um sistema de precedentes em sua legislação processual civil,
estaria assumindo feições próprias do common law e, desse modo, mitigando sua
tradição ligada ao civil law.

8 Este aspecto é de grande relevância para a compreensão do common law, pois enquanto o juiz no
sistema do civil law interpreta e aplica, via de regra, um sistema de textos normativos já estabelecido pelo
legislador, o papel da função judicial no primeiro modelo é um tanto diverso, porque nele o juiz cria e
ainda participa centralmente da construção do direito como sistema, na verdade, como bem acentua A. V.
Dicey, em sua clássica obra, que: “the appeal to precedente is in the law courts merely a useful fiction by which
decision conceals its transformation into judicial legislation” (DICEY, 1927, p. 18). “o apelo aos precedentes
nas cortes judiciais é meramente uma ficção útil pela qual a decisão oculta sua transformação em uma
legislação judicial”. (Tradução nossa).

9 Precedente com a força.

10 “A doutrina do precedente, pela qual uma corte deve seguir decisões judiciais anteriores quando os
mesmos pontos surgem novamente em litígio” (tradução nossa).

11 “…stare decisis é uma regra que confere autoridade jurídica vinculativa a prévias decisões de cortes
superiores ou mesmo decisões prévias da mesma corte. Uma corte subsequente se vê diante da exigência
de seguir o decidido em tal decisão prévia” (tradução nossa).

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Portanto, deve ser averiguada, no plano da teoria, qual a autoridade vinculativa


do precedent no common law.
O tema da autoridade dos precedentes foi objeto de profunda investigação por
Neil Duxbury (2008, p. 9), que sistematiza o tema e aponta um dos fundamentos
pelos quais os juízes, no common law, observam os precedentes, ao asseverar
que: “...common law judges do not follow precedentes simply because they exist; they
follow – or, for that matter, distinguish ou overrule – precedents because those precedents
support particular lines of reasoning”12.
Outro fundamento apontado por Duxbury (2008, p. 21) para que os juízes sigam
os precedentes no common law está em que: “When judges follow precedents they do
so not because they fear the imposition as a sanction, but because precedent-following
is regarded among them as correct practice, as a norm, deviation from which is likely
to be viewed negatively”13.
Como os juízes não podem ser sancionados por desobediência a precedentes, Duxbury
(2008. p. 13) também preleciona que a obediência ao precedente decorre do treinamento
dos juízes no common law que os leva a crer que a lógica conclusiva decorre da analogia
dos casos antecedentes, mormente quando objeto de decisão por cortes superiores, e,
por este sentido, pode-se afirmar que um precedente detém força obrigatória.
Duxbury (2008, p. 24-25) aponta mais um fundamento nesse sentido, ao mencionar
em seu estudo teórico a observação de que a autoridade dos precedentes se embasa
em uma variedade de razões, mas uma das mais relevantes se liga à aceitação do
precedente como mecanismo facilitador da consistência14 e da equidade do processo
decisório no sistema judicial. Para nosso autor, quando aqueles incumbidos de
proferir decisões tratam os precedentes como constraints15, aumenta a possibilidade
de que casos iguais sejam decididos igualmente.

12 “... os juízes do common law não seguem os precedentes simplesmente porque eles existem; eles os
seguem – ou, por essa questão, fazem a distinção ou o overrule (superação), porque aqueles precedentes
dão suporte a linhas de raciocínio particulares” (tradução nossa).

13 “Quando os juízes seguem os precedentes eles não o fazem por temor da imposição de uma sanção,
mas porque a observância do precedente é tida entre eles como uma prática correta, como uma norma,
sendo que o desvio dela é visto provavelmente como algo negativo” (tradução nossa).

14 Neste mesmo sentido, só que a partir do marco teórico do pensamento de Niklas Luhmann, remetemos
o leitor ao estudo do problema da consistência a partir da interrelação entre os conceitos de ‘microvisão
decisória’ e ‘macrovisão decisória’ (VIANA, 2015 p. 262-263).

15 Limitações (tradução nossa).

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Tanto que a prática da distinguishing 16 deve ser exercida, neste contexto,


em caráter excepcional, pois colocaria a possibilidade de desmoralização da
doutrina do stare decisis. Ou seja, há o dever de observar uma reason implied
consistency 17 (DEXBURY, 2008, p. 48).
Outro fundamento para a observância do precedente, na doutrina do common
law, está na ideia de que os precedentes promovem uma espécie de economia
argumentativa, poupando energia no processo decisório (DEXBURY, 2008, p. 29).
Já Julius Stone (1966, p. 657) registra que as razões que dão suporte ao stare
decisis se relacionam à “...fairness and efficieny in adjudication”18, além do elemento
ligado à confiança no judiciário, como também da aceitabilidade das decisões e
da impessoalidade e dos racionais fundamentos delas. Por óbvio, temos que ter em
conta o contexto cultural da tradição do common law, no qual sempre se está diante
do dever de respeito às decisões judiciais como um valor social a ser protegido.
Duxbury (2008, p. 30) anota que o sistema de observância dos precedentes
do common law não se amolda ao modelo positivista clássico, sendo que nosso
estudioso do tema formula a conclusão de que:

[...] if the common law is precedent, and if judges are not legally bound to
follow precedents, how can the common law be law? But it should also have
become clear that common law is more than just precedent, and that, in any
case, to conclude that precedents are not laws if specific sanctions do not
apply to judges in the event of their departure from them is to subscribe to a
distorted legal philosophy. The value of the doctrine of precedent rests not in
its capacity to commit decision-makers to a course of action but in its capacity
simultaneously to create constraint and allow a degree of discretion. A theory
capable of demonstrating that judges can never justifiably refuse to follow
precedent would support a doctrine of stare decisis ill-suited to the common
law. For the common law requires not an unassailable but a strong rebuttable
presumption that earlier decisions be followed. It requires that past events be
respected as guides for present action, but not to the extent that judges must

16 Distinção, diferenciação (tradução nossa).

17 Razão implícita de consistência.

18 Justiça e eficiência na adjudicação.

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Ulisses Schwarz Viana 157

maintain outdated attitudes and a commitment to repeating their predecessors’


mistakes19. (DUXBURY, 2008, p.182-183).

Do acima estudado, percebe-se que a natureza da autoridade do precedent no


common law deve ser vista dentro da perspectiva teórica desenvolvida a partir deste
modelo sistêmico de direito, sendo conveniente concluir que o stare decisis e força
obrigatória dos precedentes não decorre da statutory law, ou seja, não se cuida de uma
vinculação ou efeito vinculante estabelecido em lei, no sentido de um ato legislativo,
de uma regra positivada no ordenamento jurídico constituído por textos legislados.
Viu-se explicitamente, das definições acima colacionadas, que o stare decisis
e a binding authority do precedente são uma doutrina complexa e tradicional,
amplamente reconhecida e radicada de modo profundo nos Países do common law.
Não se cuida de uma disposição contida nem no texto de suas Constituições nem
em sua legislação (statutory law).
De todo o exposto neste tópico, verifica-se que o precedente do common law
se funda em uma força persuasiva, decorrente da racionalidade interna de seus
fundamentos, enfim, da força e consistência de sua argumentação jurídica, bem
como do cuidado do juiz que se insere como um operador de um sistema no qual
ao mesmo tempo em que ele o opera ele o constrói dentro de um modelo que
demanda consistência e coerência, em uma perspectiva de uma justiça antes de tudo
funcional20, decidindo casos iguais de modo igual, como também decidindo de forma
diferente, casos diferentes (distinguishing e overruling).
Esse cenário servirá de base para a investigação subsequente da natureza do
precedente no direito brasileiro da atualidade.

19 “… se o common law é precedente, e se os juízes não estão legalmente obrigados a seguir precedentes,
como pode o common law ser direito? Mas deve também ser deixado claro que o common law é mais
do que simplesmente precedente, e que em todo caso, concluir que precedentes são leis se sanções
específicas não se aplicam aos juízes no caso de seu desvio em relação a eles é subscrever uma jusfilosofia
distorcida. O valor da doutrina dos precedentes repousa não na capacidade de criar um compromisso
dos que decidem a um curso de ação, mas em sua capacidade de criar simultaneamente limitação que
permite um certo grau de discricionariedade. Uma teoria capaz de demonstrar que os juízes nunca podem
recusar a seguir precedente daria suporte a uma doutrina do stare decisis mal conformada ao common
law. Porque o common law não exige uma inatacável presunção, mas uma fortemente refutável presunção,
de que as decisões anteriores devem ser seguidas. Isso exige que eventos do passado sejam respeitados
como guias para a ação presente, mas não que os juízes devam manter atitudes ultrapassadas como um
compromisso de repetir os erros de seus antecessores (tradução nossa).

20 Sobre a ideia da justiça funcional, remetemos o leitor a: VIANA, 2015, p. 285-292.

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Pela natureza teórico-investigativa deste texto, cabe aqui uma brevíssima


incursão na teoria de Alan Watson, quando este lança olhar crítico e analítico ao que
ele denomina de transplantes legais (WATSON, 1993, p. 1-9).
Watson analisa, a partir de exemplos históricos, situações em que modelos
jurídicos estrangeiros foram introduzidos em tradições jurídicas diversas, causando
mudanças estruturais que nem sempre refletiam as condições culturais e as tradições
presentes no espaço físico e nas condições antropológicas onde se formaram em
longo processo de evolução histórica.
Tanto que Watson, ao tratar no campo do direito comparado da iniciativa de
reformas no direito interno de uma sociedade por meio de empréstimo (borrow) de
institutos de outros sistemas jurídicos, ressalta que:

It can enable those actively concerned with law reform to understand their
historical rôle and their task better. They should see mora clearly weather and
how far it is reasonable to borrow from other systems and from which systems,
and wether it is possible to accept foreign solutions with modifications or
without modifications21. (WATSON, 1993, p. 16).

Essas indagações teóricas de Alan Watson levam-nos a perscrutar se a adoção


sistematizada, principalmente no novo código de processo civil, dos denominados
precedentes significa ou não a introdução do sistema de precedents, como este existe
e opera (funciona) no common law.
Faz-se necessário este estudo, porque em várias ocasiões se tem referido à
mesclagem entre o civil law e o common law, como resultado da suposta adoção do
precedent system anglo-saxônico.

3 Os precedentes no novo Código de Processo Civil: common law ou civil law?


Neste tópico, faremos a análise dos precedentes previstos na Lei no 13.105/2015,
e em outras normas processuais, pelo que verificaremos se houve uma modificação
efetiva no modelo do civil law, tradicionalmente visto como caracterizador do sistema
jurídico brasileiro.

21 “Isso pode dar a capacidade àqueles preocupados com a reforma do direito de entender melhor seu
papel histórico e sua tarefa. Eles devem ver mais claramente se e em que medida é razoável pegar
de empréstimo de outros sistemas e de quais sistemas, e se é possível aceitar soluções estrangeiras
modificando-as ou não” (tradução nossa).

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Ulisses Schwarz Viana 159

O novo Código de Processo Civil faz referência explícita ao termo precedente


nas disposições nos incisos V e VI do § 1o do art. 489, no § 2o e no § 5o do art. 927 do
Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Por outro ângulo, deve ser observado que o novo código de processo civil,
também de modo indireto, utiliza a ideia de procedente em institutos como o da
repercussão geral (STF) e no regime dos recursos repetitivos (STF e STJ), como ocorre
com a menção ao mecanismo típico do common law da distinção (distinguishing) no
§ 9o do art. 1.037, bem como nos incisos do § 12 do mesmo artigo.
Verifica-se, já de início, que no novel código de processo civil há menções ao termo
precedente, contudo o mesmo código não o delineia de forma conceitual e estrutural.
Da interpretação do sistema adotado pelo código de processo civil de 2015,
encontramos a doutrina de Luiz Alberto Gurgel de Faria (2016, p. 1.062), louvando-
se da lição do mestre italiano Michele Taruffo, segundo a qual há uma distinção
entre jurisprudência e precedente, que seria de caráter quantitativo. Nas palavras
de Gurgel de Faria (2016, p. 1.062) temos: “Quando se fala do precedente, faz-se,
geralmente, referência a uma decisão relativa a um caso particular”.
O mesmo autor registra que:

No âmbito do NCPC, os precedentes são frutos de decisões proferidas


nos incidentes de resolução de demandas repetitivas, nos recursos
especiais e extraordinários repetitivos, como também nos incidentes de
assunção de competência, de acordo com o art. 988, IV, combinado com
o art. 928. (FARIA, 2016).

Extrai-se, assim, que a eficácia vinculante das decisões prolatadas em regime de


demandas repetitivas, no recurso especial ou no recurso extraordinário, traduziria
a força vinculante de precedentes, ante o fato de ser cabível a propositura de
reclamação, nestes casos, nos termos do inciso IV do art. 988 do NCPC, como também
prevista constitucionalmente na alínea “l” do inciso I do artigo 102 e na alínea “f” do
artigo 105 da Constituição de 1988.
De todo modo, devem ser evitadas confusões ou o mau uso dos termos jurídicos,
o que impõe a definição precisa do valor semântico técnico-jurídico do termo
precedente. Como vimos acima, o termo precedente não deve ser visto como um
simples julgado antecedente, que não foi produzido, portanto, em consonância com
as previsões do art. 928 e do inciso IV do art. 988 do NCPC.
É necessário concluir que há um sistema de precedentes que resulta da
interpretação sistêmica das regras do novo código de processo civil. Assim, nem todo

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160 O precedente à brasileira

julgado é um precedente. O termo precedente dever ser confinado a um uso técnico,


ou seja, preciso e claro.
Outra observação imprescindível se relaciona com o fato de que o sistema de
precedentes brasileiro vem regulado de forma operacional na legislação processual,
ou seja, na linguagem do common law, constitui um statutory law.
Assim, o sistema brasileiro de precedentes não decorre de uma doutrina
tradicionalmente reconhecida nas práticas dos juízes brasileiros, como vimos ser o
caso no common law, com seu stare decisis, em que a observância dos precedentes
não resulta de uma lei, nem mesmo de regra contida na Constituição.
Outro ponto importante é o que precedente não se confunde precisamente
com a ideia expressa no conceito de jurisprudência, que traz, como bem preleciona
Gurgel de Faria (2016), uma diferença quantitativa, por decorrer de uma série de
decisões prévias que consagra um modo de interpretar e de aplicar princípios e
regras jurídicas a um conjunto fático determinado e recorrente.
Curioso notar que mesmo no sistema do common law a ideia da jurisprudência
não lhe é estranha, pois no sistema jurídico anglo-saxônico encontramos a noção
da stable jurisprudence, a qual surge por derivação do sistema francês que alberga
o conceito da jurisprudence constante. Importante registrar que no common law o
conceito da stable jurisprudence é visto também, como ocorre com o stare decisis,
como uma doutrina jurídica.
O Estado da Louisiana, EUA, tem laços históricos com a tradição francesa, por
ter sido no passado território francês, o que acabou por introduzir no common law
estadunidense algumas doutrinas do civil law. Entretanto, mesmo na Louisiana
Supreme Court a doutrina da stable jurisprudence surge como uma fonte secundária do
direito, após a doutrina do stare decisis22, que continua a deter primazia dentro daquele
sistema jurídico cuja matriz tradicional primária é o common law.
Daí decorre que não se pode confundir precedente, nem nos EUA nem aqui, com uma
série de precedentes, senão defini-la como uma série de julgados em um mesmo sentido.
Mas da perspectiva do direito já podemos adentrar à análise do problema
central deste texto, o de saber se o sistema de precedentes regulado no código de
processo civil de 2015 representa, de fato, uma guinada do direito brasileiro rumo à
tradição do common law.

22 Sobre esse tema, merecem leitura os seguintes casos: Willis-Knighton Med. Ctr. v. Caddo-Shreveport Sales
& Use Tax Comm'n., 903 So.2d 1071, at n.17 (La. 2005). (Opinion no 2004-C-0473); Royal v. Cook, 984 So.2d
156 (La. Ct. App. 2008).

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Ulisses Schwarz Viana 161

Nesse propósito, devemos primeiramente analisar se a ideia de precedente é de


fato nova no sistema do civil law, ou se sempre existiu, em outro contexto estrutural
e jusfilosófico, em uma espécie de precedente à la civil law, o qual, contudo, em
seus fundamentos e configuração, não se confunde exatamente com os fundamentos
tradicionais que estruturam a ideia de precedent no common law.
Neste sentido, Neil Duxbury (2008, p. 12) observa que:

Although it would be a mistake to think that courts in civil-law jurisdictions


never follow precedents, it is fair to say that stare decisis is very much a
common-law –and indeed, we will see, a modern common-law –doctrine and
that continental lawyers tend to think of precedent as persuasive argument
rather than as legal authority23.

Na mesma direção, John Henry Merryman e Rogelio Pérez-Perdomo prelecionam que:

[…] courts do not act very differently toward reported decisions in civil
law jurisdictions than do courts in the United States. Judges may refer to
a precedent because they are impressed by the authority of the prior court,
because they are persuaded by its reasoning, because they are too lazy to
think the problem through themselves, because they do not want to risk
reversal on appeal, or for a variety of other reasons. These are the principal
reasons for the use of authority in the common law tradition, and the absence
of any formal rule of stare decisis is relatively unimportant. Those who
contrast the civil law and the common law traditions by a supposed nonuse
of judicial authority in the former and a binding doctrine of precedent in the
latter exaggerate on both sides. Everybody knows that civil law courts do
use precedents. Everybody knows that common law courts distinguish cases
they do not want to follow, and sometimes overrule their own decisions.24
(MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 1985, p. 46-47).

23 “Apesar de que, seria um equívoco pensar que as cortes na jurisdição do civil law nunca seguem precedentes, o stare
decisis é uma muito mais uma doutrina do common law - e de fato, [...], que os advogados continentais têm a tendência
de pensar o precedente mais como um argumento persuasivo do que dotado de força legal” (tradução nossa).

24 “… as cortes não atuam muito diferentemente em face de decisões compiladas na jurisdição do civil law
do o que o fazem as cortes dos Estados Unidos. Os juízes podem fazem referência a um precedente porque
estão impressionados pelao autoridade da corte que previamente decidiu, porque eles estão persuadidos por
suas razões, porque são preguiçosos demais para pensar por si mesmos, porque temem a reversão de sua
decisão ou por outra variedade de motivos. Essas são as principais razões para o uso da autoridade na tradição
do common law, sendo que a ausência de uma regra forma de stare decisis é relativamente sem importância.
Aqueles que contrastam as tradições do o civil law e do common law com base em um supostão não uso
da autoridade judicial na primeira e de uma doutrina da autoridade impositiva do (binding) precedente na
segunda exagera em ambos os lados. Todos sabem que as cortes no civil law usam precedentes. Todos sabem
que as cortes do common law fazem a ‘distinguishing’ ou diferenciação de casos que eles não querem seguir e,
algumas vezes, aplicam o overrule (superação) de suas próprias decisões” (tradução nossa).

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162 O precedente à brasileira

Como visto das lições teóricas aqui trazidas, a simples admissão da existência
de precedentes, ou de sua inexistência, não deve ser tomada linearmente como
fator distintivo entre as grandes tradições jurídicas do civil e do common law. Não
obstante, nossa observação crítica à análise de Merryman e Pérez-Perdomo (1985),
em razão de que não fazem uma análise detalhada da diferenciação operativa entre
precedente e jurisprudência no civil law.
Na verdade, as tradições do common law e do civil law são, em si, manifestações
fenomenológicas da experiência universal do direito, as quais não trazem em si
diferenças que as coloquem em conflito propriamente, mas, sim, geram modelos de
soluções diferenciados para problemas jurídicos que em sua essência são assemelhados.
Por exemplo, na tradição do civil law, falam-se de lacunas legis, situações em que
o direito legislado, ou a etérea figura do legislador, não provê regramento específico
para a solução de um caso em particular, ocasião em que, segundo os códigos civis
ocidentais, devem-se socorrer de fórmulas abertas, como exemplificativamente se
faz com o recurso aos princípios gerais do direito. Por certo, nessas hipóteses, não
tão incomuns assim, o juiz do civil law cria (podemos dizer, em certo sentido, sem
lei) e sistematiza o direito, construindo o que se denomina como modelos decisórios
que derivam de uma macrovisão decisória (VIANA, 2015, p. 262), os quais, podem, se
consagrados pelas Cortes de cúpula do sistema, ser convertidos em precedente, nos
termos do NCPC.
Como se vê, são diferenças mais de fundamentos que colocam graus variados
de preeminência de certas técnicas e de estruturas dogmáticas próprias de cada
tradição e que servem, nos contextos do common e do civil law, para diferentes
métodos de solução dos casos submetidos à jurisdição.
Pela percepção dessas diferenças nas estruturas e fundamentos dogmáticos
entre as duas tradições, é muito importante que na linguagem jurídica do dia
a dia não se trate como indistintos os termos: (i) precedente, que se refere a
uma decisão de caráter autoritativo proferida em um caso específico; (ii) julgado,
como decisão produzida em caso específico, mas sem caráter autoritativo; (iii)
jurisprudência, como decisão consideradas em seu conjunto ou em massa; e, ainda,
(iv) jurisprudência consolidada, como série de decisões em um mesmo sentido
sobre uma mesma questão fático-jurídica (mesma base fática e jurídica) que
serve de vetor aplicativo a casos assemelhados.
O fato é que essa distinção é útil, porque mesmo antes do advento do novo código
de processo civil, já tínhamos a noção de precedente, nos casos de julgamento de

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Ulisses Schwarz Viana 163

ações de controle abstrato de constitucionalidade, em que essas decisões ostentam


efeito vinculante, como se extrai do parágrafo único do artigo 28 da Lei no 9.868, de
10 de novembro de 1999.
Mas, de todo modo, deve ser reconhecido que no sistema jurídico brasileiro
a ideia da força vinculativa do precedente no Brasil esteve em geral atrelada à
necessidade de comando legal que lhe conferisse tal autoridade, como decisão de
um caso específico, como no campo da jurisdição constitucional dotada de força ou
efeito vinculante. Por outro lado, já houve, em nossa tradição brasileira, certa dúvida
quanto à autoridade de precedentes vinculativos por força de então consagrado
princípio da persuasão racional do juiz, visto como liberdade intelectual na jurisdição,
que resultava da intepretação (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 73) do
art. 131 do código de processo civil de 1973.
Em suma, a ideia do precedente como decisão singular de caso específico
apta a produzir efeito vinculativo (autoritativo) ganha nova expressão no
NCPC ao extrapolar o âmbito da jurisdição constitucional, quando, por exemplo,
atribui-se força de precedente às decisões do Superior Tribunal de Justiça em sua
função uniformizadora da jurisprudência federal, no regime dos recursos repetitivos.
Curiosamente, os precedentes produzidos em sede de repercussão geral e
repetitivos em recurso extraordinário e especial servem para fixar teses jurídicas que
deverão ser observadas pelos órgãos de jurisdição inferior.
Vejam aqui o caráter inovador do precedente no Brasil, após o NCPC, o
caráter vinculativo (autoritativo) resultará de um enunciado, denominado de
tese jurídica, semelhante ao de uma súmula, que passar a funcionar como vetor
aplicativo obrigatório para casos semelhante que veiculam “idêntica questão de
direito” (BRASIL, 2015, art. 987), cujo descumprimento autoriza medida corretiva, a
reclamação (BRASIL, 2015, art. 988).
Mais inovador ainda foi a introdução do precedente em sede de Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), no qual também se forma
a denominada tese jurídica com força vinculativa (autoritativa), que também
autoriza a medida corretiva da reclamação (BRASIL, 2015, art. 988). Ainda mais,
em caso de interposição de recurso extraordinário ou especial em face da decisão
prolatada em sede de IRDR, a decisão de mérito proferida pelo STF ou STJ, conforme
o caso, será vinculativa/autoritativa (BRASIL, 2015, art. 986).
Com estas observações pontuais sobre regras vinculativas de decisão (precedente),
já podemos, para atermo-nos aos limites deste texto, que não é um estudo procedente

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164 O precedente à brasileira

no NCPC, identificar as características do precedente que passamos a denominar de


à brasileira, que são: (i) a eficácia vinculante e autoritativa da decisão específica que
funciona como precedente está fundada em comandos legais expressos na legislação
processual (statutory law). Ou seja, a força do precedente decorre de previsão legal (ex
lege) de eficácia vinculativa a tais decisões; (ii) a figura da tese jurídica traz uma ideia
de enunciado que se converte em lei para o caso; (iii) uma predominância, ao menos,
da questão jurídica sobre os fatos (mesma questão jurídica [§ 2o do art. 987 do NCPC]).
Como podemos concluir, o sistema de precedentes no Brasil surge como um modelo
baseado em uma vinculação ex lege, o qual não se funda, ao menos primariamente,
no elemento fundamentalmente persuasivo do precedente na tradição da common
law; nesta o precedente se estabelece pela autoridade resultante da racionalidade
e da fundamentação interna da decisão, ou mesmo, quando questionável (error in
judicando), impõe-se por necessidade de preservação da consistência do sistema
jurídico em sua função decisória, promovendo a equity e a fairness julgando de modo
análogo (igual) os casos análogos (iguais), ou seja, seguindo o precedente.
O sistema de precedentes à brasileira, por sua vez, repousa e deposita sua confiança
em outro mecanismo, para promover, também, a consistência e coerência das decisões
dentro da estrutura judiciária. Acabou por fazê-lo pelo mecanismo autoritativo fundado
na vinculação ex lege, o que bem serve para demonstrar o caráter originariamente
verticalizado e centralizado de criação de precedentes no Brasil.
Isso se assevera, porque o precedente em nosso direito decorre de procedimentos
formais estabelecidos no processo civil e em outras normas processuais esparsas
(v.g. Lei no 9.868/1999 [LADI] e Lei no 9.882/1999 [LADPF]). O precedente à
brasileira surge em procedimentos específicos previstos na legislação processual,
como, por exemplo: (i) nas sentenças em sede de controle abstrato (concentrado)
de constitucionalidade (ADI, ADPF etc); (ii) na repercussão geral e no regime de
repetitivos no recurso especial e extraordinário; (iii) no incidente de resolução de
demandas repetitivas e (iv) na assunção de competência.
Mais peculiar ainda, em nosso modelo de precedentes vinculativos, devemos
atentar para uma de suas características mais sensíveis, em nossa opinião, que é a
tendência objetivante e generalizante dos procedimentos com a qual se formam os
precedentes vinculativos.
Vejamos, como um dos exemplos, o controle abstrato de constitucionalidade,
o qual, ao menos conceitualmente, não aprecia fatos, mas, sim, o confronto em tese
de norma do ordenamento infraconstitucional com regras e princípios contidos na

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Ulisses Schwarz Viana 165

Constituição. Outra situação exemplificativa é a do próprio recurso extraordinário,


como também a do próprio recurso especial, nos quais não se admite o reexame
dos elementos fáticos e probatórios da controvérsia, que se objetiva como uma tese
jurídica, em que a determinação dos fatos se torna extremamente limitada e, até
mesmo, despicienda.
Já na tradição do common law, deve ser ressaltada a importância central
da análise dos fatos como elemento na construção e sistematização do direito,
mesmo porque, em grande partes das controvérsias, o juiz não tem como partir
da intepretação de um texto normativo legislativamente estabelecido (statutory
law), tendo que construir uma verdadeira rule of the case a partir da análise de
precedentes anteriores e também de analisar de forma livre, direta e primária
[partindo do fato para encontrar a rule of the case25], todas as implicações do quadro
fático do caso e de suas possíveis consequências, não ficando adstrito ao analisado
na decisão recorrida. Vejam-se, como exemplo de análise do quadro fático e da
questão na evolução social, dois casos emblemáticos, sobre a paternidade planejada
em Roe v. Wade [60. U.S. 113 (1973)] e Planned Parenthood v. Casey [61. U.S. (1992)].
Não se está aqui a defender, contudo, que na tradição do common law não haja
uma objetivação dos fatos, como mecanismo de simplificação ou de redução da
complexidade do quadro fático, mas, sim, que há um espaço conceitual de maior
liberdade de seleção e análise de elementos fáticos, o que, de certo modo, não
ocorre no Brasil, visto que no caso do recurso extraordinário e do recurso especial
temos o limitador das Súmulas no 279 (STF) e no 7 (STJ), respectivamente.
Retornando ao ponto central deste texto, devemos ressaltar a diferença essencial,
que é jusfilosófica e da teoria geral do direito, entre as tradições do common law e do
civil law, no que tange ao precedente.
No common law, o precedent e o stare decisis se inserem em uma doutrina
estabelecida e enraizada nas mais profundas estruturas da tradição jurídica do
direito anglo-saxônico26. O juiz, no common law, não segue o precedente por força
de um comando legal, legislado (statutory law), mas sim opera um modelo que preza
pela tradição e pela necessidade de construção (judicial em sua essência) de um

25 Essa característica da tradição do common law, pelo menos em nossa percepção, confere uma
aproximação mais literal da vetusta parêmia “da mihi factum, dabo tibi jus” (“dá-me o fato, dar-te-ei o
direito”) (tradução nossa).

26 A problemática da força dos precedentes, leia-se GERHARDT, 2008.

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166 O precedente à brasileira

sistema jurídico, fundado no dever judicial de coerência, consistência e equidade,


centrando-se na ideia de que casos iguais devam ser tratados de modo igual.
Com isto, não se quer neste texto defender que os precedents na tradição do
common law não tenham força obrigatória, muito longe disso, na verdade naquele
contexto eles detêm o que Michael J. Gerhardt denomina de power of precedent27
(GERHARDT, 2008, p. 3-6).
E ainda que se reconheça, como vimos na lição de Guido Calabresi (1985), o
aumento da atividade legislativa no âmbito do common law, fazendo com que os
juízes se vejam na contingência de promover, de modo crescente, a interpretação do
direito legislado (statute law), a tradição continua colocando ênfase na consistência,
na segurança e no bom grau de estabilidade do direito como sistema de soluções
jurídicas para casos que nascem de controvérsias fáticas com consequências
jurídicas relevantes. Isso porque os cases sempre demandam a função estabilizadora
do direito, exigindo do sistema judiciário congruência e aptidão para promover a
previsibilidade que se espera da função decisória do direito.
Mas não podemos, no Brasil, pela configuração de nosso sistema de precedentes,
chegar ao extremo de afirmamos que nossa tradição radicada no denominado civil
law, fundado na ideia da preponderância e centralidade de um direito legislado e,
em grande parte, codificado, tenha-se com o advento do NCPC promovido a adoção
linear de elementos do common law.
Menos ainda, que se tenha adotado o modelo e a sistemática dos precedents e a
doutrina do stare decisis, em suas estruturas dogmáticas no common law, alterando os
fundamentos filosóficos, políticos e jurídicos originários que inspiram nosso sistema
judiciário, com nossa tradição jurídica de inspiração histórica continental europeia.
Na verdade, segundo defendemos neste texto, adotamos sim um modelo à brasileira
de precedentes (precedent system in a Brazilian way).
Não se pode admitir, portanto, a ideia de que criamos legislativamente um fusion
system28 combinando common law e civil law.
O precedente à brasileira parte da ideia de que uma força vinculativa decorre do
direito processual legislado (statutory procedural law), centrado hoje no novo código
de processo civil, e não de uma força persuasiva que decorre exclusivamente de um
convencimento racional dos juízes dentro do sistema, além de outros motivos, que
os levam tradicionalmente a seguir precedentes.

27 Poder do precedente (tradução nossa).

28 Sistema híbrido (tradução nossa).

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Na verdade, ao contrário, pode-se até mesmo esperar uma certa rebeldia dos
juízes e cortes ordinárias, o que redundará, provavelmente, em um aumento do
número de reclamações. Mais ainda, porque as teses jurídicas fixadas nos precedentes
(como, por exemplo, no art. 1.039 do CPC de 2015) acabarão se convertendo em
certo grau em normas gerais e abstratas que serão objeto de novas interpretações,
divergentes em alguns casos.
Restringindo aqui o uso do termo precedente àqueles casos que são legalmente
vinculativos, como proposto neste texto, ou seja, por uma ideia que não corresponde
ao sistema de precedents do common law e sua estrutura tradicionalmente centrada
na doutrina do stare decisis.
Como também, o presente texto traz a proposta de que se adote no direito
brasileiro um uso mais restrito e terminologicamente adequado – menos aberto e
indeterminado – do vocábulo precedente, centrando-o na ideia de vinculação ex lege,
característica do civil law brasileiro (com normas processuais codificadas no CPC
de 2015), fixando contornos dogmático-jurídicos claramente definidos, dando uma
peculiar consistência teórica sem a adoção simpliciter e de lege ferenda da tradição
do common law29, que não encontra eco na atual jurisprudência pátria, esfera que
também ostenta algumas dificuldades conceituais ao invocar a existência de
precedentes vinculativos e não-vinculativos30.
O uso adequado do termo precedente, no Brasil, de acordo com a estrutura
atípica aqui adotada pelo legislador processual, se comparado com modelo
doutrinário-persuasivo do common law, talvez contribua para uma melhor compreensão
e, assim, dê maior segurança e clareza quanto à extensão de sua operacionalidade.
Se é verdade que fizemos um legal transplant (WATSON, 1993) do espírito
de uma tradição, certamente não fizemos o de suas estruturas, sendo que ao
invocar a ideia do precedente em nosso direito, fizemo-lo por reconhecimento da
imprescindibilidade de conferir estabilidade ao sistema decisório, mormente no
campo da jurisdição constitucional.

29 Esse problema dogmático está refletido na doutrina de Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, 2017,
p. 21), quando propõe o entendimento da vinculação em sentido mais amplo, o que, se adotado, traria
uma maior aproximação de lege ferenda de nosso sistema ao do common law, precisamente ao propor que:
“Além disso, é evidente que não são apenas as decisões proferidas em recursos extraordinários repetitivos
que obrigam os juízes e tribunais, mas as proferidas em todo e qualquer recurso extraordinário”.

30 Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por ex., fala-se em precedentes vinculativos e não
vinculativos, o que, para nós traz dificuldades terminológicas e confusões nas categorias dogmáticas
do direito brasileiro, como vemos na ementa de julgado da Suprema Corte brasileira formado na Rcl no
34928-AgR/BA.

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168 O precedente à brasileira

Âmbito em que deve ser recebida com certa cautela e reservas a ideia da
existência da denominada função de nomofilaquia interpretativa (MITIDIERO,
2017, p. 85), como defendido por alguns em nossa doutrina processual, com vistas
a evitar excessos interpretativos criativos ultra legem judiciais, observando aqui as
advertências de Hans Kelsen (1960, p. 348-349) em torno da relativa indeterminação
do ato aplicativo do direito na interpretação judicial, sempre mantendo em
perspectiva o nosso sistema do civil law com seu direito primacialmente legislado.
Desse modo, o precedente à brasileira resulta de uma vinculação (explícita)
ex lege, em contraste ao precedent tipicamente doutrinário-persuasivo da tradição
do common law.
Não se está aqui a defender que as decisões dos tribunais in genere não detenham
força persuasiva em nosso sistema jurídico, com vista a ao desenvolvimento de uma
cultura de respeito às decisões judiciais – inclusive pelo próprio sistema judicial – no
amplo contexto de consistência, congruência e previsibilidade do sistema jurídico, mas
que não se pode tratar todo e qualquer julgado como precedente no sentido de um
caráter vinculante, que se dá expressamente por força de lei (BRASIL, 2015, art. 927).
Deve ser realçada a linha doutrinária de José Rogério Cruz e Tucci, no sentido de
que: “Realmente, entendo também que os precedentes judiciais, em sentido amplo,
constituem valioso subsídio que auxilia a hermenêutica de casos concretos, embora
careçam de força vinculante” (CRUZ e TUCCI , 2021, p. 174).
De todo, é inegável que a inspiração da doutrina do stare decisis pode conduzir
um impulso evolutório em nossa cultura de decisões repetitivas caso a caso, muitas
vezes com soluções díspares e confrontantes, o que tem mostrado a necessidade de
estabilidade de sentido das decisões judiciais, mormente nos Tribunais e Cortes de
cúpula da estrutura do Poder Judiciário, evitando cenários de alterações constantes
da jurisprudência e, também, dos precedentes.
O sucesso dos precedentes à brasileira está em uma visão contida e
dogmaticamente precisa do que seja o precedente no direito processual positivo
brasileiro (BRASIL, 2015, art. 927), cuja operacionalidade foi posta de modo
condicionado e limitado pelo legislador processual nas mãos daqueles que estão
legalmente incumbidos de produzi-lo e a todos os operadores e estudiosos do
sistema jurídico brasileiro no sentido de compreender esta sistemática dentro de
nosso civil law, com seus precedentes vinculativos por força de lei (ex lege).
Mas, por outro lado, ao mesmo tempo em que reconhecendo a necessidade de
superação de decisões casuísticas (ad hoc) – geradoras de perplexidade e oscilações

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Ulisses Schwarz Viana 169

decisórias que retiram o prestígio do sistema decisório judiciário, com vistas à


promoção da estabilidade relativa nos precedentes produzidos, somente admitindo
distinguishing em face da mudança relevante do quadro fático e das estruturas e
da semântica sociais –, deve ser proposto aqui que as necessárias adaptações e o
processo evolutório de nosso processo civil devem ser pautados pelo aprimoramento
legislativo de nossos instrumentos processuais dotados de efeitos expressamente
vinculantes (ex lege), por ser o cenário mais adequado ao nosso sistema inserido na
família do civil law.

4 Conclusão
O presente texto teve por propósito demonstrar que os precedentes introduzidos
e regulado em normas de nosso direito processual não implicou adoção no
Brasil do sistema de precedentes e da doutrina do stare decisis, tal como eles são
compreendidos, fundamentados e estruturados na grande tradição do common law.
Em outros termos, devemos adotar a devida cautela ao afirmar que as estruturas
dogmáticas do direito processual constitucional e do processo civil brasileiros
tenham incorporado propriamente categorias dogmáticas da tradição do common
law, como a do precedente na doutrina do stare decisis.
A tradição do common law, como se viu em nosso breve estudo, em sua história
e em suas características gerais, forma-se como modelo de autoridade persuasiva dos
precedentes, como força da tradição judiciária anglo-saxônica (GERHARDT, 2008), na
qual o juiz, ao aplicar o common law (direito comum ou não legislado), não funcionaria
unicamente como intérprete da lei, mas, antes disso e de modo sistemático, o de
criador e sistematizador do direito, vinculando-se por dever sistêmico a decisões
anteriores sobre o mesmo law case.
Quadro que decorre de uma tradição jurídica que não se desenvolveu
centralmente a partir do primado do direito legislado, ou seja, do statutory law.
Desde o advento do novo código de processo civil no Brasil e de seus mecanismos
de formação de precedentes, instalou-se o debate voltado a saber se teríamos
introduzido o sistema anglo-saxônico de precedents e da correlata doutrina do stare ao
nosso direito, passando a ter um fusion system das tradições do civil e do common law.
Em nosso estudo, chegamos à proposta no sentido de que, na verdade, ocorreu a
criação de uma sistemática própria e característica de precedentes que denominamos
de precedentes à brasileira, modelo em que a autoridade do precedente não é
tradicionalmente persuasiva, mas sim resultado de regras legais processuais que

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170 O precedente à brasileira

conferem, de modo direto e expresso, mecanismos de força vinculativa, cuidando-se,


portanto, de precedentes vinculativos (ex lege) que em nada transcendem o primado
do direito legislado na tradição do civil law.
Demonstrou-se, paralelamente, neste texto que o novo código de processo
civil, ao regular a estrutura dos precedentes e sua própria formação, passou a exigir
tanto nos recursos extraordinários e especiais repetitivos a fixação de uma tese
jurídica. O que, na nossa percepção, em vez de constituir uma síntese expositiva do
rationale decisório, ou seja, dos fundamentos da ratio decidendi, acabou por resultar
na produção de uma espécie de lei para o caso, em texto que ostenta certo grau de
generalidade e que se abre a novas e divergentes interpretações, algo diferente do
processo de convencimento racional dos precedentes na doutrina do stare decisis.
Em suma, estamos no precedente à brasileira diante da força impositiva
do precedente ex vi legis. Não se cuida, portanto, no modelo brasileiro, de um
sistema persuasivo, mas sim em um sistema baseado primacialmente em decisões
vinculantes, para colocar nos termos em voga, de precedentes legalmente vinculantes.
Na verdade, o presente texto, em sua imperdoável brevidade, buscou trazer ao
estudioso do direito algumas ressalvas, dentre eles o que aponta para a necessária
cautela ao propugnar-se a adoção plena da doutrina do stare decisis nas estruturas
dogmáticas do direito brasileiro.
Por fim, ao mesmo tempo em que se ressalta a natureza teórica deste texto,
aponta-se para sua perspectiva de provocar o prosseguimento dos debates em
torno dos precedentes no Brasil, para o que se espera que ele possa ter trazido
alguma contribuição.

5 Referências
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7
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Eficácia erga omnes, efeito vinculante e


coisa julgada no controle concentrado de
constitucionalidade

RODRIGO RAGE FERRO


Doutor em Direito (UNISANTOS). Doutorando em Direito (USP). Mestre em
Direito (EPD).

Artigo recebido em 3/7/2020 e aprovado em 9/4/2021.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Controle concentrado de constitucionalidade 3 Relacionando coisa


julgada, efeito vinculante e eficácia erga omnes no controle concentrado 4 Conclusão 5 Referências.

Resumo: Interpretar conceitos jurídicos como eficácia erga omnes, efeito vinculante
e coisa julgada é uma tarefa complexa no contexto do controle concentrado de
constitucionalidade. Sempre se discutiu na doutrina se o significado dos conceitos
de eficácia erga omnes e efeito vinculante presentes nas emendas à Constituição de
1988 e na legislação infraconstitucional relativos ao controle concentrado poderia
ser interpretado com base no Código de Processo Civil vigente ou se deveria ser de
acordo com o direito tedesco. Ademais, ainda há quem sustente a tese da inexistência
da coisa julgada no controle concentrado. Diante desses desafios e na tentativa de
se aprofundar na interpretação dessas figuras e na relação entre elas, fez-se uma
análise da dimensão processual-constitucional desses institutos, usando método
hipotético-dedutivo com base na jurisprudência do STF e na doutrina nacional e
estrangeira, sempre com foco no impacto deles sobre a imunização das decisões no
âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.

Palavras - chave: Eficácia Erga Omnes Efeito Vinculante Coisa Julgada


Controle Concentrado de Constitucionalidade Novo CPC.

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174 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

Erga omnes efficacy, binding effect and res judicata in the concentrated control
of constitutionality

CONTENTS: 1 Introduction 2 Concentrated control of constitutionality 3 Relating res judicata,


binding effect and erga omnes efficacy in the concentrated control 4 Conclusion 5 References.

Abstract: Interpreting legal concepts such as erga omnes efficacy, binding effect
and res judicata is a complex task in the context of the concentrated control of
constitutionality. There has always been a discussion in the brazilian doctrine whether
the meaning of the concepts of erga omnes efficacy and binding effect present in
the amendments to the Brazilian Constitution of 1988 and in the infraconstitutional
legislation relating to the concentrated control (of constitutionality) could be
interpreted based on the Brazilian Code of Civil Procedure in force (The new Brazilian
Code of Civil Procedure) or whether they should be interpreted in accordance with
Germany law. In addition, there are still supporters for the thesis of the inexistence
of res judicata in the concentrated control (of constitutionality). Faced with these
challenges and in an attempt to go deeper into the interpretation and the relationship
among these concepts, an analysis was made about the procedural-constitutional
dimension of these legal institutes by using a hypothetical-deductive method based
on the jurisprudence of the Brazilian Supreme Court and on the national and foreign
doctrine, always focusing on their impact on the immunization of decisions within
the scope of the concentrated control of constitutionality.

Keywords: Erga Omnes Efficacy Binding Effect Res Judicata Concentrated


Control of Constitutionality New CPC (The new Brazilian Code of Civil Procedure).

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Rodrigo Rage Ferro 175

Eficacia erga omnes, efecto vinculante y cosa juzgada en el control concentrado


de constitucionalidad

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Control concentrado de constitucionalidad 3 Relacionando


cosa juzgada, efecto vinculante y eficacia erga omnes en el control concentrado 4 Conclusión
5 Referencias.

RESUMEN: Interpretar conceptos jurídicos como: eficacia erga omnes, efecto


vinculante y cosa juzgada es una tarea compleja en el contexto del control
concentrado de constitucionalidad. Siempre hubo una discusión en la doctrina si
el significado de los conceptos de eficacia erga omnes y efecto vinculante presentes
en las enmiendas a la Constitución de 1988 y en la legislación infraconstitucional
relativas al control concentrado (de constitucionalidad) podrían ser interpretados
con base en el Código de Proceso Civil vigente o si deberían ser de acuerdo con
el derecho tedesco. Además, todavía hay quien sostiene la tesis de la inexistencia
de la cosa juzgada en el control concentrado (de constitucionalidad). Ante estos
desafíos y en el intento de profundizar en la interpretación y la relación entre
esas figuras, se hizo un análisis de la dimensión procesal-constitucional de esos
institutos, utilizando método hipotético-deductivo basado en la jurisprudencia del
STF (Tribunal Supremo de Brasil) y en la doctrina nacional y extranjera, siempre
teniendo foco en el impacto de ellos sobre la inmunización de las decisiones en el
ámbito del control concentrado de constitucionalidad.

PALABRAS CLAVE: Eficacia Erga Omnes Efecto Vinculante Cosa Juzgada Control
Concentrado de Constitucionalidad Nuevo CPC (nuevo Código de Proceso Civil brasileño).

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176 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

1 Introdução

I nterpretar conceitos jurídicos como eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa
julgada é per se uma tarefa complexa, mas ganha ares mais desafiadores quando
estão inseridos no contexto do controle concentrado de constitucionalidade no
direito brasileiro.
A partir da Constituição de 1988, o controle concentrado de constitucionalidade
adquiriu maior notoriedade e importância quando comparado com o difuso
(DELLORE, 2013, p. 383). Muito dessa transformação ocorreu na década de 1990,
na qual foram implementadas relevantes modificações no controle concentrado
com a introdução de novas características da decisão do controle como: a eficácia
erga omnes e o efeito vinculante. Hoje elas se encontram positivadas tanto
na Constituição quanto na legislação infraconstitucional e foram previstas para a
decisão que julga a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação declaratória de
constitucionalidade (ADC), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO)
e arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Os institutos da eficácia erga omnes e do efeito vinculante foram desenvolvidos
com o objetivo de emprestar maior efetividade às decisões proferidas no controle
concentrado, com a finalidade de se obter uma estabilização das discussões no
âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, buscando, assim, uma
segurança jurídica (DELLORE, 2013, p. 419).
De fato, a própria noção de segurança jurídica, em geral, remete a dois princípios
materiais concretizadores, o da determinabilidade de leis, em que se exige leis
claras e densas, e o da proteção da confiança, que busca não só leis tendencialmente
estáveis, mas que não se lesem a previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos em
relação aos efeitos jurídicos dessas normas (DEGENHART, 2001, p. 131).
Diante desse cenário, pode-se dizer que a segurança jurídica e a estabilidade social
dependem da estabilidade das decisões judiciais (THAMAY, 2015, p. 192). Ademais, a
imutabilidade e a indiscutibilidade da decisão são premissas para que se possa falar
em res judicata e imunização da decisão. Isso se repercute tanto no antigo quanto no
novo Código de Processo Civil, em que a vinculação dos precedentes passa a ser uma
tendência, que na teoria permitiria uma maior estabilização das decisões.
Nessa toada, como será visto ao longo do artigo, o direito brasileiro, para
atingir tais objetivos no âmbito controle de constitucionalidade, buscou inspiração
em figuras do modelo alemão, mas não tomou o devido cuidado na importação de
institutos jurídicos alienígenos.

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Rodrigo Rage Ferro 177

De fato, sempre se discutiu na doutrina se o significado dos conceitos de


eficácia erga omnes e efeito vinculante presentes nas emendas à Constituição
de 1988 e na legislação infraconstitucional relativos ao controle concentrado de
constitucionalidade poderia ser interpretado com base no Código de Processo
Civil vigente ou se deveria ser de acordo com o direito tedesco. Ademais, o próprio
conceito de res judicata presente no Código de Processo Civil sempre foi posto em
xeque na doutrina, sequer existindo um consenso a respeito de seu conceito, muito
menos no campo específico do controle de constitucionalidade.
Ainda há quem sustente a tese da inexistência da coisa julgada no controle
concentrado de constitucionalidade, entre outros motivos: no modelo de controle
concentrado de constitucionalidade, inexistem partes, descaracterizando a
formação da coisa julgada (instituída para atingir as partes); a não existência de lide
(intersubjetiva); a inocorrência da imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo
decisório proferido pelo próprio Supremo (não autovinculação) e a constante
evolução social ou ainda pela mutação interpretativa, o que poderia tornar uma lei
ou ato normativo declarado constitucional, posteriormente, mediante provocação,
inconstitucional (não se coadunaria, na visão desses defensores, com o instituto da
coisa julgada) (THAMAY, 2015, p. 141, 145, 199). Para os mesmos, apenas o controle
difuso de constitucionalidade, com demandas intersubjetivas, permitiria que suas
decisões (elementos declaratórios) fossem passíveis de se tornarem imutáveis e
indiscutíveis (THAMAY, 2015, p. 199).
Nesse contexto, torna-se ainda mais difícil quando se tenta definir se e como
deveria ser aplicável no controle concentrado de constitucionalidade o instituto da
coisa julgada e, especialmente, de que forma se relacionaria com os dois outros
conceitos. Falta uma sistematização por parte da doutrina explicitando como esses
institutos estão inter-relacionados e como eles contribuem para a estabilização das
decisões prolatadas no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.
Diante desse desafio, fez-se uma análise da dimensão processual-constitucional
desses institutos sempre com foco no impacto deles sobre a imunização das decisões
no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.

2 Controle Concentrado de Constitucionalidade


A inconstitucionalidade ocorre quando há uma incompatibilidade do conteúdo
de determinado ato normativo (material), em que se fundamenta a sua validade
no Texto Constitucional (supremacia da Constituição), ou do seu processo de

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178 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

elaboração (formal), com a Constituição Federal, o que acarreta, em geral, na


nulidade do ato (FERREIRA, 2016, p. 301).
O sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil é misto ou
híbrido: há o concentrado (ou reservado, ou via de ação) e o difuso (ou aberto ou via
de exceção ou defesa, ou descentralizado). Nas últimas alterações legislativas, há uma
forte tendência de se conceder primazia para o método de jurisdição concentrada
(ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação
direta de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito
fundamental), em prejuízo da jurisdição difusa (FERREIRA, 2016, p. 301). Diante disso,
o enfoque principal deste artigo será o controle concentrado de constitucionalidade.
Diferente do controle difuso em que as partes litigam pela defesa de direitos
subjetivos e por interesses em concreto, no controle concentrado tem-se um processo
genérico, impessoal e objetivo em que não há contraditores na forma como ocorre no
processo comum e tem-se como objetivo a defesa da Constituição, permitindo retirar
do sistema jurídico a lei ou o ato normativo em abstrato, tido por inconstitucional. Há
uma “outorga do direito de propositura a diferentes órgãos estatais e a organizações
sociais diversas” e “o autor não alega a existência de lesão a direitos, próprios ou
alheios, atuando como representante do interesse público” (MENDES; MARTINS, 2009,
p. 402-404), na busca de se harmonizar o sistema constitucional.
Corroborando essa linha de pensamento, Luís Roberto Barroso (2011, p. 176)
assevera que o controle concentrado, embora seja jurisdicional, trata-se de um
exercício atípico de jurisdição, pois, além de não haver litígio, é um processo objetivo
sem partes no qual não há uma prestação de tutela de direitos subjetivos.
Nesse contexto, insta salientar que muitos doutrinadores, além de defenderem
que, no processo objetivo, não haveria lide (“conflito de interesses qualificados por
uma pretensão resistida” ou como aduz Francesco Carnelutti (1960, p. 93), la lite è il
conflito di interessi tra due persone qualificato dela pretesa dell’una e della resistenza
dell’altra, ou ainda, é “o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o
qual o Juiz é convidado a decidir” (LIEBMAN, 1999, p. 737-753)) e partes (ausência
de autor e réu), também afirmam que tal processo teria causa de pedir e pedido
abertos, além de maior liberdade para decisão sobre a constitucionalidade da
norma impugnada por parte dos magistrados. Para eles, isso por si só afastaria do
controle concentrado os conceitos jurídicos relacionados com o processo subjetivo,
por exemplo, a coisa julgada, já que não haveria a aplicação subsidiária, ao controle
concentrado, das regras do Código de Processo Civil vigente (THAMAY, 2015, p. 250).

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Para os que defendem essa posição, não haveria litígio, porque não há fato
controvertido, isto é, não há conflito e disputa por direito intersubjetivo, mas a
busca da mantença da Constituição sempre firme e respeitada por todas as outras
formas normativas infraconstitucionais e a defesa da ordem constitucional objetiva
(interesse genérico de toda a coletividade) (THAMAY, 2015, p. 144, 177). Ademais,
não haveria partes (não haveria litigantes com um interesse real e muito menos
pessoal, mas uma atuação em decorrência da ordem constitucional com caráter
institucional e não de defesa de interesses (THAMAY, 2015, p. 150), pois, de um
lado, se têm os legitimados do art. 103 da Constituição federal para argui-la, e, de
outro, o legitimado a defendê-la, tendo como objeto a defesa da lei ou do ato
normativo diante da Constituição (THAMAY, 2015, p. 144).
Ao defender uma aproximação entre o controle concentrado e o controle difuso,
Luiz Dellore (2013, p. 98-399) argumenta, o que parece correto na nossa opinião, que
o controle concentrado não está totalmente abstraído de características subjetivas,
pois se trata de “um procedimento especial de jurisdição constitucional” previsto na
Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, e na Lei no 9.882, de 3 de dezembro de
1999, – diplomas que trazem especificidades procedimentais para o trâmite da ADI,
ADC, ADO e ADPF, permitindo-se falar em coisa julgada nesse procedimento:
1. Em relação à lide, há uma espécie de controvérsia: a própria constitucionalidade
de um determinado dispositivo legal (DELLORE, 2013, p. 394).
2. Em relação à presença de partes, é importante antes de tudo compreender
sua conceituação.
José Frederico (1974, p. 172) entende que “as partes são aquelas que pedem
ou contra as quais se pede a prestação jurisdicional”. Já José Maria Rosa Tesheiner
(2001, p. 35) divide o conceito de partes em sentido formal e material. São partes,
em sentido formal, o autor e réu, ou seja, aquele que pede, em nome próprio, a
prestação jurisdicional e aquele contra quem ou em face de quem o autor promove
seu pedido. São partes, em sentido material, os sujeitos da relação interpessoal
que a sentença irá regular diretamente.
Considerando, portanto, do ponto de vista formal, há autor e réu. No caso do
controle concentrado, a própria Constituição federal – CF de 1988 – define quem são os
legitimados ativos que representam toda uma coletividade na impugnação da norma
acolhida de inconstitucional (atua como substituto processual da coletividade), sendo
que alguns deles precisam ainda demonstrar a existência de pertinência temática
para sua legitimidade (objetivos institucionais desse ente devem apresentar alguma

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180 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

correlação com o objeto do litígio). Ademais, pode haver um réu, isto é, no caso, a
entidade responsável pela edição do ato impugnado é instada a se manifestar nos
autos e poderá exercer a defesa com o contraditório e sofrerá os resultados no caso de
procedência da ADI (DELLORE, 2013, p. 395, 397, 425).
Nesse arrimo, é relevante asseverar que o Supremo tratou o conceito de partes
no processo objetivo (controle de constitucionalidade concentrado), previstas no art.
103 da Constituição federal, na reclamação (Rcl.) 397 MC-QO/RJ, considerando “parte
interessada” como os “órgãos ativa ou passivamente legitimados a sua instauração”.
3. Causa de pedir e pedido abertos: caso se considere que a causa de pedir é
irrestritamente aberta, como defendem muitos doutrinadores (PASTORE, 2007, p. 262),
uma vez declarada a constitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo, a princípio,
não se poderia analisar novamente a questão em virtude da eficácia preclusiva da
coisa julgada, mas, como nos assevera Gilmar Ferreira Mendes (2005, p. 294-295), que
parece correto, na nossa opinião, poder-se-ia somente rever “no caso de significativa
mudança das circunstâncias fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas
dominantes”. Portanto, declarada a constitucionalidade de uma norma, não se pode
pleitear a inconstitucionalidade com base na mesma causa de pedir. Mas, diante de
distintas causas de pedir (em virtude de “significativa mudança das circunstâncias
fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas dominantes”), considerando
não se tratar da mesma causa de pedir e uma vez que é inexistente a mesma tríplice
identidade (trea eadem), é possível nova discussão a respeito da inconstitucionalidade
da lei ou do ato normativo.
Em relação ao pedido aberto, Délton Esteves Pastore (2007, p. 263) comenta que
o Tribunal Constitucional está autorizado a realizar o controle de constitucionalidade
sobre “contrariedades que o legislador praticou ao inserir no ordenamento jurídico
legislação contrária à Constituição” e eliminá-las, mesmo que se refira a normas que
guardem independência com as que foram expressamente individualizadas na exordial,
com “fundamento de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento”.
Insta citar Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 147), que destaca a ausência de
previsão legislativa a respeito da coisa julgada no controle concentrado, mas aponta
que, em sede de controle abstrato, observando a prática processual brasileira, tem
sido adotada a parte dispositiva das decisões com o manto da imutabilidade e
eficácia contra todos.

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3 Relacionando coisa julgada, efeito vinculante e eficácia erga omnes no controle


concentrado

No sistema processual vigente, a principal forma de estabilização de uma


decisão judicial continua ainda sendo a coisa julgada. O novo CPC, por exemplo,
define a coisa julgada, no seu artigo 502, como “a autoridade que torna imutável
e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”, definição esta mais
próxima da de Liebman.
Contudo, adotar-se-á neste artigo a tese proposta por José Ignácio Botelho de
Mesquita (2004) e seguida por Walter Piva Rodrigues, segundo a qual, a coisa julgada é o
efeito do trânsito em julgado da sentença de mérito, que torna imutável (com a vedação
de propositura de uma ação idêntica, relacionada com o efeito negativo da coisa julgada)
e indiscutível (observância, em futuros processos, da conclusão a que chegou o juiz no
decisum anterior, relacionado com o efeito positivo da coisa julgada) a conclusão última
do raciocínio do juiz – o denominado elemento declaratório da sentença–, ao que se
soma a manifestação de vontade no caso de procedência e o juízo de rejeição do pedido,
no caso de improcedência (DELLORE, 2013, p. 386).
Nessa mesma toada, de acordo com o art. 503 do novo CPC, a coisa julgada
tem força de lei nos limites da questão principal: limites subjetivos (referentes às
pessoas que são cobertas pela coisa julgada, art. 506 do novo CPC, isto é, partes
e, excepcionalmente, terceiros serão atingidos) e objetivos (parte da sentença que
é coberta pela coisa julgada, isto é, em regra, a parte dispositiva e, em especial, o
elemento declaratório, art. 503 e art. 504 do novo CPC). Em relação a esse último
limite (objetivo), para identificá-lo, deve-se analisar a causa de pedir e o pedido e
não ficar restrito ao aspecto topológico da sentença (DELLORE, 2013, p. 386).
Outrossim, como foi visto anteriormente, o trâmite da ADI, ADC, ADO e ADPF pode
ser classificado como procedimento especial de jurisdição constitucional, regulado
pelas Leis nos 9.868/1999 (alterada pela Lei no 12.063/2009 que acrescentou a ADO),
e 9.882/1999 (DELLORE, 2013, p. 403-404). Também foi visto que, por meio da Lei
no 9.868/1999, da Lei no 9.882/1999 e de emendas à Constituição de 1988, foram
criadas características específicas para as decisões do controle concentrado: efeito
vinculante e eficácia erga omnes. Porém, não há, nas referidas normas, qualquer
regulamentação da coisa julgada em relação ao controle concentrado (DELLORE,
2013, p. 457). Mas, a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, proferida em via de
ação, tem caráter de definitividade, e, diante do trânsito em julgado da decisão de

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182 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

mérito, há a formação da coisa julgada (as regras e princípios processuais clássicos


se aplicam ao controle concentrado) (DELLORE, 2013, p. 403-405).
Na mesma linha de pensamento, José Rogério Cruz e Tucci (2006, p. 338, 322)
também defende a produção de coisa julgada material que vincula as autoridades
aplicadoras da lei, caso contrário, “seria inútil a previsão constitucional de ação
direta de inconstitucionalidade genérica”.
Em relação à eficácia erga omnes, somente com a Emenda Constitucional (EC)
n 3, de 17 de março de 1993, é que houve menção específica na legislação ao termo
o

“eficácia contra todos”. Apesar do seu largo uso no âmbito do controle concentrado de
constitucionalidade, a doutrina não estabeleceu maior densidade teórica (MENDES,
1999) (DELLORE, 2013, p. 408).
Enquanto no controle difuso, a decisão alcança apenas os litigantes (ou seja, é
interpartes), no controle concentrado, a decisão atinge a todos (erga omnes), isto é, os
efeitos do trânsito em julgado da decisão estender-se-ão para atingir tanto as pessoas
quanto as situações jurídicas que forem submetidas ao elemento declaratório judicial
decisório (SILVA NETO, 2013, p. 274) (THAMAY, 2015, p. 212) (a eficácia erga omnes
está prevista no parágrafo único do art. 28 da Lei no 9.868/1999, sendo que seu caput
menciona expressamente o trânsito em julgado). Realmente, o art. 102, § 2o, da CF
de 1988 e o art. 28, parágrafo único, da Lei no 9.868/1999 preveem que as decisões
declaratórias de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade têm eficácia erga
omnes. Ademais, conforme nos asseveram Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo
Gonet Branco (2017, p. 1433), “parece assente entre nós orientação segundo a qual a
eficácia erga omnes da decisão do STF refere-se à parte dispositiva do julgado”.
Em relação ao efeito vinculante (Bindungswirkung), insta salientar que se trata
de um instituto desenvolvido no direito alemão que visava dar maior eficácia às
decisões proferidas pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão de forma que
houvesse uma força vinculante tanto para a parte dispositiva da decisão quanto
para os “fundamentos ou motivos determinantes” (tragende Gründe) (MENDES, 1999).
De fato, em alguns países europeus, foi também adotado o efeito vinculante para
que a eficácia das decisões prolatadas no âmbito da jurisdição constitucional, tanto
a parte dispositiva da sentença, quanto os motivos, princípios e interpretações que
lhe serviam de fundamento, se estendesse para os demais poderes do Estado, como
os tribunais e a administração pública, proibindo a reiteração do comportamento
julgado inconstitucional e eliminando os atos que continham o mesmo vício (DINIZ,
2002, p. 219-220). Entre os países que adotam o efeito vinculante: Brasil, Portugal,

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Rodrigo Rage Ferro 183

Estados Unidos da América, Áustria, Alemanha, Itália, Singapura, Namíbia, Bulgária,


Senegal, Colômbia, França e Argentina (FERREIRA, 2016, p. 303).
Em relação ao efeito vinculante, seu surgimento se deu no Brasil com a
EC no 7, de 13 de abril de 1977, que atribuiu competência ao Supremo Tribunal
Federal para a interpretação, com efeito vinculante, de ato normativo (artigo 119, I,
l, da Constituição federal de 1967/1969, com a EC no 7/1977).
Posteriormente, foi previsto no artigo 102, § 2o, da Constituição federal, inserido
por meio da EC no 3/1993, inspirado diretamente pela chamada (Bindungswirkung)
do direito germânico (§ 31, I, da Lei da Corte Constitucional Alemã) (MENDES,
1999), e, desse momento em diante, passou a ser previsto em diversas outras
reformas relacionadas ao controle de constitucionalidade (DELLORE, 2013, p. 407).
Assim, está previsto no artigo 28, parágrafo único, da Lei no 9.868/1999 e no artigo
11 da Lei no 9.882/1999.
Acrescenta-se ainda que a EC no 45, de 30 de dezembro de 2004, alterou o
artigo 102, § 2o, da Constituição federal, prevendo o efeito vinculante da ação direta
de inconstitucionalidade e há a previsão dele no novo Código de Processo Civil
(Lei no 13.105, de 16 de março de 2015) no artigo 927, I (FERREIRA, 2016, p. 303).
Contudo, apesar dos inúmeros dispositivos propugnando a sua existência, não
se pode deixar de mencionar que se insurge o escólio de José Ignácio Botelho de
Mesquita (2005, p. 262) contra a figura do efeito vinculante, tanto pela ausência de
conceituação legal, como pela necessidade de interpretação do conceito a partir da
legislação tedesca, isto é, por meio de uma teoria contrária à nossa Constituição e
ao CPC vigente e que perde o sentido quando se considera o caráter dúplice das
ações de controle ADI e ADC: o “caráter dúplice ou ambivalente” da ADI/ADC faria
com que “a declaração oposta à pretendida pelo requerente, contrabandeada da
motivação para o dispositivo do acórdão, adquiriria eficácia contra todos, nada lhe
acrescentando a atribuição de efeito vinculante à motivação do julgado”.
Os institutos da eficácia erga omnes, do efeito vinculante e da coisa julgada
devem ser interpretados tendo em vista o arcabouço processual-constitucional
vigente, buscando uma compatibilidade entre os mesmos. Dessa forma, parece,
no esteio de Luiz Dellore (2013, p. 420), coerente considerar que, ao se observar
a eficácia erga omnes, isto é, “quem terá de observar a decisão proferida no âmbito
do controle de constitucionalidade”, está-se diante dos limites subjetivos da coisa
julgada, ou melhor, de uma ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada no
controle concentrado de constitucionalidade “de maneira que o instituto não se

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184 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

limite às partes litigantes, mas a todos, indistintamente (Executivo e Judiciário) – de


modo a evitar a repetição da discussão por quem quer que seja”. José Rogério Cruz
e Tucci (2006, p. 338), mesmo não se referindo aos limites, também afirma que as
decisões do STF, no controle concentrado, “tem força de coisa julgada ultra partes”.
De fato, quando se está diante de um controle difuso-concreto-incidental, não
se pode debater em caráter incidental sobre a constitucionalidade de questão já
decidida em controle concentrado (indiscutibilidade e eficácia positiva da coisa
julgada) (DELLORE, 2013, p. 428).
Em relação ao efeito vinculante, há duas teorias que debatem sobre o tema: uma
capitaneada por Moreira Alves [“teoria da vinculação do precedente constitucional
concentrado” (DELLORE, 2013)], em que a distinção entre eficácia erga omnes e efeito
vinculante reside no fato de que, para esta última característica, há a possibilidade
de usar a reclamação quando não for observado, algo que não ocorre para a eficácia
erga omnes; e outra teoria com destaque para Gilmar Ferreira Mendes, inspirada no
direito alemão, é a “teoria da transcendência dos motivos determinantes” (DELLORE,
2013, p. 457), em que o efeito vinculante está atrelado tanto à fundamentação
quanto ao dispositivo e deve ser tal fato observado por todos.
Já em relação aos limites subjetivos da coisa julgada (quem é abrangido pela
imutabilidade e indiscutibilidade da decisão proferida no controle concentrado),
ambas teorias não apresentam divergência, isto é, ambas se referem a “todos” e não
somente às partes do processo de controle concentrado (DELLORE, 2013, p. 434).
Já em relação à ampliação dos limites objetivos da coisa julgada, há divergências,
já que, na teoria proposta por Moreira Alves, enquanto os limites objetivos da
coisa julgada estão restritos ao dispositivo da decisão, na teoria de Gilmar Ferreira
Mendes, abarcam também a fundamentação.
Inicialmente, é relevante dizer que, conforme Olavo Augusto Vianna Alves
Ferreira (2016, p. 220) preleciona, a vinculação dos motivos determinantes não se
trata de vinculação do obter dictum, isto é, comentários laterais ou afirmações feitas
de passagem. Os comentários laterais (obter dicta) não possuem efeito vinculante.
De fato, conforme o referido autor assevera, caso fossem dotados desse efeito,
haveria a necessidade de exame aprofundado e exaustivo de cada questão dita de
passagem nos julgamentos nas ações, muitas das quais nem figuram na ementa do
Acórdão. Esse fato, além de acarretar uma enorme dificuldade aos jurisdicionados
e operadores do direito, pois teriam de ter um conhecimento dessas afirmativas,
traria enormes prejuízos na aplicação da decisão do Pretório Excelso, pois requereria

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uma aplicação minuciosa da decisão. Também cabe ressaltar que, segundo o autor,
os mesmos fundamentos da não vinculação dos motivos determinantes aplicam-se
também à não vinculação do obter dictum.
Feito esse importante comentário, insta salientar também que, para a teoria da
vinculação do precedente constitucional concentrado, o efeito vinculante não está
diretamente vinculado à coisa julgada, mas sim à exequibilidade da decisão (DELLORE,
2013, p. 436). Está relacionado a um aspecto processual, ou seja, ao uso da reclamação
no caso de descumprimento de decisão em controle concentrado. A decisão do STF
em controle concentrado deverá ser observada sob pena de o interessado valer-se do
instrumento da reclamação junto ao STF.
Já na Alemanha, a reclamação é usada com outra finalidade: provocar o controle
de constitucionalidade a ser realizado pelo Bundesverfassungsgericht (BVerG). Ele
cumpre as funções que, no Brasil, são desempenhadas pelo Recurso Extraordinário
e pela ADIN. Assim, no direito alemão, pode ser proposto: “(a) contra ato ou omissão
de Ministros ou de autoridades federais ou estatais; (b) contra uma decisão judicial;
e (c) direta ou indiretamente contra a lei” (MESQUITA, 2005, p. 263).
Em relação ao efeito vinculante, André Ramos Tavares (1998, p. 282) assinala
que, no Brasil, “vai implicar um plus em relação à eficácia erga omnes, já que cria a
possibilidade de medidas de ordem processual, como a reclamação por afronta da
autoridade do Supremo Tribunal Federal”. Nesse exato sentido, Teori Albino Zavascki
(2001, p. 52) (2008, p. 292) assevera que “o efeito vinculante confere ao julgado uma
força obrigatória qualificada” com a possibilidade de uso da reclamação em caso de
descumprimento pelos destinatários.
O novo CPC, infraconstitucionalmente, adotou o efeito vinculante no artigo 927
(FERREIRA, 2016, p. 242), dispondo que os juízes e tribunais observarão os precedentes
veiculados em: i) decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade; ii) enunciados de súmula vinculante; iii) acórdãos prolatados:
iii-a) na resolução de demandas repetitivas (artigos 985, 987, § 2o), assim também
considerados os proferidos em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; iii-b) em incidente de assunção de competência; iv) enunciados das
súmulas do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça - STJ em
matéria infraconstitucional; e v) orientação do plenário ou do órgão especial a que
estiverem vinculados os magistrados.
Outrossim, o artigo 489, § 1o, VI, do novo CPC reforça a tese do efeito vinculante
(vinculação ao precedente) no caso do processo judicial, explicitando que não é

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186 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

considerada fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula,


jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Contudo, é importante salientar, conforme destaca Olavo Augusto Vianna
Alves Ferreira (2016, p. 242), os juízes e tribunais, ao aplicarem os entendimentos
consagrados nas decisões, orientações e enunciados com efeito vinculante, devem
observar de forma imprescindível (art. 927, § 1o, da Lei no 13.105/2015):
1. Dar oportunidade para as partes se manifestarem, caso o fundamento
eventualmente a ser adotado não tenha sido objeto de apreciação pelas partes,
ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício (art. 10, da
Lei no 13.105/2015) e
2. Respeitar os requisitos exigidos para a fundamentação da decisão,
previstos pelo art. 489, § 1o, do novo CPC.
Por outro lado, para a teoria da transcendência dos motivos determinantes, o
efeito vinculante tem como principal finalidade abranger também a fundamentação
nos limites objetivos da coisa julgada. Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da
Silva Martins (2009, p. 600) inclusive explicitam que, “caso não seja adotada a
teoria da transcendência dos motivos determinantes, torna-se despiciendo o efeito
vinculante, uma vez que os limites objetivos da coisa julgada ficariam restritos ao
dispositivo da sentença”.
Insta salientar que o STF modificou sua posição algumas vezes sobre os motivos
determinantes vincularem (FERREIRA, 2016, p. 218-219):
1. Em um primeiro momento (1993), quando reputou, incidentalmente,
constitucional a instituição do efeito vinculante (§ 2o acrescido ao artigo 102 da CF
de 1988 pela EC no 3/1993), o Plenário da Corte entendeu que a vinculação somente
abrangia o dispositivo do acórdão, não as razões de decidir.
2. Em 1998, reconheceu que o efeito vinculante da decisão de mérito proferida
na ação de inconstitucionalidade abrange os fundamentos determinantes da decisão.
3. A partir de 2008, o Plenário do Supremo nunca mais adotou a tese de que os
motivos determinantes vinculam.
Há fortes óbices para a não adoção da teoria da transcendência dos motivos
determinantes, entre outros:
1. A parte da sentença que é coberta pela coisa julgada, em regra, é a parte
dispositiva e, em especial, o elemento declaratório, arts. 503 e 504 do novo CPC, e
não a fundamentação ou a motivação (DELLORE, 2013, p. 386).

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2. Conforme destaca Cassio Scarpinella Bueno (2015, p. 574), ao comentar sobre


o projeto do novo CPC na Câmara, havia a previsão expressa no § 3o do art. 521,
não mantida no Senado, em que constava a seguinte redação: “o efeito previsto nos
incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela
maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado”.
3. A interpretação sistemática que se faz do caput e do parágrafo único do
art. 28 da Lei no 9.868/1999 é no sentido de que o efeito vinculante atinge apenas o
dispositivo. Isso fica evidente quando se observa no caput que dispõe que “o Supremo
Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário
Oficial da União a parte dispositiva do acórdão” da ADI ou da ADC e não assevera sobre
a fundamentação. Devido à necessidade de publicidade da decisão para o devido
processo legal, contraditório e ampla defesa, a interpretação mais coerente é que a
fundamentação não faz parte do efeito vinculante (DELLORE, 2013, p. 430).
4. Por motivos de ordem pragmática: caso se adote essa teoria, de acordo com
o formato atual de julgamento adotado pela Suprema Corte, em que os votos dos
ministros nas causas de maior relevo são extensos, muitas vezes divergentes e
com argumentos distintos, seria extremamente complexo encontrar os motivos
determinantes nos acórdãos (DELLORE, 2013, p. 431-432).
Nesse mesmo diapasão, Roger Stiefelmann Leal (2006, p. 191) obtempera que, em
caso de discordância dos ministros em relação aos fundamentos determinantes, mas
concordância com a decisão, isso causaria uma dificuldade de definir a ratio decidendi.
5. Se realmente existisse a pretensão do Legislador para que houvesse a adoção
desta teoria pelo STF, não haveria necessidade de se editar súmula vinculante a
partir do julgamento de uma ação de controle, ou seja, de se editar súmula vinculante
exatamente nos moldes do que foi decidido na ação de controle (DELLORE, 2013, p. 432).
Para José Ignácio Botelho de Mesquita (2005, p. 270), entre as hipóteses em que
pode fazer sentido ter efeito vinculante nos termos propostos pela teoria dos motivos
determinantes é a interpretação conforme a Constituição (Verfassungskonforme
Auslegung), em que a norma é compatível com a Constituição, desde que interpretada
em um certo sentido e a interpretação fique restrita à motivação do acórdão.
Outrossim, para o mesmo autor também faria sentido, caso não se interprete como
ação dúplice a improcedência da ADI (MESQUITA, 2005, p. 269-270).
De fato, a interpretação conforme a Constituição é um mecanismo que permite
ao STF modificar uma posição anterior para, em tempos atuais, superar aquela
forma de interpretar a própria Constituição. Isso possibilita que o Supremo, caso

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188 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

tenha declarado constitucional no passado uma lei ou ato normativo, supere essa
interpretação, em face da nova forma de ver a realidade social e de interpretar a
Magna Carta (novas relações fáticas, Lebensverhältnisse, ou mudança da concepção
constitucional, Verfassungsverständnis), e a declare inconstitucional.
Para quem defende essas hipóteses, “a adoção deste entendimento (teoria dos
motivos determinantes) evitar-se-ia a existência de múltiplas interpretações conflitantes,
o que contribui para a celeridade e economia processual, motivos que inspiram a
criação do efeito vinculante” (FERREIRA, 2016, p. 304). Ademais, com o efeito vinculante
da motivação das outras decisões que interpretam a Constituição, dificultar-se-ia que,
no futuro, fosse praticado ato contrário à interpretação constitucional dominante no
Pretório Excelso (não necessitaria o estabelecimento de súmula vinculante).
Em relação à teoria da vinculação do precedente constitucional concentrado, na
ADC-QO1, julgamento em 01 de dezembro de 1993, publicado em 16 de junho de
1995 (fls. 19-20), o rel. Min. Moreira Alves comenta que o efeito vinculante obriga
que os demais órgãos do Poder Judiciário respeitem a decisão exarada pelo STF, caso
contrário a parte prejudicada pode valer-se da reclamação constitucional. Contudo,
o efeito vinculante fica restrito à parte dispositiva da decisão definitiva de mérito.
Nesse sentido, o efeito vinculante no controle abstrato obriga a observância e
o cumprimento da decisão por parte de todos os magistrados, membros do Poder
Executivo e particulares que estão vinculados à decisão (parte dispositiva do
acórdão) do Pretório Excelso nas ações em estudo. Contudo, a previsão do efeito
vinculante no novo Código de Processo Civil é mais restrita quanto aos destinatários,
só prevendo juízes e Tribunais (art. 927, I, do novo CPC).
Questão relevante no que concerne à dimensão subjetiva do efeito vinculante
está relacionada à possibilidade de a decisão proferida vincular ou não o próprio
STF. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017, p. 1444-1445)
comentam que, na Alemanha, o Tribunal Constitucional Alemão não é autovinculado,
pois, caso contrário, conforme previsão de boa parcela da doutrina alemã, isso, além
de engessar o Direito Constitucional, obrigaria que a Corte sustentasse teses já
ultrapassadas ou mesmo errôneas.
No Brasil, para os supracitados autores, a expressão referente ao efeito vinculante:
“aos demais órgãos do Poder Judiciário”, prevista na EC no 3/1993, também aponta
nesse sentido, além de que, caso houvesse autovinculação, isso significaria “uma
renúncia ao próprio desenvolvimento da Constituição, tarefa imanente aos órgãos
de jurisdição constitucional” (MENDES; BRANCO, 2017, p. 1445).

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É importante que se assevere que o Supremo Tribunal Federal não está


vinculado às suas próprias decisões, isto é, “a força de lei da decisão da Corte
Constitucional que confirma a constitucionalidade revelar-se-ia problemática se o
efeito vinculante geral, que se lhe reconhece, impedisse que o Tribunal se ocupasse
novamente da questão” (MENDES; BRANCO, 2017, p. 1433). Por isso, pode uma norma
já declarada constitucional vir a ser declarada inconstitucional posteriormente, bem
como pode o descumprimento de preceito fundamental antes não reconhecido, ou
até reconhecido, vir a ser novamente questionado em dias atuais e receber nova e
diversa decisão (THAMAY, 2015, p. 141), mas sob determinadas condições.
De fato, o Supremo pode mudar as suas posições equivocadamente formadas,
evitando que essas decisões se perpetrassem para sempre. Vincular o Supremo
“certamente seria um atentado ao desenvolvimento da Constituição e da Sociedade
brasileira”, enrijeceria o sistema jurídico nacional (THAMAY, 2015, p. 184, 187). Caso
se considerasse que a decisão do Supremo não pudesse ser modificada, outro
problema grave ocorreria, “qual seja petrificar as decisões da corte como verdadeiras
“cláusulas pétreas” (THAMAY, 2015, p. 185).
Gilmar Ferreira Mendes admite “que a questão decidida seja novamente conhecida
e definida pelo Supremo, mas o faz por meio do que entende por desvinculação da
coisa julgada pela cláusula rebus sic stantibus” (THAMAY, 2015, p. 213). Tal fato está em
consonância com o art. 505, I, do novo CPC.
De fato, o supracitado jurista reconhece que sentenças contêm implicitamente
a cláusula rebus sic stantibus, de forma que alterações posteriores, como
hipóteses de significativas mudanças fáticas ou de importante alteração das
concepções jurídicas relevantes, podem tornar inconstitucional uma norma que foi
anteriormente considerada legítima (inconstitucionalidade superveniente), portanto, a
constitucionalidade da norma pode ser revista pelo STF (MENDES, 2005, p. 294-295).
Nesse mesmo diapasão, Oswaldo Luiz Palu (2001, p. 232), sedimentado nas
lições de Konrad Hesse, agrega ao tema relevante conclusão, concordando com
a possibilidade de propositura de uma nova ADI e com a não vinculação do
Supremo, considerando que a Corte não está impedida de rever seu entendimento
com a possibilidade de novas propostas interpretativas e de a coisa julgada
anterior não mais prevalecer.
Insta salientar que “também o STF tem entendido que a declaração de
inconstitucionalidade não impede o legislador de promulgar lei de conteúdo idêntico
ao do texto anteriormente censurado” (MENDES; BRANCO, 2017, p. 1439), pois o

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190 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

Legislador não é destinatário do efeito vinculante, uma vez que não há qualquer
norma constitucional, ou ainda infraconstitucional, dispondo tal vinculação. Caso
assim fosse, essa vinculação, definitivamente, afetaria a separação de poderes e
tenderia a aboli-la (FERREIRA, 2016, p. 305).
Conforme já foi visto ao longo deste artigo, considerando o texto constitucional e
a Lei no 9.868/1999, quando ocorre uma decisão de mérito sobre a constitucionalidade
ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, a eficácia é erga omnes, de modo
que, caso haja incompatibilidade com a Magna Carta, deve-se reconhecer, ipso jure, a
sua nulidade e a sua imediata extirpação do ordenamento jurídico, a não ser que a
Corte, sobre algum fundamento específico, module os efeitos da decisão (MENDES;
BRANCO, 2017, p. 1437-1438). Tal fato foi “inspirado nos modelos constitucionais
positivados no direito português e no direito alemão” (ADI no 2215/PE, medida
cautelar, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17 de abril de 2001).
O efeito pro futuro, inovação infraconstitucional prevista no artigo 27
da Lei no 9.868/1999, para a decisão proferida na ação declaratória de
constitucionalidade e na ação direta de inconstitucionalidade, e no artigo 11
da Lei no 9.882/1999, para a decisão prolatada na arguição de descumprimento
de preceito fundamental, permite que, por razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois
terços de seus membros, decida que aquela decisão só tenha eficácia em momento
que venha a ser fixado. Trata-se de uma hipótese excepcional, já que a regra é o
efeito ex tunc (FERREIRA, 2016, p. 133).
Portanto, são necessários dois requisitos para que o Supremo Tribunal Federal
module os efeitos: formal (quórum de dois terços para decisão de modulação) e
material (presença de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social).
À guisa de conhecimento, alguns países, além do Brasil, também adotaram a
modulação de efeitos (FERREIRA, 2016, p. 155): Portugal (art. 282.2 e 4 da Constituição);
Alemanha (art. 79.2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional); Espanha (art. 40 da
Lei Orgânica do Tribunal Constitucional); Áustria (art. 140.5 da Constituição); Polônia
(art. 190.3 da Constituição); Eslovênia (art. 161 da Constituição); Turquia (art. 153
da Constituição); Hungria (Lei (Ato) XXXII/1989); México (art. 105, I, da Constituição
e art. 45 de sua Lei Regulamentar); Peru (arts. 36 e 40 da Lei no 26.435/1995 - Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional); entre outros.
Contudo, diferente do que ocorre no Brasil, em alguns desses países, há
previsão expressa de limites para a projeção do efeito, como: Áustria (um ano para

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as leis); Polônia (até 18 meses para as leis); Eslovênia (um ano); Turquia (um ano)
(FERREIRA, 2016, p. 136).
Sobre a modulação de efeitos, Lenio Streck (2002, p. 545) critica o instituto em
comento, deixando claro que isso enfraquece a força normativa da Constituição e é
estranho ao Direito Constitucional brasileiro, uma vez que seria possível manipular
efeitos com base em “vagos e ambíguos fundamentos da existência de razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social”.
Já Teori Albino Zavascki (2001, p. 51) argumenta que o fato de ser prolatada a
nulidade da norma inconstitucional e, em decorrência, a eficácia ex tunc da decisão
que a declara “não significa dizer que, em face de certas circunstâncias excepcionais
e em nome de outros valores constitucionalmente relevantes, não se possa manter
determinada situação formada inconstitucionalmente”.
É relevante que se diga que esse efeito permite que o STF atue como um verdadeiro
Legislador positivo estabelecendo o momento da extinção de relações jurídicas
inconstitucionais de forma abstrata, o que, portanto, deve ser avaliado de acordo com
o princípio da razoabilidade, evitando-se uma duração prolongada com prejuízos à
certeza do direito e a estabilidade das relações jurídicas, além de infringência ao
próprio princípio da segurança jurídica (FERREIRA, 2016, p. 134-135, 167).
Conforme Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira (2016, p. 170), há limites ou
balizas a serem seguidos (as) para a modulação de efeitos: as cláusulas pétreas,
dentre elas: os direitos fundamentais, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito,
a coisa julgada, a retroatividade da lei penal mais benéfica, além do princípio da
irretroatividade da lei tributária.
Em relação a esse último limite, Rubens Gomes de Sousa (1997, p. 55) bem
adverte que, se fosse lícito ao Fisco, por simples oportunidade, mudar de critério
jurídico da valoração do fato gerador, a atividade de lançamento passaria a ser
discricionária, o que, definitivamente, contraria a lei.
Adicionalmente, pode-se asseverar que “a aplicação da modulação da lei
inconstitucional em prejuízo ao patrimônio do contribuinte configura situação de
gravíssima insegurança jurídica e econômica totalmente incompatível com a CF”
(FERREIRA, 2016, p. 179).
Em Portugal, inclusive há previsão constitucional, como regra geral, de afastar a
coisa julgada dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade: a coisa julgada
não é alcançada pela declaração de inconstitucionalidade (FERREIRA, 2016, p. 173).

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192 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

É salutar que se assevere que o § 15 do artigo 525 do novo Código de Processo


Civil (em remissão ao art. 525, § 12, do mesmo Códex) prevê que, se a decisão do
Supremo que considere inexigível a obrigação fundada em título executivo judicial
com base em lei ou ato normativo inconstitucional, ou fundada em aplicação ou
interpretação da lei ou do ato normativo tido como incompatível com a Constituição
Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, for proferida
após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo
será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado ou difuso. Isso “evita a eternização de litígios, já
que a decisão do Supremo poderá ser prolatada anos depois do trânsito em julgado
da decisão que seria objeto da ação rescisória, em manifesta afronta à segurança
jurídica” (FERREIRA, 2016, p. 128).
Sem embargo, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2015, p. 1.039)
entendem que a contagem do prazo decadencial da rescisória, prevista no § 15 do
artigo 525 do novo Código de Processo Civil, deverá ser interpretada de acordo com o
princípio da segurança jurídica e da garantia fundamental da intangibilidade da coisa
julgada (art. 5o, XXXVI, CF de 1988), podendo somente ser iniciada a partir do trânsito
em julgado da decisão do STF, desde que a pretensão rescisória cujo prazo tenha-se
iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda não tenha sido extinta.
De fato, é importante salientar que, no Acórdão do RE no 592.912/RS AgR,
julgamento em 03 de abril de 2012, o relator Min. Celso de Mello deixa explícito
que, para que haja a desconstituição da sentença de mérito transitada em julgada e
da autoridade da coisa julgada por meio da ação rescisória, essa deve ser proposta
no prazo decadencial, caso contrário trata-se de uma “coisa soberanamente julgada”,
insuscetível de ulterior modificação mesmo que o fundamento da sentença seja
baseado em legislação, posteriormente, declarada inconstitucional pelo STF.
Nesse arrimo, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017,
p. 1.438) destacam que, na ordem jurídica brasileira, há a proteção ao ato
singular, com a diferenciação entre o “efeito da decisão no plano normativo e
no plano do ato singular mediante a utilização das fórmulas de preclusão”, de
forma que os atos praticados fundamentados em lei inconstitucional e que não
sejam mais suscetíveis de revisão não serão impactados pela declaração de
inconstitucionalidade da lei (planos distintos).
Reforçando esse pensamento, à guisa de exemplo, há o Recurso Extraordinário
n 730.462/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, consubstanciando o fato de que “a
o

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decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a


inconstitucionalidade de preceito normativo (eficácia normativa) não produz a
automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado
entendimento diferente”. “Para que tal ocorra, é indispensável a interposição
do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria”,
preservando a segurança jurídica nas relações sociais e jurídicas para as decisões
judiciais transitadas em julgado (artigo 525, § 12, c/c art. 535, § 8o, do novo CPC).
Outrossim, destaca a decisão supracitada que não se pode confundir a
eficácia normativa, que mantém ou exclui uma norma do ordenamento jurídico
com base na constitucionalidade ou inconstitucionalidade declarada pelo STF,
com a eficácia executiva ou instrumental, que não depende da vigência da norma
examinada e que atribui à sentença do STF uma força impositiva decorrente de seu
efeito vinculante em relação a atos administrativos ou judiciais supervenientes
(mesmo que fundamentada em norma declarada inconstitucional posteriormente).
Portanto, “declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito
normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores
que tenham adotado entendimento diferente”.

4 Conclusão
Conforme foi visto neste estudo sobre a eficácia erga omnes, efeito vinculante e
coisa julgada, há uma necessidade de compatibilizar esses institutos dentro de um
sistema processual-constitucional atípico como é o caso do controle concentrado de
constitucionalidade, em que o conceito de lide e o da tríplice identidade são flexibilizados
em prol de uma aproximação com o processo subjetivo e suas definições clássicas.
A tentativa de buscar no direito alienígena uma definição mais precisa ou
incorporar institutos de forma completamente segregada da realidade jurídica do
país, além de ser pouco eficaz, pode acarretar uma maior complexidade, porque
o contexto jurídico é completamente diferente do país para onde foi transplantado.
Um exemplo que foi visto neste artigo foi o caso do efeito vinculante, cuja
influência remonta ao direito tedesco, mas que, adaptado de forma completamente
diferente no país, resultou em conceitos confusos e em uma dificuldade teórica na
explicação por parte da doutrina.
Também se observou, ao longo deste artigo, que a forma como se implantaram
os institutos no âmbito do controle concentrado contribuiu para que o judiciário
deixasse de agir apenas como um Legislador negativo, afastando os preceitos

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194 Eficácia erga omnes, efeito vinculante e coisa julgada no controle concentrado de constitucionalidade

normativos incompatíveis com a Magna Carta, e passasse a atuar também como um


Legislador positivo, por exemplo, por meio da modulação de efeitos, ou mesmo, da
interpretação conforme a Constituição.
Também ficou evidente que mais importante que se focar em um aspecto
topológico na sentença para a busca da imunização por meio da coisa julgada,
torna-se necessário rever os elementos que compõem a trea eadem para identificar
e vincular os efeitos da autoridade da coisa julgada.
Finalmente, quando se analisou a questão da mutação constitucional, concluiu-
se que a tentativa de manter estático o resultado do julgamento do controle de
constitucionalidade, mesmo com uma evolução histórica, econômica ou social da
realidade ou em caso de um equívoco do passado, apenas enrijeceria de forma
desnecessária o procedimento de controle de constitucionalidade e prejudicaria um
desenvolvimento da Constituição. Portanto, doutrinadores defendem a existência
implícita da cláusula rebus sic stantibus como tentativa de se adaptar às mudanças
fáticas e ao entendimento jurídico sem se descuidar dos princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé consubstanciados na formação da
autoridade da coisa julgada nas sentenças de mérito.

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Paulo: RT, 2001.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. 3. ed. São Paulo: RT, 2008.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 173-198


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199

O regime jurídico da pessoa com


deficiência: uma análise sobre os
tratados, sobre a Constituição, sobre a
legislação e a jurisprudência

PAULO EMÍLIO VAUTHIER BORGES DE MACEDO


Pós-doutor (IHGB). Doutor em Direito (UFRJ). Mestre em Direito (UFSC).
Professor da UFRJ.

DANIELA SILVA FONTOURA DE BARCELLOS


Doutora em Ciência Política (UFRGS). Mestra em Direito Civil (UFRGS).
Professora Adjunta de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ).

Artigo recebido em 3/7/2020 e aprovado em 25/3/2021.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 O modelo de incorporação de tratados no Brasil 3 A Convenção


Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no Direito Brasileiro 4 Conclusão
5 Referências.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar como ocorreu a internalização
da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
no direito brasileiro. Para tanto, o trabalho descreve as diversas correntes de
incorporação de tratados de direitos humanos no Brasil, e desvela a sua hierarquia
plural no direito brasileiro. A partir do método indutivo, desenham-se dois eixos
de análise. No primeiro, destaca-se o estudo sobre a incorporação de tratados no
ordenamento brasileiro. Já no segundo eixo, mostra-se o estado da arte, pois o foco
é a efetividade do novo regime das capacidades para as pessoas com deficiência,
demonstrando a subsequente adaptação das demais normas brasileiras.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional Direito Internacional Direito Humanos


Pessoas com Deficiência Incorporação de Tratados no Brasil.

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200 O regime jurídico da pessoa com deficiência

The legal regime of persons with disabilities: an analysis on the treaties, the
Constitution, legislation and rulings
CONTENTS: 1 Introduction 2 The model of incorporating treaties in Brazil 3 The Convention on
the Rights of Persons with Disabilities within Brazilian Law 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze how the Convention on the
Rights of Persons with Disabilities was internalized to the Brazilian Law. To this end,
this work describes both the different currents of incorporation of human rights
treaties in Brazil and its plural hierarchy in Brazilian law. From an inductive method
of approach, two axes of analysis are drawn. In the first, the prevailing Brazilian
model on the incorporation of human rights treaties is highlighted. In the second
axis, the state of the art is unveiled, as the focus is turned to the effectiveness of
the new civil capacity regime for people with disabilities, by demonstrating the
subsequent adaptation to other Brazilian law.

KEYWORDS: Constitutional Law International Law Human Rights Persons with


Disabilities Treaty Incorporation in Brazil.

Le régime juridique des personnes handicapées : analyse des traités, de la


Constitution, de la législation et des décisions

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 Le modèle d'incorporation des traités au Brésil 3 La Convention


Internationale Relative aux Droits des Personnes Handicapées en Droit Brésilien 4 Conclusion
5 Références.

RÉSUMÉ : Cet article vise à analyser comment la Convention Relative aux Droits des
Personnes Handicapées a été incorporée dans la législation brésilienne. Pour celà,
l'article décrit les différents courants d'incorporation des traités relatifs aux droits
de l'homme au Brésil et révèle sa hiérarchie plurielle dans le droit brésilien. De
la méthode inductive, deux axes d'analyse sont tracés. Dans la première, l'étude
sur l'incorporation des traités dans l'ordre brésilien se démarque. Dans le deuxième
axe, l'état de l'art est montré, car l'accent est mis sur l'efficacité du nouveau régime
de capacité pour les personnes handicapées, démontrant l'adaptation ultérieure des
autres normes brésiliennes.

MOTS-CLÉS : Droit Constitutionnel Droit International Droits de L’homme


Personnes Handicapées Incorporation de Traités au Brésil.

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1 Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar o modelo de internalização da


Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no
direito brasileiro. Esta convenção foi ratificada pelo Brasil juntamente com outros
126 países (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). Sua internalização ganhou
destaque por ter aplicado pela primeira vez o procedimento previsto no art. 5o, § 3o,
da Constituição Federal (BRASIL, 1988), em vigor desde a Emenda Constitucional
no 45, que confere aos tratados de direitos humanos uma hierarquia constitucional,
equivalente àquela de emenda constitucional (FEIJÓ; LEITE, 2015, p. 227).
Mas existem pelo menos outras duas razões tão ou mais proeminentes para o
estudo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A primeira é a relevância da matéria, tendo em vista o sujeito a quem se destina.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% das pessoas
– aproximadamente 17 milhões – têm algum tipo de deficiência no mundo (OMS,
2021). No Brasil, segundo as últimas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), 6,2% da população nacional possuem algum tipo de deficiência
(IBGE, 2021). Estas, por sua vez, são definidas pelo art. 1o da Convenção1:

[...] são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas (CONVENÇÃO SOBRE OS
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2007).

A segunda razão é a forma pela qual a convenção foi internalizada no País, que
foi incorporada como emenda constitucional e ainda gerou a criação de outra lei
interna como mediadora entre a ordem internacional e as demais leis ordinárias.
Assim, a elaboração da Lei no 13.146, de 6 de julho de 2015, lei brasileira de
inclusão das pessoas com deficiência, também denominada Estatuto da Pessoa com
Deficiência – EPD, reproduz as mesmas bases ideológicas e grande parte do texto
da Convenção Internacional, tendo como escopo central assegurar às pessoas com
deficiência o exercício da liberdade em condições de igualdade, a inclusão social e
o exercício da cidadania (BRASIL, 1988a, art. 1o), e um objetivo não revelado: o de
ampliar a aplicabilidade da Convenção.

1 E reproduzida em inteiro teor no art. 2o do Estatuto das Pessoas com Deficiência – EPD,
Lei no 13.146/2015.

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202 O regime jurídico da pessoa com deficiência

O trabalho é realizado a partir do método indutivo, descreve os modelos e a


incorporação de tratados de direitos humanos no Brasil, e desvela a sua hierarquia
plural no Direito Brasileiro. Para tal fim, desenham-se dois eixos de análise.
No primeiro, destaca-se o estudo sobre a incorporação de tratados no ordenamento
brasileiro. Já no segundo eixo, mostra- se o estado da arte, já que o foco é a
efetividade do novo regime das capacidades para as pessoas com deficiência,
demonstrando a necessidade de adaptação da legislação brasileira.

2 O modelo de incorporação de tratados no Brasil


As relações entre o direito internacional e o brasileiro nunca foram muito
pacíficas. Já se verteu muita tinta sobre a questão, e esta não cessa de causar
surpresa. Isso, certamente, não se deve por causa de alguma economia de
tratamento por parte da nossa Constituição federal. Observa-se que os temas
relativos ao processo de ratificação de tratados internacionais e à articulação
de outras normas internacionais com a ordem jurídica pátria encontram-se em
quatro dispositivos: artigos 5o, § 2o e § 3o; 49, I, e 84, VIII. Se comparado a outras
constituições ocidentais, que, em geral, dispõem sobre isso em um ou dois artigos,
este número é significativo.
Ainda assim, até a Constituição de 1988, não havia disposição alguma específica
sobre a hierarquia de normas internacionais, e ela não versa bem sobre este assunto.
As constituições de outros países revelam-se mais explícitas e precisas. O art. 6o,
§ 2o da Constituição estadunidense estabelece que

Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados


ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei
suprema do país; os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela, ficando
sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de
qualquer dos Estados. (EUA, 1787).

E a Constituição de 1983 do Reino dos Países Baixos dispõe: “As disposições legais
em vigor no Reino deixarão de se aplicar quando colidirem com disposições de tratados
obrigatórias para todas as pessoas ou com decisões de organizações internacionais”
(PAÍSES BAIXOS, 1983, art. 94). Ainda, a Constituição de 1958 da República Francesa
prescreve: “Os tratados e acordos regularmente ratificados ou aprovados têm, a partir
de sua publicação, uma autoridade superior à das leis, desde que respeitados pela

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outra parte signatária” (FRANÇA, 1958, art. 55)2. São textos bastante claros e deixam
pouca margem de dúvida ao intérprete.

2.1 A hierarquia de tratados de direitos humanos


Na Constituição pátria, o problema da hierarquia de tratados internacionais se
resume à hierarquia somente de tratados de direitos humanos, e o dispositivo não
prima pela clareza. O art. 5o, § 2o, que estabelece uma cláusula de abertura ao Direito
Internacional dos Direitos Humanos, foi alvo de uma acirrada controvérsia sobre a
hierarquia dos direitos fundamentais em tratados internacionais por mais de uma
década, em razão do tratamento mais brando ao depositário infiel na Convenção
Americana de Direitos Humanos. Se um tratado restringe uma restrição a um direito
fundamental, restrição esta de origem constitucional, ele deve prevalecer ou não?
Cumpre salientar que, desde 1988 até hoje, esta controvérsia em si não foi resolvida,
mas foi silenciada, e ninguém mais se debruça sobre este dispositivo.
Sob a égide do art. 5o, § 2o, vários importantes diplomas internacionais sobre
direitos humanos em vigor foram incorporados no direito brasileiro: o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, ambos aprovados pelo Decreto Legislativo no 226, de
12 de dezembro de 1991, e promulgados pelo Decreto no 591, de 6 de julho de 1992,
e a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Decreto
Legislativo no 27, de 26 de maio de 1992, e promulgada pelo Decreto no 678, de 6
de novembro de 1992. Diante do silêncio constitucional, a doutrina e a jurisprudência
nacionais, então, procuraram definir o status dos tratados internacionais sobre direitos
humanos no ordenamento brasileiro, e, segundo Galindo (2002, p. 251-284), surgiram
quatro correntes sobre o tema, que também foram identificadas no julgamento, pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário no 466.343/SP,
pelo Ministro Gilmar Mendes (BRASIL, 2008p).
A primeira posição atribuía hierarquia legal aos tratados de direitos humanos. Após
a promulgação da Constituição Federal de 1988 e antes da Emenda Constitucional
no 45/2004, o plenário do Supremo Tribunal Federal firmou esta concepção nos
seguintes julgamentos: Habeas Corpus no 72.131/RJ (de 23/11/1995), Medida Cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.480/DF (de 4/9/1997), Habeas Corpus
no 76.561/SP (27/5/1998), Recurso Extraordinário no 206.482/SP (de 27/5/1998),

2 As traduções dos dispositivos constitucionais estrangeiros foram feitas pelos autores deste artigo de
forma livre.

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204 O regime jurídico da pessoa com deficiência

Recurso Ordinário em Habeas Corpus no 79.785/RJ (de 29/3/2000), Habeas Corpus


no 81.319/GO (de 24/4/2002), Habeas Corpus no 87.585/TO e 92.566/SP e Recursos
Extraordinários no 349.703/RS e 466.343/SP (todos de 3/12/2008).
Este entendimento harmonizava-se com o célebre julgamento da RE 80.004/1977,
que estabeleceu a paridade entre tratados internacionais e lei ordinária. Não
considerava que tratados de direitos humanos deveriam receber tratamento diferente.
“Assim, por exemplo, as normas do Pacto de São José da Costa Rica, a que adere o
Brasil, não prevaleceriam sobre o direito constitucional positivo brasileiro. Teriam
apenas a força de legislação ordinária” (FERREIRA FILHO, 2008, p. 102). Também esta
era a opinião do Ministro Alexandre de Moraes:

[...] as normas previstas nos atos, tratados, convenções ou pactos


internacionais devidamente aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas
pelo Presidente da República, inclusive quando preveem normas sobre
direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como atos
normativos infraconstitucionais. (MORAES, 2009, p. 691-692).

Todas as espécies de tratados seriam, portanto, passíveis de controle de


constitucionalidade.
A segunda corrente considerava o art. 5o, § 2o, uma verdadeira cláusula de abertura
da Constituição ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, e os direitos consagrados
em tratados devidamente ratificados, visto constituírem norma materialmente
constitucional, integrariam o chamado bloco de constitucionalidade. Cabe observar que
estas normas não poderiam ser alteradas sequer por emenda constitucional posterior à
ratificação do tratado de direitos humanos, uma vez que direitos e garantias fundamentais
fazem parte do rol de cláusulas pétreas (BRASIL, 1988, art. 60, § 4o, IV).
Essa posição sempre foi majoritária entre doutrinadores, e importantes nomes,
como, entre outros, Flávia Piovesan, André de Carvalho Ramos, George Galindo,
Valério Mazzuoli e Ingo Sarlet, engrossavam as suas fileiras. Porém, o primeiro (e
mais renomado) defensor é Antônio Augusto Cançado Trindade (2003, p. 513):

[...] se, para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação


pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas
disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico
interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos
direitos humanos em que o Brasil é Parte os direitos fundamentais neles
garantidos passam, consoante os artigos 5(2) e 5(1) da Constituição Brasileira
de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e
direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno.

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Cançado Trindade foi de fato o mentor intelectual do art. 5o, § 2o (BRASIL,


1988a). Em verdade, embora muitos não tivessem entendido dessa maneira, para
este autor, não seriam os tratados internacionais que teriam status constitucional,
mas os direitos humanos consagrados nesses tratados. Nem todas as normas de um
tratado de direitos humanos versam sobre isso, e não faria sentido que normas
que dispusessem, por exemplo, sobre a criação e o funcionamento de um órgão
internacional ou sobre o processo de adesão àquele tratado tivessem hierarquia
constitucional. Ademais, mesmo tratados que não são especificamente sobre direitos
humanos podem conter algum direito humano, e este dispositivo particular que
encerrasse referido direito também entraria com status constitucional, por se tratar
de norma materialmente constitucional. Deveria ser, portanto, uma hierarquia da
substância (direitos humanos), não da forma (tratado internacional).
Essa distinção, contudo, foi percebida por poucos, e a corrente, como um todo,
recebeu pouca adesão nos tribunais. No Supremo Tribunal Federal, apenas o Ministro
Carlos Velloso a subscreveu em seus votos. Especificamente, ele subscreveu nos seus
votos das seguintes decisões: Habeas Corpus no 72.131/RJ, j. 23 nov. 1995, p. 70-71;
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.480/DF, j. 4 nov. 1997,
p. 104-107, 112-114 e 120; Recurso Extraordinário no 206.482/SP, j. 27 maio 1998, p.
39-40; e Recurso Ordinário em Habeas Corpus no 79.785/RJ, j. 29 mar. 2000, p. 40-41.
Uma terceira corrente preconizava a hierarquia supraconstitucional dos tratados
de direitos humanos. À época foi defendida somente por Celso de Albuquerque
Mello (2001, p. 25-26) e nunca encontrou respaldo jurisprudencial. O seu raciocínio
não difere muito da corrente anterior – o art. 5o, § 2o, constituiria uma cláusula de
abertura que conferiria hierarquia constitucional aos direitos humanos consagrados
em tratados – com o argumento adicional que o art. 5o, § 2o, representaria também a
adesão ao monismo internacionalista.
Uma última corrente defendia que tratados de direitos humanos deveriam
possuir status supralegal. Trata-se de uma hierarquia muito curiosa, que a rigor
não existe em nenhuma norma criada pelo legislador ordinário, mas esta posição
influenciou muito o constitucionalismo latino-americano. A Constituição da Costa
Rica de 1949 (art. 7) e a Constituição do Equador de 1998 (arts. 163 e 274), a título
de exemplo, consagram-na. Ela confere alguma abertura ao Direito Internacional
dos Direitos Humanos, mas ainda consegue submeter tratados internacionais ao
controle de constitucionalidade.

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206 O regime jurídico da pessoa com deficiência

Entre nós, o primeiro a defendê-la foi o Ministro Sepúlveda Pertence em seu


voto, na sessão plenária do STF, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas
Corpus no 79.785/RJ em 29 de março de 2000. Ele começa o voto ao ressaltar o
entendimento unânime do STF que “recusa a prevalência sobre a Constituição de
qualquer convenção internacional” (BRASIL, 2000q). Ainda, segundo o Ministro, a
Constituição sequer precisaria afirmar isso expressamente, uma vez que admite o
controle de constitucionalidade de tratados internacionais (BRASIL, 1988, art. 102,
III, b). Contudo, não consegue aceitar o entendimento majoritário do STF sobre a
paridade entre tratado e lei, uma vez que

Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande


frequência, precisamente porque – alçados ao texto constitucional – se
erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras
(...). Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que
alude o art. 5o, § 2o, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido
útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado,
traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização
dos direitos humanos. (...) tendo assim (...) a aceitar a outorga de força
supra-legal às convenções de direitos humanos. (BRASIL, 2000q, p. 21).

Essa opinião se tornaria predominante, no Brasil, para os tratados de direitos


humanos ratificados antes da EC no 45/2004 e sem passar pelo quórum estabelecido
no art. 5o, § 3o3. Este dispositivo foi introduzido dezesseis anos após a promulgação
da constituição para solucionar o problema da hierarquia titubeante dos tratados de
direitos humanos. O art. 5o, § 2o, que era o único dispositivo que regulava a matéria
originalmente, quando foi posto à prova pelo problema da incompatibilidade entre as
disciplinas do depositário infiel na Constituição e no Pacto de San José da Costa Rica,
gerou uma controvérsia jurisprudencial que não se dirimiu: se a cláusula de abertura
ao Direito Internacional dos Direitos Humanos ali contida poderia conferir sempre
status constitucional a um direito humano convencional mesmo se ele estivesse
em desacordo com uma norma constitucional expressa. Os tribunais brasileiros e o
próprio STF restaram divididos. Então, o legislador constituinte, com o § 3o, procurou
encerrar o debate ao exigir que o referendo do Congresso Nacional nos tratados de
direitos humanos possuísse o mesmo quórum das emendas constitucionais. Assim,
quando uma norma convencional versar sobre direitos humanos – o qual consiste

3 Art. 5o, § 3o: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais.

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em um tema materialmente constitucional –, ela deverá ser aprovada com muita


dificuldade, por verdadeira manifestação do Poder Constituinte Reformador, e, por
conseguinte, a norma deverá tornar-se também formalmente constitucional. Num país
de constituição rígida como o Brasil, há uma lógica bastante circular neste argumento.
Todavia, a Convenção Americana de Direitos Humanos foi aprovada muito antes
de 2004 e de existir a necessidade deste quórum qualificado. A questão, portanto, não
havia sido abordada por completo e precisaria esperar ainda mais quatro anos. Então,
em 3 de dezembro de 2008, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou quatro
processos (Habeas Corpus de no 87.585/TO e 92.566/SP e Recursos Extraordinários de
no 349.703/RS e 466.343/SP) que encerrou o problema da prisão civil do depositário
infiel, e criou uma hierarquia inédita no Direito Brasileiro para os tratados de
direitos humanos anteriores à EC no 45/2004, a da supralegalidade. Segundo o
Ministro-Relator dos casos Gilmar Mendes, o art. 5o, § 3o, por um lado, esvaziou a
tese da hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos anteriormente
incorporados no nosso ordenamento jurídico, ao exigir um quórum diferenciado (o
mesmo das emendas constitucionais) para alcançar esse status. Por outro lado, essa
alteração ressaltou o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação
aos demais tratados, conferindo-lhes lugar único no ordenamento jurídico: abaixo
da Constituição e acima da legislação infraconstitucional (BRASIL, 2008o, p. 43-46,
p. 51-54, p. 59-60; BRASIL, 2008p, p. 39-42, p. 47-50, p. 55-56 e p. 86).
Assim, após vinte anos da promulgação da Constituição federal, apesar de
muitas críticas, a hierarquia dos tratados de direitos humanos na ordem brasileira
parecia ter sido finalmente resolvida. É claro que houve algumas baixas no
decorrer do caminho. A primeira e mais importante foi o fato de se ter criado uma
hierarquia plural de direitos humanos no ordenamento nacional: os direitos já
previstos na Constituição possuem status constitucional e não podem ser alterados
pelo Poder Constituinte Reformador, os que forem introduzidos por tratados de
direitos humanos que passaram pelo quórum diferenciado têm status de emenda
constitucional, e os que constarem de tratados de direitos humanos que foram
aprovados pelo quórum de maioria simples possuem hierarquia supralegal. Para os
que defendem a unidade dos direitos humanos, esta situação representa verdadeiro
sacrilégio. Mas, mesmo para os que não defendem a unidade, o resultado final da
hierarquia também parece um tanto estranho: no Brasil, a Convenção contra o
Genocídio possui status supralegal, e a Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência hierarquia constitucional.

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208 O regime jurídico da pessoa com deficiência

Outra casualidade foi o art. 5o, § 2o, que, embora lembrado por alguns saudosistas,
tornou-se de fato letra morta nas decisões do STF. Na nova sistemática, não há mais
necessidade de se referir a ele. A ideia de cláusula de abertura ao DIDH e a sutil
distinção entre direitos humanos contidos em tratados e não tratados de direitos
humanos não mais parece ter lugar. O debate foi resolvido. Ou não?

2.2 A incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas


com Deficiência

A discussão, de fato, encerrou-se, mas o problema não. Após uma década da


invenção da supralegalidade, o Congresso Nacional parece não saber o que fazer
do art. 5o, § 3o. Em agosto de 2009, o Parlamento valeu-se do quórum qualificado do
dispositivo para aprovar a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, bem como o seu Protocolo Facultativo – ambos os tratados foram
aprovados pelo Decreto Legislativo no 186 de 9 de julho de 2008 e ratificados pelo
Decreto Presidencial no 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Em 2016, contudo, referendou outro tratado de direitos humanos, a Convenção
Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento
Forçado, por maioria simples. Cabe lembrar que, em 8 de outubro 2018, o Brasil
incorporou o Tratado de Marraqueche para facilitar o Acesso a Obras Publicadas às
Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para ter Acesso ao
Texto Impresso, pelo Decreto no 9.522/2018, também aprovado pelo procedimento
do art. 5o, § 3o, da Constituição Federal. Além dessa convenção multilateral, diversos
outros acordos de cooperação bilateral sobre direitos humanos foram aprovados,
mas sem o recurso ao art. 5o, § 3o.
O comedimento no emprego do quórum qualificado não se deve a uma
preferência pela hierarquia supralegal, mas a um receio de alterar a Constituição
por causa de tratados menos populares. Pelo que se depreende dos debates
parlamentares (BRASIL, 2008b, p. 20335-20338), a escolha por uma ou a outra
hierarquia parece pertencer exclusivamente ao Poder Executivo: se o tratado for
enviado ao Congresso Nacional com uma nota para seguir o trâmite mais difícil, ele
o será; porém, no silêncio da tramitação, o tratado será automaticamente submetido
ao quórum de maioria simples.
No caso da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
além da expressa escolha pelo quórum de emenda constitucional, preocuparam-se,
ainda, as autoridades com a compatibilização do tratado com o Direito Brasileiro, como

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se depreende pela promulgação de lei com o mesmo teor e pelas diversas decisões
dos tribunais que regulam a sua aplicação, como se verá a seguir. Em outras palavras,
o tratado parece ter criado uma nova sistemática de regulação, como se fosse um novo
ramo do Direito Brasileiro, ou uma nova codificação.

3 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no


Direito Brasileiro

Diante de todas as controvérsias sobre a posição dos tratados na hierarquia


das leis brasileiras, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com
Deficiência parece, em um primeiro momento, estar em situação privilegiada.
Primeiramente, por versar sobre direitos humanos de um grupo particularmente
vulnerável; trata-se de diploma com forte apelo em relação à importância e a
abrangência de seu conteúdo, inclusive em comparação com outras convenções
que tratam da acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência. Por exemplo,
o Tratado de Marraqueche, para facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas
Cegas, com Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto
Impresso, dificilmente é lembrado nas discussões jurídicas, embora seja outro tratado
de direitos humanos aprovado pelo procedimento do art. 5o, § 3o, da Constituição
Federal. Por fim, por ser temporalmente posterior à Emenda Constitucional de no 45
e ter se submetido ao procedimento de internalização com aprovação de quórum
qualificado, tal como previsto no art. 5o, § 3o, da Constituição de 1988, e, assim,
possuir hierarquia constitucional (FEIJÓ; LEITE, 2015, p. 227). Esta Convenção,
portanto, teria formalmente todas as condições de se incorporar ao ordenamento
brasileiro sem sobressaltos e de estar apta a submeter às leis infraconstitucionais
em desarmonia com seus mandamentos a um controle de convencionalidade4.
Nesta mesma lógica, a criação do Estatuto das Pessoas com Deficiência seria,
a princípio, desnecessária se fosse para repetir os mandamentos da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu protocolo
facultativo, ambos devidamente internalizados. Justificar-se-ia uma lei ordinária para
dar efetividade às disposições genéricas ou enunciadas em forma de diretrizes. Mas sua
importância transcende a essa questão tanto pelo fato de ter sido o veículo por meio

4 A expressão “controle de convencionalidade” remonta a uma decisão do Conselho Constitucional francês,


na Decisão no 74-54 DC, de 15 de janeiro de 1975, e consiste na verificação da conformidade de ato
administrativo, legislativo ou judicial com as disposições de tratado internacional de direitos humanos
realizada tanto por tribunal internacional quanto por de juízes internos (MAZZUOLI, 2018, p. 126.).

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do qual a Convenção Internacional se deu a conhecer no âmbito do direito privado,


bem como pelo fato de ter feito um trabalho cuidadoso, revogando normas internas
incompatíveis com a Convenção ou criando novas para com ela compatibilizar-se.
Por outro lado, as razões para considerar a Convenção Internacional das
Pessoas com Deficiência em posição privilegiada são pertinentes e verificam-se na
prática, sobretudo em relação às decisões que compatibilizam a sua aplicação com
a Constituição Federal. O mesmo não se pode dizer em relação à Convenção e ao
Estatuto com as demais normas de direito privado, sobretudo com o Código Civil.
Nesse caso, o que se observa é um grande número de controvérsias gerado na
aplicação no âmbito interno tanto da Convenção Internacional, quanto pelo seu
respectivo Estatuto, como veremos a seguir.

3.1 A compatibilização da Convenção Internacional com a Constituição Federal


O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de se manifestar inúmeras vezes
sobre a compatibilização do disposto na Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência com a Constituição Federal, notadamente em relação
a políticas públicas de inclusão e acessibilidade, em ramos como a educação, o
transporte e o acesso a prédios públicos.
Um dos julgados mais conhecidos nesse âmbito é o que determina o
oferecimento de professores especializados em Libras para educação de pessoas
com deficiência auditiva e surdas5 em uma situação concreta. Neste caso, tanto a
Constituição Federal (art. 203, IV), que prevê a inclusão da pessoa com deficiência,
quanto a Convenção Internacional (art. 24, 3, “c”), que determina a promoção da
linguagem de sinais, foram interpretadas de forma compatível a fim de produzir o
resultado em prol do demandante (BRASIL, 2015e).
Essa decisão é comentada em livros e artigos especializados, tal como o de Valério
Mazzuoli (2018, p. 203), como exemplo de aplicação do controle de convencionalidade.
No entanto, este próprio autor adverte para a impropriedade da expressão portadores
de necessidades especiais utilizada no acórdão. De fato, tampouco a expressão
constitucional pessoas portadoras de deficiência está de acordo com a Convenção

5 Embora possa parecer expressões redundantes, deficiência auditiva e surdez não são sinônimos
e diferenciam-se pela profundidade da perda auditiva. As pessoas que têm perda profunda, e não
escutam nada, são surdas. Já as que sofreram uma perda leve ou moderada, e têm parte da audição, são
consideradas deficientes auditivas.

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Internacional que utiliza a expressão pessoas com deficiência, após longo debate com
teóricos e com os próprios envolvidos (BARCELLOS; DULLIUS, 2017, p. 1).
Ainda no tema da educação, outro julgado pertinente, da lavra do Ministro
Edson Fachin, versou sobre a inclusão das pessoas com deficiência no ambiente
de sala de aula, ao invés de segregá-los em espaços de aprendizado especiais.
Esta discussão é particularmente relevante em situação de deficiência sensorial
e mental, pois há necessidade de recursos pedagógicos e/ou tecnologias para a
promoção de sua inclusão nas atividades discentes. A decisão do julgado foi
pela manutenção da medida de inclusão como forma de promover a igualdade,
harmonizando os mandamentos constitucionais e convencionais (BRASIL, 2016g).
Um segundo grupo de julgados, diz respeito à acessibilidade para pessoas com
deficiência6. Dentre estes se destaca a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2649, julgada
improcedente, reconhecendo a constitucionalidade da Lei no 8.899, de 29 de junho de
1994, que concede passe livre às pessoas com deficiência, comprovadamente carentes,
em transporte público intermunicipal. Em seu voto, a relatora, Min. Cármen Lúcia Rocha,
salientou o fato de o Brasil ter assinado a Convenção Internacional das Pessoas com
Deficiência e, consequentemente, ter se comprometido a implementar medidas para
dar efetividade ao ajustado. Na ocasião, afirmou ser a Lei no 8.899/1994 parte das
políticas públicas para inserir as pessoas com deficiência na sociedade, objetivando “a
igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento
aos fundamentos da República de cidadania e de dignidade da pessoa humana, o que
se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados” (BRASIL, 2008f).
Ainda no que diz respeito à compatibilização das normas convencionais,
constitucionais e ordinárias, destaca-se o julgado em um Recurso Extraordinário,
com relatório do Min. Gilmar Mendes, que condenou do Estado de São Paulo a
uma obrigação de fazer em escola pública, incluindo a construção de rampas e de
banheiros acessíveis. A decisão foi pela procedência do pedido formulado inicialmente
pelo Ministério Público Estadual:

A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das


Pessoas com Deficiência e as Leis federais no 7.853/89, no 5.500/86 e no
9.086/95 estas duas do Estado de São Paulo asseguram o direito dos
portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo
a Administração adotar providências que o viabilizem. (BRASIL, 2013d).

6 Em que pese a lei se destinar a todas as pessoas com deficiência, tal dispositivo destina-se sobretudo
a facilitar a mobilidade das pessoas com deficiência física, uma vez que o transporte deverá estar
devidamente adaptado.

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Com isso, percebe-se que o Supremo, de fato, incorporou a Convenção


Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com a Constituição
Federal no bloco de constitucionalidade brasileiro, e tem afastado a aplicação de leis
e outras normas infraconstitucionais com base no tratado, com relativa facilidade e
sem maior controvérsia.

3.2 O Estatuto da Pessoa com Deficiência como norma decorrente da Convenção


A tarefa de dar a conhecer o conteúdo da Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e de adaptar as demais normas internas
brasileiras ao seu teor, parece ter sido a missão preponderante do Estatuto da
Pessoa com Deficiência (EPD). Em linhas gerais, o texto da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência externa preocupação com
o respeito pela diferença e com a inclusão das pessoas com deficiência, buscando
eliminar a discriminação, promover igualdade de oportunidades e a acessibilidade,
garantindo-se plena e efetiva participação na sociedade por meio de diversas outras
medidas, incluindo a conscientização e o combate a preconceitos e a proibição de
qualquer tipo de exploração.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência reproduz em grande parte o texto da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas vai
além. Estabelece regras precisas para viabilizar a acessibilidade e a inclusão no plano
interno e realiza a adaptação cuidadosa da legislação nacional aos mandamentos
convencionais. Para isso, acrescenta novas normas e/ou revoga expressamente
trechos das seguintes leis: Código Eleitoral, Consolidação das Leis Trabalhistas,
Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Código de Trânsito Brasileiro,
7 8 9
Estatuto da Cidade, Lei no 7.853/1989 , Lei no 8.036/1990 , Lei no 8.666/1993 ,
10 11 12 13
Lei no 8.313/1991 , Lei no 8.213/1991 , Lei no 8.249/1992 , Lei no 8.742/1993 , Lei no

7 Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, etc.

8 Lei do FGTS.

9 Lei das Licitações.

10 Lei do PRONAC.

11 Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.

12 Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

13 Lei da Assistência Social.

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14 15 16 17
9.029/1995 , Lei no 9.250/1995 , Lei no 9.615/1998 , Lei no 10.048/2000 , Lei no
18 19
10.098/2000 e Lei no 12.587/2012.
Esse cuidadoso elenco realizado pelo Estatuto, todavia, não conseguiu evitar
o conflito de leis. Isto porque o novo Código de Processo Civil, Lei no 13.105/2015,
foi promulgado posteriormente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas sem as
necessárias adaptações.
Sendo assim, ainda que temporariamente, a possibilidade de a própria pessoa
com deficiência requerer a curatela, inserida no art. 1.768 do CC pelo EPD foi
revogada pelo art. 1.702, II do CPC. De fato, na redação em vigor do CPC, não há
possibilidade de ingresso de ação de curatela pelo próprio interessado, sendo
necessária a solução deste problema, via projeto de lei, que insira novo inciso no
artigo 747, prevendo o interessado como legitimado para ingresso da respectiva
ação de interdição (REQUIÃO, 2016, p. 164).
Mas em relação ao sistema de direito privado brasileiro, sem dúvida, a maior
alteração da Convenção Internacional foi a mudança no regime das capacidades do
direito brasileiro. O art. 114 do estatuto da Pessoa com Deficiência, em harmonia com
a Convenção, alterou os arts. 3o e 4o do Código Civil. Com a nova redação, o modelo
legislativo passa a utilizar dois critérios para a determinação da incapacidade: o
etário e o psicológico.
A incapacidade decorrente do critério cronológico possui determinação objetiva,
uma vez que depende meramente da comprovação da idade da pessoa (FARIAS;
CUNHA; PINTO, 2016, p. 241). Com base neste critério, considerou-se toda pessoa
com idade inferior a 16 anos absolutamente incapazes (art. 3o do CC); as pessoas
entre 16 e 18 anos incompletos, relativamente capazes (art. 4o, I, do CC) e os acima
de 18 anos, plenamente capazes (art. 5o do CC).
Já a incapacidade oriunda do critério psicológico, por ser de caráter
subjetivo, passa a ser considerada medida excepcional, havendo exigência de seu

14 Lei contra Práticas Discriminatórias nas Relações de Trabalho.

15 Lei do Imposto de Renda.

16 Lei do Desporto.

17 Lei do Atendimento Prioritário.

18 Lei de Acessibilidade.

19 Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

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reconhecimento judicial, via ação de curatela. É o previsto no art. 4o, in verbis (com
redação dada pela Lei no 13.146/2015):

São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os


maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem


exprimir sua vontade;

IV - os pródigos (BRASIL, 2002, art. 4º).

Sendo assim, no que diz respeito ao exercício dos direitos da vida civil, uma
das importantes alterações trazidas pela CPDD e incorporadas pelo direito interno
brasileiro foi o fato de não mais considerar uma pessoa com deficiência mental
ou intelectual automaticamente inserta no rol dos incapazes (REQUIÃO, 2016,
p. 162). Esta dissociação entre deficiência e incapacidade é um passo importante
na concretização das premissas valorativas da CPDD, especialmente a promoção da
igualdade e da autonomia das pessoas com deficiência.
Neste sentido, também é possível mensurar o grau de intervenção na ação
de curatela, caso haja necessidade de auxílio no âmbito negocial, a pessoa com
deficiência mental, intelectual ou múltipla poderá fazer-se valer da tomada de decisão
apoiada, instituto jurídico de cunho facultativo e à disposição da pessoa com deficiência
sempre que a mesma achar necessário (art. 84, § 2o, do EPD).
Dentre as principais desvantagens na esfera negocial trazidas pelo
reconhecimento da capacidade plena das pessoas com deficiência estão: a
celebração de negócios jurídicos sem nenhuma restrição, e a aplicação do regime
de invalidades dos negócios jurídicos, que passa a ser de nulidade relativa e nunca
será absoluta. Ademais, a obrigação de indenizar prevista no art. 928 do CC deixa de
ser subsidiária e passa a ser integral.
Outra consequência, extremamente danosa, da modificação decorrente do
Estatuto do Deficiente é o afastamento da regra protetiva prevista no art. 198,
inciso I, do Código Civil, que impede a prescrição contra os incapazes previstos
no art. 3o do Código Civil. Ou seja, a partir da alteração legislativa ora em análise,
correm contra as pessoas com deficiência intelectual, mental ou múltipla todos os
prazos prescricionais previstos na legislação cível. Mas tais problemas devem ser
resolvidos sem deixar de observar os mandamentos da Convenção.

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Outra possibilidade trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência e


incorporada no art. 1775-A do Código Civil, é a curatela compartilhada. Tal
modalidade já vem sendo aplicada jurisprudencialmente, tendo em vista o melhor
interesse do interditando. É o que aconteceu no processo de número 21.91636-
02.2015.8.26.0000 que tramita na comarca de Barueri, em que duas irmãs de um
interditando tiveram pedido de aditamento de petição inicial, indicando apenas uma
delas como curadora, sob pena de indeferimento da inicial. As irmãs interpuseram
Agravo de Instrumento em face de tal decisão, argumentando a ausência de
vedação legal para o exercício de curatela compartilhada, alegando ainda que, na
prática, já dividiam tarefas e custos necessários à sobrevivência do interditando. O
desembargador relator, Claudio Godoy, mencionou o art. 1775-A do Código Civil e
deu provimento ao recurso, entendendo que não havia qualquer indicativo de que a
nomeação conjunta traria prejuízos ao interditando (BRASIL, 2016r).
Após a análise das principais funções do Estatuto das Pessoas com Deficiência
à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoa com Deficiência e
diante nas normas internas, passemos ao exame das decisões de compatibilização
da Convenção Internacional com o Código Civil.

3.3 Decisões que compatibilizam a Convenção Internacional com o Código Civil


As decisões que compatibilizam a Convenção Internacional com o Código Civil
são mediadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso explica a ausência de
julgados que mencionem a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e o Código Civil no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Sendo
assim, os julgados mais relevantes sobre o tema no país estão atualmente disponíveis
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
O maior destaque relativamente ao direito civil em relação às pessoas com
deficiência foi a adaptação do regime das capacidades no Código Civil à Convenção
Internacional. Esta adaptação se deu tanto pela revogação expressa como pela
inclusão de novas redações e/ou novas normas no Código Civil, sempre mediadas
pelo texto do Estatuto das Pessoas com Deficiência (vide todas elas no art. 114 do
EPD). Também foi incluído o instituto da tomada de decisão apoiada, já explicado
acima, e cujo alcance a jurisprudência está a delimitar.
Sendo assim, em um julgado da Min. Nancy Andrighi, examinou-se a legitimidade
de curador provisório em ajuizar ação de divórcio em nome do curatelado, antes
mesmo da decretação de sua interdição por sentença. No caso concreto, houve

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216 O regime jurídico da pessoa com deficiência

o entendimento pela impossibilidade, tanto pelo caráter personalíssimo do


pedido, como pela ausência de urgência e irreversibilidade da medida. Além disso,
considerou-se que o fato de a cônjuge possuir doença de Alzheimer era irrelevante,
uma vez que não havia sido examinada até aquele momento a possibilidade de
adoção do procedimento de tomada de decisão apoiada, “preferível em relação
à interdição e que depende da apuração do estágio e da evolução da doença e
da capacidade de discernimento e de livre manifestação da vontade pelo cônjuge
acerca do desejo de romper ou não o vínculo conjugal” (BRASIL, 2018c).
Tal decisão é coerente com o princípio da autonomia das pessoas com
deficiência, que por serem consideradas plenamente capazes na ordem civil, não
admitem nenhuma espécie de restrição ao exercício da plena liberdade de seus
direitos da personalidade.

4 Conclusão
Como visto, o Estatuto das Pessoas com Deficiência desempenha um papel
muito importante de mediação entre a Convenção Internacional sobre os direitos
das pessoas com Deficiência e as demais leis ordinárias. Primeiramente, para dar
efetividade às disposições genéricas ou enunciadas em forma de diretrizes no
âmbito da convenção.
Em segundo lugar, pelo fato de ter sido o veículo pelo qual a Convenção
Internacional se deu a conhecer no âmbito do direito privado. De fato, a maioria dos
magistrados e advogados que aplicam o conteúdo da Convenção Internacional sobre
as Pessoas com Deficiência no âmbito privado só o fazem por estarem repetidos no
Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual, por ser norma ordinária, é conhecido e
respeitado. Assim, na aplicação cotidiana dos direitos humanos das pessoas com
deficiência, no plano interno, apaga sua origem internacional e sua hierarquia
constitucional, para aplicar-se a norma ordinária que frequentemente reproduz ipsis
litteris a Convenção.
Por fim, por ter feito um trabalho cuidadoso de escrutínio das normas internas,
o EPD revogou aquelas que se demonstraram incompatíveis com a Convenção
e/ou criou novas para permitir a compatibilização. Assim, o controle da legalidade
das normas frente à Convenção Internacional se dá pela mediação do Estatuto, que
harmoniza as normas em seus diferentes níveis hierárquicos.
Trata-se de uma forma de internalização que não houve com nenhum outro
tratado até hoje: a convenção entrou em vigor, passou a integrar o bloco de

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constitucionalidade brasileiro (e, assim, afasta a aplicação de outras normas


infraconstitucionais), foi inspiração para criar uma lei interna – que não se limitou
a apenas reproduzi-lo, mas ampliou a sua aplicabilidade – e criou uma situação
jurídica nova no Direito Civil Brasileiro (a dos direitos das pessoas com deficiência),
obrigando outros diplomas, como o Código Civil e Código de Processo Civil, a se
ajustarem a ele. Além da incorporação, procedeu-se na ordem jurídica brasileira uma
harmonização total das demais normas com o tratado.

5 Referências
BARCELLOS, Daniela Fontoura de; DULLIUS, Adriana Cristina. Das motivações à
efetividade: a capacidade civil das pessoas com deficiência do Código Civil e sua
alteração pela Lei no 13.146/2015. In: CRUZ, André Viana da; TOLEDO, Claudia
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http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2177
Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo — Daniela Silva Fontoura de Barcellos 219

conhecer-o- brasil/nosso-povo/16066-pessoas-com-deficiencia.html. Acesso em:


20. mar. 2021.

MADRUGA, Sidney. Pessoas com deficiência e direitos humanos: ótica da diferença e


ações afirmativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis.


5. ed. São Paulo, Forense, 2018. p. 115-211.

MELLO, Celso de Albuquerque. O § 2o do art. 5o da Constituição Federal. In: TORRES,


Ricardo Lobo (org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Base de Tratados. Disponível em: https://


nacoesunidas.org/126-paises-ratificaram-convencao-sobre-os-direitos-das-
pessoas-com-deficiencia/. Acesso em: 12 jun. 2020.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório Mundial sobre Deficiência da


Organização Mundial de Saúde. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/
handle/10665/70670/WHO_NMH_VIP_11.01_por.pdf;jses sionid. Acesso em: 19 mar. 2021.

REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência, incapacidades e interdição.


Salvador: Juspodium, 2016.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 23 n. 129 Fev./Maio 2021 p. 199-219


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2021v23e129-2177
* Normas de submissão de trabalhos
à Revista Jurídica da Presidência

Condições para recebimento dos artigos

Ineditismo: a Revista Jurídica da Presidência publica apenas artigos inéditos,


que não tenham sido divulgados em outros meios (blogs, sites ou outras publicações).

Envio de artigos: somente serão aceitos artigos encaminhados à Coordenação


de Editoração da Revista Jurídica da Presidência por meio do sítio eletrônico: https://
revistajuridica.presidencia.gov.br.

Número de Palavras: mínimo de 7.000 (sete mil) e máximo de 10.000 (dez mil)
no artigo completo, incluindo notas de rodapé e Referências.

Idiomas: os autores podem encaminhar artigos redigidos em Português, Inglês,


Francês e Espanhol.

Tipo de arquivo: são admitidos arquivos com extensões .DOC, .DOCX, .RTF e
.ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante
estabelecidos.

Requisitos para o(s) autor(es): a Revista Jurídica da Presidência só admite artigos


de autores e coautores com, no mínimo, o mestrado em andamento.

Fomento: o autor deve informar à Revista qualquer financiamento, bolsa de pesquisa


ou benefícios recebidos, de fonte comercial ou não, declarando não haver conflito de
interesses que comprometa o trabalho apresentado.

Composição e formatação dos artigos


Os artigos devem ser digitados com fonte tipo Arial ou Times New Roman,
tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5 e texto justificado. A configuração da
página deve ser feita no padrão A4 (210 mm x 297 mm), com margens superior e
esquerda de 3 cm e inferior e direita de 2 cm.

Revista Jurídica da Presidência


221

As seções iniciais e finais do artigo devem ser denominadas Introdução  e


Conclusão, respectivamente.

Os textos submetidos deverão conter os seguintes itens:

1 Título
Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando
houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter apenas a
primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja
obrigatório. Exemplo:

A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito

2 Sumário
Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e
nome das seções principais que compõem o artigo.

3 Resumo
Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que
ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não
deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que
não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas. 

4 Palavras-chave
Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada
para sua indexação, separados por travessão. 

5 Referências
A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023
– Informação e Documentação – Referências – Elaboração/Nov. 2018 da ABNT. Esse
item deve conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em
ordem alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita
levando-se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação.
Os trabalhos de igual autoria e publicados no mesmo ano serão diferenciados
acrescentando uma letra ao final do ano (Ex. 2016a, 2016b).
Revista Jurídica da Presidência
222

Citações e destaques no texto


As citações realizadas ao longo do texto devem obedecer ao disposto na NBR
10520 – Informação e Documentação – Citações em documentos – Apresentação/
Ago. 2002 da ABNT e adotar o sistema autor-data, segundo o qual se emprega o
sobrenome do autor ou o nome da entidade, a data e a(s) página(s) da publicação da
qual se retirou o trecho transcrito.

1 Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve


apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:

A criança passa a ocupar as atenções da família, tornando-se dolorosa a


sua perda e, em razão da necessidade de cuidar bem da prole, inviável a grande
quantidade de filhos (ARIÈS, 1973, p. 7-8).

Mas esse prestígio contemporâneo do Poder Judiciário decorre menos de uma


escolha deliberada do que de uma reação “de defesa em face de um quádruplo
desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo” (GARAPON, 2001, p. 26).

2 Citação indireta ou direta com o nome do autor expresso no texto: deve


apresentar, entre parênteses, o ano e a(s) página(s) da publicação. Exemplo:

Duarte e Pozzolo (2006, p. 25) pontuam que a ideologia constitucionalista adota


o modelo axiológico de Constituição como norma, estabelecendo uma defesa radical
de interpretação constitucional diferenciada da interpretação da lei.

A Licença Compulsória, segundo Roberta Marques (2013, p. 321), pode ser


definida como “a permissão de industrialização e comercialização de um produto
patenteado, sem o consentimento do titular do monopólio”.

Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo
ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser
separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento
entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.

Destaques: os destaques existentes na obra original devem ser reproduzidos de


forma idêntica na citação. Caso não haja destaques no original, mas o autor do artigo
deseje ressaltar alguma informação, é possível utilizar-se desse recurso atentando-se
às normas especificadas abaixo. 
Revista Jurídica da Presidência
223

1      Destaques no original: após a transcrição da citação, empregar a expressão


“grifo(s) no original” entre parênteses.

2     Destaques do autor do artigo: após a transcrição da citação, empregar a


expressão “grifo(s) nosso(s)” entre parênteses.
 
Outros destaques em trechos do texto devem ocorrer apenas  no estilo de
fonte itálico e somente nos seguintes casos: 1) expressões em língua estrangeira; e
2) realce de expressões.

  Tradução de citação em língua estrangeira: as citações em língua estrangeira


devem ser sempre traduzidas para o idioma predominante do artigo nas notas de
rodapé, acompanhadas do termo “tradução nossa” entre parênteses.

  Notas de rodapé: devem conter apenas informações complementares e que


não podem ser inseridas no texto. Não devem ser muito extensas nem devem conter
citações e devem ser formatadas na mesma fonte do artigo, tamanho 10 pontos,
espaçamento entre linhas simples e alinhamento justificado.
 

Elementos com traduções obrigatórias para outros idiomas


Os elementos Título,  Sumário,  Resumo  e  Palavras-chave devem
ser obrigatoriamente traduzidos para outros idiomas. Os artigos enviados em Língua
Portuguesa devem ter esses itens traduzidos para o Inglês e para mais um idioma, a
escolher entre Espanhol e Francês.

Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para


o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o
Francês ou para o Espanhol.

Referências
 Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências, de
acordo com o disposto na NBR 6023 da ABNT. Para auxiliar os autores na composição
das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:

Revista Jurídica da Presidência


224

1 Livros (manual, guia, catálogo, enciclopédia, dicionário, trabalhos


acadêmicos):
 Impressos. Exemplos:

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto.  Responsabilidade social: práticas sociais e


regulação jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Eletrônicos. Exemplos:

BAVARESCO, Agemir; BARBOSA, Evandro; ETCHEVERRY, Katia Martin (org.). Projetos de


filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. E-book (213 p.). (Coleção Filosofa). ISBN 978-
85-397-0073-8. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/projetosdeflosofa.
pdf. Acesso em: 21 ago. 2011.

GODINHO, Thais. Vida organizada: como definir prioridades e transformar seus


sonhos em objetivos. São Paulo: Gente, 2014. E-book.

2 Coletâneas.
Exemplos:

TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In:
LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (coord.). A renovação
processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor
José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

AVRITZER, Leonardo. Reforma Política e Participação no Brasil. In: AVRITZER,


Leonardo; ANASTASIA, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG, 2006.

3 Periódicos:

Impressos. Exemplo:

MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regulação


legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011,
p. 165-192.

PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de


samba para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 12 de janeiro
de 2002, p. 2.

Revista Jurídica da Presidência


225

Eletrônicos. Exemplo:

COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do


investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set.
2015, p. 237-255. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.
php/saj/article/view/1113/1099. Acesso em 16 mar. 2016.

4 Atos normativos.
Exemplos:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 1
jan. 2017.

BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização


da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa, e
dá outras providências. In: VADE MECUM. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. 1 CD-
ROM, p. 1-90.

5 Projetos de lei.
Exemplos:

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei no 6.793/2006, versão final. Dá nova


redação ao art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre
os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal.
Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?c
odteor=382965&filename=PL+6793/2006. Acesso em: 16 mar. 2016.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no


41/2010. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º,
no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5
de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá
outras providências. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/
materias/-/materia/96674. Acesso em: 16 mar. 2016.

Revista Jurídica da Presidência


226

6 Jurisprudência:

Impressa. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança


contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou
empresa pública. Diário da Justiça: seção 1, Brasília, DF, ano 82, n. 32, p. 246, 14
fev. 2007.

Eletrônica. Exemplos:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 333. Cabe mandado de segurança


contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia
mista ou empresa pública. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, [2007].
Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?&b=TEMA&p=true&t
=&l=10&i=340#TIT333TEMA0. Acesso em: 19 ago. 2011.

7 Notícias eletrônicas.
Exemplos:

COSTA, Rodolfo. Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir


conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: http://blogs.
correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-
gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/. Acesso em 16 mar. 2016.

PORTAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministro aplica nova lei da infância e


garante prisão domiciliar a mãe de filho pequeno. Brasília, 11 mar. 2016. Disponível
em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/
Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Ministro-aplica-nova-lei-da-inf%C3%A2ncia-e-
garante-pris%C3%A3o-domicil iar-a-m%C3%A3e-de-filho-pequeno. Acesso em: 16
mar. 2016.

Avaliação
Os artigos recebidos pela Revista Jurídica da Presidência são submetidos ao
crivo da Coordenação de Editoração, que avalia a adequação à linha editorial da
Revista e às exigências de submissão. Os artigos que não cumprirem essas regras
serão devolvidos aos seus autores, que poderão reenviá-los, desde que efetuadas as
modificações necessárias.

Aprovados nessa primeira etapa, os artigos são encaminhados para análise dos
pareceristas do Corpo de Consultores ad hoc, formado por professores doutores das

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227

respectivas áreas temáticas. A decisão final quanto à publicação é da Coordenação


de Editoração e do Conselho Editorial da Revista Jurídica da Presidência.

Direitos autorais
Ao submeterem artigos à Revista Jurídica da Presidência, os autores declaram
ser titulares dos direitos autorais, respondendo exclusivamente por quaisquer
reclamações relacionadas a tais direitos, bem como autorizam a Revista, sem ônus,
a publicar os referidos textos em qualquer meio, sem limitações quanto ao prazo,
ao território ou qualquer outra, incluindo as plataformas de indexação de periódicos
científicos nas quais a Revista venha a ser indexada. A Revista fica também autorizada
a adequar os textos a seus formatos de publicação e a modificá-los para garantir o
respeito à norma culta da língua portuguesa.

Considerações finais
Qualquer dúvida a respeito das normas de submissão poderá ser dirimida por
meio de mensagem encaminhada ao endereço eletrônico: revista@presidencia.gov.br.

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