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A ESENI Editora é a editora da Escola Superior de Ética, Negócios & Inovação

(ESENI) e tem por objetivo publicar obras de excelência nas suas três linhas de atuação,
Ética, Negócios & Inovações. Suas publicações são todas direcionadas a temas do
ambiente corporativo e correlatos. Além disso, busca uma aproximação entre teoria e
prática, conciliando textos acadêmicos com textos desenvolvidos por e para profissionais
de mercado. A ESENI Editora acredita que só a partir desse diálogo podemos gera
desenvolvimento sustentável e progresso no conhecimento.

In business, be excellence!
Organizadores
Solange Teles da Silva
Mauricio Duarte dos Santos
Daniel Francisco Nagao Menezes

São Paulo
2020
© 2020 ESENI Editora
Organizadores: Solange Teles da Silva, Mauricio Duarte dos Santos e Daniel Francisco Nagao Menezes.
Autores: Amanda Ferraz da Silveira, Amy Cosby, Ana Maria de Oliveira Nusdeo, Beatriz Souza Costa,
Belinda Pereira da Cunha, Bruno Teixeira Peixoto, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Carolina Dutra,
Cecília de Castro Algayer, Daniel Francisco Nagao Menezes, Felipe Kern Moreira, Fernanda Salles
Cavedon-Capdeville, Fernanda Neves Ferreira, Heline Sivini Ferreira, Jamile Bergamaschine Mata Diz,
Jahyr-Philippe Bichara, Jean-Raphaël Gros-Désormeaux, João Carlos Jarochinski Silva, Joaquim Shiraishi
Neto, José Francisco Siqueira Neto, José Heder Benatti, José Irivaldo Alves O. Silva, José Rubens Morato
Leite, Larissa Verri Boratti, Lise Tupiassu, Liziane Paixão Silva Oliveira, Lorene Raquel de Souza, Luciana
Cordeiro de Souza Fernandes, Márcia Dieguez Leuzinger, Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega, Maria
Leonor Cavalcanti Ferreira Codonho, Marie Bonnin, Maurício Duarte dos Santos, Michel Prieur, Nathalia
Fernandes Lima, Natália Jodas, Nicholas A. Robinson, Odeline Billant, Patryck de Araújo Ayala, Paul
Martin, Paulo Campanha Santana, Solange Teles da Silva, Tarin Cristino Frota Mont`Alverne. Editor:
Felipe Rijo. Revisor:... Capa e Diagramação: Agência Tweed. Diretora Geral: Hella Isis Gottschefsky.
Diretor Comercial: Marcio Luz. Assistente Administrativo: Carla Espíndola

ISBN nº 978-65-89485-03-2
DIREITOS AUTORAIS: É proibida a reprodução parcial ou total desta publicação, por qualquer forma
ou meio, sem a prévia autorização da ESENI Editora. Referida vedação se estende às características gráficas
da obra e sua editoração. A punição para a violação dos Direitos Autorais é crime previsto no Artigo 184
do Código Penal e as sanções civis às violações dos Direitos Autorais estão previstas nos Artigos 101 a 110
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ORGANIZADORES

Solange Teles da Silva


Mauricio Duarte dos Santos
Daniel Francisco Nagao Menezes

PREFÁCIO

Guilherme José Purvin de Figueiredo


Advogado e escritor. Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Socio-fundador da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil
(APRODAB). Socio-fundador e presidente honorário do Instituto Brasileiro de
Advocacia Pública (IBAP)

CO-AUTORAS E CO-AUTORES

Amanda Ferraz da Silveira


Doutoranda e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR)

Amy Cosby
Pesquisadora, Australian Centre for Agriculture and Law, University of New England
(UNE), Austrália.

Ana Maria de Oliveira Nusdeo


Professora de Direito Ambiental na Faculdade de Direito da USP. Ex-presidente do
Instituto o Direito por um Planeta Verde (2017-2019).

Beatriz Souza Costa


Doutora em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais- UFMG. Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Estágio Pós
Doutoral na Universidade de Castilla - La Mancha Toledo/Espanha. Pró-Reitora de
Pesquisa da Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Professora do Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Direito da ESDHC.

Belinda Pereira da Cunha


Professora Associada Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora em
Cooperação Técnica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estágio Pós
Doutoral CAPES na Universidade Autônoma do México (IISUNAM). Pós-doutorado
pela UFSC.
Bruno Teixeira Peixoto
Advogado. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pelo Complexo de Ensino
Superior de Santa Catarina (CESUSC). Mestrando em Direito Internacional e
Sustentabilidade na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Carlos Frederico Marés de Souza Filho


Professor titular de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Carolina Dutra
Advogada e consultora ambiental. Doutora em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Membro do grupo de pesquisa CNPq
Direito e Desenvolvimento Sustentável.

Cecília de Castro Algayer


Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Mestranda em
Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Membro do grupo de
pesquisa CNPq Jus-Clima.

Daniel Francisco Nagao Menezes


Pós-Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutorando em
Economia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara). Doutor em Direito
Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professor do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da UPM.
Membro do Centro Internacional de Estudos e Informação sobre a Economia Publica,
Social e Cooperativa (CIRIEC-Brasil).

Felipe Kern Moreira


Professor Associado de Direito Internacional da Faculdade de Direito-FaDir da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG). International Visitor Fellowship (2019),
Ocean Frontier Institute, Dalhousie University, Halifax, Canada. Doutor (2009) e Mestre
(2004) em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Scholarship
Holder DAAD/CNPq na Johann Wolfgang Goethe Universitaet Frankfurt am Main
(2007-2009). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande-FURG
(2001).

Fernanda Salles Cavedon-Capdeville


Doutora em Direito Ambiental pela Universidade de Alicante (Espanha). Pós-Doutoranda
do Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES no Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro da equipe brasileira
do Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de Infraestruturas
de Dados Espaciais - JUST-Side. Pesquisadora da Rede Sul-Americana para as Migrações
Ambientais (RESAMA). Membro do Centro Internacional de Direito Comparado do
Ambiente (CIDCE), França. Membro da Associação dos Professores de Direito
Ambiental do Brasil - APRODAB.

Fernanda Neves Ferreira


Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre
em Ciências Ambientais pela UFPA.
Heline Sivini Ferreira
Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR)

Jamile Bergamaschine Mata Diz


Cátedra Jean Monnet Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora
em Direito Público/Direito Comunitário pela Universidade Alcalá de Henares – Madrid,
Espanha. Mestre em Direito pela UAH, Madrid, Espanha. Master en Instituciones y
Políticas de la UE - UCJC/Madrid, Espanha. Coordenadora do Centro de Excelência
Europeu da UFMG. Professora da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC) e da
Escola Superior Dom Helder Câmara. Professora do Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu em Direito da Universidade de Itaúna. Coordenadora da Rede de Pesquisa
“Integração, Estado e Governança”.

Jahyr-Philippe Bichara
Doutor pela École Doctorale de Droit International et Européen da Université Paris I,
Panthéon-Sorbonne; Mestre em Direito Internacional Econômico pela Université Paris I,
Panthéon-Sorbonne e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Professor Associado III de Direito Internacional do Curso de
Direito e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Jean-Raphaël Gros-Désormeaux
Doutor em Geografia pela Université des Antilles. Pesquisador do Centre national de la
recherche scientifique - CNRS. Diretor adjunto do Laboratoire Caribeen des Sciences
Sociales de l’Université des Antilles. Pesquisador do Centre d’études de la biodiversité
amazonienne - CEBA.

João Carlos Jarochinski Silva


Pós-doutor pelo Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO/Unicamp).,
Pesquisador colaborador pelo NEPO/Unicamp. Research Fellow pela American
University, Washington D.C.. Pesquisador da Rede Sul-Americana para as Migrações
Ambientais (RESAMA). Professor adjunto de Direito Internacional da Universidade
Federal de Roraima (UFRR). Membro do programa de pós-graduação em Sociedade e
Fronteiras (PPGSOF/UFRR) e da Cátedra Sergio Vieira de Mello (CSVM/UFRR).

Joaquim Shiraishi Neto


Doutor em Direito. Professor visitante da Universidade Federal do Maranhão (UFMA),
vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCsoc-UFMA).
Pesquisador FAPEMA. Bolsista produtividade em pesquisa CNPq. Pós-doutorando pela
PUC –PR.

José Francisco Siqueira Neto


Advogado (Siqueira Neto Advogados Associados). Professor Titular do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico. Coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico (2003-2013), Diretor da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo (2013-
2016).
José Heder Benatti
Advogado. Doutor. Professor associado de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista produtividade em pesquisa CNPq

José Irivaldo Alves O. Silva


Professor Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), unidade Acadêmica de
Gestão Pública (UAGESP). Professor do Mestrado em Gestão e Regulação dos Recursos
Hídricos (Profágua). Doutor em Direito e Sociologia. Pós-Doutor pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade de Alicante, Espanha.

José Rubens Morato Leite


Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenador do
Grupo de Pesquisa CNPq Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco.
Doutor em Direito pela UFSC. Pós Doutor pela Universidade de Alicante 2013/4 e
Macquarie University Sydney 2005/6. Membro da Academia de Direito Ambiental da
IUCN. Pesquisador Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq 1 C e Pesquisador
Destaque da UFSC 2011. Coordenador da equipe brasileira do Projeto Justiça e
Sustentabilidade no Território através de Sistemas de Infraestruturas de Dados Espaciais
- JUST-Side, Cyted.

Larissa Verri Boratti


Doutora em Direito pela University College London (Reino Unido). Pesquisadora de Pós-
Doutorado junto à Universidade Federal de Santa Catarina (Programa Print-CAPES).
Membro da equipe brasileira do Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através
de Sistemas de Infraestruturas de Dados Espaciais - JUST-Side.
Lise Tupiassu
Doutora em Direito Público pela Université Toulouse 1 - Capitole. Mestre em Direito
Tributário pela Université Paris I - Panthéon-Sorbonne. Mestre em Instituições jurídico-
políticas pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito Público pela
Université de Toulouse I -Capitole. Professora da UFPA e do Centro Universitário do
Estado do Pará (CESUPA).

Liziane Paixão Silva Oliveira


Doutora em Direito pela Universidade d’Aix-Marseille III, Mestre em Direito pela
Universidade de Brasília (UnB). Professora Permanente do Programa de Mestrado e
Doutorado em Direito do UniCEUB, Estágio Pós-doutoral na UnB (2017-2018), Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq Direito, Políticas Públicas e Inovação.

Lorene Raquel de Souza


Graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduada em Direito do
Estado pela Uniderp, Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de
Brasília – Uniceub. Analista de Atividades do Meio Ambiente, especialidade Advogada,
do Instituto Brasília Ambiental. Chefe da Assessoria Jurídica da EMATER-DF.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq em Direito Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Luciana Cordeiro de Souza Fernandes


Professora Doutora de Direito na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora Permanente do Programa de Pós
Graduação em Ensino e História das Ciências da Terra (PEHCT) no Instituto de
Geociências - UNICAMP. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq AQUAGEO Ambiente
Legal.

Márcia Dieguez Leuzinger


Graduada em Direito. Pós-graduada em Direito Público. Mestre em Direito e Estado e
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-
Doutorado em Direito Ambiental pela University of New England, (UNE) Austrália.
Procuradora do Paraná. Professora do UniCEUB. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq
Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB.

Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega


Professora titular na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Mestre e doutora em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Pós doutorado pela Universidade de Coimbra. Bolsista produtividade em pesquisa CNPq.

Maria Leonor Cavalcanti Ferreira Codonho


Pós-Doutoranda na Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista CAPES, vinculada
ao Projeto Print coordenado pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental.
Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade
de Risco. Pesquisadora do Projeto Justside, coordenado pela Universidade de Coimbra e
financiado pela Cyted. Pós-doutora em Direito pela UFSC (2014), Doutora em Direito
pela UFSC.

Marie Bonnin
Diretora de Pesquisas do Institut de Recherche pour le Développement (IRD), Université
de Brest Occidentale (UBO), Centre national de la recherche scientifique (CNRS), Institut
Français de Recherche pour l'Exploitation de la Mer (Ifremer), Laboratoire des Sciences
de l’environnement Marin (LEMAR)

Maurício Duarte dos Santos


Pesquisador em Pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie (PPGDPE/UPM) e no Programa
Nacional de Pós Doutorado (PNPD/CAPES). Doutor pelo PPGDPE/UPM com atuação
como pesquisador bolsista CAPES na University of New England (UNE), Austrália.
Pesquisador membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e Desenvolvimento
Sustentável.

Michel Prieur
Professor emérito da Universidade de Limoges (França). Presidente do Centro
Internacional de Direito Comparado do Meio Ambiente (CIDCE).

Nathalia Fernandes Lima


Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM), com bolsa de mérito. Mestre em Direito Político e Econômico pela UPM.
Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e Desenvolvimento Sustentável.

Natália Jodas
Professora de Direito do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Doutora em Direito
pela Universidade de São Paulo (USP). Diretora do Instituto o Direito por um Planeta
Verde (IDPV) e membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil
(APRODAB).

Nicholas A. Robinson
University Professor for the Environment, Pace University, New York. Chair Emeritus
of the IUCN World Commission on Environment Law.

Odeline Billant
Doutoranda, Université de Brest Occidentale (UBO), Centre national de la recherche
scientifique (CNRS), Institut Français de Recherche pour l'Exploitation de la Mer
(Ifremer), Laboratoire des Sciences de l’environnement Marin (LEMAR)

Patryck de Araújo Ayala


Pós-doutorando, doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(PPGD/UFSC). Realizou estágio de doutoramento junto à Faculdade de Direito da
Universidade Clássica de Lisboa em 2006 (PDEE/CAPES). Professor adjunto IV nos
cursos de graduação e de mestrado em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Pesquisador do grupo de pesquisa CNPq Direito Ambiental na Sociedade de
Risco(GPDA). Líder do grupo de pesquisa CNPq Jus-Clima. Procurador do Estado de
Mato Grosso.

Paul Martin
Diretor do Australian Centre for Agriculture and Law, University of New England
(UNE), Austrália.

Paulo Campanha Santana


Graduado em Direito e em Ciências Militares. Pós-graduado em Língua Portuguesa, em
Direito Público, em Direito Tributário e em Educação à Distância. Mestre em Direito e
em Operações Militares, e Doutor em Direito. Coordenador do Curso de Direito do Centro
Universitário do Distrito Federal (UDF) e do Grupo de Pesquisa CNPq Direito Ambiental
e Desenvolvimento Sustentável do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Solange Teles da Silva


Doutora em Direito pela Universidade Paris I – Panthéon-Sorbonne. Professora da
Faculdade de Direito - Graduação e Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
Político e Econômico – da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Bolsista de
Produtividade em pesquisa CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e
Desenvolvimento Sustentável – CNPq.

Tarin Cristino Frota Mont`Alverne


Doutora em Direito pela Universidade Paris V e Universidade de São Paulo (USP).
Mestre em Direito pela Universidade Paris V. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).
PREFÁCIO
As discussões sobre desenvolvimento sustentável tiveram início na segunda metade da
década de 1980, mais precisamente com a publicação do Relatório Nosso Futuro Comum,
também conhecido como Relatório Brundtland em 1987.
No entanto, antes mesmo dessa data, o Direito Ambiental Brasileiro já se ocupava com
questões que apontavam para idêntica perspectiva, notadamente na Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que em 31 de agosto de 2021 completará 40 anos
de existência.
O objetivo precípuo da PNMA era nada menos do que promover a preservação, melhoria
e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,
condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana.
Em outras palavras, buscava-se a conciliação entre desenvolvimento e sustentabilidade.
Hoje, o debate a respeito do tema impõe a resposta a algumas perguntas de natureza
política. Por exemplo, desenvolvimento para que finalidade e em benefício de quem?
Para além da retórica da PNMA e desconsiderando a referência datada aos “interesses da
segurança nacional”, o que chama a atenção nesse diploma legal é o fato de, em pleno
regime de exceção, relacionar tópicos como defesa da fauna e da flora, da qualidade da
água, do ar atmosférico e do solo, à dignidade da vida humana. Em termos históricos,
pensar numa política pública preocupada simultaneamente com ecologia e com direitos
humanos era, no mínimo, um paradoxo.
Todavia, aquele governo que desprezava os valores democráticos, aceitava premissas
científicas e pensava em termos estratégicos considerando as riquezas naturais do país.
Claro que nada foi fruto do acaso e a participação do biólogo de Paulo Nogueira Neto no
processo de elaboração da lei não pode ser esquecida. Por outro lado, o anseio pelo
controle do território nacional e dos recursos naturais era inescondível.
Com a Constituição Federal de 1988, graças a muita luta, novos direitos foram
consagrados, fixando-se os eixos norteadores da política socioeconômica delineados sete
anos pela PNMA. A partir daí, teria início a era de ouro do Direito Ambiental (ou
Ecológico), que contagiou positivamente todo o ordenamento jurídico brasileiro. Essa
fase coincidiu com a consagração do Estado Democrático de Direito no país.
Passados 32 anos da redemocratização do país e quase 40 do advento da Política Nacional
do Meio Ambiente, enfrentamos um ataque sem precedentes ao Direito Ambiental /
Ecológico, à Ciência, à autonomia universitária e aos Direitos Humanos e Sociais. Esse
ataque não vem apenas de determinados segmentos da economia avessos aos princípios
da sustentabilidade, mas principalmente do Poder Executivo Federal.
Neste contexto, o presente livro sobre Direitos, cidadania e desenvolvimento
sustentável, organizado por Solange Teles da Silva, Mauricio Duarte dos Santos e
Daniel Francisco Nagao Menezes vem a lume. E é a partir deste filtro histórico que sugiro
que seja estudado e aplicado por todos aqueles e aquelas que se interessam pela
democracia e por um país que garanta liberdade, paz, saúde e felicidade às futuras
gerações.
As páginas que seguem, a par de sua inegável qualidade acadêmica, mostram-nos como
é necessário lutar pela conservação da natureza e pela proteção dos ecossistemas, dos
povos e comunidades tradicionais, enfim, pela dignidade da vida humana.
Aos organizadores, aos articulistas e à Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie deixo aqui minhas mais sinceras congratulações pelos 20 anos
do Programa de Direito Político e Econômico, pelas reflexões necessárias sobre o papel
do Estado na imposição de limites ao poder econômico e da consolidação da cidadania a
modelar o Estado. Que os textos que compõe essa obra coletiva possam servir de
instrumento na luta contra o horror dos nossos tempos.

São Paulo, 20 de novembro de 2020.

Guilherme José Purvin de Figueiredo


Advogado e Escritor
Doutor em Direito do Estado pela USP
Bacharel em Direito e Letras pela USP
Coordenador Geral da Associação dos Professores
de Direito Ambiental do Brasil – APRODAB e Presidente do
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP.

Prefácio - Guilherme José Purvin de Figueiredo.


SUMÁRIO

TERRITÓRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Territórios pesqueiros e perspectivas de seu reconhecimento jurídico a


luz do ODS 14
Solange Teles da Silva, Mauricio Duarte dos Santos e Nathalia Fernandes Lima

Fronteiras e territórios na Amazônia Brasileira e os direitos territoriais


dos povos e comunidades tradicionais
José Heder Benatti

O direito à consulta prévia como instrumento de autodeterminação


existencial dos povos indígenas no Brasil
Patryck de Araújo Ayala e Cecília de Castro Algayer

Impactos socioambientais no Corredor Carajás: mineração, Estado e


violação a direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais na
Amazônia Maranhense
Amanda Ferraz da Silveira e Heline Sivini Ferreira

DO CAMPO À CIDADE

Direito à alimentação saudável e sustentável


Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega e Carlos Frederico Marés de Souza Filho

A gestão dos resíduos orgânicos em Florianópolis: cenário atual e


desafios na busca por uma cidade sustentável
José Rubens Morato Leite, Maria Leonor Cavalcanti Ferreira Codonho e Bruno Teixeira
Peixoto

Geoparque como território para gestão urbano ambiental


Luciana Cordeiro de Souza Fernandes

BIODIVERSIDADE

Efetividade das unidades de conservação


Márcia Dieguez Leuzinger, Paulo Campanha Santana e Lorene Raquel de Souza

Pagamento por serviços ambientais (PSA): evolução e perspectivas


Ana Maria de Oliveira Nusdeo e Natália Jodas
Os desafios da ratificação do Protocolo de Nagoya no contexto Pos-2020:
(in)compatibilidades com a Lei n. 13.123/2015?
Tarin Cristino Frota Mont`Alverne, Solange Teles da Silva e Liziane Paixão Silva
Oliveira

A proteção do conhecimento tradicional no contexto da globalização do


direito
Joaquim Shiraishi Neto

MUDANÇA CLIMÁTICA

Trabalho Decente e Green Jobs na transição para uma Economia Verde


José Francisco Siqueira Neto e Daniel Francisco Nagao Menezes

Deslocamentos humanos a partir da elevação do nível do mar


Felipe Kern Moreira e João Carlos Jarochinski Silva

Aspectos das mudanças climáticas diante de um diagnóstico da crise


hídrico sanitária
José Irivaldo O. Alves Silva e Belinda Pereira da Cunha

Cambio Climático: ¿Instrumentos internacionales para la construcción


de una Agenda Común?
Beatriz Souza Costa e Jamile Bergamaschine Mata Diz

O conceito de adaptação no Acordo de Paris de 2015 sob a Convenção-


Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 1992: a
experiência brasileira
Jahyr-Philippe Bichara

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E INOVAÇÕES


JURÍDICAS

Mesurer l’effectivité du droit de l'environnement marin : optimiser la


protection de l'environnement par l'utilisation d'outils innovants - Marie
Bonnin e Odeline Billant

Perspectivas cruzadas entre direito e geografia: uma sinopse sobre o


geodireito
Jean-Raphaël Gros-Désormeaux, Lise Tupiassu e Fernanda Neves Ferreira

Geoinformação e direito ambiental: processos decisórios e politicas


publicas informados
José Rubens Morato Leite, Larissa Verri Boratti e Fernanda Salles Cavedo Capdeville
Meta-governance of the environment
Paul Martin, Carolina Dutra e Amy Cosby

Accelerating implementation of the SDGs to avert the «next» pandemic:


«One Health»
Nicholas A. Robinson
APRESENTAÇÃO
Solange Teles da Silva ∗
Mauricio Duarte dos Santos ∗∗
Daniel Francisco Nagao Menezes ∗∗∗

A presente publicação coletiva em razão dos 20 anos do Programa de Direito


Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie (PPGDPE/UPM) tem
como objetivo contribuir com uma reflexão sobre as relações existentes entre direitos e
cidadania a partir do prisma da sustentabilidade, de seus pilares social, cultural, ambiental
e econômico. Nesse sentido a presente obra coletiva pretende além de evidenciar os
desafios existentes para a implementação do direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, indicar caminhos possíveis para alcançar a sustentabilidade
considerando: (i) a gestão dos territórios e o respeito aos direitos das comunidades
tradicionais, (ii) as relações intrínsecas entre cidades e campo, (iii) as perspectivas de
conservação da biodiversidade, (iv) os desafios da mudança climática e (v) as inovações
jurídicas em matéria de desenvolvimento sustentável.
A partir desses 5 (cinco) eixos de pesquisa do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e
Desenvolvimento Sustentável da UPM que interagem e se complementam, as reflexões
aqui realizadas com coautores e coautoras, pesquisadores de Norte a Sul do Brasil, e do
exterior – Austrália, Estados-Unidos e França – permitiram estabelecer um diálogo sob o
prisma do desenvolvimento sustentável.


Doutora em Direito pela Universidade Paris I – Panthéon-Sorbonne. Professora da Faculdade de Direito
- Graduação e Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico – da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Bolsista de Produtividade em pesquisa CNPq. Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq Direito e Desenvolvimento Sustentável – CNPq.
∗∗∗
Pesquisador em Pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico na
Universidade Presbiteriana Mackenzie (PPGDPE/UPM) e no Programa Nacional de Pós Doutorado
(PNPD/CAPES). Doutor pelo PPGDPE/UPM com atuação como pesquisador bolsista CAPES na
University of New England (UNE), Austrália. Pesquisador membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e
Desenvolvimento Sustentável.
∗∗
Pós-Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutorando em Economia pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara). Doutor em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito Político e Econômico da UPM. Membro do Centro Internacional de Estudos e Informação sobre a
Economia Publica, Social e Cooperativa (CIRIEC-Brasil).
TERRITÓRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

As discussões sobre territórios e populações tradicionais iniciam-se com uma


análise sobre a relação entre territórios, territorialidades e comunidades tradicionais,
identificando-se as possibilidades do reconhecimento dos territórios pesqueiros como
condição sine quo non para a concretização dos direitos de pescadores e pescadoras
tradicionais à luz do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14. Solange Teles
da Silva, Mauricio Duarte dos Santos e Nathalia Fernandes Lima abordam assim essa
problemática evidenciando que embora o ordenamento jurídico brasileiro até o momento
não tenha adotado uma norma específica reconhecendo territórios pesqueiros, os
compromissos internacionais assumidos pelo país, bem como o próprio texto
constitucional de 1988 permitem avançar em direção a esse reconhecimento.
Passamos então das discussões entre terra-mar, da Amazônia Azul para a
Amazônia Verde. José Heder Benatti aborda a questão das fronteiras e dos territórios na
Amazônia Brasileira e os direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais. O
autor aponta que «historicamente, a ocupação da Amazônia ocorre em desrespeito aos
direitos territoriais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais,
levando à destruição da floresta e da rica biodiversidade. A análise aponta que a superação
da concepção separatista entre ser humano e natureza, é uma questão chave para o
equilíbrio do planeta e o respeito a todos os seres vivos. A esse respeito o território
tradicional oferece exemplo virtuoso de interdependência e de reciprocidade entre a
humanidade e a natureza».
Se, esse território oferece esse exemplo virtuoso, como então salvaguardá-lo, ou
em outras palavras, quais instrumentos possibilitariam a proteção desses territórios e
territorialidades? Para responder a essa indagação, o artigo apresentado por Patryck de
Araújo Ayala e Cecilia de Castro Algayer talvez nos traga algumas pistas de reflexão.
Trata-se do direito à consulta prévia como instrumento de autodeterminação existencial
dos povos indígenas no Brasil. Os autores, apesar de apontarem a potencialidade desse
instrumento, enquanto um exercício de participação pública, também apresentam dados
que indicam o desrespeito reiterado do direito à consulta prévia em território brasileiro
que sinaliza, segundo os autores «um enfraquecimento não só da proteção estatal à
identidade existencial dos povos indígenas como, também, ao meio ambiente e a um
significado de sociedade pluricultural».
Complementando esse quadro, Amanda Ferraz da Silveira e Heline Sivini Ferreira
estudam os impactos socioambientais no corredor Carajás, relacionando à questão da
mineração, do Estado e da violação a direitos de povos indígenas e comunidades
tradicionais na Amazônia Maranhense. De acordo com as autoras o corredor Carajás
constitui a principal estrutura de escoamento da produção mineral da parte oriental da
Amazônia e os povos indígenas e outras comunidades tradicionais foram profundamente
afetados quando esse projeto foi implantado na década de 1980. Após realizarem uma
análise exaustiva, as autoras concluem que «os impactos e danos causados não foram
mitigados e se perpetuam na reprodução de uma lógica persistente desde a colonização.
O Estado brasileiro utiliza a sua estrutura para atender a interesses do sistema de produção
capitalista na Amazônia e, em via de consequência, viola direitos socioambientais ao
desconsiderar os contextos amazônicos existentes».

DO CAMPO À CIDADE
No contexto das relações do campo à cidade, Maria Cristina Vidotte Blanco
Tárrega e Carlos Frederico Marés de Souza Filho exploram as conexões existentes entre
direito à alimentação saudável e sustentável. Esse direito exige tanto uma produção de
alimentos adequada, que não destrua o meio ambiente, como também demanda uma
distribuição justa e equitativa, que assegure que os alimentos cheguem saudáveis,
notadamente a quem necessita. Os autores analisam «o fato de ser um absurdo o sistema
jurídico ter que considerar o alimento como direito, já que é essencial à vida», destacando
como o atual sistema de propriedades de terras e sementes dificultam o direito à
alimentação adequada. Por fim, enfatizam os potenciais da agroecologia.
José Rubens Morato Leite, Maria Leonor Cavalcanti Ferreira Codonho e Bruno
Teixeira Peixoto passam então a realizar um estudo de caso sobre a gestão dos resíduos
orgânicos em Florianópolis a partir do cenário atual e dos desafios em busca por uma
cidade sustentável. Os autores afirmam que «um dos fatores de maior agravamento para
o risco ecológico atual são os impactos pela (in)existência de gestão efetiva dos resíduos
gerados nas cidades mundiais, em especial os resíduos orgânicos, cuja reciclagem ainda
se olvida priorizar. Nessa perspectiva, tornam-se fundamentais para a reorientação do
tratamento político e jurídico da gestão dos resíduos sólidos orgânicos as diretrizes da
ONU para cidades sustentáveis, tanto na Agenda 2030 como pela Nova Agenda Urbana».
Do lixo ao luxo, da gestão de resíduos sólidos ao patrimônio natural, passamos
então à análise realizada por Luciana Cordeiro de Souza Fernandes sobre geoparque como
território para gestão urbano ambiental. Trata-se como sustenta a autora de «uma figura
nova de planejamento e ordenamento territorial para proteção ambiental, que não consta
na legislação brasileira e que não precisa de uma nova lei para sua instituição, estamos
falando do geoparque UNESCO, tido como uma certificação para territórios únicos no
planeta, que contenham potencial geológico, atributos geográficos, achados
paleontológicos e arqueológicos, com beleza cênica, e, principalmente, com pessoas em
seu interior, de forma que haja cultura e história conectando os locais ao território». Aqui
também um potencial da inovação em termos jurídicos para o desenvolvimento
sustentável.

BIODIVERSIDADE
Conectando o direito à realidade, Marcia Dieguez Leuzinger, Paulo
Campanha Santana e Lorene Raquel de Souza analisam a efetividade da implementação
dos Parques Nacionais federais, na região Centro-Oeste do país, e dos Parques do Distrito
Federal. Como ressaltam os autores essa pesquisa sobre efetividade nas unidades de
conservação federal tem uma perspectiva inovadora e tem sido desenvolvida pelo Grupo
de Pesquisa CNPq em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Centro
Universitário de Brasília (UNICEUB) e Direito e Desenvolvimento Sustentável da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), aplicando-se critérios avaliativos
próprios, baseados em indicadores legais, explícitos ou implícitos no Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC).
Ana Maria de Oliveira Nusdeo e Natália Jodas fazem uma leitura do pagamento
por serviços ambientais (PSA), destacando sua evolução e perspectivas. As autoras
afirmam que apesar de se tratar de um instrumento novo, é possível observar sua evolução
conceitual e algumas práticas internacionais. Dessa forma as autoras apresentam «os
marcos regulatórios do PSA, especialmente no âmbito federal e estadual, a fim de
compreender as formas de sua aplicação, notadamente como projeto ou programa de
conservação ecológico ou como mecanismo de compensação ambiental» e, realizam um
balanço sobre suas perspectivas «enquanto instrumento da política ambiental brasileira,
mediante uma ponderação crítica e propositiva para o cenário presente e futuro».
Considerando cenários presentes e futuros, e os desafios da ratificação do
Protocolo de Nagoya no contexto pos-2020, Tarin Cristino Frota Mont`Alverne, Solange
Teles da Silva e Liziane Paixão Silva Oliveira, dando continuidade as pesquisas
desenvolvidas em parceria por seus grupos de pesquisa da UPM, UFC e UNICEUB,
analisam a compatibilidade da Lei n. 13.123/2015 com o Protocolo de Nagoya a partir do
prisma do direito internacional ambiental. Indagam-se sobre a necessidade ou não de
adequação do Marco Legal da Biodiversidade aos novos compromissos assumidos pelo
Brasil perante a comunidade internacional.
Nessa mesma direção, Joaquim Shiraishi Neto apresenta então os desafios da
proteção do conhecimento tradicional no contexto da globalização do direito,
considerando que o direito cumpre um papel estratégico para atender aos interesses de
um “poder global difuso”. Nesse sentido, o autor ao analisar a Lei 13.123/2015 afirma
que ela se encontra inserida na lógica denominada «globalização do direito americano»,
sustentando que «a pretexto da necessidade de reformar a medida provisória
2.186/2001, aquela lei modificou a proteção, o acesso e a repartição dos benefícios».

MUDANÇA CLIMÁTICA
Falar em mudança climática é não apenas referir-se aos impactos ambientais desse
fenômeno, mas considerar os aspectos humanos que podem ser vistos sob diferentes
prismas. Nesse sentido Jose Francisco Siqueira Neto e Daniel Francisco Nagao Menezes
abordam a problemática do trabalho decente e «green jobs» na transição para uma
economia verde. Os autores exploram assim o nexo existente entre mudança climática e
empregos destacando que para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
relevância das mudanças climáticas e do desenvolvimento de baixo carbono nem sempre
foi evidente. Dentre as reflexões realizadas nesse artigo está a questão dos impactos
distributivos da mudança para uma sociedade de baixo carbono, a relevância do conceito
de empregos verdes, bem como o papel que a OIT poderia desempenhar no futuro para
promover a justiça social na transição energética e ecológica.
Ainda sob o prisma humano da mudança climática, Felipe Kern Moreira e João
Carlos Jarochinski Silva analisam os deslocamentos humanos a partir da elevação do
nível do mar. Aqui a mobilidade humana é analisada, como afirmam os autores «em
decorrência da elevação dos níveis oceânicos a partir da análise da produção normativa
internacional». Os autores observam que há tendências normativas internacionais: «uma
centrada no debate sobre a questão ambiental, com abordagens vinculadas a preceitos
científicos e que avançou de forma significativa nos últimos anos e outra relativa à
proteção e regulação de mobilidades forçadas em decorrência de fenômenos climáticos
em que há a predominância do soft law e de pouco avanço em termos de compromissos e
na vinculação entre o fenômeno climático e a mobilidade que ele pode gerar».
A relação entre as mudanças climáticas a partir do complexo diagnóstico jurídico-
social da crise hídrico-sanitária deflagrada no Brasil, agravada com a pandemia da
COVID-19 é analisada por José Irivaldo O. Alves Silva e Belinda Pereira da Cunha. Os
autores destacam «aspectos comparativos em alguns países, que permitiram melhor
verificação das condições hídrico-sanitárias em que se encontra o Brasil em meio à
pandemia, e o quanto toda essa situação está inter-relacionada, inclusive espelhada na
proteção jurídica estruturada nas políticas públicas existentes, agora surpreendidas pela
aprovação de uma nova legislação que pretende a privatização da gestão da água e do
saneamento básico».
Considerando a mudança climática sob o prisma do direito internacional, Beatriz
Souza Costa e Jamile Bergamaschine Mata Diz estudam os instrumentos internacionais
do clima refletindo sobre as possibilidades da construção de uma agenda comum. As
autoras analisam a trajetória da Declaração do Rio de 1992, da Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima ao Protocolo de Quioto.
Complementando essa análise, Jahyr-Philippe Bichara apresenta os desafios da
implementação do Acordo de Paris de 2015 e as possibilidades da materialização jurídica
do conceito de adaptação. Afirma o autor que «a adaptação apresenta característica de
uma norma programática, no plano internacional, devendo ser concretizada no plano do
direito interno dos Estados-Partes. Observa-se que, não obstante um louvável esforço de
transcrição no direito brasileiro, a efetivação na implementação do Acordo de Paris vem
perdendo fôlego nos últimos anos».

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E INOVAÇÃO


Michel Prieur apresenta perspectivas de adoção de indicadores jurídicos para os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e da Biodiversidade. O autor propõe então
«uma inovação científica, que consiste em mensurar a efetividade do Direito Ambiental.
Isso permitirá avaliar a implementação dos ODS, apontando as lacunas ou insuficiências
do direito e, com mais frequência, os fatores que explicam como o direito é aplicado e
qual a razão de não ser efetivamente aplicado ou mal aplicado».
No mesmo sentido Marie Bonnin e Odeline Billan fazem uma discussão sobre
mensurar a efetividade do meio ambiente marinho em prol de otimizar a proteção do meio
ambiente pela utilização de instrumentos inovadores. Assim destacam as autoras que
mensurar o direito é uma experiencia necessária e inovadora, analisando desde sua gênese
aos desdobramentos possíveis. A necessidade de compreender as possibilidades das bases
de dados e de estabelecer multicritérios é examinada pelas autoras.
As perspectivas cruzadas entre direito e geografia a partir de uma sinopse sobre
o geodireito são analisadas por Jean-Raphaël Gros-Désormeaux, Lise Tupiassu e
Fernanda Neves Ferreira. Os autores destacam que «nos últimos anos se observa um
aumento da produção científica sobre as relações entre geografia e direito, todavia, a
fundamental reflexão sobre o seu arcabouço teórico-metodológico resta ausente». Assim
eles constroem um estado da arte do geodireito e elencam as principais teorias e métodos
possíveis de serem utilizados a partir de uma abordagem interdisciplinar. Consideram
ainda que «no intuito de concretizar um projeto interdisciplinar, é necessário buscar por
métodos que possibilitem a troca de conhecimento entre as áreas, dentre as quais se
destaca a união entre geografia e ciências da informação, por meio da geomática, que abre
perspectivas para o design de uma estrutura de metodologia específica para o geodireito».
José Rubens Morato Leite, Larissa Verri Boratti e Fernanda Salles Cavedon-
Capdeville realizam uma «reflexão sobre a relação entre geoinformação e Direito com
foco, em particular, em temas afetos ao Direito Ambiental». Os autores apresentam
iniciativas existentes e observam que estas «ferramentas podem ser empregadas para
monitoramento de eventos e gestão de políticas e serviços». A partir do exemplo da gestão
de riscos de desastres enfatizam a «relevância da existência de bancos de dados
consistentes e acessíveis e seu uso como suporte para orientação de ações
governamentais».
A questão da meta-governança em matéria ambiental é objeto de analise de Paul
Martin, Carolina Dutra e Amy Cosby. Os autores destacam que tanto a Austrália quanto
o Brasil firmaram compromissos internacionais no âmbito da Convenção da Diversidade
Biológica, (CDB) dentre os quais o de « criar um sistema eficiente de proteção da
megabiodiversidade». Como ressaltam os autores, «uma avaliação conjunta e
comparativa da implementação da CDB em ambos os países mostra a ocorrência de falhas
de “metagovernança” como um problema significativo. “Metagovernança” refere-se a
como um sistema de governança é gerido.
Por fim, Nicholas Robinson traz reflexões sobre a necessidade de avançar na
implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para evitar uma
próxima pandemia. Os ODS colocam-se, portanto, como uma bússola para a humanidade
tanto para enfrentar a pandemia da COVID-19 como para o período pós-COVID.

Aqui os nossos mais sinceros agradecimentos as instituições envolvidas nessas


discussões, e em especial a Universidade Presbiteriana Mackenzie, aos coautoras e aos
coautores, discentes e docentes, pesquisadores com os quais realizamos essas pesquisas
em prol da construção de um mundo mais justo e solidário.
TERRITÓRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
TERRITÓRIOS PESQUEIROS E PERSPECTIVAS DE
SEU RECONHECIMENTO JURÍDICO À LUZ DO ODS 14

FISHING TERRITORIES AND PERSPECTIVES OF ITS


LEGAL RECOGNITION IN THE LIGHT OF THE SDG 14
Solange Teles da Silva ∗
Mauricio Duarte dos Santos ∗∗
Nathalia Fernandes Lima ∗∗∗

“A terra é um habitat marinho” (FOSTER, Nancy, 1990)

INTRODUÇÃO
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados em 2015 pela Organização
das Nações Unidas (ONU) expressam os desafios da sociedade contemporânea: eles reconhecem
a necessidade dos países desenvolvidos e em desenvolvimento adotarem uma estratégia para
transformação do mundo, pautada na erradicação da pobreza e da fome, na proteção do meio
ambiente para as presentes e futuras gerações, na garantia de uma vida em harmonia com a
natureza, na promoção de sociedades pacíficas, justas e inclusivas em meio de uma parceria global
sólida (AGNU, 2015). Dentre esses objetivos, o ODS 14 reconhece a importância de «conservar e
usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável» com as suas metas apontando para a necessidade de proteger os ecossistemas
marinhos e costeiros, reduzir a poluição marinha, conservar ao menos 10% das zonas costeiras e


Professora da Faculdade de Direito - Graduação e Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Político e
Econômico – da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Coordenadora do Projeto “Meio ambiente costeiro
face a crise do sargassum” Proc. 2019/22201-4, FAPESP. Bolsista de Produtividade em pesquisa CNPq. Líder do
Grupo de Pesquisa CNPq Direito e Desenvolvimento Sustentável.
∗∗
Pesquisador em pós doutorado no Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico na Universidade
Presbiteriana Mackenzie (PPGDPE/UPM) e Programa Nacional de Pós Doutorado (PNPD/CAPES). Doutor pelo
PPGDPE/UPM com atuação como pesquisador bolsista CAPES na University of New England, Austrália. Pesquisador
membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e Desenvolvimento Sustentável.
∗∗∗
Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), com bolsa de
mérito. Mestre em Direito Político e Econômico UPM. Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Direito e
Desenvolvimento Sustentável.
marinha, acabar com a sobrepesca ilegal, não reportada e não regulamentada, propiciar o acesso
dos pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercados, além de aumentar
o conhecimento científico para melhorar a saúde dos oceanos. Nessa dinâmica de majoração do
conhecimento científico se faz necessário reconhecer o «saber/fazer tradicional [dos pescadores e
pescadoras artesanais], ainda tão desconhecido no âmbito do Estado e das próprias universidades»
(DIEGUES, 1992, p. 2), como também propiciar condições para o desenvolvimento da pesca
artesanal a partir dos territórios pesqueiros, considerando-se que se trata de uma atividade
econômica sustentável.
Entretanto, as ciências humanas, e em particular o direito, estiveram até recentemente
distantes das preocupações envolvendo comunidades tradicionais no mar, «como se o mar e os
oceanos fossem grandes vazios, povoados somente por espécies de peixes e aves marinhas (...)»
(DIEGUES, 2004, p. 22-23). E, mesmo que esse campo tenha gerado um certo interesse
acadêmico, ainda se está longe de um aprofundamento teórico-prático dessa temática, necessário
para lidar com os desafios e possibilidades de um desenvolvimento sustentável dos mares e oceano,
destacando-se aqui a problemática dos territórios pesqueiros, base estrutural para o
desenvolvimento dessas comunidades tradicionais de pescadores e pescadoras artesanais. Uma
pesquisa realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações em novembro de 2020
com as palavras-chaves «territórios pesqueiros», temática central do presente artigo, identificou
116 resultados, dos quais nenhum trabalho foi desenvolvido na área do direito, sendo que a maior
parte desses trabalhos foi produzida na área da Geografia (BDTD, 2020) 1, o que conduz
necessariamente a um diálogo, entre outros, com os geógrafos em direção a uma abordagem
multidisciplinar.
É certo que a análise dos territórios pesqueiros pode ser realizada, como destaca Cardoso,
a partir de diferentes prismas ou concepções de território, considerando-se, por um lado, o fato que
as sociedades pesqueiras se apropriaram «de porções do espaço a partir do trabalho e do
conhecimento dos processos naturais que atuam nelas» (CARDOSO, 2003, p. 120), vislumbrando-
se aqui, portanto, a relação existente entre o território e o valor de uso, que determinado grupo
social atribui a esse território. Por outro lado, esses territórios podem ser analisados a partir de sua
dimensão mediada pelo Estado, que controla e determina patamares para o exercício de atividades,

1
Embora não tenha resultado desse levantamento nessa base de dados, identificamos ao longo da pesquisa a
dissertação de mestrado de Ana Carolina Brolo de Almeida sobre Diálogos entre as gentes do mar e o Estado:
regulação e regularização dos territórios tradicionais pesqueiros» (ALMEIDA, 2018).
consagrando direitos e deveres, dentre os quais ressalte-se a conservação dos recursos naturais no
tempo.
Em relação aos territórios pesqueiros, trata-se de sua delimitação, seja de maneira formal
ou informal, que possibilita a garantia da reprodução do modo de ser e viver dos pescadores e
pescadoras artesanais. Todavia, ainda que o conceito de territórios pesqueiros seja compreendido
e aceito a partir do próprio trabalho de pescadores e pescadoras artesanais, bem como do modo
pelo qual eles se apropriam da natureza, delimitando-se assim um espaço no qual exercem algum
tipo de domínio, há a necessidade de seu reconhecimento (CARDOSO, 2003).
O objetivo do presente ensaio é realizar uma análise da problemática do reconhecimento
dos territórios pesqueiros2 à luz do ODS 14, que tem dentre suas metas propiciar o acesso de
pescadores e pescadoras artesanais de pequena escala aos recursos marinhos. A partir do método
hipotético-dedutivo, a indagação central do presente artigo é a seguinte: se pescadoras e pescadores
artesanais são reconhecidos como comunidades tradicionais, consequentemente seus territórios
são reconhecidos juridicamente ou não? Ou em outras palavras, as normas e instrumentos já
existentes no ordenamento jurídico brasileiro possibilitam esse reconhecimento ou não? A partir
de um levantamento bibliográfico sobre territórios pesqueiros e direitos, em particular das teses e
dissertações, bem como de uma análise das normas jurídicas referentes aos direitos de pescadores
e pescadoras artesanais no Brasil, observar-se-á, em um primeiro momento, a relação existente
entre territórios, territorialidades e comunidades tradicionais realizando-se um paralelo entre o
reconhecimento de direitos aos povos indígenas e comunidades quilombolas com os pescadores e
pescadoras artesanais. Em uma segunda etapa, será evidenciado que para além do reconhecimento
dos pescadores e pescadoras como comunidades tradicionais, no ordenamento jurídico brasileiro
nunca houve o reconhecimento expresso e específico de um território pesqueiro. Ao mesmo tempo,
embora tenha ocorrido um avanço das políticas de pesca, ainda que de modo incipiente para o
reconhecimento de direitos de pescadores e pescadoras artesanais, também houve um avanço das
ameaças ao seu modo de ser e viver e aos seus territórios. Enfim, a partir de uma análise dos atuais
instrumentos que podem conferir algum grau de proteção aos territórios pesqueiros será realizada
uma reflexão sobre as possibilidades e limites desses instrumentos para assegurar o acesso aos
pescadores e pescadoras artesanais aos recursos marinhos e, portanto, implementar o ODS 14.

2
Aqui analisaremos esses territórios pesqueiros no mar, em águas sob jurisdição brasileira (BRASIL, 1993).
1 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: POVOS, COMUNIDADES
TRADICIONAIS E OS DIREITOS SOCIOAMBIENTAIS

«O território (...) é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por


e a partir de relações de poder. A questão primordial, aqui, não é, na
realidade, quais são as características geoecológicas e os recursos
naturais de uma certa área, o que se produz ou quem produz em um dado
espaço, ou ainda quais as ligações afetivas e de identidade entre um grupo
social e seu espaço. Estes aspectos podem ser de crucial importância para
a compreensão da gênese de um território ou do interesse por tomá-lo ou
mantê-lo (...), mas, o verdadeiro Leitmotiv é o seguinte: quem domina
ou influencia e como domina ou influencia esse espaço? Este Leitmotiv
traz embutida, ao menos de um ponto de vista não interessado em
escamotear conflitos e contradições sociais, a seguinte questão inseparável,
uma vez que o território é essencialmente um instrumento de exercício de
poder: quem domina ou influencia quem nesse espaço, e como?» (SOUZA,
2000, p. 78-79)

A primeira questão a ser enfrentada quando se realiza uma reflexão sobre território diz
respeito a compreender que espaço e território, como sustenta Raffestin, não são noções
equivalentes, já que o espaço antecede o território, ou seja, a produção do território se dá a partir
de um espaço e, assim o território

«é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que


realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço
concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator o
'territorializa'.» (RAFFESTIN , 1993, p. 143)

Tal qual afirma Souza, em um determinado contexto pode ser que a dimensão histórico-
cultural seja considerada como a mais importante na compreensão do território. Contudo, o autor
assinala que isso não significa que ela seja a única a ter relevância, uma vez que há a necessidade
de um exame mais aprofundado, compreendendo-se que há outros fatores que ensejam processos
de territorialização, tais como a «defesa de uma identidade [ que ] pode estar associada a uma
disputa por recursos e riquezas, no presente ou no passado» (SOUZA, 2008, p.60).
A noção de território se encontra atrelada a uma representação coletiva e significa, como
sustenta Maldi, um esforço de uma primeira ordenação do espaço. Assim, prossegue a autora a
«transformação do espaço (categoria) em território é um fenômeno de representação através do
qual os grupos humanos constroem sua relação com a materialidade, num ponto em que a natureza
e a cultura se fundem» (MALDI, 1997, p. 186). E, assim a territorialidade pode ser analisada como
um «esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma
parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em um 'território' ou homeland»
(LITTLE, 2004, p. 253).
No contexto brasileiro, os movimentos sociais caracterizados pelo socioambientalismo
propulsionaram a inserção dessa temática dos territórios de povos e comunidades tradicionais no
ordenamento jurídico, notadamente a partir do cenário da pós-democratização. Esses movimentos,
conduzidos por diversos atores – que vão dos povos indígenas e quilombolas a quebradeiras de
coco, pescadores e pescadoras artesanais, caiçaras, agricultores familiares e outros segmentos
sociais representativos da diversidade cultural lutaram e continuam lutando pelo reconhecimento
de suas terras e territórios para assegurar os seus modos de ser e de viver. Os principais elementos
constitutivos dessa luta são, assim, a proteção do território tradicional e o acesso aos recursos
naturais, a afirmação de direitos sobre a biodiversidade e sobre os conhecimentos tradicionais a
ela associados (SANTILLI, 2005). Observa-se, portanto, que os direitos dos pescadores e
pescadoras artesanais e o acesso aos recursos marinhos, associado ao reconhecimento de territórios
pesqueiros, são elementos constitutivos de suas lutas.
A construção jurídica dos direitos socioambientais3 tem sua origem com a promulgação da
Constituição de 1988, que trouxe não só a ordem social, mas também dedicou um capítulo
exclusivamente para tratar do meio ambiente. Além de proteger o patrimônio cultural material e
imaterial e incluir nesses bens as manifestações das culturas populares, ela definiu também
elementos importantes, como a função social da propriedade e o reconhecimento dos direitos às
terras tradicionalmente ocupados por povos indígenas e comunidades quilombolas. 4 Se, por um
lado a constituição e legislação infraconstitucional garantem aos povos indígenas e aos
quilombolas direitos territoriais, consequentemente as demais comunidades tradicionais também
tem garantidos seus direitos territoriais? E os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
asseguram proteção para essas comunidades?
Se, por um lado, a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) (1992), ratificada pelo
Brasil em 28 de fevereiro de 1994 (BRASIL, 1998) estabelece obrigações para os Estados partes
em relação aos povos e comunidades tradicionais, afirmando que há um dever estatal em respeitar,
preservar, manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações
indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes a conservação e a utilização sustentável da

3
Os direitos socioambientais constituem-se na união de diversos direitos consagrados na Constituição brasileira de
1988. Dentre eles, podemos citar os direitos indígenas (artigo 231), o direito às terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos (ADCT, artigo 68), os direitos ambientais (artigo 225), os direitos agrários (artigo 184)
e os direitos culturais (artigos 215 e 216), entre outros. Cf. SOUZA FILHO, 2002. Ao assegurar os direitos culturais
poder-se afirmar que o texto constitucional consagrou os direitos das diversas comunidades tradicionais no Brasil.
4
Pode ocorrer a sobreposição entre categorias, por exemplo, quilombolas pescadores e pescadoras artesanais.
diversidade biológica (art. 8º j), por outro lado é na Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (C169 da OIT) (1989) que se encontra o conceito de povos indígenas e
tribais. A C169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2002, ao tratar dos direitos dos povos tribais os
reconhece como aqueles cujas condições sociais, culturais e econômicas os distinguem de outros
setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios
costumes ou tradições ou por legislação especial (C169OIT, artigo 1, 1-A). E, a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) – Decreto nº
6.040/07 adota uma definição semelhante e indica que territórios e recursos naturais colocam-se
como condição para a sua reprodução 5. Ademais, o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades
Tradicionais, que tem competência coordenar, acompanhar e monitorar a implementação da
PNPCT, tem entre seus representantes pescadores artesanais (art. 4º, § 2º, V do decreto nº
8.750/2016) 6.
Ao realizar um paralelo entre os direitos assegurados no texto constitucional aos povos
indígenas e comunidades quilombolas, aos primeiros, a Constituição reconheceu expressamente
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo vedada a sua remoção.
Com o objetivo de garantir esse direito, determinou-se que as terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios se destinam à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas
do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (CF/88, artigo 231, § 2º). Pelo fato desse direito ser
originário, os direitos territoriais dos povos indígenas não dependem «de ato de reconhecimento,
de demarcação ou registro. [O que ocorre em realidade é que tais] (...) atos de demarcação e
registro, apenas servem para dar conhecimento a terceiros» (SOUZA FILHO, 2013, p. 21). Já o
regime jurídico de garantia constitucional territorial atribuídos às comunidades quilombolas sobre
suas terras é um pouco diferente, pois, neste caso, a Constituição definiu o direito de propriedade
definitiva garantida pela emissão de títulos coletivos mediante o procedimento de titulação (CF/88,
artigo 68 do ADCT e Decreto nº 4.887/03). 7 E, para reconhecer o direito de posse ao território

5
De acordo com a PNPCT, os povos e comunidades tradicionais são «grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição» (art. 3º, I) (BRASIL, 2007)
6
Dentre as comunidades tradicionais que tem representantes nesse conselho estão também os extrativistas costeiros e
marinhos, caiçaras, entre outros segmentos.
7
Com relação às terras constitucionalmente garantidas aos remanescentes dos quilombos, nos termos do artigo 68 da
ADCT, o procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação foi regulamentado pelo
Decreto nº 4.887/03, que sofreu Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.239 (BRASIL, 2003; STF, 2003). A
ação foi ajuizada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Foram apontadas diversas
inconstitucionalidades, entre elas, o critério de auto atribuição fixado no decreto para identificar os remanescentes dos
quilombos e a caracterização das terras a serem reconhecidas a essas comunidades. Contudo, por maioria de votos, o
Supremo Tribunal Federal declarou a validade do Decreto nº 4.887/03, garantindo com isso a titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas.
ocupado por comunidades tradicionais que não se enquadram na categoria indígena ou
quilombola?
Além dos textos internacionais citados, como a CDB e a C169 da OIT, a Convenção para
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO (2003), ratificada em 2006 pelo Brasil
(BRASIL, 2006), insere na definição de «patrimônio cultural imaterial» além das práticas,
representações, conhecimentos e técnicas que as comunidades, os grupos e os indivíduos
reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural igualmente os lugares culturais que
lhe são associados.
Já no que diz respeito especificamente a pesca 8, o Código de Conduta para a Pesca
Responsável (1995) adotado pela Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO) (FAO, 1995) estabelece
princípios e padrões internacionais para práticas responsáveis da pesca assegurando a conservação,
gestão e desenvolvimento dos recursos da pesca e aquacultura. Em seu artigo 6º ele reconhece a
contribuição de pescadores artesanais e em pequena escala para o emprego, geração de renda e
segurança alimentar, estabelecendo que os Estados devem proteger de forma adequada seus
direitos particularmente aqueles relacionados com a sua subsistência, para assegurar um ambiente
seguro e justo como também acesso preferencial, onde assim for apropriado, a pesca tradicional
em águas sob sua jurisdição. Mais recentemente, em 2017, a FAO adotou Diretrizes voluntárias
para garantir a pesca de pequena escala sustentável no contexto da segurança alimentar9, o
primeiro texto internacional voltado a pesca de pequena escala. Essas diretrizes são
complementares ao Código de Conduta para a pesca responsável e estabelecem em sua parte 2 a
«pesca responsável e o desenvolvimento sustentável». Assim afirmam que:

5.1. Estas Diretrizes reconhecem a necessidade da utilização responsável e


sustentável dos recursos naturais e da biodiversidade aquática, a fim de
satisfazer as necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações
presentes e futuras. As comunidades de pescadores de pequena escala
necessitam de direitos de posse seguros sobre os recursos que constituem
a base do seu bem-estar social e cultural, dos seus meios de subsistência e
do seu desenvolvimento sustentável. As Diretrizes promovem a
distribuição equitativa dos benefícios resultantes da gestão responsável da
pesca e dos ecossistemas em prol dos pescadores e trabalhadores da pesca
de pequena escala, tanto homens como mulheres.

8
Não é objetivo do presente texto realizar um inventário exaustivo dos textos internacionais que podem ter um impacto
na pesca artesanal, notadamente aqueles adotados pela FAO.
9
Essas diretrizes devem ser analisadas em conjunto com as Diretrizes voluntarias para a Governança Responsável da
Posse da Terra, dos Recursos Pesqueiros e dos Recursos Florestais no Contexto da Segurança Alimentar Nacional,
adotadas em 2012 pelo Comitê de Segurança Alimentar Mundial do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.
E, na esfera regional, o Parlamento Latino-Americano e Caribenho (PARLATINO) adotou
em 2017 uma Lei Modelo de Pesca Artesanal ou em Pequena Escala que prevê a necessidade de
assegurar direitos de posse e sua governança (art. 20) (PARLATINO, 2017). Por direitos de posse
a lei modelo estabelece que se trata do:

«sistema de mecanismos baseados em direitos legais ou ancestrais por


meio dos quais as sociedades definem e regulam a forma em que as
pessoas, comunidades e outros grupos conseguem acessar a terra, a pesca
e as florestas. Esses mecanismos determinam quem pode usar quais
recursos, durante quanto tempo e sob que condições. Podem se basear em
políticas e leis escritas, bem como em costumes e práticas não escritas»
(art. 3º, e)

Assim os Estados deverão adotar políticas, estratégias e legislações com o intuito de


garantir «direitos de posse seguros, equitativos e apropriados do ponto de vista social e cultural
sobre os recursos pesqueiros, prestando especial atenção aos direitos de posse das mulheres e das
salvaguardas que as protegem, bem como a setores vulneráveis» (art. 20), como também respeitar
«direitos consuetudinários ou históricos sobre os recursos aquáticos e as terras e áreas de pesca».
Como salienta Almeida, embora essa lei modelo não tenha sido adotada pelo Brasil «ela traz
elementos interessantes para o debate sobre regulação e regularização dos territórios tradicionais
pesqueiros» (2018, p. 170).

2 PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS: DIREITOS E


DESAFIOS

« Pelo que se desprende das inúmeras declarações resultantes de


encontros das organizações dos povos indígenas, quilombolas,
extrativistas e agroextrativistas, dos pescadores artesanais, dos
camponeses, das mulheres, dos agroecologistas, etc., todos e todas
têm a convicção que seu futuro depende não só da posse de um território,
mas da sua capacidade de encontrar nesse território as condições que
lhes permitam assegurar a sua reprodução.» (LEROY, 2016, p. 27)

No caso dos pescadores e pescadoras artesanais o reconhecimento de seus direitos foi


sempre objeto de lutas políticas, sendo que eles tiveram, por exemplo, acesso ao direito de
seguridade e previdência social somente a partir do ano de 1991, enquanto integrantes da
agricultura familiar (BRASIL, 1991a; BRASIL, 1991b) 10. Considerando a trajetória da política
pesqueira na regulação da pesca artesanal, Oliveira e Cyrino (2018, p. 15) apontam a existência de
4 (quatro) períodos: (i) de 1919 a 1960, período de modernização da pesca no Brasil com a criação
das colônias de pesca e um projeto de disciplinar os pescadores e conduzi-los à modernidade; (ii)
de 1962 a 1989, período de crescimento da indústria pesqueira e segregação dos pescadores
artesanais, o que foi marcado pelo incremento aos incentivos para a industrialização do setor com
sua tecnificação; (iii) de 1989 a 1998, período no qual emergem as preocupações ambientais e, a
gestão da pesca passa a ter um viés conservacionista; (iv) de 1998 a 2009 com seus
desdobramentos nos anos 2010, período de um «novo» modelo de desenvolvimento, pautado em
uma estratégia de desenvolvimento sustentável, cujo objetivo tem o condão de conciliar a gestão
dos recursos naturais e crescimento econômico, tendo a aquicultura sido priorizada enquanto a
grande promessa do setor.
A Lei n. 11.959, de 29 de junho de 2009, que instituiu a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca determinou a necessidade de o
«ordenamento pesqueiro» 11 considerar as peculiaridades, bem como as necessidades dos
pescadores artesanais. De acordo com essa lei federal, a pesca pode ser comercial (pesca artesanal
e industrial) e não comercial (atividades científicas, amadora e pesca de subsistência). A pesca
artesanal é aquela «praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em
regime de economia familiar, com meios e produção próprios ou mediante contrato de parceria,
desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte» (art. 8º, I, a) sendo que o pescador
profissional é a «pessoa física, brasileira, ou estrangeira residente no País que, licenciada pelo
órgão público competente, exerce a pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos
em legislação especifica» (art. 2º, XXII). Ademais, enquanto a atividade pesqueira compreende
todos os «processos de pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento,
transporte, comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros»(art. 4º caput), a atividade
pesqueira artesanal contempla «os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de
pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da
pesca artesanal» (parágrafo único do art. 4º). Essas definições, como sustenta o Movimento dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP, «não correspondem a diversidade presente na pesca
artesanal brasileira» (PAULA, 2018).

10
Ainda que seja relevante as discussões sobre direitos individuais assegurados aos pescadores e pescadoras
tradicionais esse não é o foco principal desse artigo.
11
De acordo com a lei 11.959/2009 define o ordenamento pesqueiro como «o conjunto de normas e ações que
permitem administrar a atividade pesqueira, com base no conhecimento atualizado dos seus componentes biológico-
pesqueiros, ecossistêmico, econômicos e sociais» (art. 2º, XII) (BRASIL, 2019).
A lei não tratou de direitos ao território pesqueiro e, em tom de simulação de discurso de
sustentabilidade, tornou indispensável o Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) para
concessão de autorização, permissão ou licença para o exercício da atividade12. Em 2016 foi
possível observar relatos de movimento sociais no sentido de que:

«suspensões dos registros tem ocorrido de forma arbitrária,


criminalizando os pescadores que precisam exercer sua profissão e
marginalizando-os dos seus direitos sociais. O que se percebe é que a
política pesqueira ao dificultar o acesso desses trabalhadores ao seu
exercício profissional vai inserindo-os em uma situação de vulnerabilidade
social, ou seja, uma condição desfavorável que obsta a garantia dos seus
direitos, a valorização dos seus modos de vida e trabalho, e a uma
existência digna, culpando-os como agentes dos seus próprios processos
de exclusão» (CYRINO, 2018, p. 144).

A dinâmica de controle de pescadores e pescadoras artesanais fundada em uma lógica de


colônias de pesca que se consolidou no início do século XX persiste na atualidade, pois para «(...)
controlar, é preciso cercar, dominar. É assim que se pode cantar que esse mar tem dono. Mas se o
mar tem dono, as gentes do mar também precisam ser controladas, dominadas, colonizadas.»
(ALMEIDA, 2018, p. 16)
Nesse contexto emergem os conflitos socioambientais, e de um total de 605 conflitos
identificados no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil do Núcleo
de Ecologia, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde (NEEPES), Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) e Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), observa-se que com
o filtro «pescadores artesanais» houve um total de 100 conflitos (NEEPS/ENSP/FIOCRUZ, s./d.).
Esse mapa tem como objetivo justamente dar visibilidade a essas populações, entre elas, aos
pescadores e pescadoras artesanais, identificando as vulnerabilidades socioambientais.
O relatório «Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Territórios
Tradicionais Pesqueiros no Brasil», uma iniciativa do Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Nacional, ao dar visibilidade para esses conflitos, destaca que:

« O que mais se desenha no avanço dos impactos correlacionados


à degradação dos territórios tradicionais pesqueiros é expropriação, os
despejos forçados, as ameaças e os homicídios. É nisso que resulta a

12
E certo que esse controle já existia, o decreto n. 23.672 de 1934, o Código de Caca e Pesca utilizava-se do termo
«colonizar» para se «referir ao ato de submeter-se as Colônias de Pesca. Como ressalta Almeida, « Fica evidente,
assim, que a função das Colônias não era a de representar os interesses dos pescadores artesanais, tampouco de permitir
efetivo diálogo entre estes e o Estado. Ao contrário, as Colônias de Pesca foram criadas e se consolidaram como a
materialização e imposição dos interesses do Estado e da elite econômica brasileira sobre as gentes do mar.»
(ALMEIDA, 2018, p. 81).
política de aquicultura associada ao hidronegócio.» (CONSELHO
PASTORAL DOS PESCADORES, 2016)

Em uma tentativa de sistematizar a problemática da pesca artesanal envolvendo conflitos e


a relação território/ambiente, Paula (2018) distingue três questões emergentes: (i) impactos
ambientais, tais como a industrialização a proximidade de comunidades pesqueiras, a urbanização,
a agricultura e a pesca industrial. Aqui também poderíamos considerar questões emergentes como
o impacto de algas do gênero Sargassum que, apesar de não serem tóxicas, podem causar impactos
negativos para a pesca com rede (TOLEDO, 2017; SISSINI et al. 2017); (ii) disputas no território,
que ocorrem tanto em razão de uma disputa pelo território pesqueiro em si, para a pesca industrial
ou comercial, ou ainda uma disputa pelo espaço para o desenvolvimento de outra atividade, como
a aquicultura ou geração de energia; (iii) conflitos por território, que podem provocar até mesmo
o desaparecimento de um determinado grupo – aqui podem ser citados os conflitos envolvendo
«questões fundiárias, do turismo, unidades de conservação, especulação imobiliária e
comercialização do pescado » (PAULA, 2018, p. 427).
Como destaca Diegues (2015), a noção de territórios pesqueiros aponta para a necessidade
da compreensão do fato deles serem fundamentais à reprodução da vida dessas comunidades,
sendo necessário resguardá-los de «ameaças representadas pela expansão urbana, pelas atividades
da pesca industrial, pela implantação de áreas protegidas integrais e de outras atividades que
limitam a área de pesca tradicional». Em realidade, o fenômeno de «apropriação social do mar»
de acordo com Diegues refere-se, por um lado, ao manejo e/ou gerenciamento do meio e dos
recursos marinhos e, por outro, remete aos «aspectos simbólicos que envolvem a relação entre os
pescadores e seu ambiente» (Diegues, 2004, p. 204). Sob esse segundo prisma, os pescadores e
pescadoras artesanais concebem o mar não somente como «um espaço físico, mas [ele] é também
o resultado de práticas culturais, onde os grupos de pescadores artesanais se reproduzem material
e simbolicamente» (Diegues, 2004, p. 205).
E, a Constituição de 1988 reconheceu a proteção das manifestações das culturas populares
– indígenas e afro-brasileiras – e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional (CF/88, artigo 215, § 1º), tais como pescadores e pescadoras artesanais, bem como a
proteção do patrimônio cultural brasileiro portador da referência à identidade, à ação e à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de
expressão e; II – os modos de criar, fazer e viver (artigo 216, incisos I e II). A proteção das
manifestações culturais e dos modos de viver desses grupos só pode ser assegurada se forem
garantidas as terras e territórios tradicionais onde essas práticas ocorrem.
3 POSSIBILIDADES DE RECONHECIMENTO JURÍDICO DOS
TERRITÓRIOS PESQUEIROS

«A legislação determinando formas de captura predatórias, períodos de


defeso, áreas permitidas ou vedadas para determinados tipos de pesca, cria
uma territorialidade legal e acaba criando duas fontes de conflitos. A
primeira com os pescadores em geral que, muitas vezes discordam das
restrições impostas pela legislação e a segunda com pescadores de
localidades onde a legislação não é cumprida, acarretando a invasão de
áreas vedadas a pesca de arrasto pelos grandes arrastões, por exemplo.»
(CARDOSO, 2001, p. 16)

É possível observar formas comunitárias de organização para o estabelecimento de regras


para o uso do mar/terra, como observa Cardoso, destacando o da Prainha do Canto Verde (CE)
(Assembleias, grupos e conselhos comunitários) e da Praia Redonda -Itapuí (CE) (resistência
frente a pesca predatória da lagosta através da compra de um barco pra a fiscalização juntamente
com o IBAMA) (CARDOSO, 2001, p. 86). Há ainda a possibilidade da adoção de determinados
instrumentos como os acordos de pesca que possibilitam o manejo de recursos pesqueiros,
instrumento que foi desenvolvido em lagos da Amazônia (D`ALMEIDA, 2006). Ademais, há a
possibilidade da criação de uma unidade de conservação de uso sustentável, como as Reservas
extrativistas marinhas – RESEX marinhas, enquanto territórios de resistência, estabelecendo-se
nos planos de manejo as zonas e modalidades de pesca. Podem ser estabelecidas assim, por um
lado, zonas nas quais permite-se ou proíbe-se a pesca, e por outro lado, as modalidades de pesca
permitidas e proibidas. Em realidade, as RESEX marinhas conduzem a refletir sobre a
reconstrução de formas tradicionais da apropriação social do mar.
No que diz respeito a cessão de águas públicas, a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável da Aquicultura e da Pesca prevê essa possibilidade. Contudo, apenas em relação a
aquicultura.
O reconhecimento do direito de posse ao território ocupado por comunidades tradicionais
que não se enquadram na categoria indígena ou quilombola, tem sido efetuado através de um
instrumento denominado Termo de Acordo de Uso Sustentável (TAUS), previsto na Lei n. 9.636
de 1988 e regulamentado pela Portaria nº 89/2010 da SPU (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO,
ORÇAMENTO E GESTÃO/ SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, 2010). De acordo
com o artigo 10-A dessa lei há a possibilidade da Secretaria do Patrimônio da União reconhecer a
ocupação em área da União mediante termos e autorizar o seu uso sustentável por comunidades
tradicionais. Mas esse ato administrativo é excepcional, transitório e precário. Esse instrumento
jurídico concede assim o direito de posse às comunidades tradicionais, tais como pescadores e
pescadoras artesanais, enquanto que o direito de propriedade continua sendo da União nos casos
em que essas comunidades ocupam áreas que pertençam a ela. 13
O TAUS figura como um mecanismo que possibilita a utilização por parte de comunidades
tradicionais de áreas da União como o mar territorial, terrenos de marinha, áreas de praia marítima
ou fluvial, ou ainda áreas de várzeas e mangues enquanto leito de corpos de água federais. Ele
pode ser outorgado na categoria coletiva ou individual e ser analisado como um instrumento que
garanta e reconheça direitos territoriais das pescadoras e pescadores artesanais. Esse instrumento
deverá, portanto, «respeitar os limites de tradição das posses existentes no local, a ser definido
com a participação das comunidades diretamente beneficiadas, respeitando as peculiaridades
locais dos ciclos naturais e organização comunitária territorial das práticas produtivas» - art. 6º da
Portaria nº 89/2010 da SPU (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO/
SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO, 2010). Observa-se que no Estado de
Pernambuco, em três casos a Secretaria do Patrimônio da União emitiu TAUS reconhecendo áreas
de territórios pesqueiros em Itapissuma, Cabo de Santo Agostinho e Itamaracá (BARBOSA,
2019). No tocante às áreas terrestres contempladas pela dinâmica dos territórios pesqueiros, caso
elas sejam bens privados, há duas modalidades ou formas de regularização: a desapropriação por
interesse social (art. 5º, XXIV da Constituição de 1988) e a ação de usucapião especial coletiva
(ALMEIDA, 2018, p. 115).
O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Tradicionais em 2011 iniciou a Campanha
Nacional pela Regularização dos Territórios Pesqueiros Tradicionais. E, assim, um projeto de
iniciativa popular foi apresentado ao Congresso Nacional em novembro de 2019. O PL 131/2020
tem o objetivo regulamentar o reconhecimento, a proteção e o procedimento de identificação,

13
Mediante o sistema e-SIC (Serviço eletrônico de Informação ao Cidadão) instituído pela Lei de Acesso à Informação
(Lei nº 12.527/11), no dia 17 de novembro de 2017 solicitamos (Protocolo n 03950.003519/2017-55) à Secretaria de
Patrimônio da União algumas informações a respeito do TAUS, tais como, a) quantos TAUS já foram firmados com
comunidades tradicionais residentes em unidades de conservação de proteção integral?; b) Dentre os TAUS firmados,
quantos já foram renovados?; e c) É possível ter acesso ao conteúdo? A resposta da SPU foi a seguinte: “Em
atendimento à sua solicitação, informamos que consultando a planilha consolidada de TAUS, não existe essa
informação consolidada. Constam neste contexto informações como o endereço e a localização geodésica, ou seja, a
princípio não existem informações se a comunidade está ou não inserida em uma unidade de conservação. Diante
deste fato, foi realizada uma consulta espacial nos 16 registros de TAUS coletivos que temos em nossa base de dados
(atualizada no final de 2016) e não foram observadas sobreposições espaciais dos termos coletivos com áreas de
proteção integral em unidades de conservação. Portanto, não constam na nossa base de dados nenhum TAUS coletivo
outorgado a comunidades tradicionais inseridas em Unidades de Conservação. Em relação à renovação dos TAUS,
não existe tal previsibilidade na portaria SPU n°89/10 e tampouco nas portarias que as antecederam (revogadas). Desta
forma, não há previsão da vigência ou validade dos TAUS, porém, é importante salientar que os termos poderão ser
cancelados a qualquer momento diante das prerrogativas previstas no artigo 12 da portaria SPU nº 89/10. Ressalta-se
também que os TAUS são transferíveis apenas por sucessão, sendo vedada sua transferência para terceiros”. [grifos
nossos]
delimitação, demarcação e titulação do território de comunidades tradicionais pesqueiras, além de
definir essas comunidades como aquelas que realizam a pesca tradicional.
Assim como a C169 da OIT, o PL traz como declaração das comunidades tradicionais
pesqueiras o critério da auto identificação. Reconhece como territórios tradicionais pesqueiros

“as extensões, em superfícies de terra ou corpos d ́água, utilizadas pelas


comunidades tradicionais pesqueiras para a sua habitação,
desenvolvimento de atividades produtivas, preservação, abrigo e
reprodução das espécies e de outros recursos necessários à garantia do seu
modo de vida” (Art. 1, parágrafo único, inciso II-PL 131/2020).

Outro ponto de convergência com a C169 da OIT é o direito de consulta prévia às


comunidades tradicionais pesqueiras, ou seja, o PL propõe que essas comunidades participem de
forma ativa dos processos de tomada de decisões que possam afetar de alguma forma seu modo de
vida e a gestão do território tradicional pesqueiro.
Quanto ao procedimento para regularização dos territórios tradicionais, o PL propõe um
arranjo interinstitucional, competindo ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por
meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, com a cooperação do
Ministério da Cultura e da Secretaria do Patrimônio da União, de ofício ou provocados pelas
organizações das comunidades tradicionais pesqueiras, a identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação dos territórios tradicionais pesqueiros. Fica, entretanto,
prejudicado esse procedimento previsto no PL, uma vez que o MDA foi extinto. Em um segundo
momento, o PL prevê o envio pelo INCRA dos relatórios técnicos aos seguintes órgãos: Instituto
do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; Instituto Chico Mendes para a Conservação da
Biodiversidade; Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão; Agencia Nacional de Águas; Fundação Nacional do Índio - FUNAI; Secretaria Executiva
do Conselho de Defesa Nacional; Ministério da Pesca e Aquicultura e Fundação Cultural Palmares.

(Art. 5 e 10 § 2, PL 131/2020). O MPA igualmente foi extinto. Verifica-se inicialmente a

necessidade de uma adequação dos órgãos competentes para a realização do procedimento de


regularização dos territórios tradicionais previstos no PL.
Com relação ao reconhecimento e a proteção dos territórios tradicionais pesqueiros,
cumpre esclarecer que a Constituição de 1988 reconheceu aos povos indígenas o direito a terras e
o acesso aos seus recursos naturais, consagrando assim o direito originário sobre os territórios que
tradicionalmente ocupam. Com relação às comunidades quilombolas, a Constituição reconheceu
aos remanescentes dos quilombos a propriedade definitiva das terras mediante a titulação coletiva
(ADCT, artigo 68). Já para as demais comunidades tradicionais, o texto constitucional não
mencionou expressamente uma forma de garantir a elas os mesmos direitos, existindo, entretanto,
a partir de uma interpretação sistêmica do texto constitucional e dos compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil a necessidade de garantir esses direitos territoriais as demais comunidades
tradicionais e dentre elas aos pescadores e pescadoras artesanais. Isso porque o texto constitucional
consagra igualmente direitos constitucionais dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira.
Para analisar, então, os direitos a terras e territórios das demais comunidades tradicionais,
tais como os/as pescadores/as artesanais é fundamental compreender os conceitos trazidos pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (C169OIT). Em complemento ao
reconhecimento e garantia dos direitos às terras indígenas e quilombolas, essa Convenção trouxe
o dever de reconhecer aos povos indígenas e tribais os direitos de propriedade e de posse não só
sobre as terras, mas também sobre os territórios que tradicionalmente ocupam (C169OIT, artigo
14-1). Por territórios, a Convenção entendeu que devem abranger a totalidade do habitat das
regiões que os povos indígenas e tribais ocupam ou utilizam de alguma forma (C169OIT, artigo
13-2).
Outro ponto de interessante apresentado pelo PL 131/2020 foi a situação de sobreposição
entre o território das comunidades tradicionais pesqueiras e as unidades de conservação. Nesses
casos, os órgãos competentes (INCRA/IBAMA) tomariam as medidas visando garantir a
sustentabilidade das comunidades envolvidas, revisando os atos administrativos, devendo sempre
consultar as comunidades tradicionais interessadas (Art. 14, PL 131/2020)
No que diz respeito às possíveis soluções que podem ser adotadas nos casos de
sobreposição, Diegues (2008) apresentou uma proposta no livro O mito moderno da natureza
intocada, no qual analisa como as relações que se estabelecem entre o ser humano e a natureza
definem o modelo de conservação dos recursos naturais. Nessa obra, ele enfrenta a problemática
da criação de áreas protegidas em sobreposição aos territórios habitados por povos indígenas e
comunidades tradicionais. E é possível vislumbrar algumas alternativas em caso de sobreposição.
Por exemplo, o Parque Estadual da Serra do Mar e o Parque Estadual de Ilha Bela apresentam
alternativas interessantes do ponto de vista da conciliação da conservação da biodiversidade com
o direito das populações tradicionais residentes, especialmente das comunidades caiçaras, que
carecem de regulamentação específica para assegurar seus direitos territoriais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade do reconhecimento dos territórios pesqueiros emerge do próprio ODS 14,
que tem dentre suas metas propiciar o acesso de pescadores e pescadoras artesanais de pequena
escala aos recursos marinhos. Assim o ODS 14 pode ser considerado como uma verdadeira bússola
para orientar a adoção de arranjos jurídicos que propiciem o reconhecimento dos territórios
pesqueiros numa lógica de adequação da atividade de pesca artesanal ao desenvolvimento
sustentável. E isso, além de considerar que compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
orientam o próprio estado brasileiro nesse sentido (CDB, C169 OIT, entre outros textos
internacionais que se referem a proteção do patrimônio cultural e a pesca).
No que diz respeito ao reconhecimento constitucional desses territórios, para além dos
territórios consagrados constitucionalmente – os dos povos indígenas e quilombolas 14, que aliás
também sofrem com ameaças e flexibilização de seus direitos territoriais (ALMEIDA, 2014) –
esse olhar mais amplo e aprofundado da relação existente entre pescadoras e pescadores artesanais,
territórios e territorialidade, traz para o campo do direito a necessidade de enfrentar o desafio de
concretizar os objetivos da República Federativa do Brasil: a construção de uma sociedade justa e
solidária, erradicando-se a pobreza e marginalização, bem como reduzindo-se as desigualdades
sociais e regionais através da promoção do bem de todos e de todas. E efetivar igualmente os
direitos culturais de todos os grupos formadores da sociedade brasileira.
Entretanto, há direitos de comunidades tradicionais que ainda não foram efetivados, sendo
que tais comunidades - continuam invisíveis ao direito e à sociedade em geral. Pescadores e
pescadoras tradicionais foram sempre submetidos a um projeto nacional que os relegou e
discriminou não valorizando o seu modo de ser e viver. E, a territorialidade dos pescadores e
pescadoras artesanais é complexa e dinâmica, pois ela «articula ambientes de terra e água, em que
os limites dos territórios nem sempre são claramente definidos e obedecem a lógicas distintas»
(BALDI, 2014, p. 97). Ademais, esses territórios, englobando terra e água, encontram-se
vulneráveis aos riscos e ameaças oriundos de uma lógica produtivista predatória e, assegurar o
reconhecimento dos territórios pesqueiros à lógica da cidadania modelando o Estado com
efetivação de justiça socioambiental e participação dessas comunidades nos processos de decisões,

14
Cf. artigo 231 da constituição de 1988 e artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. Em relação
aos povos indígenas e comunidades quilombolas, o «IBGE estima que no Brasil existiam 7.103 localidades indígenas
e 5.972 localidades quilombolas em 2019, de acordo com a Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os
Indígenas e Quilombolas, feita a partir da base territorial do próximo Censo, adiado para 2021, e do Censo 2010.»
(IBGE, 2020). Estima-se, de acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
que «as Comunidades Tradicionais constituem aproximadamente 5 milhões de brasileiros e ocupam ¼ do território
nacional» (SECRETARIA DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. DEPARTAMENTO DE
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA – DEDIHC, s/d).
bem como à lógica dos limites necessários ao poder econômico, figura com destaque entre as
medidas com potencial de colaboração à reprodução do modo de ser e viver destes povos.
Ademais essa problemática dos territórios pesqueiros nos conduz a reflexões sobre a
propriedade de recursos naturais. Trata-se de uma lógica de recursos comuns com acesso livre,
fato que demanda o estabelecimento formal dos territórios pesqueiros e a criação de instrumentos
para regular o acesso a esses territórios. Se, por um lado, o Estado brasileiro reconhece a existência
dessas comunidades tradicionais e dentre elas os pescadores e pescadoras tradicionais; por outro,
deve-se indagar sobre o reconhecimento do próprio território e como os conflitos envolvendo essas
comunidades trazem à tona as suas próprias vulnerabilidades e ameaças aos seus territórios e
acesso recursos naturais. O modo de ser e viver dessas comunidades também se encontra sob
constantes ameaças, existindo em particular uma exposição ao perigo iminente da vida de pessoas
reconhecidas como lideranças ambientais15, sendo que um olhar voltado à
implementação/efetivação dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e em particular
dos ODS, no sentido apresentado no presente trabalho, podem contribuir sobremaneira na geração
de efeitos positivos e mitigação dos efeitos negativos.

15
Importante destacar que o primeiro texto internacional a reconhecer a necessidade de proteção dos defensores e das
defensoras ambientais é o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em
Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú.
Referências

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https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcom
pact/A_RES_70_1_E.pdf> Acesso em 08.08.2020.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de (2014). Cartografia social da Amazônia: os significados
de território e o rito de passagem da 'proteção' ao 'protecionismo'. In: SIFFERT FILHO, Nelson
Fontes et al. Um olhar territorial para o desenvolvimento: Amazônia. Rio de Janeiro : Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, p. 350-369.
ALMEIDA, Ana Carolina Brolo de (2018). Diálogos entre as gentes do mar e o Estado:
regulação e regularização dos territórios tradicionais pesqueiros». Dissertação de Mestrado no
Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.
BALDI, Cesar Augusto (2014). Pescadores artesanais, justiça social e justiça cognitiva: acesso à
terra e à água. Revista Colombiana de Sociologia, vol. 37, n 2. Jul.-Dic., p. 91-119.
BARBOSA, Marcos (2019) «O território dos pescadores é além da terra. É a área de agua,
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<https://www.brasildefatope.com.br/2019/05/08/o-territorio-dos-pescadores-e-alem-da-terra-e-a-
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BDTD - BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA DE TESES E DISSERTAÇÕES. Disponível
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2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
_______ (1991a). Lei n. 8213, de 24 de julho. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências.
_______ (1991a). Lei n. 8212, de 24 de julho. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social,
institui Plano de Custeio, e dá outras providências.
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_______ (2016) Decreto n. 8.750, de 9 de maio, Institui o Conselho Nacional dos Povos e
Comunidades Tradicionais.
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Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da
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FRONTEIRAS E TERRITÓRIOS NA AMAZÔNIA
BRASILEIRA E OS DIREITOS TERRITORIAIS ∗
DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
BORDERS AND TERRITORIES IN THE
BRAZILIAN AMAZON AND THE TERRITORIAL
RIGHTS OF INDIGENOUS PEOPLES AND
TRADITIONAL COMMUNITIES
José Heder Benatti ∗∗

INTRODUÇÃO
Contemporaneamente a discussão sobre o papel das florestas tropicais no mundo
e a importância de sua proteção tem ganhado destaque na agenda política nacional e
internacional. Movimentos sociais, grandes empresas brasileiras, multinacionais, fundos
internacionais e a imprensa internacional pressionam os governos locais e regionais a
proteger a rica floresta tropical. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, Eco 92, apesar de a floresta ter sido um tema importante e de estar
na agenda, não se chegou a um consenso para deliberar uma norma de proteção. O que se
conseguiu sancionar foi a Declaração de Princípios sobre Floresta, não ocorrendo o
mesmo com as temáticas sobre mudanças climáticas e diversidade biológica, as quais
tiveram aprovação de duas convenções internacionais e foram ratificadas pelo Brasil em
1994 e 1998, respectivamente (NOVAES, 1992; CANDOTTI, 1992).
Desde a preparação da Eco 92, ficaram claras as duas concepções divergentes
existentes sobre como proteger as florestas no mundo. Enquanto os países mais ricos
(EUA, Canadá e União Europeia) partiam do princípio de que a responsabilidade de
proteger as florestas era de todos os países (princípio da responsabilidade global), os
países do Sul (os países subdesenvolvidos capitaneados pelos Brasil) defendiam a
soberania das nações sobre seus territórios e, consequentemente, sobre seus recursos
naturais, apresentando a proposta de que os países que mais poluem devem pagar pelos
serviços ecossistêmicos da floresta e sua proteção (BEZERRA, 2012).


O trabalho é um dos produtos do Projeto “Impacto da Nova Legislação de Regularização Fundiária nas
Terras Tradicionalmente Ocupadas pelas Comunidades Tradicionais”, como bolsista Produtividade CNPq
(Processo CNPq: 308008/2018-9).
∗∗
Advogado, doutor, professor associado de direito do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA e bolsista
produtividade CNPq.
Mesmo que nessas últimas décadas tenha ficado evidente a importância da
natureza como preocupação global, ganhando ainda mais importância a proteção da
floresta pan-amazônica, ainda não se chegou ao consenso sobre como protegê-la.
Portanto, ainda está presente nos debates nacionais e internacionais o
questionamento sobre qual é a melhor maneira de proteger a floresta amazônica, de modo
que deste questionamento derivam outros de mesma grandeza e importância. A primeira
indagação que surge é sobre a sua ontologia, o que é a Amazônia? Somente a floresta,
água, biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (destacamos aí os “rios voadores” 1)?
Proteger a floresta amazônica significa garantir os direitos territoriais dos povos e
comunidades tradicionais que vivem há décadas ou séculos nesse ecossistema?
São empregadas diferentes categorias para classificar os povos indígenas, os
quilombolas, as populações tradicionais (ribeirinhos, seringueiros, castanheiros,
pescadores, quebradeiras de coco babaçu etc). Neste trabalho, utilizamos a definição
prevista no inciso IV da Lei 13123/2015, que define comunidade tradicional como “[...]
grupo culturalmente diferenciado que se reconhece como tal, possui forma própria de
organização social e ocupa e usa territórios e recursos naturais como condição para a sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição”. 2
Aproximando-se mais de um ensaio científico3, este estudo busca levantar as
questões acima mencionadas para o debate. Desse modo, empregaremos uma
metodologia de caráter quali-quantitativo e descritivo, com destaque para o método de
análise a bibliográfica, documental e a organização de dados. Para esse fim, realizamos

1
Rios voadores é como ficou conhecido o fenômeno natural que ocorre com a floresta amazônica, ao expelir
na atmosfera gotículas de água no momento da transpiração, que irá formar massas de ar carregadas de
vapor de água, muitas vezes acompanhadas por nuvens; assim, são propelidas pelos ventos, formando
verdadeiros rios voadores que contribuem com as chuvas no Centro-Oeste e Sudeste brasileiro. Na prática,
a floresta amazônica funciona como uma verdadeira bomba d'água, transferindo água da Amazônia para o
restante do Brasil (FEARNSIDE, 2015).
2
O Decreto 6040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, classifica como povos indígenas e comunidades tradicionais os “[...] grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição” (Art. 3o, I).
3
Denominamos de ensaio científico porque tomamos a liberdade de defender as posições apresentadas no
texto sem buscar um levantamento exaustivo de documentação empírica e bibliográfica, cuja avaliação
interpretativa está assentada mais na visão subjetiva do autor, uma reflexão pautada na experiência de
aproximadamente trinta anos de trabalho com a temática. Não buscamos concluir pensamentos, mas
propiciar novas discussões a partir de outra perspectiva (SILVEIRA, 1992).
uma pesquisa nas bases bibliográficas do Google Acadêmico e Periódicos Capes, com a
composição de palavras-chave: faixa de fronteira, território, povos e comunidades
tradicionais e unidades de conservação.
O trabalho irá analisar os conceitos de fronteiras e territórios debatidos na
Geografia, Sociologia, Antropologia e Direito, fazendo distinções conceituais e
demonstrando como nos dias atuais a Amazônia ainda é vista como uma fronteira de
recursos naturais, globalizada, cuja resistência ao modelo exportador de commodities e
energia é expressa na luta dos povos e comunidades tradicionais pelos seus territórios.
São duas palavras, fronteira e território, e quatro significados que serão
trabalhados. A fronteira pode ser a física, a linha divisória entre dois países, ou uma
categoria analítica utilizada para explicar o fenômeno de ocupação de um determinado
espaço de um país, que é vista como a fronteira de recursos naturais ainda não explorada
(BECKER, 2007; CASTRO, 2012).
O mesmo se dá em relação ao território. Pode-se tratar do território como categoria
mais próxima das definições atribuídas pela Antropologia, a qual enfatiza a apropriação
e construção simbólica que é feita pelos povos e comunidades tradicionais em espaços
por elas habitadas, de modo que são os “territórios físicos nos quais esses grupos estão
reunidos se constituem em espaços simbólicos de identidade, produção e reprodução
cultural, não sendo, portanto, algo exterior à identidade, mas imanente a ela” (PEREIRA,
2002, p. 3). No outro sentido de território, a teoria política e o ordenamento jurídico o
concebem e relacionam com um país (um povo, um território, uma nação). Portanto, o
território é um dos elementos formadores do Estado moderno e o limite de seu poder,
formado por solo, subsolo e espaço aéreo, delimitado por fronteiras que estabelecem o
limite das soberanias entre os países lindeiros (DALLARI, 2007).

1 AMAZÔNIA BRASILEIRA E O DEBATE SOBRE FRONTEIRAS


A discussão que a Amazônia é uma fronteira aberta para ser incorporada ao
mercado nacional e internacional vem desde a década de 60 do século passado. Com o
tempo, foram apresentadas diferentes concepções sobre fronteira.
A própria compreensão sobre a Amazônia estava ligada à de região de fronteira,
fronteira econômica, frente de expansão de determinado recurso e fronteira natural
(WANDERLEY, 2018, p. 17) ou ainda fronteira de recursos (BECKER, 1998), o lócus
de espaço vazio e rico em recursos naturais, abundante em água e “terras sem homens
para homens sem-terra".
A noção mais forte de que está impregnado o imaginário nacional é a Amazônia
como fronteira do historiador americano Frederick Tuner (1920), justamente de expansão
do capitalismo sobre sociedades não capitalistas, o moderno avançando sobre o atraso, o
encontro da civilização com a selvageria (WANDERLEY, 2018, p. 18).
Para Martins (1996), a fronteira é o local do encontro e do conflito social – o lugar
da alteridade no qual, ao mesmo tempo em que se enxerga o outro como um ser distinto,
diferente, estabelecem-se as relações de diferença, de contraste e do “moderno” que é
superior ao “atrasado”. Para ele, a história do Brasil é a história das lutas étnicas e sociais,
e a fronteira é um destes espaços onde o conflito se desenvolve com certas peculiaridades.
Por isso, a fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece.
Wanderley (2018, p. 26) afirma que as fronteiras de expansão na Amazônia ainda
estão ativas, agora não mais limitada à busca por recursos, tais como terra, minério e
energia, mas incorporando elementos naturais da biodiversidade (água, planta, sementes,
carbono, serviços ecológicos e beleza cênica).
A concepção da Becker (1998, p. 62) sobre fronteira é a de espaço
excepcionalmente dinâmico e contraditório, cuja expansão convive e reproduz formas
capitalistas e não-capitalistas, como é o caso da produção agrícola camponesa de
subsistência. No caso das formas não-capitalistas de produção agrícola, o excedente acaba
suprindo como alimentos e mão de obra baratos. Contudo, a convivência é mais tensa
com setores do campesinato que têm pouco relacionamento com o mercado, o que é o
caso das comunidades tradicionais, ou ainda de quase nenhuma relação, como ocorre com
os povos indígenas.
Dessa forma, na fronteira atual, coexistem no mesmo espaço as atividades
modernas, ligadas ao mercado internacional, e aquelas "tradicionais", representadas pela
agricultura familiar de subsistência e pelos povos e comunidades tradicionais.
Reconhecemos que a Amazônia não é homogênea nas suas "fronteiras regionais”
(LITTLE, 2001), em que convivem, com diferentes tensões, o “moderno”, o
“tradicionais” e o mais atrasado na apropriação da terra – a grilagem, violência e a
destruição da floresta, o que Harvey (2004) denomina de acumulação por desapossamento
(accumulation by dispossession) – , conectada com o mercado internacional, objetivando
alcançar o maior lucro possível com a apropriação ilegal.
O elo entre o "moderno" e o “atrasado” está no fato de a natureza ser vista como
distintas "commodities" para serem exploradas, a exemplo de terra, recursos naturais,
água, biodiversidade, minério etc.
Desse modo, podem-se dividir as fronteiras amazônicas em três partes: uma para
ser colonizada e explorada; outra como reservas territoriais estratégicas para ser protegida
devido a seus atributos naturais, mas que poderá ser explorada no futuro (as áreas
protegidas); e a que está excluída da globalização por se constituir de regiões de pobreza
e estar desconectada das redes globais (CHESNAIS, 1996 apud WANDERLEY, 2018, p.
29).
No caso da fronteira das áreas protegidas 4, encontram-se os territórios
tradicionais. Dentre as políticas que buscaram consolidar os direitos territoriais dos povos
e comunidades tradicionais5, para atender às reivindicações dos movimentos sociais do
campo, tiveram maior êxito as que fizeram aliança com as organizações ambientalistas
nacionais e internacionais, e que no seu bojo defendiam a proteção da natureza, ou seja,
preconizavam que os grupos sociais seriam os guardiões da floresta e da biodiversidade.
Na prática, o reconhecimento das terras indígenas, dos quilombos, da criação das
reservas extrativistas, assentamento agroextrativistas, de parques e florestas públicas é a
tentativa de proteger a floresta e retirar essas glebas de terra do mercado. Contudo, o fato

4
As áreas protegidas são espaços criados pelo Estado para assegurar algum grau de proteção aos recursos
naturais, que são: parque, floresta pública, reserva extrativista, quilombo, assentamento rural, terra
indígena, reserva legal e área de proteção permanente. A literatura brasileira faz distinção entre área
protegida e unidades de conservação (UC). Enquanto aquela é a denominação geral para os espaços
legalmente protegidos, esta trata-se do “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam
garantias adequadas de proteção” (inciso I, Art. 2o, Lei 9980/2000 - que institui o Sistema Nacional da
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC). Portanto, são UC as categorias fundiárias previstas nos
arts 8º e 14 da Lei do SNUC. Neste trabalho, quando utilizamos a denominação de área protegida, estamos
nos referindo às UC, terra indígena, quilombo e assentamento rural.
5
Denominamos de direito territorial dos povos e comunidades tradicionais o conjunto de direitos existentes
no direito à territorialidade e o direito ao território. Definimos como direito à territorialidade os
mecanismos administrativos e legais que asseguram o acesso à terra e aos recursos naturais: reconhecimento
de direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais; regularização fundiária com a titulação e
as garantias formais para exercer o direito à propriedade; ou seja, são as regras legais e administrativas
relacionadas à transferência total ou parcial dos poderes dominiais do Estado para povos e comunidades
tradicionais. Já o direito ao território trata das normas jurídicas e sociais (estas podemos denominá-las de
costumeiras ou consuetudinárias) e suas tensões, que definem os poderes de uso e utilização do espaço
reconhecido pelo poder público, a autonomia no uso da terra e dos recursos naturais (usufruto, gozo e
alienação); são as regras relacionadas a manejo, uso e transferência de direitos do território.
de a terra estar fora do mercado, de não ser convertida em propriedade privada, não
impede que os recursos naturais (renováveis e não renováveis) 6 sejam comercializados
local, nacional ou internacionalmente, legal ou ilegalmente. Em suma, os recursos
naturais entram no mercado de forma legal ou ilegal.
Uma das explicações das funções da fronteira é que ela cumpre o seu papel
conservador ao garantir, de um lado, a reprodução de formas arcaicas de uma agricultura
de subsistência que garante o excedente de força de trabalho; por outro lado, funciona
como áreas de escape para as tensões sociais e demográficas de áreas povoadas,
garantindo a permanência do latifúndio improdutivo. No entanto, também na fronteira
haverá espaço para se instalar o latifúndio improdutivo e especulativo (BECKER, 1998,
p. 63).
A divisão clássica de fronteira (demográfica, expansão e econômica), como se
fossem fases a serem superadas, demonstra que o processo não é linear, mas complexo,
coexistindo no mesmo espaço diferentes atividades econômicas e de exploração da terra
e dos recursos naturais. Tem-se o que é mais moderno na mineração e agropecuária, assim
como o que há de mais atrasado na forma de explorar, de modo que a apropriação ocorre
com violência e degradação ambiental.
O que vamos discutir adiante é como ocorreu a contínua ocupação da Amazônia
e o desrespeito aos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais, processos
em que as fronteiras como espaço físico e político legitimam a atual situação de barbárie.
Mas antes descreveremos o conceito jurídico de fronteira internacional.

6
Tratamos como recursos naturais a matéria ou energia que é utilizada pelo ser humano e produzida pela
natureza. Os recursos naturais são divididos em recursos naturais renováveis – os que podem se renovar em
um prazo curto, tendo como referência o tempo de vida humana – e os recursos naturais não renováveis –
aqueles que não se renovam em um período curto em relação à vida humana. Citamos como exemplos de
recursos naturais não renováveis os minerais e o petróleo. Para este estudo, qualificaremos os recursos
naturais madeireiros e não madeireiros. Os recursos florestais madeireiros são os materiais lenhosos que
podem ser aproveitados para serraria, já os recursos florestais não madeireiros são os não-lenhosos de
origem vegetal (resina, cipó, óleos, sementes, plantas ornamentais, plantas medicinais). Também são
considerado recursos naturais não madeireiros os serviços ecológicos prestados pela floresta (proteção do
solo da erosão; manutenção das chuvas e a qualidade da água; a regulação do clima local ou regional; a
produção de alimentos; recursos genéticos e bioquímicos etc.). Os serviços ecológicos são gerados pela
floresta e são benefícios prestados pelos ecossistemas ao ser humano. Estabelecemos a distinção entre bem
ambiental e recurso natural, ao compreender que, empregando a categoria bem ambiental, trata-se do
elemento natural, que pode ter um uso, mas sobre o qual não há a preocupação em precificar, ou seja, dar
um preço ao bem. É o gênero. Enquanto recurso natural é o bem ambiental que possui um valor econômico,
capaz de ser utilizado e ter um valor definido pelo uso (IRIGARAY, 2010).
2 A FAIXA DE FRONTEIRA E SUA DEFINIÇÃO LEGAL
Cada país produz suas regras para organizar a ocupação e exploração dos
territórios fronteiriços. Na América Latina, os instrumentos legais criados para regular a
faixa de fronteira são distintos. Alguns estabeleceram na Constituição a faixa de fronteira
e sua largura, como é o caso da Bolívia (50km) e do Brasil (150km). Colômbia, Equador
e Venezuela possuem-nas, mas não especificaram a extensão; outros países não fazem
menção expressa em suas cartas magnas, o que é o caso da Argentina, Chile, Guiana,
Paraguai, Suriname e Uruguai.
A brasileira é um espaço de terra de 150km de comprimento “ao longo das
fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para
defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei” (art. 20,
§ 2º da Constituição Federal de 1988).
Esta faixa de terra sempre foi uma preocupação do Estado brasileiro e estava
prevista desde a Constituição de 1891 ao prever no art. 64 que

Pertencem aos estados as minas e terras devolutas situadas nos


seus respectivos territórios. Cabendo à União sómente a porção
de territorio que for indispensavel para a defesa das fronteiras,
fortificações, construcções militares e estradas de ferro federaes.

Na Constituição Federal de 1934, o art. 20 referia como domínio da União as


zonas fronteiriças. Já a Constituição de 1946 previa no art. 34 como bens da União “a
porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações,
construções militares e estradas de ferro”.
Pode-se dizer que a faixa de fronteira é um conceito histórico que revela a
preocupação do Brasil com a divisa com outros países. Teve início no segundo império e
era estipulada em 10 léguas, algo equivalente a 66 km. Depois foi sendo paulatinamente
ampliada, passando para 100 km, e atualmente tem a largura de 150 km, ao longo dos
15.719 km da fronteira terrestre brasileira, abrangendo 588 municípios de 11 Unidades
da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná,
Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Essa área corresponde a 27%
do território brasileiro e reúne uma população estimada em dez milhões de habitantes. O
Brasil faz fronteira com dez países da América do Sul (BRASIL, 2009, p. 11), excetuando
o Chile e o Equador.
Com a Constituição de 1988, não faz mais sentido distinguir a faixa de fronteira e
zona de segurança. Pode-se dizer que ambas se confundem, coincidem na faixa de 150km
de largura, que orla o corpo inteiro do território nacional, excluindo as terras na faixa
litorânea (ROCHA et. al., 2010).
A legislação brasileira regulamenta a faixa de fronteira com a Lei nº 6.634, de 2
de maio de 1979, que alterou o Decreto-lei nº 1135, de 3 de dezembro de 1970. Nessa
faixa de terra, pode haver domínio privado. O que a União não renunciou foi o seu
domínio sobre as terras devolutas localizadas nesta faixa de terra.
O Superior Tribunal Federal consolidou o entendimento do domínio da União
sobre as terras na faixa de fronteira ao aprovar em Sessão Plenária, em 3 de dezembro de
1969, a Súmula nº 477 que dispõe:

Concessões de Terras Devolutas - Faixa de Fronteira - Uso e


Domínio - As concessões de terras devolutas situadas na faixa de
fronteira, feitas pelos estados, autorizam, apenas, o uso,
permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha
inerte ou tolerante, em relação aos possuidores.

Apesar de as terras devolutas na faixa de fronteira serem consideradas


historicamente de domínio da União, devido à omissão ou falta de prioridade, os estados
brasileiros que possuem fronteira com outro país acabaram titulando essas terras, como
se donos fossem. Isso causou discussão e tensão sobre essa faixa de terra e uma disputa
que foi levada aos tribunais para decidir a validade dos títulos emitidos pelos estados à
particulares. O posicionamento pacificado no STF é de que essa faixa de terra é de
domínio da União, não podendo o estado transferir o domínio de área que não lhe
pertence. 7 Portanto, o STF tem decretado nulidade de registros imobiliários decorrentes
de titulações feitas a non domínio pelo Estado sobre terras devolutas situadas na faixa de
fronteira do Brasil.

7
Sobre a discussão da faixa de fronteira e domínio ver as decisões do STF: RE 5233 – PR, Rel. Min.
Evandro Lins, Pub. DJ: 24/06/1964; Rcl 3437-PR, Rel. Min. Carlos Brito, Pub. DJ:02/05/2008.
2.1 Aquisição de imóvel rural por estrangeiros na faixa de fronteira
O art. 190 da C.F. estabelece que “A lei regulará e limitará a aquisição ou o
arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá
os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”.
A norma brasileira que normatiza o acesso à terra de estrangeiro é a Lei
5.709/1971 – que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou
pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. A lei visa mais a ter controle
sobre a transferência de imóveis rurais na faixa de fronteira do que a impedir que
estrangeiro adquira propriedade rural no Brasil, estabelecendo critérios e algumas
restrições para as transmissões realizadas.
O Art. 2º da Lei 5.709/1971 estabelece que “A pessoa estrangeira, física ou
jurídica, só poderá adquirir imóvel situado em área considerada indisponível à segurança
nacional mediante assentimento prévio da Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Nacional”.
A Lei 5.709/1971 sofreu diversas alterações com a Lei 13.986/2020 (Institui o
Fundo Garantidor Solidário - FGS; dispõe sobre o patrimônio rural em afetação, a Cédula
Imobiliária Rural - CIR, a escrituração de títulos de crédito e a concessão de subvenção
econômica para empresas cerealistas), mas um comando normativo chama atenção
porque abriu a possibilidade de estrangeiro (pessoa física ou jurídica) de adquirir imóvel
rural superior à limitação legal, ao flexibilizar as restrições impostas à entrada de capital
estrangeiro para financiar a atividade agropecuária no Brasil.
O inciso II, § 2º, art. 1º da 5.709/1971 (alterada pela Lei 13.986/2020) permite que
estrangeiros adquiram imóveis rurais nas hipóteses de operações de crédito realizadas por
produtores rurais, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa
jurídica, nacional ou estrangeira. Agora os fundos de investimentos internacionais
poderão ter acesso à propriedade fiduciária acima do limite de 50 (cinquenta) módulos de
exploração indefinida, em área contínua ou descontínua, prevista como limite no art. 3º
da Lei 5.709/1971.
O § 4º do art. 2º da Lei nº 6.634 (alterado pela Lei 13.986/2020) também autoriza
estrangeiro, pessoa física ou jurídica, a adquirir imóvel rural na faixa de fronteira.
Art. 2º. Salvo com o assentimento prévio do Conselho de
Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática
dos atos referentes a:
.......................................................................................................
.................................
V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por
estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real
sobre o imóvel;
VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural
ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real
sobre imóvel rural;
.......................................................................................................
.................................

§ 4º Excetuam-se do disposto nos incisos V e VI do caput deste


artigo a hipótese de constituição de garantia real, inclusive a
transmissão da propriedade fiduciária, em favor de pessoa
jurídica nacional ou estrangeira, ou de pessoa jurídica nacional
da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas
ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que
residam ou tenham sede no exterior, bem como o recebimento de
imóvel rural em liquidação de transação com pessoa jurídica
nacional ou estrangeira por meio de realização de garantia real,
de dação em pagamento ou de outra forma" (NR).

As alterações introduzidas pela Lei mencionada acima possibilitam a contratação


de crédito rural de investidor privado nacional de capital estrangeiro, sendo o imóvel rural
a garantia real da operação. Ao tomar financiamento de pessoa jurídica de capital
estrangeiro (fundos internacionais atuando no Brasil), abre a possibilidade que
estrangeiro adquira imóveis rurais, inclusive na faixa de fronteira. Não se pode negar que
é uma forma de aquisição de glebas de terras rurais por estrangeiros, tendo como
instrumento legitimador o bem imóvel dado em garantia no financiamento,
independentemente do tamanho ou localização (faixa de fronteira).
As mudanças irão estimular a disputa da terra aumentando a violência no campo
e o desmatamento da floresta. As dimensões colossais da Amazônia brasileira
possibilitaram que, decorridos 50 anos de “ocupação” da fronteira amazônica de forma
mais intensa, ainda existam expressivas glebas de terras não destinadas pelo Poder
Público federal e estadual em disputa entre distintos segmentos sociais e econômicos
(povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultor familiar, grileiros e especuladores,
grandes proprietários [pessoa física e jurídica], madeireiros, mineradoras e os espaços
periurbanos). Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM),
existem atualmente na Amazônia aproximadamente 49,8 milhões de hectares de florestas
públicas estadual e federal que ainda não foram destinadas para nenhum uso. Deste total,
11,6 milhões de hectares foram declarados irregularmente como imóveis rurais privados
inscritos no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) (AZEVEDO-
RAMOS et al., 2020).
Portanto, são quase 50 milhões de hectares em disputa pelos diferentes segmentos
sociais que buscam assegurar direitos sobre a floresta amazônica; entre eles, estão os
povos e comunidades tradicionais. Até o momento, o Estado tem-se mostrado incapaz de
mediar o conflito. Na realidade, suas últimas políticas públicas tendem claramente a
assegurar o direito de uma minoria em detrimento da natureza e dos direitos dos povos e
comunidades tradicionais.

3 TERRITÓRIOS TRADICIONAIS E A ZONA FRONTEIRIÇA


BRASILEIRA
Até o momento, discutimos a fronteira como conceito sociológico (MARTINS,
1996; CASTRO, 2012), antropológico (VELHO, 2009) e geopolítico (BECKER, 1998;
WANDERLEY, 2018). Para essas diferentes discussões sobre o mesmo termo, podemos
resumir que a fronteira é o espaço onde o sistema capitalista atua a partir da compreensão
como um local ser "conquistado" e explorado ilimitadamente pelo capitalismo. A fim de
que a conquista ocorra é necessário neutralizar os sujeitos sociais que se opõem ao projeto
de “modernização”, assim como "amansar" a natureza, substituindo a diversidade pela
monocultura extrativa ou agropecuária.
Além da prática homogeneizante do espaço, a fronteira é o local da acumulação
do capital, coexistindo o capitalismo e formações não capitalistas em torno dela
(COURLET, 1996, p. 13), e a Amazônia é o retrato desta situação, pois nela a apropriação
ocorre com violência e destruição da floresta. Esse quadro explica a lógica da fronteira,
o espaço de uma formação de regras aparentemente não capitalista, que em último caso
possibilitará a incorporação da terra e os recursos naturais à acumulação capitalista
(MARTINS, 1996).
Para Mistral (1982, apud COURLET, 1996, p. 13), a atual fase do capitalismo
exige a intervenção na fronteira e um dos objetivos é a homogeneização das condições de
produção. Wanderley (2018, p. 30) atribui para a Amazônia duas funções no atual sistema
de mundo globalizado, que aparentemente podem ser divergentes, mas funcionam de
maneira concomitante e articulada. A primeira é como região exportadora de recursos
naturais (florestais, não florestais e minerais) e energia. A segunda é de proteção da
natureza, de modo que, desde a década de 90 do século passado, é considerada como
fronteira do capital natural ou da biodiversidade global. É uma proteção com fins de
exploração econômica, no limite sustentável e financeiro (comércio de carbono,
biotecnologia, conhecimento tradicional associado a biodiversidade e serviços ecológicos
da floresta).
Assim, a natureza é vista como recursos naturais dos quais o ser humano está
separado, sendo ele o senhor que tem o direito de apropriar-se dos bens existentes.
Já para os povos e comunidades tradicionais, a Natureza (a terra, a floresta, a água,
os animais, a vida) é um ser vivo e limitado, ao mesmo tempo em que é abundante, diverso
e deve ser utilizado de forma respeitosa, pois não há separação entre o ser humano e a
Natureza. A vida humana não é superior às demais vidas do planeta, pois os viventes do
planeta coexistem numa relação de interdependência recíproca (GUDYNAS, 2019).
Dentro desta lógica, foi construído o território dos povos e comunidades
tradicionais. As definições das fronteiras geopolíticas (países, estados, municípios) não
correspondem às concepções de territorialidade dos povos e comunidades tradicionais.
As concepções de territorialidades desses grupos sociais constituem patrimônios
biológicos e socioculturais diversos e múltiplos, que ultrapassam as fronteiras
geopolíticas ou as construções abstratas impostas por acordos bilaterais entres países. As
fronteiras dos Estados implicam percepções legais, jurídicas, administrativas e políticas
que têm impactos distintos em cada comunidade que vive nas regiões transfronteiriças,
provocando fragmentações e cisões internas.
Em nenhum momento foi colocado em questionamento da soberania dos países
fronteiriços. Antes, é preciso que o Estado reconheça tanto a complexidade quanto as
distintas relações sociais existentes na fronteira e seus efeitos socioespaciais.
Para Souza Filho et al. (2015, p. 12), o território dos povos e comunidades
tradicionais é o “[...] lugar da produção da cultura e dos saberes locais que tencionam a
afirmação do caráter diferenciado dos direitos coletivos de povos e comunidades
tradicionais”.
Há um forte vínculo entre os territórios tradicionais e os povos e comunidades
tradicionais, estabelecendo uma interdependência com o espaço socialmente construído,
onde são instituídos a “organização social e política; uma relação com a natureza e o uso
dos recursos naturais renováveis; e um pequeno grau de envolvimento com o mercado e
a sociedade envolvente [...]” (BENATTI, 2018, p. 200).
Com esses pressupostos antropológicos, o inciso I, art. 3o do Decreto Federal nº
6.040/2007 estabelece que o território tradicional é o

Espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica


dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de
forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito
aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que
dispõem os arts. 231 da CF e 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e demais regulamentações.

Portanto, as políticas públicas em favor das comunidades tradicionais deveriam


garantir prioritariamente o direito ao território, pois este é o caminho pelo qual os povos
e comunidades podem afirmar sua identidade, proteger os recursos naturais utilizados
historicamente e afiançar sua reprodução socioeconômica e cultural.
No âmbito internacional, a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho em l989,
estabelece no item 14, que os Estados nacionais

Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de


propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser
adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos
interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente
ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido
acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse
particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos
nômades e dos agricultores itinerantes.

Portanto, é uma obrigação dos Estados signatários o seu cumprimento, o que inclui
o Brasil, que ratificou a Convenção em julho de 2002, entrando em vigor um ano depois.
A ratificação compele os Estados membros a adequar sua legislação e práticas nacionais
aos termos e disposições previstas na Convenção, comprometendo o Brasil a desenvolver
ações com vistas à sua aplicação.
Contudo, a realidade tem demonstrado que o Brasil não cumpre a Convenção
como deveria, nem cumpre a própria Constituição Federal de 1988, art. 231, ao
reconhecer “[...] aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O Constituinte foi mais longe e definiu no art. 67 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) a obrigação da União de concluir a “[...]
demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da
Constituição”. O mesmo comando foi estabelecido para as comunidades quilombolas no
art. 68, ADCT, afirmando que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos”.
O que tem ocorrido é o contrário do estabelecido na Constituição Federal, na
Convenção internacional e nas leis infraconstitucionais. Nos últimos anos, o
reconhecimento do direito à terra das comunidades indígenas e quilombolas tem
diminuído. O que aumentou foi a disputa pelas áreas reivindicadas pelos povos e
comunidades tradicionais, com a destruição de seus territórios e, consequentemente, da
floresta.
Na tabela abaixo, demonstraremos a lentidão do reconhecimento das áreas
indígenas e quilombolas entre os anos de 1988 a 2018. Portanto, passaram-se mais de 30
anos desde a aprovação da Constituição Federal e ainda está pendente o reconhecimento
de milhares desses povos e comunidades.
A concretização dos direitos territoriais desses grupos teve momentos de avanços
e recuos. Ao analisarmos a situação dos povos indígenas desde 1988, percebemos que o
reconhecimento ocorreu em momentos intervalares (declaração dos limites da terra
indígena ou a homologação 8), ocorrido entre março de 1990 a setembro de 1992, o ano
de 1995 e entre 2003 a 2006. A partir de 2008, inicia a curva descendente, chegando a
nenhuma homologação em 2014, 2017 e 2019. 9

8
Para garantir o direito ao território indígena, o Estado segue um procedimento que possui algumas etapas
(Constituição Federal, Lei 6.001/73 – Estatuto do Índio, Decreto n.º 1.775/96): Estudo de identificação e
circunstanciado da área reivindicada (relatório); Aprovação do relatório circunstanciado pelo presidente da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Declaração dos limites da terra indígena pelo Ministro da Justiça;
Demarcação física e a homologação por decreto pelo Presidente da República.
9
O procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos é regulado pelo Decreto 4.887/2003 e possui
as seguintes etapas: Abertura Processo no INCRA por solicitação da comunidade quilombola ou por
iniciativa do órgão fundiário; Certificação concedida pela Fundação Cultural Palmares reconhecendo a
comunidade como quilombola; Notificação aos órgãos públicos federais, estaduais e municipal, informando
a reivindicação da comunidade e dando prazo de trinta dias para os entes se manifestarem; Elaboração do
Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) por uma comissão designada pelo superintendente
Analisando os dados existentes no site da FUNAI (BRASIL, 2020), fica evidente
a lentidão nas etapas de identificação e delimitação. Considerando-se somente a demanda
existente nos últimos dez anos, o número total de áreas indígenas em estudo é de cento e
vinte e oito (128). Contudo, a demarcação até 2019 ficou bem abaixo disso. 10

Tabela 1 - Terras Indígenas no Brasil (1985 a 2020) – Declaradas e Homologadas


Terras Indígenas Terras Indígenas
Declaradas Homologadas
Presidente [período] No Extensão Nº Extensão
Bolsonaro (01/2019 – 06/2020) 0 0 0 0
Michel Temer (05/2016 a 04/2018] 3 3.397.569 1 19.216
Dilma Rousseff (01/2015 a 05/ 2016) 15 932.665 10 1.243.549
Dilma Rousseff [jan 2011 a dez 2014] 11 1.096.007 11 2.025.406
Luiz Inácio Lula da Silva [jan 2007 a dez
51 3.008.845 21 7.726.053
2010]
Luiz Inácio Lula da Silva [jan 2003 a dez
30 10.282.816 66 11.059.713
2006]
Fernando Henrique Cardoso (01/1999 a
60 9.033.678 31 9.699.936
12/2002)
Fernando Henrique Cardoso (01/1995 a
58 26.922.172 114 31.526.966
12/1998)
Itamar Franco [out 92 | dez 94] 39 7.241.711 16 5.432.437
Fernando Collor [mar 90 | set 92] 58 25.794.263 112 26.405.219
José Sarney [abr 85 | mar 90] 39 9.786.170 67 14.370.486
Fontes: Instituto Socioambiental, 2020. Elaboração Prof. Dr. Girolamo Treccani, 2020.

O mesmo ocorre com o reconhecimento das áreas quilombolas. O processo é


lento, o número de solicitação está bem acima das áreas tituladas. Segundo os dados da
organização não governamental (ONG) Comissão Pró-Índio, até 2020, havia 1720
processos aberto nas diferentes superintendências do INCRA, o que significa que parte

do INCRA; Ata de Aprovação do Comitê de Decisão Regional; Publicação RTID (DOU e DOE);
Notificação órgãos e entidades; Notificação dos Ocupantes e Confinantes; Fase Contestatória; manifestação
do Comitê de Decisão Regional – INCRA; Portaria de Reconhecimento do Território emitido pelo
Presidente do INCRA; Reassentamento e/ou Procedimento de Desapropriação dos não quilombolas que
ocupam a área reivindicada; Demarcação; Titulação do Território Quilombola (Presidente do INCRA).
Os Estados também possuem seus procedimentos de reconhecimento dos territórios quilombolas, mas que
no geral seguem as etapas acima enumeradas, com pequenas alterações.
10
O site da FUNAI informa que 118 áreas ainda estão em estudo e 43 estão delimitadas (BRASIL, 2020).
As terras indígenas delimitadas são as tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, foram
publicadas no Diário Oficial da União e do Estado e se encontram “na fase do contraditório administrativo
ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse
tradicional indígena”. A fase da delimitação cria insegurança jurídica para os índios, porque o Executivo
demora muito para se manifestar sobre as contestações contrárias ao reconhecimento dos direitos
territoriais, gerando uma situação dúbia em relação a se os índios têm ou não direitos sobre a área
reivindicada como território indígena.
dos processos nem sequer teve os relatórios iniciados ou aprovados, razão por que não há
nenhuma previsão de quando o trabalho será finalizado (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE
SÃO PAULO, 2020).
Portanto, se há uma coerência da política pública federal em relação às
comunidades indígenas e quilombolas é de que nenhum grupo pode dizer que foi
privilegiado. Pelo contrário, a demora no reconhecimento do direito ao território destes
segmentos étnicos acaba favorecendo a grilagem, a delapidação do patrimônio florestal,
a destruição da biodiversidade e a perda do conhecimento sobre esse rico espaço natural.
Outras consequências são: crescimento do desmatamento, violência no campo e
exploração ilegal dos recursos florestais.
Mesmo com a entrada em vigor do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em
1980, e a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), em
1998, não foram suficientes para assegurar os direitos territoriais dos povos e
comunidades tradicionais (SILVA, 2012).
Ao se analisar atualmente a situação dos direitos territoriais dos povos e
comunidades tradicionais, fica claro que, além da demora no reconhecimento oficial do
direito ao território, agravou-se a luta pela manutenção das áreas já reconhecidas, pois o
Governo de Jair Bolsonaro (sem partido) busca de todas as formas deslegitimar as terras
indígenas, os quilombos, os assentamentos das comunidades tradicionais, estimulando a
invasão, o desmatamento e a violência.
Apenas o reconhecimento dos territórios tradicionais não é suficiente para que não
haja invasão e/ou exploração ilegal da terra e dos recursos florestais. Os atuais espaços
sociais reconhecidos estão sob pressão, pois as suas bordas sofrem constantemente
exploração ilegal, desmatamento e incêndio da cobertura vegetal. Também aumentou a
ocupação irregular, com o intuito de pressionar as autoridades públicas a reverem os
limites atuais das terras indígenas e reservas extrativistas. 11

11
Como exemplo da luta entre proteção e uso “econômico”, podemos citar a desafetação de oito unidades
de conservação na Amazônia para atender às demandas econômicas de grandes projetos públicos, entre os
anos de 2010 e 2012. Essas áreas protegidas federais tiveram seus limites diminuídos por medida provisória.
Foram cinco florestas públicas e três parques nacionais, correspondendo a um total de 329.324 hectares que
deixaram de serem protegidas (IMAZON, 2013 apud ECODEBATE, 2014). Relacionada à pressão aos
territórios tradicionais, temos a denúncia do presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas
(CNS), Júlio Barbosa, realizada durante o Encontro dos Povos da Floresta. Ele afirmou que “Temos hoje
no país 682 territórios destinados a populações extrativistas. Desses, 350 estão na Mesa da Câmara dos
Deputados com pedido de desafetação parcial (redução de áreas) ou até de revogação da criação desses
territórios” (VALENTE; SANTOS, 2020, on-line).
Se antes o fato de se ter uma área protegida criada representava uma proteção da
floresta, mesmo que a fiscalização e o controle pelos órgãos ambientais e fundiários
fossem frágeis, atualmente os limites dos territórios tradicionais não são mais respeitados
– ao contrário, foram fragilizados pelo Governo Bolsonaro.
Um dos motivos da resistência ao reconhecimento dos territórios tradicionais se
dá porque a afetação das terras públicas ou privadas retira-as do mercado de terra, já que
o domínio será da União ou coletivo. Contudo, o reconhecimento do direito e,
consequentemente, a sua afetação não têm o condão de proteger da exploração ilegal dos
recursos florestais e minerais. Desse modo, apenas o fato de a terra “sair do mercado” por
si só não impede a exploração, legal ou ilegal, dos recursos naturais. 12

3.1 As áreas protegidas na fronteira internacional13


Até o momento, discutimos os significados de fronteiras e territórios. Discutimos
também que o território pode ser visto como espaço da soberania dos Estados nacionais
ou pode representar as interações culturais, sociais, econômicas e ambientais, o espaço de
vivência de povos e comunidades (FERRARI, 2014; HAESBAERT, 2004). Agora
analisaremos a zona fronteiriça internacional, especificamente aquela localizada na
Amazônia brasileira e que possui terra indígena e unidade de conservação como limite de
fronteira. Buscamos avaliar como está a pressão sobre os territórios tradicionais e se há
violação de direitos territoriais.
A definição das fronteiras brasileiras inicia com o Tratado de Madrid, em 1750, e
os limites atuais se consolidaram nas primeiras décadas do século passado. Portanto, há
um longo período de reuniões diplomáticas, conflitos sociais e disputas territoriais.

12
Entidades da sociedade civil alertam que o desmatamento em terras indígenas aumentou 64% nos
primeiros meses de 2020. É o maior desmatamento detectado dentro das terras indígenas nos últimos quatro
anos, o que representa 1.360 hectares de floresta nativa derrubada, entre os meses de janeiro a abril de 2020.
A destruição da floresta foi causada por madeireiros, grileiros e garimpeiros (GREENPEACE BRASIL,
2020).
13
Agradeço meus bolsistas da graduação dos Projetos de Pesquisa “Gerando Jurisprudência Favorável aos
Povos e Comunidades Tradicionais no Tribunal Regional Federal da 1ª Região” - Hannah Ádrea Farias da
Silva e Tallissa Yasmin Conceição da Silva – e “Impacto da Nova Legislação de Regularização Fundiária
nas Terras Tradicionalmente Ocupadas pelas Comunidades Tradicionais” – que realizaram o levantamento
das terras indígenas e unidades de conservação na fronteira internacional.
Na região amazônica, o Brasil faz divisa com a Bolívia, Peru, Colômbia,
Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.14 Com todos estes países uma parte da
fronteira brasileira é constituída de terra indígena e/ou unidade de conservação. São 30
terras indígenas e 26 unidades de conservação, perfazendo um total de 34.901.336ha e
23.536.115ha, respectivamente, numa soma de 58.437.451ha. Em relação às unidades de
conservação, são reserva extrativista (6) e reserva do desenvolvimento sustentável (1); as
demais são estação ecológica (2), florestas públicas estadual e federais (3), parques
federais e estaduais (11), reservas biológicas (1), reserva ecológica (1) e reserva de fauna
(1). 15
A maioria das unidades de conservação é espaço protegido “sem gente” e de uso
restrito, não admitindo a presença humana, como é o caso dos parques, reservas
biológicas, reserva ecológica e reserva de fauna. Contudo, ao somarmos todas as áreas
protegidas que se localizam na fronteira internacional brasileira, sobressaem-se as “com
gente” ou a fronteira viva, como denominam os militares, que são as terras indígenas,
reserva extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável, totalizando 37
unidades territoriais.
Em relação às terras indígenas, três ainda estão na fase de declaradas; as demais
já têm seus territórios tradicionais homologados. 16
Neste contexto de consolidação das fronteiras internacionais brasileiras,
encontram-se os povos indígenas, alguns localizados nas linhas dos limites fronteiriços,
outros com aldeias nos dois lados da fronteira 17. Devido à localização espacial, em alguns
momentos, os índios eram compreendidos como vitais para garantir a integridade da
fronteira (BAINES, 2005, p. 323) e, em outros momentos, foram vistos com

14
As Terras Indígenas (TIs) na Amazônia brasileira cobrem uma fração significativa da região (27% da
área com florestas e abrigam 173 etnias), em que se encontram 98% da área total de terras indígenas
demarcadas do país (ISA, 2020).
15
Ver tabela no Apêndice com a listagem das terras indígenas e unidades de conservação, com informações
sobre a denominação, tamanho, situação jurídica, unidade da União em que se localiza e país limítrofe. O
significado de cada categoria fundiária ambiental está previsto na Lei 9985/2000, que criou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Sobre o histórico e a discussão sobre as
unidades de conservação ver o artigo de Benatti e Fischer (2008).
16
As terras indígenas declaradas são: Portal do Encantado no Mato Grosso, divisa com a Bolívia; Cué-
Cué/Marabitanas no Amazonas, divisa com a Colômbia e a Venezuela; Vale do Rio Amônia no Acre, divisa
com o Peru.
17
Podemos citar como exemplos de povos indígenas que possuem aldeias ou pertencem ao mesmo grupo
em situação transfronteiriça: Terra Indígena Yanomami, Terra Indígena Bom Intento, Terra Indígena
Jacamin, Terra Indígena Manoá/Pium e Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
desconfiança, de modo que o argumento utilizado era de não serem considerados
“cidadãos nacionais” (FERNANDES, 2016).
Os territórios tradicionais localizados na fronteira sofrem pressão de madeireiros,
garimpeiros e fazendeiros, colocando em risco à vida e o seu modo de viver. Dados do
governo federal ou de ONG (como a IMAZON) apontam para o aumento de mais de 50%
do desmatamento na Amazônia (G1, 2020). Outro levantamento aponta que 99% do
desmatamento na Amazônia e no Cerrado foram ilegais (DEUTSCHE WELLE, 2020).
Além da destruição da floresta, os dados indicam que, em determinadas regiões,
o número de cadastros ambientais rurais (CAR) de imóveis rurais privados localizados
dentro de terras indígenas é superior ao tamanho das terras indígenas (MAZZA, 2020), o
que nos leva a concluir que boa parte dos CAR realizados é o reconhecimento da
ocupação ilegal.
Analisando as terras indígenas e as unidades de conservação na fronteira
internacional amazônica fica nítido que elas também sofrem dos mesmos problemas e
riscos, como as demais áreas protegidas na Amazônia. O boletim Ameaça e Pressão de
Desmatamento em Áreas Protegidas, do Imazon, demonstra como as áreas protegidas
padecem com as ações ilegais e colocam em risco a sobrevivência dos povos e
comunidades tradicionais e a proteção da natureza (FONSECA et al., 2020).
O estudo do Imazon trabalhou com duas categorias para avaliar o grau de risco
que estão sofrendo as áreas protegidas: ameaça e pressão 18. As áreas protegidas mais
ameaçadas na fronteira foram: TI Wai wai (RR); Reserva Extrativista Chico Mendes
(AC); e a Florestal Estadual do Amapá (AP). Enquanto as que mais sofreram pressão
foram: TI Yanomami (AM/RR); TI Alto do Rio Negro (AM); TI Cué-Cué / Marabitanas
(AM); e o Parque Estadual Serra dos Reis (RO) (FONSECA et al., 2020).
Um ponto que nos chama atenção no estudo é o destaque das terras indígenas
como áreas que mais sofrem pressão em relação às unidades de conservação sem gente
(parques e florestas públicas). O desmatamento está ocorrendo dentro dos territórios
tradicionais, não importando se os mesmos já estão oficialmente reconhecidos. Portanto,

18
Ameaça é a medida do risco iminente de ocorrer desmatamento no interior de uma AP. Utilizou-se uma
distância de 10 km para indicar a zona de vizinhança de uma AP, na qual a ocorrência de desmatamento
indica ameaça. Pressão ocorre quando o desmatamento se manifesta no interior da AP, levando a perdas de
serviços ambientais e até mesmo à redução ou redefinição de limites da AP (FONSECA et al., 2020).
o fato de as áreas protegidas estarem distantes de grandes centros populacionais ou
econômicos não as torna imunes à pressão e cobiça.
Nos últimos dez anos, pesquisas apontam que os territórios dos povos indígenas e
das comunidades tradicionais têm impedido o desmatamento da floresta amazônica.
Antes, o corte da cobertura vegetal ocorria majoritariamente em terras públicas não
destinadas (SCHWASTZMAN, 2018; RAIG, 2019). Desde 2004, as taxas de
desmatamento na Amazônia têm caído (AGUIAR, 2016); porém, a partir de 2019 inicia
uma curva ascendente do desmatamento. A estimativa do INPE é que para o período de
agosto de 2018 a julho de 2019 foram desmatados 9.762 km², um aumento de 29,54% em
relação à taxa de desmatamento apurada pelo PRODES 2018, que foi de 7.536 km²
(BRASIL, 2019).
A partir de 2019, percebe-se uma mudança das áreas desmatadas ilegalmente. Se
antes as terras públicas não destinadas sofriam com o corte raso e a exploração ilegal,
atualmente é sobre os territórios tradicionais que incide o crescimento do desmatamento
ilegal causado por terceiros. Há um discurso governamental que deslegitima estas áreas,
assim como estimula o desmatamento e a violência contra os indígenas e quilombolas. 19
Os discursos são acompanhados por diretrizes governamentais que esvaziam as ações dos
órgãos que têm a obrigação institucional de proteger os povos e comunidades tradicionais,
em um claro desrespeito aos mandamentos constitucionais e infraconstitucionais 20.

19
Não é somente o presidente da república que faz apologia ao preconceito, pois os seus ministros seguem
o mesmo discurso, obrigando o Ministério Público Federal a entrar com uma ação civil pública contra a
União e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) devido ao que chamou de “discursos discriminatórios”
(UOL, 2020, on-line). Na petição o MPF, destacam-se as diversas falas de representantes da administração
pública superior que explicitamente afirmavam que os índios são “pré-históricos”, moram em “zoológicos”,
atrasam o desenvolvimento do Brasil e são manipulados por ONGs e estrangeiras”. Ao nosso ver, essas
manifestações de representantes do executivo federal e de alguns parlamentares vão além de expressar
ideias discriminatórias; trata-se de racismo ambiental. Empregamos o termo racismo ambiental porque
acreditamos que se constitui não só de um discurso realizado por pessoas que possuem poder no âmbito
federal (estadual e municipal), com repercussões políticas, como também consiste em comportamentos que
estimulam e legitimam práticas racistas que atingem diretamente os índios e quilombolas, por motivo de
raça ou cor (ACSELRAD, 2004; ALMEIDA, 2019). Como não é objetivo deste texto, não iremos
aprofundar a discussão, que faremos em outra oportunidade.
20
Podemos citar como exemplo: a paralisação da política de reconhecimento dos territórios indígenas e
quilombolas, conforme demonstramos anteriormente; o esvaziamento dos órgãos responsáveis pelo
reconhecimento dos direitos territoriais tradicionais; a tentativa de aprovar uma lei que irá legitimar a
grilagem da terra e aguçar a violência e a disputa pela terra rural (ver o Projeto de Lei 2.633/202, que dispõe
sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União); a Instrução
Normativa da FUNAI (IN) nº 9/2020, que altera o regime administrativo da “Declaração de
Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados” e possibilita a grilagem das terras não
homologadas pelo executivo federal. Declaração de Reconhecimento de Limites tem o objetivo de certificar
se o imóvel rural limítrofe a terra indígena respeita a linha de divisa existente. A nova IN limitou a
declaração somente para imóvel rural lindeiro à terra indígena homologada. Se o imóvel rural estiver parcial
Assim, os povos e comunidades tradicionais representam o contraponto à
destruição da natureza. A resposta para a pergunta “por que proteger a Amazônia?” Está
sendo dada pelos povos e comunidades tradicionais, porque os territórios tradicionais são
fundamentais para a reprodução física e cultural destes grupos sociais, além de serem
também áreas importantes para a conservação da biodiversidade regional e global, a fim
de assegurar o funcionamento das funções ecológicas da floresta, imprescindíveis para a
função que desempenham na mitigação da mudança do clima e equilíbrio climático da
região.
As terras indígenas, assim como outros tipos de áreas protegidas, não só exercem
papel fundamental na conservação da biodiversidade, como também atuam como
verdadeiras barreiras ao avanço do desmatamento, evitando a emissão de gás carbônico
– o principal gás de efeito estufa (GEE).
Por essa razão, é interessante como, no debate sobre benefícios para manutenção
da biodiversidade, estoques de carbono, a geração de serviços ambientais como a
regulação do clima (visão funcionalista da proteção da floresta), que ganharam
importância nacional e internacional, não fica explícito que todas essas “vantagens
competitivas” ainda existem nos dias atuais. Apesar de toda pressão contrária, é algo que
se deve à ação e ao conhecimento dos povos e comunidades tradicionais.
O debate ambiental faz uma crítica genérica ao sistema capitalista, não apontando
que é esse sistema econômico que tem como pressuposto basilar a necessidade de
generalizar e padronizar o espaço, de criar regras e dogmas destinados a aplicar-se a todos
indiscriminadamente, sem se preocupar com as consequências socioambientais.
De fato, há uma crença subjacente de que a ciência tem o poder de minimizar os
impactos negativos criados pela ação humana, assim como, superando os limites
tecnológicos, o ser humano poderá tirar o maior proveito da exploração da natureza.
Portanto, o importante é coibir as ações retrógradas e ultrapassadas, que não conseguem
entender o atual papel da proteção da floresta amazônica.
Tanto a separação entre homem e natureza quanto o discurso do desenvolvimento
acabam se chocando com a cosmologia indígena. Para esta, ser humano e natureza são

ou totalmente em terra indígena não homologada e pretender realizar a regularização fundiária do imóvel
rural, não há necessidade de apresentar a declaração da FUNAI, ou seja, é como se a ocupação indígena
não existisse, desconhecendo que o último ato de reconhecimento da terra indígena é somente um ato
declaratório de um direito preexistente, o direito originário dos povos indígenas.
indissociavelmente ligados, ao contrário da ideia defendida pela visão antropocêntrica
(FREIRE; FERREIRA, 2015, p. 7).
Portanto, a discussão realizada até aqui nos leva a concluir que a concepção de
território para o Estado busca desconectar "[...] de valores, lugares, tradições e passa a ser
regido por relações econômicas e políticas, protagonizadas sobretudo por agentes do
mercado” (CASTRO, 2012, p. 47) – o que não é muito diferente da ideia de fronteira até
então implementada pelo Estado Brasileiro. Na realidade, são conceitos complementares
que excluem do protagonismo os principais agentes sociais que têm algo a nos ensinar
sobre como e por que proteger a Amazônia: os povos e comunidade tradicionais.
CONCLUSÃO
Vários autores apresentaram suas análises para explicar a ocupação e destruição
da Amazônia. Aqui discutimos as concepções do Direito, Sociologia, Antropologia e
Geografia, que descrevem a exploração da floresta amazônica e indicam caminhos para
protegê-la. A nossa imaginação está fortemente impregnada da paisagem da Amazônia
natural, tornando difícil falar desta região do globo terrestre sem pensar na imensidão da
cobertura vegetal, dos extensos e volumosos rios, com suas águas banhando a floresta.
Logo, o debate em torno dos conceitos de fronteiras e territórios para entendermos
a construção teórica consiste na busca de explicação para ocupação da fronteira de
recursos naturais, globalizada, exportadora de commodities e energia. Essa parte do globo
terrestre então é analisada e entendida como fronteira aberta para ser incorporada ao
mercado nacional e internacional devido a sua diversidade e riqueza em recursos naturais,
sendo também o local do encontro e do conflito social. Dessa forma, apresenta-se como
o espaço de encontro do “moderno” e do “atrasado”, onde as fronteiras estão ainda em
expansão, dinâmicas e contraditórias.
No final, são concepções distintas que buscam a legitimação social para explorar
as "commodities" existentes (terra, recursos naturais, água, biodiversidade, minério etc.).
A ocupação da Amazônia nos últimos 60 anos representou um desrespeito à
natureza e aos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais. Com aquela, não
se buscou construir uma nova relação, respeitando seus limites, o que nos leva à atual
crise ambiental e a uma crise do modelo econômico implementado. Quanto aos últimos,
de sujeito invisível passou-se a reconhecer lentamente parte de suas reinvindicações
territoriais, em constante tensão com o Poder Público e interesses divergentes. Mas estão
longe de se configurarem interlocutores privilegiados, que possam ser ouvidos sobre
como se relacionar com a natureza e sobre o que têm a dizer sobre a utilização da riqueza
natural.
As políticas de integração territorial estatal desconhecem as experiências sociais,
e o conflito é a única forma de buscar o diálogo sobre os territórios reivindicados pelos
movimentos sociais.
Aos povos e comunidades tradicionais, restou a luta pelos seus direitos. A mesma
lógica de destruição da floresta amazônica nas áreas protegidas, causada por grandes
projetos, agronegócio, madeireiros, grileiros e garimpeiros, também ocorre nas zonas
fronteiriças internacional. Se em anos anteriores os territórios dos povos indígenas e das
comunidades tradicionais eram uma barreira contra o desmatamento da floresta
amazônica, nos tempos atuais as políticas do governo federal tornaram estas terras os
principais alvos para o desrespeito dos direitos assegurados na Constituição Federal,
convenções internacionais e leis infraconstitucionais.
Portanto, ainda se desenvolve na Amazônia uma disputa sobre o território. Uns
defendem que o melhor cenário econômico e de desenvolvimento para a região é a
homogeneização do espaço, pois a fronteira é também o local da acumulação do capital
– na qual existe o “senhor” que tem o direito de apropriar-se dos bens existentes.
A outra concepção nega o papel senhorial, afirmando que não há separação entre
o ser humano e a Natureza, já que os viventes do planeta coexistem numa relação de
interdependência recíproca.
É dentro deste contexto que se coloca a luta dos direitos territoriais dos povos e
comunidades tradicionais, uma reivindicação que busca reconhecimento imediato do
direito ao território, com repercussões além do direito à terra, pois o compromisso é com
a vida.
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APENDICES
Tabela: Territórios Indígenas na Faixa Fronteiriça da Amazônia Brasileira
Território Indígena Área (Hectares) Situação Jurídica Unidade da País em que faz divisa
Federação

Em Identificação

Identificada

Declarada

Homologada
1 Terra Indígena Rio 115.788,0842 _ 28/02/1993 03/05/1993 08/12/2008 Rondônia Bolívia
Guaporé
2 Terra Indígena Sagarana 18.120,0636 07/02/1985 01/12/1992 30/07/1993 08/12/2012 Rondônia Bolívia
3 Terra Indígena Pacaás- 279.906,3833 _ _ _ 08/12/2012 Rondônia Bolívia
Novas
4 Terra Indígena Portal do 43.057,0000 13/11/2002 02/09/2005 25/11/2011 _ Mato Grosso Bolívia
Encantado
5 Terra Indígena 9.664.980,00 - - 14/09/1988 26/06/1992 Amazonas e Venezuela
Yanomami Roraima
6 Terra Indígena Cué-Cué/ 808.645,00 18/08/2003 19/12/2011 22/04/2013 - Amazonas Venezuela e Colômbia
Marabitanas
7 Terra Indígena Alto Rio 7.999.380,00 19/06/1985 02/06/1993 21/05/1996 15/04/1998 Amazonas Colômbia
Negro
8 Terra Indígena Rio 106.960,00 16/12/1993 22/08/1994 21/05/1996 15/04/1998 Amazonas Colômbia
Apapóris
9 Terra Indígena Évare I 548.177,00 - 26/09/1985 28/11/1989 08/01/1996 Amazonas Colômbia
10 Terra Indígena Tukuna 4.854,00 29/09/1978 - 13/11/1997 14/12/1998 Amazonas Peru
Umariaçu
11 Terra Indígena Bom 1.693,00 - - 16/04/1986 08/01/1996 Amazonas Peru
Intento***
12 Terra Indígena Vale do 8.544.480 22/03/1995 29/05/1998 14/12/1998 02/05/2001 Amazonas Peru
Javari
13 Terra Indígena Arara do 20.764,00 04/01/2002 16/09/2008 10/09/2009 - Acre Peru
Rio Amônia
14 Terra Indígena Kampa do 87.205,00 - - 11/10/1991 24/11/1992 Acre Peru
Rio Amônea
15 Terra Indígena 31.277,00 13/03/1987 23/03/1994 28/01/2000 02/05/2001 Acre Peru
Kaxinawa/Ashaninka do
Rio Breu
16 Terra Indígena Kaxinawa 87.293,00 - - 11/12/1984 30/10/1991 Acre Peru
do Rio Jordão
17 Terra Indígena Alto 142.619,00 - 20/04/2000 23/04/2001 28/10/2004 Acre Peru
Tarauacá
18 Terra Indígena Kampa e 232.795,00 - 02/09/1992 17/11/1992 14/12/1998 Acre Peru
Isolados do Rio Envira
19 Terra Indígena Riozinho 260.972,00 10/02/1987 02/09/2005 20/04/2007 06/06/2012 Acre Peru
do Alto Envira
20 Terra Indígena 313.647,00 - - 29/11/1985 30/10/1991 Acre Peru
Mamoadate
21 Terra Indígena Cabeceira 78.512,00 25/10/1991 18/09/1992 17/11/1992 15/04/1998 Acre Peru
do Rio Acre
22 Terra Indígena Juminá 41.601,00 06/11/1986 30/08/1988 14/04/1989 21/08/2002 Amapá Guiana Francesa
23 Terra Indígena Galibi 6.689,00 - - - 24/11/1982 Amapá Guiana Francesa
24 Parque Indígena 3.071.070,00 - - - 04/11/1997 Amapá e Pará Suriname
Tucumaque
25 Terra Indígena Bom 859,00 - - 02/05/1984 30/10/1991 Roraima Guiana
Jesus
26 Terra Indígena Jacamin 193.493,00 14/03/1997 08/06/1998 21/05/2002 13/10/2005 Roraima Guiana
27 Terra Indígena WaiWái 405.698,00 - 27/04/1999 29/11/2002 24/06/2003 Roraima Guiana
28 Terra Indígena 43.337,00 - - - 17/02/1982 Roraima Guiana
Manoá/Pium
29 Terra Indígena Raposa 1.747.464,00 29/05/1984 11/12/1998 15/04/2005 18/04/2005 Roraima Guiana e Venezuela
Serra do Sol
30 Terra Indígena São 654.110,00 - - - 30/10/1991 Roraima Venezuela
Marcos

***Terra Indígena que ultrapassa a fronteira.


Fontes: Agência Nacional de Águas (https://www.ana.gov.br/), IBGE (https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#mapa828), Instituto Socioambiental
(https://www.socioambiental.org/pt-br), Ideflor-bio (https://ideflorbio.pa.gov.br/), Instituto Chico Mendes (https://www.icmbio.gov.br/portal/).
Acessados entre os dias 23 a 27/06/2020.
Elaborado por:
O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA COMO
INSTRUMENTO DE AUTODETERMINAÇÃO
EXISTENCIAL DOS POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL

THE RIGHT TO PRIOR CONSULTATION AS AN


INSTRUMENT OF EXISTENTIAL SELF-
DETERMINATION OF INDIGENOUS PEOPLE IN
BRAZIL
Patryck de Araújo Ayala∗
Cecília de Castro Algayer∗∗

INTRODUÇÃO
Quando as caravelas portuguesas aportaram nas praias do imenso território em
que anos depois seria erigido o Brasil – até hoje em construção, na busca por uma
identidade tardia –, seus tripulantes não consideraram que aquelas terras já estariam
habitadas, ou que fossem da propriedade de outrem, ao menos não pelas pessoas que
lá encontraram.
Isso porque, para os teóricos europeus da época, a condição para que alguém
fosse reconhecido como ser humano se baseava em sua capacidade de racionalizar e
de instrumentalizar o mundo (BRAGATO, 2014), em um espelho fiel à própria
experiência, considerada o padrão de ouro da civilização.


Pós-doutorando, doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(PPGD/UFSC). Realizou estágio de doutoramento junto à Faculdade de Direito da Universidade
Clássica de Lisboa no ano de 2006 (PDEE/CAPES). Professor adjunto IV nos cursos de graduação e de
mestrado em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Pesquisador do grupo de
pesquisa "Direito Ambiental na Sociedade de Risco" (GPDA). Líder do grupo de pesquisa Jus-Clima.
Procurador do Estado de Mato Grosso.
∗∗
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Mestranda em Direito pela
Universidade Federal de Mato Grosso (PPGD/UFMT). Membro do grupo de pesquisa Jus-Clima.
Dessa forma, aos povos indígenas, de condição sub-humana, caberia o processo
civilizatório, que os libertaria dessa situação de atraso evolutivo por meio de um
contato com as descobertas, os avanços e as sofisticações do pensamento europeu.
Não houve uma troca de experiências e um processo natural de aculturação ou
mesmo de miscigenação, simplesmente porque não houve o reconhecimento de um
mínimo de igualdade. Pelo contrário, desde o primeiro contato os povos indígenas
foram subjugados em sua própria condição humana, e então sistematicamente
escravizados, explorados, violentados e mortos.
Quase cinco séculos depois, em 1988, a República Federativa do Brasil,
constituída em Estado Democrático de Direito, reconheceu aos povos indígenas
habitantes de seu território o direito à autodeterminação, à organização sociocultural e
às terras tradicionalmente habitadas, com todos os direitos e garantias reflexos daí
decorrentes.
O que houve, contudo, nesses quinhentos anos de interlúdio? À postura estatal
pode ser atribuída uma profunda mudança de consciência e de relação com os povos
indígenas, capaz de promover uma releitura de sua condição humana, fomentar um
respeito genuíno por suas formas de organização e fundamentar um comprometimento
sério com as condições de sua sobrevivência?
O alcance das normas constitucionais de proteção dos povos indígenas resvala
nesse espaço vazio de fundamentação teórica. Não há aderência entre o programa
constitucional e a factualidade dos governos democráticos que se seguiram, eleitos e
mantidos por uma sociedade também indiferente, quando não abertamente hostil.
Isso é dizer que, a partir da emergência dos povos tradicionais ocorrida nas
décadas de 1970 e 1980, a positivação de direitos protetivos representou uma conquista
de expressão grandiosa que se reduz, na atualidade, apenas a pontos de partida.
A proteção dos povos indígenas, compreendida como a tutela abrangente de
sua sobrevivência física, de seus territórios tradicionais, costumes, práticas e tradições,
aliada à garantia de direitos fundamentais como educação e saúde, permanece
expressivamente deficiente por parte do Estado brasileiro.
Dentre os instrumentos previstos e desrespeitados, o direito à consulta prévia,
livre e informada articula com inigualável clareza diversas esferas protetivas: garante
a autodeterminação dos povos, promove processos de participação pública e gera
balizas para defesa e discussão da preservação de territórios indígenas.
Em consonância com suas cosmologias, suas crenças, suas terras e suas línguas,
o direito à vida dos povos indígenas é paralelamente o direito de todos a uma nação
sociodiversa (SOUZA FILHO, 2018). Como se demonstrará adiante, também o direito
à tutela ambiental está intrinsecamente ligado à sobrevivência dos povos tradicionais
em seus territórios.
O respeito à consulta prévia representa, portanto, uma luta coletiva em prol da
construção de uma nação pluricultural que por tantos séculos se pretendeu homogênea,
etnocêntrica e fechada a contribuições dissonantes.
Em sua investigação como instrumento de participação pública, adota-se, como
uma inversão dos pontos de partida, a perspectiva dos próprios povos indígenas por
meio do estudo de seus protocolos formalizados, com vistas à averiguação de suas
demandas, suas necessidades e suas reivindicações: aos povos silenciados, um
momento de escuta.
Para o fim de apreciação do tema, o trabalho encontra-se organizado ao longo de cinco
seções.
As três primeiras seções ocupam-se da apresentar a definição de consulta
prévia no âmbito da Convenção n. 169, da OIT, bem como, esclarecer qual seria o seu
conteúdo e o objeto a ser alcançado por meio da participação dos interessados.
Nessa mesma oportunidade é enfatizado que o conteúdo e a finalidade de um
direito a ser consultado previamente, e de forma suficientemente esclarecida, não
representa, para os povos indígenas, sempre um objetivo pré-determinado, não sendo
possível, portanto, que aqueles sejam estabelecidos de forma abstrata. De forma
distinta, eles serão sempre determinados de acordo com as necessidades existenciais
da etnia afetada, e de acordo com sua própria representação de existência orientada
por sua cosmovisão.
Por fim, as duas últimas seções proporão a determinação de seu conteúdo no
contexto da ordem constitucional brasileira, especialmente a partir da consideração do
artigo 231, § 3º, da Constituição de 1988.
Para tanto utilizou-se como realidade exemplificativa a hipótese de intervenção
sobre recursos hídricos incidentes em suas terras, para o fim de se destacar que a
especial relação - que não pode ser dividida ou rompida - entre os povos indígenas,
suas terras e os recursos naturais nelas existentes, definem a participação pública nos
processos de tomada de decisões, como parte indispensável do sistema de proteção de
seu direito à uma existência culturalmente diferenciada.

1 O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA


O direito à consulta prévia, livre e informada encontra previsão na Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acordo internacional
concernente aos direitos dos chamados povos indígenas e tribais1. Aprovada em 1989
pelo Decreto Legislativo 143/02, foi promulgada pelo Decreto 5.051/04 e tornou-se
então aplicável ao ordenamento jurídico nacional, segundo entendimento do Supremo
Tribunal Federal (BRASIL, 2001).
Por reconhecer que os povos indígenas têm modos próprios de viver e de se
organizar, a Convenção lhes protege o direito à terra, à educação, à saúde e à
participação pública e popular de maneira diferenciada. Principalmente, estabelece que
têm o direito de serem consultados sobre toda e qualquer decisão administrativa ou
legislativa que afete seus direitos e modos de vida coletivos.
Reconhece, de maneira explícita, que os povos indígenas ainda têm o direito
de escolher suas próprias prioridades em relação ao processo de desenvolvimento, na
medida em que ele afete suas vidas, bem como as terras que ocupam ou utilizam de
alguma forma, lhes sendo, portanto, autorizado o controle, “[...] na medida do possível,
[d]o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural” (BRASIL, 2004).
Dentre os critérios estabelecidos pela Convenção para os procedimentos de
consulta, encontra-se a garantia da participação das comunidades de maneira livre e
em todos os níveis. Por isso, sempre que possível, as consultas devem ser realizadas
na língua falada pelo povo envolvido e divulgadas com adequação e transparência,
sem qualquer tipo de pressão política, econômica ou moral.

1
A Convenção traz, em seu primeiro artigo, a diferenciação entre o conceito de tribo (forma de
organização social) e de povo indígena, como unidade sociocultural preexistente à época “da conquista,
da colonização ou do estabelecimento das fronteiras estatais” (BRASIL, 2004). Para o escritor indígena
Daniel Munduruku, doutor em Educação pela USP, o emprego do termo tribo possui inclusive uma
conotação pejorativa. “Povo. É assim que se deveria tratá-los. Um povo tem como característica sua
independência política, religiosa, econômica e cultural. Nossa gente indígena tem isso de sobra e ainda
que estejamos vivendo “à beira do abismo” trazido pelo contato, podemos afirmar com convicção que
somos povos íntegros em sua composição [...].” (MUNDURUKU, 2013, n.p.).
Quanto à sua finalidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu
expressamente que não haveria poder de veto ou consentimento na oitiva dos povos
indígenas (BRASIL, 2010). Para Dallari (1990), contudo, é incabível que se fale em
ouvir para matar a curiosidade, ou obter alguma informação: a única consulta válida é
a que condiciona a decisão.
Souza Filho, de igual forma, entende que o Estado tem a obrigação de realizar
a consulta [...] ‘com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento
acerca das medidas propostas’, nos exatos termos da Convenção, artigo 6º, numeral 2.
Conseguido o consentimento, então sim pode ser firmado um Termo de Acordo ou
contrato, estabelecendo os limites do ato ou medida proposta pelo Estado e seu modus
faciendi (SOUZA FILHO, 2019, p.33).
Se adotada a compreensão da mera consulta como suficiente, afinal, Liana da
Silva (2017) aponta como, mesmo quando não alcançado o pretendido consenso entre
o Estado e os povos indígenas (nos termos expressos da Convenção), o Estado ainda
permaneceria facultado a tomar a decisão.
E, a esse respeito, o direito internacional já se posicionou no sentido de exigir
um consentimento prévio, livre e informado para que o Estado decida, especialmente
em situações que coloquem em risco direitos fundamentais dos povos, como sua
integridade física, social ou cultural 2.
Isso é dizer que, muito embora não se possa falar em poder de veto
(especialmente porque não foi essa a nomenclatura adotada pela Convenção), a
exigência de um consentimento, conforme o art. 6º, 2, da Convenção, demonstra a
imperiosidade de uma concordância consensual.
Ademais, como dever do Estado, o direito à consulta prévia integra também a
Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas (2007),
configurando, portanto, um direito protegido internacionalmente de maneira ampla e
permitindo aos povos indígenas não só o poder de proteger os espaços e recursos
essenciais para sua reprodução física e cultural, mas também de participar de processos
de diálogo com a sociedade e o poder estatal.

2
Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no julgamento
dos casos Saramaka vs. Surinam e Kichwa Sarayaku vs. Ecuador.
Em 2009, entretanto, quando o Relator Especial James Anaya, por parte da
Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou relatório acerca da situação dos
direitos humanos e liberdades fundamentais indígenas no Brasil, foi verificada a
ausência expressiva de mecanismos efetivos de consulta prévia.
Identificou-se, principalmente, a falta de procedimento de consulta adequado
aos padrões internacionais nas ações do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC); na construção de barragens nos rios Xingu, Tocantins, Madeira, Estreito,
Tibagi, Juruena, Contigo e Kuluene; na transposição do rio São Francisco; na
construção das hidrelétricas de Tucuruí e Belo Monte; e no projeto da IIRSA —
Integração Regional de Estrutura da América do Sul, com consequências sentidas pelas
comunidades tradicionais (ONU, 2009).
Sete anos depois, em 2016, a Relatora Victoria Tauli-Corpuz apresentou
documento com conclusões semelhantes, apontando principalmente as consequências
graves da poluição do rio Doce em Minas Gerais e seus impactos sobre o povo Krenak
a partir do colapso de uma barragem; os projetos de linha transmissão dentro de área
constitucionalmente protegida e demarcada como a terra indígena do Waimiri-Atroari
em Roraima; além da construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e
hidrelétricas na bacia do rio Tapajós (ONU, 2016).
Diante desse cenário, a urgência da instrumentalização efetiva do direito à
consulta prévia, livre e informada demanda uma análise que ultrapasse a postura
omissiva do Estado – quando não comissiva, e orientada em sentido contrário aos
interesses indígenas e, portanto, à própria Constituição que lhes tutela a sobrevivência.
A partir da análise de protocolos formalizados de consulta, pretende-se enfocar
o outro lado da questão, vulnerável e historicamente periférico: o que esperam os
povos indígenas dos Protocolos de Consulta? Quais são as demandas comuns? Nessa
experiência quase contratual da consulta – em que o Estado deve consultar, e os
indígenas devem ser consultados – em quais termos e por quais balizas os povos
indígenas desejam um consenso?
2 OS PROTOCOLOS DE CONSULTA
O Protocolo de Consulta é o instrumento juridicamente vinculante, elaborado
pela comunidade interessada (com ou sem ajuda externa), em que se delimitam as
formas a serem observadas nos procedimentos de oitiva e de tomada de decisão,
consideradas as particularidades de cada povo, suas necessidades e prioridades.
Conforme o Povo Wajãpi (2014):
Nós resolvemos fazer este documento porque muitas vezes vemos que o
governo quer fazer coisas para os Wajãpi, mas não pergunta para nós o que é que
estamos precisando e querendo. Outras vezes o governo faz coisas no entorno da Terra
Indígena Wajãpi que afetam nossos direitos, mas também não pergunta nossa opinião.
De igual forma, nos termos dos Munduruku (2014):
Nós, o povo Munduruku, queremos ouvir o que o governo tem para nos falar. Mas não
queremos informação inventada. Para o povo Munduruku poder decidir, precisamos
saber o que vai acontecer na realidade. E o governo precisa nos ouvir.
O Protocolo Munduruku, em particular, foi firmado após uma série de
violações ao direito de consulta prévia. Entre os anos de 2011 e 2016, o Governo
Federal buscava construir a Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós no médio rio
Tapajós, e, apenas após uma demorada e árdua batalha judicial, o Supremo Tribunal
de Justiça (STJ) determinou a exigibilidade da realização de consulta às comunidades
afetadas. Mesmo assim, o processo foi conduzido de maneira parcial, sem oferecer aos
povos as condições básicas de compreensão do que se passava, muito menos meios
decisórios, evidenciando que o que se buscava era apenas um referendo para uma
decisão já tomada (OLIVEIRA, 2019).
Dentre as violações perpetradas, a exclusão de comunidades tradicionais
ribeirinhas; a postergação da consulta para momento posterior ao início das obras,
ferindo seu caráter prévio; a militarização das reuniões, com a presença expressiva da
Força Nacional de Segurança Pública, de caráter evidentemente intimidatório; a
imposição de prazos inviavelmente curtos; e, principalmente, o desrespeito à
organização social e política dos Munduruku, que o governo insistia que se fizesse
representar apenas por uma associação, algo impossível diante da pluralidade dos
indígenas, espalhados em 130 aldeias ao longo do rio Tapajós3.
Como vinham fazendo há pouco mais de quinhentos anos, os Munduruku
resistiram, e, após o enfrentamento de todas as dificuldades inerentes a um projeto
desse porte, firmaram seu Protocolo de Consulta no ano de 2014, em assembleia com
mais de oitocentos indígenas presentes e representantes de cada uma das aldeias4.

Não foram os primeiros: meses antes, os Wajãpi já haviam firmado seu próprio
documento. Atualmente, há doze protocolos formalizados no Brasil: Protocolo
Wajãpi; Munduruku; dos Povos do Xingu; dos Juruna da Volta Grande do Xingu;
Krenak; dos Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno; da Tekoa Itaxi Mirim;
Waimiri Atroari; dos Povos do Oiapoque; Kayapó-Menkrãgnoti; Panará; e Yanomami
e Yekwana.
São todos documentos curtos. À exceção das páginas destinadas a elementos
gráficos, textos legais e à introdução dos povos e de seus territórios, possuem uma
média de aproximadamente 12 páginas. O Protocolo Munduruku possui apenas quatro.
Os povos Waimiri Atroari, Yanomami e Yeknawa foram os únicos a incluir o texto
em sua própria língua.
Em comum, determinam certas exigências: a realização dos procedimentos de
consulta no interior de suas terras, ou em local diverso por eles escolhido; a utilização
de linguagem acessível, com disponibilidade de intérpretes e de tradutores de sua
confiança; a responsabilidade governamental com todos os gastos; o acompanhamento
pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai); a
presença de representantes do governo com poder de decisão, e não de meros
assessores; e, principalmente, sua realização prévia a qualquer tomada de decisão ou
início de procedimento.
Conforme estabelecido pelos povos do Oiapoque,

3
Oliveira (2019) aponta como, em razão de uma manobra do próprio governo, a referida associação era
ainda integrada por indígenas mais alinhados à construção da hidrelétrica.
4
O projeto da Usina foi arquivado antes que a Consulta fosse realizada, com a suspensão do
licenciamento em 2016. Não obstante, a formalização do Protocolo contradisse a tese da União de que
os indígenas não queriam ser consultados, e sim apenas obstruir o processo. Demonstrou-se, de maneira
explícita, que os indígenas queriam, sim, ser ouvidos: mas em um processo transparente, justo e de
verdadeiro diálogo.
[...] queremos ser consultados com uma proposta do governo que respeite nossos
direitos, nossos sistemas, nossas culturas, costumes e nossas regras. A gente se esforça
para aprender a lei e o governo deve se esforçar para entender a gente.
Esse também é um pedido majoritário dentre os Protocolos: o respeito às formas
originais de organização social e política dos povos indígenas, bem como de seus
costumes, seus interesses e modos de vida. Para os Wajãpi,
“[...] esse trabalho de consultar, explicar e fazer acordos para decidir as coisas
coletivamente é muito demorado, comparando com o jeito dos não-índios resolverem
as coisas. Mas é o nosso jeito, e precisa ser respeitado. Se o governo não respeita essa
nossa forma de organização, não pode dizer que consultou nosso povo."
Muitos dos povos determinam a necessidade de os representantes do governo
permanecerem por mais tempo em suas terras (em contraponto a aparições pontuais
para as reuniões), para que compreendam seus costumes. Dentre eles, os Munduruku,
para quem os representantes não “[...] devem chegar à pista de pouso, passar um dia e
voltar. Eles têm que passar com paciência com a gente. Eles têm que viver com a gente,
comer o que a gente come. Eles têm que ouvir a nossa conversa”.
Os povos do Xingu, de igual forma, afirmam que “[...] os brancos devem vir
preparados para se alimentar da nossa comida e dormir em nossa casa pelo tempo que
for necessário para cada reunião”. Em consonância, os Juruna da Volta Grande do Rio
Xingu determinam que os procedimentos de consulta devem ser realizados “[...] com
respeito. Observando nossas regras, nossos costumes e nosso tempo".
Oito dos povos trazem essa exigência específica: o respeito ao calendário próprio das
aldeias, especialmente em relação às datas comemorativas, religiosas, de colheita, de
luto ou de festas. As reuniões não podem ser agendadas unilateralmente, de maneira
desrespeitosa.
Os Krenak são os únicos a explicitamente solicitar reuniões breves, que “[...] não
devem durar mais de um dia, pois se tornam cansativas e as pessoas deixam de
participar. O melhor período para reunir todos os Krenak é na parte da tarde, após as
15 horas”.
À exceção dos Yanomami e dos Ye’kwana, os povos demandam a consulta coletiva
de todos os indígenas, muitos com menções expressas às mulheres e aos sábios mais
antigos, rechaçando a possibilidade de negociação direta com uma ou outra liderança.
Para os Ye’kwana, líderes e sábios tomam as decisões por todos, e, dentre os
Yanomami, não há um só líder dentro de cada comunidade, e por isso são as famílias
que decidem, em conjunto com as lideranças e os xamãs.
A nossa política é muito forte e antiga. [Mas] [q]uando vocês, não indígenas, chegaram
em nossas terras, nós tivemos que criar formas diferentes de tomar decisões para
enfrentar novos desafios. Por isso, desde 2015, nós, Yanomami e Ye’kwana, nos
reunimos para discutir as decisões que afetam toda a Terra Indígena Yanomami no
Fórum de Lideranças.
Oito Protocolos de Consulta proíbem expressamente a presença de forças armadas
durante as reuniões – conforme os Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, porque
“[...] estaremos em reuniões, não em guerra”.
Os Juruna demandam, em particular, autorização para utilização de sua arte e de seus
grafismos em material do governo ou de empresas, sinalizando um outro respeito às
culturas indígenas, que não estão disponíveis para apropriação.
Todos entendem pelo caráter decisório da consulta, citando a necessidade de consenso
determinada pela própria Convenção 169. A respeito do processo de tomada de
decisão, os Waimiri Atroari sequer adotam concepções majoritárias: exigem quantas
negociações forem necessárias para que toda a comunidade concorde com uma decisão
unânime.
É também comum o entendimento de que há a necessidade de reuniões com os não
indígenas e também reuniões privativas, em que os indígenas possuem liberdade para
discutir e debater entre os seus suas impressões e seus interesses.
Em muitos casos, deve ser elaborado também um plano de consulta, formulado
primeiro pelos povos indígenas e depois submetido a análise pelo governo, para
discussão e aprovação. No plano, constam cronogramas, esforços necessários e um
traçado geral dos procedimentos a serem adotados para aquela consulta em particular,
dentro das diretrizes traçadas pelo Protocolo.
Podem ser necessárias intervenções de pesquisadores e técnicos autônomos; encontros
e reuniões com outros povos indígenas; coleta de informações jurídicas ou mesmo
debates mais amplos. Nesse sentido, os Kayapó-Menkrãgnoti são categóricos:
Caso precisemos fazer uma visita em órgãos públicos, queremos que o governo
respeite nossa forma tradicional de se apresentar, com nossas pinturas, flechas,
bordunas, cocares, entre outros. Não queremos nunca mais ser barrados na entrada dos
prédios públicos porque não usamos roupas dos não-indígenas.
Quanto ao que os indígenas esperam dos procedimentos de consulta prévia, as
respostas divergem sempre com um plano de fundo comum: a necessidade de que não
ocorram, como antes, violações de seus direitos capazes de resultar em mortes, perdas
socioculturais ou de territórios (situações muito ligadas); a vontade de diálogo com o
poder estatal, que precisa finalmente ouvir; e, de maneira muito própria, uma
preocupação crucial com a natureza da qual são parte e a terra sobre a qual vivem.

3 O QUE SE TUTELA COM A CONSULTA PRÉVIA?


O grande xamã yanomami Davi Kopenawa defende há décadas a perspectiva
dos povos indígenas e de sua relação com a terra em contraposição à exploração
perpetrada pela sociedade envolvente. Para ele,
[...] os brancos, que antes ignoravam essas coisas, estão agora começando a entender.
É por isso que alguns deles inventaram novas palavras para proteger a floresta. Agora
dizem que são a gente da ecologia porque estão preocupados, porque sua terra está
ficando cada vez mais quente. [...]. Somos habitantes da floresta. Nascemos no centro
da ecologia e lá crescemos (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 480).
Ailton Krenak, de igual forma, denuncia o que chama de “mito da sustentabilidade” e
questiona enfaticamente: “Recurso natural para quem? Desenvolvimento sustentável
para quê? O que é preciso sustentar?” (KRENAK, 2019, p. 22).
A relação dos povos indígenas com suas terras está diretamente relacionada à
sua sobrevivência enquanto unidade sociocultural. Tradicionalmente habitado, o
território indígena é fundamental para a percepção de um povo de suas origens, de sua
organização política, de suas crenças e práticas religiosas, da manutenção de sua
historicidade, das criações literárias e artísticas, inclusive sua língua, bem como de
suas práticas alimentares, sua medicina, técnicas agrícolas e também seu próprio
direito consuetudinário – em suma, sua identidade por completo.
E é nesses termos que garantir a demarcação das terras originárias não se trata,
nos dizeres de Silva e Souza Filho (2016, p. 62), “[...] de restaurar um passado já irreal,
mas [de] garantir um futuro possível”.
Isso é dizer que o direito constitucional dos povos indígenas às suas terras
tradicionalmente ocupadas é originário, fundamental e intrinsecamente conectado à
sua sobrevivência e à permanência de suas crenças, práticas e costumes. Sem a sua
garantia, esvaziam-se de conteúdo e de finalidade todas as demais proteções
constitucionais; sem sua defesa, qualquer promessa de amparo estatal não passa de
ficção.
Em que termos se compreende, entretanto, a proteção desse território? Não
pode encerrar-se com a demarcação. Pelo contrário: estudos demonstram que, muito
embora povos indígenas representem menos de 5% da população global, eles
atualmente manejam ou têm direitos sobre os espaços naturais mais intactos do mundo,
protegendo cerca de 80% da biodiversidade mundial (SOBREVILA, 2008).
Existe, inclusive,
[…] evidência de que o reconhecimento de práticas, instituições e direitos dos povos
indígenas em uma governança ambiental global seja essencial se buscamos
desenvolver e alcançar a nova geração de objetivos para a biodiversidade mundial
(GARNETT et al, 2018, p. 373).
A preocupação com a natureza e a integridade de seus territórios é basilar nos
Protocolos de Consulta dos povos indígenas do Brasil. Conforme os Wajãpi:
Todos os Wajãpi concordam que nossa prioridade maior é a conservação da nossa
terra, da floresta e dos recursos naturais. Para cuidar da nossa terra, precisamos
continuar fortalecendo o nosso jeito tradicional de morar, de plantar e de fazer aldeias.
Esse é o nosso jeito de fazer gestão socioambiental da Terra Indígena Wajãpi.
Os Munduruku, de igual forma, entendem que seus saberes “[...] devem ser
levados em consideração, no mesmo nível que o conhecimento dos pariwat (não
índios). Porque nós é que sabemos dos rios, da floresta, dos peixes e da terra”. Quanto
aos Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, desejam
“[...] que sejam respeitados nossa mãe terra, nossa vida, nosso povo, nossa cultura,
nossa fauna, nossas florestas, rios, lagos e igarapés, nosso ar, nossas crenças, nosso
sítio arqueológico, nossos lugares sagrados, nosso tempo e nossas decisões”.
Os diversos povos do Oiapoque deixaram expressa em seu Protocolo sua
crença de que o território não é apenas habitado por seres humanos, mas também por
animais e plantas, bem como seres de outros mundos como os karuanas, wapityebu e
mayg abetyayu. Daí decorre que
[...] alguns lugares do nosso território não podem sofrer qualquer tipo de impacto e,
além disso, sempre pedimos permissão antes de visitá-los e respeitamos suas regras.
[...] Nosso olhar para o território é de proteção. Não é um olhar de ambição, de
exploração, como vemos muitas vezes na visão dos não indígenas. [...] para nós a terra
oferece alimentação, mas também a cura.
Os Yanomami e Ye’kwana também compreendem seu papel como defensores
da natureza e lutam pelo direito de continuar a sê-lo. Temos nossos próprios modos de
organização social e nossos conhecimentos tradicionais, que compartilhamos entre as
gerações. São conhecimentos que garantem a existência da Urihia, a terra-floresta, a
proteção dos nossos filhos e netos, dos recursos naturais e dos nossos rios. Nossa terra
é a maior Terra Indígena do Brasil e forma uma das maiores e mais importantes áreas
de floresta contínua do país, porque sempre estivemos aqui, cuidando dela.
Todos os povos indígenas que formularam Protocolos de Consulta encontram-
se, de alguma forma, ameaçados na integridade de seu território por empreendimentos
de impacto socioambiental. Hidrelétricas, barragens, rodovias, transposições, linhas de
transmissão e mesmo o avanço violento de fronteiras agrícolas e de mineração buscam
a conquista do território indígena com o fim de transformá-la de terra “desaproveitada”
em terra útil, produtiva, porque capaz de subsidiar interesses exploratórios
desenvolvimentistas.
Nesse cenário, os povos indígenas acabam por defender de maneira interligada
a proteção à natureza e a própria sobrevivência, em uma relação de íntima
dependência. E os Protocolos de Consulta, por sua vez, encarnam instrumentos de
dupla função: de tutela ambiental e também de defesa dos povos originários, em
correlação indissociável.
As palavras dos povos do Oiapoque reiteram a importância do diálogo:
[...] não somos contra os empreendimentos, desde que sejamos consultados, que o
Governo siga as regras do nosso protocolo, e que nossos conhecimentos e nossas
relações com nossos territórios e com os outros seres sejam considerados e respeitados.
Como mecanismos de participação popular em seu sentido mais puro, os
Protocolos cumprem ainda um papel mais profundo: resgatam, das margens,
perspectivas por tanto tempo ignoradas, porque desprezadas, silenciadas e diferentes
demais do espírito etnocêntrico nacional para que pudessem se fazer ouvir.
A resistência, na atualidade, faz-se cada vez mais alta. Se a causa primeira da
crise ecológica atual é a visão da natureza como mero recurso e objeto de domínio e
transformação (AYALA; LEITE, 2020, p. 20), a reformulação do paradigma
antropocêntrico torna-se mais urgente a cada instante. Nesse cenário, os saberes dos
povos indígenas são seculares: ouvidos por meio de processos adequados de consulta
prévia, são capazes de provocar mudanças locais. Visualizados em um panorama mais
amplo, talvez de reformular o paradigma por inteiro.

4 O DIREITO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL E O DIREITO À


PARTICIPAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO PROCESSO
DECISÓRIO (FREE, PRIOR INFORMED CONSENT), NA ORDEM
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA. UMA EXPERIÊNCIA COM
OS RECURSOS HÍDRICOS
A ordem constitucional brasileira define um perfil especial para o regime
jurídico de exploração de recursos naturais em terras indígenas. Privilegia um sistema
de gestão da informação que impõe aos processos de decisão a obrigação de produção
de informação de qualidade, e a organização de procedimentos que proporcionem as
condições necessárias e suficientes para que as bases informativas possam ser
efetivamente integrais, e as mais completas quanto possíveis. É o que o Programa
Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP) das Nações Unidas propõe, a
partir da idéia da idéia de ignorância ótima, que passa pela necessidade de se garantir
o nível mínimo de informação, necessário e suficiente para adotar uma decisão correta
(NACIONES UNIDAS, 2001a, p. 30).
Informação para decisão (NACIONES UNIDAS, 2001b, p. 5) é o
fundamento, v.g, para a qualidade na gestão dos recursos hídricos, que depende,
portanto, do desenvolvimento de condições ótimas de democracia. Essa circunstância
veio a ser reconhecida pela ONU e serviu de orientação para que propusesse as bases
de um modelo de gestão eficaz, que deveria incluir: a participação de todos os
interessados, a transparência, a eqüidade, a responsabilidade financeira, a coerência,
capacidade de reação, integração e as questões éticas (WORLD WATER
ASSESSMENT PROGRAMME, 2003, p. 30). Em todo esse conjunto, a informação é
elemento indispensável e indissociável para qualquer espécie de decisão, que venha
afetar, no caso, recursos hídricos.
Quando se faz referência a um nível mínimo de informação quer-se enfatizar
uma perspectiva dinâmica de produção da informação, já que a definição da idéia de
mínimo está vinculada à questão da suficiência e da adequação da informação.
Dessa forma, a busca do nível mínimo de informação impõe a obrigação de
considerar a informação já disponível, e a obrigação de produzir o conhecimento,
quando necessário, mas ainda inexistente. Essa é a razão pela qual o Programa de
Avaliação dos Recursos Hídricos da ONU enfatizou a necessidade de manutenção e
ampliação da base de conhecimentos como condições necessárias para a gestão dos
recursos hídricos (NACIONES UNIDAS, 2001a, p. 30).
Contextualizando o estado atual dos problemas relacionados à gestão mundial
dos recursos hídricos com suas exigências particulares em terras indígenas, é possível
observar que as alternativas propostas pela ONU — baseadas na informação e
participação — encontram-se em grande sintonia com a crescente importância
reservada ao prior informed consent, no planejamento de projetos, e de processos de
decisão que possam afetar os direitos originários dos povos indígenas.
O desenvolvimento de processos que assegurem condições para o
consentimento, livre, prévio e bem informado (free, prior informed consent) (UNITED
NATIONS. ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL: 2002) 5, além de pressuposto
constitucional para a autorização das pretensões de exploração dos potenciais
energéticos em terras indígenas, é obrigação jurídica internacional imposta ao Estado
brasileiro pelo texto do art. 15, 2, da já referida Convenção 169 da OIT (1989)
(ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO: 2020) ratificada somente
em 25 de julho de 2002, e reafirmada pelos povos indígenas, por ocasião da Cúpula
que propôs a Declaração de Kimberley6.

5
A referência expressa ao free, prior informed consent, como condição para o controle dos processos
de desenvolvimento econômico consta de: (UNITED NATIONS. ECONOMIC AND SOCIAL
COUNCIL, 2002)
6
O destaque da Declaração diz: “Tenemos derecho a definir y establecer prioridades y estrategias para
nuestro autodesarrollo y el uso de nuestras tierras, territorios y otros recursos. Exigimos que se obtenga
nuestro libre consentimiento fundamentado previo antes de la aprobación de cualquier proyecto que
Exemplo marcante dessa orientação na experiência internacional, também
pode ser identificado no caso 11.140 (Mary and Carrie Dann), onde a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos reconheceu aos povos indígenas, um direito de
não serem privados dos interesses coletivos sobre suas terras tradicionais e recursos,
exceto através de consenso informado integral e completo, e sob condições de
igualdade (INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2002, p. 34).
A exigência de proteção de um prior informed consent atribui não apenas um
direito à informação ambiental aos povos indígenas, mas também um direito de que
sejam mantidas condições para sua participação efetiva nos processos decisórios que
possam afetar seus interesses coletivos e direitos originários. Mas a participação
somente poderá ser admitida como adequada, se de forma prévia puderem ter acesso
ao grau suficiente, pertinente e necessário de informações sobre os projetos e
empreendimentos que poderão afetar concretamente seus interesses.
O direito à participação decisória dos povos indígenas depende, portanto, de
que sejam asseguradas bases suficientes de informação e de conhecimento, posição
que é compatível com a orientação apresentada pelo relatório da Comissão Mundial
de Barragens (WCD), que estimula o desenvolvimento de processos de decisão
específicos, capazes de permitir a participação esclarecida de todos os que poderão
ter direitos e interesses afetados pelos projetos (WORLD COMISSION ON DAMS,
2020, p. 18).
Assim caracterizado o direito à participação, pode-se argumentar que, quando
o art. 231, § 3º exige como pressuposto constitucional para a exploração dos recursos
hídricos — e especialmente, de seus potenciais energéticos — em terras indígenas, a
autorização congressual e que os povos sejam ouvidos, está reproduzindo na ordem
constitucional nacional, a proteção do prior informed consent.
O direito de estar informado e de ser informado, importa a proibição do início
de qualquer projeto energético sobre os recursos hídricos em terras indígenas, que não
tenha sido precedido da oportunidade de participação decisória dos povos — julgando
sob sua própria perspectiva, a pertinência da opção energética — e a obrigação de que
sua manifestação seja considerada de forma relevante pelas autoridades públicas

afecte a nuestras tierras, territorios y otros recursos.” (CUMBRE INTERNACIONAL DE LOS


PUEBLOS INDÍGENAS SOBRE DESAROLLO SOSTENIBLE, 2002a, p. 1).
(Congresso Nacional), ao mesmo tempo em que afirma a nulidade de todos os atos que
contrastem com esse regime.
Note-se que a proteção do prior informed consent assegura aos povos
indígenas, a participação irrestrita em todas as fases relevantes de qualquer processo
capaz de afetar seus interesses, razão pela qual parece ser possível sustentar que
também deveriam ser ouvidos no momento da elaboração dos estudos preliminares de
viabilidade da opção energética7.
Não se trata portanto de assegurar simplesmente condições formais de
participação, mediante a simples previsão de manifestação em algum momento
particular que anteceda a decisão institucional sobre a atividade. O que a Constituição
procurou assegurar foram condições de debate público onde os principais afetados
pelos projetos fossem os verdadeiros protagonistas.
Essa exigência vem sendo reafirmada sucessivamente pela experiência
internacional — como pôde ser conferido — e ganhou especial destaque na ordem
jurídica brasileira, principalmente após a ratificação da Convenção 169 da OIT, que
vem esclarecer definitivamente que a condição de participação dos povos indígenas
nesses processos, é de protagonismo decisório, e por essa razão, não admite que o
momento de seu exercício seja outro, que não a manifestação, sempre, de forma prévia,
como se pode conferir da redação atribuída ao art. 15, I e II:

Artículo 15
1. Los derechos de los pueblos interesados a los recursos
naturales existentes en sus tierras deberán protegerse
especialmente. Estos derechos comprenden el derecho de esos
pueblos a participar en la utilización, administración y
conservación de dichos recursos.
2. En caso de que pertenezca al Estado la propiedad de los
minerales o de los recursos del subsuelo, o tenga derechos
sobre otros recursos existentes en las tierras, los gobiernos
deberán establecer o mantener procedimientos con miras a
consultar a los pueblos interesados, a fin de determinar si los
intereses de esos pueblos serían perjudicados, y en qué
medida, antes de emprender o autorizar cualquier programa
de prospección o explotación de los recursos existentes en sus

7 Essa orientação encontra claro reconhecimento no art. 6.4 da Convenção de Aarhus, e se justifica
plenamente porque somente se pode considerar que houve participação efetiva em determinado
procedimento, enquanto todas as oportunidades de opções permanecem abertas, e quando sua
capacidade de influenciar a decisão ainda é real. (ROSE-ACKERMAN, Susan; HALPAAP, Achim A.
2001, p. 5).
tierras. Los pueblos interesados deberán participar siempre
que sea posible en los beneficios que reporten tales
actividades, y percibir una indemnización equitativa por
cualquier daño que puedan sufrir como resultado de esas
actividades (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL
TRABAJO: 2020). (grifamos).

Esse também é o sentido da proposta que foi apresentada pelos próprios povos
indígenas em Johanesburgo, pela qual a decisão sobre a conveniência das opções
energéticas, deve considerar primeiro um enfoque de reconhecimento de direitos e
avaliação dos riscos (44, a) (CUMBRE INTERNACIONAL DE LOS PUEBLOS
INDÍGENAS SOBRE DESAROLLO SOSTENIBLE, 2002b, p. 5), no que recepciona
integralmente a posição da Comissão Mundial de Barragens, divulgada em importante
relatório, no ano de 2000 (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 206-210).
Essa abordagem objetiva permitir que as decisões possam ser resultados de
consensos, obtidos através de sua aceitação pública, que só pode ser obtida através de
práticas orientadas por uma abordagem onde os direitos e as prerrogativas de todos os
sujeitos afetados pelos projetos sejam reconhecidos e considerados, e os riscos sejam
admitidos e avaliados (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000a, p. 18) 8.
Contextualizando essa orientação perante a ordem constitucional brasileira, é
possível afirmar que a obrigação de desenvolver condições para o exercício do
consenso prévio e bem-informado (esclarecido), atribui um específico direito de não
ser privado do acesso e do uso dos recursos naturais, sem que antes do início de
qualquer atividade, sejam ouvidos os povos indígenas usufrutuários dos recursos e
interessados no resultado do processo de decisão, aplicável particularmente para o
regime de exploração dos potenciais energéticos.
O art. 231, § 3º consagra uma imposição constitucional de que todos os
processos de decisão que importem a pretensão de uso econômico dos potenciais
energéticos, observem uma sistemática própria de decisão, contemplando as seguintes
fases:
a) Consideração obrigatória — de forma prévia, completa e suficiente, na
melhor medida possível — de todos os aspectos relacionados à definição

8 Em sentido semelhante, delineando as condições para uma avaliação eficiente de riscos, onde se
enfatiza a informação completa, a capacidade de escolher, e a cooperação é a posição de Johnathan
Baert Wiener (WIENER, 1997, p. 19).
tradicional e cultural das opções de acesso, uso e de sua exploração pelos seus
usufrutuários;
b) avaliação, e por fim, submissão das novas alternativas propostas ao juízo
decisório público, plural e participativo (julgamento), que é exercido com
exclusividade pelos legítimos interessados nos resultados desses processos,
os povos indígenas.

É interessante observar que, assim como na orientação da WCD, a opção


constitucional considera que as decisões sobre o aproveitamento econômico e
energético das águas, devem ser tomadas sob um enfoque de proteção dos direitos
fundamentais e não de negociação de direitos, de modo que a decisão sobre a
construção de uma barragem ou qualquer outra opção relacionada aos recursos
hídricos, não poderá sacrificar os direitos de quaisquer cidadãos ou grupos de sujeitos
afetados (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 204).
Um enfoque baseado na avaliação da relação entre custos e benefícios do
projeto é uma ferramenta inadequada e insuficiente para fundamentar o modelo de
decisão sobre a gestão dos recursos hídricos, especialmente quando também
relacionem direitos originários dos povos indígenas, porque desconsidera a
complexidade e a variedade de espécies de direitos que são relevantes no contexto de
grandes projetos que envolvem a administração desses recursos e dos potenciais
energéticos (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 206).
Por outro lado, um enfoque baseado no reconhecimento dos direitos possui a
grande vantagem de permitir a diferenciação dos direitos relacionados nos projetos,
estabelecida principalmente entre aqueles afetos aos recursos materiais propriamente
ditos (como as terras e as águas), e os direitos aos bens espirituais, morais ou culturais
(WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 206), aspecto de grande importância
para decisão que afete a condição dos povos indígenas nesses projetos.
Sob essa orientação, e considerando a particularidade dos direitos dos povos
indígenas afetados nesses projetos, a Comissão ressalta que a avaliação dos riscos não
pode ficar reservada à iniciativa dos governos ou dos responsáveis pelos projetos,
devendo ao contrário, ser estendida a um grupo mais amplo quanto possível de
afetados (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 208), considerando seus
direitos e interesses, sob sua própria perspectiva.
Apenas dessa forma pode-se ter uma avaliação de riscos que efetivamente
seja orientada por um enfoque de reconhecimento de direitos.
Uma nova proposta para os modelos de decisão indica, portanto, caminhos
para a modificação das ações das instituições, mediante a proposição de elementos
que procurem permitir o desenvolvimento dos melhores pontos de consensos
democráticos na gestão da informação e da decisão sobre os riscos.
A participação passa a ser o fundamento dos processos de decisão, em um
esquema que deve: a) identificar a especificidade dos direitos e os respectivos
interessados da forma mais ampla quanto possível; b) permitir o acesso completo das
partes afetadas às informações relevantes, e principalmente; c) permitir que todas elas
tenham oportunidade integral de se manifestar e participar ativamente das escolhas e
opções que serão realizadas e que afetarão os recursos hídricos e os seus direitos
incidentes sobre as águas (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 209).
E como já foi dito, em relação aos povos indígenas, a garantia de participação
assume uma importância diferenciada, porque não deve ser apenas privilegiada. Sua
participação é na ordem constitucional brasileira, pressuposto necessário e
indispensável para a autorização do aproveitamento recursos hídricos e dos potenciais
energéticos. Para a proteção de seus direitos originários expostos aos riscos dos
projetos, as soluções decisórias devem ser obrigatoriamente, soluções de concertação,
onde os caminhos do consenso deverão partir, sempre, da consideração da
manifestação dos próprios povos indígenas, de forma livre, prévia e esclarecida (free,
prior informed consent) (WORLD COMISSION ON DAMS, 2000b, p. 112).

5 O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O FREE PRIOR INFORMED


CONSENT
Não se pode negar, após todas as considerações realizadas até agora, que
decidir sobre as opções energéticas perante a necessidade de proteção dos direitos
originários dos povos indígenas, coloca um problema que é sobretudo, o de decidir
sobre tipos diferenciados de riscos, de prejuízos à sua sobrevivência física, e
principalmente, à identidade cultural, tradicional e espiritual, aspectos sobre os quais,
geralmente ainda não há, no momento em que se decidirá sobre a autorização do
projeto, conhecimento suficiente e completo que esteja disponível, para motivar tal
autorização.
Dessa forma o que se tem, é um autêntico problema de gestão de riscos, riscos
de qualidade particular, e que precisam ser compreendidos e decididos por alternativas
adequadas.
Na gestão desses riscos, as soluções de negociação, concertação 9 e os
modelos de cooperação (LADEUR, 2002, p. 29-30), preferem decisões
excessivamente dependentes de formas de conhecimento cientificamente limitadas,
alternativa que é compatível com o atual padrão de regulação jurídica nas sociedades
de riscos, baseado em uma postura pró-ativa (LADEUR, 2002, p. 9), onde ganha cada
vez mais importância o princípio da precaução.
Nesse contexto, explica-se a sua relevância porque atua de forma prática
como instrumento de controle e gestão da informação nos processos de decisão sobre
os riscos, uma vez que o efetivo problema proposto pelo princípio é o de como se
decidir perante bases informativas de elevado grau de imprevisão e insegurança
científica, impondo obrigações de originar decisões mesmo perante bases cognitivas
precárias (AYALA, 2002, p. 230, p. 233) 10.
Desse modo, o contexto próprio de aplicação do princípio da precaução
envolve a necessidade de resolução de problemas a partir de bases limitadas de
conhecimento, circunstância que enfatiza sua compreensão a partir de uma dimensão
programadora, que se concentra em buscar alternativas de tomada das melhores
decisões possíveis, tentando superar os estados de incerteza.
Por essa razão foi feliz a opção realizada pela Constituição da República
brasileira, ao atribuir, não aos especialistas ou aos técnicos, mas, em primeiro lugar,
aos próprios povos indígenas, a relevância do conhecimento que deverá ser
considerado pelo Congresso Nacional, pelas autoridades administrativas e pelos

9
Na Administração Pública essa tendência é bem caracterizada, como reconhece Ladeur, na substituição
de modelos de soluções de conflitos baseados nos atos administrativos, por modelos baseados em
processos de decisão. (LADEUR, 2002, p. 21).
10
Para o Comitê Econômico e Social, a necessidade de se decidir em nome da incerteza é condição para
o progresso da própria democracia, que exige o desenvolvimento de novos modelos de decisão aptos a
lidar com o excesso de complexidade. (COMITÊ ECONÔMICO E SOCIAL, 2000, p. 4).
responsáveis pelos projetos, nos processos relativos ao aproveitamento dos recursos
hídricos e de seus potenciais energéticos11.
O art. 231, § 3º expressa claramente uma obrigação jurídica de produção de
conhecimento ainda indisponível ou incompleto, e de consideração de uma qualidade
particular de conhecimento, que não privilegia uma natureza técnica ou científica, mas
social e cultural. Quando se exige o exercício do prior informed consent nessas
questões, também é do princípio da precaução que se está tratando.
E como principal conclusão, temos que, na decisão sobre a exploração dos
potenciais energéticos, todos os atributos culturais, e as práticas tradicionais
incidentes sobre os recursos hídricos devem ser previamente sistematizados,
organizados, considerados e ponderados da forma mais completa quanto for possível
no caso concreto, a partir do conhecimento obtido de manifestação prévia realizada
pelos próprios povos indígenas afetados pelo projeto. Dessa forma, não poderá ser
conferida autorização para sua exploração econômica, se o processo de decisão não
permitir, primeiro, a produção e o acesso a todo conhecimento sobre as opções
tradicionais que esteja disponível no momento, e depois, que os povos indígenas
também tenham o acesso prévio e completo a todas as informações relevantes sobre o
projeto 12 , para que então, seja possível atingir o necessário consenso mútuo e
esclarecido.
Essa parece ser a proposta que melhor identifica o regime jurídico que
condiciona o acesso aos recursos hídricos e seus potenciais energéticos na ordem
constitucional brasileira.

11
Se a posição dos cidadãos e o conhecimento tradicional dos povos indígenas pode não ser “melhor”
que a manifestação dos especialistas e da ciência formal, é de outro lado, indispensável para o
desenvolvimento de uma abordagem mais ampla para a gestão das incertezas. (ESRC GLOBAL
ENVIRONMENTAL CHANCE PROGRAMME, 2000, p. 5).
12
A técnica da consideração de todos os interesses relevantes no processo de balanceamento ou
ponderação é lembrada por Ladeur (LADEUR, 2002, p. 18). Canotilho faz referência à necessidade de
realizar ponderações entre direitos e interesses sob uma perspectiva multimetática de compreensão do
ambiente. (CANOTILHO, 2001, p. 12).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho propôs demonstrar que a consideração de um direito procedimental,
vinculado à garantia de participação pública dos povos indígenas nos processos de
decisão que afetem diretamente o seu livre acesso aos territórios e aos seus recursos
naturais, constitui parte relevante indissociável dos próprios direitos dos povos
indígenas aos seus territórios e aos seus recursos.
Sob a perspectiva de cosmovisões que não podem ser ignoradas pelas ações do Estado
em um modelo de Estado de Direito que se relaciona com uma sociedade pluricultural,
a forma diferenciada por meio da qual os povos indígenas se relacionam com suas
terras e com os recursos naturais, constitui parte integrante de sua própria condição
existencial.
Desse modo, participar das decisões que afetem seus territórios ou que afetem o modo
como se relacionam ou se relacionarão com estes e com os seus recursos, é parte da
garantia do livre exercício de seus direitos, assimo como também é parte da garantia
de sua própria sobrevivência física, cultural e espiritual.
Tendo sido descrito e demonstrado que o conteúdo do que se consulta e o conteúdo do
que se considere relevante para o fim de consulta não se determina de forma abstrata,
senão de forma específica no interesse de cada etnia, enfatizando-se, de outro modo,
que não se tratam de interesses e demandas pessoais ou individuais, sendo estas,
sempre coletivas.
Sob semelhante perspectiva, considerou-se que a Convenção n. 169 da OIT e o modo
como a garantia de acesso à informação no interesse das escolhas que serão realizadas
pelos povos indígenas é interpretada pelo Sistema Interamericano, pode favorecer o
acolhimento de um significado bastante poderoso para se compreender o texto do
artigo 231, § 3º, da CRFB de 1988.
Relacionado a proteção da natureza com a proteção da identidade existencial dos povos
indígenas, e fazendo-se o uso de exemplo associado à exploração de recursos hídricos,
considerou-se que a ordem constitucional brasileira é, também, capaz de acolher um
significado que favoreça o acesso pelos povos indígenas, das informações que sejam
relevantes para o projeto, em tempo e momento oportuno, para o fim de que possam
influenciar as escolhas a serem realizadas no processo de decisão.
REFERÊNCIAS
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Prévia da Tekoa Itaxi Mirim Guarani Mbya, 2018. Disponível em:
http://direitosocioambiental.org/wp-content/uploads/2019/02/Protocolo-de-Consulta-
Pr%C3%A9via-da-Tekoa-Itaxi-Mirim-2018.zip. Acesso em: 23 mar. 2020.
ASSOCIAÇÃO TERRA INDÍGENA XINGU (ATIX), Protocolo de Consulta dos
Povos do Território Indígena Xingu, 2016. Disponível em:
https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/prot
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AYALA, Patryck de Araújo. Direito e incerteza: a proteção jurídica das futuras
gerações no Estado de direito ambiental. Florianópolis, 2002. 381 p. Dissertação,
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IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NO CORREDOR
CARAJÁS: MINERAÇÃO, ESTADO E VIOLAÇÃO
A DIREITOS DE POVOS INDÍGENAS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS NA AMAZÔNIA
MARANHENSE∗

SOCIO-ENVIRONMENTAL IMPACTS ON THE


CARAJÁS CORRIDOR: MINING, STATE AND
VIOLATIONS TO THE RIGHTS OF INDIGENOUS
AND TRIBAL PEOPLES IN THE AMAZONIAN
MARANHÃO AREA

Amanda Ferraz da Silveira ∗∗


Heline Sivini Ferreira ∗∗∗

INTRODUÇÃO
É inegável a existência de um choque na relação estabelecida entre as sociedades
ocidentais e a natureza. Nessa perspectiva, toma-se a natureza como um mero bem, a ser
apropriada para fins econômicos e em uma concepção essencialmente antropocêntrica.
Esta contradição é bastante evidente na Amazônia, considerada pela lógica econômica
dominante como “fonte de recursos” e habitada por povos que precisam ser “resgatados


Esta pesquisa é resultado parcial de pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-graduação
em Direito Econômico e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná de título “Impactos
socioambientais em Açailândia, Maranhão: a atuação do Estado para viabilizar projetos de
desenvolvimento na Amazônia”, 2019. Também contém resultados parciais de pesquisa desenvolvida no
âmbito do projeto “Impactos Socioambientais da Mineração sobre os Povos Indígenas e Comunidades
Ribeirinhas na Amazônia” aprovado pelo Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia
(PROCAD – Amazônia – Edital no. 21/2018).
∗∗
Doutoranda e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
∗∗∗
Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
da primitividade” em nome do progresso e do desenvolvimento. A velocidade com que o
sistema capitalista avança sobre a natureza amazônica e seus povos é crescente e, como
consequência, tem-se o aumento das violações a direitos de povos indígenas e outras
comunidades tradicionais.
Após a localização de reservas de minérios com valor de mercado sob a floresta,
o Programa Grande Carajás1 (PGC) foi planejado e implantado em uma área que abrange
os estados do Maranhão, Pará e Tocantins, com base na exploração mineral na Serra dos
Carajás pelo Projeto Ferro Carajás (PFC). Este programa é considerado como uma das
maiores iniciativas de mineração do mundo, em termos de tamanho, extensão e
investimentos. Como principal estrutura de escoamento da produção, a Estrada de Ferro
Carajás (EFC) possui mais de 900km de extensão e tem capacidade para o transporte de
toneladas de minério de ferro, ferro-gusa, e outros produtos decorrentes do
beneficiamento destes, além de soja, combustível e fertilizantes. Todos destinados à
exportação.
A estrutura ferroviária abarca 27 municípios e 28 Unidades de Conservação. No
que tange aos povos, afeta diretamente mais de 100 comunidades dos Estados do Pará e
Maranhão, havendo também os danos indiretos a outras 86 comunidades. A zona de
influência da estrutura é chamada de Corredor Carajás, consistente em uma faixa ao longo
trajeto da Estrada de Ferro Carajás, que inicialmente foi de100 km e depois foi expandida.
Ignorados, povos indígenas e outras comunidades tradicionais foram profundamente
afetados quando da implantação da Estrada de Ferro e dos projetos às suas margens na
década de 1980, suportando impactos que se perpetuam até o presente, mesmo após a
incorporação dos seus direitos em texto constitucional, o que ocorreu em 1988. Neste
contexto, pergunta-se: como o Estado tem atuado em face dos impactos socioambientais
provocados no Corredor Carajás para assegurar os direitos de povos e comunidades
tradicionais?
O objetivo deste trabalho é analisar a atuação do Estado brasileiro diante dos
impactos socioambientais existentes no Corredor Carajás e dos direitos socioambientais
de povos e comunidades tradicionais na Amazônia maranhense. Para tanto, como

1
Em suma e em termos práticos, o Programa Grande Carajás foi a face oficial e institucionalizada da esfera
estatal do Projeto Ferro Carajás, que abarcou outros projetos que eram nele baseados ou a ele relacionados.
Este projeto, por sua vez, foi uma iniciativa da Companhia Vale do Rio Doce, por sua subsidiária, que
embora estatal à época, abrangia interesses do capital internacional. Para maiores detalhes ver item 2 deste
artigo.
metodologia, fez-se uso de uma combinação entre os métodos indutivo e dialético, assim
como dos procedimentos monográfico e comparativo, além da pesquisa bibliográfica e
documental. Como recorte espacial, tem-se a porção maranhense da Amazônia Legal 2,
observado o trajeto da Estrada de Ferro Carajás. Este recorte foi realizado em razão da
maior parte do Corredor Carajás se encontrar no Estado do Maranhão.
Em um primeiro momento, analisa-se o histórico das tentativas de colonização da
Amazônia pela metrópole e pelo Estado brasileiro a partir do governo Vargas. Após,
analisa-se o Corredor Carajás e sua função e importância para o Programa Grande Carajás
e o Projeto Ferro Carajás. Em um terceiro momento, identificam-se os impactos
socioambientais existentes no Corredor Carajás e suportados pelos povos e comunidades
tradicionais. Por fim, mediante o estudo de decisões judiciais proferidas, analisa-se a
atuação estatal frente às violações ou ameaças de violações aos direitos dos povos e
comunidades tradicionais causadas pela manutenção e expansão das atividades no
Corredor Carajás.

1 A SOCIOBIODIVERSIDADE AMAZÔNICA E AS TENTATIVAS DE


COLONIZAÇÃO ESTATAL A PARTIR DO SÉCULO XX
Os povos amazônicos são diversos. A população da Amazônia, antes de 1492, era
de potencialmente 5,1 milhões de pessoas (DENEVAN, 1976, p. 32), cuja concentração
variava entre áreas de várzeas e terra firme. Atualmente, mais de 500 anos após o início
dos genocídios praticados pela colonização em toda a América Latina, vivem na
Amazônia cerca de 240 povos indígenas com mais de 180 línguas diferentes, além de
comunidades quilombolas e camponesas, como ribeirinhos, castanheiros, quebradeiras-
de-coco, seringueiros, dentre outros (PORTO-GONÇALVES, 2017; SADER et al.,
2006). A diversidade étnico-cultural impressiona.
Dentro desta diversidade, merecem destaque os conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade. Esses conhecimentos vão “desde técnicas de manejo de
recursos naturais até métodos de caça e pesca, conhecimentos sobre os diversos
ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies de
flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais” (SANTILLI, 2005, 191-192). São

2
A Amazônia Legal, conceito legal que não corresponde ao bioma amazônico, é dividida em Amazônia
Ocidental (porção oeste) e Amazônia Oriental (porção leste).
conhecimentos milenares, mas considerados como primitivos e atrasados por não
obedecerem a um “método científico”. Por outro lado, são apropriados por grupos
econômicos para a manipulação e oferecimento de produtos ao mercado 3. Sobre eles
incide a biopirataria, uma prática crescente dentro da Amazônia (ARBEX JUNIOR,
2015).
Neste cenário diverso, cada povo e/ou comunidade tem formas próprias de se
relacionar com os demais elementos da natureza. A própria floresta e sua diversidade é
resultado da ação dos povos, que na natureza inseriram seus caracteres étnico-culturais e
incorporaram a si também caracteres nela existentes (DIEGUES et al., 1999/2000).
Assim, não há como distinguir o que é do povo e o que é da natureza. Assim, os povos,
também chamados de populações tradicionais, “pertencem a um lugar, um território
enquanto locus, onde se produzem as relações sociais e simbólicas” (DIEGUES et al.,
1999/2000, p. 31-32). Neste sentido e contexto não se pode compreender natureza e
cultura como elementos separados, vez que sequer podem ser compreendidas em
distinção.
Apenas na porção leste amazônica, localizadas nos Estados do Amapá, Pará,
Maranhão, Mato Grosso e Tocantins, encontram-se 183 terras indígenas das 720
existentes no Brasil, em diferentes fases do procedimento demarcatório (INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL, 2018). Os Estados do Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará e
Tocantins possuem 6, 22, 79, 64 e 14 terras indígenas identificadas, respectivamente
(INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2018). Com relação a comunidades remanescentes
de quilombos4, a região conta com 1.121 das mais de 3.000 já certificadas pela Fundação

3
Sobre apropriação de conhecimentos tradicionais, ver CUNHA, Manuela Carneiro da. Populações
tradicionais e a Convenção da Diversidade Biológica. Estud. av., São Paulo , v. 13, n. 36, p. 147-163,
Aug. 1999. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141999000200008. SANTILLI, Juliana.
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Peirópolis, 2005. SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos
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Fed. Territ, Brasília, ano 10, v. 20, pp. 50-74, jul./dez/, 2002.
4
Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
(CONAQ), “a chamada comunidade remanescente de quilombo é uma categoria social relativamente
recente, representa uma força social relevante no meio rural brasileiro, dando nova tradução àquilo que era
conhecido como comunidades negras rurais (mais ao centro, sul e sudeste do país) e terras de preto (mais
ao norte e nordeste), que também começa a penetrar ao meio urbano, dando nova tradução a um leque
variado de situações que vão desde antigas comunidades negras rurais atingidas pela expansão dos
perímetros urbanos até bairros no entorno dos terreiros de candomblé. Embora desde 1988 a Constituição
Federal do Brasil já conceituasse como patrimônio cultural brasileiro os bens materiais e imateriais dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, foi no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias que foi reconhecido o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos que
Cultural Palmares (FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2018). Destaca-se, neste
contexto sociobiodiverso, que os Estados do Maranhão e do Pará contam com 708 e 255
comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, respectivamente
(FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2018). Na verdade, este número é bem maior.
Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (CONAQ, 2019), são 734 comunidades no Maranhão e 403 no Pará. Ainda
que se considere que o Maranhão não está totalmente dentro dos limites da Amazônia
Legal ou mesmo do bioma amazônico, a concentração de comunidades quilombolas no
Estado é muito expressiva.
No entanto, as ideias predominantes que se tem sobre a Amazônia são aquelas
fabricadas de fora para dentro, sempre considerando o propósito do momento político-
econômico elegido pelo colonizador. A Amazônia, durante o início do processo de
colonização, foi considerada vazia, “terra de ninguém”, e assim permaneceu pelos séculos
que se seguiram. Também foi tida como uma “natureza sacralizada”, um santuário natural
e pulmão do mundo, que deveria ser salvo da cobiça ilimitada dos modos de produção
que, por séculos, avançaram e continuam avançando sobre a natureza (ARBEX JUNIOR,
2015). Desta forma, parte do debate sobre a Amazônia foi “ecologizado” na intenção de
manter a natureza a salvo da destruição, intocada e sem a presença nociva do ser humano
(ARBEX JUNIOR, 2015). No entanto, ignora-se que a própria fauna e flora, assim como
toda a sua diversidade, foram profundamente influenciadas pela interação dos povos com
a natureza.
Imbuídos da “Amazônia inventada” (GONDIM, 1994) e suas imagens construídas
(PORTO-GONÇALVES, 2010), desde o século XVI a região amazônica foi destino de
fluxos migratórios. Esses fluxos, em sua totalidade, tiveram estreita relação com os
chamados ciclos econômicos. Os relatos de “aventureiros e desbravadores” sobre as
chamadas “riquezas da Amazônia” motivaram o aumento do interesse pela região. A
observação e descrição da diversidade da fauna e da flora e a sua utilização pelos povos
originários fizeram com que surgisse na Europa uma atenção e, posteriormente, um
mercado para essas riquezas. Ocorria, assim, a transformação daquilo que é obtido na
natureza em mercadoria. Surgia uma economia de base extrativista voltada para a

estivessem ocupando suas terras ter a propriedade definitiva da mesma, devendo o Estado emitirem-lhes
títulos respectivos.” Para mais informações, vide: CONAQ. Quem somos. 2019. Disponível em:
http://conaq.org.br/quem-somos/. Acesso em: 19 fev. 2019.
exportação de cacau, canela, cravo, castanha, urucum e salsaparrilha, direcionada aos
mercados europeus. Estes produtos oriundos da Amazônia foram chamados de “drogas
do sertão” e podiam ser encontrados tanto em regiões de terra firme quanto nas várzeas
(GOMES, 2018, p. 134).
O ciclo agrícola, fomentado pelas medidas de Marquês de Pombal, somente viria
a ser limitado pelo boom da exploração da borracha a partir da segunda metade do século
XIX. Este ciclo econômico foi responsável por atrair pessoas de diversas regiões para a
Amazônia, principalmente do Nordeste (BENCHIMOL, 1977) 5. Além dos migrantes
nordestinos, outra parcela importante da população não indígena na Amazônia era de
origem estrangeira (OLIVEIRA, Adélia, 1988, p. 96). Isso se dá em decorrência do
financiamento pelo capital internacional da vinda oficial de uma grande parcela de
pessoas, tendo os governos das províncias do Pará e do Amazonas incentivado e
administrado estas migrações internacionais (OLIVEIRA, Adélia, 1988, p. 96). Esta
vinculação entre as províncias e capital internacional possibilitou participação deste
último na dinâmica econômica da região.
O avanço das migrações e da procura pela borracha reuniram condições para a
anexação do atual Estado do Acre ao território brasileiro em 1903 (ALVES, 2005) e uma
consolidação da inserção capital internacional economia amazônica. A expansão da
extração da borracha tornou as relações de exploração do trabalho dos seringueiros ainda
mais complexas, sobretudo com a difusão do sistema de “aviamento”. Este sistema
(WEISTEIN, 1993, p. 39) consiste em uma espécie de crédito concedido ao seringueiro
para a obtenção de instrumentos de trabalho mediante o pagamento com parte da própria
borracha extraída. No auge do ciclo da borracha, as casas de aviamento já estavam nas
mãos do capital estrangeiro (WEISTEIN, 1993, p. 39).

5
As severas secas ocorridas no final da década de 1870 no semiárido nordestino faziam crescer a multidão
de pessoas famintas nas capitais. Sem terem o que comer, sem plantações ou animais, milhares de famílias
migravam para centros urbanos. O governo encontrou no ciclo na borracha uma forma de se livrar dos
miseráveis incentivando-os a migrar para a Amazônia para trabalharem na extração do látex. Estas pessoas
embarcavam no Ceará em navios superlotados em direção a Manaus, e muitas delas morriam durante o
trajeto por fome ou doenças. Ao chegarem, eram acomodadas em armazéns e deveriam lá aguardar serem
escolhidas pelos seringalistas, estes entendidos como donos do seringal, local em que se daria a exploração
da força de trabalho dos seringueiros . Os trabalhadores na Amazônia começavam suas atividades já
endividados, vez que deveriam pagar os custos da viagem, instalações e ferramentas, ficando à mercê dos
demais elementos da cadeia de exportação. Para mais informações, ver: LOUREIRO, Antônio. Amazônia:
10.000 anos. Manaus: Ed. Metro Cúbico, 1982.
Houve um contínuo aumento dos preços da borracha no mercado internacional em
razão da demanda e também da especulação, propiciando um boom do mercado da
borracha (WEISTEIN, 1993, p. 242-243). No entanto, com sucessivos e expressivos
aumentos e quedas entre 1909 e 1910, em maio de 1910 o boom da borracha estancou
(WEISTEIN, 1993, p. 242-243). Embora uma estabilização nos preços fosse esperada em
algum momento, o que se seguiu nos meses e anos posteriores foi uma queda vertiginosa
dos preços da borracha, comprometendo a prosperidade da economia local (WEISTEIN,
1993, p. 242-243). A crise do ciclo da borracha se iniciou em 1910, importando em um
colapso dos elementos e das relações da cadeia econômica colonial que se estabelecia na
Amazônia (WEISTEIN, 1993). O capital estrangeiro evadiu-se de Belém, onde havia
representações de grandes exportadoras estadunidenses e europeias. As elites urbanas, de
Belém e Manaus, viram seus rendimentos despencarem.
Findo o período áureo do ciclo da borracha na primeira década do século XX, a
região conseguiu estabelecer uma dinâmica econômica e de vida que permitiu que as
pessoas lá permanecessem. A partir do início da década de 1940, durante a Segunda
Guerra Mundial, em decorrência de compromissos firmados nos Acordos de Washington,
em 1942 (LIMA, 2013), o Brasil se comprometeu a auxiliar na garantia do fornecimento
de borracha às indústrias, dentre outros produtos, considerando que as plantações da Ásia
estavam muito próximas a zonas de conflito (BRASIL, 1943a). Esse compromisso, em
conjunto com as políticas de Vargas para a Amazônia e ao seu plano de construção da
“nação brasileira”, fez surgir uma política migratória visando aumentar a mão-de-obra
para a extração da borracha (SECRETO, 2007; BRASIL, 1943b). Essa política – ou
campanha de recrutamento – foi dirigida principalmente aos nordestinos e foi chamada
de “Batalha da Borracha” (1942-1945). Os migrantes que se “alistaram”, chamados de
“soldados da borracha”, ganharam status de soldados de guerra (GUILLEN, 1997). As
realidades dos soldados e da região não estiveram presentes nos planejamentos da política
estata, que abandonou os migrantes na Amazônia à própria sorte.
O fracasso da Batalha da Borracha e a cobiça internacional pela Amazônia, em
razão da “imensidão de recursos”, tornaram-se uma força política que culminou na
disposição do artigo 199 da Constituição de 1946 (MARQUES, 2013; OLIVEIRA,
Adélia, 1983), dispondo sobre o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Este
dispositivo constitucional foi regulado pela Lei n. 1.806/1953 (BRASIL, 1953a),
definindo a Amazônia Legal e criando a instituição estatal responsável pela consecução
do Plano de Valorização: a Superintendência para o Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA). Os objetivos gerais da instituição eram: “a) assegurar a ocupação
da Amazônia em um sentido brasileiro; b) constituir na Amazônia uma sociedade
economicamente estável e progressista, capaz de, com seus próprios recursos, prover a
execução de suas tarefas sociais; c) desenvolver a Amazônia num sentido paralelo e
complementar ao da economia brasileira” (SUPERINTENDENCIA DO
DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, 2018).
A criação da Amazônia Legal e a elaboração do Plano de Valorização da
Amazônia demonstraram a persistência de uma imagem fabricada da Amazônia baseada
no mesmo misticismo colonial, que parte de uma concepção sacralizada da natureza e ao
mesmo tempo de reserva de recursos, habitada por seres primitivos (ARBEX, 2015). A
partir de Getúlio Vargas, houve uma centralização política e, em consequência, os
projetos de desenvolvimento da indústria nacional passavam por políticas nacionalistas e
estatistas características do governo Vargas. Neste contexto, é de se presumir que as
riquezas naturais não foram excluídas do processo. Obedecendo às disposições da
Constituição de 1934 (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2018), que determinava que
os recursos do subsolo pertenciam ao Estado e não mais ao particular, foram criadas as
empresas públicas Petróleo Brasileiro (PETROBRAS), pela Lei n. 2.004/1953 (BRASIL,
1953b), e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) 6, pelo Decreto-Lei n. 4.352/1942
(BRASIL, 1942), para explorar as reservas minerais existentes em território brasileiro.
Para o país, planos de integração e desenvolvimento com programas
especialmente voltados para a Amazônia foram criados nos anos que se seguiram com os
mais diversos nomes, mas com as mesmas características. Em 1966 o governo dá
prosseguimento ao plano de integração do território de Vargas, e tem início a “Operação
Amazônia”, lançada em Macapá, capital do então Território Federal do Amapá7
(SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, 1968). Em seu
discurso, Castelo Branco afirmou que a Amazônia, não fossem suas águas, poderia ser
uma réplica da região Nordeste pela pobreza existente na região. Para progredir com
segurança, eram necessárias as seguintes medidas (SUPERINTENDÊNCIA DO

6
Atualmente a Vale S.A.
7
Atualmente o Estado do Amapá.
DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, 2018): “a) [...] transformar a economia da
Amazônia; b) fortalecer áreas de fronteira”; e c) integrar a Amazônia ao território
nacional. A Lei n. 5.173/1966 extinguiu a SPVEA e criou em seu lugar a
Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). O Plano de
Valorização da Amazônia teve seu objetivo alterado para “promover o desenvolvimento
autossustentado da economia e o bem-estar social da região amazônica, de forma
harmônica e integrada na economia nacional” (BRASIL, 1966).
O Plano objetivava alcançar o desenvolvimento mediante o atendimento de uma
orientação básica definida texto legal que incluía, em geral, o levantamento das zonas e
atividades a serem exploradas e desenvolvidas, incentivos fiscais na tentativa de atrair
capital nacional e internacional, medidas para fomentar o povoamento e a previsão de
uma administração centralizada realizada com contribuições do setor privado e fontes
externas8. A SUDAM atuaria principalmente mediante a concessão de empréstimos e
incentivos fiscais (COELHO, M., 1998, p. 18). Em outras palavras, o Estado se
encarregaria de identificar e localizar espacialmente a atividade que pudesse ser exercida
e criar todas as condições necessárias para executá-la, cabendo à iniciativa privada
usufruir da condição a ela fornecida.
Neste contexto, o Estado sempre ignorou os povos da natureza e inseriu seus
territórios nos projetos de desenvolvimento. Até 1988, a política ambiental brasileira
caracterizou-se pela demarcação de áreas protegidas em razão da necessidade de se
reservar recursos para o futuro, não pelo valor intrínseco da natureza ou para que os povos
pudessem ali permanecer, mas para que dela se pudesse tirar proveito em tempos
vindouros (FRANCO; DRUMMOND, 2009; DIEGUES, 2001).
A análise do histórico de colonização e das ações do Estado brasileiro permite
verificar a disposição da Amazônia como terra vazia. O Estado inventou uma Amazônia
utilizando de sua estrutura normativa para possibilitar a implementação destes projetos
de desenvolvimento, que se revelam uma continuidade da colonização da metrópole,
ignorando a sociobiodiversidade. Dentre estes projetos, destaca-se o Corredor Carajás
que, sendo parte importante do Projeto Ferro Carajás e consequentemente do Programa
Grande, situou atividades planejadas pelo Estado brasileiro para a região.

8
As diretrizes básicas estão previstas no artigo 4º da Lei n. 5.173/1966.
2 CORREDOR CARAJÁS: A ESTRADA DE FERRO CARAJÁS E O
CORREDOR DE EXPORTAÇÃO
Diante de todos os projetos de desenvolvimento planejados para a região
amazônica baseados na mineração e na sua indústria de transformação e beneficiamento,
era necessária uma estrutura capaz de dar vazão aos resultados das atividades. Como
principal via de escoamento da produção minerária e outros projetos de sua cadeia, a
Estrada de Ferro Carajás (EFC) foi inaugurada oficialmente em 1985 e, desde então, leva
a produção das “minas do Sistema Norte na região de Carajás, no Pará, ao terminal
marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão” (VALE, 2018). A ferrovia
tem 997 km de extensão desde as minas em Carajás até o complexo do terminal marítimo
de Ponta da Madeira, que foi construído especialmente para o escoamento da produção.
A maior parte de seu trajeto está na Amazônia maranhense. Transportando precipuamente
minério de ferro, a responsabilidade pela gestão da ferrovia é atualmente da VLI
Multimodal S.A (VLI, 2018b), da qual a Vale é acionária (VLI, 2018a). Transporta
também soja, combustível e fertilizantes (CENTRO DE TECNOLOGIA MINERAL,
2013). Segundo dados da Vale,

[...]a estrada de ferro EFC transportou diariamente em média


473,7 mil toneladas métricas de minério de ferro e 30,2 mil
toneladas métricas de outras cargas. A EFC também transportou
246 mil passageiros em 2017. A EFC opera o trem de maior
capacidade na América Latina, que mede 3,5 quilômetros de
extensão e tem um peso bruto de 41,67 mil toneladas métricas,
quando carregado com 330 vagões. Em 2017, tínhamos uma frota
de 303 locomotivas e 20.209 vagões, que eram operados pela
Vale e terceirizadas (VALE, 2018).

Foi a principal estrutura do Projeto Ferro Carajás, iniciado em 1970 para


exploração mineral na Serra dos Carajás, a ferrovia foi tida como prioridade dos
investimentos da Companhia Vale do Rio Doce no período compreendido entre 1970 e
1990 (COELHO, T., 2014). O Projeto Ferro Carajás teve orçamento inicial de US$ 22,5
bilhões (PINTO, 1982). A Companhia Vale do Rio Doce foi auxiliada por empresas
internacionais na prospecção e no estudo de viabilidade na exploração mineral em Carajás
(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1981; OLIVEIRA, Adalberto, 2004).
Em 1979, a Companhia Vale do Rio Doce obteve empréstimos junto ao Banco
Mundial e, em 1983, a infraestrutura básica de operação do complexo de exploração do
Projeto Ferro Carajás já estava construída (COELHO, T., 2014). A Companhia Vale do
Rio Doce obteve em 1986 o direito real de uso de glebas de terra de domínio da União de
411.948,85 hectares pela Resolução 331/1986 (BRASIL, 1991), confirmado
posteriormente pelo Decreto 97/1995 (FAUSTINO; FURTADO, 2013). Esta área foi
convertida na Floresta Nacional de Carajás em em 1998 (BRASIL, 1998) e foi garantida
a continuidade da exploração à Companhia Vale do Rio Doce (FAUSTINO; FURTADO,
2013), mesmo após sua privatização.
A construção do complexo de exploração e de sua infraestrutura de escoamento
foi concretizada por meio de recursos públicos, com utilização de valores da estatal
Companhia Vale do Rio Doce e tendo concessão de uso e exploração dada pelo governo.
Inclusive a posterior privatização da Companhia Vale do Rio Doce foi possibilitada
graças ao crédito fornecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social ao consórcio vencedor do leilão, Consórcio Brasil 9 (COELHO, T., 2014). Destaca-
se que o embasamento legal que possibilitou o Projeto Ferro Carajás foi o Decreto-Lei n.
227, de 1967, responsável por alterar o Código de Minas de 1940, e a autorização para
extração e exploração mineral da Serra do Carajás é constituída por 6 Portarias de Lavra
e exploração10.
De forma a aproveitar todo o potencial econômico das áreas influenciadas pelo
Projeto Ferro Carajás, na década de 1980 o Estado brasileiro cria o Programa Grande
Carajás. Este programa, dentre todos os projetos e programas de desenvolvimento
voltados à Amazônia que desconsideraram a sociobiodiversidade, é o mais representativo
dos esforços do Estado brasileiro e do capital na porção oriental para dominar a natureza
e suas gentes. Por intermédio deste Programa, o Estado brasileiro destinou uma área de
mais de 900.000 km2 a projetos de mineração a serem executados por empresas nacionais
e internacionais, se tornando um dos maiores campos de mineração do mundo
(INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS, 2014).
Planejado de forma a aproveitar a estrutura da Rodovia Belém-Brasília e outras
rodovias federais decorrentes de projetos estatais de desenvolvimento anteriores e
previsto pelo Decreto-Lei n. 1.813/1980, o Programa Grande Carajás consistiu em um

9
O consórcio inicialmente foi liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional com participação de empresas
privadas em menores partes.
10
Informação obtida mediante o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão com protocolo
de solicitação de n. 48700005316201864 datada de 14 de novembro de 2018, atendida parcialmente em
razão de informação sigilosa.
“regime especial de concessão de incentivos tributários e financeiros para os
empreendimentos incluídos no programa, a ser desenvolvido na área localizada ao norte
do paralelo de 8º (oito graus) e entre os rios Amazonas, Xingu e Parnaíba,” abrangendo
áreas dos estados do Pará, Tocantins e Maranhão (BRASIL, 1980b). Foi formado a partir
da reunião dos projetos de desenvolvimento já previstos pelo POLAMAZÔNIA 11,
especialmente os projetos “Ferro Carajás, Albrás, a Alunorte, a Alumar e a Usina de
Tucuruí” (MONTEIRO, 2005, p. 190), todos em execução e funcionamento de forma
ordenada.
O Programa Grande Carajás foi concretizado pelo governo de João Figueiredo,
durante a ditadura militar, e foi “plano geral integrado” pensado para possibilitar o
direcionamento em conjunto de políticas e incentivos para os projetos incluídos no
programa e que tinham como base a exploração mineral na Serra dos Carajás. Ou seja, o
programa objetivava possibilitar a exploração em conjunto dos potenciais mineral,
hidroelétrico, florestal e agrícola, além da criação de outros grandes projetos industriais
relacionados a esses eixos de exploração (KOHLHEPP, 1989). O Estado brasileiro
assumiu o ônus da implantação da infraestrutura de transporte e energética, com a
execução de outros projetos que deveriam garantir as condições para as atividades dos
projetos compreendidos pelo Programa (PENHA; NOGUEIRA, 2015; IBASE, 1983). O
fornecimento dessas condições envolveu desde a extração mineral e florestal, instalação
de indústrias de transformação, geração da energia necessária, garantia de mão de obra,
até toda a infraestrutura de transporte para exportação.
Conforme o Decreto-lei n. 1.813/1980, além dos incentivos fiscais e financeiros,
o Programa Grande Carajás contou com um investimento inicial de US$ 62 bilhões
(PINTO, 1982). No entanto, o decreto não especifica os projetos que foram
compreendidos e beneficiados pelo Programa. Apenas menciona dentre os “projetos com
prioridade” a Estrada de Ferro Carajás, o sistema de infraestrutura portuária para
recebimento e exportação das extrações de Carajás recebidas pela ferrovia e o

11
A fim de melhor direcionar os investimentos e políticas para o desenvolvimento da Amazônia, foi criado,
pelo Decreto n. 74.607/1974, o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
(POLAMAZÔNIA), com o objetivo de “promover o aproveitamento integrado das pontencialidades
agropecuárias, agroindustriais, florestais e minerais, em áreas prioritárias da Amazônia”, conforme texto
do decreto. O POLAMAZÔNIA foi o projeto para facilitar a “territorialização” dos grandes monopólios
possibilitados pelo governo militar na Amazônia. Para maiores detalhes ver: OLIVEIRA, Ariovaldo
Umbelino de. Integrar para não entregar: políticas públicas e Amazônia. 2. ed. Campinas: Papirus, 1991.
p. 92.
“aproveitamento hidrelétrico das bacias hidrográficas” da região. Outos projetos foram
incluídos por meio de decisão do Conselho Interministerial, conforme previsto pelo
Decreto n. 85.387/1980 12 (BRASIL, 1980a).
Os projetos contemplados dentro do Programa, incluídos minero-metalúrgicos,
agropecuários, de colonização e de reflorestamento, tinham como base a exploração
mineral na Serra dos Carajás, a ser realizada pela Companhia Vale do Rio Doce, e tiveram
uma função de apoio ao Projeto Ferro Carajás (COELHO, T., 2014). Neste período, este
projeto era o principal plano de mineração e metalurgia dentre aqueles pensados e
executados em decorrência da influência do capital transnacional (COELHO, T., 2014).
A importância da Estrada de Ferro Carajás para o Programa Grande Carajás se
revela no “Corredor Carajás”, consistente nas faixas às margens da estrutura responsável
por abrigar os projetos auxiliares nos setores minero-metalúrgicos, reflorestamento,
agropecuários e de colonização, inicialmente de 100km e que depois foi expandida
(OLIVEIRA, Adalberto, 2004). O Programa Grande Carajás tornou possível o
estabelecimento de empresas cujos produtos são ferro-gusa e outras ligas metálicas na
região. Neste contexto, foi instalado às margens da Estrada de Ferro Carajás o Polo
Siderúrgico de Carajás, que se estende ao longo da ferrovia, destinado à produção de
ferro-gusa e demais atividades industriais e extrativistas de apoio ao Projeto Ferro Carajás
(OLIVEIRA, Adalberto, 2004). É o maior centro produtor de ferro e ferro-gusa do mundo
(BRASIL, 2018b). A Estrada de Ferro Carajás abastece o polo siderúrgico e também
escoa a sua produção. A cadeia de produção do ferro-gusa abrange os municípios de
Açailândia (MA), Bacabeira (MA), Pindaré-Mirim (MA), Marabá (PA), Parauapebas
(PA) e São Luís (MA) (BRASIL, 2018b), todos no Corredor Carajás. A energia necessária
ao desenvolvimento destes projetos e estruturas foi obtida mediante a construção da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí (UHE Tucuruí), localizada no Município de Tucuruí, Estado do
Pará 13, cujo projeto também foi contemplado pelo Programa Grande Carajás.

12
Este Conselho foi o responsável pela coordenação e execução, “de forma integrada”, das medidas
necessárias à consecução do Programa Grande Carajás. Criado pelo Decreto n. 85.384/1980, o Conselho
foi composto pelo Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, órgão
vinculado diretamente à Presidência, que chefiaria o Conselho; e pelos ministros das Minas e Energia, dos
Transportes, da Indústria e Comércio, da Fazenda, do Interior, da Agricultura e do Trabalho.
13
A usina foi custeada integralmente com recursos públicos e sua construção foi iniciada em 21 de
novembro de 1975 com o objetivo de fornecer a “estrutura energética necessária para atender o polo minero-
metalúrgico que seria instalado no oeste do Pará” ELETROBRÁS. Eletronorte. Tucuruí. 2018. Disponível
em: http://www.eletronorte.gov.br/opencms/opencms/aEmpresa/regionais/tucurui/. Acesso em: 25 nov.
De forma paralela à instalação da estrutura de exploração na Serra dos Carajás,
também foram criadas zonas industriais do Programa Grande Carajás: Barcarena (PA),
Marabá (PA), Serra de Carajás (PA), São Luís (MA), Tucuruí (PA) e Imperatriz (MA)
(BRASIL, 1981). Estas áreas industriais foram estendidas em atenção aos projetos que
seriam instalados. O estabelecimento destas áreas industriais tornou possível a execução
dos projetos na Amazônia Oriental pensados e planejados para exploração da bauxita,
alumina e alumínio (IBASE, 1983): Alcoa e Albrás-Alunorte. A primeira, Alcoa,
localizada em São Luís/MA, e a segunda, Albrás-Alunorte, localizada nas proximidades
da Bacia Hidrográfica Araguaia-Tocantins, quase às margens do Rio Tocantins em
Barcarena/PA. Mesmo que as questões atinentes aos impactos ambientais tenham sido
aventadas no período de implementação dos projetos, somente foram percebidas de forma
isolada e pontual sem a participação e oitiva das populações afetadas nos processos
decisórios e de execução, conforme se verá no próximo item (VALVERDE, 1989;
IBASE, 1983).
Para entender melhor como os projetos e iniciativas relacionados ao Corredor
Carajás se inter-relacionam na esfera estatal, tem-se a estrutura abaixo:

Figura 1: até a década de 1970 Figura 2: A partir da década 1980, com o


Programa Grande Carajás

POLAMAZÔNIA
Projeto Ferro
Carajás
Outros (inclindo a
projetos EFC)
Polamazônia
Projeto Ferro
Carajás Projetos de
colonização
(agropecuária
e
agroindústriai
s)

Estrada de Ferro
Carajás

Programa Grande Carajás

Fonte: as autoras, 2020. Fonte: as autoras, 2020.

2018. Para maiores informações ver: INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E


ECONÔMICAS – IBASE. Carajás: o Brasil Hipoteca seu futuro. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
Embora tenha sido extinto em 1991 por Fernando Collor, por meio do Decreto de
5 de setembro de 1991, o Programa Grande Carajás terminou apenas em termos
normativos, vez que as atividades continuam a ser desenvolvidas, com a continuidade do
direcionamento de benefícios fiscais e as concessões de crédito (MONTEIRO, 2005).
Mesmo após o seu término oficial, o Programa Grande Carajás foi responsável por
consolidar uma política nacional de valorização dos ‘recursos naturais’ e o
direcionamento de recursos públicos para a execução de projetos privados (MONTEIRO,
2005). Este movimento acompanha uma estruturação produtiva internacional, imposta
mediante um discurso desenvolvimentista iniciado no Brasil com Getúlio Vargas e
consolidado a partir da segunda metade do século XX (SILVEIRA, 2019).
A maior parte das mineradoras e siderúrgicas instaladas continuam na área de
abrangência do Programa Grande Carajás. Em operação desde então, os projetos minero-
metalúrgicos que integram ou foram favorecidos pelo Programa Grande Carajás têm sido
apresentados como motores do desenvolvimento regional e nacional (VALE, 2017). A
Estrada de Ferro Carajás é estrutura de outros projetos de desenvolvimento e integração
nacionais e internacionais pensados para a Amazônia, como a Iniciativa para a Integração
da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA), que desconsideram contextos
socioambientais (SILVEIRA, 2020). Esta iniciativa incluiu a Estrada de Ferro Carajás em
uma estrutura multimodal para o escoamento da produção agropecuária e industrial das
outras regiões do país para exportação, além de possibilitar uma integração entre os
mercados dos países da América do Sul. Ou seja, inclui a região na mesma dinâmica em
curso em outros países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos: criação e ampliação
de corredores de exportação de commodities 1 (KATO, 2019).
Os projetos de exploração mineral do Programa Grande Carajás estão em sua
maior parte localizados no Estado do Pará, cuja produção, no ano de 2017, foi em maior
parte de minério de ferro (DNPM, 2017). Segundo relatório do Departamento Nacional
de Produção Mineral, o aumento da produção de minério de ferro é decorrência do início
das atividades de exploração da nova mina de ferro S11D da Vale, que está situada no
município de Canaã dos Carajás (DNPM, 2017). A Vale registrou, em 2017, um lucro
líquido de US$ 5,507 bilhões, bem superior ao de 2016, com US$ 3,982 bilhões (VALE,

1
Para maiores informações ver: KATO, Karina Yoshie Martins. Traçando a saída para o desenvolvimento:
o caso do Corredor de Nacala em Moçambique. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 27, n. 2, p. 229-254,
jun. 2019.
2018). Os minérios extraídos são transportados pela Estrada de Ferro Carajás, construída
exclusivamente para o seu transporte até as siderúrgicas e metalúrgicas, localizadas na
porção leste do Pará (COELHO, M., 2000, p. 151) e oeste do Maranhão. Esse setor é
apresentado como um dos motores econômicos do país e sua estrutura de exploração
como um modelo de eficiência e rentabilidade. Destaca-se que todo o setor se instalou e
opera mediante incentivos fiscais consistentes em regime especial de tributação para
estímulo à exploração e exportação concedidos pelo Estado brasileiro.
A Estrada de Ferro Carajás e os projetos minero-metalúrgicos localizados às suas
margens foram pensados a partir da mesma lógica colonial persistente desde a
colonização, vistos que são orientados para exportação e ignoram as dinâmicas locais já
existentes. Ao mesmo tempo que em as estruturas são apresentadas como extremamente
rentáveis e vantajosas para a sociedade nacional, de forma contrária os profundos danos
causados sobre natureza amazônica e seus povos são ignorados e invisibilizados. Os
impactos importaram em violações de direitos coletivos na época de implementação,
cujas consequências se alastram no tempo e condicionam parte da população,
especialmente povos e comunidades tradicionais, à marginalização e comprometem suas
condições de vida.

3 OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS NO CORREDOR CARAJÁS


Quando do planejamento e construção da Estrada de Ferro Carajás, em
decorrência da implementação dos projetos do Programa Grande Carajás, os impactos
ambientais foram concebidos de maneira pontual e isolados de sua dimensão social. A
alocação dos projetos agropecuários e agroindustriais, também previstos pelo Programa
Grande Carajás em toda área de abrangência, incluindo as proximidades da Estada de
Ferro Carajás, foi realizada como se as terras fossem “vazias” (PINTO, 1982).
Isso acirrou os conflitos já existentes em decorrência da implementação de outros
projetos desenvolvimentistas anteriores, como a construção de rodovias, especialmente
as Rodovias Belém-Brasília e Transamazônica, e projetos de colonização e distribuição
de terras, como a Lei Sarney de Terras do Maranhão (SILVEIRA, 2019). Frisa-se que os
projetos de colonização que consistiam no assentamento de famílias em terras rurais
foram de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) em âmbito federal. No entanto, não ocorreu uma redistribuição de terras ou uma
política de acesso à terra por aqueles que dela necessitavam, mas sim mecanismos de
concentração fundiária pela multiplicação de latifúndios e empresas rurais (SILVEIRA,
2019).
À época da instalação do Projeto Ferro Carajás, a imprensa nacional e
internacional, organizações não governamentais e pesquisadores denunciaram a presença
de povos indígenas na área do projeto, inclusive no trajeto da ferrovia, e que seus direitos
não estavam sendo considerados pelo Estado brasileiro e pelas agências relacionadas ao
Programa Grande Carajás (OLIVEIRA, Adalberto, 2004). Estas denúncias importaram
no condicionamento, pelas agências de fomento internacionais, de novos recursos para o
projeto em atenção aos povos indígenas, considerando, em especial, a demarcação de suas
terras (OLIVEIRA, Adalberto, 2004).
Essas condições resultaram na realização de um convênio entre a Companhia Vale
do Rio Doce e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), cujo objeto foi o fornecimento
de apoio financeiro da mineradora à fundação estatal para garantir as condições de
sobrevivência dos povos indígenas impactados direta ou indiretamente pelo Projeto Ferro
Carajás, mediante a prestação de ações assistenciais. Embora a maioria dos povos
impactados tenha sido desconsiderada no início da implementação dos projetos, de forma
geral, o “Convênio CVRD-Funai” contemplou aproximadamente 90 aldeias, 24 postos
indígenas e uma população de cerca de 12.500 índios, distribuídos pelos estados do
Maranhão, Pará e Tocantins (OLIVEIRA, Adalberto, 2004). No entanto, estes números
não representam a realização de uma efetiva assistência ou reparação às comunidades
indígenas.
O Convênio somente foi celebrado em razão de pressões e condicionantes
impostas para a continuidade do projeto, e em seu planejamento e execução não abarcou
a diversidade dos atores sociais envolvidos. Também não considerou as peculiaridades
socioculturais de cada povo indígena (OLIVEIRA, Adalberto, 2004). Esta situação ilustra
a dinâmica dos demais processos e fases do planejamento e execução do Programa
Grande Carajás, especialmente relacionados ao Corredor Carajás, enquanto estrutura do
Projeto Ferro Carajás.
Embora a proteção do território dos povos indígenas estivesse incluída nas
condições para financiamento internacional ainda que sem a participação de lideranças
nos debates, as demarcações das terras indígenas estavam inseridas em contextos locais
de disputa por terra e violências contra os povos, fragmentando e comprometendo seus
territórios de vida. Essas dinâmicas já eram resultantes de projetos estatais anteriores e
que foram se aprofundando com a sobreposição de ações sem medidas de mitigação.
Necessário ressaltar que as áreas demarcadas não correspondem à totalidade dos
territórios dos povos indígenas, mas apenas a uma fração deles, e que no período de
implementação do Programa era a porção que não comprometia a construção dos
empreendimentos.
“Como se não existissem” (PINTO, 1982), os territórios de vida de povos
indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais foram desconsiderados no traçado da
ferrovia. Em seu percurso maranhense, a Estrada de Ferro Carajás tangencia terras
indígenas de maneira comprometedora. Alguns povos estavam em isolamento ou eram
de recente contato, como algumas comunidades Awá-Guajá (SILVA; SOBREIRO,
2018). Aos outros povos tradicionais sequer foi direcionada a mesma ‘atenção’ dedicada
aos povos indígenas, que tiveram parte de seu território demarcado ou foram
compulsoriamente realocados de acordo com os interesses dos projetos (OLIVEIRA,
Adalberto, 2004; PINTO, 1982). Muitas comunidades tradicionais foram expulsas para
possibilitar a construção da ferrovia e porto nas formas já planejadas. Algumas com a
promessa de realocação e assistência, sendo esta última insuficiente e/ou inexistente em
grande parte das vezes que ocorreu (MARGULIS, 1990). Outras comunidades
tradicionais tiveram seu território atravessado pelo traçado da ferrovia, sendo incluídas
compulsoriamente no corredor de exportação e suas dinâmicas, como o território
quilombola de Santa Rosa dos Pretos (PIRES; BRUSTOLIN, 2018).
O que se verifica dos impactos da implantação do Programa Grande Carajás,
especialmente dos projetos que compõem o Corredor Carajás, é que se acumulam e
formam uma rede de retroalimentação, onde o caráter permanente e contínuo dos danos
acarreta o aprofundamento daqueles já existentes, gerando mais impactos e violações de
direitos. Essa imposição rápida de transformação nas dinâmicas de produção da região
gerou a corrosão dos tecidos sociais, políticos e econômicos das comunidades,
prejudicando os seus modos de vida e comprometendo a própria sociobiodiversidade da
região. Esta combinação de dinâmicas e impactos resultaram no cenário atual maranhense
de conflitos agrários e perda de 80% da floresta amazônica nos últimos 70 (setenta) anos
(SILVA JUNIOR et. al., 2020). O que resta da Amazônia maranhense se deve aos espaços
territoriais especialmente protegidos e territórios de povos indígenas, não havendo
floresta fora destes espaços (SILVA JUNIOR et. al., 2020). Ainda, da parte remanescente
da floresta, porção significativa já está devastada e comprometida por atividades ilegais,
como o desmatamento, que acabam por expor as comunidades a doenças e outros males
(SILVA JUNIOR et. al., 2020).
Quase 40 (quarenta) anos depois do início da construção da Estrada de Ferro
Carajás e execução das atividades do Corredor Carajás, os danos e impactos causados aos
povos e comunidades tradicionais não foram mitigados. O fluxo de trens e seus vagões
de carga na Estrada de Ferro Carajás, recentemente duplicada, continua a provocar
diariamente atropelamento de animais e pessoas, ocasionando mortes, além de danos às
estruturas das moradias das comunidades, aterro de igarapés, poeira, poluição por
partículas de minério de ferro, supressão vegetal das áreas destinadas à roça e outras
preservadas pelas próprias comunidades, comprometimento da caça, dentre outros
prejuízos (REPÓRTER BRASIL, 20[18]). Além dos impactos do trânsito de vagões, a
expansão do cultivo de eucalipto para o abastecimento dos altos-fornos das usinas
siderúrgicas instaladas no Corredor Carajás 2 também provoca danos sobre comunidades
já afetadas.
Estando em regiões úmidas e férteis, como é a região do trajeto da Estrada de
Ferro Carajás, as terras são consequentemente mais caras e inacessíveis a parcelas mais
pobres. Além disso, a demanda por água e a redução da biodiversidade afetam
diretamente comunidades indígenas e tradicionais que vivem de atividades extrativas e,
portanto, que muito fortemente dependem da complexa interação da biodiversidade para
sua própria manutenção (REPÓRTER BRASIL; ROSA LUXEMBURGO, 2011).
Por grande parte do trajeto da Estrada de Ferro Carajás, especialmente na porção
próxima aos parques industriais, podem ser vistas as grandes áreas de pastagens que
deram lugar a imensas áreas de florestas de eucalipto. Como toda monocultura de grandes

2
Para cada tonelada de ferro-gusa são necessários, em média, 1,6t de minério de ferro, 100kg de calcário,
40kg de manganês, 65kg de quartzito e cerca de 875kg de carvão vegetal para combustão. Isso significa
que para manter a produção anual de ferro-gusa de Açailândia, de cerca de 1 milhão de toneladas, são
necessários pelo menos o desmate de 35 mil ha/ano. O custo de cultivo e manutenção da monocultura de
eucalipto, cerca de R$ 2.000-R$ 3.000/ha, é muito inferior ao custo da mesma atividade em uma floresta
nativa complexa, como a amazônica, além de demandar menor estrutura logística. Para maiores
informações, ver: HOMMA, Alfredo Kingo Oyama; ALVES, Raimundo Nonato Brabo; MENEZES,
Antônio José Elias Amorim de. Guseiras na Amazônia: perigo para a floresta. Ciência Hoje, v. 9, n. 233,
p. 56-59, [2006]. Disponível em:
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/45776/1/Guserahomma.pdf. Acesso em: 4 dez. 2019.
proporções, estes cultivos caracterizam-se pela inexistência de biodiversidade, já que as
plantas em geral possuem uma mesma matriz genética, ou seja, derivam de uma mesma
árvore. Além disso, o uso intensivo de aditivos químicos para adequar o solo ao plantio,
e de agrotóxico para o combate de animais que prejudicariam a produção desejada,
produzem uma reação em cadeia que extrapolam os limites do cultivo. O uso dessas
técnicas acaba por contaminar o solo e a água e gera uma espécie de ‘seleção artificial’
de animais resistentes aos venenos, demandando produtos mais ‘eficazes’ para combatê-
los (SILVEIRA, 2019).
Mesmo que o planejamento e a implementação do Programa Grande Carajás e do
Projeto Ferro Carajás, assim como da construção da Estrada de Ferro Carajás, tenha se
dado em um contexto jurídico diverso do presente no que tange aos direitos
socioambientais dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais, tem-se ainda
nos dias de hoje um cenário de ausência de titulação dos territórios quilombolas e de
regularização fundiária de territórios das demais comunidades tradicionais, além de
tentativas de redução de área e invasão de terras indígenas demarcadas. Essa situação faz
perdurar a vulnerabilidade de seus territórios com a consequente violação de disposições
constitucionais que os protegem. Além disso, há a contaminação dos solos, ocasionada
pelo tráfego de trens da ferrovia e pelos processos industriais e produtivos da região, o
que acaba por também comprometer a segurança alimentar e a saúde desses povos e
comunidades.
A partir de 1988, foram constitucionalmente garantidos os direitos coletivos de
povos indígenas, quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Foram textualmente
reconhecidos o direito à autodeterminação dos povos (art. 4, inciso III), o direito dos
povos indígenas de continuarem a ser povos em seus respectivos territórios (art. 231) e o
direito à territorialidade dos povos remanescentes de quilombos (art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias). O meio ambiente foi disposto como direito
garantido, gerando um dever de proteção por parte de toda a coletividade (art. 225).
Também o Estado brasileiro passou a ser signatário de convenções internacionais, como
a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que objetivam
garantir os direitos coletivos aos povos indígenas e comunidades tradicionais (BRASIL,
1988). Partindo destas disposições, os empreendimentos instalados devem atentar para os
impactos à natureza e aos seus povos e comunidades. Ainda que concebidos em separado
dentro do texto constitucional, os direitos coletivos dos povos e a necessidade de proteção
à natureza simbolizam um avanço no debate sobre a forma predatória do sistema de
produção capitalista.
Diante deste cenário, como os impactos causados por esses projetos podem ser
reparados por meio da legislação vigente? O Estado tem agido para reparar ou mitigar os
impactos causados pelos projetos anteriores a 1988? Como o Estado tem agido em relação
àqueles projetos implementados a partir da previsão constitucional dos direitos e deveres
de proteção à natureza e aos seus povos?
Para obras e atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do
meio ambiente, exige-se a realização, para a concessão de licenças ambientais3, por
exemplo, do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) 4 e do Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA). Com isso, torna-se possível a obtenção de informações sobre os possíveis danos
decorrentes de um determinado projeto, possibilitando que sejam avaliados e
fundamentem uma decisão do Estado a respeito da execução – ou não – da atividade
pretendida (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2009). Considerando a necessidade
de compreensão sistêmica do ordenamento jurídico, é de se esperar que o EIA/RIMA
contemple também aspectos relacionados a povos indígenas e outras comunidades
tradicionais, ou seja, deve observar os direitos constitucionais garantidos e contemplar
também a consulta prévia, livre e informada, expressa na Convenção 169 da OIT.
Se instalados antes da promulgação da Constituição de 1988, empreendimentos
desenvolvidos no Corredor Carajás devem ter seus impactos e danos reavaliados para a
continuidade dos efeitos da Licença de Operação concedida. Embora não seja possível a
exigência de um Estudo de Impacto Ambiental a posteriori, em decorrência do caráter
preventivo do instrumento e, portanto, anterior à obra (BRASIL, 2012d; BENJAMIN,
2011), isso não desobriga o empreendimento da adoção de medidas que evitem e/ou
mitiguem os danos causados, além da necessidade de acompanhamento dos impactos da
atividade e informação dos órgãos competentes em caso de eventual possibilidade ou

3
São elas Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação.
4
Necessário atentar que, embora o meio ambiente como direito fundamental esteja disposto na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, trazendo o Estudo Prévio de Impacto Ambiental como dever, o
Estudo de Impacto Ambiental é instrumento anterior ao texto constitucional. A Constituição o trouxe como
dever do Poder Público para assegurar o direito ao meio ambiente sadio. Neste sentido, o instrumento se
vincula à dimensão ambiental que compõe o direito socioambiental, juntamente com os direitos dos povos
e comunidades tradicionais.
ocorrência de dano. Embora aplicável especificamente a obras do setor de geração de
energia, essa imposição normativa, que encontra respaldo no artigo 12, parágrafo 5º, da
Resolução CONAMA n. 6 de 1987, pode ser estendida a outras atividades igualmente
impactantes em razão do dever atribuído não apenas à coletividade, mas também, e
principalmente, ao Poder Público de proteger o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, em toda a sua extensão e significado (art. 225 da Constituição).
Se povos indígenas e comunidades tradicionais entenderem que o
empreendimento lhes afeta, estes devem ser consultados a respeito da continuidade da
atividade e/ou das medidas de mitigação dos impactos a serem adotadas em consulta livre
e informada, da forma preconizada na Convenção 169 da OIT. De igual maneira, a
ausência do caráter prévio não deve afastar a obrigatoriedade do Estado brasileiro em
consultar, vez que é sobre este que recai a responsabilidade pelos impactos já impostos
aos povos em decorrência das ações executadas para a implementação do Programa
Grande Carajás como um todo.
Neste sentido, faz-se necessário realizar estudos, na forma mencionada acima,
com a realização de consulta aos povos e comunidades afetados, para mensurar os
impactos dos empreendimentos instalados antes de 1988 e localizados no Corredor
Carajás. Isso poderá subsidiar a tomada de ações efetivas para mitigação dos impactos e
dos danos já provocados.
Para obras e empreendimentos instalados após a promulgação da Constituição
brasileira, exige-se a realização de Estudo de Impacto Ambiental atentando para o
respeito aos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. No entanto, lesões a
estes direitos continuam a ocorrer e são objeto de demandas em curso no Poder Judiciário.
A Estrada de Ferro Carajás e sua duplicação são alvo de diversas ações civis públicas
(ACP), dentre as quais destacam-se as ações de n. 0044458-36.2016.4.01.3700 (BRASIL,
2016), 0112334-42.2015.4.01.3700 (BRASIL, 2015b), 0026295-47.2012.4.01.3700
(BRASIL, 2012a) e 0061827-77.2015.4.01.3700 (BRASIL, 2015a), todas em trâmite
perante a Justiça Federal da Seção Judiciária do Maranhão.
As ações civis públicas de n. 0112334-42.2015.4.01.3700 (BRASIL, 2015b) e
0044458-36.2016.4.01.3700 (BRASIL, 2016), ambas ajuizadas pelo Ministério Público
Federal, objetivam que a Vale S/A e ANTT sejam compelidas a cumprir obrigações de
fazer consistentes em executar obras necessárias à segurança no acesso e na transposição
da linha férrea a pessoas e veículos, de modo a evitar mortes e atropelamentos nas
comunidades afetadas.
Já as ações civis públicas de n. 0026295-47.2012.4.01.3700 (BRASIL, 2012a) e
0061827-77.2015.4.01.3700 (BRASIL, 2015a) tratam acerca de vícios no processo de
licenciamento ambiental da duplicação da Estrada de Ferro Carajás. A primeira ação, de
n. 0026295-47.2012.4.01.3700, foi ajuizada pela Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pelo Centro da Cultura Negra
do Maranhão (CCN) em face da Vale S/A e do IBAMA, com o objetivo de ser
determinado em sede de antecipação de tutela, dentre outros pedidos, a suspensão
imediata do processo de licenciamento ambiental e das “reuniões públicas” agendadas,
dentre outras ações, por evidencias de nulidades no processo em decorrência de
inobservância do dever estatal de consulta prévia, livre e informada das comunidades
tradicionais (indígenas e quilombolas) impactadas pelo empreendimento (BRASIL,
2012c, p. 1-2). A segunda ação civil pública, de n. 0061827-77.2015.4.01.3700, foi
ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da Vale S/A, IBAMA e FUNAI, com
objetivo de ver declarada a nulidade do processo de licenciamento da duplicação da
Estrada de Ferro Carajás em razão da não observância da consulta prévia ao povo Awa-
Guajá, diretamente afetado pelo empreendimento. Em sede de antecipação de tutela em
ambas as demandas, as obras foram suspensas na tentativa de se evitar maiores danos aos
povos atingidos.
Em face da decisão inicial nos autos da ação civil pública de n. 0026295-
47.2012.4.01.3700, a Vale S/A ajuizou junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF 1ª Região) Suspensão de Liminar de Antecipação de Tutela de n. 0056226-
40.2012.4.01.0000 BRASIL, 2012b) com o objetivo de suspender os efeitos da decisão
do juízo de primeira instância. Em sede de cognição sumária pelo desembargador
presidente do tribunal, o pedido liminar foi concedido 5 (BRASIL, 2012c). Necessário

5
Para fundamentar a decisão de concessão da liminar da suspensão de segurança foram considerados : a) o
atual estágio das obras, considerando que a licença de operação foi concedida em 2004 e a ação civil pública
datada do ano de 2011, de modo a analisar a real efetividade da decisão; b) o prejuízo decorrente do processo
de licenciamento, que mobilizou o poder público e o particular; c) a real necessidade de estudos mais
completos, tendo em vista a presunção de “legitimidade” dos atos administrativos da administração pública;
d) a existência de acordo celebrado em audiência de ação civil pública de n. 21337-52.2011.4.01.3700,
ajuizada pelo Ministério Público Federal, homologado, em 08/03/2012, por sentença, estabelecido entre o
INCRA, o IBAMA, a Fundação Cultural Palmares e a Vale S/A, objetivando elaboração de medidas para
“solver” ou mitigar os impactos decorrentes da duplicação da Estada de Ferro Carajás em relação às
comunidades afetadas, cabendo ao IBAMA “promover o adequado acompanhamento da situação ambiental
destacar que se trata de um perigoso precedente tendo em vista que, conforme disposição
legal 6, somente o Ministério Público ou pessoa jurídica de direito público podem fazer o
requerimento ao tribunal competente e, no presente caso, foi requerido e deferido a um
ente particular (pessoa jurídica de direito privado) (CHAMMAS, 2015, p. 15-16), a Vale
S/A, em flagrante ofensa a dispositivo legal.
Embora tenha sido proferida na ação civil pública de n. 0026295-
47.2012.4.01.3700, na prática, a decisão produziu efeitos também na ação civil pública
de n. 0061827-77.2015.4.01.3700 e em todas as demandas que tinham como objeto o
processo de licenciamento ambiental da Estrada de Ferro Carajás, suspendendo-as em
nome da “ordem, saúde, segurança e economia públicas” e impedindo que milhões de
pessoas, tanto dos Estados do Pará e do Maranhão, recorressem à justiça para evitar ou
ver reparadas as violações de direitos decorrentes da duplicação da ferrovia em
decorrência de ilegalidades perpetradas no processo de licenciamento ambiental
(SANTOS; GOMES, 2015). Obviamente os valores da sociedade nacional, desejada pelo
Estado em seu plano homogeneizador, são sobrepostos aos direitos dos povos e
comunidades.
Para auxiliar na compreensão da dimensão da cadeia de violações de direitos no
Corredor Carajás, veja-se a figura abaixo:
Figura 3: Mapa das comunidades afetadas

Fonte Justiça nos Trilhos, 2013.

da região”; e) existência de ofício da FUNAI afirmando não haver óbice à duplicação; e f) manifestação
favorável da Fundação Cultural Palmares à duplicação da Estrada de Ferro Carajás, com condicionantes.
6
De acordo com o artigo 4o da Lei n. 8.437/92, somente o Ministério Público ou da pessoa jurídica de
direito público interessada poder fazer o requerimento ao tribunal competente.
Os símbolos em azul representam as comunidades impactadas pela passagem do
trem e seus vagões. Por sua vez, os símbolos em vermelho são as comunidades atingidas
por atividades industriais relacionadas à cadeira produtiva da mineração, a exemplo da
siderurgia. Os casos trazidos acima refletem as possíveis respostas que o Estado e seu
direito têm para os conflitos surgidos pelas ações do próprio Estado. No caso das
travessias seguras ao longo da Estrada de Ferro Carajás, a resposta é demorada e não
acompanha a necessidade das comunidades. Ainda que as travessias sejam construídas,
os vagões continuarão o seu trajeto em direção ao porto levando a carga de minerais
extraída e transformada que continua a comprometer a natureza e seus povos. E isto não
foi discutido, de acordo com as decisões analisadas. Por fim, acrescenta-se que a Estrada
de Ferro Carajás foi concluída em julho de 2018, com os processos que visam a nulidade
do licenciamento ambiental da obra de duplicação ainda em curso e, portanto, em meio a
questionamentos sobre a legalidade de sua construção.
Ainda que no futuro se reconheça judicialmente a nulidade dos procedimentos de
licenciamento ambiental, chegando-se a conclusão de que a duplicação não deveria ter
ocorrido, os danos e violações aos direitos dos povos indígenas e outras comunidades
tradicionais os danos já não podem, em sua grande maioria, ser revertidos, em espacial
porque dizem respeito ao ser o ao estar de povos que foram violentamente destituídos dos
seus vínculos.
A partir da lógica do direito estatal, pensado a partir da reparação mediante
pagamento de indenização em dinheiro ou substituição por igual ou equivalente, parece
haver uma contradição existente entre a proteção aos direitos socioambientais e as
ferramentas e ações do Estado disponíveis em caso de violação a estes direitos. A
dificuldade reside na base do Estado moderno e seu direito, que estão fundados no
indivíduo e seu patrimônio (SOUZA FILHO, 2011a). A partir desta lógica, o Estado não
concebe os direitos da e à natureza e seus povos (SOUZA FILHO, 2011b). Estes direitos
coletivos não podem ser reduzidos à soma de todos os direitos individuais, pois não estão
à disposição dos sujeitos mas, ao mesmo tempo, são de todos (SOUZA FILHO, 2011b).
O Estado e o direito estatal foram criados para regular um sistema fundado na produção
e na reprodução do capital. E esta lógica não permite compreender a noção dos danos
socioambientais7, que são irreparáveis e, portanto, não podem ser inseridos na lógica da
compensação monetária.
Verifica-se que impactos foram causados na implantação dos projetos e não foram
mitigados mesmo após décadas. Ainda que existam comandos constitucionais que
garantam os direitos dos povos, violações continuam ocorrendo no Corredor Carajás.
Neste sentido, o Estado brasileiro tem violado direitos socioambientais pela omissão, ao
recusar-se a ouvir os povos amazônicos e a ver os impactos causados por seus projetos e
programas, e pela ação, ao permitir a continuidade e ampliação dessas estruturas pelo uso
de seu aparato institucional. As violações de direitos, antes negados, se mantém mesmo
após o reconhecimento constitucional pela imposição de dificuldades na efetiva garantia
dos direitos socioambientais. Os direitos socioambientais são fato. Existem apesar do
Estado e é dever deste observá-los e protegê-los.

7
O que é costumeiramente chamado de dano à natureza ou dano ambiental é tido neste trabalho como
socioambiental, pois considerada a inter-relação entre naturezas e povos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do resgate histórico dos processos impostos pela metrópole e a análise
das políticas desenvolvimentistas estatais direcionadas à Amazônia permite verificar a
continuidade de uma lógica colonizadora. O Estado perpetua esta lógica na medida em
que silencia os povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicos, inferiorizando-
os e os excluindo dos processos e projetos que afetam seus territórios. Isso é verificado a
partir do planejamento e execução do Programa Grande Carajás, em especial o Corredor
Carajás, que atendeu aos interesses do capital nacional e internacional. Porém ignorou
povos indígenas e outras comunidades tradicionais, inserindo seus territórios em
dinâmicas que comprometem suas formas de vida.
Os impactos da mineração extrapolam o local de extração de minérios e abarca
também o beneficiamento e o escoamento da produção. Ou seja, se desdobram por toda
sua cadeia de produção e a extensão e complexidade dos impactos são visíveis no
Corredor Carajás. Neste sentido, a mineração se revela como uma teia produtiva violadora
de direitos que são transfronteiriços e se perpetuam no tempo. Comunidades inteiras
foram compulsoriamente expulsas de seus territórios de vida para os verem transformados
em grandes estruturas industriais e inseridos em um corredor exportador de bens
primários.
O Estado utiliza a sua estrutura para atender a interesses do sistema de produção
capitalista na Amazônia e, em via de consequência, viola direitos socioambientais ao
desconsiderar os contextos amazônicos existentes. O reconhecimento normativo dos
direitos socioambientais mostra-se como insuficiente para a sua materialização, que se
perde pelos (des)caminhos dos procedimentos burocráticos. Ou seja, o Estado, pelo seu
aparato institucional e principalmente pelo seu direito, tem sido agente de colonização e,
portanto, de destruição e violência, servindo ao capital e não à natureza e às suas gentes.
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DO CAMPO À CIDADE
DIREITO À ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E
SUSTENTÁVEL

RIGHT TO HEALTHY AND SUSTAINABLE FOOD

Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega ∗


Carlos Frederico Marés de Souza Filho ∗∗

INTRODUÇÃO
O atual sistema alimentar global é falho. Segundo relatório da ONU, a fome
aumenta em todo o mundo e atinge 821 milhões de pessoas. 1
Há décadas, autoridades políticas e científicas colocam em questão a capacidade
interna de os países proverem a alimentação de seus povos. Esse movimento mundial
gerou vários documentos internacionais e legislações nacionais. No Brasil, a alimentação
foi consagrada como direito fundamental na Constituição Federal e foram criadas
algumas políticas públicas, insuficientes para minorar o problema.
São evidentes as falhas do sistema alimentar global. De acordo com o relatório
“Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo em 2018”, cerca de 820 milhões
de pessoas padecem de fome e um terço da população mundial tem falta de nutrientes
essenciais. Isso coincide no tempo com a ocorrência de forte obesidade no mundo (600
milhões de pessoas foram classificadas como obesas e 2 bilhões com sobrepeso) em razão
de desequilíbrio alimentar que atinge a saúde de múltiplas formas. Isso tem consequências
nefastas em termos de sofrimento humano, atingindo também os cofres públicos (BATINI,
LOMAX, MEHRA, 2017).


Professora titular na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Mestre e doutora em direito
pela PUCSP. Pós doutorado pela Universidade de Coimbra. Bolsista produtividade em pesquisa CNPq.
∗∗
Professor titular de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Doutor em direito pela UFPR.
1 ONU para a Alimentação e Agricultura. 2018 O Estado de Segurança Alimentar e a Nutrição no Mundo
http://www.fao.org/state-of-food-security-nutrition/2018/es/
O direito à alimentação, ou com maior especificidade, a soberania alimentar ou a
segurança alimentar do povo, apoiam-se em dois pilares fundamentais, a produção e a
distribuição de alimento. O que significa a possibilidade de produzir alimento, comida
real, nutritiva e saudável, e fazê-lo chegar, distribuindo essa boa comida a quem precisa
comer. Para que a produção de alimentos e a sua distribuição contribuam efetivamente
para a eliminação da fome são necessárias políticas públicas que se lhes deem o acertado
direcionamento, a mão invisível do mercado não consegue fazê-lo.
No Brasil, a partir de 2003, houve políticas públicas para a produção e para a
distribuição, mas apesar de acertadas em si, não conseguiram inverter a lógica da
produção a ponto de resolver fome no país. As politicas de apoio a produção de alimentos
voltadas à agricultura familiar somada às políticas de compra de alimentos para uso em
escolas, hospitais e estoques públicos tiveram ótimos resultados, mas insuficientes porque
não alcançaram escala. Para alcançar escala teria que ter alterado o sistema de propriedade
da terra e a legislação pertinente às sementes, mudas e cultivares.
Os agricultores precisam de terra e o sistema de acesso à terra no Brasil é
contrário à produção de alimento. A distribuição de terras no Brasil se dá para produzir
capital. Oferta-se a terra para o agronegócio produzir commodities e não necessariamente
alimentos. Dessa forma, as políticas públicas e a legislação brasileira, embora
teoricamente se propusessem à emancipação alimentar da população, ignoraram a
necessidade de mudar a legislação do país, para que permitisse esse acesso à terra. Ao
contrário, a concentração de imóveis rurais destinados ao agronegócio aumentou muito
nesse período. Assim, as políticas de erradicação da fome tiveram efetividade e
diminuíram a fome ao tempo em que aumentava a concentração de terras. Isso é uma
falha importante, com consequências nefastas no futuro tendo em vista a potencial
diminuição na produção de alimentos.
A segunda necessidade para a produção é o acesso às sementes. Para produzir,
além do acesso à terra, é necessário ter conhecimento sobre o seu processo e esse
conhecimento implica um livre acesso à semente. A legislação sobre sementes no Brasil
foi estabelecida no final do século XX, até o ano 2002 e, ao criar um sistema de
propriedade privada de cultivares, de sementes e mudas, promoveu a regulamentação do
mercado de commodities. São normativas extremamente duras em relação às
possibilidades de produzir comida livremente, porque elas são diretamente voltadas à
proteção da semente proprietária. O objetivo claro foi estabelecer o controle do capital
sobre as terras e as sementes. A regulamentação das sementes e cultivares foi originada
do modelo capitalista de mercantilização da natureza e imposto por normativas
internacionais.
Com relação ao segundo pilar de sustentabilidade, o consumo dos alimentos, é
fundamental a existência de políticas públicas de distribuição de comida. A partir de 2003,
houve políticas públicas, houve programas de aquisição e distribuição de alimentos, mas
não houve o necessário organizar e proteger dessa distribuição que permaneceu a mercê
do mercado. Faltou a intervenção estatal para proteger os programas e políticas públicas
das intercorrências do mercado. Na livre disputa dos espaços econômicos, os agricultores
sofreram fortes embates e houve a criminalização dos beneficiários e dos programas
governamentais. A despeito disso, iniciaram-se, nesse período, algumas mudanças muito
interessantes como, por exemplo, o incentivo à criação de mercados comunais, mas foi
insuficiente. Por outro lado, a facilitação da distribuição de alimentos de má qualidade
agravou a situação. A distribuição da má comida, pouco nutritiva e pouco saudável, não
sofreu restrições ou obstáculos de qualquer natureza, como poderiam ser a tributação de
agrotóxicos, tributação de sementes industriais, favorecimento de sementes crioulas etc.
Medidas que poderiam descompor um pouco esse mercado de produtos nocivos tão
facilitado no Brasil.
Por fim, um terceiro aspecto de extrema relevância a ser considerado é a
preservação da natureza. O agronegócio destrói cruelmente a natureza, aí incluídos a
alimentação humana, os animais silvestres, as outras plantas. É um sistema de cultivo que
destrói a vida no planeta. São necessárias políticas públicas de apoio a modelos
sustentáveis de produção de alimentos que permitam aos outros seres, não-humanos, se
alimentar também.
Dessa forma, esse estudo fundado em pesquisa exploratória, propõe-se a discutir
os pilares de sustentação da alimentação adequada enquanto necessidade vital e direito
fundamental, constitucionalmente garantido. Na exploração dessas ideias incluem-se
críticas sobre a sustentabilidade dos modelos agrícolas e as políticas públicas para a
produção de alimentos saudáveis.
1 A ALIMENTAÇÃO COMO DIREITO
Causa estranheza pensar na existência de um direito à alimentação. Os seres vivos
se alimentam para viver- os humanos, os animais não humanos, os vegetais. Mais do que
um direito, o alimentar-se é uma necessidade vital. A vida depende da alimentação. O ser
humano bem compreendeu isso e usa esse conhecimento para alimentar os outros seres
vivos quando lhe é de interesse. É natural que na Terra tenha alimento para a
sobrevivência de todas as espécies. Tratar a alimentação humana como direito é admitir
a possibilidade da falta de alimento para as pessoas. Mais do que isso, é naturalizar a
verdade de que os alimentos são insuficientes para a partilha entre os humanos viventes
no planeta ou, pelo menos, que a partilha seja injusta e mal feita.
Como compreender que apesar da vasta destruição causada a outros seres, os
humanos não dão conta de alimentar-se a si, como espécie? Como é possível que com
toda a extensão de terra usada exclusivamente pela agricultura empresarial ainda falte
comida para muita gente? Como compreender a necessidade de se afirmar a alimentação
como direito?
O padrão de produção agrícola atual não garante a sobrevivência humana apesar
de provocar destruição da natureza e dos seres nela viventes. Essa é a verdade universal
hegemônica do agronegócio. Para o agronegócio, a exportação, a produção de
commodities tendo por fundamento a propriedade privada individual capitalista e o uso
indiscriminado de agrotóxicos é “naturalizada” como verdade e valor inquestionáveis no
alimentar da humanidade. A agroecologia, os povos tradicionais, os extrativismos
naturais são considerados modelos periféricos diante do grande poder do “agro”. A
agricultura produtora de alimentos das famílias camponesas, das comunidades
quilombolas e extrativistas naturais é tida, no mundo neoliberal contemporâneo, como de
somenos importância, e está permanentemente ameaçada pelo modelo da agricultura
industrial baseada na propriedade individual privada e nos esquemas de regulação
capitalista (como leis de sementes, de cultivares e outras).
A fome aumenta nos países onde predomina a monocultura e a produção de
commodities, segundo a FAO (Food Alimentation Organization, 2019). Isso se dá por
uma simples razão- os países dependentes do mercado externo de commodities agrícolas
são famélicos em razão da instabilidade dos mercados internacionais frente a escassez ou
a abundância de oferta dos produtos. Nesses, a alimentação do povo depende de ingressos
de divisa e oscilação de mercados. Assim, nos países em se que produz alimentos sob o
modelo de agricultura local e mercado interno, há maior estabilidade e segurança
alimentar, segundo a FAO. Onde se planta para comer, a fome é menor, há menos
subnutrição, o que parece óbvio, mas há menos riqueza segundo os padrões monetaristas.
Ao contrário, onde se planta para o mercado há mais fome e menor qualidade alimentar,
por um lado, e inadequação nutricional, como o aumento de obesidade, por outro.
Diante dessa realidade podemos nos perguntar, atônitos, para quê as sociedades
se constituem? Para quê as sociedades se organizam, fazem uma constituição e se
compõem como sociedade senão para resolver os problemas de seus membros, inclusive
e principalmente da alimentação de todos?
Por si só, a ideia de introduzir esse direito na Constituição causa espanto. É claro
que todos têm o direito à alimentação. Mas, histórica e mundialmente, nem todas as
pessoas têm ou tiveram acesso à alimentação, razão pela qual os documentos
internacionais voltados à defesa e à proteção dos direitos humanos inseriram esse direito
no rol de direitos a serem reivindicados e protegidos. Dessa maneira, o artigo 25 da
Declaração Universal de Direitos Humanos 2 pôs o direito à alimentação junto a outros
direitos sociais, associando-o a um padrão de vida e bem-estar. O Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, no artigo 11 3 amplia esse direito reafirmando a sua
fundamentalidade e atribuindo textualmente aos Estados-parte a obrigação de realizar
programas e políticas públicas para combater a fome e assegurar esse direito.

2 DUDH, art.25. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua
família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. Disponível em
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf Acesso em 19 de maio de 2020.
3 ARTIGO 11. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida
adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim
como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas
para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da
cooperação internacional fundada no livre consentimento.
2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar
protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas,
inclusive programas concretos, que se façam necessárias para:
a) Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena
utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e
pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a
utilização mais eficazes dos recursos naturais;
b) Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às
necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de
gêneros alimentícios.
No Pacto de Direitos Econômicos sociais e Culturais foram considerados modos
de realizar esse direito a melhoria dos métodos de produção, conservação e distribuição
de alimentos, a difusão de princípios de educação nutricional e o aperfeiçoamento ou
reforma dos regimes agrários para adequada exploração da natureza. Ficaram
estabelecidas diretrizes internacionais para se estabelecer a segurança alimentar levando-
se em conta muito mais do que a produção e o mercado, atentando para os regimes
agrários e a adequada exploração da natureza e colocando em questionamento o comércio
dos alimentos como simples mercado. Esse mesmo Tratado, coloca ainda na alínea b do
n.2, do artigo 11, a preocupação com a distribuição equitativa dos alimentos em nível
mundial, levando o debate para o comércio internacional de comida. O Comentário n.12,
da ONU, reforça essas noções e reafirma que o direito alimentação é a base para o
exercício de outros direitos fundamentais.
A legislação nacional acrescenta ao direito constitucional a alimentação o respeito
aos valores culturais e étnicos. De acordo com o CONSEA (Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional, 2007) o direito a alimentação consiste no acesso ao
alimento de forma ampla, acesso físico e econômico de todos os alimentos e recursos, de
forma adequada ao contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e
ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura e grupo social. A alimentação adequada ocorre
quando existem alimentos disponíveis, há a adequação, a acessibilidade e a estabilidade
do acesso a alimentos produzidos e consumidos de forma soberana, sustentável, digna e
emancipatória para esses grupos. Isso pressupõe estar livre da fome e ter alimento
adequado, o que requer renda para adquirir o alimento ou capacidade para sua produção
e que hajam alimentos disponíveis para atender às necessidades das pessoas e grupos
sociais, em quantidade e qualidades nutricionais.
No cenário internacional, nos documentos referidos, várias tenções importantes
referentes ao direito fundamental à alimentação e à soberania alimentar foram estatuídas,
destacando-se: a) como será produzido o alimento de qualidade e como ele será
distribuído; b) como se dará o acesso à terra para plantar o alimento; c) como será o
cuidado com a natureza na produção do alimento.
Estes são os pilares fundamentais para a sustentabilidade, a segurança e a
soberania alimentar
2 O COMBATE A FOME E OS AVANÇOS NA LEGISLAÇÃO NO
BRASIL
A questão da fome no Brasil, como questão política, remonta a primeira metade
do século XX. Josué de Castro conceituou a fome como fenômeno social, originado de
posturas políticas causadoras das desigualdades. Em Geografia da Fome, publicado em
1946, Castro traçou um mapa da fome no país, que seria base de estudos e debates futuros.
Trabalhou com o conceito de áreas alimentares por região geográfica considerando
características biológicas e socioculturais. Construiu um mosaico alimentar brasileiro,
concebendo a diferenciação regional dos tipos de dieta existentes no país, oriundas das
variadas categorias de alimentos e da diversidade étnica.
As ações getulistas, orientadas por Josué de Castro, inauguram as políticas de
alimentação no Brasil em 1939, com a criação do Serviço Central de Alimentação (SCA)
no âmbito do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, e a subsequente
instituição do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) vinculado ao
Ministério do Trabalho, em 1940 (SILVA, 1995, p. 87). Em 1950, foi criado o Programa
Nacional de Alimentação Escolar, que, subsistente, foi aprimorado com uma preocupação
nutricional, após 2003. Ainda na década de 70, foi lançado o segundo Programa Nacional
de Alimentação e Nutrição (II PRONAN), referindo-se a não industrializados, numa
primeira iniciativa de apoio à agricultura familiar (SILVA, 2014, p.19). Nesse período
foram criados outros programas sob a gestão do INAN, como Programa de
Abastecimento de Alimentos em Áreas de Baixa Renda (PROAB) e Projeto de Aquisição
de Alimentos em Áreas Rurais de Baixa Renda (PROCAB), em parceira com a COBAL.
Na década de 1990, o governo Collor de Mello extinguiu os programas e políticas
voltadas à alimentação (PELIANO, 2010). Houve a retomada das políticas de combate à
fome, com a formulação do Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria (PCFM), no
período Itamar Franco. Em 1993, foi criado o Conselho de Segurança Alimentar
(CONSEA). Ligado à Presidência da República, O CONSEA foi responsável por
subsidiar o PCFM, trazendo, dentre suas propostas o PRODEA – Programa de
Distribuição Emergencial de Alimentos, que buscava fornecer alimentos, por meio da
CONAB, às populações carentes (SILVA, 2014, p. 24).
O CONSEA foi extinto em 1995, e em seu lugar criado o Programa Comunidade
Solidária (PCS), que segundo Sandro Pereira SILVA “marcou o início de um retrocesso
em relação às conquistas alcançadas durante os anos imediatamente anteriores” por ser
medida integrante da descentralização e da desoneração do Estado (2014, p. 26-27). Nesse
tempo, foi extinto o INAN,em 1997, aprovada a Política Nacional de Alimentação e
Nutrição (PNAN), em 1999 e a criado o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado
à Saúde, chamado Bolsa Alimentação, em 2001.
O direito a alimentação, especificamente, foi apenas tangenciado na Constituição
de 1988, quando tratados assuntos conexos como a subsistência e a de alimentos. O texto
original não fazia menção expressa ao direito à alimentação, a questão alimentar
influenciava a composição do salário mínimo (art. 7o, inciso V) , aparecia também
quando foi estabelecida a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios para fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar (art. 23, inciso VIII), como também a competência e a atribuição ao SUS -
Serviço Único de Saúde- para fiscalizar e inspecionar os alimentos para o consumo
humano, inclusive quanto ao teor nutricional (art. 200, inciso VI).
A década de 1990 foi marcada por retrocessos no combate à fome, em razão de
políticas neoliberais. Desses retrocessos, como ato de resistência, em respeitável
campanha liderada por Herbert de Souza, Betinho, resultou a denominada Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. A Ação teve início em 1993 visando à
mobilização nacional para ajudar 32 milhões de brasileiros que, segundo dados do IPEA
naquele momento passavam fome, vivendo abaixo da linha da pobreza, no Brasil. 4 Esse
movimento popular de alcance nacional foi determinante para inserção do debate nas
políticas nacionais e para a criação de uma política nacional de segurança alimentar e
nutricional. No final da primeira década da Ação da Cidadania, em 2003, criou-se o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), e, três anos depois
foi promulgada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), Lei n.
11.346, de 15 de setembro de 2006. Essa lei instituiu o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (SISAN), visando assegurar o direito humano a alimentação
adequada,
tendo por objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada e
viabilizando a criação de políticas públicas para esse fim. Definiu no seu artigo 3º 5 a

4 https://www.acaodacidadania.com.br/nossa-historia Acesso em 19/07/2020.


5 Lei 11346/06, Art. 3º A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao
acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso
segurança alimentar e nutricional como a realização do direito de todos ao perene acesso
a alimentos de qualidade para a satisfação das necessidades e cuidados com a saúde e
introduziu, também, o respeito à diversidade cultural e a sustentabilidade ambiental,
cultural, econômica e socialmente sustentáveis. O artigo 2º. da Lei dispõe que o direito à
alimentação é“[...] inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização
dos direitos consagrados na Constituição Federal” (BRASIL, 2006), atribuindo ao poder
público a responsabilidade sobre políticas e ações para promover a segurança alimentar e
nutricional da população, considerando as dimensões culturais, sociais, econômicas,
regionais e ambientais.
O contexto do combate à fome, nesse período foi também tocado pela adesão do
Brasil às Metas do Milênio e a criação do “Projeto Fome Zero” a partir de 2003, que deu
novo direcionamento às políticas de combate à fome e à eliminação da miséria no país.
Três importantes conferências sobre segurança alimentar e nutricional foram realizadas
no país. A primeira em 1994, ateve-se à questão da segurança alimentar. Em 2004, em
Olinda a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, teve por objetivo
propor diretrizes para o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, além de
avaliar ações e experiências, incluindo nos debates o caráter nutricional. Em 2007, em
Fortaleza, a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN),
teve por objetivo construir o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN) (COLUCCI; TONIN, 2007).
Em 2007, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA),
por meio de um Grupo de Trabalho (GT Alimentação Adequada e Saudável), propôs uma
ampliação no conceito de alimentação adequada para incorporar o atendimento aos
princípios da variedade, do equilíbrio, da moderação, do prazer relativo ao sabor, das
dimensões de gênero e etnia, e das formas de produção ambientalmente sustentáveis, sem
a presença de contaminantes físicos, químicos e biológicos (CONSEA, 2007). Durante
toda a década foi se firmando no direito brasileiro o direito a alimentação adequada que
tem como pressuposto a sustentabilidade e a preservação da natureza.

a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem
a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Finalmente em 2010, a Emenda Constitucional n. 64, fruto de intensa mobilização
social, fez inserir no artigo 6º, entre os direitos sociais fundamentais, o direito à
alimentação.6
Dentre as políticas públicas para o combate a fome destacou-se o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) que teve duplo alcance- enfrentou a fome promovendo a
distribuição de alimento saudável e apoiou a produção de alimentos. Observe-se que
segundo dados da FAO apesar de os alimentos de qualidade serem produzidos pela
agricultura familiar, a fome também atinge os trabalhadores do campo, que precisam de
apoio para o fortalecimento de sua atividade econômica. O Programa de Aquisição de
Alimentos foi instituído no âmbito do Programa Fome Zero, visando fortalecer também
a agricultura familiar. Criado por intermédio do artigo 19 da Lei nº 10.696/2003 e
regulamentado pelo Decreto nº 7.775/2012, o Programa visou criar um mercado
institucional, com a dispensa de licitação pública, a fim de atender a realidade da
agricultura familiar no que diz respeito às exigências burocráticas (PEREZ CASSARINO
et. al., 2015, p. 224).
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) estruturou-se nas modalidades de
compra da agricultura familiar com doação simultânea (CDS), de apoio à formação de
estoques através dda Cédula de Produto Rural (CPR), de compra direta da agricultura
familiar (CDAF), de incentivo à produção de leite (PAA leite), de compra institucional e
de aquisição de sementes (descritas no artigo 17, do Decreto nº 7.775/2012). Os
beneficiários nas ações do programa, na condição de consumidor de alimentos foram as
pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional atendidos pela rede
socioassistencial e por ações financiadas pelo poder público ou, em condições específicas,
aquelas atendidas também pela rede pública e filantrópica de ensino. Do outro lado, os
beneficiários fornecedores foram, num sentido amplo, agricultores tradicionais
(assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores
artesanais, indígenas e integrantes de comunidades quilombolas e de demais povos e
comunidades tradicionais), como também “aqueles atendidos pela rede pública de ensino
e de saúde e que estejam sob custódia do Estado em estabelecimentos prisionais e em
unidades de internação do sistema socioeducativo” (art. 4º, inciso I, do Decreto nº 7.775,

6 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.
de 04 de julho de 2012). O PAA contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos
participantes, tendo elevado a renda média dos beneficiários fornecedores na escala de
341% entre 2003 e 2016 (CONAB, 2017, p. 18) incentivou a transição agroecológica,
colaborou na efetivação do direito à alimentação adequada. Apesar disso sofreu ataques
políticos e jurídicos que implicaram no seu desmonte. A iniciar pela criação de novas
exigências de difícil cumprimento no âmbito do Programa 7, a diminuição do orçamento,
reclamações apresentadas a Organização Mundial do Comércio (OMC), pelos Estados
Unidos da América e Canadá no sentido de que os programas sociais alimentares
brasileiros – o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), funcionariam como estratégia de subsídio indireto da
agricultura e de produtores, violando as regras de comércio internacionais (ISAGUIRRE-
TORRES, FRIGO; 2016, p. 18), e por fim e mais grave, a criminalização injusta de
agricultores participantes. 8

3 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O ACESSO À TERRA


PARA PRODUZIR ALIMENTOS
A terra como provedora das necessidades humanas é responsável pelo sustento
dos povos. Sustenta a vida no mais amplo sentido, fornecendo o alimento para o corpo e
para as culturas. A terra é a fonte de todos os bens e o bem de todos. Dizia Las Casas ser
a terra uma criação divina para a satisfação de todos os homens, sem diferenças de povos,
clãs ou raças (LAS CASAS, 1985), afirmando assim um direito de uso, seja para a
produção de bens, seja para o exercício da jurisdição. No mesmo sentido John Locke
escreveu, vislumbrando o nascente mercantilismo capitalista, que o cultivo da terra e seu
domínio são coisas idênticas, sendo ilegítimo, insensato e desonesto o domínio além da

7 Dentre as alterações estava a exigência da apresentação de variados novos documentos; a modificação e


enrijecimento dos critérios de inspeção sanitária – que resultaram na retirada de organizações do programa,
especialmente as constituídas por mulheres que trabalhavam polpas de frutas; a implementação de
programa computadorizado para prestação de contas, o que demandaria a qualificação do pessoal envolvido
em todas as organizações; entre tantas outras modificações que foram devidamente visitadas no trabalho de
Porto (2014).
8 Vide PIMENTEL, Anne Geraldi. et alii. A repressão político-judicial do Estado: a violência legítima da
operação agro-fantasma e suas consequências para os agricultores campesinos da Região Sudeste do
Paraná". Revista Emancipação, Ponta Grossa, 17(2): p. 246-264, 2017.
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/10401/6301
possibilidade de lavrar e usar, fundamentando assim a propriedade da terra no trabalho
nela exercido (LOCKE, 1994). O direito de uso se confunde com o direito de propriedade,
a terra, cercada, era para uso. Do uso nasce a propriedade. A modernidade capitalista
transformou a terra em mercadoria ao atribuir-lhe o caráter de propriedade privada
individual, passível de transmissão independentemente de seu uso. O uso referente àquele
da agricultura, para a produção de bens consumíveis, ou seja, mercadorias.
A propriedade da terra como bem de mercado impede sua livre distribuição para
produzir a comida. Alerta Altieri “Já que a população mundial segue crescendo, a
redistribuição das terras de cultivo pode ser crucial para alimentar o planeta, sobretudo
quando a agricultura em grande escala se dedica a encher os tanques dos carros por meio
da produção de agrocombustíveis.” (2010, p.26)
A questão agrária é, até hoje, central para a humanidade. Segundo Sauer (2016)
há uma corrida mundial por terras, mas não é somente ela que sustenta a tese de que a
terra é a questão do século XXI. “A terra é o tema do século, mas por uma combinação
de fatores e crises, sendo que demandas por matérias primas e investimentos em terras
são elementos importantes deste processo” (SAUER, 2016, p.72). Historicamente tem
sido assim.
O final do século XIX e o começo do XX foram marcados pela fome e pela
necessidade de intervenção do estado na economia, pondo em cheque o absolutismo da
propriedade privada. O modelo intervencionista inaugurado a partir de então não tirou,
no mundo ocidental, o caráter de mercadoria da terra, mas buscou formas de fazer com
que os proprietários passassem a fazê-la produzir. A produtividade torna-se obrigação do
proprietário. O sistema capitalista criou uma obrigação de produzir, contrapondo-se ao
direito de usar. A Constituição da República de Weimar implantou a ideia de que
propriedade obriga, embora não tenha conseguido impor qualquer sanção a essa
obrigação.
Na América Latina, no início do século XX a maior expressão progressista é a
Constituição mexicana que refuta a propriedade absoluta, pondo o direito de propriedade
em subordinação aos interesses e às necessidades da sociedade. Derivam daí implicações
teóricas que embora não incorporadas na legislação dos países americanos fortaleceu
discussões futuras e deu bases para os movimentos em favor da posse dos agricultores. O
conceito de propriedade, especialmente da terra teria que incorporar o uso para legitimá-
la. A utilização como forma de garantir alimentos para a população e manutenção do bem-
estar dos seres humanos que nela vivem. Embora pareça não ter sido esse o fundamento
das duas primeiras constituições sociais do século XX, o certo que é que razões de ordem
econômica capitalistas impuseram reformas na política fundiária, nesse tempo. A solução
mais coerente para o sistema, então, foi manter o seu caráter de mercadoria, obrigando os
proprietários a coloca-la em produção. A produtividade passou a ser entendida como a
obrigação do proprietário de terra. Contrapondo-se ao direito de usar, o sistema criou a
obrigação de produzir. A produtividade tornou-se a função capitalista da propriedade da
terra, coadunando com a proposta desenvolvimentista e progressista de programas como
a Aliança para o Progresso, proposto para toda a América Latina pela USAID (United
States Agency for International Development).
As constituições brasileiras do século XX (1934, 1937, 1946, 1967 e 1969), no
modelo das constituições econômicas estrangeiras previram a intervenção social na
propriedade privada e nos contratos, de forma tímida, estabelecendo políticas públicas de
saúde, trabalho, desenvolvimento, educação, produção agrícola. As propostas de restrição
à grande propriedade improdutiva e de execução de uma reforma agrária não foram
incorporadas constitucionalmente. A oposição ruralista impediu maiores avanços, e
apoiou o Golpe de estado de 1964 contra os avanços do mundo rural, inclusive que tinham
chegado a ousadia de legalizar os sindicatos do campo e criar Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAg).
Nem mesmo a Ditadura foi capaz de impedir a promulgação do Estatuto da Terra,
Lei n.° 4.504, de 30 de novembro, a legislação brasileira adotou a função social como
referência para a qualificação da propriedade. Nessa lei, ficou disposto que seria cumprida
a função social quando “a) favorece o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores que
nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de
produtividades; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as
disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivam.” A lei tinha como objetivo a reforma agrária com o fim da extinção do
latifúndio e do minifúndio e dispunha que a desapropriação por interesse social de terras
teria por propósito condicionar o uso da terra a sua função social, como também permitir
políticas públicas obrigando a exploração racional da terra, viabilizando a recuperação
social e econômica das regiões, evitando a degradação dos recursos naturais, entre outros.
Isso fez com que a função social da terra não se reduzisse à reforma agrária, ou seja, não
estivesse atrelada à ideia de produção mas ao seu adequado uso e à proteção dos bens da
natureza (art.18, alínea h). A produtividade, em específico, foi contemplada na política
de desenvolvimento rural (Título III), onde se instituiu o Imposto Territorial Rural (ITR).
Esse imposto deveria ser progressivo, isto é, seria pago com alíquotas crescentes
dependendo do grau de Utilização da Terra e o grau de eficiência obtido nas diferentes
explorações. Com o Imposto Territorial Rural, a progressão tributária em razão da
produtividade traria controles na regularização fundiária (o que não se realizou). Dessa
maneira o descumprimento da função social relegou-se a um segundo plano relativamente
à produtividade. As políticas públicas brasileiras no período, seguindo a expansão dos
mercados internacionais e sua pressão, fomentaram a revolução verde e o uso expressivo
de agrotóxicos, mecanização construindo as bases da capitalização do campo. Não houve
reforma agrária tampouco política efetiva para modernização e apoio concreto ao
agricultor. Incentivou-se a produtividade em desfavor da função social pelo uso, o que
acabou por afirmar a confusão entre produtividade e função social.
A função social ligada à ideia de produtividade tem, nas narrativas conservadoras,
trazidos inúmeras dificuldades entre as quais, a mais importante nesse estudo é afastar as
possibilidades de aplicação do instituto da desapropriação por interesse social, capaz de
oferecer aos agricultores o acesso à terra para produção de alimentos. Esse entendimento
é incorreto, tendo em vista que o uso da terra como cumprimento da sua função social é
apenas uma das oito finalidades da desapropriação por interesse social, estabelecidas no
art. 18 do Estatuto da terra. De toda forma, embora o Estatuto da Terra tenha estabelecido
que o cumprimento da função social se dá com a produção, o bem- estar, a proteção de
recursos naturais e a observância das leis trabalhistas, o cerne das políticas tem sido o
aumento da produtividade, o que foi operacionalizado pela revolução verde, que deu as
bases da financeirização da agricultura e do sistema do agronegócio. Isso construiu entre
os adeptos da reforma agrária capitalista-produtivista, o discurso da não necessidade da
reforma agrária, que por sua vez nunca chegou a ocorrer no Brasil.
O momento democrático pré-constituição de 1988 teria sido o momento oportuno
para a reparação desse equívoco histórico referente à questão agrária . “Ao inscrever não
só a função social da propriedade, mas uma política agrária consequente, a intenção dos
constituintes parecia ser, efetivamente, condicionar o exercício do direito de propriedade
aos interesses sociais”(MARES, 2003 p.194). Entretanto, apesar das preocupações
ambientais e o apelo social, a produtividade voltou a figurar no conceito de função social,
agora como “aproveitamento racional e adequado”. Reafirmou-se a ideia de função social
do Estatuto da Terra.
Em que pese o apelo à produtividade, de acordo com a Constituição Federal de 88
a reforma agrária voltada para o cumprimento da função social seria possível e permitiria
desapropriar para realizar políticas de agroecologia, de eliminação do trabalho escravo,
entre outras. Entretanto, a introdução do artigo 185 dispondo que são insuscetíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade, desde que o
proprietário não possua outra, e a propriedade produtiva gerou controvérsias e o ambiente
propício ao estancamento de medidas daquela natureza. A interpretação desse artigo pelo
poder judiciário vem impedindo a reforma agrária. As decisões baseiam-se na
produtividade da terra. Na realidade fática, o artigo 185 acaba por balizar a política
pública agrícola, agrária e fundiária da Constituição de 1988. (MARÉS, 2003)
A reforma agrária fundada na função social é imperativa para concretizar o direito
fundamental à alimentação. Ela é instrumento necessário para consecução de objetivos
do Estado previstos na Constituição de 1988, como a supressão da pobreza e das
desigualdades sociais e regionais, a reversão dos impactos negativos ao meio ambiente, a
proteção das culturas populares. Ela tem sido impedida pela aplicação do artigo 185 que
determina, além da referida produtividade, a exclusividade da União para desapropriar.
Para que os agricultores tenham acesso à terra como um dos pilares sustentadores
para concretizar do direito a alimentação é necessário que se realize a reforma agrária
fundada na função social da propriedade, afastando a questão produtividade, que se
confunde com lucratividade, construída ardilosamente pelo capitalismo. Da perspectiva
constitucional, é necessária a sistemática interpretação fazendo uma leitura do artigo 185
como integrado a um corpo normativo constitucional pleno que lhe determina sentido.
Cumpre também construir uma regulamentação para redefinir parâmetros para a
exclusividade da União, para a noção de produtividade que considere a relevância social
em contraposição a superada noção de grau de utilização da terra e critérios afins.
Necessário e imprescindível, ainda, é fazer cumprir definitivamente a
Constituição Federal demarcando os territórios indígenas e concretizando os direitos
territoriais quilombolas. Se a produção de alimentos nutritivos e saudáveis é feita na
pequena propriedade familiar e nos territórios de povos tradicionais é imperativo que a
terra seja disponível permanentemente a essas populações. Nisto deve consistir a reforma
agrária.

4 A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS, O ACESSO ÀS SEMENTES E A


AGROECOLOGIA
A mercantilização das sementes é fruto do avanço do capitalismo, posterior à
forjada dissociação do ser humano com a natureza e a apropriação dela como recurso para
geração de renda e valor. Fora desse sistema, as sementes utilizadas nos plantios são
entidades biológicas para a reprodução da vida, recursos regenerativos e partes integrais
de ecossistemas sustentáveis, satisfazendo as necessidades dos seres vivos. Integram o
patrimônio da humanidade, aportam os valores culturais e referem-se a organizações
sociais locais. As sementes são o resultado de uma fina seleção e de aprimoramentos
realizada por incontável número de agricultores ao longo dos séculos, com métodos
desenvolvidos a partir do conhecimento local (SHIVA, 2001). Esse é o sentido
apreendido na prática agroecológica e desconsiderado no modelo de produção capitalista
neoliberal.
No universo capitalista que mercantilizou os bens da natureza, as variedades de
sementes de alto rendimento, homogêneas, estáveis e dependentes de insumos externos,
introduzidas pela revolução verde nos anos 1960 e 1970, adquiriram papel central. Essas
sementes se transformaram em instrumento para a transferência de tecnologia e a ampla
disseminação das variedades melhoradas e de alto rendimento. Isso se tornou um dos
principais objetivos de programas de desenvolvimento agrícola financiados por
organismos internacionais (SANTILLI, 2012). Ocasionou uma pressão de mercado e de
organismos internacionais para a regulamentação legal da produção de sementes - leis de
sementes! Na legislação dos países regulamentadores, o conceito de “sementes”
restringiu-se exclusivamente a materiais desenvolvidos por especialistas de centros de
pesquisa, públicos e empresariais. As sementes, compreendidas na acepção original,
tradicionalmente melhoradas e conservadas por agricultores ao longo da história da
humanidade, foram excluídas da regulamentação legal, deixaram de ser consideradas
sementes, passando à classificação de “grãos”.
O modelo agroempresarial adotou, segundo Santilli (2012), um paradigma
fixista, descartando as variedades agrícolas não homogêneas e estáveis, portanto, a
possibilidade de diversidade fundada nas variedades locais. Negou o importante papel
dos agricultores na inovação baseada nos saberes e práticas agrícolas tradicionais (papel
resgatado pela agroecologia). Destruiu o sistema gerador da agrobiodiversidade no
campo.
A semente legal torna-se definitiva e exclusivamente uma mercadoria com duas
propriedades principais- seu valor de uso e seu valor de troca. A mercantilização se
fundamenta na quebra da unidade da semente, de um lado como geradora de uma colheita,
de outro como reprodutora de si mesma. Promove o domínio do agronegócio sobre a
agricultura tradicional, transformando as relações sociais na agricultura, ampliando os
conflitos no campo, e, segundo Vandana Shiva (2001), está inequivocamente a serviço
dos interesses das multinacionais, sob o discurso do aumento da eficiência na agricultura
e produção bastante para a alimentação da humanidade. Ocorre que passado quase meio
século do início desse movimento, a fome dos seres humanos não desapareceu no planeta,
a natureza está sendo devastada e os outros seres vivos estão sucumbindo.
Vandana Shiva (2001) afirma que utilização dos métodos da revolução verde fez
aumentar a produção mundial de alimentos mas a fome continua a assolar vastas regiões
do planeta, em números crescentes.
Apesar de predominar na América Latina os sistemas locais, o Brasil, cedendo a
pressões de mercado, por meio da Lei 10 711 de 2003, adotou o sistema de considerar
semente somente as manipuladas e certificadas, embora, em alguns dispositivos
específicos, excepciona o modelo adotado e contempla os sistemas locais de sementes
para uso exclusivo de agricultores tradicionais. A lei institui um modelo de produção e
reprodução de sementes agroempresarial, vetando as formas de produção tradicional,
melhor adaptadas às realidades locais. E o faz por meio de restrições, limitação e
imposição de ônus para a produção e comercialização de sementes não industriais.
Prioriza a produção de sementes de grande escala, homogêneas, universalizando e
generalizando produtos, forjando meios de padronização dos terrenos de cultivo,
ignorando as culturas locais.
Ao favorecer o desenvolvimento comercial e ao subestimar os sistemas locais, a
lei de sementes brasileira excluiu, além dos agricultores menos abastados e dos que optam
pela agricultura tradicional, também as espécies e variedades que os sistemas formais não
têm interesse em produzir. Ao atender ao mercado que só produz o que é capaz de gerar
muito lucro, a lei brasileira inviabilizou a diversidade na agricultura (SANTILLI 2012).
O Capítulo IV da Lei de Sementes, Lei 10.711/2003 sobre as cultivares e o seu
registro, afasta a possibilidade de preservação da diversidade natural, conservando-a em
casos excepcionais, como as sementes crioulas de comunidades indígenas. Exige a Lei a
homogeneidade e a estabilidade da planta, o que pode exclui as espécies locais, diversas
e adaptadas. O Artigo 2º, XV, da Lei, define os cultivares como variedade de espécie
vegetal superior que seja distinguível de outras cultivares conhecidas, “por margem
mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável
quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso
pelo complexo agroflorestal,...” A definição legal, pela afirmação dos critérios da
estabilidade e da utilidade como requisitos de permissão, impede que a agricultura
tradicional tenha desenvolvimento e avance. É, em si mesma, insustentável.
Um outro fator que tem afetado a agricultura tradicional é a necessidade imposta
pela lei da comprovação de que o cultivar tem “valor intrínseco de combinação das
características agronômicas do cultivar com as suas propriedades de uso em atividades
agrícolas, industriais, comerciais ou consumo in natura” (BRASIL, 2003). As normas
para avaliação do valor são estabelecidas pelo Ministério da Agricultura para cada espécie
vegetal. Essas normas têm favorecido as espécies mais comerciais, que se adaptam em
localidades com características diferentes em prejuízo das mais próximas da diversidade
biológica. As normas, por outro lado, na proteção focada em sementes e cultivares
universais, com valor econômico de cultivo e uso (mercado), desconsideram
características muito importantes para a agricultura tradicional, como tempo de duração
delas em armazenamento. Isso reflete na preservação dessas sementes para o futuro.
Embora a lei preveja a ocorrência do domínio público para as cultivares em
decorrência de prazo, isso torna-se infactível na realidade agronegocial. É que nesse
modelo agrícola forma-se uma cadeia mercadológica integrada pelo produtor/fornecedor
de sementes e cultivares, vendedor de agroquímicos e comercializadores de grãos e
produtos agrícolas, determinante do negócio como um todo. A escolha das sementes e
mudas que vão ao mercado, cada ano, é do produtor de sementes, que não oferece senão
as de domínio privado que têm preços mais altos ou produzem royalties. Assim, as
cultivares em domínio público deixam de ser fornecidos, portanto não comporão o
mercado regular dessas commodities, e essas variedades vão minguando, o que resulta em
não atendimento aos critérios mínimos de valor de cultivo e uso, previsto na lei.
Um avanço ocorreu com a legislação que regulamentou a Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica (Decreto no 7.794, de 20 de agosto de 2012), que
viabilizou a aquisição de sementes crioulas no âmbito dos participantes do Programa de
Aquisição de Alimentos -PAA- 9. Entretanto, há um movimento de intensificação da
mercantilização das sementes e cultivares com projetos de lei em trâmite para restringir
ainda mais os direitos dos agricultores tradicionais. 10
O paradoxo é que são os agricultores tradicionais que cultivam as variedades e
diversificam as cultivares, conferindo maior segurança a alimentação humana. Segundo
Altieri (2010), muitas são variedades locais, geneticamente mais heterogêneas que as
industriais e as sementes foram transmitidas de geração a geração. “Estas variedades
autóctones oferecem maior defesa contra a vulnerabilidade e melhoram a segurança das
colheitas em meio a doenças, pragas, secas e outras tensões” (2010, p.25). Sustenta o

9 Nesse sentido, Gabriel Bianconi Fernandes afirma: “Internamente, no governo, a limitação legal imposta
à livre circulação dos materiais crioulos era sentida, sobretudo nas operações de compra e doação
simultânea então realizadas pela Companhia Nacional de Abastecimento, do Ministério da Agricultura,
(Conab) no âmbito do PAA nas diferentes regiões do país, fato que levou seus gestores a propor ao Grupo
Gestor do PAA uma resolução que institucionalizasse a compra das sementes crioulas pelo programa.8 O
contato direto da Conab com diversas experiências de produção e conservação de sementes crioulas,
somado ao diagnóstico realizado pela ANA, deixou evidente que a efetivação de novas ações nesse tema,
agora reforçadas pela existência da Pnapo, dependeria da resolução desse entrave legal. Esses gargalos
foram eliminados por meio do decreto que instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (Decreto no 7.794, de 20 de agosto de 2012), que associou a dispensa do Renasem ao conjunto
do público atendido pela Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais
(Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006), permitindo a multiplicação de sementes ou mudas para
“distribuição, troca e comercialização entre si, ainda que situados em diferentes unidades da federação”
(art. 12). Passou-se de “um cenário passível de criminalização [do uso de sementes crioulas] para um de
reconhecimento e visibilidade” (ANA, 2012a).” Sementes crioulas, varietais e orgânicas para a agricultura
familiar: da exceção legal à política pública. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no
Brasil : uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável / organizadores: Regina Helena Rosa
Sambuichi ... [et al.]. – Brasília : Ipea, 2017
10 Demonstrando a continuidade deste movimento expresso pelo direito, tramitam no Brasil diversos
Projetos de Leis, que se coadunam com a tendência de crescente apropriação privada da natureza,
especialmente da sua biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados. Um dos exemplos é o
Projeto de Lei (PL) 827 de 2015 de autoria do ex-deputado ruralista Dilceu Sperafico (PP-PR) e que tem
como proposta a alteração da Lei de Proteção de Cultivares Lei n. 9.456 de 1997, que já é bastante
restritiva aos direitos socioambientais dos agricultores. Esta lei regulamenta a propriedade intelectual
referente às cultivares que são plantas que tiveram alguma modificação pela ação humana. A proposta deste
PL é de condicionar a comercialização do produto que for obtido na colheita a uma autorização do detentor
(que geralmente são as indústrias sementeiras) das cultivares e, também, tem o objetivo de aumentar o
número de cultivares protegidas, para restringir o acesso e a utilização livremente pelos agricultores,
tornando propriedade privada o que antes era de acesso comum dos agricultores e povos tradicionais.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Mares de. Et allii. Revista da Faculdade de Direito da UFG.
autor que os agricultores tradicionais com ajuda especializada são e serão “os criadores e
guardiões de uma diversidade biológica e genética que continuará enriquecendo a cultura
alimentar do planeta inteiro.” (2010, p.27). A prática agroecológica é o modelo agrícola
de maior potencial para a segurança alimentar.
A monocultura, a produção com uso intensivo de agroquímicos e modelo de
criação intensiva de animais degradam a natureza mais rapidamente que sua possível
recuperação e respondem por um quarto das emissões de gases de efeito estufa na
atmosfera. Por outro lado, a criação de animais confinados favorece o surgimento de vírus
letais e a disseminação de bactérias resistentes aos antibióticos (ONU, BATINI, LOMAX,
MEHRA, 2017).
A agroecologia é o modelo para a sustentabilidade agrícola, por excelência. Ela
estabelece um novo paradigma produtivo, “como uma constelação de ciências, técnicas e
práticas para uma produção ecologicamente sustentável, no campo.” (LEFF, 2002)
constitutivos de um sentido de saber agroecológico que a final produz um "renascimento
do ser: da natureza, da produção, do agrônomo, do cientista, do técnico, do camponês e
do indígena; a reconstrução do ser que finda sobre novas bases o sentido da produção e
abre as vias a um futuro sustentável.” (LEFF, 2002, p.36) A agroecologia contrapõe-se
ao modelo agroempresarial porque afastando a ideia da produtividade propõe a
valorização do ecossistema, na sua complexidade. Encara os sistemas produtivos como
uma unidade fundamental de estudo, “onde os ciclos minerais, as transformações
energéticas, os processos biológicos e as relações sócio-econômicas são investigadas e
analisadas como um todo.” (ALTIERI, 1989, p.18).
De acordo com a FAO, a agroecologia pode contribuir para atingir as metas da
Agenda 2030, tendo em vista que os seus enfoques atacam as raízes da fome, a pobreza e
a desigualdade ajudando a transformar os sistemas alimentares e a construir meios de vida
resilientes. (FAO, 2015) Segundo essa mesma Instituição, um terço da população do
mundo em desenvolvimento sofre carências de micronutrientes devido a dietas
inadequadas. A agroecologia pode ser a chave para corrigir essa situação. (FAO, 2015,
p.20). Por outro lado, a agricultura familiar produz mais de 80% do alimento do mundo
em termos de valor e, via de regra, os pequenos agricultores são excluídos das políticas
agrícolas. (FAO, 2015, p.20).
No que diz respeito à natureza, há uma super exploração com alta perda de
diversidade que seriam minimizadas em 30% pela atividade agroecológica. No século
passado, perdeu-se 75% da diversidade genética de cultivos alimentares, em torno de 22%
das raças de gado estão em risco de extinção no mundo (FAO, 2015, p.20). As técnicas
agroecológicas favorecem a saúde dos solos. Cerca de 33% das terras do mundo estão
degradadas por erosão, compactação, salinização ou contaminadas por produtos químicos
e se perdem, por ano, 12 milhões de hectares em razão de seca e desertificação. (FAO,
2015, p.20)
O desenvolvimento da agroecologia demanda políticas públicas específicas com
acesso à terra, às sementes, incentivos à produção, financiamentos, apoio técnico e
organização e proteção de mercados. Depende de tratamento legislativo próprio e
adequado para não sucumbir no ambiente econômico da agricultura industrial. Não se
pode esquecer que para a agricultura industrial há políticas, públicas, acesso a terra,
financiamentos e apoio técnico.
Em 2013, o Brasil instituiu o Plano Nacional de Agroecologia no âmbito da
Política Nacional de Agroecologia e de Produção Orgânica. Essa política criada em 2012
pelo Decreto no 7.794 teve por objetivo de integrar, articular e adequar políticas,
programas e ações desenvolvidas no âmbito do governo federal, com o fim de induzir a
transição agroecológica e fomentar a produção orgânica e de base agroecológica,
respondeu à reivindicação das mulheres do campo e da floresta durante a 4a Marcha das
Margaridas, realizada em 2011, e a um processo de luta remontando os anos 1970, com
as Comunidades Eclesiais de Base e vários movimentos sociais de resistência à
denominada revolução verde.
Os Planos Nacionais de Agroecologia são o principal instrumento da Política,
contemplando ações e dispondo de dotações orçamentárias viabilizou apoio a núcleos de
agroecologia desde o acesso às sementes à colocação no mercado.
Embora a iniciativa em termos de políticas públicas mereça elogios e tenha
produzido alguns avanços, muitas críticas se lhes cabe. Embora tivesse significativos
aportes de recursos não reembolsáveis, a execução deles em forma de crédito foi pequena,
tendo em vista que permaneceram as dificuldades burocráticas impostas ao agricultor
para o acesso ao crédito, porque o modelo base de financiamentos é o do agronegócio. O
estudo avaliativo do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica 2013-2015,
realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -IPEA- “aponta a necessidade
de inovar nos instrumentos voltados ao financiamento da agroecologia e da produção
orgânica, por meio da criação de fundos de crédito rotativo, cooperativas de crédito e
outros instrumentos mais adequados para financiar a pequena produção”. (IPEA, 2017,
p.191)
Nos últimos anos, o Brasil vem aprovando um número extraordinário de
agrotóxicos, notadamente a partir de 2016. Somente em 2019 foram registrados novos
474 agrotóxicos- o maior número documentado pelo Ministério da Agricultura desde o
início de divulgação de dados, em 2005. É um volume 5,5% maior do que o de 2018,
quando foram liberados 449 pesticidas — um recorde até então (G1, 2019).
CONSIDERAÇOES FINAIS
Considerando que a soberania alimentar dos povos se mantém sobre dois pilares
fundamentais, o da produção e o do consumo, são necessárias políticas públicas de acesso
à terra, num sistema adequado a isso. O modelo agrícola do agronegócio, com a
capitalização da terra tem-se mostrado impróprio para a produção de alimentos com
qualidade. As políticas de acesso à terra estabelecidas a partir da noção capitalística de
função social da propriedade, estabelecida em desacordo com a proposta constitucional
brasileira, somente tem favorecido a expansão do agronegócio. As políticas para fomentar
a atividade agrícola ecologicamente sustentável tem sido pontuais e ineficientes.
As pessoas precisam de terra para produzir comida. O sistema de acesso à terra no
Brasil é um sistema contrário à produção de comida. É a terra para produzir capital. É a
terra para o agronegócio produzir capital e não a terra de produção de alimento. Os
governos, durante todo o processo histórico, na luta pela emancipação alimentar da
população, têm feito muito menos do que podiam em termos de mudar a legislação para
permitir o acesso a terra apropriado à produção de alimento saudável. Ao contrário, a
concentração da propriedade rural para a produção de commodities aumentou muito nesse
período. Após 2003, ao tempo em que diminuía a fome, aumentava a concentração de
terras, o que é um desvio nas políticas públicas, tendo em vista suas reais consequências.
Por outro lado, consideramos que as políticas públicas se fazem com ou sem a
inclusão na Constituição escrita. Ou seja, não foi necessário estar explícito no texto
constitucional o direito à alimentação para que houvesse desde, 2003, políticas públicas
para combater a fome. Entretanto, mesmo esse direito estando hoje na Constituição não
há políticas públicas, ou estão sendo desmanteladas as políticas públicas de outrora que
tinham por objetivo específico o combate a fome e o direito à alimentação. Isso parece
tornar a construção legislativa secundária no processo. Aparentemente. Na verdade, todas
as políticas públicas,belíssimas e ótimas, com resultados muito positivos, e não só
especialmente o Fome Zero, como a Bolsa Família, o Programa de Aquisição de
Alimentos, a Política Nacional de Agroecologia e de Produção Orgânica, tiveram muito
sucesso. Entretanto não perduraram porque elas não conseguiram alterar a estrutura
jurídica que resulta na falta de efetivação do direito à alimentação, histórica do Brasil.
Considerando a terra e as sementes como elementos fundamentais para a
segurança e soberania alimentar, seria necessária uma estrutura jurídica de
regulamentação de acesso a terra e as sementes que tivesse o objetivo claro de proteger e
fomentar a produção de alimentos saudáveis, e não que fomentasse o capitalismo no setor
agrícola. Isso não acontece.
Nas políticas de combate a fome implantadas e nas suas leis instituidoras, não foi
tocada a estrutura jurídica do país no sentido de facilitar para o agricultor o acesso a
produção de alimentos. As políticas públicas foram excelentes, mas as políticas de
mudanças legais foram muito precárias.
Houve mudança nas políticas de compra e na legislação mas essas alterações não
alcançaram os objetivos de proteger os sujeitos e as práticas agroecológicas, porque as
alterações foram feitas em partes não tão sensíveis ao mercado.
Esses são os pilares básicos do direito à alimentação e fundamentalmente da
segurança e soberania alimentar de um povo. Que tenha acesso à terra, acesso às sementes
e que produza esses alimentos sem destruir o resto da natureza.
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Direito Ambiental e Socioambientalismo | e-ISSN: 2525-9628 | Brasília | v. 3 | n. 1 | p.
119 - 135 | Jan/Jun. 2017.
A GESTÃO DOS RESÍDUOS ORGÂNICOS EM
FLORIANÓPOLIS: CENÁRIO ATUAL E DESAFIOS
NA BUSCA POR UMA CIDADE SUSTENTÁVEL

THE MANAGEMENT OF ORGANIC WASTE IN


FLORIANÓPOLIS: CURRENT SCENARIO AND
CHALLENGES IN THE SEARCH FOR A
SUSTAINABLE CITY

José Rubens Morato Leite ∗


Maria Leonor Cavalcanti Ferreira Codonho ∗∗
Bruno Teixeira Peixoto ∗∗∗

INTRODUÇÃO
A crise ambiental que hoje assola o mundo e inclusive tem correlação com
diversos problemas de saúde pública, como é o caso mais recente da pandemia do novo
coronavírus 1, requer a participação do Poder Público e da coletividade para alterar o


Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito
Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco, Doutor em Direito pela UFSC. Pós Doutor pela
Universidade de Alicante 2013/4 e Macquarie University Sydney 2005/6. Membro da Academia de Direito
Ambiental da IUCN, Pesquisador Bolsista do CNPq 1 C e Pesquisador Destaque da UFSC 2011.
Coordenador da equipe brasileira do Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de
Infraestruturas de Dados Espaciais - JUST-Side, Cyted.
∗∗
Pós-Doutoranda na Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista CAPES, vinculada ao Projeto Print
coordenado pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental. Membro do Grupo de Pesquisa
CNPq Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco. Pesquisadora do Projeto Justside,
coordenado pela Universidade de Coimbra e financiado pela Cyted. Pós-doutora em Direito pela UFSC
(2014), Doutora em Direito pela UFSC.
∗∗∗
Advogado. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pelo Complexo de Ensino Superior de Santa
Catarina (CESUSC). Mestrando em Direito Internacional e Sustentabilidade na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).
1
PEIXOTO, Bruno Teixeira; CODONHO, Maria Leonor. Desmatamento e Coronavírus: Lições para o
Direito Ambiental. Publicado em 30 de março de 2020. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/artigos/desmatamento-e-coronavirus-licoes-para-o-direito-ambiental-30032020>. Acesso em: 22
de jun. 2020.
cenário atual. Desmatamento, mudanças climáticas, perda da biodiversidade, poluição
por resíduos das mais diversas fontes são apenas alguns exemplos dos problemas atuais
que ameaçam a vida e a qualidade de vida. No que se refere especificamente aos resíduos,
a sociedade ainda possui grandes desafios para que a gestão seja realizada de forma
adequada, que são agravados por um paradigma de consumo ilimitado e gerador de
quantidades imensuráveis de resíduos de toda a ordem. Os resíduos orgânicos
especificamente reclamam um olhar particular por parte do Poder Público, do setor
empresarial e de todos os cidadãos, pois representam cerca de 50% dos resíduos urbanos
gerados no Brasil, têm a particularidade de serem reciclados por meio de processos como
a compostagem, em qualquer escala, desde a doméstica até a industrial. A despeito disso,
muitos desses resíduos orgânicos têm sido encaminhados erroneamente para os aterros
sanitários, muito embora possam ser reaproveitados.
Na cidade de Florianópolis, grandes têm sido os avanços no que se refere à coleta
seletiva, mas a coleta dos resíduos orgânicos especificamente ainda é um desafio, fazendo
com que grande quantidade de resíduo orgânico seja depositado em aterro sanitário.
Apesar da existência de alguns Pontos de Entrega Voluntária de Resíduos Orgânicos na
cidade e da recente Lei n. 10.501, de 08 de abril de 2019, vedando a destinação de resíduos
orgânicos para aterros sanitários e estabelecendo metas de acordo com um cronograma
específico, a questão, além de estar longe de ser resolvida, exige detida análise e debate
nos campos político e jurídico.
Nesse sentido, a fim de possibilitar avanços na área e tornar a cidade de
Florianópolis mais sustentável do ponto de vista dos resíduos gerados no Município,
seguindo as diretrizes da ONU elaboradas através dos Documentos Transformando nosso
mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e da Nova Agenda Urbana,
respectivamente nos anos de 2015 e 2016, o presente trabalho buscará delimitar a
contextualização das cidades sustentáveis na perspectiva da ONU, com o foco nos
tratamento dos resíduos, para em seguida apresentar a perspectiva do princípio do
protetor-recebedor e de exemplo legislativo que traz redução de IPTU no caso de imóvel
que encaminhe resíduo para compostagem, sublinhando o protagonismo do Princípio do
Protetor-Recebedor.
Acredita-se, assim, que trazendo o tema para o debate, a fim de possibilitar um
caminho a ser seguido, possa se estar contribuindo para alterar a grande crise civilizatória
que acompanha a humanidade e que depende da atenção, cuidado e dedicação acerca do
impacto do consumo de cada um de nós, iniciando-se no interior dos nossos lares a partir
da destinação adequada dos resíduos, em especial os orgânicos, gerados por todos e todas.

1 CIDADES SUSTENTÁVEIS NA PERSPECTIVA DA ONU E A


QUESTÃO DOS RESÍDUOS
Além da incontroversa crise mundial causada pelos resíduos de plástico, cada vez
mais um problema nos ecossistemas do planeta, como no caso da sistêmica poluição por
microplásticos nos oceanos, há uma crise de poluição pelos resíduos orgânicos.
Os resíduos orgânicos, quando derivados de atividades humanas, especialmente
em ambientes urbanos, constituem-se em um sério problema ambiental, pelo grande
volume gerado e pelos locais inadequados em que são armazenados ou dispostos. A
disposição inadequada de resíduos orgânicos gera chorume, emissão de metano na
atmosfera e favorece a proliferação de vetores de doenças2.
Esse descarte indiscriminado de resíduos orgânicos é estrutural. Há um paradigma
insustentável em curso, hegemônico e internalizado na insustentabilidade da produção e
consumo no mundo, contexto trabalhado no Panorama de Gestão de Resíduos na América
Latina e no Caribe, publicado em 2019, pela ONU. No documento, um habitante das
principais metrópoles latinas por dia gera 1kg de resíduos em média, sendo que 40
milhões de pessoas latinas não têm acesso à coleta de resíduos, e ainda considerando que
mais de 50% dos resíduos por eles gerados são orgânicos, com alerta de que os resíduos
orgânicos são os mais gerados na américa latina e os menos geridos3.
Assim, faz-se necessária a adoção de métodos adequados de gestão e tratamento
destes grandes volumes de resíduos, para que a matéria orgânica presente seja estabilizada
e possa cumprir seu papel natural de fertilizar os solos ao invés de causar ainda mais
poluição4. Contra tal problema estrutural, é preciso destacar que a gestão integral de
resíduos requer modelos de governança coerentes e efetivos, diretrizes amplas para níveis
globais, regionais e locais, este último especificamente em relação às cidades.

2
MMA, Op. Cit.
3
ORGANIZAÇAO DAS NAÇÕES UNIDAS. Panorama de Gestão de Resíduos na América Latina e
no Caribe. 2019. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2019/02/UN_Gestao-de-
residuos-RPTD.pdf>. Acesso em 11 de jun. 2020.
4
ONU, 2019. Op. Cit.
Como aponta Kamila Guimarães de Moraes, para se superar o atual modelo
hegemônico de desenvolvimento e os padrões de produção e consumo insustentáveis, é
necessário que se adote um novo paradigma 5.
Com uma função primordial em face desta crise, o documento “Transformando
nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, adotado na
Assembléia Geral da ONU de 2015, é um guia para as ações da comunidade internacional
nos próximos anos. Consiste em um plano de ação para todas as pessoas e o planeta que
foi criado coletivamente para colocar o mundo em um caminho mais sustentável e
resiliente até 2030. Consta na declaração 6 que se reconhece que o desenvolvimento
urbano e a gestão sustentável são fundamentais para a qualidade de vida do povo e que
se reduzirá os impactos negativos das atividades urbanas e dos produtos químicos que são
prejudiciais para a saúde humana e para o ambiente, inclusive por meio da gestão
ambientalmente racional e a utilização segura das substâncias químicas, da redução e
reciclagem de resíduos e do uso mais eficiente da água e da energia.
A Agenda 2030 consiste em uma Declaração, uma estrutura de resultados - os 17
objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e seus 169 objetivos -, uma seção sobre
meios de implementação e parcerias globais, bem como um roteiro para acompanhamento
e revisão. Os ODS são o cerne da Agenda e devem ser alcançados até o ano 2030. Um
dos objetivos da Agenda 2030 é o Objetivo 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis. A
ideia é tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e
sustentáveis 7. Questões intrinsecamente relacionadas à urbanização, como mobilidade,
gestão de resíduos sólidos e saneamento, estão incluídas nos objetivos do Objetivo do
Desenvolvimento Sustentável 11 da Agenda 2030, no qual há a meta 11.6 que consiste
em “Até 2030, reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive
prestando especial atenção à qualidade do ar, gestão de resíduos municipais e outros” 8.

5
MORAES, Kamila Guimarães de. Obsolescência planejada e direito: (in)sustentabilidade do consumo
à produção de resíduos. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
6
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável. 2016. Disponível em:
<https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda2030-completo-pt-br-
2016.pdf>. Acesso em 11 de jun. 2020.
7
Op. cit.
8
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Plataforma
Agenda 2030. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em:
<http://www.agenda2030.org.br/ods/11/>. Disponível em: 23 de ago. 2019.
Recorde-se que o objetivo 11 da Agenda 2030 está alinhado com a Nova Agenda
Urbana, acordada em outubro de 2016, durante a III Conferência das Nações Unidas sobre
Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável 9. De acordo com o referido
documento, até 2050, espera-se que a população urbana quase duplique, fazendo da
urbanização uma das tendências mais transformadoras do século XXI. Dessa forma,
populações, atividades econômicas, interações sociais e culturais, assim como os
impactos ambientais e humanitários, estão cada vez mais concentrados nas cidades,
trazendo enormes desafios para a sustentabilidade em termos de habitação, infraestrutura,
serviços básicos, segurança alimentar, saúde, educação, empregos decentes, segurança e
recursos naturais, entre outros 10. De acordo com o referido documento, entre os princípios
e compromissos da Nova Agenda Urbana, encontra-se o de garantir a sustentabilidade
ambiental, promovendo o uso de energias limpas e o uso sustentável da terra e dos
recursos no desenvolvimento urbano; protegendo ecossistemas e a biodiversidade,
favorecendo a adoção de estilos de vida saudáveis em harmonia com a natureza;
promovendo padrões de consumo e produção sustentáveis; fortalecendo a resiliência
urbana; reduzindo o risco de desastres; e propiciando a mitigação e a adaptação às
mudanças climática11.
Nesse documento intitulado a Nova Agenda Urbana há um Plano de
Implementação de Quito para a Nova Agenda Urbana, no qual estão elencados, entre seus
Compromissos transformadores para o desenvolvimento urbano sustentável, a promoção
ao acesso equitativo e economicamente viável à infraestrutura física e social básica
sustentável para todos, sem discriminação, incluindo a coleta de resíduos12, além da
promoção de programas para a responsabilidade ampliada do produtor, que incluam
geradores e produtores de resíduos, no financiamento de sistemas urbanos de gestão de
resíduos, reduzindo os riscos e impactos socioeconômicos dos fluxos de resíduos e
aumentando as taxas de reciclagem por meio de uma melhor concepção e projeto dos
produtos 13.

9
Op. cit.
10
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. A Nova Agenda Urbana. Disponível em:
<http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese-Brazil.pdf>. Disponível em: 20 de maio. 2020.
p. 3.
11 Op cit. p. 8.
12 Op cit. p. 12.
13
Op. cit. p. 30.
A questão específica dos resíduos já tinha sido abordada em outros documentos
produzidos pela ONU anteriormente, como é o caso da Agenda 21, elaborada por ocasião
da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, realizada na cidade
do Rio de Janeiro. Dessa forma, o Capítulo 21 da Agenda 21 trata especificamente do
Manejo Ambientalmente Saudável dos Resíduos Sólidos e Questões relacionadas com os
Esgotos 14. Logo em seu item 21.4., o documento destaca que o manejo ambientalmente
saudável desses resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por
métodos seguros dos resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do
problema, procurando mudar os padrões não sustentáveis de produção e consumo.
Ademais, a Agenda 21 faz referência expressa à produção de adubo urbano na
letra c do seu item 21.20, mencionando que a informação e pesquisa são necessárias para
determinar formas vantajosas, rentáveis e socialmente aceitáveis de reaproveitamento ou
reciclagem de resíduos que estejam adaptadas a cada país, sendo que as atividades de
apoio empreendidas pelos Governos nacionais e locais em colaboração com as Nações
Unidas e outras organizações internacionais podem compreender: (c) O aumento do
financiamento de programas-pilotos de pesquisa com o fim de testar diversas opções de
reutilização e reciclagem de resíduos, entre elas, a produção de adubo orgânico.
A toda evidência, percebe-se que os documentos internacionais são claros em
estabelecer a importância de redução da produção de resíduos, bem como da reutilização
e da reciclagem a fim de se possibilitar que a sociedade possa imitar a natureza, seguindo
a máxima de Lavoiser no sentido de que “na natureza nada se perde, tudo se transforma”.
Nesse sentido, valem as considerações de Capra, no sentido de que os sistemas industriais
da sociedade contemporânea são lineares de forma que, para que as atividades industriais
e comerciais possam desenvolver-se, é necessária a extração de recursos que, uma vez
transformados em produtos, deixam os resíduos. O autor ensina que esses produtos são
vendidos para os consumidores, os quais, por sua vez, descartam ainda mais resíduos após
o consumo, fazendo-se necessário que “os padrões sustentáveis de produção e de
consumo tornem-se cíclicos, imitando os processos cíclicos da natureza”. A fim de atingir

14
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Agenda 21. Capítulo 21. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/agenda-21/agenda-21-global/item/681.htm>. Acesso em: 9 de jun. 2020.
esses padrões cíclicos, far-se-á necessário replanejar num nível fundamental nossas
atividades comerciais e nossa economia 15.
Ainda com relação ao tema, Robinson afirma que os resíduos são um desperdício
e a legislação ambiental deve estabelecer sistemas para eliminar o desperdício e reutilizar
ou reciclar todos os resíduos dos produtos atuais. Assim, segundo o autor, novos sistemas
de vidas econômicas serão necessários para identificar as externalidades econômicas e os
seus custos e criar sistemas jurídicos que expõem esses custos e induzem o redesenho de
processos e produtos para eliminar todos os resíduos 16.
Cabe destacar que, na metamorfose mundial em curso, delineada pelo sociólogo
Ulrich Beck, emerge um protagonismo das cidades pelo mundo. As cidades são, assim,
as comunidades de risco cosmopolitas, não como uma rede, mas como uma comunidade
na qual há “troca de informação e encontros regulares para discutir problemas
compartilhados”, moldadas em um “voluntarismo municipal” 17. Com esse viés, assinala
Beck, nenhum outro lugar senão nas cidades mundiais e em suas conexões informais e
formais reside a oportunidade de moldar o potencial para a indignação, o poder da
catástrofe antecipada, em formas políticas institucionais e democráticas tão palpáveis 18.
Em suma, é uma ”realpolitik” urbana, com a qual se entendem as preocupações
com os riscos climáticos globais, com novas alianças urbanas, ecocidades e iniciativas
urbanas verdes, são o espaço para a esperança climática, sendo que “nenhuma outra forma
de organização está mais bem equipada para fazer experiências, inventar e realmente
implementar as novas arquiteturas multilocalizadas de tomadas de decisão políticas para
o século XXI” 19.
Por tudo isso, a gestão dos resíduos municipais continua sendo um grande desafio
para a cidade de Florianópolis, que, apesar dos grandes avanços já implementados desde
a edição da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, necessita continuar destinando

15
Capra, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996. p. 232.
16
ROBINSON, Nicholas A. Challenges confronting the progressive development of a second generation
of environmental laws. INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE AND
NATURAL RESOURCES. Lye Lin-Heng, ed-; Manguiat, Maria Socorro Z., ed. Towards a "second
generation" in environmental laws in the Asian and Pacific region : select trends. Proceedings of an
IUCN/IGES/ADB symposium. IUCN environmental policy and law paper no.048. Gland : IUCN, 2003.
xv, 193p. p. 30 -32. Disponível em: <http://data.iucn.org/dbtw- wpd/edocs/EPLP-048.pdf>. Acesso em 6
de maio de 2013.
17
Op. cit. 213.
18
Op. cit. 221.
19
Op. cit. 233.
grandes esforços para cumprir com todos os princípios dessa legislação. Nesse trabalho,
o objetivo principal será enfocar a questão dos desafios dos resíduos orgânicos em
Florianópolis, considerando que os resíduos orgânicos representam cerca de 50% dos
resíduos urbanos gerados no Brasil 20.
Dessa forma, no próximo item analisar-se-á o histórico da gestão dos resíduos em
Florianópolis para em seguida se chegar no cenário dos resíduos orgânicos no referido
Município.

2 HISTÓRICO DA GESTÃO DOS RESÍDUOS EM


FLORIANÓPOLIS E CENÁRIO ATUAL
Florianópolis é uma cidade com uma população de aproximadamente 500.973
habitantes21. Apresenta 87.8% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 32%
de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 54.4% de domicílios urbanos
em vias públicas com urbanização adequada (presença de bueiro, calçada, pavimentação
e meio-fio) 22. Em virtude de seus atratativos, a população aumenta em média 2,5%/ano23.
No que se refere especificamente aos resíduos, apesar da necessidade de se avançar a fim
de se efetivar os princípios da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos na cidade de
Florianópolis, é possível afirmar que já existem grandes avanços no que se refere à gestão
dos resíduos nesta cidade, considerando-se a história da gestão de resíduos de
Florianópolis.
Cronologicamente, em 1830, foi aprovada uma lei determinando que o lixo urbano
fosse lançado nos rios e no mar, para evitar que os detritos jogados pelos próprios
moradores se acumulassem nas ruas e terrenos baldios. O serviço de remoção de lixo,

20
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Compostagem doméstica, comunitária e institucional de
resíduos orgânicos: manual de orientação [recurso eletrônico] / Ministério do Meio Ambiente, Centro
de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo, Serviço Social do Comércio/SC. Brasília, DF: MMA,
2018. Disponível em: <
https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80058/Compostagem_Manual_2018_11_26_digital_figuras_c_t
itulo.pdf>. Acesso em: 29 de mai. 2020.
21
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Florianópolis. Disponível em:
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/panorama>. Acesso em: 21 de ago. 2019.
22
Op. cit.
23
COMCAP. Minhoca na cabeça. Março, 2018. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/MinhocaCabeca/pdf/Tutorial_Minhoca_na_Cabeca.pdf>. Acesso
em: 7 de jun. 2020. p. 3.
por sua vez, iniciou-se em 1877 e era executado por particulares com carroções puxados
a burro. O destino final eram as praias da Baía Norte, onde se faziam os despejos24.
Mais adiante, em 1914, para acabar com o acúmulo de lixo nas praias foi
construído próximo à Ponte Hercílio Luz, o forno do lixo, que funcionou durante quase
meio século queimando os resíduos da Capital25.
Em virtude do aumento da população e da produção de resíduos, em 1958, surgiu
o “lixão” da cidade. Os resíduos sólidos passaram a ser dispostos no manguezal do bairro
do Itacorubi, em uma área de aproximadamente 12 hectares, durante mais de 30 anos,
acarretando sérios problemas de saúde pública e de degradação do mangue 26. Lembre-se
aqui que o Código Florestal brasileiro, Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, em seu artigo
4o, inciso VII, considera os manguezais em toda a sua extensão como Área de Preservação
Permanente (APP) (BRASIL, 2012). O referido lixão foi desativado em 1990, graças à
pressão popular.
Na área, onde foi executado a partir de 2000 projeto de recuperação e organização
paisagística, hoje funciona o Centro de Transferência de Resíduos Sólidos (CTReS), com
Estação de Transbordo da Companhia de Melhoramentos da Capital - COMCAP, Centros
de Triagem gerenciados por associações de catadores, um espaço de educação ambiental
e o Museu do Lixo 27.
Durante as discussões para acabar com o “lixão” do bairro do Itacorubi, foi
implementado, em 1986, o Programa Beija-flor, embrião do sistema de coleta seletiva em
funcionamento atualmente no município. Florianópolis foi a primeira cidade no Brasil a
implantar a coleta seletiva, e o Programa Beija-flor serviu como fonte de inspiração para
outros projetos no País. O objetivo era tratar o lixo domiciliar dentro das comunidades
que o produziam, incentivando a coleta seletiva e o seguinte destino ao lixo: o material
reciclável seco era comercializado, o material orgânico era tratado através da
compostagem (para que o adubo resultante fosse utilizado em hortas comunitárias) e os
rejeitos eram encaminhados ao ponto de coleta convencional mais próximo28. Em
Florianópolis, desde a década de 1970, o serviço de limpeza urbana é realizado por uma

24
COMCAP/FLORAM. Considerando mais o lixo / [organização] Adriana Baldissarelli ... [et al.]. – 2.
ed. rev. e ampl. – Florianópolis: Copiart, 2009. p. 69.
25
Op. cit. p. 70.
26
Op. cit. p. 70.
27
Op. cit. p. 70.
28
Op. cit. p. 71.
empresa de economia mista municipal, a Companhia Melhoramentos da Capital
(COMCAP), cuja acionista majoritária é a Prefeitura Municipal de Florianópolis29.
A coleta domiciliar de resíduos sólidos urbanos é universal, atendendo a 100% da
cidade de Florianópolis. A cidade tem coleta seletiva há mais de 30 anos, é pioneira no
Brasil na coleta de recicláveis de porta em porta, e consegue desviar hoje em torno de 7%
do total de resíduos recolhidos30. Para se ter uma noção dos dados mais recentes, o total
de resíduos movimentados pela Autarquia de Melhoramentos da Capital, concessionária
dos serviços de limpeza urbana em Florianópolis, em 2019 foi de 212.303 toneladas.
Desse total, entretanto, somente 7,15% foram desviados do aterro sanitário por meio da
coleta seletiva, da coleta de resíduos volumosos ou da entrega voluntária nos ecopontos
e PEVs da Comcap e encaminhados para reaproveitamento ou reciclagem 31.
A Prefeitura de Florianópolis doa toda a produção da coleta seletiva da Comcap
a três associações de catadores da Capital e sete da Grande Florianópolis, proporcionando
renda para 200 pessoas. O material separado pela população de Florianópolis para a coleta
seletiva da Comcap permite ganhos em torno de R$ 4,5 milhões ao ano, entre a economia
com aterramento e a receita gerada com a comercialização dos recicláveis pelas
associações. A produção média mensal de resíduos em Florianópolis durante a temporada
aumenta em média 21%, mas se comparar janeiro com julho , o acréscimo com a
sazonalidade do turismo chega a aumentar em 50% o peso coletado32. Cumpre ainda
destacar que o resíduo recolhido pela limpeza pública passa pela Estação de Transbordo
da Comcap, no CTReS, localizado no bairro Itacorubi, e o que não é reciclado ou
reaproveitado segue para o Aterro Sanitário no município de Biguaçu, a 40 quilômetros
de distância, de propriedade de uma empresa privada 33.
Mais recentemente, ainda sobre a gestão dos resíduos na cidade de Florianópolis,
foi editado o Decreto n. 18.646, em 4 de junho de 2018, o qual institui o Programa

29
Op. cit. p. 71.
30
COMCAP. Minhoca na cabeça. Março, 2018. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/MinhocaCabeca/pdf/Tutorial_Minhoca_na_Cabeca.pdf>. Acesso
em: 7 de jun. 2020. p.5.
31
PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Movimentação de resíduos em 2019. Disponível
em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/comcap/index.php?cms=valorizacao+de+residuos+solidos&menu=
5&submenuid=1414>. Acesso em: 24 de set. 2019.
32
PREEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Indicadores da geração de resíduos. Disponível
em: <http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/comcap/indicadores.php>. Acesso em: 24 de set. 2019.
33
Op. cit. p. 71.
Florianópolis Capital Lixo Zero, o Grupo de Governança e dá outras providências34. De
acordo com o § 1º, do artigo 1o , do referido decreto, o programa é um conjunto de
projetos, ações, atividades e técnicas, métodos e inovações que objetivam incentivar a
sociedade civil, a iniciativa privada e o poder público a não produção ou redução da
geração e/ou ainda, a valorização dos resíduo sólido urbano e sua reintrodução na cadeia
produtiva. O§ 2º do artigo 1o, por sua vez, afirma que o Programa tem como premissa a
produção e o consumo consciente, responsável e sustentável com a não geração de
resíduos e o combate ao desperdício, garantindo a hierarquia das prioridades, tal como
definidas no art. 9º da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, de forma ambientalmente
adequada, processo esse que se traduz na minimização da destinação final, na máxima
segregação de resíduos nas fontes geradoras, no tratamento dos resíduos orgânicos através
da compostagem ou afins e na valorização dos recicláveis.
O artigo 3o do Decreto n. 18.646 traz como metas do Programa Florianópolis
Capital Lixo Zero “alcançar o desvio de resíduos enviados ao aterro sanitário, conforme
estabelecido no PMGIRS, a saber: até o ano de 2030, de 60% (sessenta por cento) de
resíduos secos e de 90% (noventa por cento) dos resíduos orgânicos”. Hoje, a Comcap já
realiza 56% da meta de desvio de recicláveis secos e 19% da meta para resíduos
orgânicos. Mas, a meta é da cidade e não apenas do Poder Público, por isso devem ser
acrescidas aos indicadores as quantidades desviadas em iniciativas comunitárias,
particulares e de organizações. Esse sistema de informações integradas está em
desenvolvimento pela Prefeitura de Florianópolis35.
Como se observa, as metas assinaladas pela Prefeitura de Florianópolis são
ambiciosas e interconectadas, já que, por exemplo, não adianta a atuação do Poder
Público sem a participação do cidadão que precisa estar atendo à separação dos resíduos
orgânicos em suas casas, contribuindo assim para que a responsabilidade compartilhada
possa ser de fato concretizada na prática. No próximo item, será examinado o cenário
atual dos resíduos orgânicos na cidade de Florianópolis e as principais iniciativas para

34
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. Decreto n. 18.646, em 4 de junho de 2018. Institui o Programa
Florianópolis Capital Lixo Zero, o Grupo de Governança e dá outras providências. Disponível em: <
https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/decreto/2018/1864/18646/decreto-n-18646-2018-
institui-o-programa-florianopolis-capital-lixo-zero-o-grupo-de-governanca-e-da-outras-providencias>.
Acesso em: 20 de jun. 2020.
35
PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Indicadores da geração de resíduos. Disponível
em: <http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/comcap/indicadores.php>. Acesso em: 24 de set. 2019.
que as metas elencadas sejam alcançadas para esse tipo de resíduo.

3 A GESTÃO ESPECIFICA DOS RESÍDUOS ORGÂNICOS NA


CIDADE DE FLORIANÓPOLIS A PARTIR DA COMPOSTAGEM
Do ponto de vista histórico, com o crescimento das vilas e cidades, grande parte
da população foi deixando de plantar e, dessa forma, não encontrava mais utilidade para
aplicar o composto decorrente da reciclagem dos resíduos orgânicos no seu novo estilo
de vida. Assim, o reaproveitamento dos resíduos orgânicos foi perdendo importância,
passando a serem descartados misturados aos resíduos inorgânicos. Dessa forma, os
resíduos orgânicos, que antes eram uma solução para a produção de alimentos gerada no
quintal das casas, tornaram-se um problema pela grande quantidade gerada e pela
disposição inadequada, lembrando que ao se decompor em um ambiente inapropriado,
produzem líquidos e gases poluidores, contaminando a água e o solo36.
Na cidade de Florianópolis, a COMCAP possui atualmente quatro pátios de
compostagem localizados respectivamente: a) no sul da ilha, no interior da Base
Operacional Sul, na Rua Francisco José Vieira, n. 198, no Morro das Pedras; b) no norte
da Ilha, na denominada Base Operacional Norte da Comcap, localizada na Rua Vasco de
Oliveira Gondin, s.n., em Canasvieiras; c) no Centro de Valorização de Resíduos (CRV)
da COMCAP localizado na Rodovia Admar Gonzaga, 72, em frente ao Cemitério do
Itacorubi; d) no Jardim Botânico localizado no Itacorubi.
No que se refere ao pátio de compostagem do CRV, A COMCAP, em convênio
com a Associação Orgânica e em parceria com a UFSC, realiza a compostagem de
resíduos orgânicos em um pátio de 4 mil m² neste centro. No convênio, a Associação
Orgânica é responsável pela coleta de resíduos sólidos orgânicos em locais específicos,
como restaurantes, hospitais e Assembléia Legislativa; encaminha-os para o pátio de
compostagem da COMCAP no CTReS. A COMCAP, por sua vez, realiza a remoção da
vegetação urbana e recebe resíduos de podas provenientes de serviços públicos e privados
realizados no município, que são trituradas e utilizadas nas leiras de compostagem, assim

36
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Compostagem doméstica, comunitária e institucional de
resíduos orgânicos: manual de orientação [recurso eletrônico] / Ministério do Meio Ambiente, Centro
de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo, Serviço Social do Comércio/SC. Brasília, DF: MMA,
2018. Disponível em: <
https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80058/Compostagem_Manual_2018_11_26_digital_figuras_c_t
itulo.pdf>. Acesso em: 29 de mai. 2020. p. 12.
como os capins e restos de grama. A UFSC, através do Departamento de Engenharia
Rural e seu Núcleo de Processamento de Resíduos, mantém um projeto de pesquisa
registrado em parceria com a COMCAP e Associação Orgânica para acompanhar a
operação do pátio de compostagem da COMCAP. Assim, com esta configuração são
reciclados em torno de 01 toneladas de resíduos de alimentos e 02 de resíduos vegetais
por dia, ou 60 toneladas por mês. Além da produção do composto, o pátio de
compostagem é utilizado pela equipe de educação ambiental da COMCAP/ Museu do
Lixo, no roteiro de visita que realizam no CVR, recebendo em média 6.000 alunos e
grupos interessados por ano 37.
Para além dos pátios da COMCAP, há também o Projeto Família Casca que é
uma parceria entre a FLORAM, Associação Orgânica e UFSC, com apoio da COMCAP,
desenvolvido no Parque Ecológico do Córrego Grande. Conta com um Ponto de Entrega
Voluntária para receber resíduos orgânicos trazidos pela população e um pequeno pátio
de compostagem. O projeto realiza ações de sensibilização com a comunidade, escolas e
grupos interessados. Entre os benefícios do Projeto Família Casca está a redução da
quantidade de resíduos sólidos enviados ao aterro sanitário, a produção de adubo através
do processo de compostagem e a doação aos participantes que têm interesse. Atualmente
o Projeto recebe aproximadamente 100 kg de resíduos orgânicos por dia ou cerca de três
toneladas mensais. O pátio de compostagem está inserido no roteiro de educação
ambiental da FLORAM e em 2014 foi visitado por 443 turmas escolares (cerca de 13.000
alunos) e grupos interessados38.
Mencione-se ainda que, em 2012 o SESC incorporou entre seus princípios a
educação ambiental como atividade prática. Assim, com assessoria do CEPAGRO, pátios
de compostagem institucional em três unidades do estado: Florianópolis, Blumenau e
Lages. Em Florianópolis, no SESC Cacupé, é reciclada em média 01 tonelada por dia, ou
cerca de 30 toneladas por mês de resíduos sólidos orgânicos provenientes das unidades
do Estreito e Prainha, bem como da própria unidade Cacupé que dispõe de hotel e
restaurante. Todos os resíduos de podas de árvores e de roçadas destas unidades também

37
SILVA, Berenice Martins da (et. al). Critérios Técnicos para elaboração de Projeto, Operação e
Monitoramento de Pátios de Compostagem de Pequeno Porte. Jun, 2017. Disponível em:
<http://www.fapesc.sc.gov.br/boletim-tecnico-apresenta-propostas-de-reciclagem-organica/>. Acesso em:
11 de jun. 2020. p. 11.
38
Op. cit. p. 12.
são utilizados na compostagem 39.
Com relação à gestão comunitária dos resíduos orgânicos, o Projeto Revolução
dos Baldinhos do bairro de Monte Cristo, localizado em Florianópolis, não pode deixar
de ser mencionado, em virtude de seu potencial transformador, já que surgiu em outubro
de 2008, a partir de mobilização comunitária no bairro em comento, com o objetivo de
resolver a incidência de ratos e casos de leptospirose. A solução adotada à época foi
“retirar o alimento dos ratos”, pois o resíduo disposto nas ruas pelos moradores era
revirado por animais e ao ficar exposto atraía roedores e outros vetores, focos de doenças.
A medida envolveu a sensibilização dos moradores, que pela educação ambiental
passaram a separar os resíduos orgânicos e depositar em recipientes fechados – “os
baldinhos” 40.
Os resíduos orgânicos separados nas casas são destinados aos PEV ́s distribuídos
nas ruas da comunidade, coletados periodicamente e encaminhados para o pátio de
compostagem. Os resultados positivos alcançados, especialmente quanto às melhorias em
saneamento ambiental e saúde local, levaram a comunidade a denominar este projeto de
Revolução dos Baldinhos 41. O Projeto virou modelo de gestão comunitária de Resíduos
Orgânicos e Agricultura Urbana e em 2013 foi reconhecido pela Fundação Banco do
Brasil como Tecnologia Social (TS) modelo para o país, pelo seu poder de replicabilidade
em diferentes realidades. Já foi disseminado no SESC em Florianópolis, Blumenau e
Lages, e vem sendo objeto de interesse de prefeituras como Garopaba/SC, Joinville/SC e
São Paulo/SP 42.
Os resíduos orgânicos são transformados em adubo orgânico a partir do processo
de compostagem, pelo “método UFSC”. Parte do composto é distribuído gratuitamente
às famílias e instituições participantes do PRB, que o utilizam nas hortas caseiras e hortas
escolares, promovendo hábitos saudáveis de alimentação e promovendo a segurança
alimentar da comunidade. O restante é comercializado para uso doméstico e jardinagem
amadora, no intuito de prover a autonomia financeira do grupo comunitário43.

39
SILVA, Berenice Martins da (et. al). Critérios Técnicos para elaboração de Projeto, Operação e
Monitoramento de Pátios de Compostagem de Pequeno Porte. Jun, 2017. Disponível em:
<http://www.fapesc.sc.gov.br/boletim-tecnico-apresenta-propostas-de-reciclagem-organica/>. Acesso em:
11 de jun. 2020. p. 12.
40
Op. cit. p. 12.
41
Op.cit. p. 12.
42
Op. cit. p. 12.
43
Op. cit. p. 12.
O modelo descentralizado de gestão comunitária de resíduos orgânicos do PRB
promove o envolvimento dos moradores da comunidade, com destaque para sua
juventude, sensibiliza as famílias e instituições, gera renda, reduz custos de coleta e
disposição final de resíduos sólidos, trazendo benefícios sociais e ambientais às
comunidades. Através da atuação do PRB, a fração orgânica dos resíduos sólidos gerados
pelos participantes do projeto deixa de ser enviada ao aterro sanitário, em um modelo
adequado à Lei 12.305/2010 44.
Para além dos Pátios de Compostagem da COMCAP com os respectivos Pontos
de Entrega Voluntária de Orgânicos, da gestão realizada pelo Projeto Família Casca no
Parque Ecológico do Córrego Grande e da compostagem realizada pela comunidade do
Monte Cristo, existem outras iniciativas comunitárias na cidade de Florianópolis. De
acordo com a Comcap, hoje Florianópolis já conta com milhares de iniciativas
domiciliares de recuperação dos orgânicos na fonte, com minhocários ou outros métodos,
e pelo menos 30 pátios de compostagem e pontos de entrega de orgânicos institucionais
e privados 45.
Mais recentemente, a Prefeitura de Florianópolis, por meio da Comcap, lançou
em seminário em 8 de junho de 2018, às 8h, no Jardim Botânico, o projeto “Ampliação e
Fortalecimento da Valorização de Resíduos Orgânicos no município de Florianópolis”,
segundo colocado nacional em edital do Fundo Nacional de Meio Ambiente e viabilizado
por acordo de cooperação financeira com o Fundo Socioambiental Caixa46. Com o
projeto, a Prefeitura de Florianópolis implantará projeto piloto de coleta de resíduos
orgânicos ponto a ponto 47. Entre as ações previstas no projeto, cite-se: a) Implantação de
coleta seletiva de orgânicos ponto a ponto. Serão instalados pontos de entrega voluntária
de orgânicos em centros de saúde, escolas da rede municipal e outros pontos estratégicos;
b) Implantação de dois novos pátios pela Floram; c) Fortalecimento das duas iniciativas

44
Op.cit. 12.
45
PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANOPOLIS. Prefeitura lança coleta seletiva de orgânicos
por pontos. Projeto piloto será implantando com colaboração comunitária e recursos federais.
Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/comcap/index.php?pagina=notpagina&menu=&noti=19697 >.
Acesso em: 17 de jun. 2020.
46
Op. Cit.
47
Op. Cit.
de compostagem comunitária já existentes Revolução dos Baldinhos e Horta Pedagógica
do Pacuca; d) Implantação de cinco novos pátios com gestão comunitária 48.
Dentro dessa lógica, a grande novidade iniciada em 2020 é a coleta de resíduos
recicláveis verdes que são resíduos de quintal e jardim separados na origem. São
exemplos de resíduos verdes: grama, capim, folhas, flores, cascas de árvore com ou sem
folhas, os quais serão utilizados na cobertura das leiras de compostagem. Dessa forma,
galhos e troncos serão triturados, transformados em cepilho, para uso em pátios de
compostagem, no paisagismo de áreas públicas e na cobertura de hortas e jardins49. A
Prefeitura destacou que em razão da greve na Comcap, o calendário da coleta de verdes
ficou suspenso na semana do dia 15 de junho de 2020, sendo que novo calendário será
divulgado 50.
Para além dessa medida, há que se mencionar a edição da Lei n. 10.501/2019 e
a obrigatoriedade da compostagem no Município de Florianópolis. Com repercussões
positivas sentidas no Brasil inteiro 51, a Câmara de Vereadores do Município de
Florianópolis, em 08 de abril de 2019, promulgou a Lei ordinária n. 10.501 52,
regulamentando a obrigatoriedade da destinação ambientalmente adequada de resíduos
sólidos orgânicos por meio de processos de reciclagem e compostagem, além de firmar
compromisso legal com os incentivos à compostagem doméstica, comunitária e com a
viabilização de sistemas de coleta domiciliar. Além disso, com a nova lei proíbe-se a
destinação dos resíduos orgânicos aos aterros sanitários e às incinerações no município.
Cumpre referir que a aludida lei municipal não possui norma semelhante no
Brasil. Regulamentando a citada lei, publicou-se o Decreto municipal n. 20.645/2019.
Trata-se de inovador instrumento normativo ambiental, capaz de estabelecer novo
contexto para a gestão de resíduos sólidos orgânicos no Brasil, sobretudo frente ao

48
Op. Cit.
49
PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Ebook coletiva seletiva de verdes por bairros
de Florianópolis. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/07_06_2020_12.51.37.18e2576b4d4b1dae2fd5ad9db3
6d6>. Acesso em: 18 de jun. 2020.
50
PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Coleta de resíduos domiciliares. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/servicos/index.php?pagina=servpagina&id=260>. Acesso em: 18 de jun. 2020.
51
PORTALG1. Florianópolis sanciona lei que obriga estabelecimentos a separarem lixo orgânico para
compostagem. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sc/santa-
catarina/noticia/2019/04/11/florianopolis-sanciona-lei-que-obriga-estabelecimentos-a-separarem-lixo-
organico-para-compostagem.ghtml>. Acesso em 11 de jun. de 2020.
52
FLORIANÓPOLIS. Câmara de Vereadores de. Lei n. 10.501, de 08 de abril de 2019. Disponível em:
<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/pdf/08_04_2019_18.41.56.7f9a272c53b196b1195c35f544092
ffd.pdf>. Acesso em 11 de jun. de 2020.
disposto acerca dos nos sujeitos passivos da obrigatoriedade da lei. Conforme o parágrafo
único do art. 1º da lei, “estão sujeitas à observância desta Lei as pessoas jurídicas, de
direito público ou privado responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos
e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de
resíduos sólidos”, em especial o art. 4º, que prevê “a vedação de destinação aos aterros
sanitários a que se refere o caput do art. 2º desta Lei deverá ser aplicada para pessoas
jurídicas de direito público, pessoas jurídicas de direito privado e condomínios
residenciais ou comerciais”.
Nesse sentido, estipula-se à exigência a ordem crescente de porcentagem de
resíduos orgânicos que deverão ser destinados de modo ambientalmente adequado,
utilizando-se dos termos legais postos pela Lei Federal n. 12.305/2010 – Lei da Política
Nacional dos Resíduos Sólidos , que no art. 3° diz que “destinação final ambientalmente
adequada é destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem,
a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos
competentes, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas
de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos
ambientais adverso”. Dessa forma, a lei de Florianópolis delimita o progresso quantitativo
de destinação de resíduos orgânicos, iniciando com a meta obrigatória segundo a qual
deverá ser destinado 25% dos resíduos orgânicos à compostagem até 5 de junho de 2020
e a cada ano uma porcentagem maior até que seja atingido o total de 100% em 5 de junho
de de 2030. Essa meta deverá ser cumprida pelas pessoas jurídicas de direito público,
pessoas jurídicas de direito privado e condomínios residenciais ou comerciais, nos termos
do artigo 4o da Lei n. 10.501, de 2019.
Ademais, como exemplo de atuação do Poder Público Municipal de Florianópolis
em favor da articulação sistêmica para a implantação efetiva do destino ambiental
adequado do resíduo orgânico, o art. 5º da referida lei prevê que “o Poder Executivo
poderá destinar áreas de sua propriedade em todas as regiões para realização de
compostagem que atendam as especificações técnicas”, reforçando inclusive a função
socioambiental da propriedade pública, concretizando o previsto no art. 5º, XXIII, de que
toda a “propriedade atenderá a sua função social”, e do art. 170, III, de que a ordem
econômica brasileira observará a função social da propriedade”.
Nesse mesmo viés, pelo §1º do art. 5º, a lei florianopolitana dispõe que “deverão
ser priorizadas, na implementação das determinações desta Lei, as iniciativas
comunitárias, coletivas ou de cooperativas de catadores”, o que implica cogitar a
concretização do princípio da participação e cooperação ambientais, ensejadores de um
Direito Ambiental que faz os cidadãos saírem de um estatuto passivo de beneficiários,
fazendo-os partilhar da responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira. 53
Com efeito, a referia lei n. 10.501, de 2019, de Florianópolis ainda estipula, em seu art.
7º, incisos IV e VI, respectivamente, “estimular as iniciativas comunitárias e de
cooperativas na gestão dos resíduos sólidos orgânicos” e “ incentivar a compostagem
doméstica e viabilizar sistemas de coleta domiciliar dos resíduos sólidos orgânicos,
preferencialmente por meio da gestão comunitária”. Essas medidas possibilitam a
participação dos cidadãos acerca de suas responsabilidades individuais, diárias, que
dizem respeito ao impacto na cidadania ambiental e na responsabilidade compartilhada.
Como princípio estruturante da Política Nacional dos Resíduos Sólidos brasileira,
conforme art. 3º, XVII e art. 30, caput, ambos da Lei Federal n. 12.305/2010, a
responsabilidade compartilhada diz respeito ao dever do fabricante, importador,
distribuidor, comerciante e, sobretudo, do consumidor, definindo que o recolhimento e a
destinação ambiental adequada do resíduo é o centro da responsabilidade compartilhada,
não sendo um favor ou um ato de benevolência, mas uma obrigação de todos os atores
envolvidos nesse processo econômico, social e principalmente ecológico 54.
É evidente a guinada para um caminho a uma cidade mais sustentável a partir da
edição da referida norma que deverá ser devidamente publicizada e fiscalizada para se
tornar efetiva, lembrando que seria bastante interessante que a lei reduzisse o IPTU dos
imóveis que aderissem à compostagem, estimulando o referido comportamento, inclusive
cabendo estabelecer paralelo com as diretrizes da Nova Agenda Urbana da ONU,
sistematizada pelo programa ONU-HABITAT III, em cujo projeto está expressado 55 o
apoio à descentralização da tomada de decisões relativa à gestão de resíduos para
promover o acesso universal a sistemas de gestão sustentável de resíduos, à promoção de
programas para a responsabilidade ampliada do produtor, que incluam geradores e
produtores de resíduos, no financiamento de sistemas urbanos de gestão de resíduos,

53
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 25 ed. ver. ampl. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2017. p. 128.
54
Op. cit. p. 687.
55
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, Nova Agenda Urbana. 2016. Disponível em:
<http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese-Brazil.pdf >.Acesso em 11 de jun. 2020.
reduzam os riscos e impactos socioeconômicos dos fluxos de resíduos e aumentem as
taxas de reciclagem por meio de uma melhor concepção e projeto dos produtos.
Outra iniciativa político-jurídica com similares diretrizes, voltada também à
evolução para cidades mais sustentáveis, é o projeto Green New Deal Los Angeles, o qual
possui metas como: Aumentar a taxa de desvio de aterros para 90% até 2025; 95% até
2035; e 100% até 2050; Reduzir a geração de resíduos sólidos municipais per capita em
pelo menos 15% até 203056.
Assim como todos as iniciativas ligadas à gestão de resíduos tomadas em
Florianópolis, a Lei n. 10.501/2019 tem fundamental papel para que se estabeleça novos
padrões de produção, de consumo e de destinação de resíduos sólidos orgânicos em favor
de uma cidade mais sustentável, somada à atuação da UFSC, da sociedade civil, da
FLORAM e sobretudo da COMCAP neste trabalho coletivo e transgeracional de
superação da crise ambiental vivida. E apesar da evidente novidade normativa ambiental
que trouxe a Lei n. 10.501/2019 de Florianópolis, é preciso repisar, como leciona o
Ministro Herman Benjamin, de que no Brasil deve afastar o Estado teatral do direito
ambiental, conhecido como aquele que, ao regular a proteção do meio ambiente, mantém
uma situação de vácuo entre a lei e a implementação, cabendo dizer que a legislação
ambiental é um nada quando não cumpre seus objetivos através de um programa eficiente
de implementação, vez que a lei ambiental deve ser verdadeiramente aplicada,
alcançando-se, assim, seus objetivos e finalidades57
Em síntese, como balanço entre as perspectivas possíveis a partir da Lei n.
10.501/2019, são incontroversos os benefícios para a gestão de resíduos sólidos orgânicos
em Florianópolis com o aludido veículo normativo, porquanto concretiza iniciativa que
corrobora todo um movimento de reciclagem e conscientização antigo na cidade, como o
exercício da COMCAP e demais iniciativas historicamente levadas a cabo na capital
catarinense.

56
L.A.’S Green New Deal. Sustainability Plan 2019. Green New Deal. Disponível em:
<https://plan.lamayor.org/targets/targets_plan.html Acesso em 11 de jun. de 20
20>. Acesso em: 18 de jun. 2020.
57
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O Estado teatral e a implementação do direito
ambiental, 2010. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/30604>. Acesso em 11 de jun.
2020.
4 O PRINCÍPIO PROTETOR-RECEBEDOR NO CASO DA
COMPOSTAGEM DE RESÍDUOS E O EXEMPLO DE OUTROS
MUNICÍPIOS NO BRASIL
A proteção de um bem natural em benefício da coletividade deve ser estimulada
pela ordem jurídica brasileira, de forma a garantir que as condutas amigas do meio
ambiente sejam premiadas e incentivadas. Dessa forma, o princípio do protetor-recebedor
homenageia este perfil de agente, prevendo que haja algum tipo de incentivo financeiro
relativo à prestação de um serviço de proteção ambiental, considerando que aquele cujas
práticas produzem externalidades positivas faz jus ao recebimento de uma remuneração
como forma de internalizá-la 58.
A respeito do tema, cumpre lembrar que a Organização das Nações Unidas
produziu um documento intitulado Avaliação Ecossistêmica do Milênio, no qual
conceitua os serviços ecossistêmicos como sendo os benefícios que as pessoas obtêm dos
ecossistemas. Entre os serviço identificados no referido documento encontram-se os
serviços de base ou suporte que são os serviços necessários para a produção de todos os
outros serviços, nomeadamente a formação do solo, os ciclos dos nutrientes ou a
produtividade primária 59.
O Código Florestal Brasileiro estabelece pagamento por serviços ambientais para
atividades que buscam conciliar produtividade agropecuária e florestal, com redução de
impactos ambientais. No Brasil, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), em seu artigo
41, inclusive, prevê a possibilidade de o Poder Público estabelecer pagamentos por
serviços ambientais para aquelas atividades que conciliem a produtividade agropecuária
e florestal, com redução dos impactos ambientais.
Quanto à implementação do princípio do protetor-recebedor, além do pagamento
por serviços ambientais prevista no Código Florestal, o que existe até o momento são
iniciativas isoladas de alguns entes da federação e para determinados tributos. Por
exemplo, uma forma de incentivo é a compensação tributária, que se materializa, por

58
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. O pagamento por serviços ambientais. Sustentabilidade e displicina
jurídica. São Paulo: Eidotra Atlas S.A., 2012. p. 137.
59
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE. Ecosystems and Human Well-
being:Current State and Trends. Volume 1. Edited by Rashid Hassan, Robert Scholes, Neville Ash.
Washington, Covelo e Londres: Islandpress, 2005. Disponível em:
<http://www.millenniumassessment.org/documents/document.766.aspx.pdf>. Acesso em: 20 de jun. de
2019.p.vii.
exemplo, no abatimento de tributos do agente, redução de alíquotas, etc. Essa é ideia do
princípio do protetor-recebedor. Com isso, promove-se uma cultura de condutas
favoráveis e protetoras do meio ambiente. As atuações preventiva e repressiva são
complementares no que diz respeito à preservação ambiental. Sabe-se que as normas
ambientais de cunho excessivamente repressivos nem sempre garantem o efetivo
cumprimento e respeito ao meio ambiente. Desse modo, a função protetiva do direito
ambiental poderá surtir efeitos ativos e concretos se aliar incentivos comportamentais
para aquelas ações socioambientais desejáveis 60.
No Estado de Minas Gerais, Município que trata o esgoto sanitário e dispõe
adequadamente o resíduo, através de sistemas de aterro sanitário e usina de compostagem,
amplia a arrecadação por meio do ICMS Ecológico, de acordo com o critério meio
ambiente, previsto no artigo 1°, inciso VIII, da Lei 13.803/00, de que “a parcela da receita
do produto da arrecadação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação - ICMS - pertencente aos municípios, observará o critério do meio
ambiente, observada a parcela de, no máximo, 50% (cinquenta por cento) do total será
distribuída aos municípios cujos sistemas de tratamento ou disposição final de lixo ou de
esgoto sanitário, com operação licenciada pelo órgão ambiental estadual, atendam, no
mínimo, a, respectivamente, 70% (setenta por cento) e 50% (cinquenta por cento) da
população, sendo que o valor máximo a ser atribuído a cada município não excederá o
respectivo investimento, estimado com base na população atendida e no custo médio "per
capita" dos sistemas de aterro sanitário, usina de compostagem de lixo e estação de
tratamento de esgotos sanitários, fixado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental.
A Administração Municipal, para receber esse recurso, deve investir em pelo
menos um desses sistemas, devidamente licenciados pelo Conselho Estadual de Política
Ambiental: a) aterro sanitário ou usina de triagem e compostagem de lixo que atenda, no
mínimo, a 70% da população urbana; b) estação de tratamento de esgoto que atenda, no
mínimo, a 50% da população urbana. Três meses após a obtenção da Licença de Operação
(LO), o Município é cadastrado e, no trimestre seguinte, passa a receber o ICMS

60
WALDMAN, Ricardo Libel. ELIAS, Luiz Augusto da Veiga Elias. Os princípios do Direito Ambiental
e o pagamento por serviços ambientais/ecossistêmicos (PSA/PSE). In: Revista de Direito Ambiental.
Ano 18. 69. Jan-mar. 2013.
Ecológico 61.
Um outro exemplo do princípio do protetor-recebedor no que se refere à
compostagem para os resíduos orgânicos consiste na Lei Municipal nº 4.955, de 18 de
dezembro de 2019, que institui o programa de incentivo e desconto, denominado IPTU
Verde no Município de Sarandi 62. O objetivo do IPTU Verde é fomentar medidas que
preservem, protejam e recupere o meio ambiente, mediante a concessão de benefício
tributário ao contribuinte. De acordo com a norma em comento, será concedido desconto
de até 30% (trinta por cento) sobre o valor do IPTU aos proprietários de imóveis
residenciais e não-residenciais que adotem medidas específicas, entre elas, nos termos do
artigo X, inciso IX, a Destinação de resíduos orgânicos para compostagem: 3% de
desconto. Para efeito desta Lei considere-se: IX - Destinação de resíduos orgânicos para
compostagem: triagem dos resíduos nas classes: rejeitos, recicláveis e orgânicos. Os
rejeitos deverão ser dispostos para a coleta pública nos dias e horários especificados pelo
município e os resíduos orgânicos submetidos à compostagem.

61
FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE (FEAM). ICMS Ecológico. Disponível em:
<http://www.feam.br/index.php?option=com_content&task=view&id=76&Itemid=99>. 9 de jun. 2020.
62
MUNICÍPIO DE SARANDI. Lei Municipal nº 4.955, de 18 de dezembro de 2019. Institui o programa
de incentivo e desconto, denominado IPTU Verde no âmbito do Município de Sarandi e dá outras
providências. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a1/rs/s/sarandi/lei-
ordinaria/2019/496/4955/lei-ordinaria-n-4955-2019-institui-o-programa-de-incentivo-e-desconto-
denominado-iptu-verde-no-ambito-do-municipio-de-sarandi-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 18 de
jun. 2020.
CONCLUSÃO
A crise ambiental vivenciada é agravada pelo descarte incorreto dos
resíduos sólidos e pela ausência de sua gestão efetiva e adequada por parte do Poder
Público e da ação da sociedade. A questão dos resíduos sólidos está no caminho pela
busca por cidades sustentáveis, exigindo um engajamento dos responsáveis pela proteção
do meio ambiente, na lógica da responsabilidade compartilhada prevista no artigo 225 da
Constituição Federal.
Considerando a explosão ocupacional das cidades pelo mundo, a intensa
urbanização não planejada, o paradigma de produção e consumo e a inexistência de gestão
efetiva de reciclagem e coleta seletiva urbanas, o problema com a geração de resíduos
sólidos orgânicos tomou dimensão preocupante, posto que é o resíduo humano mais
gerado e menos gerido no contexto da América Latina, conforme dados da ONU de 2019,
reclamando avanços no tratamento político-jurídico do tema. A questão se agrava quando
grandes quantidades de resíduos orgânicos têm sido encaminhadas para os aterros, apesar
de não se constituírem em rejeitos e da possibilidade de se transformarem em material
útil para as pessoas - adubo e composto líquido muito conhecido como biofertilizante..
Nesse cenário, é evidente que a construção de cidades sustentáveis requer o
enfrentamento da problemática referente aos resíduos. A ONU desde a ECO-92 no Rio
de Janeiro, como visto, já previa pela Agenda 21, em seu capítulo 21, especificamente o
Manejo Ambientalmente Saudável dos Resíduos Sólidos e Questões relacionadas com os
Esgotos, fazendo referência expressa à produção de adubo urbano. Mais recentemente, o
documento “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável”, da ONU, reconhece que o desenvolvimento urbano e a gestão sustentável
são fundamentais para a qualidade de vida povo e traz preocupação com a necessidade de
reduzir e reciclar os resíduos, sem contar que um dos objetivos da Agenda 2030 é o
Objetivo 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis.
Ademais, como se destacou neste trabalho, em face de tal problemática serve
como norte a Nova Agenda Urbana, acordada em outubro de 2016, durante a III
Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável,
notadamente quando expressa os Compromissos transformadores para o
desenvolvimento urbano sustentável, que poderão servir como implementadores de uma
política efetiva de tratamento da questão dos resíduos sólidos orgânicos nas cidades.
Toda essa ampla quadratura político-jurídica acerca dos resíduos orgânicos tem
um exemplo efetivo no Brasil, em especial no Município de Florianópolis/SC.
Florianópolis, através da edição do Decreto n. 18.646, de 2018, que instituiu um Programa
intitulado Lixo Zero através do qual pretende desviar do aterro sanitário até o ano de
2030, 60% de resíduos secos e 90% dos resíduos orgânicos, promover educação
ambiental continuada e promover a inclusão social dos catadores e outros grupos sociais
envolvidos com o tema. Para atingir essa meta, já existem iniciativas por parte do Poder
Público e outros projetos que ainda deverá sair do papel.
Como explanado neste trabalho, na capital catarinense há intensa implementação
de instrumentos: a) os pátios de compostagem com seus respectivos Pontos de Entrega
Voluntária de resíduos orgânico em quatro regiões da cidade, sob comando da COMCAP
(autarquia gestora dos resíduos no Município); b) Projeto Família Casca que é uma
parceria entre a FLORAM, Associação Orgânica e UFSC, com apoio da COMCAP,
desenvolvido no Parque Ecológico do Córrego Grande e que também contém um Ponto
de Entrega Voluntária de resíduo orgânico com um pátio de compostagem; d) a
incorporação pelo SESC dos princípios de educação ambiental nas atividade práticas; e)
a gestão comunitária dos resíduos orgânicos através do Projeto Revolução dos Baldinhos
do bairro de Monte Cristo (reconhecido em 2013 pela Fundação Banco do Brasil como
Tecnologia Social modelo para o país); e f) a coleta porta a porta de resíduo verde,
iniciada em 2020.
Não bastassem tais medidas, em Florianópolis promulgou-se a importante Lei n.
10.501/2019, que vedou a destinação aos aterros sanitários de resíduos orgânicos para
pessoas jurídicas de direito público e privado, bem como condomínios residenciais ou
comerciais, prevendo cronograma progressivo da percentagem de resíduos orgânicos a
serem destinados obrigatoriamente à compostagem, atingindo a meta de 100% de
destinação em 05 de junho de 2030, mais uma vez comprovando a intenso movimento
sobre o tema na cidade.
Como complemento, e reforçando o Princípio Ambiental do Protetor-Recebedor,
foram mencionadas duas iniciativas legislativas importantes. A primeira no Estado de
Minas Gerais, com o art. 1°, VIII, da Lei estadual n. 13.803/00, que prevê a arrecadação
por meio do ICMS Ecológico, de acordo com o critério meio ambiente, aos Municípios
mineiros que tratem do esgoto sanitário e disponham adequadamente do resíduo, através
de sistemas de aterro sanitário e usina de compostagem. A segunda medida no Município
de Sarandi, no Rio Grande do Sul, com a Lei municipal n. 4.955/2019, concedendo
desconto de 3% sobre o valor do IPTU aos proprietários de imóveis residenciais e não-
residenciais que adotem a destinação de resíduos orgânicos para compostagem.
À toda evidência, observa-se, portanto, que grandes têm sido os avanços referentes
à gestão político-jurídica dos resíduos orgânicos no Município de Florianópolis,
notabilizando a capital catarinense, somados às iniciativas, como no Estado de Minas
Gerais e no Município gaúcho de Sarandi, esforços que mostram um caminho exemplar
ao atingimento, não apenas do postulado ambiental do Protetor-Recebedor, como
sobretudo das diretrizes das cidades sustentáveis trazidas pelas documentos da ONU, que
reforçam a educação ambiental para que juntos, coletividade e Poder Público, possam de
fato concretizar cidades efetivamente sustentáveis.
GEOPARQUE COMO TERRITÓRIO PARA
GESTÃO URBANO AMBIENTAL

GEOPARK AS A TERRITORY FOR URBAN


ENVIRONMENTAL MANAGEMENT
Luciana Cordeiro de Souza Fernandes ∗

INTRODUÇÃO
Quando falamos em proteção ambiental, o primeiro pensamento se volta a criação
de uma lei que venha reger este dever, estabelecendo os princípios, as diretrizes, os
objetivos e os instrumentos. E isto é certo, a lei ao estabelecer esta estrutura, como ocorre
nas políticas públicas ambientais brasileiras, determina seu objeto e cria ferramentas para
alcançar esta finalidade. Os normativos legais são imprescindíveis para manter a ordem,
a paz social, punir infrações, promover fiscalização ambiental etc., mas em um processo
que possibilite o fomentar do sentimento do pertencimento gerando o empoderamento
dos habitantes de um território, abre-se uma nova perspectiva do cuidado local que vai
além do sentimento cívico.
A proposta deste texto é apresentar um instrumento não jurídico, não previsto em
nossa legislação pátria, que não precisa de previsão legal, pois se soma as ações do
ordenamento existente, capaz de unir o conhecimento e/ou reconhecimento territorial
local através de um processo de educação territorial ambiental com o arcabouço legal
urbano ambiental, propiciando a promoção da sustentabilidade em todas as suas
dimensões. Este instrumento é o geoparque, conceito estabelecido como um selo e/ou
certificação pela UNESCO e já implantado em 47 países.


Professora Doutora de Direito na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Professora Permanente do Programa de Pós Graduação em Ensino e História das Ciências
da Terra (PEHCT) no Instituto de Geociências - UNICAMP. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq
AQUAGEO Ambiente Legal.
1 O QUE É UM GEOPARQUE?

Geoparques não tratam apenas de rochas – eles também tratam


de pessoas. É fundamental que elas se envolvam – nós queremos
ver tantas pessoas quanto possível sair e desfrutar a geologia da
área. Nosso objetivo é maximizar o geoturismo [...] em benefício
da economia local e para ajudar as pessoas a compreender a
evolução de sua paisagem local (UNESCO, 2006).

Os Geoparks mundiais da UNESCO são áreas geográficas unificadas, onde sítios


e paisagens de relevância geológica internacional são administrados com base em um
conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. De acordo com
a UNESCO (2017), sua abordagem ascendente combina conservação com
desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, envolve as comunidades locais.
Atualmente, existem 161 Geoparques Mundiais da UNESCO (Fig. 1) em 44 países
(UNESCO, 2020a), assim distribuídos: 81 na Europa, 65 na Ásia e Pacífico, 8 na América
Latina e Caribe, 5 na América do Norte (Canadá) e 2 na África. No Brasil há somente
um geoparque, o Araripe Geopark UNESCO.

Figura 1. Distribuição de Geoparks GGN UNESCO


Fonte: ZOUROS, 2020
Afirma a UNESCO (2019) que para um território se tornar um geoparque deve
possuir uma área delimitada com significativas exposições geológicas, paleontológicas
ou geomorfológicas, devendo ser grande o suficiente para o desenvolvimento sustentável
e obrigatoriamente deve contar com população no seu interior, a qual, necessariamente,
deverá ser beneficiada com sua criação. E através do apelo geológico que ocorre a
promoção de um novo modelo de desenvolvimento econômico para a região onde se
localiza o geoparque, atrelada à proteção ambiental (geológica e biológica) e ao resgate,
valorização e preservação da cultura local.
Seus objetivos são elencadas como:

Preservar o patrimônio geológico para futuras gerações


(geoconservação).
Educar e ensinar o grande público sobre temas geológicos e
ambientais e prover meios de pesquisa para as geociências.
Assegurar o desenvolvimento sustentável através do geoturismo,
reforçando a identificação da população com sua região,
promovendo o respeito ao meio ambiente e estimulando a
atividade socioeconômica com a criação de empreendimentos
locais, pequenos negócios, indústrias de hospedagem e novos
empregos.
Gerar novas fontes de renda para a população local e a atrair
capital privado (UNESCO, 2019)

Não obstante, este processo de atuação da UNESCO é recente, iniciou-se com a


criação da Rede Europeia de Geoparques em 2000 e, posteriormente, da Rede Mundial
de Geoparques da UNESCO em 2004 (UNESCO, 2016).
A Rede Global de Geoparques - GGN (2020), é uma Associação Internacional
sem fins lucrativos criada oficialmente em 2014, sujeita à legislação francesa, uma
verdadeira rede network da promoção do geoturismo e sustentabilidade mundial. Com
uma parceria internacional desenvolvida sob a égide da UNESCO, serve para desenvolver
modelos de boas práticas e estabelecer padrões de qualidade para territórios que integram
a preservação da proteção dos sítios do patrimônio da Terra em uma estratégia para o
desenvolvimento econômico regional sustentável. Para tanto, promove a criação de redes
em uma base regional. Para Geoparques Globais na Ásia - Pacífico, a Rede de Geoparques
Ásia-Pacífico (APGN) atua como a Rede Regional do GGN. Para Geoparques Globais na
Europa, a Rede Europeia de Geoparques (EGN) atua como a Rede Regional do GGN.
Para Geoparques Globais na América Latina e no Caribe, a Rede de Geoparques da
América Latina e do Caribe atua como Rede Regional do GGN.
De acordo com a UNESCO (2019), em 17/11/2015, durante a 38ª Conferência
Geral da Organização, os 195 Estados Membros da UNESCO ratificaram a criação de um
novo rótulo, os ‘Geoparques Globais da UNESCO’. Isso expressa o reconhecimento
governamental da importância de gerenciar locais e paisagens geológicos de maneira
holística.
Assim, este novo rótulo de um território tido como geoparque prescinde de
um conjunto de ações que passaremos a discutir.

1.1 Processo de criação de um geoparque UNESCO


Para criação de um geoparque leis novas não precisam ser criadas, não há
regramentos legais específicos para uso da área e tampouco ocorre exclusão da população
local.
Esse modelo de conservação prevê a conservação do patrimônio geológico,
geomorfológico e cultural, assim como a utilização do potencial turístico da região para
auxiliar a população local na geração de renda, oferecendo um novo conceito de
conservação, onde a população local se vê envolvida e interage com todos os processos
de implantação e gestão das áreas protegidas (BACCI, PIRANHA, BOGGIANI et al,
2009).
Aos locais tidos como de importância e reconhecimentos como de potencial
turístico em um geoparque são nomeados como geossítios, e explicam Ribeiro et al.
(2013: 2), que
Da mesma forma que existem espécies da biodiversidade
consideradas fundamentais para o conhecimento e
funcionamento dos ecossistemas, a compreensão da história
geológica de nosso planeta é possível por meio da reunião de
geossítios. Um geossítio representa a ocorrência de um ou mais
elementos da geodiversidade aflorantes, quer em resultado da
ação de processos naturais, quer devido à intervenção humana,
bem delimitados geograficamente e que apresente valor singular
do ponto de vista científico, cultural, pedagógico, turístico,
paisagístico ou outro (BRILHA 2005). Entende-se que o coletivo
de geossítios compõe o patrimônio natural geológico (abiótico)
de um determinado espaço.
Apontam ainda os autores,

A preocupação mundial com a proteção desse patrimônio natural


teve como datas marcantes a “Convenção para a Proteção da
Flora, da Fauna e das Belezas Panorâmicas Naturais dos Países
da América” (Washington, em 1940), a “Convenção de Argel
Para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais”
(Argel, em 1968) e a mais importante, a “Convenção de Proteção
ao Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, promovida pela
UNESCO (Paris, em 1972). Esta última teve como objetivo
fundamental reconhecer os sítios culturais e naturais em âmbito
mundial, de interesse excepcional e de valor universal, de modo
que sua proteção seja considerada responsabilidade de toda a
humanidade. O Brasil ratifica e assume o compromisso perante
esta Convenção por meio da emissão do Decreto Federal nº
80.978/77. As primeiras ações nacionais ocorrem quando o
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) cria o
Grupo de Trabalho Nacional de Sítios Geológicos e
Paleobiológicos em 1993, substituída pela Comissão Brasileira
dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP) em 1997. Essa
comissão é representada por várias instituições científicas e tem
como principal objetivo identificar sítios geológicos e
paleobiológicos com potencial para ingressarem no inventário do
patrimônio geológico nacional (RIBEIRO et al, 2013: 2).

Estes sítios, que reportam a memória da Terra, fazem parte de um conceito


integrado de proteção, educação e desenvolvimento sustentável, baseada “na valorização
das características geológicas e, em uma visão integral das características naturais e
culturais do território” (MODICA, 2009: 19).
E este conceito leva aos modos de viver da população que habita o território, que
possui cultura e história forjadas pelas paisagens locais. Neste sentido, urge que também
entendamos e incorporemos o conceito de geoconservação no Direito Ambiental
brasileiro.
Duarte & Miranda (2011: 250) enfatizam que na proposta de criação de um
geoparque,
todo o conceito geográfico de uma região deve ser levado em
consideração e não somente sítios de significado geológico.
Temas geológicos e não-geológicos constituem parte integrante
de um geoparque, por isso, também é importante incluir sítios de
valor ecológico, arqueológico, histórico ou cultural, que devem
ser vistos como importantes componentes. Assim, um geoparque
é uma região de livre acesso a pesquisadores, estudantes e
comunidade em geral, com limites territoriais bem definidos,
envolvendo um número de sítios (geossítios ou geosites) do
patrimônio geológicopaleontológico de especial importância
científica, raridade ou beleza e que seja suficientemente grande
para gerar atividade econômica como o turismo.

Identificado que um território possui geossítios expressivos e considerados únicos


na riqueza geodiversa local, associados a preservação e conservação, com paisagens
cênicas, história, cultura e efetiva presença de população local, este poderá se candidatar
para se tornar um geoparque.
Destarte, de acordo com o documento intitulado ‘Estatutos e diretrizes
operacionais dos geoparques globais da UNESCO’, uma série de procedimentos são
elencados para que um país candidate um projeto de determinada área de seu território
como aspirante a geoparque (UNESCO, 2020b).
Vale ressaltar que para assegurar uma representação geográfica equilibrada dos
geoparques mundiais da UNESCO, há um limite de solicitações ativas para cada um dos
Estados membros.
Inicialmente, antes da solicitação oficial, é necessário que os representantes do
território – pesquisadores, associação gestora, comunidade, etc. - apresentem uma
manifestação de interesse junto a Comissão Nacional de Geoparque, ou seja, ao Escritório
UNESCO existente no país, para que um Comitê Nacional de Geoparques venha analisar
todas as solicitações e as características locais de cada área interessada informadas no
projeto inicial. Esta solicitação é fruto de um trabalho de pesquisa cientifica investigativa
por equipe multi e interdisciplinar, que ações para promoção de educação ambiental
qualificada que resgatem o sentimento de pertencimento e façam brotar o empoderamento
na população local, e que haja um projeto e um Plano de Gestão para sustentabilidade da
área, bem como que existam infraestruturas e o turismo já esteja implementado na
localidade, ou seja, não basta o interesse, é necessário que a estrutura exista e tenha o
efetivo envolvimento dos locais.
Aceita a solicitação pelo Comitê Nacional, é dado o start para o processo de
candidatura, primeiramente como aspirante, quando se iniciará a visita de avaliadores
internacionais da UNESCO, as custas do interessado e acompanhados por membros do
Comitê Nacional, procederão a verificação do território in loco, justamente para além de
verificar o potencial, identificar as ações empreendidas.
Desta visita, será elaborado um Relatório pelos avaliadores, enviado a Secretaria
da UNESCO que remeterá ao Conselho Mundial de Geoparques para análise e emissão
de parecer. O Conselho poderá aceitar, recusar ou propor alterações/aprimoramentos,
porém da decisão final do Conselho não caberá recurso.
E na hipótese de ser aceito como Geopark da UNESCO, será conferida uma
espécie de ‘certificação’ ao território para que este venha a compor a Rede Global de
Geoparques – GGN. A partir daí, este território através de seus gestores constituídos em
Associação - pública ou privada – deverão atuar conforme parecer e Plano de Gestão.
Outrossim, como formalidade será solicitado aos gestores do novo geoparque, mediante
a assinatura de um aviso responsabilidade, a isenção da UNESCO de qualquer
responsabilidade legal ou financeira em relação ao território ou atividades realizadas no
novo Geoparque Mundial da UNESCO. Ainda, caberá a cada geoparque UNESCO
prestar uma contribuição anual voluntária equivalentes a mil dólares para fomentar a
Rede, e a UNESCO não prestará auxílios econômicos aos geoparques.
Destarte, vale enfatizar que a certificação como Geopark UNESCO não se trata
de um certificado ou selo permanente, pois com o objetivo de assegurar a permanência
da elevada qualidade aos geoparques mundiais da UNESCO, a cada quatro anos este
território se submeterá a revalidação.
Ainda, o status de ‘Geoparque Global da UNESCO’ não implica restrições a
nenhuma atividade econômica dentro de seu território, desde que essa atividade esteja em
conformidade com a legislação local, regional e/ou nacional, uma vez que todas as
legislações continuam em vigor.

1.2 Breve análise da legalidade dos geoparques UNESCO: Brasil e Portugal


Em aspectos legais, no Brasil não existe similaridade de qualquer dos
instrumentos legais urbano ambientais existentes com os conceitos e propostas derivadas
da instituição de um território geoparque UNESCO, uma vez que não se trata de uma área
de preservação permanente, como uma área de proteção ambiental (APA), por exemplo.
Tampouco se compara a uma unidade de conservação, como um parque, posto que este
exclui a população local de seu território. O propósito desta certificação da UNESCO é
justamente evidenciar a geodiversidade, a biodiversidade, a história e a cultura da
população local para promoção da sustentabilidade.
Não obstante na legislação ambiental pátria não há menção as expressões
‘geoparque’, ‘geossítio’, ‘geoconservação’, ‘geodiversidade’ e/ou ‘geoturismo’, somente
encontramos ‘parque’, ‘sítio’, ‘conservação’, ‘diversidade’ e ‘turismo’, ou seja, as
expressões oriundas da geologia e da geografia não foram contempladas pelo Direito
Ambiental brasileiro.
Entretanto, se estamos a falar do meio ambiente e de promover proteção ao todo
que nos cerca, decerto que no território nacional, em cada canto, existe o espírito próprio
do lugar, muitas vezes relacionado aos aspectos geológicos, como presença de cavernas,
atividades de garimpo, relevo montanhoso, entre outros que se reflete no modo de ser e
na cultura das populações locais. Por isso que para criação de um geoparque leva-se em
consideração todas as características de cada parte do Planeta e o entendimento de que o
geoturismo, será tida como principal atividade a ser desenvolvida em um geoparque.
Convém afirmar que toda a legislação ambiental e urbanística vigente no território
continua em vigor após sua certificação, não existindo qualquer sobreposição ou
desrespeito legal para sua criação.
Na realidade, estudos tem demonstrado ser esta uma forma exitosa de proteção
ambiental, porque deriva de um processo que inclui a todos e faz suscitar nos habitantes
da área o sentimento de pertencimento, revelando o papel de protagonistas.
Apontam Onary-Alves et al (2015: 94).

Um grande desafio a ser superado no Brasil é a necessidade de


políticas voltadas para educação patrimonial e medidas que
visem a geoconservação. Essa lacuna dificulta a conscientização
da população frente sua memória cultural e desenvolvimento
sustentável (Brilha, 2009; Bacci et al., 2009; Piranha & Lama,
2011).

Ainda de acordo com os autores,

No modelo ideal de funcionamento (sensu UNESCO 2010), as


comunidades humanas sob influência do geoparque devem
possuir pleno conhecimento a respeito da proposta, interagindo
com o contexto da geodiversidade, propostas de
desenvolvimento econômico sustentável e projetos educacionais,
os quais podem transformar o geoparque em extensão econômica
e cultural das cidades adjacentes (Eder, 2004; Brilha,2009;
Boggiani, 2010a; Silveira et al., 2012). A interação entre
geoparques e comunidade ultrapassa as barreiras sociais, uma
vez que mobiliza ONGs, órgãos nacionais, federais, setor
privado, e, em alguns casos, o governo nacional no processo de
implementação e desenvolvimento (Eder,2004; Brilha, 2009;
Duarte, 2011), anotam Onary-Alves et al (2015: 94)
Para demonstrar a importância de um geoparque em um país, tomemos como
exemplo o Arouca Geopark, em Portugal, país onde existem quatro geoparques mundiais
UNESCO (Naturtejo da Meseta Meridional Geopark, Arouca Geopark, Açores Geopark
e Terra de Cavaleiros Geopark) e um projeto aspirante (Aspiring Geopark Estrela), em
fase final de avaliação.
O Arouca Geopark é formado exclusivamente pelo município de Arouca, conta
com 41 geossítios em um território de 328 km2, foi fundado em 2006 e reconhecido como
tal em 2009 (AROUCA GEOPARK, 2020). A história deste geoparque transformou
totalmente a vida de sua população a partir da descoberta de ‘trilobitas 63 gigantes’ em
uma pedreira de ardósia, o que rendeu reportagens na prestigiada Revista ‘Nature’ e
inúmeros artigos científicos, fazendo com que cientistas de todo o mundo viajassem a
Arouca para verificar este importante achado paleontológico. Porém, na época o
município estava enfraquecido economicamente e sua população reduzida, pois a grande
maioria havia migrado aos países da União Europeia em busca de trabalho e de uma vida
melhor, esvaziando suas aldeias.
Diante deste cenário, o pesquisador 64 descobridor das trilobitas fomentou a
necessidade de oferecer proteção aquela região, notadamente para impedir a exploração
da pedreira de ardósia para conservação dos fósseis. Foi quando, apoiado pelos moradores
e pela Universidade - UTAD, deu início a um processo investigativo para construir um
projeto para que Arouca se tornasse um geoparque. Neste processo identificaram
inúmeros geossítios, alguns únicos no planeta, e formaram uma Associação gestora 65, se

63
Fósseis únicos em todo o mundo têm sido encontrados numa pedreira de ardósias do concelho de Arouca,
e agora chegou a vez terem direito a um museu. Há 465 milhões de anos, Portugal estava perto do Pólo Sul,
numa das margens do supercontinente Gonduana. E Canelas, uma aldeia do concelho de Arouca, no distrito
de Aveiro, era uma zona marinha onde viviam trilobites. Desapareceram todas da Terra há 250 milhões de
anos, e só restam os fósseis como prova da sua existência. (...) Até agora, foram descobertas ali 19 espécies
- duas novas para a ciência, sublinha o geólogo Artur Abreu Sá, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro, em Vila Real, e o responsável científico pelo Centro de Interpretação Geológica de Canelas. "Não
temos dúvidas de que duas espécies são novas. Não conhecemos outras trilobites com aquelas
características. Disponível em <https://www.publico.pt/2006/07/02/jornal/as-trilobites-gigantes-de-
canelas-estao-a-sua-espera-86865 >. Acesso em 16/06/2020. Vide também:
<https://nationalgeographic.sapo.pt/natureza/actualidade/1762-o-fascinante-mundo-dos-fenomenos-
geologicos-do-arouca-geopark>. Acesso em 16/06/2020.
64
Prof. Dr. Artur Sá da Universidade Trás os Montes e Alto Douro - UTAD
65
Associação Geopark Arouca – AGA é uma associação de direito privado, formada pela comunidade.
Disponível em < http://aroucageopark.pt/pt/planear/contactos-uteis/aga-associacao-geoparque-arouca/>.
Acesso em 16/06/2020.
candidataram junto a Comissão Portuguesa, que remeteu o Projeto à Secretaria da
UNESCO e, por fim, obtiveram a certificação.
De certo que diversas adequações e intervenções urbanísticas foram necessárias
para que os turistas e cientistas pudessem desfrutar de cada geossítio, vivenciar a
paisagem e desvendar o território.
Com a grande visitação recebida, inúmeros moradores retornaram às suas aldeias
para receberem os turistas, que podem chegar a 2500 pessoas por final de semana.
Também resgataram receitas culinárias produzindo produtos – heranças culturais
ancestrais66 – que lhes garantem renda e qualidade de vida. As padarias e docerias
conventuais adaptaram receitas, moldando seus produtos com o formato de alguns
geossítios, como por exemplo, pães, doces e biscoitos no formato de uma trilobita (Fig.
2); os restaurantes rebatizaram seus pratos com os nomes dos geossítios, permitindo aos
visitantes uma experiência sensorial para todos os sentidos que vai além paisagem,
passando também pelo olfato e paladar. Por tudo isto, o Arouca Geopark ganhou inúmeros
prêmios, dentre eles, o ‘World Travel Awards’ por dois anos consecutivos 67 pelo
geossítio ‘Passadiços do Paiva’ - infraestrutura que venceu na categoria “Melhor Atração
Turística Mundial de Aventura” - este prêmio é considerado o “Oscar do Turismo”.

Figuras 2 e 3. Trilobitas em pedra de ardósia, representação em molde de borracha e em biscoito


Fonte: Acervo pessoal

66
Existe um pão de abobora no formato do geossítio das ‘Pedras Broas’ – receita de mais de 500 anos, que
é vendido aos milhares aos finais de semana, permitindo que a família toda retornasse a Arouca, reunindo-
os novamente e permitindo renda superior ao que tinham quando espalhados pelo países da União Europeia.
67
Informações disponíveis em <http://www.aroucageopark.pt/pt/atualidade/noticias/passadicos-do-paiva-
renovam-titulo-de-melhor-atracao-turistica-mundial-de-aventura-nos-world-travel-awards-2019/>. Acesso
em 16/06/2020.
A partir desta certificação como geopark UNESCO, a vida voltou ao município
com todo vigor, favorecendo o retorno de seus migrantes, a preservação ambiental e a
sustentabilidade em todas as suas dimensões.
Além de promover um papel educacional, os geoparques deixam um importante
legado em Portugal com os Programas Educativos como “O Geoparque vai à Escola” e
“A Escola vai ao Geoparque”, possibilitando que alunos e professores vivenciem este
território, com suas características geológicas, paleontológicas, arqueológicas, histórica e
cultural, contribuindo de forma continuada e efetiva apara o Desenvolvimento
Sustentável do território e do Planeta.

Neste sentido, os Programas Educativos do Geoparque Arouca


abraçaram desde início a estratégia criada pelo Geoparque
Naturtejo, que assenta na criação de duas modalidades de
programas educativos: “O Geoparque vai à Escola” e “A Escola
vai ao Geoparque”. A primeira modalidade engloba um conjunto
de ateliês e/ou sessões temáticas e implica a deslocação dos
técnicos do Geoparque às escolas, uma vez que as referidas
actividades decorrem em contexto de sala de aula ou nas suas
proximidades. Para a modalidade “A Escola vai ao Geoparque”
é proposto um conjunto de saídas de campo, incluindo a visita a
museus, facto que implica a deslocação de alunos e professores
ao território Geoparque (ROCHA; PAZ; SÁ & DUARTE, 2011)

Desta forma, é possível afirmar a relevância de um geoparque como figura de


gestão e sustentabilidade territorial, a ponto de as expressões ‘geossítio’, ‘patrimônio
geológico’ e ‘geoparque’ passarem a integrar o ordenamento português, especificamente,
o ‘Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade’ – DL n. 142/2008.
Neste diploma legal de 2008, identificamos que a expressão ‘geossítio’ aparece
12 vezes, sendo definido no art. 3º, alínea ‘i’) como sendo, in verbis, ‘a área de ocorrência
de elementos geológicos com reconhecido valor científico, educativo, estético e cultural’.
Já a conceituação de patrimônio geológico é dada pelo art. 3º, alínea ‘m’, in verbis,
como ‘o conjunto de geossítios que ocorrem numa determinada área e que inclui o
património geomorfológico, paleontológico, mineralógico, petrológico, estratigráfico,
tectónico, hidrogeológico e pedológico, entre outros’. E, geossítio é visto como parte
componente dos valores naturais (art. 3º, alínea ‘r’), in verbis, ‘os elementos da
biodiversidade, paisagens, territórios, habitats ou geossítios.’
Ainda, a expressão ‘geossítio’ está presente nos artigos 6º que trata de ações de
conservação ativa e de suporte; e nos artigos 16, 18, 20, 27, 29 e 43 do referido diploma
legal (PORTUGAL, 2008).
Destarte, o artigo 12 determina que a classificação de uma área protegida visa
conceder-lhe um estatuto legal de proteção adequado à manutenção da biodiversidade e
dos serviços dos ecossistemas e do patrimônio geológico, bem como à valorização da
paisagem. E que esta classificação se dará em âmbito nacional e supranacional; tanto em
áreas públicas como em áreas protegidas de estatuto privado, estando também
contemplada no sistema de informação sobre o patrimônio natural.

1.3 Geoparques no território brasileiro


Em 2006 foi criado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2020), o ‘Projeto
Geoparques’, que objetivava a identificação de áreas de parques geológicos, lugares para
estudo dos fenômenos geológicos, mas com a instituição de novo olhar da UNESCO para
o território, tornou-se um importante indutor na criação de geoparques no Brasil, com a
premissa básica da identificação, levantamento, descrição, inventário, diagnóstico e
ampla divulgação de áreas com potencial para futuros geoparques no território nacional.
Porém, até então, apesar das dimensões continentais do país, existe somente o Araripe
Geopark, o primeiro geoparque das Américas.
O Araripe Geopark (GEOPARK ARARIPE, 2020), criado em 2006, na região sul
do estado do Ceará, no nordeste do país, estando situado no sul do Estado do Ceará, na
região nordeste do Brasil. Seu território é composto pelos municípios de Barbalha, Crato,
Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, com uma área
aproximada de 3441 km2; o que corresponde à porção cearense da Bacia Sedimentar do
Araripe. Tendo em vista seus nove geossítios, roteiros de geoturismo se consagraram,
tanto científicos quanto de aventura e religiosos, levando milhares de pessoas todos os
anos a desbravar estes cenários e conhecer um pouco da história das ciências da Terra
naquele território, bem como sua cultura tem sido transformada em produtos que
traduzem esta riqueza, como artesanatos com características locais, réplicas de fósseis,
cordéis, culinária típica, etc.
Atualmente, encontram-se em análise dois projetos aspirantes a geoparque no
Brasil - o Projeto Geoparque Seridó no Rio Grande do Norte e o Projeto Geoparque
Caminhos Cânions do Sul no Rio Grande do Sul – que foram submetidos a UNESCO em
2019, junto com outras 18 propostas de diversos países, entrando para o processo oficial
de avaliação pela UNESCO (2020c).
No país existem outros Projetos Geoparque em processo de estudos,
levantamentos de dados técnicos e planos de ação, em territórios que aspiram se tornar
Geopark UNESCO, tais como: Projeto Geoparque Serra do Sincorá e Projeto Geoparque
Morro do Chapéu, ambos na Bahia; Projeto Geoparque Quarta Colônia no Rio Grande do
Sul; Projeto Geoparque Uberaba em Minas Gerais; Projeto Geoparque Corumbataí em
São Paulo, entre outros.

2 UMA PROPOSTA DE GEOPARQUE: PROJETO GEOPARK


CORUMBATAÍ
O Projeto ‘Geopark Corumbataí’ no estado de São Paulo é o único do mundo que
apresenta a delimitação de seu território por uma bacia hidrográfica, contemplando, de
forma efetiva, a proteção dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, posto que sob
seu território encontra-se o Sistema Aquífero Guarani - SAG. Este projeto 68 é fruto da
parceria entre a UNESP IGCE/Rio Claro, FCA/IG UNICAMP e Consórcio PCJ.
A bacia hidrográfica do rio Corumbataí é formada por oito municípios a saber,
Analândia, Charqueada, Corumbataí, Ipeúna, Itirapina, Piracicaba (na porção urbana,
apenas o bairro de Santa Terezinha), Rio Claro e Santa Gertrudes, conforme pode se
observar na Figura 5. Possui duas unidades de conservação (APAs) 69 e foram catalogados
170 geossítios (KOLYA, 2019) em seu território, com necessidade de estudos e
diagnósticos para eleição dos geossítios a ser destinados para turismo.

68
É possível verificar os primeiros passos deste projeto no livro ‘Geoparque Corumbataí. Primeiros passos
de um projeto de desenvolvimento regional’, 2018, Editora CRV.
69
Na bacia do rio Corumbataí foram instituídas duas ‘áreas de proteção ambiental – APAs’, sendo parte da
zona de cabeceira da bacia abrangida pela Área de Proteção Ambiental (APA) Corumbataí-Botucatu-
Tejupá (Perímetro Corumbataí) com área total de 275.317,905 hectares, criada pelo Decreto estadual nº.
20.960/1987 e Resolução SMA s/n de 11/03/1987; e, pela APA Piracicaba, Juqueri-Mirim (Área I), com
área total de 114.323,875 hectares, criada pelo Decreto estadual 26.882/1987 e pela Lei estadual n.º
7438/1991.
Figura 4. Mapa da Divisão Territorial Municipal da Bacia do Corumbataí
Fonte: Atlas Ambiental da Bacia do Corumbataí - CEAPLA/UNESP, 2004.

No tocante ao Sistema Aquífero Guarani (SAG) sua importância nesta região é


latente, dada a vulnerabilidade das áreas de afloramento diante das atividades antrópicas
que podem contaminar suas águas. Vale lembrar que o SAG está situado sob os territórios
da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e é considerado como uma das maiores reservas
estratégicas de água doce da América Latina para o abastecimento público e outros usos.
No Brasil, encontra-se distribuído sob os estados de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do
Sul, São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso.
No aspecto geológico, a bacia hidrográfica do Corumbataí situa-se na porção
nordeste da Bacia Sedimentar do Paraná, na Depressão Periférica Paulista, centro-leste
do Estado de São Paulo, em área de afloramento de rochas paleozoicas (Grupo Itararé,
Formação Tatuí e Grupo Passa Dois – formações Irati e Corumbataí), mesozoicas
(Formação Pirambóia, Grupo São Bento – formações Botucatu e Serra Geral, rochas
magmáticas intrusivas – diques e soleiras e Formação Itaqueri) e cenozoicas (Formação
Rio Claro), destacam Perinotto & Lino (2004).
Numa perspectiva econômica, anotamos que,

Historicamente, a bacia do rio Corumbataí iniciou seu


desenvolvimento já a partir da segunda metade do século XVIII,
quando se deu início às primeiras cidades da região, sendo que a
primeira foi Piracicaba (1766) e por último a cidade de Ipeúna
(1890). Segundo Diniz (1984) apud Felisetti (2000) a mais
importante atividade econômica da região foi à agricultura, tendo
maior expressividade a cultura do café que, por consequência,
veio a influenciar a “antropização” da bacia do rio Corumbataí.
No entanto, além deste produto, havia também a cana-de-açúcar,
embora esta tivesse menor importância econômica. Pode-se
apontar ainda a produção de algodão, utilizada na fiação local de
tecidos, a produção de aguardente, a exploração de madeira,
pequenos moinhos descascadores de café, a produção de cal e
tijolos de alvenaria. Cottas (1983) observa que o processo de
imigração, a partir de 1880, introduz importantes alterações nos
costumes e a diversificação da produção agrícola, com o
surgimento da horticultura e a indústria doméstica. De acordo
com Belondi (2000), o município de Santa Gertrudes, com seu
parque industrial ceramista, um dos mais importantes do país,
obtém grande destaque na região. No entanto, o município de Rio
Claro possui maior importância no contexto da ocupação urbana,
economia e extensão territorial dentro da bacia (ZAMPIN &
RIBEIRO, 2013: 16).

Esta região é dotada de inúmeros atributos naturais, delimitada pela área de


drenagem da bacia do Rio Corumbataí, na borda ocidental da Depressão Periférica do
estado de São Paulo, onde mais de uma centena de geossítios já foram catalogados, dos
quais podemos destacar: os morros testemunho Cuscuzeiro e Camelo, ambos em
Analândia; a cachoeira do Saltão, em Itirapina; a Formação Irati e o Horto Florestal
Navarro de Andrade em Rio Claro; as cavernas e grutas de Ipeúna, com achados
arqueológicos e pinturas rupestres, como ilustrado na Figura 6.

Figura 5. Geossítios do Projeto Geoparque Corumbataí


Fonte: Geopark Corumbataí, 2020.

Dada a proximidade desta região com a capital e cidades de grande porte como
Campinas e Sorocaba, identificamos a possibilidade do incremento de um turismo
doméstico com viagens de carro, para além do desfrute da paisagem cênica local,
fomentar o empreendedorismo local com atividades voltadas ao comércio de artesanatos,
comidas típicas, além de favorecer a participação dos turistas em festas populares.
Por fim, cabe anotar que estudos (ZAINE, 1996; ZAINE & ZAINE, 2009;
SOUZA-FERNANDES et al, 2018; KOLYA; 2019) mostram que a bacia do rio
Corumbataí possui todas as características para se tornar um geopark, e o Projeto 70
realizado pelas instituições parceiras promoveu visitas e reuniões com a população de
cada uma das oito cidades com a intitulada ‘Caravana Geopark Corumbataí’, além de
oficinas de capacitação de professores em Corumbataí, participação no ‘Festival
gastronômico’ nas cidades de Analândia e Piracicaba e na ‘I Mostra Geocultural em
Corumbataí’, e realizou dois Simpósios - na UNESP em 2017 e na UNICAMP em 2019
–, reunindo representantes do poderes públicos locais, comunidade, técnicos e
pesquisadores para discutirem os novos passos e a constituição de Associação gestora,
parceria com o SEBRAE para capacitação e promoção do empreendorismo dos locais, e
fomento a educação ambiental qualificada, voltada as heranças históricas e culturas, bem
como ao conhecimento e reconhecimento das características ambientais do território.

70
Acesse os sites <www.geoparkcorumbataí.com.br> e <www.aquageoambientelegal.com> para obter
mais informações, conhecer o território, verificar as ações realizadas e assistir aos vídeos de muitas destas
iniciativas.
CONCLUSÕES
Em nossa formação jurídica ambiental, a lei tem sido o único instrumento a regrar
e fazer cumprir o dever de proteção e defesa do meio ambiente para que todos possam
gozar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, sem que haja um
trabalho de intervenção para o envolvimento de uma população, a lei continuará sendo
apenas um conjunto de letras no papel.
A proposta de criar territórios geopark, tomando como premissa seus objetivos,
levando ou resgatando o sentimento de pertencimento de todos os locais, para fazer com
que sejam empoderados a ponto de se constituírem gestores - como protagonistas e não
mais como espectadores - das questões ambientais, permitirá que a leis ambientais se
tornem presença constante na vida desta população.
Trata-se de uma verdadeira mudança de paradigma, é olhar para o território a
partir das pessoas e capacitá-las para cuidar do espaço físico em que vivem, favorecendo
um processo constante de educação ambiental local, contemplando o aprender e o
apreender sobre as riquezas ambientais que os cercam.
E para tanto, mesmo que o território não receba certificação geopark UNESCO,
tais premissas devem conduzir o modo de viver e empreender em diversas regiões deste
imenso país chamado Brasil.
REFERÊNCIAS
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BIODIVERSIDADE
EFETIVIDADE DAS UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO
EFFECTIVENESS OF CONSERVATION UNITS

Márcia Dieguez Leuzinger ∗


Paulo Campanha Santana ∗*
Lorene Raquel de Souza ∗**

INTRODUÇÃO
A instituição de áreas protegidas é um dos instrumentos mais eficientes para a
conservação da biodiversidade in situ. Por essa razão, quase todos os países, já
estabeleceram alguma categoria de espaço protegido, sendo o parque nacional a categoria
de manejo mais conhecida e presente praticamente no mundo inteiro.
No Brasil, as áreas protegidas englobam as unidades de conservação e outros
espaços ambientais, como os previstos pelo Código Florestal (áreas de preservação
permanente e áreas de reserva legal) e por outras normas esparsas, como jardins
botânicos, jardins zoológicos, hortos florestais etc. As UCs, no entanto, possuem singular
relevância, por estarem inseridas num sistema nacional organizado, do qual fazem parte
as unidades de conservação estaduais e municipais, regido pela Lei nº 9.985, de 18 de
julho de 2000.


Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Público, Mestre em Direito e Estado e Doutora em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Doutorado em Direito Ambiental
pela University of New England, Austrália. Procuradora do Paraná, professora do UniCEUB e líder do
Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB.
∗*
Graduado em Direito e em Ciências Militares, pós-graduado em Língua Portuguesa, em Direito Público,
em Direito Tributário e em Educação à Distância. Mestre em Direito e em Operações Militares, e Doutor
em Direito. Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e do Grupo
de Pesquisa Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Centro Universitário de Brasília
(UniCEUB).
∗**
Graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília, pós-graduada em Direito do Estado pela
Uniderp, Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – Uniceub. Analista
de Atividades do Meio Ambiente, especialidade Advogada, do Instituto Brasília Ambiental. Chefe da
Assessoria Jurídica da EMATER-DF e Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
Contudo, não é suficiente apenas criar espaços ambientais. É preciso também
cuidar para que tais áreas sejam efetivas e cumpram o seu dever legal. Assim, a
efetividade é atingida quando a unidade de conservação está totalmente consolidada, A
avaliação da efetividade de unidades de conservação, no entanto, não é uma missão fácil.
Existem diversas metodologias desenvolvidas para essa finalidade, dentre as quais o
RAPPAM e o SAMGe, utilizados pelo ICMBio e pelo Ministério do Meio Ambiente.
Os Grupos de Pesquisa em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do
Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM), que vêm desenvolvendo pesquisa acerca da efetividade das unidades de
conservação federais, têm aplicado critérios avaliativos próprios, baseados em
indicadores legais, explícitos ou implícitos no SNUC, que foram desenvolvidos por um
de seus pesquisadores. São eles: plano de manejo, conselho gestor, situação fundiária,
infraestrutura mínima de gestão e infraestrutura de mínima de uso público, que é
destinado especificamente para as UCs passíveis de visitação.
O nível de consolidação dependerá, assim, da quantidade de indicadores presentes
em cada UC, observando-se a seguinte classificação: i) nenhum indicador - Unidade de
Conservação de Papel; ii) um indicador - não consolidada; iii) dois indicadores -
minimamente consolidada; iv) 3 indicadores consolidadas; e v) 4 ou 5 indicadores
plenamente consolidadas, lembrando que o quinto indexador somente por ser aplicada às
UCs abertas ao público.
Dentro desse contexto, o objetivo do presente trabalho é apresentar um panorama
sobre os aspectos relacionados à efetividade das unidades de conservação, além de
exemplificar esse cenário no Brasil, tendo como amostragem o grau de consolidação dos
Parques Nacionais situados na região Centro-Oeste e dos Parques Distritais, situados,
como o próprio nome revela, no Distrito Federal. Para tanto, serão utilizados os
indicadores legais utilizados pelo Grupo de Pesquisa, que foram obtidos por meio de
consultas aos sites de instituições governamentais, como o ICMBio, Ministério do Meio
Ambiente, IBRAM/DF, trabalhos acadêmicos ou por meio da Lei de Acesso à
Informação.
1 IMPORTÂNCIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
A criação de áreas protegidas é um dos instrumentos mais eficientes para a
conservação da biodiversidade in situ. Prevista pelo art. 8º, a, da CDB (MMA, 2000), a
criação de espaços ambientais é uma política adotada pela maior parte dos países e
remonta a 1872, quando foi instituído o primeiro parque nacional no mundo, o Parque
Nacional de Yellowstone, nos EUA.
Isso não significa que espaços protegidos não eram criados anteriormente. Na
verdade, pode-se citar espaços ambientais instituídos por Assírios e Persas, entre 700 e
350 anos a.C., na Índia, no século IV a.C., e durante toda a Idade Média, na Europa
Ocidental. Todavia, eles diferem das áreas protegidas implantadas a partir do final do
século XIX porque eram ligados, basicamente, à caça e a questões religiosas
(LEUZINGER, 2009).
Com a consolidação do movimento ambiental no cenário mundial, que ocorreu na
segunda metade do século XIX, nos EUA e em alguns países da Europa, altera-se o
paradigma para instituição de áreas protegidas, que passou a ser a proteção da natureza
selvagem. Esse paradigma permanece vigente até a segunda metade do século XX,
quando, então, o objetivo principal para a instituição de áreas protegidas passa a ser a
preservação de ecossistemas naturais e, um pouco mais tarde, conservação da diversidade
biológica (FRANCO, 2000; DIEGUES, 2000).
Praticamente todos os países do mundo, desde a criação do Parque Nacional de
Yellowstone, já instituíram áreas protegidas, com prevalência de parques nacionais, que
são unidades que oferecem, em geral, um grau bastante elevado de preservação, mas
permitem visitação pública.
Os parques nacionais são classificados como categoria II pela União Internacional
de Conservação da Natureza, o que significa que o principal objetivo deve ser a proteção
de ecossistemas naturais, permitindo visitação pública e, para tanto, oferecendo
infraestrutura de apoio. Devem ser geridos de forma a contribuir para a economia local,
por meio da promoção de turismo ecológico, desde que não prejudiquem as medidas de
conservação (IUCN, 2020).
Nesse contexto, o Brasil criou seu primeiro parque nacional em 1937, o Parque
Nacional de Itatiaia, situado entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira.
Desde então, já foram instituídos, no plano federal, 74 parques nacionais e 260 unidades
de conservação (UCs) das demais categorias de manejo 1, com exceção das reservas
particulares do patrimônio natural (RPPNs), que somam 697 (ICMBio, 2020). A criação
de unidades de conservação pode ser, assim, considerada a política ambiental contínua
mais antiga do Brasil (DRUMMOND, 1997).
Muito embora os espaços ambientais não se restrinjam às unidades de
conservação, já que congregam, além delas, também os espaços previstos pelo Código
Florestal, como áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal, e outros
previstos em normas esparsas, como jardins botânicos, jardins zoológicos, hortos
florestais etc, as UCs possuem especial relevância, uma vez que conformam um sistema
organizado, administrado por um órgão gestor.
No plano federal, o órgão gestor é o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade – ICMBio, responsável, desde a sua criação, em 2006, pela instituição e
gestão das unidades de conservação. Estados e Municípios podem implementar seus
sistemas estaduais e municipais de unidades de conservação, desde que observadas as
normas gerais insertas na Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza.
Todavia, não é suficiente apenas criar espaços ambientais, dentre os quais as
unidades de conservação, pois eles precisam ser efetivos. Sobre a matéria, importante
destacar que efetividade não se confunde nem com eficácia, nem com eficiência.
Efetividade significa a efetiva observância da norma, do ato administrativo ou
da unidade de conservação, tanto pelo Poder Público, quanto pela sociedade
(LEUZINGER, 2009). Já a eficácia está relacionada à disponibilidade para produção de
efeitos, seja de uma norma, seja de um ato administrativo. Isso significa que a norma ou
o ato administrativo, para serem eficazes, não podem depender de qualquer evento
posterior, como regulamento a ser editado, condição suspensiva, termo inicial, dentre
outros (MELLO, 2019). Eficiência, por sua vez, significa que a atividade deve ser
desenvolvida da maneira mais adequada, tendo em vista os fins a que se destina (MELLO,
2019). Cuida-se de conseguir os melhores resultados com custos compatíveis com esses
resultados.

1
Estação ecológica, reserva biológica, monumento natural, refúgio da vida silvestre, área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, reserva extrativista, reserva de desenvolvimento
sustentável, reserva de fauna, floresta nacional, reserva particular do patrimônio natural.
2 EFETIVIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
No plano das unidades de conservação, a efetividade plena é alcançada quando a
unidade de conservação está totalmente implementada, o que pode ser aferido com a
utilização de indicadores. Essa aferição da efetividade de unidades de conservação,
portanto, não é simples, havendo diversas metodologias e indicadores desenvolvidos com
essa finalidade. Dentre as metodologias que vêm sendo utilizadas, pode-se citar o
RAPPAM e o SAMGe, adotados pelo ICMBio e pelo Ministério do Meio Ambiente para
avaliar a efetividade da gestão das UCs federais.
O sistema denominado Rapid Assessment and Priorization of Protected Area
Management - RAPPAM é um método de avaliação de efetividade que foi desenvolvido
pela WWF para a avaliação rápida e priorização do manejo em unidades de conservação.
A partir de sua utilização, torna-se possível, com os dados obtidos, desenvolver-se
políticas adequadas à proteção de florestas e à formação de uma rede viável de unidades
de conservação.
Em 2007, a WWF e o IBAMA publicaram um amplo trabalho de avaliação de
efetividade, denominado Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Federais
do Brasil: implementação do Método Rappam – Avaliação Rápida e Priorização da
Gestão de Unidades de Conservação (WWF, 2007).
Nesse estudo, os indicadores utilizados foram: contexto (importância biológica e
socioeconômica; vulnerabilidade; objetivos; amparo legal e desenho e planejamento da
área), insumos (recursos humanos; comunicação e informação; infraestrutura e recursos
financeiros), processos (planejamento; processos de tomada de decisão; pesquisa,
avaliação e monitoramento), resultados e sistema de unidades de conservação (desenho;
políticas e ambiente político).
O resultado obtido pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1: Efetividade da gestão de UCs federais


Fonte: WWF, 2007.
De acordo com a pesquisa, como se pode constatar do gráfico 1, a maior parte das
UCs, naquela época, gozava de baixa efetividade.
Em 2015, a WWF e o ICMBio, utilizando esse mesmo método RAPPAM,
alcançaram os resultados expostos no Gráfico 2, que já demonstram um significativo
aumento na efetividade das UCs federais. Os indicadores utilizados foram: visão, metas
e objetivos; contexto e situação (importância biológica, socioeconômica,
vulnerabilidades, pressões e ameaças); planejamento e desenho; insumos; processo de
gestão; resultados; reflexão / avaliação (WWF; ICMBio, 2015).
Gráfico 2: Unidades de conservação por classe de efetividade de gestão.

Fonte: WWF,ICMBio, 2015.


Atualmente, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade passaram a adotar o Sistema de Análise e Monitoramento
de Gestão – SAMGe para avaliar a efetividade da gestão das UCs federais, com
periodicidade anual. Segundo o MMA, esse sistema
busca aferir a efetividade de gestão de unidades de conservação
a partir da análise das inter-relações entre os alvos de
conservação (o que se busca manter), os usos (interfaces entre os
alvos e a sociedade) e as ações de manejo realizadas pelo órgão
gestor. A metodologia visa alcançar os objetivos inerentes às
análises de efetividade de gestão, ou seja: servir como subsídio
para a tomada de decisão (tanto na unidade quanto para processos
relacionados) e aproximar a sociedade da gestão das áreas
especialmente protegidas ao divulgar resultados e tranversalizar
o processo de aplicação (MMA, 2020 a).

O resultado obtido em 2016 está demonstrado do Gráfico 3, em que a efetividade


das UCs federais seria de 47,74%. Os indicadores usados foram: planejamento, contexto,
produtos e serviços, processos, insumos e resultados.
Quando comparado ao estudo anterior, que utilizou o método RAPPAM, percebe-
se que não houve nenhuma melhora nos percentuais de efetividade de 2015 a 2016.
Gráfico 3: Índice de efetividade das UCs federais

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, como não existe uma série histórica que
utilize essa metodologia, “a tendência que se pretende atingir é o aumento da efetividade
da gestão das UCs federais” (MMA, 2020 b).
Os Grupos de Pesquisa em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do
UniCEUB e da UPM, têm utilizado indicadores legais, explícitos ou implícitos no SNUC,
que foram desenvolvidos por SOUZA, 2017, sendo eles:
1) Plano de manejo: instrumento obrigatório para todas as UCs, que norteia o uso,
o manejo e a implantação das estruturas de gestão desses espaços;
2) Conselhos gestores: mecanismo indispensável a todas as UCs por concretizar a
participação democrática;
3) Situação fundiária: adequação entre a categoria de manejo e o regime dominial
previsto na Lei;
4) Infraestrutura mínima de gestão: estrutura física básica que permita a atuação
do Estado no local;
5) Infraestrutura mínima de uso público: aplicável somente às UCs passíveis de
visitação, que devem conter estruturas mínimas como, por exemplo, trilhas, pista de
caminhada, ciclovias etc..
Com base nesses critérios, o grau de consolidação dependerá da quantidade de
indicadores presentes em cada UC. Dentro desse contexto, a UC que não tiver nenhum
indicador, será denominada “de papel”, enquanto a UC que contemplar pelo menos um
requisito será tipificada como não consolidada. As UCs que contemplarem dois
indicadores serão denominadas de minimamente consolidadas e as que tiverem pelos
menos 3 dos itens listados serão enquadradas como consolidadas. Já as UCs que
possuírem os 4 ou 5 indicadores poderão ser classificadas como plenamente consolidadas,
lembrando que o quinto indexador somente por ser aplicado às UCs abertas ao público.
Tratando-se de indicadores com resultados encontrados com maior facilidade nas
bases de dados oficiais, a pesquisa de efetividade tornou-se mais simples, sem, contudo,
prejudicar a qualidade dos resultados. Como ainda não foram objeto de pesquisa todas as
categorias de manejo de UCs federais, não é possível apresentar um resultado final, mas
pode-se adiantar que a efetividade das unidades pesquisadas até meados de 2020 não era
alta, o que é compatível com os resultados alcançados pelas pesquisas realizadas pela
WWF e MMA.
O cenário encontrado no âmbito federal não difere da realidade dos Estados que,
em geral, possuem sistemas próprios de unidades de conservação, uma vez que a
consolidação dessas áreas é um grande desafio (BENSUSAN, 2006).
Para exemplificar esse panorama, nos próximos tópicos, apresentar-se-á uma
amostra do nível de consolidação dos Parques Nacionais da região Centro-Oeste e dos
Parques Distritais, inseridos como o próprio nome revela, no Distrito Federal.

3 EFETIVIDADE DOS PARQUES NACIONAIS DA REGIÃO


CENTRO-OESTE
No Brasil, como já foi mencionado, há 74 (setenta e quatro) parques nacionais,
que visam “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e
beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de
atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza
e de turismo ecológico” (BRASIL, 2000). Nas regiões Norte e Nordeste, tem-se o
seguinte quantitativo, expresso no Quadro 1:

QUADRO 1: Quantitativo de Parques Nacionais nas Regiões Norte e Nordeste


NORTE NORDESTE
ESTADO (7) QUANTIDADE (QTD) ESTADO (9) QUANTIDADE
(QTD)
Acre (AC) 1 Alagoas (AL) ZERO
Amapá (AP) 2* Bahia (BA) 10 *
Amazonas (AM) 10 * Ceará (CE) 2
Pará (PA) 6* Maranhão (MA) 3*
Rondônia (RO) 4* Paraíba (PA) ZERO
Roraima (RR) 3* Pernambuco (PE) 2
Tocantins (TO) 2* Piauí (PI) 4*
Rio Grande do Norte (RN) 1
Sergipe (SE) 1
TOTAL 28 TOTAL 23
Fonte: Quadro elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no Cadastro Nacional de
Unidades de Conservação (CNUC) 2
Obs: * Estados que possuem parques em mais de um ente.

As regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país possuem o seguinte quantitativo


de parques, expresso no Quadro 2:
Quadro 2: Quantitativo de Parques Nacionais nas Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste
CENTRO-OESTE SUDESTE SUL
ESTADO (4) QTD ESTADO (4) ESTADO (3)
TD TD
Distrito Federal (DF) 1* Espírito Santo (ES) Paraná (PR)
* *
Goiás (GO) 3* Minas Gerais (MG) Rio Grande do Sul (RS)
* *
Mato Grosso (MT) 4* Rio de Janeiro (RJ) Santa Catarina (SC)
* *
Mato Grosso do Sul 3* São Paulo (SP)
(MS) *

2
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Disponível em:
https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs. Acesso em: 31 mai. 2020
TOTAL 11 TOTAL TOTAL
5 5
Fonte: Quadro elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no Cadastro Nacional de
Unidades de Conservação (CNUC) 3
Legenda: * DF e todos os Estados possuem parques em mais de um ente.

Nem todos os parques nacionais, entretanto, estão efetivamente consolidados. A


escassez de recursos tem sido apontada como um dos grandes entraves à implementação,
gestão e manejo desses espaços (SOUZA, 2017). No estudo “Contribuição das Unidades
de Conservação brasileiras para a economia nacional”, realizado em 2011, identificou-se
que o Brasil investe somente R$ 4,00 (quatro reais) por hectare de Unidade de
Conservação, enquanto a Argentina, por exemplo, destina cinco vezes mais, ao aplicar
R$ 21,00 (vinte um reais) por hectare de Unidade de Conservação (MEDEIROS;
YOUNG et al., 2011).
Por ser financiada, principalmente, por recursos públicos (GODOY, 2015), a
criação e gestão de UCs concorre com outras políticas públicas que possuem mais
respaldo político e apelo social, sendo, ao final, pouco prestigiada.
O orçamento do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, é repartido para o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, o
Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro – JBRJ, a Agência Nacional de
Águas - ANA, o Serviço Florestal Brasileiro - SFB e o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio (SOUZA, 2017), que faz a gestão das UCs
federais.
Mesmo com tantos entes vinculados, o orçamento do MMA, em 2018, foi inferior
ao da Câmara dos Deputados e do Senado. Além disso, o gasto efetivamente autorizado
foi pouco mais de 20% do orçamento do Ministério da Agricultura (WWF, 2018).
É preciso entender, no entanto, como a limitação de recursos, assim como outros
entraves relacionados à concretização da política ambiental, impactam na consolidação
das Unidades de Conservação, especialmente, nos parques nacionais.
Para se ter um recorte dessa situação, os indicadores legais apresentados na
primeira parte deste trabalho e utilizados pelos GP do UniCEUB e UPM (plano de
manejo, conselho gestor, adequação fundiária, estruturas físicas necessárias à gestão da
UC e estruturas mínimas de uso público) serão aplicados aos parques nacionais da região

3
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Disponível em:
https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs. Acesso em: 31 mai. 2020
Centro-Oeste, sendo eles: 1) Parque Nacional de Brasília; 2) Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros; 3) Parque Nacional das Emas; 4) Parque Nacional da Serra da Bodoquena;
5) Parque Nacional de Ilha Grande; 6) Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense; 7)
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros; 8) Parque Nacional do Juruena; e 9) Parque
Nacional dos Campos Amazônicos. Vejamos:

Quadro 3: Análise dos Parques Nacionais da Região Centro-Oeste

Parque Plano de Conselho Adequação Infraestrutura Infraestrutura Nível de


Nacional Manejo Gestor Dominial Básica de Gestão Mínima de Uso Consolidação 4
(CNUC, (CNUC, 2020) (SOUZA, 2017) (SOUZA, 2017) Público (SOUZA, 2017)
2020) (SOUZA, 2017)
Brasília Sim Sim Não (1) Sim Sim Plenamente
consolidado
Chapada dos Sim Sim Não Sim Sim Plenamente
Veadeiros consolidado
Emas Sim Sim Não (1) Sim Sim Plenamente
consolidado
Serra da Sim Sim Não (1) Sim Não Consolidado
Bodoquena
Ilha Grande Sim Não Não (1) Sim Não Minimamente
consolidado
Pantanal Sim Não Sim (1) Sim (1) Sim (1) Plenamente
Matogrossense Consolidado
Chapada dos Sim Sim Não Sim Sim Plenamente
Guimarães consolidado
Juruena Sim Sim Não Sim Não Consolidado
Campos Sim Sim Não (1) Sim Não Consolidado
Amazônicos
Fonte: Quadro elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no Cadastro Nacional de Unidades de
Conservação (CNUC) 5
Legenda: (1) Dado obtido no Plano de Manejo da UC

Analisando os dados do quadro acima, pode-se constatar que, dos 9 Parques


Nacionais, 5 estão plenamente consolidados, 3 consolidados e 1 minimamente
consolidado. Logo, a maioria dessas UCs na região Centro-Oeste está plenamente
consolidada.
Cumpre destacar que quase todos os parques analisados estão situados no bioma
Cerrado, que é considerado o segundo maior da América do Sul, com cerca de ¼ do
território brasileiro. A sua biodiversidade é tida como a mais rica entre as savanas, a

4
Grau de consolidação: 0 indicador = Parque de Papel;
1 indicador = UC não consolidada;
2 indicadores = UC minimamente consolidada;
3 indicadores = UC consolidada;
4 ou 5 indicadores = UC plenamente consolidada;
5
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Disponível em:
https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs. Acesso em: 31 mai. 2020
despeito de não ter o status de patrimônio nacional na Constituição Federal de 1988,
conferido a outros biomas como Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica,
Pantanal Mato-Grossense e Zona Costeira. A Região Centro-Oeste abriga também o
bioma Pantanal, com rica biodiversidade, tendo sido considerado Patrimônio Mundial da
Humanidade, em 1981, e Reserva da Biosfera, em 20006.

4 EFETIVIDADE DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO


DISTRITO FEDERAL
As unidades de conservação criadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Municípios também integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza, assim como as UCs federais e municipais. Desse modo, o Distrito Federal, com
fundamento na Constituição Federal, na Lei Orgânica que o rege e, em consonância com
a Lei nº 9.985/00, criou o seu próprio sistema de unidades de conservação, ao editar a Lei
Complementar nº 827, de 22 de julho de 2010. O denominado Sistema Distrital de
Unidades de Conservação da Natureza (SDUC), atualmente, é composto por 73 UCs 7,
sendo que, desse montante, 7 são Parques Distritais (IBRAM, 2020).
Os parques distritais possuem regramentos semelhantes àqueles previstos no
sistema nacional 8. O SDUC, no entanto, é mais específico ao prever expressamente
alguns requisitos para a seleção das áreas que serão gravadas como Parques Distritais 9.
Atualmente, no Distrito Federal, existem 7 Parques Distritais. São eles: Parque
Distrital Salto do Tororó, Parque Distrital Boca da Mata, Parque Distrital Pequizeiros,
Parque Distrital Retirinho, Parque Distrital São Sebastião, Parque Distrital Recanto das
Emas, e Parque Distrital Bernardo Sayão (IBRAM, 2020).

6
ARAGÃO, Guilherme Apolinário; FELIPE, Jonatas Ferreira; WIEDMANN, Natasha Pereira; KLAYM,
Ricardo; BUENO, Sarita G. Região Centro-Oeste. In: Uso Público em Parques Nacionais. Org: Márcia
Dieguez Leuzinger; Ricardo Klaym. Curitiba, PR: CRV, 2012. p. 83-4.
7
Desse total, 22 pertencem ao grupo de Proteção Integral, sendo 2 Estações Ecológicas, 4 Reservas
Biológicas, 2 Monumentos Naturais, 7 Parques Distritais e 7 Refúgios de Vida Silvestre. Já o restante - 51
UCs – integra o grupo de Uso Sustentável, sendo: 4 Áreas de Proteção Ambiental, 12 Áreas de Relevante
Interesse Ecológico, 1 Floresta Distrital e 34 Parques Ecológicos (IBRAM, 2020). Dado obtido em 20 de
maio de 2020.
8
Vide artigo 11, da Lei nº 9.985/2000 e o artigo 11, da Lei Complementar nº 827/2010.
9
O art. 11, § 3º, da Lei Complementar n 827/2010, estabelece que tal categoria deve conter, pelo menos,
em cinquenta por cento da área total da unidade os seguintes atributos: áreas de preservação permanente,
veredas, campos de murundus ou mancha representativa de qualquer fitofisionomia do Cerrado
No âmbito distrital, no entanto, quando se avalia a efetividade especificamente
dessas UCs, por meio dos indicadores legais indicados na primeira parte deste trabalho,
a situação revelada é preocupante. Vejamos o quadro 4:

Quadro 4: Efetividade dos Parques Distritais

Parque Distrital Plano de Conselho Adequação Infraestrutura Infraestrutura Nível de


Manejo Gestor Dominial Básica de Mínima de Consolidação 10
(IBRAM, 2020) (SEMA, (SOUZA, Gestão Uso Público
2020) 2017) (SOUZA, 2017) (SOUZA,
2017)
Salto do Tororó 11 Não Não Sim Não Não Não
consolidada
Boca da Mata Não Não Sim Não Não Não
consolidada
Pequizeiros Não Não Sim Não Não Não
consolidada
Retirinho Não Não Não Não Não Parque de
Papel
São Sebastião Não Não Sim Sim Sim Consolidada
Recanto das Não Não Não Não Sim Não
Emas consolidada
Bernardo Sayão Sim Não Não Não Não Não
consolidada
Fonte: Quadro elaborado pelos autores, a partir dos dados obtidos no site do IBRAM/DF, da consulta
formulada à SEMA/DF e do trabalho de SOUZA (2017).

Analisando os dados acima à luz dos parâmetros listados, verifica-se que, dos 7
Parques Distritais avaliados, apenas, 1 pode ser considerado consolidado, enquanto outros
5 podem ser tipificados como não consolidados. No DF, inclusive, há um parque que pode
ser denominado de parque de papel porque não possui sequer um indicador, revelando
uma situação oposta daquela encontrada no recorte federal, que avaliou apenas os parques
nacionais da região Centro-Oeste.
A ausência desses indicadores nos Parques Distritais revela, de certo modo, o
cenário provavelmente experimentado por várias unidades de conservação no Brasil, nas
diferentes esferas de poder, que ainda carecem de consolidação. Esse panorama é
preocupante porque a instituição de unidades de conservação, apesar de ser um passo
importante, não pode estar dissociada das iniciativas de gestão, pois não basta criar, é
preciso também cuidar para que tais áreas cumpram sua finalidade legal.

10
Grau de consolidação: 0 indicador = Parque de Papel;
1 indicador = UC não consolidada;
2 indicadores = UC minimamente consolidada;
3 indicadores = UC consolidada;
4 ou 5 indicadores = UC plenamente consolidada;
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, ao ressaltar a necessidade de se
implementar a letra e o espírito da Lei do SNUC, destacou que a instituição de unidades
de conservação não é um fim em si mesmo, devendo estar acompanhada de meios para a
sua gestão técnica, clara e participativa com foco na contenção da crise que afeta a
biodiversidade (STJ, 2011).
A não observância desses indicadores legais pelos entes federativos, além de ser
uma violação ao primado da legalidade, impede a efetividade dos objetivos
conservacionistas delineados para essas áreas e do próprio direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, razão pela qual deve ser combatido em todas as esferas de
poder e pela sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação e gestão de áreas protegidas e, mais especificamente, de unidades de
conservação, que conformam um sistema, administrado por um órgão gestor, é uma
política pública ambiental essencial para a conservação da diversidade biológica no
Brasil. Todavia, a mera instituição de unidades de conservação não atende à finalidade de
proteção inserta da legislação, seja na norma geral federal, consubstanciada na Lei nº
9.985/00, seja nas leis estaduais e municipais que regem os sistemas regionais e locais de
unidades de conservação.
As unidades de conservação, para cumprirem as finalidades expostas na
legislação, precisam ser efetivas, ou seja, precisam estar consolidadas, o que pode ser
aferido a partir da utilização de diferentes metodologias. A WWF e o ICMBio vêm
utilizando 2 sistemas para a aferição da efetividade da gestão de unidades de conservação
federais, o RAPPAM e o SAMGe. Os resultados obtidos em pesquisas realizadas por
essas entidades nos anos de 2007, 2015 e 2016 demonstraram que a maior parte das UCs
federais apresentava efetividade média, num cenário que apresentava 3 possibilidades:
efetividade alta, média e baixa.
Os Grupos de Pesquisa em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do
UniCEUB e UPM vem adotando indicadores desenvolvidos por um de seus integrantes,
que são: Plano de manejo, Conselhos gestores, Situação fundiária, Infraestrutura mínima
de gestão e Infraestrutura mínima de uso público. A partir da identificação da presença
desses indicadores, foram avaliados, no presente trabalho, os parques nacionais da região
Centro-Oeste e os parques distritais, localizados no Distrito Federal.
Os resultados obtidos foram os seguintes: em relação aos parques nacionais da
região Centro-Oeste, que abarca os biomas Cerrado e Pantanal Mato-Grossense: dos 9
Parques Nacionais, 5 estão plenamente consolidados, 3 consolidados e 1 minimamente
consolidado. Logo, a maioria dessas UCs na região Centro-Oeste está plenamente
consolidada, o que revela estar acima da média nacional.
Já em relação aos parques distritais, que integram o Sistema Distrital de Unidades
de Conservação, os resultados alcançados não foram tão bons: dos 7 Parques Distritais
avaliados, apenas, 1 pode ser considerado consolidado, 5 podem ser tipificados como não
consolidados e 1 pode ser denominado de parque de papel, na medida em que não possui
nenhum indicador, revelando uma situação bem diferente daquela encontrada no recorte
federal, que avaliou os parques nacionais da região Centro-Oeste.
Todavia, quando comparados os resultados obtidos no Distrito Federal com os
resultados encontrados pela WWF e ICMBio no plano federal, o Distrito Federal está
dentro da média federal de efetividade de suas unidades de conservação. Deve-se
ressaltar, contudo, que as metodologias usadas pelos GPs e pelo WWF e ICMBio são
distintas, o que não permite traçar, com segurança, uma comparação entre os resultados
obtidos.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Dispõe sobre a regulamentação do art.


225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm>. Acesso em: 1º mai. 2020.
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Janeiro: Editora FGV, 2006.
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Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. 2ª ed. São
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sobre a regulamentação do art. 279, I, III, IV, XIV, XVI, XIX, XXI, XXII, e o art. 281
da Lei Orgânica do Distrito Federal, institui o Sistema Distrital de Unidades de
Conservação da Natureza – SDUC e dá outras providências. Disponível em:<
http://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaTextoLeiParaNormaJuridicaNJUR-
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http://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/79551/Decreto_36472_30_04_2015.html. Acesso
em: 27 mai. 2020.
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http://www.sinj.df.gov.br/sinj/Norma/dc34e7ad1aa84963840b21a389b7f676/Decreto_3
8367_26_07_2017.html. Acesso em: 27 mai. 2020.
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03_12_2019.html. Acesso em: 25 mai. 2020.
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7198_21_03_2016.html. Acesso em: 25 mai. 2020.
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DRUMMOND, José Augusto. O sistema brasileiro de parques nacionais: análise dos
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1992). In: SILVA, Sérgio Duarte (org). Relações cidade-campo. Goiânia:
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protegidas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. Ed, 2015.
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http://www.ibram.df.gov.br/unidades-de-conservacao/. Acesso em: 27 mai. 2020.
IBRAM. Plano de Manejo. Disponível em: http://www.ibram.df.gov.br/plano-de-
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20Unidades%20de%20Conserva%C3%A7%C3%A3o%20Federais,-
Indicador&text=O%20%C3%8Dndice%20de%20efetividade%20gerado,evolu%C3%A
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SOUZA, Lorene Raquel. A Gestão das Unidades de Conservação do Distrito Federal.
Dissertação (Mestrado) Centro Universitário de Brasília. Programa de Mestrado em
Direito, 2017. Disponível em:
https://www.uniceub.br/arquivo/144ng_20190710103628*pdf?AID=2923. Acesso em:
21 mar. 2020.
STJ. REsp 1.071.741/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin. Disponível em:
< https://www.mpma.mp.br/arquivos/ESMP/Responsabilidade_Civil_do_Estado.pdf >.
Acesso em: 29 de mai. 2020.
WWF; IBAMA. Efetividade de Gestão das Unidades de Conservação Federais do
BRASIL: Implementação do Método Rappam – Avaliação Rápida e Priorização da
Gestão de Unidades de Conservação. Brasília: IBAMA; WWF, 2007.
WWF. Financiamento Público em Meio Ambiente: um balanço da década e
perspectivas. Disponível em:
https://d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/financiamentomma_final2_web.pdf.
Acesso em: 9 abr. 2020.
WWF; ICMBio. Avaliação da gestão das unidades de conservação: métodos RAPPAM
(2015) e SAMGE (2016). WWF: Brasília, 2017.
PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS
(PSA): EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS

PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES


(PES): EVOLUTION AND PERSPECTIVES

Ana Maria de Oliveira Nusdeo *


Natália Jodas**

INTRODUÇÃO
Na última década, a discussão acerca do Pagamento por Serviços Ambientais
(PSA) expandiu consideravelmente no âmbito do Direito Ambiental. Sob óticas variadas,
esse instrumento protagonizou debates acadêmicos, doutrinários e práticos, que buscaram
responder questões de diferentes ordens, como a sua natureza jurídica, base conceitual,
regulamentação, finalidade, funcionalidade, operacionalização e efetividade, entre muitas
outras. Com o intuito de tangenciar muitas dessas questões, o presente Capítulo propõe-
se a delimitar um panorama sóbrio e objetivo do PSA, a partir das linhas traçadas pelo
seu desenvolvimento no Brasil.
Na primeira parte, são apresentados alguns elementos constituintes do conceito de
PSA e abordadas as modificações recebidas por ele ao longo do tempo, em virtude da
forma como o instituto foi sendo implementado na seara prática. Para aprimorar a sua
contextualização, é realizada, na sequência, uma breve investigação da aplicação do PSA
no cenário internacional, dando especial atenção a algumas experiências no continente
americano.

*
Professora de Direito Ambiental na Faculdade de Direito da USP; ex-presidente do Instituto o Direito por
um Planeta Verde (2017-2019). Vencedora do prêmio Jabuti 2013, na categoria Direito, pelo
livro Pagamento por Serviços Ambientais. Sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012.
**
Professora de Direito do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Doutora em Direito pela
Universidade de São Paulo (USP). Diretora do Instituto o Direito por um Planeta Verde (IDPV) e membro
da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB).
Coube à segunda parte do Capítulo debruçar-se sobre os marcos regulatórios do PSA no
Brasil, mediante uma análise jurídica da legislação federal e estadual existentes.
Paralelamente, são exibidas as principais formas de utilização do PSA no território
nacional, quais sejam, os projetos e programas de conservação ambiental e o PSA
enquanto ferramenta de compensação ambiental.
A última parte dedica-se à análise crítica do PSA, trazendo ponderações sobre o
seu uso como instrumento complementar aos demais existentes na política ambiental
brasileira, especialmente no contexto do combate ao desmatamento. Discorre-se, no final,
sobre as perspectivas do PSA no presente e no futuro, por meio de reflexões sobre um
possível marco regulatório federal e da necessidade de uma maior articulação entre os
entes federativos para que o instrumento possa convergir entre as diversas políticas do
Direito Ambiental brasileiro.
A metodologia de pesquisa consistiu na revisão bibliográfica e no levantamento
documental. A revisão das literaturas nacional e estrangeira foi realizada em todas as
partes do presente trabalho. A pesquisa documental foi empregada especificamente no
tópico 2.1.2, com o objetivo de identificar as normas jurídicas estaduais que
reconheceram o PSA nos seus respectivos territórios.

1 PSA: CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITO


O debate em torno da criação de instrumentos econômicos na gestão do meio
ambiente ganhou maior espaço no final do século XX, particularmente no contexto norte-
americano (segunda metade da década de 1970), quando se intensificaram as críticas
endereçadas à adoção exclusiva dos instrumentos de comando e controle para reger as
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente1. A partir desse momento, os
mecanismos econômicos passaram a ser reconhecidos nos ordenamentos jurídicos de
muitos Estados, apregoando, em termos gerais, uma lógica de estímulo às ações protetivas
à natureza, o que configurou a estruturação de modelos de política ambiental mistos
(policy mix), isto é, que combinam e articulam os instrumentos de comando e controle e

1
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por Serviços Ambientais. In: PHILIPPI JR., Arlindo;
FREITAS, Vladimir Passos de; SPÍNOLA, Ana Luíza Silva. Direito Ambiental e Sustentabilidade. Barueri:
Manole, 2016. p. 620.
os econômicos. Às vezes, instrumentos de participação e alterações institucionais são
incluídas no mix.
O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), espécie de instrumento econômico,
expressou-se de diferentes formas e aspectos não apenas entre os países que tiveram tais
experiências, mas também dentro de um mesmo território considerado. Suas distintas
manifestações de ordem prática fizeram com que o seu conceito fosse reformulado ao
longo do tempo, de modo que a abordagem teórica atendesse à realidade de sua execução.
Por isso, o presente capítulo é dedicado à compreensão do PSA a partir do estudo da sua
evolução conceitual e da forma do seu desenvolvimento no cenário internacional. Na
sequência, dar-se-á maior atenção ao tratamento jurídico e demais peculiaridades de sua
implementação no Brasil.

1.1 EVOLUÇÃO CONCEITUAL


O conceito de PSA mais conhecido doutrinariamente foi cunhado por Sven
Wunder em 2005, o qual o definiu como “uma transação voluntária, onde um serviço
ambiental bem definido (ou um uso da terra que assegure esse serviço) é comprado por
(pelo menos) um comprador de (pelo menos) um provedor, se e somente se o provedor
do serviço ambiental assegura tal provisão (condicionalidade)” 2.
Com o passar dos anos, diversos pesquisadores e implementadores de iniciativas
de PSA, a nível nacional e estrangeiro, acabaram propondo novos elementos para a sua
definição 3. As discussões relativas às experiências de PSA auxiliaram na construção de

2
Livre tradução de: A PES is: 1. a voluntary transaction where 2. a well-defined ES (or a land-use likely to
secure that service) 3. is being ‘bought’ by a (minimum one) ES buyer 4. from a (minimum one) ES provider
5. if and only if the ES provider secures ES provision (conditionality). WUNDER, Sven. Payments for
environmental services: some nuts and bolts. CIFOR Occasional Paper.Jakater: Center for International
Forestry Research, n.42, 2005. Disponível em:
<http://www.cifor.org/publications/pdf_files/OccPapers/OP-42.pdf>. Acesso em 01 de junho de 2020.
3
Citam-se diversos trabalhos nesse sentido: Trabalho de 2007: VAN NOORDWIJK,et al. Criteria and
indicators for environmental service reward and compensation mechanisms: realistic, voluntary,
conditional and pro-poor. CRESScoping Study — Issues Paper 2.World Agroforestry Center:Nairobi,
2007. Trabalho em 2008: PORRAS, I., et al. All That Glitters: A Review of Payments forWatershed
Services in Developing Countries. International Institute for Environmentand Development (IIED), London
(130 pp.), 2008. Trabalhos de 2009: SOMMERVILLE, M.M., et al..A revised conceptual framework for
payments for environmental services. Ecol. Soc. 14 (2), 34, 2009.; e SWALLOW, B.M., et al.
Compensation and rewards for environmental services in the developing world: framing pan-tropical
analysis and comparison. Ecol. Soc. 14 (2), 26, 2009. Trabalho de 2010: MURANDIAN, R.,et al.
Reconciling theory andpractice: an alternative conceptual framework for understanding payments for
environmentalservices. Ecol. Econ. 69 (6), 1202–1208, 2010. Trabalhos de 2011: SHELLEY, B.G. What
should we call instruments commonly known as payments forenvironmental services? A review of the
literature and a proposal. Ann. N. Y. Acad. Sci. 1219 (1), 209–225, 2011; e KARSENTY, A.Payments for
conceitos relativamente mais abrangentes e aproximados da forma como o instituto foi
sendo processado nas distintas realidades.
Tomando por base a sua concepção mais atual, Sven Wunder definiu o PSA como
uma “transação voluntária entre usuários e provedores de serviços, que estão
condicionados a regras acordadas de gestão de recursos naturais, para gerar serviços
externos ao local da provisão” 4. Segundo o autor, a transação pode ser baseada em
mercados (mas em muitos casos não é), em geral envolvendo contratos escritos,
frequentemente facilitados por intermediadores. Este contrato é normalmente pré-
acordado quanto às regras de uso dos recursos naturais5. Outro ingrediente característico
é a voluntariedade, o que afasta o PSA de uma estrutura compulsória de adesão, mas não
impede que, pela natureza contratual, haja previsões sancionatórias em caso de
descumprimento pelas partes.
Já os usuários e provedores dos serviços ambientais podem organizar-se
individual ou coletivamente. Os provedores são, geralmente, proprietários de terra (com
ou sem título), arrendatários, concessionários e detentores da posse, cuja atribuição é
gerenciar os recursos naturais de uma determinada área (terrestre ou aquática), a qual são
contratualmente responsáveis, de acordo com as condições estabelecidas com os usuários.
Os usuários podem organizar-se em unidades únicas (empresas, por exemplo), clubes
(associações de usuários) ou em arranjos financiados pelo governo local ou nacional,
compondo o nível mais elevado de agregação de usuários de serviços ambientais6.
Ainda nessa concepção, os “serviços externos ao local de provisão” referem-se à
possibilidade de os beneficiários dos serviços ambientais encontrarem-se em locais
diferentes, isto é, externos àquele onde o serviço ambiental é realizado. Sublinha-se que

environmental services and development: combiningconservation incentives with investment. Perspective


Environmental Policy.CIRAD, Paris, 2011. Trabalho de 2012: TACCONI, L..Redefining payments for
environmental services. Ecol. Econ. 73, 29–36, 2012. Trabalho de 2013: SIMÕES, Marcelo; ANDRADE,
Daniel Caixeta. Limitações da abordagem coaseana à definição do instrumento de Pagamento por Serviços
Ambientais (PSA). Sustentabilidade em Debate, Brasília, v.4, n.1, p. 59-78, jan./jun., 2013. Trabalho de
2016: SIMÕES, Marcelo Silva; ANDRADE, Daniel Caixeta. Revisitando a teoria e compreendendo a
prática: análise de casos de pagamento por serviços ambientais. Revista de Políticas Públicas, v. 20, n. 2,
2016, pp. 903-926. Trabalho de 2019: JODAS, Natália. Diretrizes de Sustentabilidade da Economia
Ecológica para os projetos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no Brasil. 2019. 313f. Tese
(Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2019.
4
WUNDER, Sven. Revisiting the concept of payments for environmental services. Ecological Economics,
v. 117, 2015. p. 234–243. p. 241.
5
WUNDER, Sven. Revisiting the concept of payments for environmental services. Ecological Economics,
v. 117, 2015. p. 234–243. p.242.
6
Ibid. p. 242.
os beneficiários devem ser entendidos como aquelas pessoas, físicas ou jurídicas, públicas
ou privadas, que se beneficiam dos serviços ecossistêmicos promovidos ou melhorados
em razão de um projeto ou programa de PSA. Assim, os beneficiários podem ser os
próprios provedores ou terceiros. Por exemplo, cidadãos de um meio urbano que recebem
água de qualidade, empresas e indústrias que podem contar com o suprimento seguro de
água 7.
A condicionalidade é um aspecto elementar do PSA, uma vez que uma parte (a
dos usuários) deve incentivar, de forma monetária ou não, os provedores a realizar as
condutas aptas a prover ou incrementar os serviços; e a outra (a dos provedores) deve
efetuar as medidas estipuladas de gestão dos recursos naturais. Também é pertinente à
abordagem conceitual do PSA distinguir os serviços ecossistêmicos dos serviços
ambientais, com o propósito de deixar mais claras a sua função e aplicabilidade enquanto
instrumento econômico de uma determinada política ambiental.
As funções do ecossistema são resultado das interações constantes entre as suas
estruturas (plantas, animais, microorganismos, fungos, algas, etc), manifestando-se na
redução das temperaturas, filtração da água, evaporação e chuvas, fluxos gênicos,
reprodução da fauna, entre outros. Com efeito, os serviços ecossistêmicos são as funções
do ecossistema que rendem proveitos ao ser humano. A título de exemplo, os cursos
d’água que possuem as matas ciliares junto das suas margens auxiliam no equilíbrio
climático, na contenção de enchentes e de assoreamentos (funções ecossistêmicas) que,
consequentemente, são indispensáveis à agricultura, à prevenção das secas, inundações,
erosões e qualidade da água para usufruto da coletividade (serviços ecossistêmicos) 8.
Os serviços ambientais concernem às condutas humanas que auxiliam na
manutenção dos fluxos dos serviços ecossistêmicos. Desse modo, uma pessoa pode
influenciar positivamente na oferta de serviços ecossistêmicos a partir da escolha, por
exemplo: do cercamento e preservação das suas áreas protegidas (matas ciliares,
nascentes, topos de morros); do não depósito de efluentes nos cursos d’água da sua terra
(esgoto, agrotóxicos, etc); pela implementação de boas práticas agrícolas, como rotação
de culturas, plantio em curvas de nível, entre outros 9. As condutas humanas que

7
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE et al. [MMA]. Guia para formulação de políticas públicas estaduais
e municipais de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: MMA, 2017. p.16.
8
JODAS, Natália. Entre o Direito e a Economia: Pagamento por Serviços Ambientais no âmbito do Projeto
“Conservador das Águas”. São Paulo: IDPV, 2016. p. 119.
9
Ibid. p. 122.
possibilitam a provisão de serviços ecossistêmicos são denominadas de serviços
ambientais.
A par dessas noções, o PSA pode ser considerado um incentivo, monetário ou não
monetário, voluntário e condicionado, com o objetivo de que uma pessoa ou grupo de
pessoas empregue ações favoráveis à provisão dos serviços ecossistêmicos de uma
determinada localidade rural ou urbana. Sendo considerado um incentivo, as normas (ou
contratos e termos de adesão) que os estabelecem têm natureza promocional, na qual o
resultado da conduta descrita (as condutas que dão ensejo ao pagamento) é um prêmio
(os pagamentos ainda quando não monetários) ao invés de uma sanção. Fala-se aí em
sansões premiais.
Quanto aos objetivos das normas de natureza promocional, Norberto Bobbio 10,
autor que desenvolveu o seu conceito, aponta que assim como as sanções negativas têm
tanto um caráter retributivo, de punição, quanto um caráter reparador , voltado à aplicação
“de um remédio às consequências da ação desconforme”, as sanções positivas podem ter
a natureza retributiva do prêmio, mas também compensatória dos esforços dos agentes
pelas dificuldades enfrentadas ou pelas despesas assumidas ao proporcionar à sociedade
uma vantagem”. A natureza de uma sanção premial, no contexto de normas de incentivo,
é importante para a compreensão de sua aplicação em cenários específicos e em
combinação a outras normas jurídicas, como será analisado no item 2.1.1.
Por fim, pontua-se que a adicionalidade pode ser considerado o grau de êxito de um
programa de PSA em aumentar a provisão de serviços ecossistêmicos em comparação
com um cenário sem PSA 11.

1.2 PSA: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS


Há mais de duas décadas o PSA disseminou-se por alguns países do globo,
notadamente no continente americano. De forma breve e sem pretender esgotar as
diversas experiências estrangeiras existentes, este tópico apresentará como o instrumento
foi implementado na Costa Rica, Estados Unidos e México.

10
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007,
p. 25-26 e NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais. Sustentabilidade e
disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012, p 155.
11
WUNDER, Sven.(Coord.); BÖRNER, Jan; TITO, Marcos Rügnitz; PEREIRA, Lígia. Pagamento por
Serviços Ambientais: perspectivas para a Amazônia Legal. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2009.
p. 16.
A Costa Rica contou com uma forte atuação governamental para o
desenvolvimento do PSA em seu território. Nas décadas de 1970 e 1980 iniciou uma
política de incentivos fiscais com o objetivo de conter a crescente extração madeireira e,
após, com a edição da Lei florestal n. º 7.575/1996, elaborou uma política específica de
estímulo à conservação florestal, por meio da criação do Fondo Nacional de
Financiamiento Forestal (FONAFIFO). O FONAFIFO é responsável por financiar
pequenos e médios produtores, mediante créditos e outros mecanismos de fomento de
manejo da floresta, bem como por captar financiamento para o PSA voltado à proteção
das florestas e outras atividades necessárias para fortalecer o desenvolvimento do setor
de recursos naturais (art. 46 da Lei n. º 7.575/96). O patrimônio do FONAFIFO é
constituído, entre outros, por aportes financeiros costa-riquenhos, mediante orçamentos
ordinários e extraordinários; doações de créditos oriundos de organismos nacionais e
internacionais; 40% do montante de renda obtido do imposto sobre a madeira (art. 47).
O Programa por Pago de Servicios Ambientales (PPSA) costa-riquenho busca
fomentar a provisão dos seguintes serviços ecossistêmicos: i. mitigação de emissões de
gases de efeito estufa (fixação, redução, sequestro, armazenamento e absorção); ii.
conservação da biodiversidade para uso sustentável, científico, farmacêutico, de
investigação e de melhoramento genético; iii. proteção da água para uso urbano, rural e
hidrelétrico; iv. beleza cênica natural para fins turísticos e científicos 12. De lá para cá,
nota-se que o FONAFIFO adquiriu uma estrutura organizacional sólida e bastante ampla,
de sorte que atualmente há uma série de projetos vinculados ao PPSA e uma rede de apoio
composta por diversos setores da sociedade (iniciativa privada, terceiro setor,
organizações internacionais e até mesmo instituições de outros países).
Nos Estados Unidos, o PSA surgiu particularmente como uma ferramenta
derivada do Programa de Agricultura nas Bacias Hidrográficas (Watershed Agriculture
Programme), de 1994, e do Programa de Parceria e Proteção da Bacia Hidrográfica
(Watershed Protection and Partnership Programme), de 1997, ambos desenvolvidos no
estado de New York. O primeiro consistiu no pagamento de agricultores que
combatessem fontes de poluição não pontuais e na servidão de conservação, isto é, a
celebração de contratos de 10 (dez) a 15 (quinze) anos com o Departamento de

12
COSTA RICA. Fondo Nacional de Financiamento Forestal. Disponível em:
<https://www.fonafifo.go.cr/es/servicios/pago-de-servicios-ambientales/#>. Acesso em 07 de junho de
2020.
Agricultura dos EUA para que agricultores instituíssem florestas em suas propriedades.
O último envolveu o pagamento a proprietários de terra que introduzissem práticas de
conservação do solo e da água 13.
No final dos anos 1990, por meio do New York Watershed Agreement 14, acordo
estabelecido entre município e estado de New York, EPA (Environmental Protection
Agency) e muitas outras entidades, foi consolidada uma parceria de PSA, assistência
técnica para manejo das atividades produtivas na bacia hidrográfica de Catskill, além de
um programa de compra de terras pelo Poder Público. A estratégia do PSA como
ferramenta de conservação dos mananciais ligados às montanhas de Catskill acarretou
uma economia ao estado de New York na ordem de U$6 a U$8 bilhões de dólares (valores
estimados para a construção e manutenção de uma estação de tratamento no sistema
Catskill/Delaware) 15.
O governo do México, no ano de 2001, criou a Comisión Nacional Forestal
(CONAFOR), órgão federal que tem, entre outras atribuições, a de desenvolver
mecanismos de PSA no país. A CONAFOR empreendeu duas iniciativas nesse caminho:
o Programa de Servicios Ambientales Hidrológicos (PSAH), datado de 2003; e o
Programa para Desarrollar el Mercado de Servicios Ambientales por Captura de
Carbono y los Derivados de la Biodiversidad y para Fomentar el Establecimiento y
Mejoramiento de Sistemas Agroforestales (PSA-CABSA), de 2004 16. No ano de 2006
referidos programas foram fundidos como parte de um programa maior, denominado
“ProÁrbol”.
O programa ProÁrbol considera duas modalidades de incentivo: preservação de
bacias hidrográficas e conservação da biodiversidade. São firmados contratos entre a
CONAFOR e os proprietários de terra, em que estes aceitam manter a sua cobertura
florestal e realizar práticas para conservar os ecossistemas naturais e aquela se

13
PIRES, Mark. Watershed protection for a world city: the case of New York. Land Use Policy, 21, 2004,
p. 162 e 167.
14
NEW YORK CITY WATERSHED MEMORANDUM OF AGREEMENT. January 21, 1997.
Disponível em: <https://www.dos.ny.gov/watershed/pdf/agreement/NYCMOA-I.pdf>. Acesso em 07 de
junho de 2020.
15
MIGUEL, Sylvia. Nova York, a metrópole com a água mais pura do planeta. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo (IEA), 2016. Disponível em: <iea.usp.br/noticias/nova-york-a-
metropole-com-a-agua-mais-pura-do-planeta-1>. Acesso em 07 de junho de 2020.
16
COMISIÓN NACIONAL FORESTAL [CONAFOR]. Servicios Ambientales y Cambio Climático, 2011.
Disponível em:
<http://www.conafor.gob.mx:8080/documentos/docs/5/2290Servicios%20Ambientales%20y%20Cambio
%20Clim%c3%a1tico.pdf>. Acesso em 10 de junho de 2020. p.9.
compromete a pagar uma compensação financeira fixa, por hectare, durante um período
de 5 (cinco) anos. Para dar continuidade aos programas de PSA desenvolvidos em
diversas partes do país, a CONAFOR, desde 2008, tem permitido a colaboração de muitas
organizações da sociedade civil, organismos gestores de água, a Comisión Nacional del
Agua, governos estaduais e municipais, entre outras entidades17.
No ano de 2019, a CONAFOR celebrou 16 (dezesseis) anos de existência do seu
programa de PSA, o qual já contribuiu com a conservação de 39 mil hectares florestais,
constituindo também parte do corredor biológico do Jaguar de Occidente, nos estados de
Jalisco, Nayarit e Durango 18.

2 PSA NO BRASIL
Após uma análise panorâmica dos elementos que permeiam o conceito de PSA e,
traçadas linhas gerais sobre a forma como este instrumento vem sendo desenvolvido em
outros países, o presente tópico propõe-se a apresentar o tratamento jurídico dado ao PSA
no Brasil. A princípio, serão investigados os marcos regulatórios federais e estaduais
existentes sobre ao assunto para, na sequência, delinear, propriamente, a configuração da
sua aplicação no território brasileiro.

2.1 MARCOS REGULATÓRIOS


2.1.1 Tratamento normativo federal

As primeiras discussões sobre o instrumento do PSA no Brasil, no âmbito jurídico,


preocuparam-se com a possibilidade de pagamento sobre áreas de preservação

17
COMISIÓN NACIONAL FORESTAL [CONAFOR]. Servicios Ambientales y Cambio Climático, 2011.
Disponível em:
<http://www.conafor.gob.mx:8080/documentos/docs/5/2290Servicios%20Ambientales%20y%20Cambio
%20Clim%c3%a1tico.pdf>. Acesso em 10 de junho de 2020. p. 13.
18
COMISIÓN NACIONAL FORESTAL. CELEBRA LA CONAFOR 16 AÑOS DE LA CREACIÓN DEL
PROGRAMA PAGO POR SERVICIOS AMBIENTALES. COMUNICADO, 22 DE NOVEMBRO DE
2019. DISPONÍVEL EM: <HTTPS://WWW.GOB.MX/CONAFOR/PRENSA/CELEBRA-LA-
CONAFOR-16-ANOS-DE-LA-CREACION-DEL-PROGRAMA-PAGO-POR-SERVICIOS-
AMBIENTALES>. ACESSO EM 10 DE JUNHO DE 2020.
permanente e reservas legais. Afinal, seria possível realizar um pagamento para
cumprimento de dever legal? 19.
As áreas de preservação permanente consistem em áreas cuja vegetação é protegida em
razão de sua localização, por nelas desempenhar especial função ecológica, como é o caso
dos entornos de curso d’água, encostas de morro, topos de morro, mangues, restingas,
veredas, etc 20. As reservas legais, por sua vez, correspondem a porcentagens dos imóveis
rurais que devem ser conservados 21, ambas devidamente referidas no Cadastro Ambiental
Rural – CAR.
A discussão sobre a possibilidade de pagamento sobre essas áreas remete ao
princípio da função social da propriedade que, no direito brasileiro, inclui uma dimensão
ambiental, explicitada quanto aos imóveis rurais, por força do conteúdo do artigo186 da
Constituição Federal, segundo o qual o imóvel cumpre sua função social quanto atende,
entre outros requisitos, à utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio
ambiente. A função social pode ser entendida como um poder-dever que atribui aos
direitos de propriedade certos deveres que se tornam deles correlatos, como o de
preservação do meio ambiente.
Esse dever, por outro lado, conforme o contexto, pode implicar num ônus que a
política ambiental pode entender de dividir com a sociedade – como ocorre no caso de
algumas normas de natureza promocional, discutidas no item 1.1, acima. No entanto, essa
divisão não deve esvaziar o conteúdo da função social da propriedade, mantendo-se
harmônica, assim, com a disposição constitucional. Essa perspectiva - conciliar o PSA
com a função social da propriedade - deve orientar a aplicação do instrumento.
Quando as primeiras experiências de PSA foram implantadas no país, o cenário de baixa
efetividade do anterior Código Florestal (Lei n. º 4.771/1965) - revogado pela Lei n. º
12.651/2012, que trata da proteção à vegetação nativa - levou à estruturação de programas
que contemplavam pagar pela recomposição e manutenção de áreas que deveriam ser
protegidas. Como os programas são diferentes, diverso é também o tratamento dado a
essas áreas. O pagamento relativo a ações nessas áreas às vezes limita-se a pequenos
produtores ou lhes conferem prioridade, com a justificativa de sua dificuldade para

19
Para um tratamento mais aprofundado dessa discussão, Cf. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento
por serviços ambientais. Sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. p 153. Cf. também
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Direito ambiental & Economia. Curitiba: Juruá, 2018. p. 158.
20
A descrição das áreas de preservação permanente encontra-se no artigo 4o. da Lei 12.651/2012
21
Artigo 12 da Lei 12.651/2012.
realizar os investimentos para a recomposição e em seus baixos proventos com a atividade
rural 22.
Em 2012, com a aprovação da Lei 12.651, que dispõe sobre a proteção à vegetação
nativa, o PSA passou a ter referência legal. O artigo 41 da lei inseriu-o como uma das
linhas de ação do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio
Ambiente, cuja criação pelo Poder Executivo foi autorizada pelo referido artigo, para
incentivar práticas que “conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução
dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento sustentável,
observados sempre os critérios de progressividade”.
O PSA é previsto como a primeira das três linhas de ação:
I- Pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às
atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais,
tais como, isolada ou cumulativamente.
A descrição das atividades, nas alíneas do inciso I, incluem o sequestro, a
conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono;
a conservação da biodiversidade das águas e dos serviços hídricos; a regulação do clima
a valorização do conhecimento tradicional; a conservação e o melhoramento do solo e,
finalmente, a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de
uso restrito.
Assim, programas de PSA podem contemplar uma gama grande de atividades tendentes
a propiciá-los, isolada ou conjuntamente, quando se tratar de PSAs múltiplos. E podem
incluir as áreas de preservação permanente e as reservas legais. O parágrafo 4o do artigo
41 também dispõe que:

As atividades de manutenção das Áreas de Preservação


Permanente, de Reserva Legal e de Uso restrito são elegíveis para
quaisquer pagamentos ou incentivos por serviços ambientais,
configurando adicionalidade para fins de mercados nacionais e
internacionais de reduções de emissões certificadas de gases de
efeito estufa.

22
Para uma análise de vários programas estaduais e de como abordam o pagamento pela conservação de
APPs e RLs,cf. LAVRATTI, Paula (org). Sistemas estaduais de Pagamento por Serviços Ambientais. São
Paulo: Instituto o Direito por um Planeta Verde, 2014. Cf. JODAS, Natália. Diretrizes de Sustentabilidade
da Economia Ecológica para os projetos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no Brasil. 2019.
313f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo,
2019.
Como os PSAs são uma das categorias (linhas de ação) do Programa de Apoio e
Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, estão sujeitos aos seus
objetivos gerais. A regulamentação do programa, quando vier a ser criado, deve
disciplinar como o critério de progressividade, estabelecido no caput, será aplicado nas
diferentes linhas de ação, inclusive quanto ao PSA. De todo modo, cabe ao intérprete
buscar o significado da expressão, típico da área do direito tributário, até para que a
doutrina possa orientar a futura regulamentação. Que elementos podem compô-la?
A noção de progressividade no direito tributário e mesmo no debate sobre efeitos
de políticas, relaciona-se a critérios distributivos quanto à renda. Esse pode ser um
elemento de interpretação, que beneficie pequenos proprietários ou grupos como as
comunidades tradicionais, como reconhecimento de seu esforço, proporcionalmente
maior, na proteção ambiental. A própria lei estabelece prioridade aos agricultores
familiares no caso de pagamento por serviços ambientais23.
No entanto, como a noção de adicionalidade é fundamental na figura dos PSAs, a
interpretação do significado de progressividade no seu contexto pode também contemplá-
la. Assim, quem gerar maior benefício ambiental deve receber mais, proporcionalmente.
Faz sentido, assim, pagar – ou pagar mais - para aqueles que protegem mais do que o
exigido ou recuperam áreas sob critérios mais exigentes (por exemplo quanto ao plantio
de vegetação nativa; de enriquecimento de espécies, etc). Nesse sentido, exigência de
adicionalidade vai ao encontro da efetivação do princípio da função social da propriedade,
como estabelecido acima 24.
Como será retomado ainda neste tópico (item 2.2.2), os programas de PSA podem
ser criados em vários cenários possíveis. Podem tratar-se de programas públicos, cujo
pagamento é feito com recursos públicos. Ou, ainda podem-se tratar de programas
privados ou mistos, cujos recursos para o pagamento são privados. No primeiro caso, o
ônus de justificativa de pagamento para simples manutenção de áreas de preservação e de
reservas legais será maior e pode demandar ações adicionais.

23
Parágrafo 7o do artigo 41 da Lei n. 12.651/2012.
24
NUSDEO, Ana Maria. Direito ambiental & Economia. Curitiba: Juruá, 2018. p. 163.
É digno de nota também o disposto no parágrafo 5o do artigo 41, que determina
que o programa relativo aos PSAs, previsto no inciso I, seja integrado a sistemas em
âmbito nacional e estadual, com vista à criação de um mercado de serviços ambientais.
Em linhas gerais, além da discussão sobre a conveniência da declaração de
elegibilidade das áreas de preservação permanente e das reservas legais, as linhas de ação
do Programa e, sobretudo, o PSA, podem ser vistos como uma iniciativa de trazer
instrumentos econômicos ao tratamento do tema da proteção da vegetação nativa,
combinando-os aos instrumentos de comando e controle consistentes nas áreas de
preservação ambiental e nas reservas legais, cuja manutenção é obrigatória para os
proprietários e posseiros urbanos e rurais no caso da primeira e rurais no caso da segunda.
Ao lado da figura da Cota de Reserva Ambiental (CRA), trazida pelo artigo 44, as linhas
de ação do programa compõem um conjunto de instrumentos econômicos na Lei
12.651/2012. No entanto, a CRA é aplicável desde sua regulamentação. O PSA, por sua
vez, depende da criação de programas específicos.
Não obstante a previsão do PSA na Lei 12.651/2012 tê-lo inserido na legislação
federal e descrito alguns de seus elementos básicos (sua definição como retribuição
monetária ou não e as ações elegíveis), trata-se de regulamentação insuficiente. Desse
modo, a falta de um marco legal para o PSA é uma lacuna na legislação federal.
Como o desenvolvimento do PSA se deu um modo que pode ser chamado de
“botton-up”, vale dizer, experiências locais e regionais, uma lei geral deve criar um
mecanismo como um cadastro, que reúna as informações de todos os esquemas de PSA
no país. Finalmente, caso o legislador entenda criar a figura de um mercado, tal como
referido no parágrafo 5o do artigo 41 da referida lei, seu desenho deverá ser objeto da
legislação em questão, sempre em coerência aos objetivos, princípios e diretrizes 25.

2.1.2 Tratamento normativo estadual


Como explanado, não obstante a inexistência de um marco regulatório federal
sobre o PSA, alguns estados brasileiros têm protagonizado a regulamentação do
instrumento jurídico em tela. Esclarece-se, a princípio, que não existe, no Brasil, um

25
Ao longo da última década, vários Projetos de Lei foram propostos. Destaca-se o Projeto de Lei n. º
792/2007, o qual define os serviços ambientais e prevê a transferência de recursos, monetários ou não, aos
que ajudam a produzir ou a conservar estes serviços; e o PL n. º312/2015, que institui a Política Nacional
dos Serviços Ambientais e dá outras providências. Este último projeto foi aprovado pela Câmara dos
Deputados no dia 03/09/2019, estando agora no Senado Federal (PL n.5028/2019).
banco de dados oficial ou cadastro de registros de atos normativos e/ou projetos de PSA.
Coube a este trabalho efetuar um levantamento documental junto aos bancos digitais
públicos, isto é, às páginas das Assembleias Legislativas, Casa Civil dos Estados e
Câmara Legislativa Distrital para identificar os estados da federação que possuem normas
jurídicas tocantes ao PSA.
Da pesquisa documental, inferiu-se que, dos 26 estados-membros mais Distrito
Federal, 12 (doze) têm Políticas Estaduais próprias de PSA, o correspondente a 44,4%,
conforme ilustrado no Gráfico 1. Entende-se por “política de pagamento por serviços
ambientais” uma moldura mais ampla, que pode incluir programas governamentais, em
geral, com o objetivo de criar regras também aplicáveis a transações privadas ou a
mercados26.
Os entes federativos que instituíram políticas estaduais de PSA foram: Amazonas,
Acre e Rondônia (Região Norte); Paraíba, Pernambuco e Bahia (Região Nordeste);
Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso do Sul (Região Centro-Oeste); Espírito Santo
(Região Sudeste); Paraná e Santa Catarina (Região Sul), de acordo com o Quadro 1.

Gráfico 1. Porcentagens de estados brasileiros com/sem Política Estadual de PSA

44,4%

66,6%
Estados com políticas estaduais de
PSA
Estados desprovidos de políticas
estaduais de PSA

Fonte: NUSDEO; JODAS, 2020.

26
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por Serviços Ambientais. Do debate de política ambiental
à implementação jurídica. In: LAVRATTI, Paula; TEJEIRO, Guillermo. (Org.). Direito e Mudanças
Climáticas: Pagamento por Serviços Ambientais: fundamentos e principais aspectos jurídicos. São Paulo:
IDPV, 2013. p. 26.
Os estados de Santa Catarina e Acre foram os primeiros a instituírem políticas
estaduais sobre Pagamento por Serviços Ambientais (2010), enquanto que Rondônia e
Mato Grosso do Sul foram os que implementaram tais políticas num período mais recente
(2018).

Quadro 1. Estados brasileiros e respectivas leis de política estadual de PSA


Estados Política Estadual de PSA
Amazonas Lei n.°4.266/2015
Acre Lei n. 2.308/ 2010
Rondônia Lei n. 4.437/2018
Paraíba Lei n. 10.165/2013
Pernambuco Lei n. 15.809/2016
Bahia Lei n.º13.223/ 2015
Distrito Federal Lei n.º 5.955/2017
Goiás Decreto n.º 9.130/2017
Mato Grosso do Sul Lei nº 5235/2018
Espírito Santo Lei n.º 9.864/2012
Paraná Lei n.º.17.134/2012
Santa Catarina Lei n.º 15.133/2010
Fonte: NUSDEO; JODAS, 2020.

Se considerados os estados que têm algum tipo de previsão legal sobre PSA, por
exemplo, o instrumento é previsto dentro de uma outra política estadual ambiental já
existente; bem como os estados que têm uma norma jurídica específica destinada a criar
um determinado programa de PSA (e não necessariamente uma política estadual mais
ampla sobre PSA), o número de estados brasileiros sobe de 12 para 20, o equivalente a
74%, consoante reproduzido no Gráfico 2.

Gráfico 2. Estados que têm previsão do PSA em alguma norma jurídica


26%

74%
Estados com previsão do PSA em
suas normas jurídicas
Estados que não têm previsão do
PSA em suas normas jurídicas

Fonte: NUSDEO; JODAS, 2020.

Nesse contexto, o levantamento documental identificou e discriminou três


categorias: i. categoria 1: estados que possuem política estadual de PSA (12 estados) 27;
ii. categoria 2: estados que reconheceram o PSA como instrumento jurídico de outra
política estadual ambiental correlata (7 estados); iii. categoria 3: estados que têm norma
jurídica criando um programa específico de PSA (1 estado) 28. Esse diagnóstico foi
desenhado no Gráfico 3.

Gráfico 3. Discriminação de estados por categoria de reconhecimento do PSA


14
12
12

10

8 7
6

2 1
0
Estado tem Política Estadual PSA é instrumento de outra Estado tem norma jurídica
de PSA política estadual criando programa de PSA

27
Os estados que possuem políticas estaduais e, ao mesmo tempo, leis criadoras de algum programa
específico de PSA, ficaram classificados na categoria 1, em vista de haver uma norma mais ampla sobre o
tratamento jurídico do instrumento, a fim de não haver sua dupla contabilização.
28
É válido ressaltar que o estado de São Paulo tem tanto a previsão do PSA como instrumento jurídico de
outra política ambiental existente, no caso, da sua política estadual de mudança do clima (Decreto
n.55.947/2010); quanto norma jurídica criando especificamente programa de PSA (Resolução SMA n. º
86/2017). Por isso, São Paulo foi enquadrado, nesta pesquisa, apenas na categoria 2 (PSA é instrumento de
outra política estadual), com vistas a não ocorrer sua dupla contabilização.
Fonte: NUSDEO; JODAS, 2020.

Dos estados que estabeleceram o PSA enquanto instrumento de outra política


ambiental (categoria 2), destaca-se que: Pará 29, Mato Grosso 30 e São Paulo 31
reconheceram-no no âmbito de suas políticas estaduais de mudanças climáticas; o estado
do Maranhão, na sua Política Estadual de Gestão e Manejo Integrado de Águas Urbanas 32;
o de Alagoas, no âmbito do seu Sistema Estadual de Unidades de Conservação da
Natureza 33; o Rio de Janeiro, no seu Programa Estadual de Conservação e Revitalização
de Recursos Hídricos34 e o Rio Grande do Sul, no seu Código Estadual do Meio
Ambiente 35.
O estado de Minas Gerais, por sua vez, foi enquadrado na categoria 3, posto que
criou dois programas diferentes relativos ao PSA: o Programa Bolsa Verde (Lei n. º
17.727/2008) e o Programa Bolsa Reciclagem (Lei n. º 19.823/2011). Os estados do
Amapá, Roraima, Tocantins, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe, são os 7 (sete)
estados brasileiros que não têm qualquer tipo de previsão normativa sobre o PSA até o
presente.
Dessas aferições, pode-se dizer que os estados brasileiros, de um modo geral, têm
sido precursores do tratamento jurídico dado ao PSA no âmbito dos seus territórios. Os
municípios, quando coordenadores ou apoiadores de iniciativas de PSA têm, da mesma
forma, publicado normas jurídicas dispondo sobre o projeto ou programa contemplado.
Tal cenário reflete o modo como esse mecanismo vem sendo desenvolvido no país:
iniciativas locais e regionais, consubstanciadas por parcerias plurais e muito
diversificadas a depender do contexto, o que será melhor abordado no próximo tópico.

29
Art. 30, inciso VI da Lei n. 9.048/2020 (Política Estadual de Mudanças Climáticas do Pará).
30
Art. 20, inciso V da Lei Complementar n.582/2017 (Política Estadual de Mudanças Climáticas do Mato
Grosso)
31
Art. 23 da Lei estadual n. º13.798/2009 (Política Estadual de Mudanças Climáticas – PEMC) e art. 51 do
Decreto n. º 55.947/2010 (regulamenta a Lei n. º13.798/2009).
32
Art. 4º, VII da Lei n. º10.200/2015 (Política Estadual de Gestão e Manejo Integrado de Águas Urbanas).
33
Artigos 46 e 50 da Lei n. º 7.776/2016 (Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza –
SEUC)
34
Art. 1º e outros do Decreto n. º42.029/2011 (Programa Estadual de Conservação e Revitalização de
Recursos Hídricos – PROHIDRO).
35
Art. 21 da Lei n. º15.434/2020 (Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul).
2.2 APLICAÇÕES DO PSA NA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

2.2.1 PSA como projeto ou programa de conservação ambiental


A principal configuração do PSA no Brasil deu-se por meio de projetos ou
programas voltados à conservação ambiental. Projeto de PSA pode ser entendido como a
conjugação de atividades práticas e específicas, em geral desprovidas de previsão
normativa, coordenadas pelo poder público ou iniciativa privada, ou por ambos, visando
à melhoria da qualidade ambiental de determinada área. O programa de PSA pode ser
definido como o plano geral de ações e diretrizes a serem observadas e cumpridas para o
atingimento de objetivos gerais, previsto em uma norma jurídica que institui e regula a
política pública 36. A determinação do programa de PSA é elemento essencial para a
estruturação de uma política pública de PSA 37.
Embora os projetos de PSA não estejam necessariamente regulados por uma norma
jurídica, eles exigem, na maior parte dos casos, a elaboração de determinados documentos
técnicos, como: documento de concepção do projeto; levantamentos sobre o arranjo
institucional; plano de ação/negócio com análise da viabilidade financeira; mapeamentos
e diagnósticos ambientais e socioeconômicos 38. É possível também que projetos de PSA,
oriundos inicialmente da necessidade de atender uma demanda ambiental existente,
tornem-se, num momento posterior, parte de um programa de PSA mais amplo e com
probabilidade de se tornar uma política pública estatal.
Os programas e projetos de PSA brasileiros estão precipuamente relacionados a:
a) recursos hídricos (voltados para a conservação e uso adequado); b) biodiversidade
(voltados para a conservação, preservação de fauna e flora); c) florestas, ativos de carbono
e uso do solo (voltados à conservação, preservação ou manejo de áreas florestais de forma
a se evitarem emissões de gases de efeito estufa por desmatamento ou degradação
florestal; conservação da beleza cênica natural); e d) valorização cultural e do
conhecimento ecossistêmico tradicional 39.

36
[MMA] MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE et al. Guia para formulação de políticas públicas
estaduais e municipais de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: MMA, 2017. p. 26.
37
Ibid. p. 25.
38
Ibid. p. 26.
39
[MMA] MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE et al. Guia para formulação de políticas públicas
estaduais e municipais de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: MMA, 2017. p. 24.
De um modo geral, tais iniciativas têm, entre outros objetivos, o de recuperar áreas
protegidas (APP, RL, outros) de regiões degradadas ou de bacias hidrográficas
propriamente; conservar e/ou interligar unidades de conservação; compor corredores
ecológicos, manter áreas florestadas de biomas (desmatamento evitado), entre outros. Na
verdade, cada localidade, pelas suas peculiaridades, estabeleceu diretrizes a nortear os
projetos ou programas de PSA, sopesando, de forma interligada e articulada: a condição
de conservação dos ecossistemas; o tipo de serviço ecossistêmico demandado pela
localidade ou cuja provisão encontra-se ameaçada pelas opções de desenvolvimento da
região; as tendências socioeconômicas40.
Dentro ou não de uma norma jurídica, os projetos e programas PSA difundiram-
se pelo país tendo por base uma lei estadual, municipal e, não raras vezes, um convênio,
contrato ou termo de compromisso. A coordenação dessas experiências é bastante
variada, reveza-se entre Poder Público (Ministério do Meio Ambiente; Agência Nacional
de Águas – ANA; Governos estaduais; Secretarias Estaduais; Prefeituras; Secretariais
Municipais; Companhias de Saneamento e Abastecimento de Água públicas; Comitês de
Bacias Hidrográficas; entre outros) e iniciativa privada (associações civis sem fins
lucrativos, organizações do terceiro setor, fundações privadas, empresas), quando esta
configuração não é mista: entidade pública atua em parceria com uma ou mais instituições
privada e vice e versa 41.
Nesse ponto, salienta-se que um projeto ou programa de PSA desenhado a partir
de um arranjo institucional complexo, isto é, composto por uma pluralidade de entidades
(públicas e privadas), tem maiores chances de ser exitoso. Primeiro, porque pode dispor
de um maior número de serviços ambientais envolvidos e, também, de um maior amparo
técnico e qualificado na garantia da provisão dos serviços ecossistêmicos, possibilitando
que estes sejam protegidos em maior grau e de forma mais sistêmica. Segundo, porque
tais parcerias tendem a assegurar a maior perpetuação do projeto ou programa, permitindo
sua melhoria e evolução, por meio da discussão de seus pontos fortes e fracos somados
ao longo do tempo, propiciando maiores espaços de governança ambiental.

40
Ibid. p. 23.
41
JODAS, Natália. Diretrizes de Sustentabilidade da Economia Ecológica para os projetos de Pagamento
por Serviços Ambientais (PSA) no Brasil. 2019. 313f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2019. p. 165.
Ressalta-se que um “esquema público-privado tende a potencializar os benefícios e
diminuir as limitações”42. Os formatos mistos de PSA reduzem ou suprimem de maneira
adequada os custos de transação a partir da colaboração sinérgica entre os diferentes
atores, além de que o apoio integrado entre o setor público e o privado – empresarial,
organizações não-governamentais e do meio acadêmico – podem contribuir para um
melhor planejamento, gestão, transparência e sustentabilidade financeira do
mecanismo 43.
Com efeito, tratando-se do território brasileiro, é possível visualizar muitas
iniciativas de PSA derivadas da coordenação mista de municípios com setores privados,
bem como da parceria entre municípios, estados e entidades privadas. Alguns exemplos
merecem ser comentados nesse sentido.
O Projeto “Conservador das Águas”, do município de Extrema/MG44, combinou,
em vários momentos de sua duração, fontes de recursos provenientes do município,
estado de Minas Gerais, União e setores privados. O projeto de PSA brasileiro mais antigo
a nível municipal já foi financiado pela prefeitura municipal (de 2006 a 2011); Secretaria
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e Instituto Estadual de
Florestas (IEF-MG) (no período de 2006 a 2010); verbas da Agência Nacional de Águas
- ANA (para ações específicas de conservação de água e solo); recursos decorrentes da
cobrança pelo uso da água do Comitê de Bacia Hidrográfica do PCJ; recursos de
Organizações Não-Governamentais (ONGs), como The Nature Conservancy (TNC) e
SOS Mata Atlântica; e investimentos empresariais45.
O programa “São José mais Água”, implementado pela prefeitura de São José dos
Campos/SP em 2012, na bacia hidrográfica do rio do Peixe (bacia que auxilia o fluxo das
águas da represa Jaguari) também conta com a colaboração de múltiplas instituições 46
Entre os entes parceiros do programa estão: ANA, ICMBio - Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade; CEIVAP (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica
do Rio Paraíba do Sul), AGEVAP (Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia

42
[MMA] MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE et al. Guia para formulação de políticas públicas
estaduais e municipais de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: MMA, 2017. p.29.
43
Ibid. 30.
44
Lei municipal n. º 2.100/2005 - Cria o Projeto Conservador das Águas, autoriza o executivo a prestar
apoio financeiro aos proprietários rurais e dá outras providências.
45
Ibid. p. 37.
46
Lei municipal n. º8.073/2012 - Institui o programa municipal de pagamento por serviços ambientais, e
dá outras providências.
Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul), Fundação Grupo Boticário de Conservação da
Natureza, World Wide Fund for Nature (WWF), Instituto Oikos Agroecologia, TNC;
Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), UNESP
(Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho”), entre outras.
O programa Reflorestar, criado em 2012 pelo governo do estado do Espírito
Santo 47, tem o objetivo de contribuir para a ampliação de área de Mata Atlântica no estado
em até 80 (oitenta) mil hectares. O programa estadual capixaba estabeleceu seis
modalidades de incentivo para a cobertura florestal, com vistas a atingir referida meta:
conservação da floresta de pé, regeneração natural, recuperação com plantio, Sistemas
Agroflorestais (SAFs), sistemas silvopastoris e floresta manejada. Além do governo do
estado, integram o arranjo de PSA a Aliança de Fundos de Água da América Latina 48,
TNC, Fundación FEMSA e mais de 70 (setenta) municípios do estado.

2.2.2 PSA como instrumento para compensação ambiental


O PSA desenvolveu-se como um instrumento econômico que incentiva condutas
tendentes à conservação, preservação e recuperação de áreas de vegetação, bem como de
adoção de práticas de manejo sustentáveis na propriedade ou posse, a fim de gerar
benefícios ambientais. No entanto, sua implementação depende de um custeio, como já
referido.
Nesse sentido, algumas iniciativas pontuais estabeleceram essa estrutura de
custeio no âmbito de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) relativos a danos
ambientais. Como é sabido, aquele que causa danos ambientais fica obrigado a repará-lo,
determina a legislação e o princípio do poluidor-pagador. Essa reparação dá-se
preferencialmente pela recuperação do bem ambiental lesado. Mas, quando essa
recuperação não é viável, parte-se para a condenação à indenização do dano ou, ainda,
pela sua compensação, atrelada à recuperação de um bem ambiental cujas condições e
características guardem equivalência ao bem lesionado e certa proximidade geográfica a
ele.

47
Lei estadual n. º 9.864/2012 - Dispõe sobre a reformulação do Programa de Pagamento por Serviços
Ambientais (PSA) no Estado e dá outras providências. Decreto n º 3.182/2012 - Aprova o regulamento da
Lei nº 9.864/2012, que dispõe sobre o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
48
Acordo criado em 2011 entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação FEMSA,
Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), a Iniciativa Internacional do Clima (IKI) e a The Nature
Conservancy (TNC) para contribuir com a segurança hídrica na América Latina e Caribe.
Assim, alguns Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) relativos à compensação por
danos ambientais passaram a contemplar o PSA como uma das ações a que o degradador
se obrigou. Note-se que o PSA é, por natureza, um instrumento para preservação,
conservação e recuperação de ecossistemas, além de outras práticas. Sua inserção num
cenário de compensação por danos permite seu custeio e inserção num projeto geral de
compensação por equivalência.
Dois exemplos interessantes podem ser expostos.
O primeiro deu-se na região de Brumadinho, no Estado de Minas Gerais, no ano
de 2012 (sete anos antes do terrível acidente do rompimento da barragem, ocorrido em
janeiro de 2019), resultado de um TAC, firmado em 2011, entre empresas mineradoras e
o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG). O PSA foi contemplado
como uma das ações a serem empreendidas pelos causadores do dano para promover sua
compensação 49. O projeto de PSA consistiu no pagamento de R$2.000.000,00 (dois
milhões de reais) a proprietários na região de Brumadinho, porque o dano atingiu córregos
de bacia hidrográfica da região, na Serra da Moeda e, ainda, em razão de existência de
mananciais de abastecimento hídrico de parcela relevante da população do Estado e da
possibilidade de definir uma área de conectividade entre unidades de conservação,
elementos que justificaram a escolha da área.
O projeto envolveu, além dos promotores do Município, também o Centro de
Apoio Operacional de Meio Ambiente do Ministério Público, o próprio Procurador Geral
de Justiça do Estado, além da Coordenadoria de Bacias Hidrográficas. Na descrição de
Andréa Lima e Márcia S. Stanton, os promotores do Município buscaram uma estratégia
inovadora que resultasse, efetivamente em ações benéficas ao meio ambiente do local
atingido, evitando que o desfecho do processo resultasse numa indenização ao Fundo
Estadual de Direitos Difusos, cujos recursos não são aplicados com a mesma efetividade.
O depoimento dos promotores, relatado pelas autoras, aponta ainda que a inexistência de
uma lei sobre PSA constituiu um fator de insegurança para sua inclusão no TAC. No
entanto, o envolvimento de outros agentes (já referidos) na estruturação do programa e a
utilização de metodologia já existente para projetos de PSA deu-lhes o respaldo
necessário para a inclusão no TAC 50. Os representantes do MP tiveram que enfrentar a

49
LIMA, Andréa e STANTON, Márcia S. (Orgs.). Instrumentos Econômicos para a Conservação da
Natureza: Trajetória Projeto Oásis-Brumadinho. Fundação Grupo Boticário De Proteção à Natureza, 2019.
50
Idem, p 14-16.
questão de inserir o pagamento sobre áreas de APP e aceitaram fazê-lo desde que elas
estivessem devidamente preservadas ou em processo de recuperação, como exigido pela
legislação.
Outra experiência digna de nota refere-se a um projeto de pagamento por serviços
ambientais no âmbito da reparação dos danos no desastre de Mariana, também no Estado
de Minas Gerais.
A reparação dos danos de grande magnitude no desastre deu ensejo a alguns
Termos de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmados no âmbito das ações
judiciais entre as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, os Ministérios Públicos e
Defensorias Públicas nos Estados atingidos e no âmbito federal. No TTAC – Governança
há cláusulas referentes à adoção de um Programa para recuperação das áreas de
preservação permanente das regiões atingidas e das áreas de recarga da Bacia do Rio
Doce, bem como a criação de um Comitê Interfederativo com a participação de vários
órgãos estaduais e federais.
Uma decisão do referido Comitê (Deliberação 65 de 9/5/2017) 51 aprovou critérios
para a adoção de um programa de PSA no âmbito do Programa de Recuperação das Áreas
de Preservação Permanente e áreas de recarga da Bacia do Rio Doce. Os objetivos do
Projeto seriam a regeneração natural com mata nativa e o plantio com espécies nativas ou
estabelecimento de sistemas agroflorestais, conforme previsto no TAC, a fim de gerar os
serviços ambientais de conservação, melhoria da qualidade e disponibilidade hídrica;
conservação e incremento da biodiversidade; redução de processos erosivos e sequestro
de carbono. Um dos critérios de prioridade previstos na Deliberação é a oferta de uma
porcentagem maior da propriedade para o programa.
O Edital lançado para o Programa PSA – Rio Doce, em 2019, prevê a meta inicial
de regeneração e replantio de 2680 hectares de áreas de preservação permanente ou de
recarga hídrica em área prioritária, exigindo o requisito de registro no CAR ou de
aceitação da ajuda do projeto para registro. O critério de escolha dos proprietários
contemplou sua localização geográfica, relativas às apontadas pelo estudo de priorização
de áreas para a restauração elaborado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

51
Disponível em <https://transparencia.fundacaorenova.org/cif/deliberacoes>. Acesso em 11 de junho de
2020.
3. PERSPECTIVAS DO PSA NO BRASIL

3.1 ANÁLISE CRÍTICA


Os debates sobre a ampliação dos instrumentos econômicos na política ambiental
brasileira são bem-vindos quando acompanhados do fortalecimento dos instrumentos de
comando e controle aos quais vêm se agregar. Isso porque, há um consenso no sentido de
que as políticas ambientais devem compor policy mix entre diferentes categorias de
instrumentos: os de comando e controle, econômicos, de informação, participação entre
outros. Todos os instrumentos apresentam vantagens e desvantagens, e sua articulação
pode favorecer os pontos fortes e minimizar os pontos fracos de cada qual.
Assim, quando se propõe a aplicação de um instrumento ou de um conjunto deles,
deve-se identificar qual é o problema ambiental que se intenciona resolver e quais são
suas causas, que podem ser poucas ou várias, que se combinam. O exemplo da perda da
biodiversidade é ilustrativo, porque é causado por uma combinação de fatores: pressão
por setores econômicos para expandirem-se em áreas de biodiversidade, aumento do
consumo per capita de diversos bens; subsídios para essas atividades degradadoras;
descolamento entre o ônus local de conservação e os benefícios difusos, entre outros52 .
Se pensarmos que os mecanismos de PSA têm por objetivo fomentar ações que
promovam os diversos serviços ecossistêmicos, além de incentivar proprietários e
posseiros a preservar, sua aplicação não deve ser descolada de outras medidas que
combata os fatores que ameaçam esses serviços, sob pena de seus resultados gerais serem
insuficientes. Assim, no cenário do Brasil, o PSA deve ser pensado dentro do contexto de
um dos seus principais problemas: as elevadas taxas de desmatamento, sobretudo, mas
não apenas, o ilegal.
No passado recente, o Brasil já obteve êxito em reduzir suas taxas de
desmatamento na Amazônia quando implantou, em 2004, o Programa de Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia- PPCDAM. Esse plano foi concebido em três
fases que incluíram o aumento da efetividade dos instrumentos de comando e controle,
sobretudo por meio do uso de radar; pela integração de órgãos governamentais de

52
ANDRADE, Daniel Caixeta; BORGES, Lucas. A utilização de policy mix em arranjos de política
ambiental. Notas preliminares. IX encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica,
2011.
fiscalização, tais como o IBAMA, a Polícia Federal, entre outros, nos termos da Portaria
Interministerial 292/2009; a restrição ao crédito rural para proprietários irregulares quanto
ao cumprimento do Código Florestal e a possibilidade de apreensão e destruição de
produtos e equipamentos, disciplinada pelo Decreto 6.514/2008. Esse plano previu
também que fosse levado a efeito um ordenamento territorial, com a criação de unidades
de conservação e a regularização fundiária de propriedades, realizada a partir da Lei
11.952/2009. Finalmente, uma terceira fase, implementada insuficientemente, previa o
desenvolvimento de atividades sustentáveis, para geração de renda que valorizasse a
floresta em pé e a sustentabilidade na exploração dos recursos naturais53.
Assim, embora o PSA possa ser pensado como um instrumento para essa terceira
etapa, sua aplicação não prescinde da manutenção da primeira fase, ou da seriedade da
segunda. Há atualmente, além de um enfraquecimento da fiscalização e das ações de
repressão a ilícitos ambientais, um movimento para a ampliação da regularização
fundiária de imóveis ocupados irregularmente. A regularização, nesse contexto, é uma
iniciativa a ser usada com muita parcimônia, pois induz novas ocupações e a prática do
desmatamento para simular uma ocupação consolidada, isto é, estimula a ilegalidade.
Além da insuficiência de se adotar o PSA sem se combater o desmatamento e a
grilagem, corre-se o risco de deturpação do instrumento se vier a ser utilizado por aqueles
infratores que desmataram e ocuparam áreas ilegalmente em tempos recentes. Como
exposto acima, o instrumento é fundamentado numa justa distribuição dos ônus e
benefícios da preservação ambiental e a sua estruturação fora dessa fundamentação rompe
princípios do direito ambiental e produz efeitos distributivos perversos, no sentido de
canalizar recursos públicos ou privados para onde não seriam necessários ou justificáveis.
Somado a isso, é relevante pontuar que, a despeito de os projetos e programas de PSA
datarem do início dos anos 2000, inclusive havendo iniciativas já encerradas desde então,
o Brasil ainda está distante de ter um banco de dados público acerca dessas experiências,
bem como de concretizar instrumentos informativos aptos a possibilitar não apenas o seu
acompanhamento, mas também os resultados parciais e finais nos variados locais onde
desenvolvido. A ausência de fiscalização e monitoramento do PSA inviabilizam a
apuração da eficácia do instrumento enquanto integrante da política ambiental brasileira,

53
CF. ABDALA, Guilherme C. Amazônia Brasileira: desafios para uma efetiva política de combate ao
desmatamento. Brasília, WWF Iniciativa Amazônia Viva, 1ª ed. 2015
até mesmo dificultando a oportunidade de discutir e aprofundar seu aperfeiçoamento e
revisão, tão necessários ao Direito Ambiental.
Os custos de financiamento do PSA são eleitos como obstáculos significativos à
sua criação e continuidade, já que um único projeto exige fontes de recursos para cobrir
despesas de concepção e implementação do projeto/programa piloto; cobertura de
despesas operacionais (recursos humanos, equipamentos, etc); assistência técnica e
insumos (mudas, cercas, capacitação, educação ambiental, etc); remuneração dos
provedores, entre outros 54. A existência de fontes de financiamento está diretamente
ligada à possibilidade de dar maior sustentabilidade econômica de longo prazo ao PSA e
garantir maior efetividade na manutenção dos serviços ecossistêmicos assegurados.
Ademais, a dificuldade de manutenção dos custos de financiamento pode provocar
a interrupção de um projeto e levar à perda de diversas e importantes relações nutridas
com os atores sociais envolvidos, comprometendo a sua confiança e a possibilidade de
retomada de ações coletivas.

3.2 PSA: PRESENTE E FUTURO


Tendo em vista a implementação de tantos projetos no país na última década e a
proatividade do setor privado e do terceiro setor, é notória a falta de uma legislação
federal que descreva condições e regras gerais para as transações de PSA no país, não
limitada à regulamentação de um programa federal de pagamentos. Esse, evidentemente,
pode e deve ser disciplinado no âmbito do marco legal, mas este último deve ser mais
amplo.
Nesse sentido, um marco legal deve estabelecer e distinguir conceitos chaves.
Dentre esses, indispensável os de serviços ambientais; serviços ecossistêmicos;
pagamento por serviços ambientais; provedor do serviço ambiental; adquirente e
intermediário do serviço ambiental. Além disso, num tratamento legal geral, devem ser
referidos os princípios que norteiam a norma e que orientarão a implementação de
programas e iniciativas de pagamentos quanto à eventual necessidade de interpretar
situações controversas. As normas de Direito Ambiental costumam elencar os princípios

54
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE et al. [MMA] Guia para formulação de políticas públicas
estaduais e municipais de Pagamento por Serviços Ambientais. Brasília: MMA, 2017. p. 36.
aplicáveis ao seu campo de incidência, a exemplo das leis 9.433/2007 55; 12.187/2009 e
12.305/2010, dentre outras.
Tratando-se de um tema pertencente ao Direito Ambiental, vários dos princípios
gerais dessa área também devem fundamentar a lei, ao lado daqueles mais específicos ao
tema dos PSA. Dentre esses princípios, e sem prejuízo de outros, destacam-se os da
função social da propriedade; do desenvolvimento sustentável; do protetor-recebedor; da
dignidade da pessoa humana; da informação; da participação, da prevenção e da
precaução.
A lei deve trazer também diretrizes e objetivos. As primeiras são mais amplas,
enquanto os últimos são mais específicos e abrangem componentes ambientais e sociais.
Em linhas gerais, os objetivos referem-se à complementariedade dos pagamentos à
observância das normas legais e à integridade ambiental; sua interrelação com outros
objetivos da política ambiental e de compromissos nacionais e internacionais assumidos,
tais como a conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas.
Direcionar prioridades, como áreas prioritárias de conservação ou de estresse hídrico
pode ser um elemento das diretrizes. Elas devem abordar também a relação com grupos
vulneráveis: comunidades tradicionais; indígenas e pequenos proprietários, seja
atribuindo eventual prioridade a eles, seja afirmando seu direito de autodeterminação e
de consenso informado para participação em projetos.
Como já mencionado, a ausência de um marco regulatório federal torna ainda mais
imprescindível a criação de um cadastro acessível com todos os projetos e programas de
PSA existentes, em virtude do princípio da publicidade que fundamenta os regimes
democráticos. Além da informação pública, a organização desses dados permitiria melhor
articular os programas de PSA, que são frequentemente criados com escopos diferentes,
aos diversos objetivos da política ambiental brasileira, verificando no quanto podem
contribuir à sua consecução. Assim, por exemplo, a política de conservação da
biodiversidade estabelece áreas prioritárias de conservação. A organização das
informações permite conhecer quais projetos de PSA existem nessas áreas, que resultados
podem trazer aos objetivos dessa política, qual seu prazo, que ações seriam adequadas
após seu término, entre outros aspectos.

55
Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos.
Diante dessa importância, é necessária uma articulação maior do governo federal
em relação às iniciativas existentes nas demais unidades da federação, a fim de que tanto
as políticas estaduais de PSA vigentes quanto os projetos municipais ou individuais
possam associar-se às políticas ambientais nacionais e, outrossim, contribuir para a sua
maior convergência e concretização. Ressalta-se, inclusive, a existência de
projetos/programas de PSA participantes, de forma autônoma e isolada, de acordos ou
metas internacionais atinentes a mudanças climáticas56, o que reforça a necessidade de
que esse instrumento permeie e fortaleça outras políticas ecológicas, sobretudo, a
climática.
Nesse quesito, enfatiza-se que desde 2017 o Ministério do Meio Ambiente
(MMA) tem trabalhado na elaboração de uma Estratégia Nacional para a Implementação
e o Financiamento da NDC (Nationally Determined Contribution) do Brasil 57. Em 2018
foi publicada a “Proposta Inicial de Implementação da Contribuição Nacionalmente
Determinada”, a qual foi elaborada pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC).
Neste documento, o PSA foi citado como medida indispensável para se garantir a redução
a zero do desmatamento ilegal na Amazônia, sendo indispensável a sua ampliação e
difusão 58.
Tomando por base as ponderações realizadas sobre o PSA em relação ao combate
ao desmatamento na Amazônia (item 3.1), é plausível que a União integre suas estratégias
climáticas às iniciativas locais de PSA, de modo que seja possível promover um diálogo
frutífero e concatenado com as perspectivas climáticas globais e federais. Tal integração,
além de possibilitar maior visibilidade e centralidade aos dados de monitoramento e
efetividade do instrumento no território nacional, poderia, igualmente, ampliar as
oportunidades de financiamento dessas experiências, tornando-as mais sólidas e
permanentes.

56
Nesse sentido, o Programa Reflorestar, do governo do Espírito Santo, integrou a contribuição para o
Desafio 20x20, iniciativa proposta por países da América Latina e Caribe (LAC), na Conferência das Partes
(COP 20) no Peru, em 2014, para restaurar e/ou evitar o desmatamento em 20 milhões de hectares.
Disponível em: <https://www.es.gov.br/programa-reflorestar>. Acesso em 11 de junho de 2020. Cf.
Programa Extrema no Clima. Disponível em: <https://extrema.mg.gov.br/conservadordasaguas/wp-
content/uploads/2019/10/EXTREMA-NO-CLIMA_Folder_WEB.pdf>. Acesso em 11 de junho de 2020.
57
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE [MMA]. Estratégia Nacional de Implementação da NDC do
Brasil. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/component/k2/item/15137-discuss%C3%B5es-para-
implementa%C3%A7%C3%A3o-da-ndc-do-brasil.html>. Acesso em 12 de junho de 2020.
58
FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇA DO CLIMA. Proposta Inicial de Implementação da
Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil (NDC). Brasília: FBMC, 2018. p.10 e 12.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente Capítulo propôs-se a construir uma análise panorâmica e objetiva do
PSA, por meio do tratamento de diversas questões jurídicas e não jurídicas vinculadas à
sua existência.
Do estudo da sua evolução conceitual e da forma do seu desenvolvimento no
cenário internacional, verificou-se que o conceito evoluiu ao longo de uma década,
sobretudo em razão das peculiaridades dos projetos de PSA implementados em vários
países. O conceito de PSA partiu de uma definição mais formal e baseada em requisitos,
para outra mais ampla e maleável às diferentes experiências. Nesse sentido, o PSA pode
ser entendido como um incentivo, monetário ou não monetário, voluntário e
condicionado, com o objetivo de que uma pessoa ou grupo de pessoas empregue ações
favoráveis à provisão dos serviços ecossistêmicos de uma determinada localidade rural
ou urbana.
Também foi relevante apresentar o desenvolvimento do tema na Costa Rica, nos
Estados Unidos e no México, com o intuito de comparar a aplicação do PSA em outros
países. Enquanto a experiência nova iorquina teve uma maior atuação das instâncias
estaduais e municipais, as experiências costa riquenha e mexicana foram amparadas,
desde o início, por um forte engajamento de seus respectivos governos, o que permitiu a
criação de um arcabouço legislativo e de organismos específicos voltados à
implementação desse instrumento.
Na sequência, investigou-se o tratamento normativo brasileiro sobre a temática.
Na esfera federal, há uma referência ao PSA no artigo 41 da Lei n. º12.651/2012. Apesar
dessa norma descrever ações que podem ser objeto de pagamento, não houve ainda uma
regulamentação mais específica sobre o assunto. Já no âmbito estadual a situação é
diferente. Dos 27 (vinte e sete) estados brasileiros, 20 (vinte) contam com alguma
regulamentação sobre PSA. Sendo que 12 (doze) estados possuem políticas estaduais
específicas de PSA; 7 (sete) reconheceram o PSA como instrumento jurídico de outra
política ambiental correlata; 1 (um) estado brasileiro tem normas jurídicas disciplinando
um determinado programa ou projeto de PSA.
A aplicação do instrumento no Brasil mostra alguns elementos interessantes.
Vários projetos são coordenados de forma mista, integrando agentes públicos, privados e
do terceiro setor, o que aumenta a capacidade de cumprir seus objetivos. Além disso, em
alguns casos, os PSAs têm sido desenvolvidos no âmbito de Termos de Ajustamento de
Condutas (TACs), em que ações de compensação por danos ambientais causados pelo
degradador tornam-se uma fonte de custeio a PSAs relacionados à recuperação das
condições ambientais em áreas próximas à sua ocorrência.
Por mais promissor que seja o PSA para preservação, conservação e recuperação
de ecossistemas, sua inserção nas políticas ambientais não prescinde de uma análise
crítica. Nesse sentido, enquanto instrumento econômico, deve ser articulado aos
instrumentos de comando e controle, sobretudo para enfrentar grandes problemas
ambientais brasileiros, como o desmatamento ilegal. Há um risco de que, sob o pretexto
de promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia (e em outras áreas do país), o
PSA seja implantado sem que se controle processos de grilagem e desmatamento. E,
ainda, que degradadores venham a ser beneficiados com os pagamentos, desvirtuando
seus objetivos. Além disso, a falta de um sistema de monitoramento e publicização de
dados sobre projetos e programas existentes, bem como sobre os resultados obtidos nas
realidades em que implementados gera incerteza e insegurança sobre a viabilidade do seu
uso e efetividade, o que compromete a sua revisão e discussão, tão essenciais ao Direito
Ambiental brasileiro.
Finalmente, o Capítulo fez uma análise sobre perspectivas presentes e futuras do
PSA no Brasil. Nesse ponto, ponderou-se como fundamental a elaboração de um marco
legal federal que estabeleça princípios orientadores para sua aplicação, objetivos e
diretrizes. Além disso, a existência de vários projetos em âmbito estadual e municipal
voltados a importantes objetivos das políticas ambientais, tais como a mitigação às
mudanças climáticas, torna imperiosa a criação de um cadastro público que contemple os
projetos de PSA presentes no território, a fim de que seja possível articulá-los a tais
objetivos e concebê-los como parte integrante de uma política ambiental mais ampla e
não como um fim em si mesmo.
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OS DESAFIOS DA RATIFICAÇÃO DO
PROTOCOLO DE NAGOYA NO CONTEXTO POS-
2020: (IN)COMPATIBILIDADES COM A LEI N.
13.123/2015?

THE CHALLENGES OF THE NAGOYA PROTOCOL


RATIFICATION IN THE POST-2020 CONTEXT: (IN)
COMPATIBILITIES WITH LAW No. 13.123 / 2015?

Tarin Cristino Frota Mont`Alverne ∗


Solange Teles da Silva ∗∗
Liziane Paixão Silva Oliveira ∗∗∗

INTRODUÇÃO
Garantir “[…] a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da
utilização da biodiversidade […]”: este é o terceiro objetivo estabelecido pela Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB), adotada em maio de 1992 pelo Comitê
Intergovernamental de Negociações para uma Convenção sobre Diversidade Biologica e
aberta a assinatura em junho de 1992, na Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Esse objetivo é muito importante para os países
em desenvolvimento que possuem uma grande riqueza em biodiversidade, mas não se


Doutora em Direito pela Universidade Paris V e Universidade de São Paulo, Mestre em Direito pela
Universidade Paris V, professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do
Ceará
∗∗
Professora da Faculdade de Direito - Graduação e Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
Político e Econômico – da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Bolsista de Produtividade em
pesquisa CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa Direito e Desenvolvimento Sustentável – CNPq
∗∗∗
Doutora em Direito pela Universidade d’Aix-Marseille III, Mestre em Direito pela UnB, Professora
Permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do UniCEUB, Estágio Pós-doutoral na UnB
(2017-2018), Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Políticas Públicas e Inovação – CNPq.
beneficiam equitativamente dos benefícios oriundos do acesso aos seus recursos
genéticos1.
As novas possibilidades da biotecnologia têm aumentado o valor potencial dos
recursos genéticos. Nesse contexto, o acesso e repartição de benefícios advindos da
diversidade biológica é sem dúvida uma das grandes questões ambientais da
contemporaneidade, sobretudo no contexto de elaboração de um quadro multilateral para
a biodiversidade pós-2020 2. Em outras palavras, temas relacionados a biodiversidade
passam a figurar entre as discussões internacionais, uma vez que envolve questões de
importância estratégica, tanto ambiental quanto econômica, para a comunidade
internacional 3.
A utilização econômica da biodiversidade criou novas esperanças de fonte de
renda para os países megadiversos 4, como o Brasil, uma vez que a biodiversidade
representa um "capital verde" apreciável pela indústria da biotecnologia. É uma enorme
área que permanece aberta para o futuro da investigação científica, e para todas as
aplicações práticas que podem resultar e ser de grande importância para o bem-estar da
humanidade 5.
No entanto, apesar de sua entrada em vigor aos 29 de dezembro de 1993 de acordo
com a artigo 36 (1), e de 196 Estados serem Parte dessa convenção internacional, e
algumas questões referentes ao acesso aos recursos genéticos permaneceram em campo
obscuro, ou ao menos passível de conflitos pela ausência de uma legislação clara e precisa
em relação às atividades de bioprospecção e pelo hábito de conduzi-las de forma informal.
Isso acabou por contribuir para o acesso desordenado e, em alguns casos, ilegal da
biodiversidade, atividade que deu origem ao termo “biopirataria” 6.

1
DE SADELEER, N. Droit international et communautaire de la biodiversité, Paris: Dalloz, 2004
2
Ver NAÇÕES UNIDAS. Secretariat of the Convention on Biological Diversity.
https://www.cbd.int/conferences/post2020 Acesso em 29 de julho de 2020.
3
HUFTY, M. La biodiversité dans les relations Nord/Sud : coopération ou conflit ? , Revue international
et stratégique, n°60, hiver 2005-2006.
4
“Os países megadiversos concentram aproximadamente 70% de toda a diversidade biológica mundial; são
eles: África do Sul, Austrália, Brasil, China, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Filipinas, Índia,
Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Papua Nova Guiné, Peru, República Popular do Congo e
Venezuela. Impõe destacar que, à exceção da Austrália, os megadiversos são também os chamados países
"em desenvolvimento". OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. A Convenção sobre Diversidade Biológica e o
Princípio da Soberania. Curitiba: CRV, 2016. P. 82.
5
STEWART R. B. e MARTINEZ M. A., International aspects of biotechnology: implications for
environmental aw and policy. Journal of Environmental Law, vol. I, n°2, 1989, p.157-172.
6
Importante destacar que a biopirataria pode ser concebida como a exploração ilimitada dos países
desenvolvidos do Norte de recursos genéticos dos países em desenvolvimento do Sul, sem a justa e
Por conseguinte, grande esforço de planejamento nacional e internacional foi
então requerido para capitalizar as oportunidades relacionadas à biodiversidade e à
biotecnologia, dentro do contexto criado pela entrada em vigor da CDB. Dentre as
medidas tomadas neste processo, destaca-se, após anos de negociação, a adoção, na 10°
Conferência das Partes da Convenção sobre Biodiversidade em outubro de 2010, do
Protocolo de Nagoya sobre acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos
benefícios derivados de sua utilização com o intuito de garantir uma maior segurança
jurídica e transparência para os provedores e usuários de recursos genéticos7.
O Brasil desempenhou papel fundamental nas negociações do Protocolo de
Nagoya (PN). No entanto, o país defendeu a elaboração de um regime internacional que
regula o acesso a biodiversidade no âmbito das negociações, mas não conseguiu, no plano
nacional, implementar de forma efetiva os dispositivos da CDB, sobretudo com a adoção
da Lei n° 13.123/2015, bem como com a demora na ratificação do Protocolo de Nagoya.
A questão que se coloca é de saber quais medidas seriam mais adequadas para
compatibilizar os compromissos internacionais, assumidos pelo Brasil, ao ratificar o
Protocolo de Nagoya em 2020, com a Lei n° 13.123/2015, anteriormente adotada. Assim,
este trabalho realizará uma análise dos desafios inerentes à ratificação do Protocolo de
Nagoya pelo Congresso Nacional, sob a ótica do direito internacional do meio ambiente
e da Lei n° 13.123/2015, com o intuito de suprir lacunas existentes.
A abordagem do presente artigo considera, assim, por um lado, o necessário
estudo do direito internacional, uma vez que as questões referentes à biodiversidade tem
um alcance internacional, envolvendo os Estados tanto do Norte quanto do Sul. Por outro
lado, esse ensaio buscará tecer algumas contribuições em relação a avaliação da eficácia

equitativa repartição dos benefícios. Central para o fenômeno da biopirataria são os três fatores se reforçam
mutuamente. O primeiro é sociocultural e pertence ao desprezo cultural e de gênero e de negação da
contribuição intelectual dos agricultores e criadores tradicionais, especialmente as mulheres no
melhoramento de plantas e a criação do conhecimento tradicional do uso das plantas. (...) O segundo fator
que está no centro das preocupações em relação à biopirataria são os mecanismos pelos quais os Estados
poderosos e influentes do Norte estabeleceram centros internacionais de pesquisa agrícola, instituições de
pesquisa e bancos de genes para os recursos genéticos do Sul. (...) O terceiro e talvez mais ‘aparentemente
legítimo’ fator central para a biopirataria é o patenteamento de plantas e uso do conhecimento tradicional
associado através do sistema de patentes. Curiosamente, a maioria dos sistemas de patentes do mundo
industrializado testemunhou mudanças fundamentais, concebidas para facilitar e para legitimar a
apropriação das plantas e dos conhecimentos tradicionais associados.” (Tradução livre) MGBEOJI, Ikechi.
Global biopiracy: patentes, plants, and indigenous knowledge. Ithaca, New York: Cornell University Press,
2006, pp. 87-88. Cf. igualmente SHIVA, V. La vie n’est pas une marchandise. Les dérives des droits de
propriété intellectuelle, Paris: Enjeux Planète, 2000.
7
Ver https://www.cbd.int/abs/about/default.shtml/ Acesso em 28 de julho de 2020.
dos instrumentos nacionais – considerando em particular o caso brasileiro – e da
necessidade – ou não – de uma (re)adequação do Marco Legal da Biodiversidade face aos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. 8
Nesse contexto, é imprescindível considerar o desenvolvimento de estratégias –
das quais o direito é parte – que objetivem agregar valor aos componentes da diversidade
biológica não só terrestre, mas igualmente marinha, a serem implementadas com a
indispensável complementaridade e parceria dos setores público e privado, e que visem
dar suporte à exploração ordenada e sustentável da diversidade biológica situada na
Amazônia Verde e Azul, antes que essa biodiversidade deixe de existir 9.

1 O ACESSO E A REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS:


INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS
A discussão acerca do acesso e a repartição de benefícios oriundos da utilização
da biodiversidade não é recente, e, desde o advento da CDB suscita grandes debates nos
mais diversos fóruns internacionais, como na esfera domestica dos Estados que dela são
Parte. Nesse sentido, aqui apresentaremos o sistema de acesso e repartição de benefícios
no Brasil, a partir do prisma de seus principais compromissos internacionais relacionados
à diversidade biológica.

8
Sobre efetividade da proteção da biodiversidade cf.: MARTIN, Paul; LEUZINGER, Márcia Dieguez;
SILVA, Solange Teles da. Improving the effectiveness of legal arrangements to protect biodiversity:
Australia and Brazil. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 2, 2016 p. 24-37
9
Aqui fazemos menção tanto aos atuais níveis de desmatamento da Amazônia brasileira (Amazônia Verde)
como igualmente ao derramamento de óleo na costa brasileira (Amazônia Azul). No caso da Amazônia
brasileira, a « destruição da floresta amazônica segue em ritmo acelerado no Brasil. Dados de
monitoramento por satélite divulgados nesta sexta, dia 7, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia aumentou 34% nos últimos 12 meses, em
comparação com o mesmo período do ano anterior. É a segunda alta consecutiva nos primeiros dois anos
de gestão do presidente Jair Bolsonaro.» ESCOBAR, Herton. Desmatamento da Amazônia dispara de novo
em 2020 In Jornal da USP, 07.08.2020 Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/desmatamento-da-
amazonia-dispara-de-novo-em-2020/ Acesso em 05.10.2020. Já no que diz respeito a Amazônia Azul, o
desastre ocorrido com o derramamento de óleo em 2019 representa o mais extenso e severo desastre
ambiental na história brasileira no Atlântico Sul, com impactos ambientais e sociais a serem ainda
quantificados. SOARES, Marcelo O. et. al. Oil spill in South Atlantic (Brazil): Environmental and
governmental disaster. Marine Policy, v. 115, p. 12899, 2020
1.1 Os dispositivos da CDB que contemplam o acesso e a repartição de
benefícios
Os objetivos da CDB são três: a conservação da diversidade biológica, a utilização
sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados
da utilização da biodiversidade 10. O terceiro objetivo sempre foi e permanece o que mais
provoca debates durante negociações internacionais, uma vez que a proteção da
biodiversidade, inclusive a biodiversidade marinha, ganhou uma dimensão econômica e
passou-se a discutir mecanismos eficazes para garantir a justa repartição dos benefícios
oriundos da utilização da biodiversidade11.
O artigo 15 da CDB é o principal artigo que trata de direitos e obrigações em
relação ao acesso aos recursos genéticos e a repartição de benefícios oriundos de sua
utilização. Neste artigo, a CDB reconhece que os Estados devem estabelecer suas próprias
políticas nacionais acerca do acesso à biodiversidade situada em seu território e assegura
que esse poder deriva dos direitos soberanos do Estado sobre seus recursos naturais12. De
acordo com Gerd Winter, esses direitos soberanos dos Estados para determinar o acesso
aos recursos genéticos (RG) implicam no reconhecimento de que o Estado tem direito de:
“i) reservar o uso dos RG para si mesmo; ii) excluir outras partes desta utilização; e iii)
tornar esta utilização dependente de condições (ou requerer a assinatura de um contrato)
obrigando os usuários a fornecer informações sobre os procedimentos de pesquisa (P&D)
e compartilhar benefícios materiais e imateriais obtidos através do RG ou de seus
derivados” 13. É, portanto, nesse contexto que os Estados determinam os termos de acesso

10
Art. 1 da CDB: “Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo com as disposições
pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante,
inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes,
levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado”.
11
Ver as negociações acerca do Acordo Internacional sobre a conservação e o uso da biodiversidade situada
além da jurisdição dos Estados no sítio https://www.un.org/bbnj/ . Acesso em 20 de agosto de 2020.
12
AMARAL JUNIOR, A.; OLIVEIRA, C. C. ; MONT'ALVERNE, T. C. F. . A implementação no brasil
da obrigação de conservar o meio ambiente marinho: algumas lacunas na preservação da biodiversidade
marinha. In: Wagner Menezes. (Org.). Direito do mar: desafios e perspectivas. 1ed.Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2015, v. , p. 250-265. e OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. A Convenção sobre Diversidade
Biológica e o Princípio da Soberania. Curitiba: CRV, 2016.
13
WINTER, Gerd “Em direção a coleções regionais de uso comum dos recursos genéticos. Melhorando a
efetividade e a justiça no acesso aos recursos e na repartição de benefícios”. In KISHI, Sandra Akemi
Shimada; KLEBA, John Bernhard (orgs.) Dilemas do acesso a biodiversidade e aos conhecimentos
tradicionais: direito, politica e sociedade. Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 300.
a esses recursos genéticos e do consentimento prévio, bem como os benefícios
decorrentes do uso da biodiversidade14.
Duas modalidades principais relativas às regras de acesso aos recursos genéticos
são, portanto, estabelecidas pela CDB. As duas obrigações são cumulativas e se aplicam
em uma ordem específica, quais sejam: a obrigação de consentimento prévio do país
provedor dos recursos e, as condições de comum acordo entre o país fornecedor e o país
usuário dos recursos. O artigo 15.4 da CDB resume adequadamente o caráter cumulativo
e ordenado da obrigação, quando estabelece que: "O acesso, quando concedido, é regido
por termos mutuamente acordados". Já o artigo 15.5 da CDB fixa a esse respeito: “O
acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado
da Parte Contratante provedora desses recursos”.
Importante acrescentar o parágrafo 26 das Diretrizes de Bonn (DB) de 2002, 15 que
apresenta os princípios básicos de acesso aos recursos genéticos e de uma repartição justa
e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização. Essas diretrizes estabelecem
orientações para a implementação de um sistema de consentimento prévio informado: a)
clareza e segurança jurídica; b) facilitação ao acesso aos recursos genéticos a um custo
mínimo; c) as regras de acesso e repartição de benefícios derivados do uso dos recursos
genéticos devem ser transparentes e sem contradições com os objetivos da Convenção;
d) o consentimento da autoridade nacional competente do país provedor, bem como o
consentimento de atores envolvidos nesse processo, como os povos indígenas e
comunidades locais, de acordo com a legislação nacional.
Destaque-se que o consentimento prévio informado está vinculado a termos
mutuamente acordados. Portanto, é necessário analisar o segundo elemento do disposto
no artigo 15 da CDB. A Convenção acrescenta à obrigação de consentimento prévio o de
acordo mútuo, como o segundo elemento das regras de acesso aos recursos genéticos. O
termo “mutuamente acordados” é usado no artigo 15.4, ao declarar que "o acesso, quando
concedido, é regido por termos mutuamente acordados e está sujeito às disposições deste

14
MONT'ALVERNE, T. C. F.; GIRÃO, E. C. . A soberania dos estados sobre seus recursos naturais: o
regime internacional da biodiversidade e o direito do mar. Universitas Jus, v. 27, p. 77-87, 2016.
15
As Diretrizes de Bonn foram adotadas, na Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) em 2002, para auxiliar os governos na elaboração de medidas para reger o acesso e a
repartição de benefícios oriundos da utilização da biodiversidade em seus países. Ver
https://www.cbd.int/abs/infokit/revised/web/factsheet-bonn-pt.pdf
artigo. " O mesmo termo é usado nos artigos 16.3 16, 19.2 17 e 18.518. As regras de acesso
mutuamente acordadas respondem aqui a uma relação contratual entre o provedor e o
usuário de recursos genéticos, em oposição à decisão unilateral descrita acima.
De acordo com o artigo 15.7 da CDB, “cada Parte Contratante deve adotar
medidas legislativas, administrativas ou políticas [...] para compartilhar de forma justa e
equitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os
benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte
Contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo”.
Aqui novamente as Diretrizes de Bonn (DB) esclarecem quais são os princípios a serem
considerados para o desenvolvimento dos termos mutuamente acordados: a) clareza e
segurança jurídica; b) redução dos custos de transação, por exemplo, através do
desenvolvimento de acordos standards para transferência de material ou ainda acordos de
repartição de benefícios para recursos e usos semelhantes; c) inclusão de dispositivos
sobre as obrigações do usuário e provedor; d) desenvolvimento de diferentes acordos
contratuais para diferentes usos e desenvolvimento de acordos-modelos; e) diferentes
usos podem vir a incluir taxonomia, coleção, pesquisa ou ainda comercialização; f) os
termos mutuamente acordados devem ser negociados de forma eficiente e dentro de um
período de tempo razoável e devem ser estabelecidos por escrito.19
A inclusão do princípio da repartição de benefícios no artigo 15 indica que a
repartição de benefícios pode ser vista como condição sine qua non do acesso aos
recursos. O controle do acesso, portanto, permite, a priori, aos Estados garantir uma
transferência de tecnologia e um retorno dos benefícios derivados da biodiversidade.

16
Art. 16.3 da CDB: “ Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas,
conforme o caso, para que as Partes Contratantes, em particular as que são países em desenvolvimento, que
provêem recursos genéticos, tenham garantido o acesso à tecnologia que utilize esses recursos e sua
transferência, de comum acordo, incluindo tecnologia protegida por patentes e outros direitos de
propriedade intelectual, quando necessário, mediante as disposições dos arts. 20 e 21, de acordo com o
direito internacional e conforme os §§ 4 e 5 abaixo.”(grifo nosso)
17
Art. 19. 2 da CDB: “Cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas possíveis para promover e
antecipar acesso prioritário, em base justa e equitativa das Partes Contratantes, especialmente países em
desenvolvimento, aos resultados e benefícios derivados de biotecnologias baseadas em recursos genéticos
providos por essas Partes Contratantes. Esse acesso deve ser de comum acordo.”(grifo nosso)
18
Art. 18. 5 da CDB: “As Partes Contratantes devem, no caso de comum acordo, promover o
estabelecimento de programas de pesquisa conjuntos e empresas conjuntas para o desenvolvimento de
tecnologias relevantes aos objetivos desta Convenção”. (grifo nosso)
19
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Diretrizes de Bonn (CDB). Disponível em:
https://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/dirbonn.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
A repartição de benefícios, em um sentido amplo, inclui muitas questões
relacionadas aos recursos genéticos que estão intimamente relacionadas, como: acesso a
esses recursos, transferência de tecnologia, participação em pesquisas biotecnológicas
sobre recursos genéticos e acesso aos resultados e benefícios da biotecnologia,
propriedade e direitos de propriedade intelectual, questões de financiamento e todas as
medidas para apoiar a produção de benefícios sociais, econômicos e ambientais20.
Observa-se, então, que após a entrada em vigor da CDB, pelo menos no papel,
ocorreu uma profusão de leis nacionais sobre acesso e repartição de benefícios,
demonstrando que a diversidade biológica não era mais considerada um reservatório de
material genético gratuito acessível a todos que desejavam usá-lo. Os Estados definiram
diferentes modalidades de acesso e repartição de benefícios oriundos da utilização da
biodiversidade situada em seu território. No entanto, os instrumentos jurídicos adotados
pelos Estados não eram uniformes, ensejando uma insegurança jurídica sobretudo aos
países megadiversos, uma vez que as leis adotadas pelos países fornecedores não eram
respeitadas pelos países usuários da biodiversidade 21.

1.2 Protocolo de Nagoya (PN): rumo à segurança jurídica?


Em outubro de 2010, na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre
Biodiversidade, 193 países assinaram o Protocolo de Nagoya (PN) sobre acesso e
repartição de benefícios oriundos da utilização da biodiversidade 22. O Protocolo de
Nagoya entrou em vigor em 12 de outubro de 2014, após o depósito do quinquagésimo
instrumento de ratificação, conforme previsto no seu artigo 33.1. A principal motivação
para a instituição do PN foi a reiterada prática de biopirataria23, consubstanciada na

20
GRANJA, Ana Flávia; BARROS-PLATIAU, ; VARELLA, Marcelo D.. Acesso aos recursos genéticos,
transferência de tecnologia e bioprospecção. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 42, n. 2, p. 81-98, Dec.
1999 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73291999000200005&lng=en&nrm=iso>. access on 08 Oct. 2020. https://doi.org/10.1590/S0034-
73291999000200005.
21
BASTOS, Rodolpho; GALY, Karine; VESTRIS, Isabelle. Le régime international de l’accès aux
ressources génétiques au prisme de l’entrée en vigueur du Protocole de Nagoya. Revista de Direito
Internacional, v.13.2, 2016, pp. 131-145.
22
Em 2004, durante a VII Conferência das Partes do CDB, em Kuala Lumpur, os Estados decidiram iniciar
as negociações acerca de um novo regime internacional sobre o acesso e repartição de benefícios oriundos
da utilização da biodiversidade. Ver Decisão VII/19 da COP da CDB. Acesso em 08 de setembro de 2020.
23
“For Southern countries, benefit-sharing means putting na end to biopiracy (a contemporary version of
Third-World plundering): it means at last reaping the benefits of the use of natural resources and local
knowledge by Northen countries”. AUBERTINE, Catherine; FILOCHE, Geoffroy. The Nagoya Protocol
the use genetic resources: one embodiment of endless discussion. Sustentabilidade em Debate. Brasília,
exploração predatória, imprópria ou clandestina da biodiversidade oriunda dos países
megadiversos.
Durante as negociações do PN, diversas questões foram levantadas, sobretudo
acerca da necessidade da adoção de novo instrumento internacional sobre acesso e
repartição de benefícios oriundos da utilização da biodiversidade. Diante dessa reflexão,
surge uma questão mais ampla: quais seriam os principais benefícios de um novo
instrumento e, ainda, por que os Estados o implementariam, se não adotaram os
dispositivos da CDB?
Para responder a tais indagações, é necessário examinar as principais obrigações
estabelecidas pelo PN. Esse protocolo enfatiza as principais obrigações relacionadas ao
regime de acesso e repartição de benefícios (access and benefit sharing – ABS)
estabelecidas pela CDB, quais sejam: os Estados têm soberania sobre os recursos
genéticos de sua biodiversidade e, o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos
tradicionais associados aos recursos genéticos só poderão ser realizados pelo
consentimento prévio do país fornecedor dos recursos e das condições celebradas de
comum acordo entre o país fornecedor e o usuário dos recursos2425.
O PN aplica-se aos recursos genéticos compreendidos no âmbito do artigo 15 da
CDB e aos benefícios derivados da utilização desses recursos. Ele aplica-se igualmente
em matéria de conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos compreendidos
no âmbito da CDB e aos benefícios derivados da utilização desse conhecimento26.
Conforme estabelece o art. 1º desse Protocolo, o seu único objetivo é a repartição
justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante,
inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e à transferência adequada de
tecnologias pertinentes, considerando-se todos os direitos sobre tais recursos e
tecnologias, e mediante financiamento adequado, contribuindo para a conservação da
diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes.
No entanto, a principal preocupação do PN é proporcionar clareza, transparência

v.2, n.1, p.51-64, jan/jun, 2011. Disponível em <http://seer.bce.unb.br/index.php/sust/issue/view/441>.


Acesso em 12 de setembro de 2020.
24
Art. 6 e 7 do Protocolo.
25
EDEVALCY, M.; MONT'ALVERNE, T. C. F.. Acesso aos recursos Genéticos Marinhos e Propriedade
Intelectual. In: Germana de Oliveira Moraes; Willian Paiva Marques; Alisson Melo. (Org.). As Águas da
UNASUL na RIO+20. 1ed.curitiba: CRV, 2014, p. 93-112.
26
Art. 3 do Protocolo de Nagoya.
e, o mais importante, segurança jurídica das medidas legislativas, administrativas e
políticas adotadas tanto pelos países provedores como os países usuários da
biodiversidade. Importante destacar que o ponto mais relevante nas negociações do
Protocolo foi a segurança jurídica e, por consequência, os Estados decidiram inclui-la
explicitamente no Preâmbulo 27 e no art. 6. 328 do Protocolo.
Ademais, esse Protocolo também enfatiza que cada parte irá adotar legislações
nacionais para regular o acesso e a repartição de benefícios oriundos da utilização da
biodiversidade, ensejando uma proliferação de estruturas legislativas, administrativas e
políticas (des)articuladas e, que podem ser conformes ou contrárias ao regime
internacional. Como estaria então a Lei n° 13.123/2015, adotada anteriormente a
ratificação desse Protocolo pelo Brasil, contrária ou conforme ao regime internacional
estabelecido pelo PN?

2 A RATIFICAÇÃO DO PROTOCOLO DE NAGOYA (PN) E A LEI


N° 13.123/2015: QUAIS DESAFIOS PARA O BRASIL?
O Protocolo de Nagoya (PN) é o principal instrumento internacional que
estabelece as regras para o acesso e a repartição de benefícios oriundos da utilização da
biodiversidade, tanto para os países provedores como para os usuários. 29 No entanto,
alguns países, como o Brasil, não adotaram ainda legislação conforme os dispositivos do
PN. Como então analisar a legislação adotada anteriormente a ratificação do PN, ou em
outras palavras, normas mais flexíveis da Lei n° 13.123/2015 estariam em vigor ou teriam
sido revogadas com a ratificação do PN?

27
Preâmbulo do Protocolo de Nagoya: “[…] Reconhecendo a importância de proporcionar segurança
jurídica em relação ao acesso aos recursos genéticos e à repartição justa e equitativa dos benefícios
derivados de sua utilização […]”.
28
Art. 6. 3 do Protocolo : “a) De acordo com o parágrafo 1 acima, cada Parte que solicitar consentimento
prévio informado adotará medidas legislativas, administrativas ou políticas necessárias, conforme o caso,
para: (a) proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência em sua legislação ou seus regulamentos
nacionais de acesso e repartição de benefícios;
29
COSTA, José Augusto Fontoura; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Killing the green goose: legal limits
to develop and sell biodiversity goods. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 2, 2016 p.145-
158.
2.1 Principais alterações do regime nacional sobre acesso e repartição de
benefícios oriundos dos recursos genéticos: avanços ou retrocessos da Lei n°
13.123/2015?
A Lei n° 13.123, de 20 de maio de 2015 estabelece um novo regime nacional sobre
acesso e repartição de benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos brasileiros,
revogando o regime anterior, que era norteado pela Medida Provisória n° 2.186-16, de 23
de agosto de 2001 30. A Lei n° 13.123/2015 e o seu Decreto n. 8.772/2016 apresentam
diversas alterações na regulação do acesso aos recursos genéticos e repartição de seus
benefícios, como a criação do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético –
SISGen e do Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios.
Inicialmente, cumpre destacar a criação do “Cadastro de Acesso”, substituindo a
“Autorização de Acesso e Remessa”, instituto previsto na MP n° 2.186-16/2001. No
entanto, observa-se que esse novo instituto tem apenas finalidade declaratória do início
das atividades de acesso 31. Ora, esse procedimento mais simplificado para acesso aos
recursos genéticos instituído pela Lei n° 13.123/2015 não exige uma prévia autorização
da autoridade administrativa competente tão pouco dos povos indígenas e comunidades
tradicionais, o que demonstra uma ausência do consentimento prévio informado do
Estado provedor dos recursos determinado pelo Protocolo32.
A não exigência de consentimento prévio informado enseja diversas fragilidades
na implementação da repartição de benefícios oriundos da utilização da biodiversidade
brasileira, as quais, em razão do tamanho do Brasil, exigem um controle mais efetivo das
atividades de acesso, com o fito de efetuar uma adequada governança da biodiversidade 33.

30
Ver BRASIL. LEI Nº 13.123, DE 20 DE MAIO DE 2015. Regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do
art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e
os §§ 3º e 4º do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519,
de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao
conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável
da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13123.htm.
31
Art. 2°, XII, Lei n° 13.123/2015: “XII - cadastro de acesso ou remessa de patrimônio genético ou de
conhecimento tradicional associado - instrumento declaratório obrigatório das atividades de acesso ou
remessa de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado”;
32
Art. 6.2 do PN: “Cada Parte adotará medidas, conforme o caso, com vistas a assegurar que se obtenha o
consentimento prévio informado ou a aprovação e a participação das comunidades indígenas e locais para
acesso aos recursos genéticos quando essas tiverem o direito estabelecido de conceder acesso a esses
recursos”.
33
GIRÃO, E. C. ; MONT'ALVERNE, T. C. F. . Acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos
marinhos brasileiros: incompatibilidade entre o regime jurídico internacional e a nova lei da
Especificamente quanto à repartição de benefícios, o art. 20 da Lei n. 13.123/2015
estabelece uma parcela de 1% (um por cento) da receita líquida anual obtida com a
exploração econômica, quando a modalidade escolhida for a repartição de benefícios
monetária decorrente da exploração econômica34. Tais benefícios representam violação
aos conceitos de termos mutuamente acordados e repartição justa e equitativa previstos
na CDB e no PN 35. Por isso, a expressão “justa e equitativa” foi excluída de quase todos
os dispositivos da Lei n. 13.123/2015 que tratam da repartição de benefícios,
contrariando, assim, os dispositivos do PN 36.
A Legislação brasileira, anterior ao PN, apresenta ainda outras fragilidades quanto
à repartição de benefícios. O art. 17 da Lei n. 13.123/2015 estabelece que apenas a
exploração econômica de produto acabado ou de material reprodutivo será passível de
repartição de benefícios. O § 1º do art. 17 ainda destaca que, independentemente de quem
tenha realizado o acesso, exclusivamente o fabricante do produto acabado ou o produtor
do material reprodutivo estará sujeito à repartição de benefícios.
Dito de outra forma, os fabricantes de produtos intermediários e desenvolvedores
de processos oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional
associado ao longo da cadeia produtiva estarão isentos da obrigação de repartição de
benefícios37. Ademais, a legislação elenca ainda vários casos de isenção da obrigação de
repartição de benefícios e não considera a participação das comunidades tradicionais.
Haveria então uma incompatibilidade flagrante entre a Lei n. 13.123/2015 e o PN?
Antes de realizar uma análise sobre essa temática, importante destacar que mesmo antes
da ratificação do PN já se podia observar problemas com o marco jurídico brasileiro da

biodiversidade?. In: OLIVEIRA, Carina; GALINDO, George; TELES, Solange e MONT` ALVERNE,
Tarin. (Org.). Meio Ambiente Marinho e Direito. 1ed.Curitiba: Juruá, 2018, v. 2, p. 234-258.
34
MONT'ALVERNE, T. C. F.; OLIVEIRA, L. P. S. ; GIRAO, E. . Análise Econômica do Direito e a nova
Lei da Biodiversidade. In: Germana Neiva Belchior; Heron Gordilho; Thaís Emília Viegas. (Org.). A
proteção da sociobiodiversidade na Mata Atlântica e na Caatinga. 1ed.São Paulo: Planeta Verde, 2017, v.
1, p. 50-67.
35
GIRÃO, E. C. ; MONT'ALVERNE, T. C. F. . Acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos
marinhos brasileiros: incompatibilidade entre o regime jurídico internacional e a nova lei da
biodiversidade?. In: OLIVEIRA, Carina; GALINDO, George; TELES, Solange e MONT` ALVERNE,
Tarin. (Org.). Meio Ambiente Marinho e Direito. 1ed.Curitiba: Juruá, 2018, v. 2, p. 234-258.
36
MOREIRA, Eliane; PORRO, Noemi; AMIN, Liana (Org.). A nova Lei n.º 13.123/2015 no velho marco
legal da biodiversidade: Entre Retrocessos e Violações de Direitos Socioambientais. 1ed.São Paulo:
Planeta Verde, 2017.
37
Art. 17§ 2º da Lei n. 13.123/2015: “Os fabricantes de produtos intermediários e desenvolvedores de
processos oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado ao longo
da cadeia produtiva estarão isentos da obrigação de repartição de benefícios”.
biodiversidade, que poderia conduzir em falhas no controle do acesso aos recursos
genéticos e na ausência de segurança jurídica para os países usuários da biodiversidade
brasileira. Por isso, alguns autores já se posicionavam em prol do não aperfeiçoamento
desse atual regime jurídico brasileiro, pois isso poderia sem sombra de dúvidas coadunar
com tais violações38. Observa-se que a ausência de um arcabouço jurídico claro, preciso
e efetivo tem permitido, ou até mesmo incentivado, a ocorrência de importantes
controvérsias sobre a questão, como acusações de apropriação ilícita da biodiversidade
brasileira, o não avanço da ciência brasileira, bem como a não repartição de benefícios.
Qual será, então, o impacto da ratificação do Protocolo de Nagoya no ordenamento
jurídico brasileiro?

2.2 A ratificação do Protocolo de Nagoya (PN) e o seu impacto no


ordenamento jurídico brasileiro
A demora na ratificação do Protocolo de Nagoya (PN) pelo Brasil deixou, durante
quase 10 anos, “descoberta” a relação entre o Brasil e os detentores de biotecnologia por
inexistirem obrigações internacionais relacionadas ao acesso e a repartição dos benefícios
oriundos da diversidade biológica. Essa demora na ratificação do Protocolo é
incompatível com o regime de urgência estabelecido no processo de tramitação da Lei n.º
13.123/2015.
As negociações no Congresso Nacional foram longas e árduas em razão dos
conflitos de interesses entre a Frente Parlamentar de Meio Ambiente e a Frente
Parlamentar da Agricultura. Tais divergências ficaram evidentes, sobretudo nos discursos
do Deputado Federal Alceu Moreira (relator do texto na Câmara dos Deputados) e do
Senador Fernando Collor de Mello (relator do texto no Senado Federal). Segundo o
Deputado Alceu Moreira, “este talvez seja o primeiro ato concreto onde o Brasil mostra
que as políticas ambientais e de agricultura são complementares e não antagônicas”39.
Na realidade, a ratificação do Protocolo pelo Brasil era uma demanda importante

38
MOREIRA, Eliane; PORRO, Noemi; AMIN, Liana (Org.). A nova Lei n.º 13.123/2015 no velho marco
legal da biodiversidade: Entre Retrocessos e Violações de Direitos Socioambientais. 1ed.São Paulo:
Planeta Verde, 2017.
39
Ver BRASIL. Câmara dos Deputados. Frente da agropecuária diz que Protocolo de Nagoia dá voz
ao Brasil em negociações internacionais. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/675061-
frente-da-agropecuaria-diz-que-protocolo-de-nagoia-da-voz-ao-brasil-em-negociacoes-internacionais/
Acesso em 15 de setembro de 2020.
para a agenda econômica e ambiental do país, uma vez que diversos setores da economia
brasileira dependem dos recursos genéticos, como a agricultura e a indústria
farmacêutica. Ora, neste contexto de pandemia da COVID-19, existe uma
interdependência entre os países detentores de biotecnologia e os provedores de recursos
genéticos, e, por consequência, deve existir uma segurança jurídica para todos os atores
envolvidos, sobretudo em relação à repartição de benefícios oriundos dos recursos
genéticos. A demora na ratificação do PN prejudicou a inserção do Brasil no cenário
internacional relacionado à pesquisa cientifica. Neste sentido, o Brasil perdeu diversas
oportunidades relacionadas ao enorme potencial de sua biodiversidade, como a
transferência de tecnologia oriunda de uma repartição de benefícios proveniente da
utilização da biodiversidade brasileira. Chegar a um acordo sobre a ratificação do
Protocolo tanto pela Frente Parlamentar de Meio Ambiente, como pela Frente
Parlamentar da Agricultura, tornou o processo inesperadamente longo, difícil e
contencioso.
Assim, a aprovação do PN foi condicionada à a apresentação de quatro
declarações de natureza interpretativa consideradas importantes, sobretudo pela Frente
Parlamentar da Agricultura, para sanar futuras controvérsias na implementação do
Protocolo, quais sejam:
a) o Protocolo não terá efeitos retroativos, conforme o art. 28 da Convenção de
Viena;
b) a exploração econômica para fins de atividades agrícolas decorrente de
material reprodutivo de espécies introduzidas no país pela ação humana até a
entrada em vigor do Protocolo não estará sujeita à repartição de benefícios nele
prevista;
c) consideram-se como encontradas em condições in situ as espécies ou
variedades que formem populações espontâneas que tenham adquirido
características distintivas próprias no país e a variedade tradicional local ou
crioula ou a raça localmente adaptada ou crioula, conforme conceituadas na
legislação interna;
d) considera-se a Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, como a lei doméstica
para a implementação do Protocolo de Nagoya.
Ora veja-se, efetivamente, não há uma previsão explícita no PN em relação ao
escopo temporal. Entretanto, uma interpretação do PN deve considerar as normas da
CDB, sendo necessário distinguir três períodos: (i) anterior a entrada em vigor da CDB,
e, portanto um período no qual havia o regime de livre acesso, (ii) após a entrada em vigor
da CDB e, antes da entrada em vigor do PN, período no qual pode-se fazer referência a
normas sobre acesso como por exemplo o consentimento prévio informado para
acesso(art. 15(4)), e repartição de benefícios a ser adotada de acordo com medidas
apropriadas dos Estados Partes (medidas legislativas, administrativas, entre outras) (art.
17), (iii) após a entrada em vigor do PN, os Estados encontram-se sujeitos as normas do
protocolo. 40 As discussões sobre retroatividade do PN no Brasil ocorreram em razão da
própria Lei n. 13.123/15 ter previsto um regime de regularização do acesso aos recursos
genéticos ou conhecimentos tradicionais associados, e repartição de benefícios (art. 35 e
seguintes). Parece, todavia, que aqui se está diante desse segundo momento, no qual,
mesmo antes da entrada em vigor do PN, o Estado brasileiro, parte da CDB, adotou
normas para dar concretude aos compromissos internacionais assumidos.
Interessante ressaltar que as discussões envolvendo efeitos retroativos do PN
ensejaram uma discussão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que
esses últimos consideravam a necessidade de uma compensação pelos recursos genéticos
dos quais tinham sido pilhados quando eram colônias. Essa discussão acabou por
conduzir a adoção do artigo 10 do PN que trata de um mecanismo global multilateral de
repartição de benefícios quando «o acesso ocorrer em condições transfronteiriças ou para
as quais não seja possível conceder ou obter consentimento prévio informado».
No que diz respeito à Lei nº 13.123/15 face ao disposto no PN, deve-se em
primeiro lugar indagar-se sobre a hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico
brasileiro. Se o PN for considerado como uma convenção de direitos humanos, pelo fato
de lidar com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, suas normas tem
status supralegal e infraconstitucional e aqui há de se indagar sobre a conformidade da
Lei n. 13.123/15 com o PN, ou seja, trata-se do controle de convencionalidade. Se o PN
for considerado como uma convenção internacional que não versa sobre direitos humanos

40
IEEP, Ecologic and GHK. Study to analyse legal and economic aspects of implementing the
Nagoya Protocol on ABS in the European Union. Final report for the European Commission, DG
Environment. Institute for European Environmental Policy, Brusselsand London, April 2012. Disponivel
emÇ
https://ec.europa.eu/environment/nature/biodiversity/international/abs/pdf/ABS%20FINAL%20REPORT.
pdf Acesso em 02.10.2020.
seu ingresso portanto se dá no ordenamento jurídico brasileiro meramente com força de
lei ordinária, o que significa que em dispositivos que a Lei n. 13.123/15 for contrária ao
PN, os mesmos foram revogados. 41
Talvez a principal questão trazida pelo PN seja o seu próprio campo de aplicação,
envolvendo a repartição justa e equitativa de benefícios como « benefícios decorrentes da
utilização de recursos genéticos bem como aplicações subsequentes e comercialização
[que] serão repartidos de modo justo e equitativo com a Parte provedora desse recurso
que seja país de origem do recurso ou uma Parte que tenha adquirido o recurso genético
em conformidade com a Convenção. Essa repartição deve ser efetuada segundo termos
mutuamente acordados» (artigo 5º). Isso porque a Lei nº 13.123/15 estabelece uma
restrição a repartição de benefícios indicando que essa ocorrerá no caso de produtos
acabados (artigo 17).

41
Sobre o Controle de Convencionalidade da Lei n. 13.123/2015 ler: OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva
Oliveira; JABORANDY, Clara Cardoso Machado; DUARTE, Dimas Pereira. A proteção jurídica dos
conhecimentos tradicionais: o possível controle de convencionalidade da Lei n. 13.123/2015. DIAS, Jean
C.; BRITO FILHO, José Cláudio M.; Araújo, José Henrique Mouta. Direito e Desenvolvimento na
Amazônia. Vol. 2, Florianópolis: Qualis, 2020. ( Obra no Prelo)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desafio dos Estados Partes do Protocolo de Nagoya sobre acesso e repartição
de benefícios oriundos da utilização da biodiversidade tem sido adequar o ordenamento
jurídico interno às disposições do acordo internacional. Nesse contexto, a ratificação do
Protocolo de Nagoya pelo Brasil foi lenta e permeada por divergências políticas entre a
Frente Parlamentar de Meio Ambiente e a Frente Parlamentar da Agricultura, tal demora
refletiu os antagonismos entre a agenda ambiental e agrícola. O lapso temporal
igualmente prejudicou a inserção do Brasil no cenário internacional relacionado à
pesquisa cientifica envolvendo recursos genéticos.
Entre a assinatura do Protocolo em 2010 e sua ratificação em 2020, o Brasil adotou
a Lei n. 13.123/2015 e o Decreto n. 8.772/2016 para regular a matéria. Verificou-se a
partir da análise comparada da Lei n. 13.123 e do Protocolo que a Lei estabeleceu um
procedimento simplificado de acesso aos recursos genéticos sem prévia autorização da
autoridade administrativa competente, dos povos indígenas ou das comunidades
tradicionais. Entretanto, dado procedimento simplificado conflita com o Protocolo que
exige o consentimento prévio informado ou a aprovação e participação das comunidades.
Além disso, a legislação brasileira apresenta fragilidades no tocante ao regime de
repartição de benefícios.
Constatou-se que a Lei n. 13.123/2015 apresenta incompatibilidades com o
Protocolo de Nagoya que precisaram ser enfrentadas no âmbito interno com o fito de
minimizar a responsabilização do Brasil no âmbito internacional.
REFERÊNCIAS

AMARAL JUNIOR, A.; OLIVEIRA, C. C. ; MONT'ALVERNE, T. C. F. . A


implementação no brasil da obrigação de conservar o meio ambiente marinho: algumas
lacunas na preservação da biodiversidade marinha. In: Wagner Menezes. (Org.). Direito
do mar: desafios e perspectivas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015, p. 250-265.
AUBERTINE, Catherine; FILOCHE, Geoffroy. The Nagoya Protocol the use genetic
resources: one embodiment of endless discussion. Sustentabilidade em Debate.
Brasília, v.2, n.1, p.51-64, jan/jun, 2011. Disponível em
http://seer.bce.unb.br/index.php/sust/issue/view/441. Acesso em 12 de setembro de
2020.
BASTOS, Rodolpho; GALY, Karine; VESTRIS, Isabelle. Le régime international de
l’accès aux ressources génétiques au prisme de l’entrée en vigueur du Protocole de
Nagoya. Revista de Direito Internacional, v.13.2, 2016, pp. 131-145.
BRASIL. LEI Nº 13.123, DE 20 DE MAIO DE 2015. Regulamenta o inciso II do § 1º e
o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c
do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3º e 4º do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade
Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o
acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional
associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da
biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13123.htm acesso em 25 de julho de 2020.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Frente da agropecuária diz que Protocolo de Nagoia
dá voz ao Brasil em negociações internacionais. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/noticias/675061-frente-da-agropecuaria-diz-que-protocolo-
de-nagoia-da-voz-ao-brasil-em-negociacoes-internacionais/ Acesso em 15 de setembro
de 2020.
COSTA, José Augusto Fontoura; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Killing the green
goose: legal limits to develop and sell biodiversity goods. Revista de Direito
Internacional, Brasília, v. 13, n. 2, 2016 p.145-158.
DE SADELEER, N. Droit international et communautaire de la biodiversité, Paris:
Dalloz, 2004.
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A PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO
TRADICIONAL NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAÇÃO DO DIREITO ∗ ∗∗

THE PROTECTION OF TRADITIONAL


KNOWLEDGE IN THE CONTEXT OF
GLOBALIZATION OF LAW

Joaquim Shiraishi Neto ∗∗∗

INTRODUÇÃO
Em 05 de junho de 2012, o Ministério de Meio Ambiente (MMA) e o Ministério
das Relações Exteriores (MRE) submeteram ao Congresso Nacional, por meio da
Mensagem 245 1, o texto do “Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e
Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização à Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB)” 2, concluído no período da 10º Conferência das
Partes na Convenção (COP-10).
O Protocolo de Nagoya é um documento suplementar à CDB, tendo esse Tratado
delineado diretrizes e objetivos gerais ao acesso aos recursos genéticos, conhecimento


Artigo escrito no âmbito do Projeto de Pesquisa: “A Commoditização da Natureza no Brasil: as leis
ambientais fundamentadas nos discursos das Instituições Financeiras, Agências de Cooperação e
Organizações Internacionais”, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico do Maranhão [FAPEMA (Edital 040/ 2015)].
∗∗
Este artigo foi publicado originariamente na revista REPOCS, v.16, n.31, p.209-228, 2019. Agradeço ao
professor Dr. Igor Gastal Grill, editor da revista, que autorizou a sua publicação.
∗∗∗
Doutor em Direito. Professor visitante da Universidade Federal do Maranhão, vinculado ao Programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCsoc-UFMA). Pesquisador FAPEMA e CNPQ. Bolsista
Produtividade em Direito. Pós doutorando em Direito pela PUC - PR.
E-mail: shiraishineto@gmail.com
1
Em 31 de março de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial destinada
a proferir Parecer à Mensagem nº 245, de 2012.
2
O Decreto 2.519, de 16 de março de 1998, “promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica”, assinada
no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992.
tradicional e repartição justa e equitativa de benefícios. Para Manuela Carneiro da Cunha
(2009), os recursos genéticos eram considerados patrimônio comum da humanidade, por
isso o acesso era livre, sem restrições.
Como a inexistência de regulamentação jurídica facilitava a concentração da
riqueza em mãos dos detentores de tecnologias, não houve surpresa na postura de
representantes que tinham a CDB como um instrumento de “justiça distributiva”. Os
esforços em reforçar tais ideais se difundiam: “[...] the CDB has the most part become an
instrument which crystallizes dreams of planetary equity and hopes of economic
prosperity, founded on the use of ‘green gold’ from which it is envisage that biotech
industries will develop the medicines of tomorrow”. (AUBERTIN; FILOCHE, 2011: p.52
– grifo nosso).
No Brasil, antes mesmo da existência do Protocolo de Nagoya, em junho de 2000,
o governo federal, em meio a uma controvérsia gerada pelo Acordo Bioamazônia –
Novartis Pharma AG, publicou às pressas a Medida Provisória 2.052, cuja última reedição
foi a Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 3. Os trabalhos de Derani
(2002), Araújo (2002), Santilli (2005), Moreira (2007) e Shiraishi Neto e Dantas (2010),
dentre tantos, foram contribuições relevantes no período, pois cada um, à sua maneira,
promoveram reflexões, auxiliando as discussões em torno efetivação da Medida
Provisória 2.186-16/2001.
Tal Medida foi revogada por um novo marco legal, a Lei 13.123, de 20 de maio
de 2015 4, objeto de reflexão neste artigo, elaborada e proposta pelo governo federal ao
Congresso Nacional a pedido das indústrias químicas, alimentícia e de cosméticos5, em

3
“Regulamenta o inciso II do §4° do art. 225 da Constituição, os arts. 1° e 8°, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15
e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre a Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso
à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providencias.”
4
“Regulamenta o inciso II do §1° e o §4° do art. 225 da Constituição Federal, o artigo 1°, alínea “j”, do
artigo 8°, a alínea “c”, do artigo 10, o artigo 15 e os §§3° e 4°, do artigo 16 da Convenção sobre Diversidade
Biológica, promulgada pelo Decreto 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de
benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória 2.186-16, de
23 de agosto de 2001; e dá outras providências.”
5
Segundo reportagem publicada pelo Jornal Valor Econômico, o Projeto de Lei foi apresentado pelo
governo “[...] após pressão das indústrias química, alimentícia e de cosméticos para facilitar a pesquisa
sobre a biodiversidade para desenvolvimento de produtos e renegociar multas a empresas e instituições que
enviaram amostras para fora do País sem autorização ou fizeram pesquisa sem pagar royalties.” (HOUVE
retrocesso na biodiversidade, critica WWF. Rio de Janeiro: Jornal Valor Econômico, 29/04/2015.
Disponível em https://www.valor.com.br/politica/4026720/houve-retrocesso-na-biodiversidade-critica-
wwf. Acesso em 19 de março de 2019).
regime de urgência constitucional 6, sob a conformação do Protocolo de Nagoya. O
“regime de urgência” do Projeto de Lei 7.735/2014, apresentado pelo governo federal,
gerou contestações por parte da sociedade civil organizada, já que tal expediente estaria
ferindo o direito de consulta prévia, livre e informada, consagrado na Convenção n.169,
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 7.
Este artigo objetiva analisar a Lei 13.123/2015, que se encontra inserida na lógica
da globalização do direito, mais precisamente, da globalização do direito americano. A
pretexto da necessidade de reformar a Medida Provisória 2.186/2001, aquela Lei
“modificou” a proteção, o acesso e a repartição dos benefícios derivados do conhecimento
tradicional. Tratando esse conhecimento como objeto- mercadoria, a Lei nega aos mais
diferentes povos e comunidades tradicionais direitos diante dos distintos “modelos de
natureza” (ESCOBAR, 2005) construídos por esses grupos, ao longo de sua história.
A metodologia se baseou no levantamento e análise de dados de fontes
secundárias, como documentos, tratados – especificamente: a Convenção sobre a
Diversidade Biológica e Protocolo de Nagoya, e o Projeto de Lei, apresentado em regime
de urgência pelo governo ao Congresso Nacional.
Para cumprir o objetivo proposto, o artigo está dividido nas seguintes partes:
“Reestruturação do Campo Jurídico no Brasil: o direito como negócio”, com o objetivo
analisar a produção do direito a partir da noção de campo jurídico, que hoje se encontra
internacionalizado. Ao mesmo tempo, destaca o papel do direito na legitimação dessa
nova ordem econômica, financeirizada.
O tópico intitulado “`Homogeneização Jurídica´: agências e instituições no
comando da construção de uma nova ordem jurídica nacional de proteção da natureza”
analisa a participação de agentes externos aos Estados - nacionais na produção de um
novo direito da natureza, sendo inegável que o conteúdo único atribuído a ela nega os

6
O regime de urgência impõe prazos menores para a tramitação da proposta apresentada, 45 dias para cada
casa, sob pena de sobrestar todas as demais deliberações legislativas. No caso, a copa do mundo e as
eleições contribuíram com a diminuta participação e discussão no Congresso Nacional.
7
Sobre essa polemica gerada em torno do descumprimento do direito, recomendamos o documento
(Ministério Público Federal. Recomendações. Brasília, 25 de junho de 2015. Referência: IC 1.
16.000.001457/2015-19). O MPF foi um dos primeiros órgãos a se manifestar questionando a proposta
apresentada pelo governo. Aconselhamos também Nota Técnica Jurídica elaborada por várias organizações
(Terra de Direitos, Via Campesina do Brasil, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento de
Mulheres Camponesas, GT – Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia, Instituto
Socioambiental) sobre os termos da Lei (Terra de Direitos et. al., 2015). Na ocasião, a FIOCRUZ se
manifestou trazendo contribuições ao Projeto.
“modelos de natureza” vividos no Brasil. Trata-se de fazer uma reflexão sobre os
processos impostos pela ordem econômica global, que provoca sucessivos deslocamentos
da política ambiental brasileira (da “sustentabilidade” à “gestão” ambiental). Finalmente,
o último tópico “A Lei 13.123/2015 sob orientação do Protocolo de Nagoya: o
conhecimento tradicional associado à biodiversidade como objeto/mercadoria” detalha o
contexto da produção da Lei que modificou a Medida Provisória 2.186/2001.

1 REESTRUTURAÇÃO DO CAMPO JURÍDICO NO BRASIL: O


DIREITO COMO NEGÓCIO
Nas faculdades de direito sempre houve uma preocupação dos professores
em ensinar que o direito se constitui num sistema fechado e autônomo, embora fique
evidente, em tempos recentes, os esforços da hermêutica jurídica em integrar o sistema,
entendido como aberto, capaz de uma maior interação com o mundo social. Recorremos
à Miaille (1977) sobre uma crítica à forma segundo a qual é introduzido o direito aos
estudantes. Apesar do texto ter sido escrito já há algum tempo, mantém a sua atualidade.
Ele aponta a simplicidade que marca os cursos de introdução ao direito, a partir da
transmissão de definições a priori, da naturalidade das classificações jurídicas e das
técnicas de interpretação, escondendo uma pretensa neutralidade do direito.
Essa forma de ensinar o direito, fundamentada em um entendimento meramente
formal do que seja o direito, assim como as críticas formuladas pelos marxistas, que
concebem o direito como um instrumento a serviço das classes dominantes, ignora um
dado central para compreender o funcionamento, isto é, os fundamentos sociais de sua
autonomia, conexa à capacidade de produzir e reproduzir um corpus jurídico
independente de constrangimentos de onde se exerce a autoridade jurídica, força por
excelência da violência simbólica (BOURDIEU, 1989) 8.

8
Se bem que no Brasil, a politização do direito pela própria atuação do Poder Judiciário mina esse dogma.
O trabalho de juízes em perseguir determinadas lideranças políticas, escolhidas por eles como “inimigas”
da sociedade, colocam em questão todo o ideário construído em torno do papel do Poder Judiciário. Na
semana do julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pelo TRT 4 eram fartas as reportagens
sobre o Poder Judiciário, que tem politizado os seus julgamentos. Dentre tantas, sugerimos a de Rodrigo
Martins, publicada na Revista Carta Capital, intitulada: “Os Políticos de Toga. O julgamento de Lula é a
expressão máxima da Justiça politizada, a retirar do povo o poder de decidir sobre o seu próprio destino.”
Especificamente sobre esse caso envolvendo o julgamento do ex-presidente Lula, indicamos também o
livro organizado por Carol Porter et. all. (2017).
A ideia de autonomia do direito, atualizada na expressão império do direito,
representa uma maneira de afirmar a existência de uma ordem normativa independente
da sociedade (DELAZAY; TRUBEK, 2010). Tal interpretação corrobora a difusão de
outra ideia cara ao direito, o seu caráter de neutralidade, cuja função precípua é legitimar
o exercício do poder. Lembram Delazay e Garth (2002; 2005) que o direito fornece uma
linguagem-chave de legitimação.
Os discursos e as práticas jurídicas, enquanto produtos de um espaço específico,
são denominados por Bourdieu de campo jurídico:

“O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito


de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou da boa
ordem, na qual se defrontam agentes investidos de competência ao
mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na
capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre
ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legitima,
justa, do mundo social” (BOURDIEU, 1989: p. 212 – grifo nosso).

Yves Dekazay e David M. Trubek denominam de “[...] campo jurídico à


articulação de instituições e práticas através das quais a lei é produzida, interpretada e
incorporada às tomadas de decisões na sociedade” (DELAZAY; TRUBEK, 2010: p. 31).
Com a globalização econômica, forças e lógicas estranhas ao espaço
nacional interferem no campo jurídico nacional9, que está se internacionalizado, já que
atravessado por outras práticas jurídicas 10, notadamente, aquelas ditadas pelo direito
norte-americano (DELAZAY; GARTH, 2005) 11. A noção de campo jurídico de Pierre
Bourdieu, aqui utilizada, possibilita deslocar o foco de análise para a ação dos sujeitos
(legisladores, advogados, juízes, procuradores, professores...), que se ocupam da

9
A noção de campo jurídico foi utilizada por Shiraishi Neto (2008) para compreender a produção de uma
verdade sobre o direito de propriedade privada no Brasil. Analisei o papel das editoras, que através dos
manuais de Direito Real, produzem e disseminam representações sobre a propriedade privada.
10
Os direitos nacionais sempre sofreram influências de outros modelos a pretexto de melhorá-los. No caso
do Brasil, inúmeros exemplos podem ser trazidos à coleção. As primeiras faculdades de direito no Brasil,
Olinda e São Paulo, sofreram influências do pensamento jurídico europeu. O “darwinismo jurídico” foi útil
aos interesses dominantes, pois contribuiu com a estruturação de um modelo autoritário e racista de
sociedade. A este respeito, Schwarcz (1993).
11
As transformações jurídicas produzem formas complexas de “pluralismo jurídico” (FARIAS, 2002), os
quais não serão objeto de reflexão neste artigo. O trabalho de André-Jean Arnaud (1999), por sua vez, nos
foi útil, pois serviu como ponto de partida às reflexões: “Os problemas de regulamentação e de controle se
colocam de forma aguda e totalmente nova. Vemos desenvolver-se à margem de um direito de feição
tradicional, princípios, estratégias e normas de gestão da regulação que são reconhecidas por todo
planeta. Uma tal perturbação não se dá sem colocar numerosos problemas aos juristas.” (ARNAUD, 1999:
p. 19 – grifo nosso).
produção, reprodução e difusão do direito. Esse exercício, contudo, não ignora as
questões estruturais e funcionais do direito, que dominam as reflexões jurídicas.
A globalização do direito, mais especificamente, a globalização do direito
americano, como é designado, que está a (re)estruturar as estruturas objetivas e subjetivas
dos campos jurídicos nacionais, é um fenômeno recente no Brasil, diferentemente da
Europa que vive esse processo há algum tempo12. Na Europa, a divisão do trabalho
jurídico que era fortemente hierarquizada entre “[...] aqueles que praticavam o direito e
aqueles que o produziam e o interpretavam [...]” (DELAZAY; TRUBEK, 2010: p.42) se
transformou, na medida em que a prestação de serviços jurídicos é direcionada aos
negócios. A prestação de serviços na defesa dos direitos humanos, considerada de
“interesse público”, é também digna de nota, pois faz parte do modelo de produção do
direito norte-americano, exportado para o mundo. Los mandararines del derecho foi o
termo utilizado por Bonilla Maldonado (2017) para designar a expansão do modelo
transnacional de proteção dos direitos humanos nos países latino-americanos13.
O uso da literatura jurídica norte-americana no ensino e na aplicação do direito e
14
a “invasão estrangeira” de escritórios de advocacia americanos desde 2008 15, se
constituem em episódios recentes, sinalizando para as mudanças do campo jurídico no
Brasil, ou melhor, para as transformações no “modo de produção do direito”, que institui
“novas verdades jurídicas” independentemente dos contextos em que são produzidas.
Tais estratégias do imperialismo americano em “universalizar particularismos”
(BOURDIEU; WACQUANT, 1998), importam em transformações da sociedade.
Guerras palacianas expressam esses movimentos estratégicos que se constituem em lutas
não apenas pelo controle do Estado, mas também pelos valores relativos dos indivíduos
e dos conhecimentos que dão forma e direção ao Estado (DELAZAY; GARTH, 2002).

12
Na Europa, esses processos ocorrem de maneira diferenciada nos países, como bem destacou Marcos
Nobre (2003) a partir das pesquisas de David M. Trubek.
13
Neste contexto da globalização do direito, Boaventura de Sousa Santos (1999) chama atenção para a
expansão dos direitos humanos ligados aos “novos atores sociais”. Em trabalhos mais recentes sobre esse
fenômeno de expansão dos direitos humanos, Boaventura e Cesar Rodrigues Garavito (2007) focalizam os
aspectos locais, “desde abajo.”
14
A respeito da “invasão estrangeira” de escritórios estrangeiros no Brasil, aconselhamos a leitura da
reportagem de Thiago Bronzatto publicada na Revista Exame (2010).
15
O post publicado por Luís Nassif (2017) expõe o papel de escritórios de advocacia americana, como parte
das estratégias que movem os interesses norte-americanos no Brasil. Escritórios ligados ao Departamento
de Estado e Departamento de Justiça funcionam como braço do governo americano, “[...] atuando em
alinhamento com ele na proteção dos interesses essenciais dos EUA.”
Os “mecanismos alternativos de solução de conflitos”, designados ADR
(“Alternativa Dispute Resolutions”), que foram instituídos no Brasil, com a reforma do
Código de Processo Civil, na forma da mediação, arbitragem e conciliação, rebatem de
forma eficaz na organização da vida social. Apresentados como alternativas às resoluções
de conflitos, dado o seu alto grau de eficiência, racionalidade, modernidade... esses
produtos acabam interferindo na estruturação da cultura das sociedades (NADER, 1994).
Os mecanismos alternativos, originados nos EUA e espalhados pelo mundo, como
“alternativa aos mecanismos de solução de conflitos”, instituem uma nova forma de
convivência nas sociedades ao produzir “novos sujeitos”, intolerantes aos conflitos e
complacentes com acordos, negociações e conchavos.
Os estudos da antropóloga Laura Nader (1994) envolvendo a instituição desses
aludidos mecanismos pelo mundo nos alertam para a sua gravidade, já que são
absolutamente nocivos aos desprovidos de poder, embora disseminem a ideia de que
todos ganham win or win, na verdade, os grupos se vêem na obrigação de negociar
direitos imprescindíveis à sua reprodução, tal como observado nas inúmeras situações
estudadas pela autora.
Como efeito, trata-se de processos que vão além da simples alteração da forma de
resolução de conflitos. Segundo Francisco de Oliveira, para esse modelo de sociedade,
onde imperariam a harmonia e a paz (acrescentamos, o direito), o cidadão seria aquele
avesso a toda forma de conflito, portanto, destituído de sua própria condição de cidadão
(OLIVEIRA, 2002). Nas situações envolvendo os grupos definidos por critérios étnicos
ou por particularidades em seu modo de vida e relação com o ambiente biofísico, a
negação dos conflitos implica na destituição de suas falas, consequentemente, de sua
identidade, muitas vezes ainda em construção (SHIRAISHI NETO, 2015). Em outras
palavras, a ideia do “consenso” ou do “direito negociado” afasta qualquer possibilidade
de garantia e aplicação dos direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal de
1988, sobretudo se esses direitos estão involucrados nos próprios sujeitos que pertencem
a determinados povos e comunidades conceituadas como tradicionais.
Em países como o Brasil, as transformações na ordem jurídica ditadas pela
globalização do direito, envolvendo o deslocamento dos Estados fundados no bem estar
para Estados liberais (DELAZAY; GARTH, 2002), são centrais para a compreensão do
que ocorre no país, cujo desfecho mais violento, foi o golpe parlamentar, jurídico e
midiático que destituiu uma presidenta legalmente eleita. O golpe sacralizou no Brasil a
perda da posição do Estado de supremacia na estruturação e regulamentação jurídica das
relações econômicas e na proteção dos indivíduos e sociedade.
Os trabalhos de pesquisa de Gilberto Bercovici (2004; 2008) nos auxiliam na
compreensão do processo que culminou com a instalação do “Estado de Exceção” no
Brasil. Assevera o autor que o “estado de exceção econômica” se tornou regra desde os
tempos do governo Fernando Collor de Mello, com ataques à Constituição de 1988, que
destrói o regime constitucional (BERCOVICI, 2008). As reformas no texto
constitucional, nos sucessivos governos, modificaram substancialmente o conteúdo da
Constituição Federal de 1988, caracterizada por conter um ambicioso programa social
pautado na promoção da dignidade da pessoa humana, princípio esse organizador e
estruturante de todas as políticas públicas.
Passa a estar em jogo no país a dissolução da “velha ordem jurídica”, recheada de
um catálogo de direitos sociais edificados a partir da Constituição Federal de 1988. Não
se trata, contudo, do “fim do direito”, mas sim de um direito: “[...] O ideal do direito
social foi eliminado, substituído pela lex mercatoria: o direito internacional das relações
comerciais. ” (DELAZAY, 1999: p. 296), na medida que essa nova ordem jurídica,
renovada, proporciona uma melhor assistência a seus clientes ao criar formulas jurídicas
adequadas à expansão econômica do capital financeiro.
A interconexão entre os sistemas legais nacionais e a homogeneização jurídica
(DELAZAY, 1999) favorecem o “modo de produção do direito norte-americano”.
Enquanto resultado de um trabalho sistemático realizado por canais supostamente
neutros, think tanks, agências de cooperação internacional, instituições financeiras, passar
a desempenhar papel decisivo nos processos que determinarão as reformas.
A homogeneização jurídica longe de se constituir em algo natural relacionado à
evolução/modernização dos sistemas jurídicos pelo mundo, trata-se de uma imposição,
no sentido de que a unificação beneficia aqueles que estão em melhores condições
econômicas. No tópico abaixo, nos concentramos na análise do papel das agências de
cooperação e instituições financeiras no comando da ordem jurídica nacional que, sob
influência de regimes e ordens jurídicas transnacionais, supranacionais e internacionais,
contaminam a criação de novos marcos legais no Brasil, os quais afetam as representações
e o conteúdo jurídico da natureza.
2 “HOMOGENEIZAÇÃO JURÍDICA”: AGÊNCIAS E
INSTITUIÇÕES NO COMANDO DA CONSTRUÇÃO DE UMA
NOVA ORDEM JURÍDICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DA
NATUREZA
A Lei 13.123/ 2015, que revogou a Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto
de 2001, deve ser compreendida no contexto da globalização do direito.
A noção de homogeneização jurídica (BOURDIEU, 2001), apresentada como um
indício positivo da globalização econômica, nos permite compreender como ocorre a
operacionalização desse projeto de sociedade, determinado pelos interesses econômicos,
situados acima dos estados nacionais. Entre os pesquisadores do direito (FARIAS, 2002;
ARNAUD, 1999), há um consenso de que a globalização econômica vem transformando
o direito tal como concebido originariamente, delimitado aos espaços do Estado-nação.
A construção de uma unidade jurídica denominada de “harmonização”, envolve o efetivo
funcionamento de uma economia globalizada que se impõe a todos países.
A homogeneização jurídica se constitui na produção e difusão de dispositivos
(normas, procedimentos e estruturas) pelo mundo a partir de uma experiência
absolutamente particular (envolvendo estratégias do imperialismo dos EUA, como
mencionado acima), cujos propósitos se vinculam as garantias da livre circulação de bens,
serviços, pessoas e do próprio capital.
Em termos práticos, do ponto de vista dos operadores do direito, isto é, dos
grandes escritórios de advocacia americanos associados a vários outros pelo mundo, tal
homogeneização representa um maior controle sobre a produção, a difusão e a circulação
do direito ou sobre, “o direito em dizer o direito”. Mais precisamente, a universalização
dos dispositivos possibilita controle das decisões judiciais independentemente dos
contextos sociais. Da cidade do México à São Paulo e de São Paulo à Jacarta, na
Indonésia, um mesmo padrão jurídico, que facilita a atuação dos escritórios de advocacia
norte-americanos. No caso, a língua deixa de ser uma barreira.
Desta forma, conforme esclarece Bourdieu esse processo determinado pelo campo
econômico vem reduzindo as proteções jurídicas tradicionais, levando os sujeitos
(acrescentamos, os povos e as comunidades tradicionais no Brasil) a ficar desprotegidos.
Os direitos fundamentais outrora outorgados passam ser flexionados, no sentido de que
representam obstáculos a essa nova ordem (BERCOVICI, 2008).
Os discursos jurídicos avaliadores da necessidade da universalização dos
dispositivos se referem a um conjunto de argumentos. Além dos valores de liberdade e
democracia, exaustivamente difundidos como inerentes a esse projeto de sociedade 16,
que, per si, são tidos como justificando as medidas, gostaríamos de focalizar outras duas
noções alegadas para impor celeridade às reformas: segurança jurídica e tempo do direito.
A segurança jurídica e seu corolário, a insegurança, justificam, no caso do PL
7.735/2014 (que originou a Lei 13.123/2015), a reforma da MP 2.186-16/2001, tida como
necessária à preservação da sociobiodiversidade e à geração de recursos para o
desenvolvimento do Brasil. A ideia da segurança jurídica, sublinha-se, sempre esteve
travestida no direito, pois o discurso jurídico a vinculava às garantias de proteção dos
direitos individuais quando, na verdade, ela opera para garantir os direitos de propriedade
privada.
A imediaticidade da reforma da MP (no caso, o regime de urgência do PL), por
outro lado, está referida à insegurança jurídica decorrente da alegada insuficência da MP
2.186/2001 para atender as demandas das indústrias químicas, alimentícia e de
cosméticos. A insegurança, destaca Ranciere (2005), é imprescindível para manter o bom
funcionamento do Estado, na medida em que ela serve para eliminar os conflitos e gerar
consenso em torno das proposições.
Apesar de a insegurança ser utilizada por Ranciere em outro contexto, o
“sentimento de insegurança” é indispensável uma vez que ele justifica a produção dos
novos dispositivos que se encontram em sincronia com os fluxos de capital, que
intensificam as trocas pelo mundo. Ouvir os povos e comunidades tradicionais, tal como
determina a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no caso,
se constituiria em mero detalhe, mediante os argumentos perfilados acerca do papel da
sociobiodiversidade na preservação e geração de recursos ao país.
Na globalização, o tempo do mercado e o “tempo do direito” se apresentam como
irmãos siameses. Indissociados, mercado e direito operam na construção de uma unidade
econômica global.

16
A propósito de uma consistente crítica à sociedade norte-americana, que organizou um poderoso controle
social dos negros através de um complexo sistema prisional que encarcera esses grupos, recomendamos o
documentário 13ª Emenda, disponível na NETFLIX. Sugerimos, também, o livro The New Jim Crow: Mass
Incarceration in the Age of Colorblindness de Michelle Alexander, publicado no Brasil sob o título A Nova
Segregação: Racismo e encarceramento em massa (2017).
O tempo do direito, pelo visto, é incapaz de discernir as temporalidades e
axiologias existentes nas diversas sociedades a revelar distintos “modelos de natureza”.
Mais do que isso, o tempo do direito produz e dissemina outra ideia cara a esse projeto
de sociedade, de que os direitos (e os sistemas de justiças e instituições que se vinculam
a esses direitos) se encontram em etapas evolutivas distintas de desenvolvimento, assim
a “modernização” é a palavra-chave. Sabiamente manejada, ela possibilita a disseminação
das ideias pelo mundo, a exemplo do que ocorreu em outros períodos coloniais. Em
contexto do pós-colonialismo, o direito é a chave para todo tipo de violência.
As reformas do poder judiciário na América Latina e Caribe patrocinadas pelo
Banco Mundial (BIRD) 17 são exemplos paradigmáticos da homogeneização jurídica que
impõe uma feição única ao poder judiciário. Cabendo-lhe garantir estabilidade para um
melhor funcionamento dos mercados. Não somente o Banco Mundial, mas também
diversas outras agências de cooperação internacional se tornaram protagonistas na difusão
de projetos e programas alinhados a esse receituário neoliberal. Carbonell e Vazquez
(2007) rememoram seu papel marcante na definição de políticas públicas que afetam o
cotidiano dos indivíduos e de coletividades nas sociedades contemporâneas.

“Hoy em día se tiene la percepeción de que las instituciones


internacionales tien poco que ver com la vida cotidiana o con las
expresiones políticas de la gente, cuando lo cierto es todo lo contrario.
Una buena parte de las políticas públicas que afectan las actividades
cotidianas de la gente se instrumentan a partir de decisiones tomadas
em sede no nacionales; además de que, como es evidente, las
instituciones internacionales se mantienen con dinero proveniente de
los impuestos que todos pagamos, con lo cual nos instalamos em uma
visión pós-moderna del taxation without representation.”
(CARBONELL; VÁZQUEZ, 2007: p. 12-13 – grifo nosso).

Isso não foi diferente no tocante às questões ambientais. O empenho do Banco


Mundial (BIRD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do
Comércio (COM)... na “construção da geopolítica do desenvolvimento sustentável”, é
revelado por Gonçalves (2006). Este afirma que “[...] o mercado, se operado livremente,

17
A respeito, sugerimos a leitura do Documento Técnico n.391 do Banco Mundial confeccionado por Maria
Dakolias (1996). As pesquisas de Garavito (2011) articulam a difusão do Estado de Direito e Reforma do
Poder Judiciário enquanto prioridades do projeto neoliberal. O autor analisa os conflitos decorrentes de
situações envolvendo as elites locais, com seus distintos projetos, acerca da definição de qual deve ser o
papel dos tribunais nas democracias latino-americanas.
é o único meio concebível de alcançar o desenvolvimento sustentável, expressão que,
cada vez, faz parte do mainstream.” (GONÇALVES, 2006: p. 301-302). E essas
instituições internacionais idealizam o funcionamento do mercado a que chamam de
estratégias win or win, aliás, a mesma que fundamenta os dispositivos descritos acima
sobre os “mecanismos alternativos de solução de conflitos”, designados ADR
(“Alternative Dispute Resolutions”), instituídos no Brasil com a reforma do Código de
Processo Civil.
No Brasil, identificamos (SHIRAISHI NETO, 2017) no deslocamento das
políticas ambientais (de um modelo que enfatizava o desenvolvimento sustentável para
outro envolvendo a gestão da natureza) o papel de várias agências de cooperação
internacional [Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura (FAO), Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) e Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL)]. Demonstramos que os estudos (diagnósticos, relatórios...) realizados por essas
agências contaminaram as definições das políticas ambientais nas últimas décadas,
impondo as reformas legais, tal como foi o caso da política destinada à proteção do
conhecimento tradicional associado à biodiversidade e à justa e equitativa repartição de
benefícios.

3 A LEI 13.123/2015 SOB ORIENTAÇÃO DO PROTOCOLO DE


NAGOYA: O CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À
BIODIVERSIDADE COMO OBJETO/MERCADORIA
“Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e à sadia qualidade de vida, impondo ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.” (caput do art. 225 CF/88 – grifo nosso).

Depreende-se do conteúdo do caput do art. 225, que a proteção da natureza se


vincula à manutenção do equilíbrio ecológico, à sadia qualidade de vida e à equidade
intergeracional daí o seu caráter de bem jurídico fundamental. Autores (SILVA, 2002;
BENJAMIN, 2005) ressaltam que a Constituição de 88 abandonou o “paradigma liberal”,
edificando outro modelo, caracterizado por uma preocupação lastreada nas dimensões
social e ambiental.
No contexto do sistema de proteção organizado pela Constituição de 88,
destacamos a radicalidade da posição de Antônio Herman Benjamin. Para ele, a
Constituição de 88 se afastou de uma postura “antropocêntrica” (que aparta a sociedade
da natureza) em prol de uma outra, “biocêntrica”18, que não faz distinção entre os dois
domínios, tutelando a vida na sua totalidade (BENJAMIN, 2005: p.273).
O certo é que a Constituição brasileira de 1988 construiu uma nova representação
da natureza, talvez mais adequada às necessidades da nossa sociedade, reconhecidamente
plural e complexa.
Apesar desse sistema de proteção da natureza, a partir da década de 1990,
observam-se sucessivos deslocamentos da política ambiental brasileira em favor de um
modelo que tem a natureza como recurso estratégico (SHIRAISHI NETO, 2017). As leis
aprovadas, produtos de um incessante trabalho promovido pelas instituições financeiras
e agências de cooperação internacional, sintetizam essas transformações.
Os discursos avaliadores das novas leis ambientais professam tornar as relações
“claras”, “eficientes”, “seguras”, portanto, mais “lucrativas”... tal é a finalidade das
mudanças. A “melhoria da gestão”, que alicerça esse discurso, fundamentado nos ideais
do livre mercado, inaugura um novo período de suposta proteção da natureza no Brasil.
Tais proposições, expressando lógica e racionalidade próprias diante de interesses
econômicos concretos, quando aplicados às questões ambientais geram contradições, a
exemplo da Lei 13.123/ 2015, pois os povos e comunidades tradicionais, destinatários
diretos da Lei, conformam distintas “axiologias” e “temporalidades” ignoradas pelo
“tempo do direito”.
No caso do direito ambiental brasileiro, as reformas aprofundam a visão
antropocêntrica, questionada por Benjamin (2005), distanciando a sociedade da natureza,
já que a sua proteção fica condicionada à utilidade e ao valor econômico a ela atribuído,
esse era o entendimento formado pela maioria dos deputados e senadores que aprovaram
o Projeto de Lei.

18
Essa posição em muito se aproxima das discussões que acontecem no Equador e Bolívia sobre os direitos
da natureza. A expressão “giro biocêntrico” foi utilizada por Gudynas (2014) para analisar os processos
inscritos no contexto do Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
A época, o relator designado na Comissão Especial 19, deputado Alceu Moreira da
Silva, do PMDB-RS, representante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) 20,
literalmente comandou a aprovação da proposta apresentada pelo governo, na forma de
um Substitutivo 21, não permitindo alterações que pudessem modificar o seu conteúdo
original, contra protestos do PSOL, PCdoB e setores do PT.
A derrota nas votações revelou a força da bancada ruralista na Câmara: "É uma
vergonha a votação que nós estamos fazendo aqui. O senado foi muito melhor nessas
questões. Isso foi uma ‘tratoragem’ imposta pela bancada ruralista, indignou-se o
deputado Ivan Valente, do PSOL-SP.” 22
A manifestação do senador Jorge Viana, do PT–AC, relator da proposta na
Comissão de Meio Ambiente 23, a respeito da forma de como foi conduzido o Projeto de
Lei, que resultou na Lei 13.123/ 2015, expressa o sentimento de um grupo de
ambientalistas que pouco pode fazer diante da convergência de interesses econômicos das

19
Em razão da distribuição a mais de três comissões de mérito (Comissões de Direitos Humanos e Minorias;
Relações Exteriores e de Defesa Nacional Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; Trabalho,
de Administração e Serviço Público; Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável; Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania), foi
determinado a criação de Comissão Especial para apreciar a matéria encaminhada pelo governo, conforme
art. 34, II, do RICD.
20
Recentemente, o deputado assumiu o comandando da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em
substituição a deputada Tereza Cristina, que foi nomeada para o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA). Na ocasião, Alceu Moreira discursou, afirmando que: “A agropecuária brasileira
nunca foi contra o meio ambiente, contra os indígenas. As pautas são complementares e não antagônicas.
Temos de fugir desses conflitos e encontrar soluções por meio de políticas públicas sólidas que deem
segurança a todos.” (ALCEU Moreira é eleito presidente da FPA. Disponível em
https://agencia.fpagropecuaria.org.br/2018/12/11/alceu-moreira-e-eleito-presidente-da-fpa/. Acesso em
19/03/2019).
21
O parecer foi proferido em plenário pelo relator - já que a Comissão Especial não se reuniu, que concluiu
pela aprovação do Projeto de Lei, na forma do Substitutivo apresentado, e pela rejeição de todas as emendas
de n.01 a 220; é importante registrar a ínfima participação dos deputados nas discussões. A reportagem
publicada pela Agência Gestão CT&I lembra: “As alterações ao texto original, apresentado pelo Governo
Federal, foram propostas por 20 deputados.” (DEPUTADOS apresentam 137 emendas ao projeto de Acesso
ao Patrimônio Genético. Brasília: Agência Gestão CT&I – 18/08/2014. Disponível em
http://portal.abipti.org.br/deputados-apresentam-137-emendas-ao-projeto-de-acesso-ao-patrimonio-
genetico/. Acesso em 19 de março de 2019). O relator da proposta, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS),
acatou 12 das 23 emendas apresentadas pelo Senado Federal, sendo que a proposta original pouco foi
modificada.
22
PLENÁRIO da Câmara aprova Lei de Acesso ao Patrimônio Genético. Brasília: Agência Gestão CT&I
– 28/04/2015. Disponível em https://portal.abipti.org.br/plenario-da-camara-aprova-lei-de-acesso-ao-
patrimonio-genetico/ . Acesso em 19 de março de 2019.
23
No Senado, a proposição (PLC 02, de 2015) foi distribuída inicialmente a três Comissões (Constituição,
Justiça e Cidadania; Assuntos Econômicos; e Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e
Controle, posteriormente, em virtude de um requerimento do senador Acir Gurgacz, do PDT-RO, a matéria
foi examinada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática e Agricultura
e Reforma Agraria. Lá, no Senado, foram realizadas duas Audiências Públicas, com a participação,
principalmente, de órgãos do governo que elaboraram a minuta do Projeto de Lei.
indústrias química, alimentícia, cosméticos e agropecuária, todos eles preocupados em
expandir os seus mercados e melhorar a competividade à custa do acesso a
sociobiodiversidade brasileira. Para isso, criaram obstáculos, exceções legais, que
impossibilitam a justa e equitativa repartição dos benefícios decorrentes do conhecimento
tradicional associado à biodiversidade, em contrariedade ao Protocolo de Nagoya.

"Para um país megadiverso, que tem 20% da biodiversidade do planeta,


não ter uma legislação que contemple o acesso à biodiversidade, é o
pior dos mundos", disse o senador Jorge Viana (PT-AC), relator do
projeto de lei no Senado. “É uma pena que a Câmara tenha desperdiçado
a oportunidade de termos uma lei melhor do que a que está saindo." 24

Continua o senador. Para ele:

"esta é a lei mais importante depois do Código Florestal", que agora


segue para sanção presidencial. O movimento socioambiental acusa o
desequilíbrio da proposta, que foi construída pelas associações que
representam a indústria, mas deixaram de lado, dizem, as comunidades
tradicionais. ”

Apesar de serem tidas como necessárias, já que se mostram “mais eficientes” do


ponto de vista da “gestão” da natureza, observa-se que as reformas das leis podem ser
mais prejudiciais que benéficas, pois desconhecem os “modelos de natureza”, que
representam distintos usos e apropriações. Portanto, essas novas leis ambientais devem
ser analisadas de forma criteriosa, já que os seus resultados pouco expressam a ideia
primeira de preservação e do cuidado com a natureza inscritos no texto constitucional de
1988.
A Convenção sobre a Biodiversidade Biológica (CDB) e o Protocolo de Nagoya
se inserem no esquema analítico, que objetiva construir uma “unidade legal” global, de
maneira a atender os interesses do capital em promover a livre circulação de pessoas, bens
e serviços. Contudo, não ignoramos a relevância da Convenção sobre a Biodiversidade
Biológica (CDB) em, diante da liberdade de acesso aos recursos naturais - tidos
anteriormente como “patrimônio comum da humanidade”, reconhecer a soberania dos

24
HOUVE retrocesso na biodiversidade, critica WWF. Rio de Janeiro: Jornal Valor Econômico,
29/04/2015. Disponível em https://www.valor.com.br/politica/4026720/houve-retrocesso-na-
biodiversidade-critica-wwf. Acesso em 19 de março de 2019.
países sobre os seus recursos genéticos (CUNHA, 2009), combatendo, assim, a chamada
“biopirataria” (AUBERTIN; FILOCHE, 2011).
Segundo essas autoras, os países pobres ou em desenvolvimento, em sua maioria
considerados ricos em recursos genéticos, denominados “megadiversos”, eram
prejudicados economicamente diante de sua incapacidade industrial e tecnológica em
desenvolver produtos oriundos da biodiversidade, mas também movidos por uma
“crença” de que há um mercado para os recursos genéticos, capazes de alimentar uma
nova economia baseada na preservação sociobidiversidade (AUBERTIN; FILOCHE,
2011)
Contudo, a garantia formal da soberania sobre os recursos genéticos – hoje,
“patrimônio genético do país, bem de uso comum do povo” (Art.1° da Lei 13.123) não
expressa per si a efetiva soberania do país. A Lei 13.123, fundamentada na CDB e no
Protocolo de Nagoya, representa uma imposição à regulamentação, pois se direciona a
“facilitar” o acesso à sociobiodiversidade do país a pretexto da preservação ambiental e
desenvolvimento. Vários elementos identificados na análise sublinham a convergência
entre a Lei 13.123 e o Protocolo de Nagoya:
a) o patrimônio genético e o conhecimento tradicional se constituem em
recursos estratégicos para a preservação ambiental e o desenvolvimento dos países
considerados “megadiversos”;
b) a natureza deve ser preservada enquanto objeto/mercadoria;
c) indiferente aos “modelos de natureza” vividos, um único modelo legal é
válido;
d) a “crença” de que o mercado é capaz, per si, de regular as relações,
objetivando a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do acesso ao
conhecimento tradicional; e
e) a instituição de um sistema legal que possibilite a definição segura das
titularidades, dos objetos e das formas de contrato tendo em vista as necessidades do
mercado de livre disposição e circulação dos recursos.
Para Laymert Garcia dos Santos (2003), o capitalismo logrou a instituição de
“novos padrões” para lidar com a biodiversidade brasileira, uma vez que conseguiu
conciliar a sua expansão aos interesses ecológicos 25 “[...] a riqueza da biodiversidade
brasileira vem sendo dilapidada para promover a integração da região amazônica na
economia de mercado, através de um desenvolvimento predatório.” (SANTOS, 2003: p.
23). Em resumo, a CDB e o Protocolo de Nagoya apresentam uma mudança de
paradigma, que tem postulado a natureza (os recursos genéticos e o conhecimento
tradicional) como objeto, fonte de matéria prima, condicionando sua tutela ao valor
econômico a ela atribuído.
Ao formular uma vigorosa crítica a esse processo que denomina de pilhagem da
natureza, Vandana Shiva (2001) denuncia: enquanto no período colonial, a violência da
pilhagem provinha do uso da força, agora, ela emana das leis.
Os termos utilizados para justificar a necessidade da edição da Lei 13.123 (e
consequente revogação da MP 2.186-16), expressam ideologias próprias, produzidas e
difundidas por instituições e agências vinculadas a interesses econômicos de um “poder
global difuso”.
O Projeto de Lei 7.735/2014 (que originou a Lei 13.123/2015) foi proposto com
uma dupla finalidade: revogar a Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e
conformar a Lei as diretrizes de conteúdo do Protocolo, já que as leis, decretos e
regulamentos em vigor “[...] não atendem adequadamente a demanda conhecida e
potencial para o uso da sociobiodiversidade no Brasil”, bem como a necessidade de “[...]
o país precisa estar preparado para responder a esses novos compromissos que estão sendo
assumidos em âmbito internacional.” (grifos nossos). 26
Os argumentos que justificavam o PL estariam alinhados ao que foi designado de
“novos paradigmas”, já que o momento demanda a instituição de “sistemas modernos”
para facilitar o acesso e uso econômico da sociobiodiversidade. A revisão da MP,
portanto, se fazia necessária, mediante os imperativos econômicos de maior “clareza” e
“segurança” jurídica aos interessados, gerando, assim, supostamente, benefícios à toda
sociedade brasileira27.

25
Aubertin e Filoche destacam: “[...] and so it was that a comercial and industrial agrément was hailed as
a victory for biodiversity.” (AUBERTIN; FILOCHE, 2011: p.51).
26
Inteiro teor do Projeto de Lei 7735/2014 (Cf. informação do site
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=619150. Acesso 20 de
fevereiro de 2018).
27
Inteiro teor do Projeto de Lei 7735/2014 (Cf. informação do site
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=619150. Acesso 20 de
fevereiro de 2018).
Para além dos argumentos técnicos assinalados, está em jogo a exploração
econômica da sociobiodiversidade brasileira, tida como “ouro verde”. Aliás, essas ideias,
que associam a preservação à exploração, orientam o rol de argumentos manejados para
justificar a regulamentação jurídica de bens da natureza, a exemplo dos recursos hídricos,
florestais, terra... (SHIRAISHI NETO, 2017), a despeito dos problemas gerados, ditados
por uma ordem que promove a construção de uma homogeneidade jurídica global 28.
Tais termos e expressões tidos como parte de um “novo paradigma” - que está a
modelar as relações sociais e econômicas, em muito se aproximam daqueles utilizados
em outros projetos e programas em curso no país, como o Programa de Reforma Agrária
instituído no período do governo Fernando Henrique Cardoso denominado “Cédula da
Terra” (SAUER, 2004) e a Reforma do Poder Judiciário no Brasil, já referido.
Acompanhando a seara das reformas ditadas, o Protocolo de Nagoya incorpora
instrumentos sugeridos pelos experts da reforma poder judiciário, como os mecanismos
consensuais de resolução de conflitos (alínea “c”, do art.18), tidos como mais benéficos
à sociedade globalizada.
A semelhança dos argumentos contidos em cada um dos programas, que
expressam um consenso em torno do uso de termos e expressões, salientamos a potência
das ideias produzidas e difundidas e os interesses econômicos travestidos, que corroem a
soberania do país no tocante a capacidade de preservar a sua sociobiodiversidade.
O paradoxo está: ao mesmo tempo em que o Estado detém a soberania sobre os
recursos genéticos, não tem o poder de livremente exercê-la, está pois condicionado a um
“padrão internacional” replicado a nível global 29. Observa-se, contudo, que esse “padrão
internacional” não pode desconhecer ou mesmo violar direitos institucionalmente
reconhecidos pelo Brasil, sobretudo, aqueles relacionados aos “povos indígenas” e
“comunidades locais”, tal como preceitua o próprio Protocolo de Nagoya, que deve ser
interpretado à luz da Convenção 169 da OIT.

28
Uma situação ilustrativa dos problemas gerados por essa racionalidade é a “guerra da água”, em
Cochabamba, na Bolívia. A propósito, recomendamos o vídeo “Abuela Grillo”. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=AXz4XPuB_BM. Acesso em 15 de fevereiro de 2018. O vídeo
“Planeta en venta” (Disponível em https://vimeo.com/23987980. Acesso em 15 de fevereiro de 2018)
retrata a expansão econômica do capital pelo mundo. O documentário expõe a aquisição de terras na África
por empresas e governos estrangeiros.
29
Sob a mesma ordem internacional, países como a Bolívia e o Equador tratam determinados temas de
forma particular. No tocante ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade a Constituição de
2008 do Equador é detentora de um conteúdo próprio (MARTINEZ, 2015: p.39-43).
Ainda que as leis de proteção da natureza se fundamentem nos “novos
paradigmas”, essas não podem se afastar dos princípios contidos na Constituição de 88
[quais sejam: “pluralidade”, “isonomia”, “justiça social” e “dignidade” (arts.1° e 3°)], que
densificam, tonificam e atribuem conteúdos, significados e sentidos à elaboração dos
novos dispositivos legais e as decisões judiciais emanadas do Poder Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente, a globalização do direito vem reestruturando o campo jurídico
no Brasil. A unificação do campo através da homogeneização jurídica se impõe pelo
mundo a partir de uma experiência particular, a do direito norte-americano. Esse
movimento, constituído de estratégias do imperialismo norte-americano, se vincula às
necessidades de transformar os indivíduos e a sociedade que dão forma e direção ao
Estado.
Em um contexto de unificação do campo jurídico, a pesquisa destacou o papel das
instituições financeiras (BIRD, FMI) e agências de cooperação internacional (ONU,
FAO, PNUMA, CEPAL), na produção e difusão de um discurso que determina reformas
jurídicas (estruturas, leis e procedimentos) para o suposto funcionamento do direito na
economia globalizada. Mais precisamente, a proteção dos direitos de propriedade privada
à livre circulação de bens, serviços, pessoas e do próprio capital.
No tocante às questões relacionadas ao acesso ao conhecimento tradicional e à
justa e equitativa repartição de benefícios, objeto do artigo, fica claro que a CDB e
Protocolo de Nagoya (ambos da ONU) determinaram os conteúdos da Lei 13.123/2015,
que reformou a MP 2.186-16/ 2001, embora importe sublinhar os agudos conflitos
decorrentes da aplicabilidade da MP, também estabelecida de forma autoritária.
A despeito dos discursos que justificam a necessidade de um novo regulamento
legal sobre o conhecimento tradicional e a justa e equitativa repartição dos benefícios,
não se trata de objetivar os interesses da sociedade de modo a garantir um “meio ambiente
ecologicamente equilibrado” para uma “sadia qualidade de vida”, tal como dispõe o caput
do art. 225 da CF.
Trata-se, ao contrário, de uma nova forma, em que as relações dos interesses
econômicos privados (e de países) se reconfiguram, determinando novos conteúdos à
natureza. Ao condicionar a proteção da natureza à sua utilidade econômica, a Lei 13.123/
2015 nega a multiplicidade de situações que envolvem usos vinculados aos distintos
“modelos de natureza” vividos pelos mais variados povos e comunidades tradicionais no
Brasil.
A Lei 13.123/ 2015, assim como outras tantas leis, expressa, desta forma, a
concretização de outro projeto de sociedade, hoje sacralizado com o golpe parlamentar,
jurídico e midiático que destituiu uma presidente legalmente eleita.
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Acesso em: 20 de fevereiro de 2018.
MUDANÇA CLIMÁTICA
Trabalho Decente e Green Jobs na transição para uma
Economia Verde

Decent Work and Green Jobs in the Transition to a


Green Economy

José Francisco Siqueira Neto ∗


Daniel Francisco Nagao Menezes ∗∗

Resumo: O artigo explora o nexo entre mudança climática e empregos. Para a


Organização Internacional do Trabalho (OIT), a relevância das mudanças climáticas e do
desenvolvimento de baixo carbono nem sempre foi evidente. Os Estados membros e os
agentes econômicos há muito relutam em incluir a transição para economias de baixo
carbono na economia do trabalho e alocar recursos para isso. Mas, nos últimos anos, as
questões ambientais se tornaram uma prioridade política entre os Estados membros da
OIT. Por que, então, as mudanças climáticas são agora mais relevantes do que nunca para
o mundo do trabalho? Quais são as implicações sociais e de emprego atuais e futuras das
mudanças climáticas e as políticas de adaptação e mitigação? Como o impacto
distributivo da mudança para uma sociedade de baixo carbono pode ser melhor
compreendido e gerenciado? A este respeito, quão relevante é o conceito de empregos
verdes? Que abordagem política surgiu dentro da OIT, apesar da resistência inicial e
desacordo entre os constituintes? Qual o papel a OIT poderia desempenhar no futuro para
promover a justiça social na transição? O artigo tem por objetivo refletir sobre estas
questões.

Palavras Chave: Emprego Verde; Relações de Trabalho; Meio Ambiente, Economia de


Baixo Carbono.


Mestrado (PUC/SP) e Doutorado (USP) em Direito. Advogado (Siqueira Neto Advogados Associados),
Professor Titular do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico (1999-),
Coordenador do Programa de Pós Graduação em Direito Político e Econômico (2003-2013), Diretor da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo (2013-2016).
∗∗
Graduação em Direito (PUC-Campinas), Especializações em Direito Constitucional e Direito Processual
Civil (PUC-Campinas), em Didática e Prática Pedagógica no Ensino Superior (Centro Universitário Padre
Anchieta), Mestre e Doutor em Direito Político e Econômico (Universidade Presbiteriana Mackenzie), Pós-
Doutor em Direito (USP). Pós-Doutorando em Economia (UNESP-Araraquara). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Membro do CIRIEC-Brasil.
Introdução
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) abordou a relação entre meio ambiente
e trabalho em várias ocasiões, com picos de atenção ocorrendo no ritmo das conferências
ambientais internacionais subsequentes (1992, 2002 e 2012). Suas contribuições
defendem uma melhor reflexão da dimensão social na agenda para o desenvolvimento
sustentável. Ainda assim, por muitos anos, esses esforços permaneceram periféricos em
relação à atenção sobre o estabelecimento de padrões de conduta e o diálogo social - as
funções centrais da Organização. Na última década, paralelamente à crescente
preocupação internacional com a mudança climática e a escassez de recursos naturais, a
questão ganhou importância dentro da OIT - embora não sem uma forte resistência inicial.
Este artigo explora primeiro a relevância do emprego e da dimensão social das
alterações climáticas. Introduz o conceito de “empregos verdes” e argumenta como pode
ser usado para melhorar a compreensão das perdas e ganhos potenciais resultantes de
políticas dedicadas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Em seguida,
discute a necessidade e os recursos das políticas públicas para garantir uma transição justa
e examina como a OIT recentemente moldou seu suporte ao projeto e implementação de
tais políticas. Em seguida, o texto oferece uma visão mais introspectiva sobre como a
OIT, como instituição tripartite, incorporou a sustentabilidade ambiental como uma
prioridade política em todas as suas áreas de trabalho. Argumenta que a resistência inicial
de alguns Estados membros e a ignorância de outros foram superadas graças à crescente
preocupação internacional com as mudanças climáticas e a persistente defesa de um dos
parceiros sociais. Finalmente, conclui que o mandato da Organização para promover a
justiça social a obriga a possuir liderança global para uma transição justa em direção à
sustentabilidade ambiental como um elemento indispensável em sua futura agenda
política.

1 A relação entre mudança climática e emprego


O aumento das temperaturas e dos padrões climáticos erráticos estão afetando
diretamente as vidas e as fontes de renda de muitas pessoas. O número de pessoas
deslocadas por inundações e degradação ambiental está aumentando ano após ano. Em
geral, acredita-se que até 200 milhões de pessoas poderiam ser obrigadas a migrar
permanentemente até 2050 devido aos efeitos físicos das mudanças climáticas1. As altas
temperaturas sazonais representam um risco para a saúde de cada vez mais trabalhadores
em ocupações ao ar livre, como na agricultura, construção, infraestrutura e aqueles
envolvidos no comércio ambulante informal e venda de alimentos. De acordo com o
documento temático da UNDP: Climate change and labour: impacts on heat in the
workplace2, as temperaturas de pico podem reduzir as horas de trabalho durante o dia em
até 5% em países como Bangladesh, Índia e Paquistão, mesmo se o aumento da
temperatura global pode ser limitado a 1,5°C. Isso, somado ao aumento da poluição do ar
em cidades densamente povoadas, tem implicações de longo alcance na qualidade do
trabalho e na produtividade.
As mudanças climáticas e a degradação ambiental têm claras repercussões no
emprego. Se por um lado existem efeitos negativos nas condições de trabalho e na
segurança do emprego nas áreas expostas, as medidas de adaptação, por outro lado,
podem por si mesmas ser uma fonte de criação de empregos, nomeadamente na
construção de infraestruturas sustentáveis, ou através da adição de plantios e ciclos de
colheita.
As políticas de mitigação também têm efeitos significativos sobre os empregos,
tanto de forma negativa quanto positiva. Políticas energéticas que visam reduzir a
dependência do carvão e a atual onda de desinvestimento na mineração de carvão por
grandes instituições financeiras, por exemplo, têm levado à perda de empregos em áreas
geográficas específicas e entre setores específicos da força de trabalho. No entanto, a
mitigação também pode impulsionar a criação de empregos, por exemplo, através do
investimento em energia renovável, construção eco e energeticamente eficiente (verdes)
ou gestão de resíduos aprimorada.
Percebendo os vínculos econômicos e sociais entre as mudanças climáticas e o
emprego, os formuladores de políticas nacionais e as organizações internacionais
começaram a reconhecer esse nexo e adotaram políticas para lidar com ele. Como
escreveu o Diretor Geral da OIT em seu relatório para a 106ª Conferência Internacional

1
BROWN, O. Climate change and forced migration: Observations, projections and Implications. Geneva:
International Institute for Environment and Development, 2007. Disponível em:
http://www.iisd.org/sites/default/files/publications/climate_forced_migration.pdf. Acesso em 06/11/2020.
2
UNDP (United Nations Development Programe). Climate change and labour: impacts on heat in the
workplace. New York: UNDP, 2016. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/
groups/public/---ed_emp/---gjp/documents/publication/wcms_476194.pdf. Acesso em 06/11/2020.
do Trabalho, há ampla evidência de que a transição para uma economia verde inclusiva
pode de fato atuar como um novo motor de crescimento e um forte impulsionador da
criação de trabalho decente e economias avançadas3. No entanto, ele também reconheceu
que esse resultado não é garantido. De fato, os empregos em um futuro mais verde não
serão decentes por padrão, mas por design 4. Tal resultado requer políticas econômicas e
sociais que ajudem os trabalhadores a se ajustar, incluindo investimentos em larga escala
em sistemas de educação e treinamento nos níveis médio e superior.
Esta reflexão da importância das mudanças climáticas para a agenda futura da
OIT é fundamentalmente diferente do lugar que a sustentabilidade ambiental teve na
Organização no passado. O Relatório Brundtland em 1987 e a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), ou Cúpula da Terra, no Rio
de Janeiro em 1992, despertou mais interesse entre os constituintes da OIT para abordar
as implicações dos desafios ambientais para o mundo de trabalho5. Como resultado, a
OIT começou a contribuir para a adoção de convenções globais sobre questões de
segurança e saúde ocupacional diretamente relacionadas a perigos e riscos ambientais.
No entanto, demorou mais 20 anos até que a OIT adotasse a necessidade de
abordar a mudança climática como relevante para seu próprio trabalho. Após a adoção do
pleno emprego e do trabalho decente como meta global pela Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Social em 2005, um conjunto de indicadores sobre emprego foi
incluído na estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). O Diretor-
Geral propôs, em seu relatório para a Conferência Internacional do Trabalho de 2007,
“Decent Work for Sustainable Development”, estabelecer um programa de trabalho para
promover uma transição socialmente justa para empregos verdes 6. Nos anos

3
OIT. Work in a changing climate: The Green Initiative, Report of the Director-General, International
Labour Conference, 106th Session. Geneva: ILO, 2017, p. 08. Disponível em:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/
meetingdocument/wcms_554315.pdf. acesso em 06/11/2020.
4
OIT. Work in a changing climate: The Green Initiative, Report of the Director-General, International
Labour Conference, 106th Session. Geneva: ILO, 2017, p. 08. Disponível em:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/
meetingdocument/wcms_554315.pdf. acesso em 06/11/2020.
5
OIT. Work in a changing climate: The Green Initiative, Report of the Director-General, International
Labour Conference, 106th Session. Geneva: ILO, 2017. Disponível em:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_554315.pdf. acesso em 06/11/2020.
6
OIT. Decent Work for Sustainable Development, Director-General’s introduction to the International
Labour Conference. Geneva: ILO, 2007. Disponível em:
http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc96/pdf/rep-i-a.pdf. acesso em 06/11/2020.
subsequentes, a agenda da mudança climática começou a ganhar terreno entre os
constituintes – embora com reservas inicias de vários deles – e os programas OIT.

1.1 Definindo e contextualizando “empregos verdes”


Na última década, houve um fluxo contínuo de estudos, relatórios e artigos sobre
a natureza, quantidade e qualidade dos empregos verdes; uma visão geral útil é fornecida
por Bowen e Kuralbayeva 7, concluindo que, apesar de uma miríade de revisões empíricas,
permanecem falhas metodológicas consideráveis.
Os empregos verdes podem ser vistos de duas perspectivas: pelas lentes da
produção final (resultados) ou pelos processos de produção. De uma perspectiva de
produção, os empregos verdes geram bens ou fornecem serviços que beneficiam o meio
ambiente. Os exemplos incluem edifícios verdes, transporte limpo ou sistemas de
aquecimento de água movidos a energia solar. Os empregos envolvidos são considerados
verdes, embora os resultados possam não ser baseados em tecnologias e processos de
produção 100% ecológicos.
Por outro lado, os empregos podem ser verdes quando contribuem para processos
mais ecológicos - por exemplo, reduzindo o consumo de água, controlando a poluição do
ar ou melhorando os serviços de reciclagem. Mais uma vez, os empregos verdes definidos
em termos de processos de produção não produzem necessariamente 100% de bens ou
serviços finais ecológicos.
Empregos verdes não constituem automaticamente trabalho decente como os
trabalhos atuais de reciclagem, por exemplo, que recuperam matérias-primas e, assim,
ajudam a aliviar a pressão sobre os recursos naturais. No entanto, esses empregos
envolvem uma prática de trabalho que geralmente é insalubre e perigosa, causando danos
significativos à saúde humana. O emprego nesta indústria tende a ser precário e
desprotegido e os rendimentos dos trabalhadores são baixos. Para serem realmente
classificados como empregos verdes, as condições de trabalho precisam atender aos
critérios de trabalho decente. Assim, no caso da gestão de resíduos, os empregos seriam
“verdes” se as medidas de proteção social fossem acessíveis e a segurança e saúde no

7
BOWEN, A.; KURALBAYEVA, K. Looking for green jobs: the impact of green growth on employment.
London: The Grantham Research Institute on Climate Change and The Global Green Growth Institute,
2015. Disponível em: http://www.lse.ac.uk/GranthamInstitute/wp-content/uploads/2015/03/Looking-for-
green-jobs_the-impact-of-green-growth-on-employment.pdf. Acesso em 06/11/2020.
trabalho fossem garantidas, enquanto algum tipo de contrato de trabalho garanta
segurança de emprego aos trabalhadores contratados por empresas de coleta.
A inclusão da dimensão do trabalho decente no conceito de empregos vinculados
à sustentabilidade ambiental é o elemento definidor da interpretação da OIT sobre
empregos verdes. O conceito de empregos verdes relaciona-se ao emprego em atividades
econômicas na economia verde 8 que: a) são baixas em emissões de gases de efeito estufa;
b) são eficientes no uso de recursos; c) mantêm a biodiversidade e os ecossistemas e; d)
aumentam a inclusão social. Em última análise, essas atividades devem resultar na
melhoria do bem-estar humano e na igualdade social, ao mesmo tempo que reduzem
significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica.
No contexto da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável e dos resultados da
Cúpula Rio + 20, a economia verde é posicionada como “one of the important tools
available for achieving sustainable development […] that should contribute to
eradicating poverty as well as to sustained economic growth, enhancing social inclusion,
improving human welfare and creating opportunities for employment and decent work
for all, while maintaining the healthy functioning of the Earth’s ecosystems”9. Isso
sinaliza que a economia verde e os empregos verdes são meios para atingir a meta de
desenvolvimento sustentável, e não fins em si mesmos.
Da mesma forma, os empregos verdes podem ser vistos como instrumentais para
atingir as metas de vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Embora
o ODS 8 seja o mais explícito sobre o emprego (Promover o crescimento econômico
sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para
todos), empregos e melhores práticas de trabalho são essenciais para alcançar vários
outros objetivos, notadamente o ODS 12 em consumo e produção sustentáveis ou, ODS
7 sobre a garantia de acesso à energia para todos.

8
UNEP (United National Environment Programme). Towards a Green Economy: Pathways to Sustainable
Development and Poverty Eradication, 2011. Disponível em:
https://sustainabledevelopment.un.org/index.php?page=view&type=400&nr=126&menu=35. Acesso em
07/11/2020.
9
UN (United Nations). The Future We Want, Outcome of the United Nations Conference on Sustainable
Development (Rio+20), 2012, p. 56. Disponível em: http://rio20.net/wp-
content/uploads/2012/06/N1238164.pdf. acesso em 07/11/2020.
A importância dos fatores sociais e de emprego que determinam o sucesso do
desenvolvimento sustentável foi destacada por uma série de agências internacionais,
notadamente a United Nations Research Institute for Social Development (UNRISD). Em
sua contribuição para a Conferência Rio + 20 10, defendeu a mudança do foco da política
para uma “economia social verde”. Isso exigiria uma abordagem política mais equilibrada
entre: a) fornecer medidas compensatórias para os afetados negativamente; b) maximizar
os co-benefícios em termos de empregos verdes e; c) promover a participação e garantir
direitos. A UNRISD também pediu políticas sociais que sustentem os investimentos
ambientais, como sistemas de transporte público e, adaptação de moradias para eficiência
energética, bem como para a capacitação para acessar e usar tecnologias de economia
verde.
Um esforço mais consciente para avaliar e corrigir o impacto social negativo da
transição verde também pode permitir uma maior igualdade de gênero 11. Os empregos
verdes não são, por definição, mais ou menos acessíveis às mulheres. No entanto, as
políticas ambientais podem ter repercussões no equilíbrio de gênero devido aos diferentes
impactos setoriais das estratégias de baixas emissões. Os homens são mais afetados pelo
encolhimento das indústrias extrativas com trabalhadores predominantemente do sexo
masculino e também, são mais propensos a se envolver na construção verde. As mulheres
podem se beneficiar mais com o crescimento da horticultura orgânica ou da gestão de
resíduos em países onde a força de trabalho relacionada é favorável para as mulheres. O
investimento em energia renovável nas áreas rurais pode facilitar a tarefa das mulheres
de fornecer energia para o lar. Políticas de mercado de trabalho dedicadas e sensíveis ao
gênero podem desempenhar um papel importante para facilitar os ajustes e garantir que
empregos ambientalmente sustentáveis sejam decentes e proporcionem oportunidades
reais para as mulheres.

10
UNRISD (United Nations Research Institute for Development). Social Dimensions of Green Economy,
Research and Policy Brief 12, 2012. Disponível em:
https://www.files.ethz.ch/isn/143941/RPB%2012e.pdf. Acesso em 07/11/2020.
11
OIT. Gender, labour and a just transition towards environmentally sustainable economies and societies
for all. Geneva: ILO, 2017 http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---
ilo_aids/documents/publication/wcms_592348.pdf. Acesso em 07/11/2020.
Um relatório da Organization for Economic Co-operation and Development
(OECD) “Investing in Climate, Investing in Growth” 12 reconhece que a meta de redução
das emissões só pode ser alcançada se os governos levarem em consideração os fatores
sociais e econômicos que determinam o sucesso de políticas climáticas ambiciosas.
Defende a garantia de uma “transição inclusiva” com base no diálogo e na construção de
consenso entre as partes interessadas e destaca a importância da adoção de políticas ativas
do mercado de trabalho para orientar e facilitar a mudança. Da mesma forma, o Global
Green Growth Institute (GGGI) incluiu a criação de empregos como um dos seis
resultados de sua estratégia de médio prazo renovada 13 (gggi, 2017). Essas são ilustrações
do amplo consenso que emergiu nos últimos anos de negligências anteriores - na melhor
das hipóteses - entre as organizações internacionais em relação à importância
fundamental da dimensão do emprego nas ações de mudança climática.

1.2 Os efeitos das políticas ambientais no emprego


O maior conhecimento sobre os empregos verdes nos ajuda a entender a relação
dinâmica entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental. Estudos
setoriais recentes, utilizando técnicas de modelagem com base nas estatísticas
disponíveis, mostram como setores em expansão, como as energias renováveis,
proporcionam novas oportunidades de emprego. Além daqueles criados diretamente, o
emprego se expandirá também ao longo das cadeias produtivas e nos setores de serviços.
Os rendimentos auferidos – e, consequentemente, a demanda de consumo ampliada –
induzirão ainda mais empregos. Juntos, a modelagem sugere que isso se somaria ao ganho
agregado de empregos decorrente de um investimento em energia renovável 14. Os efeitos
de longo prazo sobre o emprego podem ser ainda mais positivos se a produtividade e o
crescimento de certas categorias de empresas aumentarem, como no caso de pequenas e
médias empresas (PME´s) em áreas rurais, que se conectariam às redes nacionais de

12
OECD (Organization for Economic Co-operation and Development). Investing in Climate, Investing in
Growth. Paris: OECD, 2017. Disponível em: https://www.oecd.org/environment/cc/g20-climate/synthesis-
investing-in-climate-investing-in-growth.pdf. acesso em 07/11/2020.
13
GGGI (Global Green Growth Institute). Accelerating the transition to a new model of growth, GGGI
Strategic Plan 2015–2020. Seul: GGGI, 2017. Disponível em: http://gggi.org/wp-
content/uploads/2014/10/GGGI_Strategic_Plan-v11-LOW_RES.pdf. acesso em 07/11/2020.
14
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the electricity sector, Research Department Working Paper No. 28. Geneva: ILO, 2018. Disponível em:
http://www.oit.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---inst/documents/publication/wcms_625865.pdf.
Acesso em 07/11/2020.
eletricidade, ou agricultores que se valham de tecnologias de economia de recursos
usando fontes locais de energia renovável.
A regulamentação ambiental e as novas tecnologias relacionadas à produção mais
limpa, redução de emissões ou conservação da natureza podem, em princípio, contribuir
para a criação de empregos verdes. No entanto, também podem sufocar a atividade
econômica ou levar à relocalização de empresas. Neste último caso, as implicações para
os trabalhadores e suas famílias precisam ser antecipadas e gerenciadas por meio de
medidas de apoio ao mercado de trabalho e de proteção social. Isso é particularmente
relevante nos setores de energia e transporte.
Para orientar os formuladores de políticas e a implementação do programa, a OIT
realizou uma série de estudos de mapeamento para melhor compreender e medir o
impacto das mudanças climáticas e das políticas de sustentabilidade ambiental sobre o
emprego. A OIT publicou um Resumo de Política 15 e um Manual Prático16 que apresenta
as especificidades e as etapas metodológicas envolvidas. As avaliações - embora
semelhantes em seu objetivo - são únicas, pois cada uma segue uma abordagem consultiva
com as partes interessadas para distinguir os empregos verdes de outros em cada setor
chave.
O número e as tendências de empregos relacionados a bens e serviços ambientais
têm sido documentados para um número crescente de países. Para os EUA, o Bureau of
Labor Statistics concluiu que, em 2013, os Estados Unidos tinham 3,1 milhões de
empregos em bens e serviços verdes (GGS). Os empregos do GGS representavam 2,4%
do total de empregos assalariados nos EUA 17 em 2013.

Na União Europeia, a proporção de empregos verdes (definidos como empregos


no setor de bens e serviços ambientais) aumentou cerca de 37% de 2002 a 201118. Em

15
OIT. Methodologies for assessing green jobs, Policy brief. Geneva: ILO, 2013. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_emp/---
emp_ent/documents/publication/wcms_176462.pdf. Acesso em 07/11/2020.
16
OIT. How to measure and model social and employment outcomes of climate and sustainable
development policies, Green Jobs Assessment Institutions Network (GAIN) Training Guidebook. Geneva:
ILO, 2017. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/green-
jobs/publications/WCMS_613934/lang--en/index.htm. Acesso em 07/11/2020.
17
BUREAU OF LABOR STATISTICS (US). Measuring Green Jobs, 2013. Disponível em:
https://www.bls.gov/green. Acesso em 07/11/2020.
18
POCIOVĂLIȘTEANU, D.M.; NOVO-CORTI, I.; ACELEANU, M. I.; ȘERBAN, A. C.; GRECU, E.
(2015). Employment Policies for a Green Economy at the European Union Level. Sustainability, vol. 7, n.
7, pp. 9231–9250, 2015.
2012, cerca de 4,2 milhões de pessoas em toda a União Europeia trabalhavam em tempo
integral no setor de bens e serviços ambientais, com uma grande parte desses empregos
na gestão de recursos naturais. Uma análise de painel com dados para os países da UE de
2005 a 2013 mostra que a taxa de crescimento foi positiva em quase todos os países, com
a participação no emprego geral atingindo 2%. Um setor de crescimento particularmente
rápido é a reciclagem de resíduos, com um aumento de 45% entre 2010-2017 19.
Outras organizações internacionais tornaram-se mais ativas no monitoramento de
tendências e no fornecimento de previsões sobre o emprego na economia verde. Um
exemplo é o setor da energia renovável, que está crescendo rapidamente em todo o mundo
em termos de produção. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) relata
anualmente sobre as tendências globais de emprego em energia renovável e afirma que o
emprego global cresceu substancialmente nos últimos anos, atingindo cerca de 10,3
milhões de empregos em 2017 20.

1.3 As habilidades necessárias para empregos verdes


As mudanças previstas nos mercados de trabalho das economias com setores
intensivos ou de alta emissão de carbono terão um impacto significativo nas necessidades
de qualificação. Uma análise global de 21 países, publicada pela OIT e pelo Centro
Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (CEDEFOP) em 2011,
encontrou uma lacuna frequente e significativa entre os níveis de qualificação exigidos
para empregos em setores verdes - em particular energia renovável, edifícios verdes e
manufatura - e os padrões de treinamento e competência fornecidos por instituições
nacionais vocacionais e terciárias21. Essa incompatibilidade efetivamente retardou o
avanço do investimento verde e o desenvolvimento empresarial, como por exemplo no
Quênia, onde 80% dos técnicos necessários para construir e operar um novo parque eólico

19
ALTENBURG, T.; ASSMANN, C. Green Industrial Policy: Concept, Policies, Country Experiences.
Bonn: German Development Institute, 2017.
20
IRENA (International Renewable Energy Agency). Renewable energy and jobs: Annual review. Abu
Dhabi: IRENA, 2018. Disponível em: https://irena.org/-
/media/Files/IRENA/Agency/Publication/2018/May/IRENA_RE_Jobs_Annual_Review_2018.pdf.
Acesso em 07/11/2020.
21
OIT. Skills for Green Jobs: A Global View. Geneva: ILO, 2011. Disponível em: https://www.ilo.org/
wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_159585.pdf. acesso
em 07/11/2020.
- o maior da África - foram recrutados no mercado internacional22. A escassez de
competências, incluindo as necessárias à criação e gestão de pequenas empresas, impede
a proliferação do investimento em energias renováveis, especialmente na África, com
apenas 30% da população com acesso à eletricidade gerada de forma convencional. Além
disso, o treinamento de habilidades aumenta significativamente a empregabilidade e a
produtividade dos trabalhadores envolvidos em programas de emprego público de grande
escala para a proteção ambiental, como evidenciado pelo South Africa’s Expanded Public
Works programme (Working For) e, pela iniciativa Bolsa Verde, no Brasil 23.
Um número crescente de países está adotando legislação ambiental que faz
referência ao desenvolvimento de habilidades. Recentes Políticas nacionais de emprego
incluem disposições para a adaptação de sistemas de habilidades, com mais treinamento
técnico e vocacional para empregos verdes 24. Uma pesquisa da OIT de 2016 entre 27
países em todo o mundo descobriu que 19 haviam criado plataformas de partes
interessadas para antecipar as necessidades de habilidades e o fornecimento de
treinamento adequado. Mas esses esforços são prejudicados pela falta de consenso em
relação à definição de habilidades para empregos verdes e por capacidades limitadas para
avaliar a necessidade de mudança de habilidades25. Consequentemente, as políticas de
desenvolvimento de habilidades em apoio à transição ainda têm um horizonte de curto
prazo e são implementadas em uma escala limitada.

Os países com políticas de mercado de trabalho bem estabelecidas e instituições


eficazes de educação e treinamento profissionalizante que estão engajadas com o setor
privado se adaptaram muito mais rapidamente às novas necessidades de competências.
Na Alemanha e na França, por exemplo, a ecologização do setor da construção foi muito

22
PAGHC (Platform for Advancing Green Human Capital). Advancing Green Human Capital, A
Framework for Policy Analysis and Guidance, 2017. Disponível em:
https://unevoc.unesco.org/up/Policy_Paper_PAGHC_draft_6Nov20176255.pdf. Acesso em 07/11/2020.
23
UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change). Just transition of the workforce,
and the creation of decent work and quality jobs, 2016. Disponível em:
https://unfccc.int/resource/docs/2016/tp/07.pdf. Acesso em 07/11/2020.
24
VAN DER REE, K. Mainstreaming green job issues into national employment policies and
implementation plans: A review, Employment Working Paper No. 227. Geneva: ILO, 2017. Disponível
em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_emp/documents/publication/wcms_618884.pdf.
Acesso em 07/11/2020.
25
OIT. World Employment and Social Outlook 2018: Greening with jobs. Geneva: ILO, 2018. Disponível
em: https://www.ilo.org/weso-greening/documents/WESO_Greening_EN_web2.pdf. Acesso em
07/11/2020.
facilitada por um sistema de treinamento responsivo que ajusta os currículos e introduz
novos cursos de certificação verde em um estágio inicial.

2 Gerenciando a transição para empresas, trabalhadores e


comunidades
A análise das tendências do emprego na última década realizada pela OIT, a UE,
a International Renewable Energy Agency (IRENA), a OECD e outros, mostra
consistentemente que o emprego em setores e indústrias relacionados ao meio ambiente
é significativo e, em muitos países, está crescendo. Também sugere que os compromissos
com metas de redução de emissões consistentes com o Acordo de Paris de 2015 e as
políticas e investimentos relacionados para o crescimento verde não afetam
necessariamente os empregos no nível agregado. Mas os efeitos sobre os mercados de
trabalho serão frequentemente específicos do setor e espacialmente concentrados em
áreas com indústrias intensivas em recursos. Muitos desses efeitos podem ser previstos,
mas outros podem vir como um choque relativo quando as políticas ambientais mudam
devido a mudanças políticas abruptas.
Algumas políticas levarão à redução da atividade econômica e do valor adicionado
em setores de alta emissão, levando à perda de empregos. A realocação de trabalhadores
para empregos alternativos em indústrias em expansão, por exemplo, energia renovável,
irá compensar essa perda dependente de fatores como a flexibilidade dos mercados de
trabalho, o alinhamento de incentivos para investir e engajar trabalhadores em setores de
baixo carbono e apoio medidas por parte dos governos que procuram facilitar a transição.
Esses desafios podem ser mais importantes em economias emergentes com uma maior
participação de indústrias intensivas em carbono, que também empregam principalmente
trabalhadores pouco qualificados26.

A OIT e a OECD revisaram 24 estudos disponíveis e o efeito das políticas


ambientais no emprego. Eles descobriram que, em geral, os efeitos líquidos sobre o
emprego foram positivos, embora modestos. Em países onde as políticas ambientais

26
OECD (Organization for Economic Co-operation and Development) Investing in Climate, Investing in
Growth. Paris: OECD, 2017. https://www.oecd.org/environment/cc/g20-climate/synthesis-investing-in-
climate-investing-in-growth.pdf. Acesso em 07/11/2020.
foram combinadas com medidas de apoio bem elaboradas, como subsídios, incentivos
fiscais e promoção do setor, bem como com medidas ativas do mercado de trabalho, os
resultados do emprego foram melhores27.
A revisão também descobriu que as perdas potenciais de empregos foram em
grande parte confinadas a indústrias poluentes e de alta emissão, que frequentemente
empregam apenas uma pequena porção da força de trabalho total. As dez indústrias mais
poluentes, que também são responsáveis pela maior parte das emissões nos países da UE-
25, foram responsáveis por apenas cerca de 15% do emprego total.
Uma análise mais aprofundada do perfil educacional e da experiência profissional
dos trabalhadores em indústrias de alta emissão mostra que seu nível de qualificação é
geralmente mais baixo. Isso implica que, para esses trabalhadores, a transição para outros
empregos pode ser mais difícil e possivelmente mais cara em termos de seguro-
desemprego, relocação e requalificação.
Para os EUA, o Political Economy Research Institute 28 estimou o escopo e os
custos do apoio à transição de trabalhadores e comunidades que atualmente dependem da
produção doméstica de combustível fóssil. Essencialmente, calculou o orçamento
necessário para: a) renda, requalificação e apoio à realocação para trabalhadores que
enfrentam demissões em indústrias baseadas em combustíveis fósseis; b) garantia das
pensões dos trabalhadores nas indústrias afetadas, e; c) programas de transição eficazes
em comunidades afetadas.
Prevendo um enxugamento da indústria de combustíveis fósseis nos Estados
Unidos, coerente com as metas de redução de emissões de CO2 estabelecidas pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), foi calculado o impacto na
cadeia de suprimentos e na produção de energia a jusante. Estima-se que as indústrias de
carvão, gás e auxiliares, juntas, empreguem cerca de 750.000 pessoas. Nos cenários de
redução de emissões adotados, cerca de 450.000 empregos estariam em jogo. Destes, a
maior parte – 83% dos empregos - é ocupada por trabalhadores que poderiam se aposentar

27
OIT; OECD (Organization for Economic Co-operation and Development). Sustainable development,
green growth and quality employment: Realizing the potential for mutually reinforcing policies,
Background paper for the Meeting of G20 Labour and Employment Ministers, Guadalajara, Mexico, 17–
18 maio de 2012. Disponível em: http://www.oecd.org/employment/emp/50318559.pdf. Acesso em
07/11/2020.
28
POLLIN, R.; CALLACI, B. The economics of just transition: A framework for supporting fossil fuel-
dependent workers and communities in the United States. Amhers: University of Massachusetts Amherst,
2016.
no período projetado. Os 17% restantes teriam que ser realocados em energias renováveis
ou outros setores. Juntamente com o financiamento para as pensões dos trabalhadores
aposentados a longo prazo e o apoio transitório para as economias e comunidades locais
afetadas, o custo total seria de US $ 600 milhões por ano.
A International Trade Union Congress (ITUC) há muito defende uma transição
justa. Em 2016, criou o Centro de Transição Justa com o intuito de ser uma câmara de
compensação e proponente de estratégias e ferramentas para governos nacionais e atores
locais, com foco em organizações de trabalhadores29. Pretende reunir trabalhadores,
empregadores, comunidades e governos para o diálogo social a fim de delinear o caminho
para uma transição justa, entendida como um processo de toda a economia que produz os
planos, políticas e investimentos que conduzem a um futuro onde todos os empregos são
verdes e decentes, as emissões são zero, a pobreza foi erradicada e as comunidades estão
prosperando e resilientes30.

2.1 Suporte da OIT para uma transição justa


Ao longo de sua história, a OIT promoveu justiça social em todas as principais
transições econômicas. Esse mandato moldou o papel da Organização ao ajudar a garantir
que as políticas de crescimento econômico gerem oportunidades de trabalho decente e
proteção social para todos - em outras palavras, são justas e inclusivas. No atual contexto
das mudanças climáticas, a justiça social sustenta o imperativo de uma “transição justa”
da força de trabalho e a criação de trabalho decente e empregos de qualidade, que também
se refletem no Acordo de Paris de 2015.

A Green Jobs Initiative foi lançada em 2007 para promover oportunidades,


equidade e uma transição justa para economias sustentáveis, usando o diálogo social para
moldar políticas coerentes para uma economia verde com empregos verdes e trabalho
decente para todos. Isso levou à criação de um programa de trabalho dedicado e com

29
ITUC (International Trade Union Confederation). Just Transition Centre, 2016. Disponível em:
https://www.ituc-csi.org/just-transition-centre. Acesso em 07/11/2020.
30
ITUC (International Trade Union Confederation). Just Transition – Where Are We Now and What’s
Next? A Guide to National Policies and International Climate Governance, Climate Justice Frontline
Briefing, 2017, p. 06. Disponível em: https://www.ituc-
csi.org/IMG/pdf/ituc_climate_justice_frontline_briefing_2017.pdf. acesso em 07/11/2020.
recursos para empregos verdes em 2008, com o mandato de trabalhar em toda a OIT para
aumentar a conscientização e angariar apoio para a promoção de empregos verdes.

2.2 Posições políticas divergentes


Mesmo que a Iniciativa Empregos Verdes tenha sido concebida e conduzida por
uma parceria tripartida da OIT junto com a United Nations Environment Programme, o
consenso político com respeito à integração total da mudança climática no trabalho da
Organização ainda precisava ser estabelecido. As diferenças entre certos Estados
membros e as posições divergentes das organizações de empregadores e trabalhadores
tornaram-se visíveis nos debates no Conselho de Administração que antecederam a
Conferência Rio + 20. Vários representantes do grupo G77, contrários aos termos
“economia verde” e “empregos verdes”, sugeriram a adoção do conceito de
desenvolvimento sustentável em seu lugar. Os representantes dos empregadores também
expressaram o temor de que separar “verde” de outras formas de empresas seria levar à
estigmatização destas últimas como empresas indesejáveis em termos de seu impacto
ambiental. Eles argumentaram que o objetivo não deveria ser promover empresas verdes
e empregos verdes per si, mas trabalhar com todo o setor privado para obter mais
resiliência e maior eficiência de recursos. Essa posição refletiu a preocupação do setor
privado em relação à forte regulamentação ambiental dos governos, em particular nos
países industrializados. Paralelamente, os Estados-Membros com economias emergentes
apelaram a um ambiente político global favorável (para abertura comercial e transferência
e acesso à tecnologia e financiamento), sem tornar o grau de “ecologização” uma
condição ou obstáculo ao comércio e ao seu próprio crescimento econômico.
Apesar dessas diferenças, as discussões políticas no Conselho de Administração
da OIT não revelaram, em essência, uma discordância fundamental no nível da
Organização com relação à justificativa para abordar o impacto da mudança climática no
mundo do trabalho. Em vez disso, o debate se concentrou em como os vínculos com a
agenda do trabalho decente poderiam ser feitos, qual seria o valor único agregado pela
OIT e se isso acabaria levando a um novo padrão internacional do trabalho em relação à
justiça social no contexto da transição. Foi encontrado um meio-termo, com o acordo de
realizar uma Discussão Geral na Conferência Internacional do Trabalho em 2013, que
moldaria a agenda política e revisaria os instrumentos da OIT disponíveis que poderiam
apoiar uma transição justa.
Ao mesmo tempo, as partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (UNFCCC) incluíram uma referência específica ao trabalho decente
na parte da “visão compartilhada” para um futuro acordo climático global, em Cancún,
2011. No ano seguinte, o Rio O documento final +20 – “The Future We Want” -
estabeleceu o papel-chave do trabalho decente para o desenvolvimento sustentável por
meio de várias referências cruzadas. Identifica o conceito de economia verde como um
dos caminhos para o desenvolvimento sustentável e destaca que tal abordagem deve levar
à inclusão social e à criação de empregos e trabalho decente para todos. Também
reconhece a importância dos esforços para promover a troca de informações e
conhecimentos sobre trabalho decente para todos e a criação de empregos, incluindo
iniciativas de empregos verdes e habilidades relacionadas, para facilitar a integração de
dados relevantes nas políticas econômicas e de emprego nacionais31.

2.3 Acompanhamento da Rio + 20 e do Acordo Climático de Paris pela OIT


Na sequência da Rio + 20, a Conferência Internacional do Trabalho de junho de
2013 adotou uma resolução histórica com um conjunto de conclusões sobre a relação
entre desenvolvimento sustentável, trabalho decente e empregos verdes 32. As conclusões
estabelecem uma visão comum para alcançar trabalho decente, empregos verdes e
desenvolvimento sustentável e fornecem princípios orientadores para tornar as
economias, empresas e empregos mais verdes. Embora não seja um padrão ou convenção
internacional de trabalho que exija ratificação pelos Estados membros, o resultado
significou a orientação normativa acordada para os constituintes sobre como lidar
efetivamente com as implicações das mudanças climáticas e da degradação ambiental
para o mercado de trabalho e para a proteção social.

31
UN (United Nations). The Future We Want, Outcome of the United Nations Conference on Sustainable
Development (Rio+20), 2012, p. 56. Disponível em: http://rio20.net/wp-
content/uploads/2012/06/N1238164.pdf. acesso em 07/11/2020.
32
OIT. Sustainable development, decent work and green jobs, International Labour Conference, 102nd
Session, Report V. Geneva: ILO, 2013. Disponível em:
https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/102/reports/reports-submitted/WCMS_207370/lang--en/index.htm.
Acesso em 07/11/2020.
A adoção e o acompanhamento das conclusões de 2013 também aceleraram a
integração das preocupações ambientais em todos os resultados de políticas e programas
nacionais dentro da OIT, levando à inclusão da sustentabilidade ambiental como um dos
quatro direcionadores de políticas transversais no Organization’s Programme and Budget
2018-19 33.
As conclusões de 2013 também definem um quadro político básico para garantir
uma transição justa para todos. Como seguimento, a OIT emitiu diretrizes para uma
transição justa em direção a economias e sociedades ambientalmente sustentáveis para
todos, formuladas por uma reunião tripartida de 24 especialistas, realizada em outubro de
2015 em Genebra 34. As Diretrizes fornecem sugestões detalhadas em oito áreas de
políticas distintas para apoiar as capacidades nacionais de formulação e implementação
de medidas de transição, com a criação de trabalho decente, erradicação da pobreza e
inclusão social.
A noção de transição justa para a força de trabalho foi incluída no preâmbulo do
Acordo de Paris de 2015. Por sua vez, isso levou à criação de um Grupo de Especialistas
Técnicos ad hoc UNFCCC sobre o impacto da implementação de medidas de resposta 35.
Em preparação para as comemorações do centenário da OIT em 2019, sete
Iniciativas do Centenário foram lançadas, incluindo a Iniciativa Verde. O Diretor-Geral
dedicou seu relatório pessoal à Conferência Internacional do Trabalho de 2017 “Work in
a changing climate: The Green Initiative” 36. Como parte da Iniciativa Verde, a edição de
2018 do relatório anual da ILO World Employment and Social Outlook, “Greening with
Jobs” 37, foi inteiramente dedicada às dimensões de emprego da transformação verde em

33
OIT. Draft Programme and Budget for 2018–19 and other questions, Report II, International Labour
Conference, 106th Session. Geneva: ILO, 2017. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_553198.pdf. acesso em 07/11/2020.
34
OIT. Guidelines for a just transition towards environmentally sustainable economies and societies for all.
Geneva: ILO, 2015. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_emp/---
emp_ent/documents/publication/wcms_432859.pdf. Acesso em 07/11/2020.
35
UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change). Just transition of the workforce,
and the creation of decent work and quality jobs, 2016. Disponível em:
https://unfccc.int/resource/docs/2016/tp/07.pdf. Acesso em 07/11/2020.
36
OIT. Work in a changing climate: The Green Initiative, Report of the Director-General, International
Labour Conference, 106th Session. Geneva: ILO, 2017. Disponível em:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_554315.pdf. Acesso em 07/11/2020.
37
OIT. World Employment and Social Outlook 2018: Greening with jobs. Geneva: ILO, 2018. Disponível
em: https://www.ilo.org/weso-greening/documents/WESO_Greening_EN_web2.pdf. Acesso em
07/11/2020.
evolução, tanto quantitativa como qualitativamente termos. O relatório reuniu novas
análises em nível global, nacional e setorial com relação aos ganhos, perdas e
transformações de empregos - quando possível, desagregados por gênero. Foi uma
contribuição oportuna, em particular para os países que transformam seus compromissos
determinados nacionalmente - feitos sob o Acordo de Paris de 2015 para reduzir as
emissões - em estratégias nacionais viáveis e planos de ação setoriais.

2.4 Drivers da Agenda de Política Verde


Poucas questões como a Política Verde surgiram tão rapidamente na agenda
política da OIT. Em um período de dez anos, a sustentabilidade ambiental se tornou uma
preocupação política central, entre outras, e um elemento estruturante para um número
crescente de programas operacionais com pessoal dedicado.
As mudanças no contexto internacional em torno das mudanças climáticas e a
adoção dos ODS certamente ajudaram a catalisar esse processo. Os constituintes da OIT
também estão mais conscientes das ameaças crescentes das mudanças climáticas,
poluição e esgotamento dos recursos naturais. O papel proativo do Congresso Sindical
Internacional teve um efeito particularmente dinâmico na promoção da mudança
climática para seu lugar no topo da agenda política da OIT. Apesar dos interesses
diferentes e, por vezes, de pontos de vista opostos, os delegados de trabalhadores e
empregadores conseguiram, com o apoio dos Estados-Membros, encontrar um
compromisso político na forma de uma Resolução com Conclusões e orientações não
vinculativas sobre uma transição justa, em vez de desenvolver um novo padrão
internacional de trabalho.
A mudança no cenário da assistência ao desenvolvimento internacional para o
financiamento relacionado ao clima, especialmente a criação do Fundo Verde para o
Clima, catalisou esforços para tornar a OIT elegível e adequada para a finalidade de obter
financiamento climático.

Outros fatores internos também contribuíram para o aumento da prioridade


organizacional. Dois sucessivos diretores gerais da OIT ao longo de 15 anos tiveram uma
profunda preocupação com a sustentabilidade ambiental e demonstraram um forte
compromisso político para articular o vínculo com o trabalho decente no mais alto nível
organizacional. O Secretariado buscou uma abordagem pragmática combinando alta
visibilidade externa por meio de relatórios emblemáticos com forte defesa interna e
aumento da capacitação do pessoal. Uma forte ênfase no trabalho em equipe para o
compartilhamento de conhecimento e a criação de sinergias para a promoção de empregos
verdes - em oposição à construção de um programa autônomo - permitiu uma rápida
proliferação entre os principais departamentos e escritórios de campo. Finalmente, um
programa consistente de capacitação para aumentar as competências relevantes entre os
funcionários facilitou a integração pretendida da agenda de empregos verdes.

3 Conclusões
O sucesso em alcançar os objetivos do Acordo de Paris de 2015 está baseado no
acordo da sociedade em adotar mudanças profundas nos padrões de consumo e produção.
As mudanças estruturais necessárias nas economias implicarão mudanças setoriais e
novos modelos de negócios. Os efeitos sobre o volume e a estrutura do emprego serão
desigualmente distribuídos entre os segmentos dos mercados de trabalho. Políticas de
apoio podem amortecer e facilitar o ajuste. Ao mesmo tempo, as políticas que estimulam
a inovação e o empreendedorismo, ao mesmo tempo que geram trabalhadores
qualificados, podem por si mesmas ajudar a desencadear uma transformação mais rápida.
Mas a questão de saber se a perda de empregos será compensada por ganhos em
setores emergentes e por meio de melhores práticas de negócios não é simplesmente uma
equação matemática. Aqueles que podem perder seus empregos não têm necessariamente
o acesso e as capacidades necessárias para aproveitar novas oportunidades de emprego.
Do ponto de vista da equidade social, a verdadeira questão a ser abordada são as
implicações distributivas, interna e externamente, da transição para uma sociedade de
baixo carbono e resiliente ao clima. Os fatores que diferenciam essa transição de outras
mudanças estruturais na sociedade são sua escala global e sua urgência. O cumprimento
da meta de redução de emissões para um cenário de mudança climática não superior a
2ºC dependerá da velocidade de uma transição bem-sucedida. Como Schmitz 38 afirma:
“this is the first transition in history that has to be achieved purposely and with a
deadline”.

38
SCHMITZ, H. Green Transformation: Is There a Fast Track. in Scoones, I.; Leach M.; Newell P. (orgs.)
The Politics of Green Transformations. Oxford: Routledge, pp. 163-183, 2015, p. 170.
A partir de um engajamento inicial ad hoc com sustentabilidade ambiental no
momento de grandes conferências e eventos globais, a OIT tem mostrado um foco mais
consistente e cada vez mais estratégico na última década. Seu trabalho ajudou a melhorar
o reconhecimento global da importância do emprego e do papel crítico dos atores do
mundo do trabalho. Isso talvez seja refletido de forma mais convincente na adoção do
imperativo de uma transição justa da força de trabalho, previsto no Acordo de Paris de
2015 e, na incorporação da sustentabilidade ambiental como um impulsionador de
políticas transversais em todo o espectro de trabalho da Organização. A medida que os
governos nacionais se tornam mais engajados na definição da estrutura política e na
concepção da reforma do setor a fim de atingir as reduções de emissões que cada um deles
assinou no Acordo de Paris de 2015, eles percebem as complexidades dos mercados de
trabalho e a necessidade de amortecer choques e facilitar o ajuste de empresas,
trabalhadores e comunidades.
Internamente, a OIT tem sido bem-sucedida na criação de consenso, construção
de capacidade operacional e obtenção de apoio político para considerar as mudanças
climáticas e tornar a economia mais verde em seus departamentos e escritórios de campo.
Progressivamente, o conceito de empregos verdes foi adaptado e integrado em programas
de trabalho, em particular aqueles relacionados à promoção de empregos, atualização de
competências e desenvolvimento empresarial. Mais importante, o conceito ajudou a
superar o falso dilema de promoção de empregos versus salvar o planeta.
A tarefa que vem pela frente, entretanto, vai muito além de avaliar o número e a
qualidade dos empregos afetados ou criados pelas mudanças climáticas e as políticas
relacionadas. Dadas as mudanças setoriais esperadas na economia, especialmente pós
pandemia de COVID-19, há uma demanda crescente por antecipar e administrar as
implicações distributivas para o emprego e a equidade das políticas ambientais. A
propósito, essas mudanças também irão reforçar as tendências de migração doméstica e
internacional, trazendo consigo outros desafios de política em termos de segurança
nacional, reassentamento e inclusão social.
Uma abordagem mais sistêmica deve incorporar os aspectos ambientais em todas
as áreas de trabalho, a fim de aumentar ainda mais a relevância da OIT para o futuro
mundo do trabalho e seu apelo aos constituintes e parceiros de financiamento. Isso
certamente se aplicaria à promoção de empregos, desenvolvimento de empresas
sustentáveis, promoção do empreendedorismo e atualização de habilidades etc. Mas,
novos limites precisarão ser transpostos para moldar políticas e mecanismos de proteção
social no contexto de vulnerabilidades às mudanças climáticas, por exemplo, e ampliar o
escopo e alcance de segurança e saúde em trabalhos perigosos existentes - como gestão
de resíduos - e novas ocupações de economia verde. A atenção renovada para melhorar a
produtividade de empresas e trabalhadores deve incorporar um impulso para aumentar a
produtividade dos recursos, buscando maximizar sinergias por meio da cooperação
empregador-trabalhador, entre outras abordagens. Em um contexto mais amplo, o
trabalho de promoção e aplicação das normas trabalhistas por meio da conformidade em
nível de fábrica ao longo das cadeias de abastecimento globais poderia ser reforçado pela
união de iniciativas semelhantes sobre padrões ambientais.
Evitar os piores impactos das mudanças climáticas e manter o uso dos recursos
dentro das fronteiras planetárias obriga todas as organizações internacionais a realizar
uma reflexão fundamental sobre seu papel. Para a OIT, esse desafio é essencialmente uma
chamada para garantir a justiça social na transição em evolução e estabelecer o caminho
para um futuro sustentável que seja decente e verde para todos.
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DESLOCAMENTOS HUMANOS A PARTIR DA
ELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR

HUMAN DISPLACEMENTS BY SEA LEVEL RISE

Felipe Kern Moreira ∗


João Carlos Jarochinski Silva **

Minha situação é deplorável. Sou obrigado a viver


nestes baixios no momento em que as marés sobem
mais do que nunca. (Adolfo Bioy Casares, A invenção
de Morel)

INTRODUÇÃO
O crescente consenso científico referente às mudanças climáticas e, em particular,
em torno da elevação do nível dos oceanos e mares regionais, propicia a formação de
cenários de impactos societários, principalmente em populações costeiras. O propósito
desta contribuição é descrever cenários de possíveis impactos no aumento do nível do
mar com atenção às tendências demográficas de deslocamentos humanos.
Em termos de desenvolvimento metodológico, a pesquisa parte de descrições
sobre a relação entre mudanças climáticas e elevação do nível do mar para então tratar de
impactos demográficos em regiões costeiras. Num segundo momento, a pesquisa
descreve medidas de mitigação no plano político-jurídico, informadas pelas iniciativas


Professor Associado de Direito Internacional da Faculdade de Direito-FaDir da Universidade Federal do
Rio Grande-FURG. International Visitor Fellowship (2019), Ocean Frontier Institute, Dalhousie
University, Halifax, Canada. Doutor (2009) e Mestre (2004) em Relações Internacionais pela Universidade
de Brasília-UnB. Scholarship Holder DAAD/CNPq na Johann Wolfgang Goethe Universitaet Frankfurt am
Main (2007-2009). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande-FURG (2001). e-mail:
felipe.kern@furg.br
**
É pós-doutor pelo Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO/Unicamp), pesquisador
colaborador pelo NEPO/Unicamp, Research Fellow pela American University, Washington D.C.) e
pesquisador da Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA). Professor adjunto de
Direito Internacional da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e membro do programa de pós-
graduação em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF/UFRR) e da Cátedra Sergio Vieira de Mello
(CSVM/UFRR). E-mail: joao.jarochinski@ufrr.br.
dos regimes ambiental, de migrações e de direitos humanos, os quais estão, ou deveriam
estar, em consonância com diversos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em
especial ao objetivo 11, tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
seguros, resilientes e sustentáveis, ao 13, tomar medidas urgentes para combater a
mudança climática e seus impactos, e ao 14, conservação e uso sustentável dos oceanos,
dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
A pesquisa é desenvolvida a partir de fontes primárias constituídas por
documentos de organizações internacionais bem como por resultados de pesquisas em
bases multidisciplinares sobre mudanças climáticas, em que houve, inclusive, realização
de campo para a constatação de algumas afirmações e contato com autoridades no
assunto. Trata-se de uma pesquisa descritiva, de caráter dedutivo (da abordagem geral das
mudanças climáticas aos aspectos particulares dos descolamentos forçados) e
predominantemente qualitativo, embora inclua dados quantitativos referentes ao
aquecimento global, à elevação do nível do mar e perspectivas em relação às possíveis
consequências destes como geradores de fluxos migratórios. Dessa forma, esta
contribuição busca traçar um quadro de referências atualizado sobre as relações entre o
aumento do nível do mar, medidas de mitigação e tendências de mobilidade demográfica.

1 MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR


Existe consenso científico em torno da avaliação de que o acúmulo de dióxido de
carbono e outros gases causadores de efeito estufa, na atmosfera, principalmente em razão
da queima de combustíveis fósseis, causa o aumento da temperatura global média. Diante
deste cenário, há quem entenda que as mudanças climáticas constituem a mais profunda
crise moral do século XXI (SINDEN, 2008, 17). A concentração de carbono na atmosfera
faz parte de um cenário complexo de mudanças climáticas no antropoceno com impactos
em regiões costeiras, tais como o aumento do nível do mar entre 50 e 100 metros,
inundando parte das cidades costeiras em nível mundial (VIOLA, BASSO, 2016, 4).
Pesquisas indicam que os contribuintes dominantes para o aumento do nível do mar –
tanto no passado quanto no futuro – são a expansão termal e seus impactos no
derretimento de montanhas glaciais, Greenland (SMB – Surface Mass Balance) e
Antártida (SID – Solid Ice Discharge) (MENGEL et al., 2016, 2600)
Dois graus Celsius de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais
constitui um limite – a ser provavelmente atingido entre 2040 e 2050 – para mudanças
ambientais drásticas. Dentre as consequências do aquecimento global está a elevação do
nível do mar que não será globalmente uniforme, devido a processos dinâmicos dos
oceanos e mudanças na gravidade associadas à redistribuição de massa d’água
(JEVREJEVA et al., 2016, 13342). Em 2007, Mark Lynas (2009, 15) desenvolveu
projeções dos impactos do aquecimento global, numa escala de um a seis graus. Com
base numa ampla gama de publicações científicas, identifica impactos aproximados já
que, por exemplo, um estudo sobre o gelo no Ártico pode estar baseado em concentrações
de dióxido de carbono e não necessariamente em uma temperatura precisa. A
caracterização temporal do atingimento do aumento das temperaturas é algo que depende
de inúmeros fatores: “o mundo poderá se tornar dois graus mais quente até 2100, por
exemplo, ou poderá ter alcançado esse nível já em 2030 (LYNAS, 2009, 17).
Existe uma relação intrínseca entre o aquecimento global e os oceanos. James
Lovelock (2006, 41) explica que, quando a quantidade de dióxido de carbono se
aproximou de 500 ppm, ocorreu um colapso nos ecossistemas oceânicos, já que a
expansão da superfície morna dos oceanos privou as algas de nutrientes e a diminuição
da área do oceano, coberta por algas, limitou seu efeito resfriador, o que potencializou o
aumento da temperatura. O degelo do Ártico – a parte do planeta mais vulnerável ao
aquecimento – indica mudanças hidrológicas profundas, tais como, o aumento e também
encolhimento de lagos e interferências em lençóis freáticos (LYNAS, 2009, 39), a
acidificação dos oceanos (LYNAS, 2009, 63, ss), o aumento da evaporação e da
precipitação das chuvas, resultante do excedente de calor na atmosfera, e a inundação de
cidades costeiras (LYNAS, 2009, 185), são alguns dos cenários prováveis da relação entre
mudanças climáticas e oceanos.
A acidificação dos oceanos é um caso representativo das múltiplas consequências
do aquecimento global. O fenômeno é relativamente recente na literatura científica e é
resultante de mudanças químicas nos oceanos, causadas causada pela elevação do
acúmulo do dióxido de carbono na atmosfera (BAIRD et al., 2009. 2). O termo
acidificação dos oceanos sugere que o CO2 reage com o H2O, que forma o ácido
carbônico, processo este que possui variantes regionais e sazonais. Os oceanos
naturalmente alcalinos na era pré-industrial tinham um pH em torno de 8.1 que declinou,
nos dias de hoje, para 0.1 (idem, 4). A acidificação dos oceanos possui inúmeros impactos
em espécies e ecossistemas oceânicos e, consequentemente, no setor de pesca e da
segurança alimentar e nutricional de inúmeras sociedades. O Relatório da FAO – The
State of World Fisheries and Aquaculture 2020 –, descreve esta relação entre a elevação
da temperatura dos oceanos e a acidificação como dois dos principais processos pelos
quais as mudanças climáticas tem impactado a biodiversidade marinha, afetando tanto a
produtividade quanto a distribuição dos estoques pesqueiros com efeitos principalmente
nas sociedades que sobrevivem da pesca (FAO, 2020, 174). Estes conjuntos
indissociáveis de efeitos das mudanças climáticas sugerem que as mobilidades podem
ocorrer não somente em razão de enchentes de áreas costeiras senão em busca de recursos
pesqueiros e segurança alimentar, contextos que também são geradores de expulsão de
pessoas (SASSEN, 2016, 72, ss).
O aumento do nível do mar tornou-se um assunto de crescente importância para a
comunidade internacional já que mais do que setenta países são – ou provavelmente serão
– diretamente impactados, um número que representa mais de um terço dos Estados-parte
da comunidade internacional (UNITED NATIONS, 2018, 326). As constatações e
medições científicas relativas ao aquecimento global desde há muito são resultantes de
esforços de cooperação internacional em nível multilateral, os quais resultaram em um
regime de ampla cooperação científica em torno das mudanças climáticas. Os gradientes
relativos aos valores das temperaturas possuem como referência os relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (The Intergovernamental Panel on
Climate Change-IPCC) que é o órgão das Organização das Nações Unidas responsável
pelos registros científicos relativos às mudanças climáticas. O IPCC e seus Relatórios
serão objeto de análise mais detida na quarta parte deste capítulo, que trata de medidas
multilaterais de mitigação de mudanças climáticas.

2 IMPACTOS DA ELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR EM


POPULAÇÕES COSTEIRAS
As avaliações do impacto da elevação do nível do mar em populações costeiras
pertencem a um campo de pesquisas eminentemente multidisciplinares, as quais incluem
áreas de estudos costeiros, economia dos recursos marinhos e direitos humanos. Nestas
interfaces, a relação entre mudanças climáticas e direitos humanos nem sempre foi
evidente. Em 2010, Francesco Francioni publica no European Journal of International
Law um artigo sobre direitos humanos em um horizonte ambiental. Sob esta dimensão,
Francioni percorre a jurisprudência em casos ambientais sob o alcance jurisdicional do
sistema europeu, africano e global de direitos humanos e conclui que não faz sentido – o
que constata ser o padrão jurisprudencial – engajar a linguagem os direitos humanos no
combate à degradação ambiental somente quando tal degradação afeta os direitos à vida,
propriedade e privacidade de determinados indivíduos afetados, o que denomina de uso
reducionista dos direitos humanos, o qual reduz valores ambientais à esfera limitada de
interesses individuais ao invés de reconhecer sua natureza intrínseca de bem comum
indispensável à vida e ao bem estar social (2010, 55).
Em 14 de março de 2016 a República da Colômbia apresentou um requerimento
de Opinião Consultiva à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com fundamento no
artigo 64(1) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica) e artigos 70 (1) e 70 (2) das Regras de Procedimento da Corte, referente às
obrigações de Estado em relação ao meio ambiente, no contexto da proteção e garantia
dos direitos humanos. O pedido de Opinião Consultiva ocorre num contexto do
desenvolvimento de projetos de infraestrutura que implicam em severas degradações ao
meio ambiente marinho e humano no contexto regional caribenho, com impactos para os
habitantes de regiões costeiras e insulares. A Opinião Consultiva é constituída pela síntese
da dimensão ambiental dos direitos humanos em Tratados e jurisprudência, no tocante a
diferentes sistemas de proteção de direitos humanos e faz menção aos deslocamentos
forçados resultantes de vulnerabilidades de comunidades costeiras e de pequenas ilhas 1.
Não foi a primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos enfrentou
supostas violações de direitos humanos derivadas de degradações ambientais.
Representativo da relação entre consequências das mudanças climáticas e populações
costeiras vulneráveis foi o caso trazido pelo Inuit Circumpolar Conference à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 2005. A petição foi submetida por
Sheila Watt-Cloutier, a então presidente da Inuit Circumpolar Conference, na
representação de todos os povos Inuit da região ártica dos Estados Unidos da América e

1
“(…) the groups that are especially vulnerable to environmental degradation include communities that,
essentially, depend economically or for their survival on environmental resources from the marine
environment, forested areas and river basins, or run a special risk of being affected owing to their
geographical location, such as coastal and small island communities. In many cases, the special
vulnerability of these groups has led to their relocation or internal displacement” (IACHR, 2016, 31-32).
do Canadá. A petição requeria indenizações por violações resultantes do aquecimento
global causado por atos e omissões dos Estados Unidos. 2
O ponto crucial sobre este caso é que Corte Interamericana de Direitos Humanos
não possui jurisdição relativa a emissões de gases causadores de efeito estufa de modo
que a Comissão não considerou a petição em razão de que a informação provida era
insuficiente. A este respeito, deve se reconhecer que um conjunto probatório deveria ser
reunido de forma a provar a relação causal entre as emissões norte-americanas, em
particular, e as mudanças climáticas no Ártico, em geral. Apesar da ausência de
consequências legais, os peticionários consideraram que a potencial tomada de
consciência acerca da responsabilidade dos governos relativamente às mudanças
climáticas teria ajudado a educar a Comissão relativamente à relação entre aquecimento
global e direitos humanos (GORDON, 2007, 55).
Em 2013, uma petição foi protocolada pelo Arctic Athabaskan Council (AAC)
junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual arguia sobre a ausência de
regulamentação por parte do Canadá relativamente à diminuição de emissões, o que
supostamente violaria direitos à cultura, à propriedade e à saúde previstos na Declaração
Americana de Direitos Humanos (MASON, 2019). Os peticionários requeriam à
Comissão a adoção de medidas por parte do governo canadense de forma reduzir
emissões, o que poderia mitigar o avanço do rápido aquecimento e derretimento do gelo
no Ártico, contexto ambiental causador de violações de direitos humanos (ARCTIC
ATHABASKAN COUNCIL, 2013, 86). A iniciativa do AAC fundamenta-se no
argumento de que a falta de regulamentações efetivas do Canadá relativas às emissões de
carbono é causa eficiente de impactos climáticos e este é o fundamento para a exceção ao
requisito de esgotamento dos recursos internos3. De forma análoga ao caso da Inuit
Circumpolar Conference, não consta, nas petições, evidências científicas suficientes para

2
“The impacts of climate change, caused by acts and omissions by the United States, violate the Inuit’s
fundamental human rights protected by the American Declaration of the Rights and Duties of Man and
other international instruments. These include their rights to the benefits of culture, to property, to the
preservation of health, life, physical integrity, security, and a means of subsistence, and to residence,
movement, and inviolability of the home.” (INUIT CIRCUMPOLAR CONFERENCE, 2005, 5).
3
JAIMES, V.D.L.R. “The Petition of the Arctic Athabaskan Peoples to the Inter-American Commission
on Human Rights,” (July 22, 2013), available online: <https://ablawg.ca/2013/07/22/the-petition-of-the-
arctic-athabaskan-peoples-to-the-inter-american-commission-on-human-rights/>. Sobre o esgotamento dos
recursos internos: “Article 31 of the Inter-American Commission’s rules of procedure requires the
Commission to “verify whether the remedies of the domestic legal system have been pursued and exhausted
in accordance with the generally recognized principles of international law.” (ARCTIC ATHABASKAN
COUNCIL, 2013, pp. 78ss).
a conexão entre as emissões de países específicos, tais como Estados Unidos da América
e Canadá, e mudanças climáticas no Ártico. 4 Não obstante este pleito Inuit não tenha
surtido resultados concretos, reforça os argumentos acerca de relações entre direitos
humanos de populações costeiras e mudanças climáticas. Raciocínio semelhante pode ser
aplicado às reivindicações formuladas pelos residentes de áreas de populações pobres no
Delta do Niger que desafiam a Royal Dutch Shell, a qual contribui mais para a emissão
de gases causadores de efeito estufa do que todos os países africanos subsaarianos em
conjunto (SINDEN, 2008, 16).
As pesquisas sobre a elevação do nível do mar são caracterizadas por incertezas e
limitações de observações empíricas que levam cientistas a alertar para os riscos de se
negligenciar os efeitos das incertezas paramétricas que podem levar a subestimar os riscos
de enchentes e inundações futuras (SRIVER et al., 2012, 990). Existe uma projeção de
cenário de que alguns países em desenvolvimento localizados em regiões de terras baixas,
a exemplo de Bangladesh e Vietnã, bem como pequenas ilhas, sofrerão impactos
profundos (para uma projeção mais detalhada e segura, consultar a Tabela no Anexo 1).
No caso de Bangladesh, as estimativas já dão conta de que 6,5 milhões de pessoas já
tenham sido deslocadas por causa das mudanças climáticas (de maneira ampla), com a
perspectiva de que esse número só tende a crescer (SASSEN, 2016, 73). Os prejuízos
anuais associados aos custos de adaptação comprometerão decisivamente o produto
interno bruto de tais localidades. A elevação do nível do mar em 2 metros levará ao
deslocamento considerável de populações urbanas: 2.5 milhões nas terras baixas de
Miami; 2.1 milhões in Guangzhou; 1.8 milhões in Mumbai; e mais que 1 milhão,
respectivamente em Osaka, Tokyo, New Orleans, New York, and Ho Chi Minh
(JEVREJEVA et. al. 2016, 13345).
O Brasil também será duramente atingido por conta da elevação do nível do mar,
pois grande parte de suas maiores cidades e regiões metropolitanas encontram-se no
litoral, o que traria dinâmicas de mobilidade ainda não verificadas no contexto brasileiro.
Das nove capitais da região nordeste, oito estão no litoral, no sudeste há mais duas, assim
como no sul há uma, mas o evento da elevação oceânica também traria consequências
para a região de Porto Alegre em decorrência de sua altitude e da presença do lago Guaíba.

4
In the specific case of the AAC: “due to proximity, allege the petitioners, Canada’s emissions of black
carbon affect Athabaskan lands the most.” (JAIMES, 2013).
Em 2016, em entrevista com o climatólogo Carlos Nobre para uma pesquisa desenvolvida
para a Organização Internacional para as Migrações (OIM, 2017), o premiado cientista
citou a região de Jacarepaguá no Rio de Janeiro como uma localidade que seria duramente
afetada em caso de elevação do nível mar dentro dos níveis que são projetados para o
século XXI. Ao destacar essa localidade, que possui enorme densidade demográfica,
Nobre deseja destacar o impacto social que esse tipo de fenômeno pode ter para as cidades
e países.
Outro estudo revelador dos impactos e da necessidade de serem realizadas ações
de adaptação foi desenvolvido no município de Santos, no estado de São Paulo
(MARENGO, et al, 2017), cidade de significativa relevância econômica e que possui uma
base de dados científica mais completa do que outras regiões costeiras. Os autores
apontam projeções da elevação do nível do mar e apontam diversas consequências que
evidenciam prejuízos financeiros bastante elevados, caso as ações desenvolvidas para
adaptação da localidade não seja aprofundadas e que se combatam os causadores da
mudança climática. Evidentemente estudos como esse trabalham com métricas que
permitem a projeção de prejuízos financeiros, mas há a dificuldade na avaliação de
possíveis prejuízos sociais, o que demonstra a relevância de observarmos esses estudos e
diagnósticos para se evitar consequências ainda mais severas para a localidade e sua
população, os quais, em termos de deslocamento, também seriam geradoras de impactos
para outras áreas.
Apesar da conhecida influência das mudanças climáticas em migrações forçadas
e deslocamentos humanos em arquipélagos do Oceano Pacífico, pesquisas recentes tem
indicado caracterizações mais complexas dentro do consenso científico sobre a elevação
do nível do mar. A análise da linha da costa de ilhas e atóis do arquipélago de Tuvalu, na
Polinésia, ao longo dos últimos quarenta anos revelou o aumento de áreas secas em oito
de nove atóis, correspondendo a um aumento uniforme de áreas terrestres da maioria das
ilhas, de 73,5% em comparação com o decréscimo de 26,5% no tamanho (KENSH, et al,
2019, 4). Embora as mudanças climáticas constituam a principal ameaça e ao bem estar
de populações na região do Pacífico, no caso de Tuvalu, a diminuição da área terrestre é
uma causa improvável de deslocamentos forçados (KENSH, et al, 2019, 1 e 5). Mesmo
assim, as autoridades relacionadas ao tema, sejam elas políticas locais ou científicas,
estabelecem como paradigma da adaptação o abandono de seu território (YAMAMOTO;
ESTEBAN, 2019, 353).

3 MEDIDAS MULTILATERAIS DE MITIGAÇÃO DA ELEVAÇÃO


DO NÍVEL DO MAR
De uma forma geral, a resposta multilateral aos impactos do aquecimento
global foi o regime internacional sobre mudanças climáticas. Em 1992 foi assinada a
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que estabeleceu
parâmetros para as negociações multilaterais e que não estabeleceu comprometimentos
normativos específicos, o que seria decidido em reuniões específicas, denominadas
Conferências das Partes (COPs), que iniciaram em 1995 e das quais três são
especialmente importantes: a COP 03 (Kyoto), a COP 15 (Copenhagen) e a COP 21
(Paris) (VIOLA; BASSO, 2016, 6-7).
Paralelamente ao regime multilateral coexistem outros planos de diálogos e
decisões políticas que procuram responder aos impactos das mudanças climáticas em
assuntos que dificilmente as decisões multilaterais conseguiriam interferir. É o caso de
consequências do aumento do nível do mar nas medições de linhas de base de Estados
costeiros, que definem os limites do mar territorial e da Zona Econômica Exclusiva
(YAMAMOTO; ESTEBAN, 2014, 170), com particular interferência em casos de países
th
com costas opostas ou adjacentes. Este assunto foi uma das preocupações do 18 Meeting
of the United Nations Open-ended Informal Consultative Process on Oceans and the Law
of the Sea, em 2017, no qual um painel foi dedicado aos efeitos do aumento do nível do
mar na adoção de linhas de base fixas (UNITED NATIONS, 2017, 18). Já que as
mudanças nas linhas de base são potenciais causas de instabilidades diplomáticas e
jurídicas, Rodrigo More levanta a hipótese de acordos bilaterais incluírem cláusulas de
mudanças climáticas as quais garantem a continuidade da base fixa ou permitem a revisão
dos limites marinhos em regiões com mudanças consideráveis e frequentes no nível do
mar (MORE, 2020, 18).
Este capítulo não pretende traçar um quadro descritivo detalhado sobre as medidas
de mitigação das mudanças climáticas, aquecimento global e elevação do nível do mar.
De forma objetiva, pretende descrever os esforços multilaterais de sistematização de
dados científicos sobre elevação do nível do mar e a identificação de vulnerabilidades de
populações costeiras. A este respeito, foi decisiva a criação, em 1998, pela Organização
Meteorológica Mundial (World Metereological Organization-WMO) e Programa das
Nações Unidas para o Meio-Ambiente (United Nations Environment Programme-
UNEP), do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernamental
Panel on Climate Changes-IPCC), em parte, uma estratégia para reassegurar aos Estados
o controle dos debates em torno mudanças climáticas e aquecimento global, até então
mais não-governamentais (principalmente entre a comunidade científica) do que
intergovernamentais (BODANSKY; RAJAMANI, 2016, 4-5).
Em 1990, na Segunda Conferência Mundial do Clima, governos de pequenos
países insulares, temendo as inundações causadas pelo aumento do nível do mar,
apoiaram o forte comprometimento multilateral relativo à limitação de emissões e se
organizaram em torno de um grupo específico, a Aliança de Pequenos Estados Insulares
(Alliance of Small Island States-AOSIS), que exerceu um papel protagônico nas
negociações relativas à redução de emissões de CO2, no âmbito da UN Framework
Convention on Climate Change (BODANSKY; RAJAMANI, 2016, 9). Este é um
momento em que o tema dos impactos da elevação do nível do mar ingressa nas
negociações do regime de mudanças climáticas, a partir de interesses multilaterais.
A influência de representantes de Estados em desenvolvimento formados por
pequenas ilhas do Pacífico perpassará o desenvolvimento do regime das mudanças
climáticas. Alguns destes Estados já adotaram as primeiras medidas de migração
enquanto uma estratégia de adaptação: Kiribati e Fiji, em particular, desenvolveram
mecanismos para ajudar seus cidadãos a serem realocados domesticamente ou para outros
países (YAMAMOTO; ESTEBAN, 2017, 11). Em julho de 2019, durante o “Pacific
Islands Development Forum” em Nadi, cidade das Ilhas Fiji, foi feita uma Declaração
proclamando a crise das mudanças climáticas no Pacífico e em agosto do mesmo ano o
grupo dos Estados Insulares do Pacífico, reunidos na “Fiftieth Pacific Islands Forum” em
Funafuti, Tuvalu, declararam que as mudanças climáticas constituem a maior ameaça ao
modo de vida, segurança e bem estar dos povos do Pacífico (MORE, 2020, 2).
A Organização das Nações Unidas entende que o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas é o principal fórum multilateral de levantamento de dados
científicos e de proposta de medidas de mitigação5. Correntemente, o Painel
Intergovernamental prepara o sexto Assesment Report (AR6). No âmbito interno dos
trabalhos do Painel, o Working Group II é o responsável pelos assuntos relativos aos
impactos, adaptação e vulnerabilidades decorrentes das mudanças climáticas.
Consequentemente, é o grupo que reúne dados sobre deslocamentos forçados. O último
relatório especial do Working Group II do IPCC é de setembro de 2019, sob o título
Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate que no capítulo
quarto trata Sea Level Rise and Implications for Low-Lying Islands, Coasts and
Communities. Neste Relatório especial destaca-se que as áreas mais afetadas pela
elevação do nível do mar são ilhas do Pacífico e o Ártico e dentre as medidas possíveis
para as populações vulneráveis é o recuo da costa6.
Catherine M. Cooney registra os resultados do esforço colaborativo entre o
working group I (focado na base científica física das mudanças climáticas) e o working
group II (focado nos impactos, adaptação e vulnerabilidade) que resultaram no relatório
IPCC Special Report Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance
Climate Changes Adaptation (S REX), divulgado no final de 2011. A análise conclui que
pessoas que vivem em áreas de urbanização não planejada, degradação ambiental e
pobreza são mais vulneráveis aos impactos dos eventos climáticos extremos (COONEY,
2012).
Ainda dentro das medidas de mitigação em nível multilateral, é digno de
referência os esforços da International Law Comission que em 2018, sua septuagésima
sessão, decidiu incluir o tópico sobre a Elevação do nível do mar em seu programa de
trabalho de longo prazo. O Relatório da septuagésima primeira sessão da Comissão,
encerrada em agosto de 2019 prevê o período de trabalho de dois anos, com uma

5
“A delegation noted that discussions on climate change were mostly focused on adaptation measures and
stressed that more attention should be placed on mitigation action and creating societal changes, including
creative approaches that would, for example, encourage corporate responsibility or increase awareness and
literacy in respect of the impacts of climate change on the oceans. Ms. Barrett noted in that regard that the
Intergovernmental Panel on Climate Change was organized in working groups designed to address all
components of climate change, including mitigation” (UNITED NATIONS, 2017, 10).
6
“For those unable to afford protection, accommodation or advance measures, or when such measures are
no longer viable or effective, retreat becomes inevitable. Millions of people living on low-lying islands face
this prospect, including inhabitants of Small Island Developing States (SIDS), of some densely populated
but less intensively developed deltas, of rural coastal villages and towns, and of Arctic communities who
already face melting sea ice and unprecedented changes in weather. The resultant impacts on distinctive
cultures and ways of life could be devastating. Difficult trade-offs are therefore inevitable when making
social choices about rising sea level. Institutionalizing processes that lead to fair and just outcomes is
challenging, but vitally important” (IPCC, 2019, 411).
metodologia de cinco encontros para tratar de três subtópicos: direito do mar, Estado e a
proteção de pessoas afetadas pela elevação do nível do mar (UNITED NATIONS, 2019,
340). Esses desenvolvimentos não podem ser dissociados do Objetivo do
Desenvolvimento Sustentável 14 e da Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica
para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).

4 O CENÁRIO NORMATIVO EM RELAÇÃO AO TEMA DA


MOBILIDADE FORÇADA EM DECORRÊNCIA DE FENÔMENOS
CLIMÁTICOS
Quando se analisa a trajetória da produção internacional relacionada aos
fenômenos migratórios, percebe-se que, tradicionalmente, vislumbrou-se o ser humano
como o único agente responsável pelos fluxos, seja como agente que decide dar início a
um movimento, seja como sujeito que impõe a outrem a necessidade de migrar. Nesse
sentido, a discussão sobre a mobilidade em decorrência de mudanças no ambiente é
academicamente recente (JAROCHINSKI SILVA, 2013, 523, ss), assim como o debate
para a construção de mecanismos que protejam os que são forçados a se mover em virtude
de questões ambientais. Além disso, destaca-se nesses instrumentos o predomínio de
estruturas pautadas na Soft Law (YAMAMOTO; ESTEBAN, 2019, 348, ss), o que
demonstra toda a dificuldade de aceitação desses termos e de implementação de uma
estrutura normativa mais protetiva e que realize a vinculação mais direta entre o fator
ambiental e mobilidade.
Dentro das COP´s, muito tem se debatido em termos dessa relação, mas os
resultados de ações com capacidade de iniciar uma alteração de quadro ainda parece
insuficiente. Porém, destaca-se que em algumas reuniões foram desenvolvidas medidas
cujos efeitos são de natureza social, como o Mecanismo de Perdas e Danos, criado a
partir da COP 18 (Doha) em 2012, em que se objetivava a criação de um dispositivo
institucional para amenizar as perdas dos países que mais sofreriam as consequências das
mudanças climáticas e das alterações do nível do mar, entre outros eventos, pois se partiu
do pressuposto de que medidas de adaptação não são capazes de responder a todos os
desafios oriundos dessas questões, seja em quesitos econômicos ou não econômicos.
Apesar dos avanços em termos de cooperação, principalmente em termos de troca de
informações consolidados nas COP´s seguintes, o Mecanismo não estabeleceu
compensações ou responsabilização aos Estados parte (NUNES, 2018, 284-285), mas
uma vez evidenciando a resistência, principalmente por parte dos Estados, em entrarem
em acordos que exijam maior comprometimento com o tema.
Já em relação ao reconhecimento da mobilidade humana em decorrência de
migrações forçadas ambientais, que apesar de não serem focadas apenas em mobilidades
decorrentes da elevação do nível do mar e seus diversos efeitos, estabelecem a construção
de mecanismos de proteção e mitigação de consequências, há a Iniciativa Nansen (2012),
da qual posteriormente surgiu a Plataforma sobre Desastres Ambientais (2016), que
continua a estimular a aplicação de medidas para os deslocados ambientais (NUNES,
2018, 287-289). Além disso, o próprio Pacto Global para a Migração também traz
iniciativas gerais que podem conferir proteção aos que se deslocarem em função do
aumento dos níveis oceânicos.
Entretanto, percebe-se que os avanços em termos de garantir formas de resposta
aos atingidos por esses fenômenos não tem obtido uma capacidade mais expressiva de
gerar obrigações e compromissos para os Estados, apesar de ser um fenômeno bastante
evidente conforme apontado pelos estudos que têm sido desenvolvidos. Outro aspecto
interessante é que tem se buscado contemplar o tema de forma abrangente, isto é,
abordando os diversos tipos de fenômenos climáticos e ambientais capazes de gerar
mobilidades, o que é positivo da contemplação de todas as situações e dos afetados, mas
que, por outro lado, acaba por enfraquecer ou não se aproveita de potenciais avanços que
podem ser alcançados em fóruns mais específicos, como os que debatem temáticas
marítimas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste capítulo foi oferecer um quadro atual de cenários de possíveis
deslocamentos humanos em razão da elevação do nível do mar. Primeiramente a pesquisa
buscou situar a elevação do nível do mar no contexto de um conjunto mais abrangente de
mudanças climáticas no antropoceno. Muito embora exista consenso científico
considerável sobre as relações de causalidade entre aquecimento global e aumento do
nível do mar, algumas incertezas, principalmente derivadas da limitação de pesquisas
empíricas, ainda caracterizam a mensuração precisa de áreas vulneráveis a inundações. A
segunda parte deste trabalho cuidou da relação entre questões ambientais e direitos
humanos com referência às áreas com a maior probabilidade de inundações e
consequentemente de deslocamentos ambientais. A terceira parte descreve as medidas de
mitigação no plano político-jurídico, orientadas por regimes multilaterais e situa o tema
nos mais recentes dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. A quarta
parte aponta para algumas iniciativas e ações que contemplam a dinâmica da mobilidade
humana em decorrência de fenômenos climáticos, as quais apresentam como
característica ainda um baixo engajamento estatal em termos de medidas de proteção aos
que são obrigados a se moverem em virtude de fenômenos climáticos e o uso da soft law
para se tentar estabelecer alguns standarts na área.
Percebe-se a partir desse levantamento de diversas referências e da análise de seu
conteúdo em um comparativo com a situação atual e de cenário futuro, que o tema é
deveras importante para ocupar o espaço que atualmente possui dentro do cenário
internacional. Espera-se que iniciativas como a dos Pactos relativos à mobilidade humana
e a declaração da Década das Nações Unidas para a Ciência Oceânica para o
Desenvolvimento Sustentável alterem esse quadro e construam formas de prevenção e
solução dos desafios a serem enfrentados.
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ANEXO 1:

Fonte: Table 2 (JEVREJEVA et al., 2016, p. 13346)


ASPECTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
DIANTE DE UM DIAGNÓSTICO DA CRISE
HÍDRICO SANITÁRIA

ASPECTS OF CLIMATE CHANGE UNDER A


DIAGNOSIS OF THE WATER AND SANITARY
CRISIS

José Irivaldo Alves O. Silva ∗


Belinda Pereira da Cunha ∗∗

INTRODUÇÃO PARA UMA RACIONALIDADE JURÍDICA


A partir do modelo de desenvolvimento latino-americano e brasileiro, busca-se
apontar estratégias para solucionar a crise de desenvolvimento que se perfaz no século
XXI, fazendo-se, ao final, escolha por uma alternativa aos modelos clássicos de
desenvolvimento: a racionalidade ambiental proposta por Enrique Leff a qual é tida como
o modelo mais eficiente para a reaproximação da sociedade ao meio ambiente natural
numa relação de ressignificação das formas de apropriação e transformação dos espaços
naturais em espaços sociais.
Ante a mudança paradigmática da finitude e escassez dos recursos naturais
empreendida em meados do século XX até a atualidade, a literatura ambiental tem
apontado que as formas de exploração do meio ambiente natural para transformação em
meio ambiente construído, do trabalho e cultural tomaram uma dimensão alarmante do
ponto de vista de que não estavam permitindo o tempo necessário para recuperação das


Professor Universidade Federal de Campina Grande – UFCG; Unidade Acadêmica de Gestão Pública –
UAGESP; Professor do Mestrado em Gestão e Regulação dos Recursos Hídricos (Profágua). Doutor em
Direito e Sociologia. Pós-Doutor UFSC e Universidade de Alicante, Es.
∗∗
Professora Associada Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Professora em Cooperação Técnica
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Estágio Pós-Doutoral CAPES Universidade Autônoma
do México – IISUNAM; Pós-Doutora Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
matrizes naturais do planeta devido à apropriação acelerada e em grande quantidade dos
recursos do meio ambiente para fins de produção e comercialização, cujas atividades
implicavam e implicam, necessariamente, grande impacto, particularmente em virtude da
poluição generalizada da terra, do ar, da água e da flora.
Considerando este cenário e este padrão de relacionamento da sociedade com o
meio ambiente, questiona-se: qual modelo de desenvolvimento permite ressignificar a
relação sociedade/natureza, viabiliza os meios de exploração dos recursos naturais sem
comprometer os seus limites quantiqualitivos e oportuniza ganhos econômicos e sociais?
Para responder tal questionamento, o trabalho tem como objetivo geral analisar
modelos de desenvolvimento a partir de literatura pertinente à matéria com o intuito de
apontar o modelo ou estratégia que se revele mais eficiente na harmonização da sociedade
com o meio ambiente natural. São objetivos específicos descrever propostas teóricas de
desenvolvimento; estabelecer análises dos padrões e das categorias de tais propostas;
escolher estratégia que se aproxime de um modelo de desenvolvimento que abranja
desenvolvimento econômico, social e ambiental de forma coordenada. Situado nas
ciências sociais aplicadas, este trabalho se perfaz no campo do direito ambiental, da
economia e do desenvolvimento, tendo este último como categoria norteadora e mote
interdisciplinar da discussão.
Antes da década de 50, a visão predominante era a da infinitude dos recursos
naturais do planeta, o que justificava formas depredatórias de exploração do meio
ambiente natural, cuja perspectiva iniciou um processo de mudança com novas teorias
ambientalistas que passaram a alertar para a finitude e escassez qualitativa dos recursos
naturais e apontar para um crise ambiental que ameaça as várias formas de vida do
planeta. (ARAÚJO et al., 2012)
O debate desenvolvimentista não é exclusivo nem da ciência econômica nem da
jurídica, mas pode ser visto a partir destas duas lentes que, isoladamente ou em conjunto,
tem potencial para revelar aspectos importantes ao estudo do tema. Metodologicamente,
o trabalho é abalizado numa reflexão teórica que parte de literatura especializada na
matéria estabelecendo, dedutivamente, o raciocínio de que se a racionalidade econômica
baseada em formas depredatórias de apropriação dos recursos naturais ocasiona o
distanciamento simbólico do / em relação à natureza, uma vez que reifica os bens
ambientais em virtude de um padrão globalizado e tecnologizado de vida, logo faz-se
premente a crítica deste modelo e a busca de novas estratégias de ressignificação e
apropriação dos recursos naturais do planeta.
É importante esclarecer a relação jurídica feita na presente reflexão, em razão do
ciclo hidrológico da água, da crise hídrica-ambiental e das mudanças climáticas agravadas
pela ação humana, em suas atividades econômicas e de exploração.]
A questão de analisar e buscar formas de desenvolvimento que coadune interesses
por vezes opostos, tal como acontece com o econômico, o social e o ambiental, é desafio
para a ciência jurídica, notadamente para a ciência jurídico-ambiental, que trata de estudar
meios, caminhos e instrumentos de ordenação das diferentes aspirações sociais
individuais, coletivas e institucionais, a qual deve enfrentar tamanha complexidade de
modo a cumprir seu papel social de orientação e determinação de padrões e critérios que
sirvam de diretrizes para ações comunitárias, governamentais e decisões judiciais que
impliquem resolução de interesses em conflito.

1 FATORES DA CRISE HÍDRICA E AS MUDANÇAS


CLIMÁTICAS
A chamada crise da água, tem como causa muitos fatores, que estão além do
alcance da racionalidade humana, dentre os quais, a ação climática já existente no Planeta
desde sua formação.
As alterações do clima ou mudanças climáticas, se revelam ao longo do tempo, de
acordo com variações que compreendem temperatura, nebulosidade, precipitação, dentre
outros fenômenos e variáveis climáticas, tomadas pela média histórica. Com a instituição
da Política Nacional para Mudanças do Clima, em 2009, o Brasil oficializou o
compromisso voluntário junto à Convenção-Quadro da ONU, sobre mudança do clima
no sentido de redução dos gases de efeito estufa até 2020.
O Centro de Gestão de Estudos Estratégicos – CGEE – e a Agência Nacional de
Água – ANA – consolidaram e publicaram suas “Avaliações e Diretrizes para Adaptação
– Mudanças Climáticas e Recursos Hídricos (ANA, 2016). Em que pese a referência feita
no documento, no sentido de entender-se que até o momento, a representação em números
dos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos trazerem divergências
e contradições que dificultem sua aceitação, expressa a evidência que as séries
hidrológicas assumem tendências crescentes ou decrescentes, até então não consideradas
e que a grande novidade trazida pelos crescentes conhecimentos que se acumularam ao
longo das últimas décadas veio abalar esse conceito, ao se considerar as mudanças
climáticas como elementos de transformação de mais longo prazo (ANA, 2016, p. 25).

As incertezas associadas às disponibilidades hídricas estabelecem uma


utilização conservadora dos estoques de água disponíveis, impondo
uma relativa redução na quantidade de água alocada. Dessa forma, para
atenuar os impactos da variabilidade nos sistemas hídricos, são
necessárias medidas de adaptação e ajustes dos instrumentos e práticas
de gestão de recursos hídricos a essa realidade. Nesse ambiente de
complexidade e incerteza, a gestão adaptativa coloca-se como
alternativa para orientar a ação. A previsão e o controle são substituídos
pela cenarização prospectiva e pela adaptação, respectivamente.

No que se refere à água, há fatores que são de exclusiva responsabilidade de uma


racionalidade planificadora, que abrange justamente a ação do homem na modificação do
território, seja desviando um rio, construindo represas, transportando a água em
tubulações, canalizando rios, transpondo bacias hidrográficas (SILVA, CUNHA, 2020).
A crise da água, analisada sob o prisma sócio-político-jurídico, é revelada na
expressão dos territórios hidrossociais1, sendo uma primeira premissa para pensar a crise.
Nesse sentido, vimos analisando as variáveis da crise ambiental e da crise hídrica
para o Direito, levando em consideração a água como também sendo os rios, mares, lagos
intocados, e que há uma ação social, político e jurídica que modela seu acesso e sua
distribuição em múltiplos usos, que constroem e reconstroem territórios.
A circulação da água faz parte do processo econômico, de circulação de dinheiro
e capital, bem como de outros serviços de bens urbanos, compondo a economia política
que estrutura relações de poder, interferindo diretamente numa suposta forma e coerência
do espaço urbano.
Para Swyngedouw (2004), a abordagem hidrossocial vê a circulação da água como
um processo físico e social combinados, como um fluxo hibridizado, em que a natureza

1
Combined with the transformation of water’s terrestrial and atmospheric circulation, they produce distinct
forms of hydro-social circulation and new relationships between local water circulations to global
hydrological circuits. (Combinados com a transformação da circulação terrestre e atmosférica da água, eles
produzem formas distintas de circulação hidro-social e novas relações entre a circulação local da água e os
circuitos hidrológicos globais - TRADUÇÃO LIVRE). (SWYNGEDOUW, 2009) - o autor está
mencionando a ação das relações sociais, relações de poder na mudança da própria gestão da água ao longo
do tempo e espaço.
e a sociedade se fundem de maneira inseparável, permitindo um olhar holístico ao
fenômeno.
Em termos do potencial mundial do estoque de água, temos territórios que mais
possuem e os que menos detém a água, não significando que a população e as atividades
como um todo sejam plenamente atendidas, em detrimento daqueles que apresentam
menor quantidade de água disponível, destacando-se a América Latina como muito
privilegiada, no que se refere ao estoque de água.
É possível verificar que a água se distribui irregularmente pelo Planeta,
considerando que, geograficamente, há disponibilidades muito diferenciadas, tendendo a
se agravar com as mudanças climáticas. Apresentamos o gráfico 1 a seguir, extraído da
tese de Echaid (2013, p. 129) com a finalidade de problematizar essa questão.

Gráfico 1 - Principais usuários da água

479 km3/a
700,0000
EEUU China
525,0000 India UE
Pakistán Japón
350,0000 Tailandia Indonesia
Bangladesh México
175,0000

0,0000
Principales usuarios de agua en el mundo

Fonte: Echaid (2013, p. 129)

A água é essencial em qualquer processo de desenvolvimento, como se depreende


no Gráfico anterior, no qual os maiores usuários são países e continentes que lideram a
lista dos mais desenvolvidos economicamente, em que 75% da água é usada por 6 países,
indicando uma concentração no uso dessa água. Interessante ressaltar quanto à sua
utilização em atividades econômicas que, cerca de 90% dela é direcionada para
agricultura e indústria, respondendo o consumo doméstico em torno de 10%.
Duas questões são fundamentais para uma análise da crise hídrico-sanitária, sendo
a primeira delas a distribuição de água mais pródiga para uns territórios do que para outros
pela própria dinâmica do Planeta, e a outra, a água sendo maciçamente utilizada para a
produção de alimentos e nos processos industriais, o que demanda também mais infra-
estruturas hídricas (represas, aquedutos, transposições, poços, dessalinização, reuso, entre
outros), pois a água não está disponível em todos os lugares.
Há um ciclo hídrico que abastece os corpos de água (rios, aquíferos, mares, lagos)
existentes e daí extraímos a água para nossos múltiplos usos, tendo que fazê-la chegar até
seu destino, geralmente o mais próximo das aglomerações urbanas, devendo chegar onde
seja mais necessária segundo a racionalidade e dinâmica econômico-social.
Diante de um critério racional de justiça, que varia conforme as prioridades dos
planejamentos governamentais, com o ciclo hidrológico modificado nos centros urbanos
de modo a fazer chegar a água conforme os interesses postos, a importância de normas e
políticas que busquem equilibrar essa equação torna-se vital.

2 DIREITO HUMANO À ÁGUA


Uma outra premissa, uma outra chave ou elemento de compreensão da crise, é o
direito humano à água e ao saneamento básico, estabelecidos pela Organização das
Nações Unidas (ONU) em resolução, no ano de 2010, e reforçado nos Objetivos de
Desenvolvimento do milênio (ODS), na meta 6 que prevê o acesso universal à água e ao
saneamento até 2030. É importante ter isso em mente para considerar princípios que
regem o nosso ordenamento jurídico, e de outros países, que colocam como pilar de uma
política de água o acesso universal.
Todos devem ter disponível esse líquido vital, por tratar-se de uma questão de
sobrevivência e, além disso, a água tem uma característica muito peculiar, tendo múltiplos
usos, precisa ser fornecida para as diversas atividades humanas.
Em regra, todos os continentes, à exceção da Europa, utilizam muita água para a
produção agrícola, além do que, o prognóstico não é bom para as próximas décadas, em
face do aumento exponencial de seu consumo.
A injustiça na distribuição da água, diante de seu acesso, não está adstrita
exclusivamente ao território de um país, mas espalha-se pelo Planeta. As pessoas
necessitam de água e o mercado também, o que aumenta a importância de instrumentos
regulatórios no direito. Daí a crítica que se faz em face do Direito Internacional, segundo
a qual, sendo demasiadamente especializado, que causa uma fragmentação que pode
desfigurá-lo como um ramo do Direito, o que certamente contribui para manutenção dessa
distribuição injusta da água.

La tentación es precisamente la de crear regímenes plenamente


autónomos cuando es posible hallar normas que puedan apartarse del
derecho internacional general, a fin de ajustarse a las nuevas
necesidades de sectores sociales concretos. Pero distinto es cuando la
comunidad internacional encuentra temas cuya relevancia es tan
trascendente que merece un desarrollo pormenorizado o un orden de
preferencia diferente de algunas normas, de aquella situación en la que
sectores interesados ven ventajas individuales en partir la coherencia
del derecho internacional a fin de crear sub-áreas que respondan a sus
necesidades de manera más eficiente muchas veces, o más cómoda en
otras. Esta frecuencia para apartarse de las normas generales del
derecho internacional es un riesgo ya no posible sino bien palpable en
nuestros días. (ECHAID, 2014, p. 143)2

Um outro processo de exclusão ao acesso à água potável e ao saneamento básico


é a distribuição difusa da água às populações rurais no Brasil, uma vez que cerca de 32%
dessas tem acesso ao serviço no Brasil (HELLER et al., 2016, p. 624), criando uma legião
de pessoas excluídas num processo que poderia ser classificado como subcidadanização
na visão de Souza (2003), que aponta para a construção social de uma subcidadania, de
uma modernização periférica, ou seja, a cidadania no mundo é estratificada e não
isonômica, adequando-se a diversos grupos de pessoas, o que, certamente, resultaria de
um acesso diferenciado da água conforme a região que estivéssemos falando, se é urbana
ou rural, se a população beneficiada é de brancos ou de negros.
Parece que Castro et al. (2017) tem razão na medida em que coloca o controle
político da água e de sua gestão como algo presente invariavelmente em países
periféricos, especificamente os latino americanos, e como um indicador que poderia
medir a intensidade da democracia numa determinada região, pois como afirmar que um

2
A tentação é precisamente criar regimes totalmente autônomos quando é possível encontrar normas que
possam desviar-se do direito internacional geral, a fim de se ajustar às novas necessidades de setores sociais
específicos. Mas diferente é quando a comunidade internacional encontra questões cuja relevância é tão
importante que merece um desenvolvimento detalhado ou uma ordem de preferência diferente de algumas
normas, daquela situação em que os setores interessados vêem vantagens individuais em iniciar a coerência
do direito internacional a fim de crie subáreas que respondam às suas necessidades com mais eficiência
muitas vezes ou mais confortáveis em outras. Essa frequência para se desviar das normas gerais do direito
internacional é um risco que não é mais possível, mas muito palpável em nossos dias. (Tradução livre).
país é democrático se faltam os bens básicos à sobrevivência humana. Merece destaque
o que Albuquerque (2015, p. 11), relatora para o direito humano à água e saneamento na
ONU, afirmou:

O reconhecimento explícito, em 2010, da água e do saneamento como


direitos humanos pela Assembleia Geral da ONU, e as subsequentes
resoluções adotadas tanto pela Assembleia Geral como pelo Conselho
de Direitos Humanos da ONU sobre o tema – todas, exceto a primeira,
por consenso – vieram colocar um ponto final na questão de se saber se
a água e o saneamento constituem, ou não, direitos. Desconheço hoje
governo que afirme o contrário, e o número de países que estão
consagrando estes direitos de forma explícita nas suas constituições ou
legislações nacionais vem aumentando progressivamente. Entretanto, é
fato que o reconhecimento explícito e a consagração legal dos direitos
humanos à água e ao saneamento são de relativamente rápida e fácil
resolução. Vencida esta etapa inicial, outras questões muito mais
complexas se colocam. Uma delas tem a ver justamente com a
determinação do significado concreto e com as implicações práticas do
reconhecimento desses direitos, para fins da elaboração e da avaliação
de políticas públicas em matéria de água e saneamento. E os direitos à
água e ao saneamento só adquirem o potencial para se tornarem
realidade quando se passa à fase de utilização do marco normativo do
direito para, por um lado, examinar com lupa políticas públicas e
realidades nacionais e locais e, por outro, desenhar novas políticas
setoriais. Só aí os direitos saem do papel e contribuem efetivamente
para a melhoria da vida das pessoas.

Parece que o problema reside justamente na concretização desse direito,


considerando os números apresentados, tendo sido inserido no rol de direitos humanos o
direito à água e ao saneamento, agora precisa-se avançar, e não há sinais vigorosos nesse
sentido. Bulto (2015) expressa que há uma dinâmica internacional que visa não dar
importância jurídica à água e ao saneamento; isso é algo recorrente, o que faz a água não
ter um status muito proeminente no rol de direitos socioeconômicos e mesmo como um
direito ambiental fundamental. Esse é um processo de construção social, do qual o
fenômeno jurídico nasce, corroborando para essa constatação. Feitosa (2017, p. 93) diz o
seguinte:

Ora, conceber a efetividade dos direitos humanos e ignorar sua


concretização é não olhar o fenômeno jurídico como uma construção
social. Por isso, e para dar conta do problema proposto ao início, é que
- ao longo do texto – se buscou enfrentar o desdém com que se tenta
caracterizar a premente questão da concretização dos direitos sociais,
estratégia em geral levada a cabo, como se viu ao longo do artigo, pela
apologia unilateral dos direitos individuais (como se eles tivessem
contradição com aqueles outros, sociais).

Portanto, a concretização desses direitos dá sentido a todo o processo de conquista


desses direitos, do contrário resta o atraso e frustração. Segundo Echaid (2014) é preciso
também entender a questão da água no prisma internacional, ela é estratégica e a
concretização do acesso à água potável e saneamento como um direito humano dependerá
da compreensão que se tem dessa como um bem social, um bem comum, ou um bem que
se rege pelas regras de mercado. Pelo quadro que foi desenhado nos dados citados até
agora, o consumo humano é o menor problema, a questão é o uso para indústria e
agricultura, sendo necessária uma regulação forte realizada pelo Estado que, muitas
vezes, está subordinado ao interesse econômico. A CEPAL (Comissão Econômica para
América Latina e o Caribe) já havia apontado em 2011, em relatório, a necessidade dos
Estados serem mais protagonistas, seja na instituição de normas, seja na negociação
acerca dos investimentos realizados pela iniciativa privada no campo da água
(BOHOSLAVSKY et al., 2011).
Martín et al. (2015) apontou para a necessidade de esclarecer se a água se trata de
um bem natural efetivamente ou uma commodity, nesse cenário de pressão do mercado
sobre a água e a necessidade da comodificação como meio de regulação por parte do
mercado, ao que parece não produz justiça. Bulto (2015) defende a necessidade de se
elevar de importância o acesso à água potável e saneamento, visto que a água mantém a
vida no planeta.
Echaid (2017) defende o combate a uma visão ortodoxa da análise econômica do
direito que considera a privatização e a comodificação dos serviços de água como a única
forma de evitar o esgotamento desse recurso, muito mais numa visão de que a regulação
é necessária, porém, que não seja exclusivamente pelo mercado. Nessa questão temos
centralmente a propriedade como essência da sociedade capitalista e divisor de água para
a transição de “bens de todos” para uma sistemática de “bens privados”, concordando
com Echaid (2017), quando ele se refere-se ao direito de propriedade como um gerador
de um direito de exclusão. Portanto, Echaid (2017) insere a água no grupo dos bens
comuns, ou seja, espécie de bem cujo uso seria de todos, sem propriedade definida,
servindo a todos numa comunidade.
3 MUDANÇAS CLIMÁTICAS: GASES, ESCASSEZ DA ÁGUA E
PANDEMIA
Em 1992, a conferência de Meio Ambiente e Água, em Dublin, reforçou a
necessidade de se considerar a água como tendo valor econômico, inclusive como forma
de potencializar uma regulação do seu consumo, restringindo o acesso da , firmando no
artigo 4º da Declaração de Dublin:

Principio Nº 4 El agua tiene un valor económico en todos sus


diversos usos en competencia a los que se destina y debería
reconocérsele como un bien económico. En virtud de este principio,
es esencial reconocer ante todo el derecho fundamental de todo ser
humano a tener acceso a un agua pura y al saneamiento por un
precio asequible. La ignorancia, en el pasado, del valor económico
del agua ha conducido al derroche y a la utilización de este recurso
con efectos perjudiciales para el medio ambiente. La gestión del
agua, en su condición de bien económico, es un medio importante
de conseguir un aprovechamiento eficaz y equitativo y de favorecer
la conservación y protección de los recursos hídricos 3.

Nessa conferência ficou patente a necessidade por parte do mercado de atribuir


valor econômico à água sob o pretexto da regulação desse recurso natural. Em sua tese,
Echaid (2013) expõe a impossibilidade de se precificar a água em si, podendo se
estabelecer um preço para o processo de distribuição, por exemplo. Esse é um tema
polêmico, controverso, tendo em vista que tanto as empresas públicas como as privadas
cobram por esse recurso, e de acordo com a Resolução da ONU n. 64/292, não se fez
referência à precificação desse recurso, embora em 1992 tenham sido lançados os
princípios supracitados acerca dos recursos hídricos já estabelecendo a importância de se
regular o consumo mediante o preço. Assim estabelece a Resolução da ONU n. 64/292
de 2010: “1. Recognizes the right to safe and clean drinking water and sanitation as a
human right that is essential for the full enjoyment of life and all human rights; (…) 4”.
A crise hídrico-sanitária remete a uma crise mais ampla que não se restringe à
água, envolvendo uma rede sistêmica colapsada e, hoje pandêmica, considerando a água

3
http://www.uc.org.uy/ambiente/di0192.htm
4
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292 (1. Reconhece o direito à água
potável e segura e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno desfrute da vida e
de todos os direitos humanos; (…)). (Tradução livre)
e águas residuais comprovado vetor de transmissão e contágio do coronavírus dentre
outras doenças.
De fato, existe uma má distribuição da água, há escassez em diversas regiões do
Planeta em virtude do próprio clima e por questões políticas, também agravado pelo
modelo de desenvolvimento que provoca uma demanda cada vez maior de água, do que
decorre até mesmo a chamada litigância climática, utilizada como estratégia jurisdicional
ao aquecimento global (CARVALHO; BARBOSA, 2019).
Carvalho e Barbosa (2019), baseados em experiência dos Estados Unidos,
observam a litigância climática como estratégia promissora, visando compelir grandes
empresas e o Poder Público, executiva e legislativamente, a fim de assumirem e,
sobretudo, se responsabilizarem pelo controle e impactos do aquecimento global
‘antropogênico e mudanças climáticas”.
Quanto a isso, é de se indagar se a aprovação inesperada e pandêmica, da
privatização dos recursos hídricos e do saneamento, recém ocorrida entre nós, teria o
condão de ao menos aliviar o peso dos impactos da crise que se tem vivenciado e, sendo
positivo – o que não seria juridicamente aceito – decorreriam outras possibilidades de
mesma envergadura ambiental, ecológica e sistêmica, pois a suposta e inimaginavelmente
desobrigar-se o poder público dos impactos das mudanças climáticas decorrentes dos
impactos pelas emissão de gases, também se estaria pretendendo fazê-lo para os serviços
e utilização do bem vital e essencial que é a água.
A figura 1 demonstrada por Rodell (2018), aponta no sentido da construção de
hipóteses e cenários acerca das possibilidades dos estoques de água no Planeta e sua
afetação pela mudança do clima, ao indicar que esse estoque poderá mudar em várias
regiões, precipitando em diminuição de chuvas, impactando diretamente o volume de
águas superficiais e subterrâneas.
Figura 1 - Efeitos das mudanças climáticas no estoque de água do Planeta
Fonte: Rodell et al, 2018

Como se vê, além da questão de justiça ambiental, que põe em cheque o problema
da distribuição de água e também da existência de uma fórmula dessa distribuição, outras
variáveis potencializam a expressão desses números, vale dizer, a mudança dos padrões
do Planeta, que altera os estoques de água provocando secas mais intensas e períodos de
chuvas mais intensos também, o que se vê agravado diante da irregular urbanização,
resultando em desastres.
Observando-se as principais bacias hidrográficas da Terra, notadamente as que
fazem fronteira com países que compartilham dessas águas acima e abaixo do curso de
rios (Figura 2), teríamos uma visão mais fidedigna do real panorama, com destaque para
a distribuição das águas subterrâneas mais importantes e que se junta ao volume de águas
superficiais já existentes nessas bacias, ou alimentam, como nascentes, os rios e lagos.
Daí temos um complexo sistema de águas que sofre modificações causadas pelo homem,
pelo modelo de urbanização em conformidade com a ideia de territórios hidrossociais
(SILVA, 2020).
O uso desequilibrado que estamos estabelecendo, apresentando o nível de
extração das águas subterrâneas no Planeta que são vitais para muitos países (Figura 3),
a exemplo do México, alerta para a compreensão de que muitos desses países ainda não
detém infraestruturas de distribuição de água, o que impacta no uso e acesso à água de
qualidade, o que se vê agravado nas regiões metropolitanas (SILVA; CUNHA, 2020).
Figura 2 - Panorama global das águas transfronteiriças

Fonte: UNESCO, 2009


Figura 3 - Mapa que demonstra o nível de extração de água subterrânea
Fonte: UNESCO, 2009

É de se notar a intensificação dos conflitos pela água (Figura 4), na medida em


que os mecanismos de governança não buscam e não obtém soluções para a melhor
distribuição da água tratada, diante ainda de num contexto de escassez hídrica que poderá
aumentar em virtude de fatores climáticos ou de exploração, conforme panorama geral
de conflitos relacionados com a água.

Figura 4 - Mapa dos conflitos em torno da água no mundo. Fonte: PEEK, 2014

O ciclo da água comporta sua própria crise, na medida em que aproximamos as


políticas ambientais do ciclo da água sob a perspectiva da dinâmica da natureza que
fornece água para as diversas atividades domésticas e econômicas, mediante sua
circulação pela atmosfera em seus mais diversos estados.
O Planeta Terra é composto essencialmente de água, sendo que 97% está nos
oceanos e os 3% restantes na superfície em forma de água doce, o que compõe uma
atividade cíclica a que chamamos ciclo da água ou ciclo hidrológico, que para ser
entendido é preciso compreender que a água é o único composto químico do Planeta a
estar na Terra em três formas: gasosa (as nuvens), sólida (os glaciares) e líquida(oceanos,
rios e água subterrânea). (ALLÉGRE e REIS, 1996). Tal explicação tem a finalidade
fundamental de explicitar a forma cíclica da água no Planeta, o que está diretamente
ligado à condição e mudança climática.
Sendo assim, para a manutenção da vida nos diversos ecossistemas e para que a
vida urbana seja viável, não sendo possível proteger esse ciclo sem uma ação sistêmica
no âmbito da gestão pública tendo o direito ambiental como substrato de proteção
essencial e que atua nos elementos que são essenciais para a manutenção desse ciclo,
especialmente protegendo e realizando a gestão correta nas bacias hidrográficas. O
problema é justamente que nessas bacias temos as principais regiões metropolitanas que
conhecemos e é onde as atividades econômicas acontecem, notadamente indústria e
agricultura (SILVA; CUNHA, 2020).
Porém, a nossa realidade extremamente urbanizada nos permite falar em ciclo
urbano da água que necessita ser bem planejado e fechado, o que significa dizer que desde
a tomada de água do ciclo da água produzido na natureza, por meio de chuvas que
abastecem rios, aquíferos, represas e evaporação dos mares e das florestas como a
amazônica, e daí essa água passa a ser recurso, dotada de valor econômico, mesmo que
tenha sido concebida gratuitamente do céu, sendo represada e transferidas às casas,
indústrias e outras atividades que estão conectadas com uma rede de fornecimento de
água. A partir daí você tem o descarte da água utilizada, ou servida, que de alguma forma
é lançada na natureza retornando ao ciclo da água.
Essa terminologia é amplamente empregada na gestão do ciclo da água nas
cidades segundo Costa Dias et al. (2018). Porém, segundo esses autores, embora a gestão
da água dessas cidades parta do conceito de ciclo urbano da água é preciso atentar para
todas as fases desse ciclo, pois é nas cidades que o ciclo da água da natureza poderá ser
comprometido, uma vez que a água utilizada retornará de algum modo para a natureza e
ela precisa ser tratada eficazmente. Thomas (2016) aponta a utilização racional do ciclo
da água para aproveitamento nas múltiplas atividades humanas e que foi intensamente
utilizado na formação de grandes aglomerados urbanos e rurais, o que resultou na
necessidade de se regular um ciclo urbano 5 dessa água, marcado, principalmente, pelo
uso de tecnologia para captação e fornecimento dela às cidades prioritariamente.
Até aqui podemos dizer, na nossa avaliação, que se tem uma crise de distribuição
racional da água, na medida em que há um bem escasso para realizar a gestão por meio
de regulação legal e através de outros instrumentos, num contexto de mudanças da
dinâmica do próprio ciclo da água seja pela ação do homem seja pela própria natureza,
resultante das mudanças nos padrões de clima, e, certamente, agravado pelo modelo
existente em face do ciclo urbano da água, ou a inexistência ou precariedade do
desenvolvimento e manutenção das etapas do mesmo.

5
O ciclo urbano da água é formado por etapas, desde a captação de um determinado corpo de água, seja
um rio ou água subterrânea ou represa, o tratamento da água, o transporte dessa água até os usuários, o
descarte da água e o reuso, reincorporando-a ao ciclo urbano dessa água (MARSALEK et al, 2006).
Tucci (2008, p. 107) apresenta o estágio evolutivo dos problemas trazidos pela
urbanização e suas consequências no ciclo urbano da água, jogando mais clareza em
relação a essa crise hídrico-sanitária, nas seguintes fases:
a) estágio de pré-desenvolvimento: a bacia hidrográfica naturalmente produz
uma quantidade de sedimentos transportada pelos rios em razão das funções naturais do
ciclo hidrológico;
b) estágio inicial de desenvolvimento urbano: quando ocorre modificação da
cobertura da bacia, pela retirada da sua proteção natural, o solo fica desprotegido e a
erosão aumenta no período chuvoso, crescendo também a produção de sedimentos.
Exemplos dessa situação são: enquanto um loteamento é implementado, o solo fica
desprotegido; ruas sem pavimento; erosão pelo aumento da velocidade do escoamento a
montante por áreas urbanizadas; na construção civil por falta de manejo dos canteiros de
obras onde ocorre grande movimentação de terra. Esse volume é transportado pelo
escoamento superficial até os rios. Nessa fase, existe predominância dos sedimentos e
pequena produção de resíduos;
c) estágio intermediário: parte da população está estabelecida, ainda existe
importante movimentação de terra por causa de novas construções. Em virtude da
população estabelecida, existe também uma parcela de resíduos sólidos que se soma aos
sedimentos;
d) estágio de área desenvolvida: nessa fase praticamente todas as superfícies
urbanas estão consolidadas, resultando numa produção residual de sedimentos em razão
das áreas não-impermeabilizadas, mas a produção de resíduos urbanos chega ao seu
máximo com a densificação urbana.
Portanto, essa classificação nos auxilia a compreender o estágio de crise hídrico-
sanitária e sua relação com o planejamento urbano. O Brasil, principalmente quando se
tem a intenção de cumprir as metas dos Objetivos do Milênio (ODS) especificamente a
meta 6 da universalização da água potável e esgoto tratado até 2030, mostra a ineficiência
do ciclo urbano da água, impactando diretamente na água advinda do ciclo natural, ou
seja das chuvas formadas pela evapotranspiração das florestas e evaporação dos mares.
Tal quadro, vai muito além do ciclo urbano, na medida em que o campo é
deficiente no acesso à água potável, bem como em face do saneamento básico,
notadamente em relação ao esgoto tratado e reutilização das águas residuais completando
assim o ciclo. Em áreas extremamente relevantes no contexto ambiental, como a bacia
Amazônica, a bacia do Paraná e a bacia do São Francisco, a remoção da carga de esgoto
não é eficiente comprometendo a potencialidade dos serviços ambientais fornecidos por
essas bacias, especial o fornecimento de água para as regiões metropolitanas (SILVA;
CUNHA, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um novo colonialismo faz com que essa exploração econômica e ecológica
perdure, para além dos processos de ciclo ecológico assim compreendido o ciclo da água
e demais elementos da natureza, impactando diretamente das condições e mudanças
climáticas, não podendo o Poder Público eximir-se sob qualquer pretexto, nem mesmo a
privatização, da responsabilidade objetiva em razão do dever de cuidar de seu acesso
eficaz e da prestação de serviços ininterrupta.
A instalação de multinacionais nos países periféricos, beneficiando em vários
aspectos os países desenvolvidos, tanto pelos reduzidos encargos tributários e trabalhistas
cobrados, como pelo incentivo ao consumo dos bens e serviços produzidos, alterando os
valores e os costumes locais, bem como produzindo de forma acelerada a produção de
gases de efeito estufa, comprometendo mediante ou imediatamente as condições
climáticas, resultante ao longo do tempo nos impactos para o meio ambiente e para a
saúde humana, são de responsabilidade do Poder Público, independentemente da
responsabilidade das empresas e empreendedores pelos atos praticados.
A não se responsabilizar a demografia pelo esgotamento dos recursos energéticos
do planeta, deve-se atentar para o forte crescimento da exploração desenfreada dos
recursos naturais (elementos ecológicos), sendo a água vital para toda espécie de vida no
Planeta.
São as duas faces da moeda, que criam igualmente problemas ecológicos:
miserabilidades no Sul, com epidemias, fome e poluição, e a opulência do Norte, com os
desperdícios dos recursos e a poluição, o que, constitui um dos atuais “conflitos
ecológicos distributivos”, objeto de estudo da ecologia política (ALIER, 2007), que
investiga também em que termos esse uso pode ser equalizado.
Por certo, o gozo dos frutos não serão exorbitados por toda a população mundial,
ainda mais, situações pandêmicas como a que vive o Planeta, tenderão a tornar-se
realidade reincidente, pois a água não tratada é vetor de transmissão importante, para
vários tipos de doença, “sob pena de os recursos naturais e os equilíbrios ecológicos
sofrerem a curto prazo desgastes fatais para a sobrevivência da vida na terra tal como a
conhecemos”, embora os seus custos continuem a ser suportados “por uma maioria
sempre crescente” (SANTOS, 2010).
Ademais, cabe salientar que todas as matrizes da crise, não só revelam a crise de
modelo econômico, como também uma “crise da civilização” (LEFF, 2006), que o
compõe, agravada na atualidade pela crise hídrica-sanitária-pandêmica, sendo a pior das
escolhas e a pior das crises, citando Walter Benjamin ao afirmar que “a crise, a verdadeira
crise, é continuar tudo como está” (SANTOS, 2020).
Faz-se mais que urgente a nova racionalidade jurídica, a fim de se compreender e
reconhecer a complexidade Ambiental e sistêmica dos elementos da natureza, do ponto-
de-vista das Políticas Públicas que encerram sua proteção, inclusive.
A reapropriação da natureza, compreende o ser coletivo assim reconhecido como
ente jurídico que coloque em primazia a proteção jurídica e o reconhecimento de direitos
coletivos, acima dos interesses privados, de exploração financeira e políticos.
A conexão entre os elementos naturais é revelada nas leis de proteção desses
recursos, com destaque absoluto para os não renováveis, relevando-se o reconhecimento
de origem e de Povos Tradicionais, sua cultura e tradição, igualmente pertencente ao
Planeta.
REFERÊNCIAS

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CAMBIO CLIMÁTICO: ¿INSTRUMENTOS
INTERNACIONALES PARA LA CONSTRUCCIÓN
DE UNA AGENDA COMÚN?

CLIMATE CHANGE: INTERNATIONAL


INSTRUMENTS FOR THE CONSTRUCTION OF A
COMMON AGENDA?

Beatriz Souza Costa ∗


Jamile Bergamaschine Mata Diz∗∗

INTRODUCCIÓN
Como es ampliamente sabido el clima ejerce indiscutible influencia sobre las
actividades de la naturaleza y de todos los seres vivos (pudiéndose afirmar incluso que
impacta hasta sobre los seres inanimados), de tal forma que una variación abrupta del
clima supone graves riesgos o daños a la vida en la tierra. El cambio climático tiene, por
su vez, estrecha relación con la variación global del clima en la tierra.
Para el IPCC (Panel intergubernamental sobre cambio climático), órgano
vinculado a la NU (Organizaciones de Naciones Unidas), el cambio climático puede ser
definido como una “importante variación estadística en el estado medio del clima o en su
variabilidad, que persiste durante un período prolongado (normalmente decenios o
incluso más). El cambio climático se puede deber a procesos naturales internos o a


Doutora em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais-
UFMG. Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Estágio Pós Doutoral na Universidade de Castilla-
La Mancha Toledo/Espanha. Pró-Reitora de Pesquisa da ESDHC. Professora do PPGD da ESDHC.
∗∗
Cátedra Jean Monnet Direito UFMG. Doutora em Direito Público/Direito Comunitário pela Universidad
Alcalá de Henares - Madrid. Mestre em Direito pela UAH, Madrid Master en Instituciones y Políticas de
la UE - UCJC/Madrid. Catedrática Jean Monnet da Faculdade de Direito/UFMG. Coordenadora do Centro
de Excelência Europeu da UFMG. Professora da FDMC/MG e da ESDHC. Professora do PPGD da
Universidade de Itaúna. Coordenadora da Rede de Pesquisa “Integração, Estado e Governança”.
cambios del forzamiento externo, o bien a cambios persistentes antropogénicos en la
composición de la atmósfera o en el uso de las tierras.” (2001, p. 176)
Bajo la perspectiva jurídica, la Convención Marco de las Naciones Unidas sobre
el Cambio Climático (CMCC), en su artículo 1, define cambio climático como “un
cambio de clima atribuido directa o indirectamente a la actividad humana que altera la
composición de la atmósfera mundial y que se suma a la variabilidad natural del clima
observada durante períodos de tiempo comparables.”
Vale resaltar que la CMCC hace distinción entre cambio y variabilidad climáticos,
siendo esta atribuible a variaciones causadas por la naturaleza, mientras el cambio
climático se vincula a las actividades humanas que alteran la composición atmosférica.
Ahora bien, no se puede negar que el clima siempre ha variado, el problema del
cambio climático es que en el último siglo el ritmo de estas variaciones se ha acelerado
mucho, y la tendencia es que esta aceleración va a ser exponencial si no se ponen trabas
para el control de las causas para el cambio climático. Al buscar la causa de esta
aceleración se encontró que existía una relación directa entre el calentamiento global o
cambio climático y el aumento de las emisiones de gases de efecto invernadero (GEI)
provocado por las sociedades humanas industrializadas.
Los estudiosos apuntan que el dióxido de carbono y el metano son los principales
gases de efecto invernadero (GEI) que pueden ser encontrados en la atmosfera y que han
tenido un incremento significativo a partir del proceso de industrialización e del
incremento de los centros urbanos. Otros gases causantes del cambio climático son los
óxidos de nitrógeno (NOX) y los clorofluocarbonos (CFC), que se han venido usando en
las neveras, equipos de aire acondicionado y aerosoles, y que antes no existían en la
atmósfera, pero que actualmente tienen su utilización prohibida por varias legislaciones
nacionales.
De acuerdo con el Panel Intergubernamental sobre Cambios Climáticos Globales
(IPCC, en la sigla en inglés) el calentamiento global es inequívoco y hay más del 90% de
certeza científica de que las alteraciones en el clima son intensificadas por las actividades
humanas. Para llegar a esa conclusión, el IPCC evaluó 577 trabajos científicos,
describiendo cerca de 80 mil series de datos, que muestran modificaciones significativas
como reculo de glaciares, alteraciones de volúmenes de agua en ríos, lagos y océanos.
Así como cambio en el comportamiento de peces, aves, mamíferos y otras especies
animales y especies vegetales. Según diversos estudios, la temperatura media en el
planeta subió cerca de 0,7ºC a lo largo del siglo 20, así como ese calentamiento viene
ocurriendo de manera más rápida en los últimos 25 años.
La temperatura subió en velocidad cuatro veces mayor que la media desde 1850.
Es interesante registrar que tanto las causas naturales como a aquellas atribuidas a las
actividades humanas están contempladas en los modelos usados por los científicos para
reproducir, de modo general, la curva de evolución de las temperaturas del siglo 20. Se
verificó que las fuerzas antrópicas son el factor dominante entre los años 1970-2000. Por
otro lado, si los modelajes solamente recurriesen a las causas naturales (solar y volcánica)
el escenario probable sería un resfriamiento y no un calentamiento global.
El calentamiento global, por su vez, tiene relación directa con el aumento de los
gases de efecto invernadero en la atmosfera y con la consecuente absorción de estos por
los océanos, lo que supone desequilibrio continuado en el clima de la tierra. Se sabe que
el Calentamiento Global ha ido de la mano con una tendencia hacia un incremento en el
CO2 atmosférico, lo que indica que la causa de esta tendencia hacia el calentamiento es
una intensificación del efecto invernadero.
Así, se puede observar que el calentamiento global ha supuesto un giro importante
en las negociaciones internacionales de instrumentos de combate al aumento de gases de
efecto invernadero, al tiempo que impulsó la creación de una agenda volcada en los temas
ambientales, específicamente con relación al cambio climático.
Por tanto, el objetivo del presente trabajo será analizar, aunque de modo
telegráfico, la evolución de la agenda internacional en materia ambiental con la
consiguiente inclusión del tema del cambio climático, al tiempo en que se inicia un
proceso de negociación, firma y aplicación de actos internacionales dirigidos a la lucha
contra los efectos adversos de tal fenómeno.
La metodología de trabajo se ha centrado en el método histórico-analítico
buscando ahondar la ruta por la cual los Estados han, poco a poco, reconocido la
necesidad de generar un marco normativo común, aunque de mininus, para generar un
esfuerzo colectivo que posibilite disminuir o, hasta mismo extinguir, con los procesos,
acciones y medidas que puedan acelerar el calentamiento global y la emisión de gases de
efecto invernadero.
1 DE LA DECLARACIÓN RIO/92 AL PROTOCOLO DE KYOTO
De modo a determinar, de manera esquemática, cuáles fueron las principales
acciones e instrumentos que contribuyeron para el reconocimiento de la
internacionalización del medio ambiente y de las consecuentes discusiones e medidas a
él relativos, se hará un análisis cronológico de estos instrumentos, aunque no tengamos
por objetivo presentar un rol perfecto y acabado de todos los instrumentos internacionales
volcados en la protección ambiental, dada la creciente negociación, firma e incorporación
de actos internacionales lato senso (tratados, convenciones, protocolos, resoluciones, etc.)
que rigen la temática ambiental.
A pesar de la discordancia doctrinaria, la creación de instrumentos internacionales
firmados a partir de la década de 60 puede ser considerada como el establecimiento de
una nueva vertiente jurídico-institucional, donde la relación hombre-propiedad-
colectividad, empezó a mediarse por factores exógenos a este sistema, capaces de nivelar
los efectos de la actuación de las diferentes fuerzas en conflicto (interés individual e
interés colectivo).
La Convención de Estocolmo, al expresar principios jurídicos de carácter
acentuadamente internacionales, propició el establecimiento de un nuevo orden
interestatal basado en un aspecto hasta entonces ignorado, en mayor o menor medida, por
los Estados: este orden se fundamenta en el hecho de que el medio ambiente constituye
un “patrimonio mundial” cuya conservación y consecuente protección afecta a toda la
humanidad, y como tal, debe ser objeto de atención por parte de todos 1. La cuestión
ambiental se desvincula, por tanto, de la esfera particular de cada Estado, adoptándose
una premisa común que debe ser observada universalmente: que la protección
internacional del medio ambiente encierra cada uno de los actores internacionales
(entendidos estos en un sentido más amplio) individual y colectivamente.
Además de representar una primera tentativa universal de elaboración de
principios y objetivos específicos para la protección ambiental, la Convención de
Estocolmo trató también de la temática relativa a la contaminación transfronteriza,
concepto de especial relevancia, una vez que originó la consagración de un postulado para

1
Para Juste “la incuestionable continuidad espacial del medio humano ha llevado no solamente a la
elaboración de reglas destinadas a aplicarse sin acepción de fronteras sino también a la adopción de reglas
que obligan a los Estados precisamente en el interior de sus fronteras, ya que el medio ambiente de cada
Estado forma parte indisociable del patrimonio ecológico mundial.” (Juste, 1992, p. 49).
la responsabilidad ambiental, entendida, en sentido amplio, como aquella que puede
extenderse más allá de las fronteras físico-territoriales de un determinado país.
Posteriormente, en la Declaración de Río de Janeiro (ECO/92) – adoptada en el
marco de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y Desarrollo
(CNUMAD) - considerada también un marco importante para el fortalecimiento del
derecho ambiental, han sido consolidados algunos de los principios adoptados en
Estocolmo, además de añadir otros elementos y principios necesarios para la creación de
un acervo jurídico solido sobre la protección ambiental.
Maes (2007, p. 203) al comentar la Declaración y la correlativa construcción de
un sistema principiológico innovador señaló que

“excepto por el principio de la responsabilidad común pero diferenciada


(principio 7), la mayoría de esos principios no eran realmente nuevos.
Incluso el principio del desarrollo sostenible (principio 3) tiene sus
raíces en el principio 2 de la Declaración de Estocolmo, limitado al
contexto medioambiental. En el periodo anterior a la Declaración de
Río de Janeiro, todos los ‘principios de derecho ambiental’ fueron
incorporados por tratados regionales, recomendaciones de
organizaciones regionales y en declaraciones ministeriales de carácter
regional, aunque con diferentes contenidos y con aplicación
circunscrita a ciertas regiones del mundo o a ciertas áreas del medio
ambiente (por ejemplo, contaminación aérea o marítima).

Vale resaltar aún que en el periodo entre Estocolmo y la CNUMAD-92, se elaboró


el Informe Nuestro Futuro Común, en 1987 por la Comisión Brundtland, lo cual además
de reconocer que el actual modelo de desarrollo económico es el responsable por la
degradación ambiental del planeta sugirió alternativas para revertir la situación, con la
presentación de un modelo de desarrollo capaz de preservar los recursos naturales para
las futuras generaciones, creando el principio de la equidad intergeneracional.
En la Declaración del Río - con 27 principios - los Estados signatarios
comprometen a introducir ciertos instrumentos de política ambiental en el derecho
ambiental interno (Principio 11), en aras de lograr la preservación del desarrollo
sostenible y de la protección del ser humano. Los 27 principios pueden analizarse bajo
cuatro ejes temáticos:
a) Interrelación entre desarrollo y medio ambiente = desarrollo sostenible. Principios 1º
al 9º;
b) Instrumentos y medidas a adoptarse por los Estados. Principios 10º al 19º;
c) Tratan particularmente de ciertos grupos sociales y de su papel en la protección
ambiental. Principios 20 al 22;
d) Relaciones y derecho internacionales. Principios 23 al 27.
Además, en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y
Desarrollo (CNUMAD-92), las 172 naciones participantes aprobaron tres acuerdos:
a) Agenda 21 para promover el desarrollo sostenible, considerada un plan de acción
mundial vinculando a los países que participaron de la CNUMAD. Las áreas y programas
de la Agenda 21 fueron sistematizados en 4 partes y 40 capítulos, descritos en términos
de bases para la acción, objetivos, actividades y medio de implementación, pudiendo
sintetizarse a partir de distintos aspectos (Silva, 2010):
1ª parte – Dimensiones sociales y económicas, combate a la pobreza, patrones de
consumo, salud humana;
2ª parte – Conservación y gestión para el desarrollo y la protección de la atmósfera,
recursos terrestres, reforestación, desarrollo agrícola y rural sustentable, recursos
hídricos;
3ª parte – Papel de los grupos sociales y
4ª parte – Medios de implementación.
b) Declaración sobre Principios Relativos a los Bosques: es una declaración de principios
jurídicamente no compulsoria, que busca un consenso mundial sobre la gestión,
conservación y explotación de todos los tipos de florestas.

Para Silva (2010, p. 38)


significó un primer paso para un consenso mundial sobre todos los tipos
de florestas y proclamó el derecho soberano de explorar sus propios
recursos, así como la obligación de que las actividades desarrolladas en
su territorio no perjudicaran el medio ambiente de otros Estados.
Reconocimiento de la función vital de las florestas.

c) Declaración de Río sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, conocida como la Carta


de la Tierra.
Además, se abrieron a la firma dos instrumentos con fuerza jurídica obligatoria:
el Convenio sobre la Diversidad Biológica, que persigue el múltiple propósito de la
conservación de la diversidad biológica, la utilización sostenible de sus componentes y la
participación justa y equitativa de los beneficios que se deriven de la utilización de los
recursos genéticos, y la Convención Marco sobre el Cambio Climático, que será a
continuación analizada.
Se debe de poner de relieve que las discusiones sobre el cambio climático se han
venido gestando antes del CNUMAD-92. Especial mención se debe de hacer al Grupo
Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático (IPCC) creado en 1988 por
la Organización Meteorológica Mundial (OMM) y el Programa de las Naciones Unidas
para el Medio Ambiente (PNUMA).
La función del IPCC consiste en analizar, de forma exhaustiva, objetiva, abierta y
transparente, la información científica, técnica y socioeconómica relevante para entender
los elementos científicos del riesgo que supone el cambio climático provocado por las
actividades humanas, sus posibles repercusiones y las posibilidades de adaptación y
atenuación de este.
Este Grupo tuvo un rol importante en la adopción y puesta en marcha de los
instrumentos internacionales relativos al cambio climático, debido principalmente a los
estudios y discusiones en su ámbito realizados.

2 LA CONVENCIÓN MARCO SOBRE CAMBIO CLIMÁTICO:


HACIA LA ADOPCIÓN DE NUEVOS INSTRUMENTOS PARA EL
COMBATE AL CALENTAMIENTO GLOBAL
La Convención se abrió a la firma en 1992, por ocasión de la CNUMAD,
celebrada en Río de Janeiro ese mismo año, y entró en vigor en marzo de 1994. Desde
entonces, se han adherido a la Convención 195 estados y la Unión Europea, y esta amplia
ratificación hace de la Convención uno de los acuerdos ambientales internacionales que
goza de un apoyo más universal. Desde que entró en vigor, las llamadas Partes en la
Convención - los países que han ratificado, aceptado o aprobado el tratado o se han
adherido a él - se han reunido anualmente en la Conferencia de las Partes, conocida por
sus siglas en inglés COP.
La Convención tiene como objetivo último lograr una estabilización de las
concentraciones de gases de efecto invernadero en la atmósfera a un nivel que impida
perturbaciones peligrosas de carácter antropogénico en el sistema climático. Además,
indica que este nivel debería lograrse en un plazo suficiente para permitir que los
ecosistemas se adapten naturalmente al cambio climático, asegurar que la producción de
alimentos no se vea amenazada, y permitir que el desarrollo económico prosiga de manera
sostenible.
La Convención reconoce que es un documento marco, es decir, un texto que debe
enmendarse o desarrollarse con el tiempo para que los esfuerzos frente al calentamiento
atmosférico y el cambio climático puedan orientarse mejor y ser más eficaces. Se busca
que la estabilización de gases de efecto invernadero en la atmósfera se logre en un plazo
suficiente para permitir que los ecosistemas se adapten naturalmente al cambio climático.
En el texto de la Convención, artículo 3, se reconocen los principios generales que
deben conducir la actuación de los Estados, las organizaciones y los individuos, tales
como: principio del desarrollo sostenible (y su despliegue equidad intergeneracional);
principio de la responsabilidad común pero diferenciada; principio de la precaución;
principios quien contamina-paga y de la responsabilidad; principio de la cooperación
internacional.
Los compromisos asignados en el texto de la Convención pueden ser así
resumidos:
• recoger y compartir la información sobre las emisiones de gases de efecto invernadero,
las políticas nacionales y las prácticas óptimas;
• poner en marcha estrategias nacionales para ahondar el problema de las emisiones de
gases de efecto invernadero y adaptarse a los efectos previstos, incluida la prestación de
apoyo financiero y tecnológico a los países en desarrollo;
• cooperar para prepararse y adaptarse a los efectos del cambio climático.
Con relación a la estructura propuesta por la Convención tenemos la conferencia
de las Partes (COP, sigla en inglés) como órgano principal en el que se reúnen las Partes
de la Convención para adoptar decisiones. La COP se reúne una vez al año desde 1995
(un año después de su entrada en vigor), tiene el mandato de revisar la implementación
de la Convención y puede negociar nuevos compromisos; la Conferencia de las Partes en
calidad de reunión de las Partes en el Protocolo de Kioto (COP-MOP, sigla en inglés),
órgano que actúa en calidad de reunión de las Partes en el Protocolo de Kioto; la reuniones
COP y COP-MOP se celebran simultáneamente para reducir costes y mejorar la
coordinación entre la Convención y el Protocolo; y, los órganos de apoyo - Órgano
Subsidiario de Asesoramiento Científico y Tecnológico (SBSTA, sigla en inglés)
responsable por asesorar a las Conferencias de las Partes de la Convención y el Protocolo
sobre las cuestiones científicas y tecnológicas relativas al clima, el medio ambiente, la
tecnología y las metodologías; y el Órgano Subsidiario de Ejecución (SBI, sigla en inglés)
que ayuda a controlar la aplicación de la Convención y del Protocolo, especialmente en
lo que se refiere a la información contenida en los inventarios de gases de efecto
invernadero y otras obligaciones de información presentadas por las Partes, con el fin de
evaluar la eficacia global de la Convención y del Protocolo.
A partir de las distintas acciones emprendidas por los Estados y las organizaciones
para concretar los objetivos de la Convención, se adopta el Protocolo de Kyoto donde se
reconoce la necesidad de fijar límites específicos de emisión de gases de efecto
invernadero para los Estados, indicando un “modus operandi” diferenciado, a partir de la
constatación de grupos diferenciados de Estados y de la responsabilidad a compartirse
entre Estados desarrollados y Estados en vías de desarrollo.

3 EL PROTOCOLO DE KYOTO: EL RECONOCIMIENTO DE LA


RESPONSABILIDAD COMÚN PERO DIFERENCIADA
El Protocolo de Kyoto puede ser considerado como un instrumento que resultó
directamente de las negociaciones en materia de reducción de gases de efecto
invernadero, aunque su implementación no estuvo exenta de amplios debates a raíz de la
necesidad de fijar normas cuyo cumplimiento sería obligatorio, basado en un sistema de
reparto diferenciado según las medias históricas de los Estados. Firmado el 11 de
diciembre de 1997, después de distintas rondas de negociación, ha sido el responsable por
efectivizar los compromisos que habían sido asumidos en el Convenio Marco de 1992.
Entró en vigor en febrero de 2005.

Conforme señala Díaz-González (2006, p. 122)


la tardanza en su entrada en vigor, ocho años después de su firma, se ha
debido a las exigencias que el propio Protocolo incorporaba para la
misma: era necesario que fuera ratificado como mínimo por 55 Estados
Parte de la Convención, que, además, sumasen el 55% de las emisiones
mundiales de dióxido de carbono de 1990 (art. 25). Dado que existe una
gran desproporción entre los países causantes del efecto invernadero, el
protocolo sólo podría entrar en vigor si contaba con la ratificación de
aquellos países que más contaminan. Estos Estados son los que figuran
en el Anexo I de la Convención (38 en total). El primer objetivo se logró
fácilmente. En el 2002, 55 EE.MM. de la Convención habían ratificado
el protocolo. El segundo objetivo era el más difícil de alcanzar. La
oposición a ratificar de los principales países responsables de
emisiones, muy especialmente, la actitud de EE.UU., principal emisor
mundial de CO2, hizo dudar sobre si el Protocolo entraría alguna vez
en vigor. En 2002, el Protocolo recibió el espaldarazo de dos
importantes Estados signatarios: Japón (con el 8,5% del total de
emisiones del anexo I y la U.E. (22% emisiones y 15,3% de las
emisiones mundiales). Pero no fue hasta el 2004, una vez que Rusia
(17,4% emisiones) se sumó a las ratificaciones, cuando se alcanzaron
los objetivos exigidos para la entrada en vigor. Tal y como el Protocolo
preveía, ésta se produjo pocos meses después.

El Protocolo puede ser analizado, de modo sintético, a partir de la división en tres


partes:
- Primera parte: se determinan los marcos conceptuales empleados en el
instrumento, de modo a uniformizar las concepciones que deben regir la aplicación de
este. El artículo 1 detalla las definiciones de términos como convención; partes y panel
intergubernamental. En esa parte se determinan las políticas y medidas que deben de
cumplirse por las Partes signatarias de modo a cumplir con los compromisos asumidos
(art. 2). Se fijan también los compromisos diferenciados que deben de cumplirse por los
Estados, pues el artículo 3 determina que

las Partes incluidas en el anexo I se asegurarán, individual o


conjuntamente, de que sus emisiones antropogénicas agregadas,
expresadas en dióxido de carbono equivalente, de los gases de efecto
invernadero enumerados en el anexo A no excedan de las cantidades
atribuidas a ellas, calculadas en función de los compromisos
cuantificados de limitación y reducción de las emisiones consignados
para ellas en el anexo B y de conformidad con lo dispuesto en el
presente artículo, con miras a reducir el total de sus emisiones de esos
gases a un nivel inferior en no menos de 5% al de 1990 en el período
de compromiso comprendido entre el año 2008 y el 2012.

Asimismo, se especifican los compromisos que deben ser cometidos por los
Estados en vía de transición a una economía de mercado (Bulgaria, Estonia, Letonia, entre
otros), aunque no se establezcan niveles para los Estados en vías de desarrollo. Es
justamente en dicho punto que se observa la aplicación del principio de las
responsabilidades comunes pero diferenciadas2, al enmarcar compromisos distintos

2
Principio 7 Declaración de Rio/92: En vista de que han contribuido en distinta medida a la degradación
del medio ambiente mundial, los Estados tienen responsabilidades comunes pero diferenciadas. Los países
desarrollados reconocen la responsabilidad que les cabe en la búsqueda internacional del desarrollo
según el grado de desarrollo económico que se puede asignar a los Estados. Por tanto, el
Protocolo determina grados distintos de observancia conforme se ubique el Estado en el
Anexo I o no (llamado Anexo 2 por algunos) 3.

Según manifiesta Campins-Eritja (1999:80)


supone el reconocimiento de las circunstancias especiales que afectan a
los países en desarrollo y la estructuración de sus compromisos
conforme a ello, lo que resulta en la existencia de una serie de
obligaciones generales cuyo cumplimiento compete a todas las Partes y
en la limitación a los países Parte listados en el anexo I del Convenio
del cumplimiento de los compromisos relativos a la reducción de
emisiones de gases de efecto invernadero, a las fuentes y a los
sumideros.

Por supuesto, como medida complementar al reconocimiento de la


responsabilidad común pero diferenciada podemos citar la disposición relativa a las
disparidades entre Estados reconocidas en virtud de razones geográficas y/o económicas
en el marco del dispuesto en el principio de la Declaración Río/92 4.
Los artículos 4 a 10 siguen especificando el alcance y concretización de las
políticas y medidas, con base en los compromisos fijados en el artículo 3, en relación a la
comunicación y notificación entre las Partes (art. 4); la adopción de sistemas nacionales
de control de emisiones antropógenos por las fuentes y de la absorción por los sumideros
de todos los gases de efecto invernadero no controlados por el Protocolo de Montreal,
basados en las metodologías aprobadas por el Grupo Intergubernamental de Expertos
sobre el Cambio Climático y acordadas por la Conferencia de las Partes (art. 5); los
procedimientos para la puesta en marcha de criterios que posibiliten la flexibilidad
aceptada por el propio Protocolo, mediante los mecanismos de ejecución conjunta (art.
6); la comercialización de permisos de emisión de gases de efecto invernadero (art. 17),
y el establecimiento del Mecanismo para el Desarrollo Limpio (art. 12) para proveer
asistencia financiera a los países en desarrollo.

sostenible, en vistas de las presiones que sus sociedades ejercen en el medio ambiente mundial y de las
tecnologías y los recursos financieros de que disponen.
3
Los datos en relación a los Estados del Anexo I pueden ser consultados en
http://unfccc.int/ghg_data/kp_data_unfccc/base_year_data/items/4354.php.
4
“Se deberá dar especial prioridad a la situación y a las necesidades especiales de los países en desarrollo,
en particular los países menos adelantados y los más vulnerables desde el punto de vista ambiental. En las
medidas internacionales que se adopten con respecto al medio ambiente y al desarrollo también se deberían
tener en cuenta los intereses y las necesidades de todos los países.”
Específicamente los artículos 10 y 11 al enumerar las distintas acciones que
pueden llevarse a cabo en aras de lograr mayor cooperación sobre el tema, pone de relieve
que “todas las Partes, teniendo en cuenta sus responsabilidades comunes pero
diferenciadas y las prioridades, objetivos y circunstancias concretos de su desarrollo
nacional y regional (…)”, en un claro reconocimiento del carácter diferenciador del
Protocolo.
Ese es, en la opinión de los autores, uno de los principales logros del Protocolo en
la búsqueda de un tratamiento igualitario en materia ambiental, al reconocer la llamada
“deuda histórica” que deben de asumir los Estados desarrollados y más industrializados
cuando comparados con los Estados en vías de desarrollo, determinando así una
“compensación” y el reconocimiento de las asimetrías entre los Estados que deben
traducirse en grados distintos de cumplimiento y metas diferenciadas.
- Segunda parte: adopta disposiciones relativas a la institucionalidad necesaria
para regir y asegurar el cumplimiento de los compromisos (artículos 13 a 15),
determinando los cometidos y atribuciones dadas a la Conferencia de las Partes (COP);
de la Secretaría y de los órganos subsidiarios del sistema (Órgano Subsidiario de
Asesoramiento Científico y Tecnológico y Órgano Subsidiario de Ejecución que actúan
a raíz de la Convención Marco). El artículo 16 hace mención del mecanismo consultivo
multilateral que todavía no ha sido adoptado, bien como un procedimiento de
incumplimiento, dispuesto en el artículo 18, que tampoco ha sido implementado.
Finalmente, las disposiciones finales dicen respecto a aspectos procedimentales del
Protocolo, al determinar las disposiciones atinentes a la revisión, enmienda, elaboración
de anexos y ratificación (artículos 20 al 28).
- Tercera parte: donde se ubican los temas del Anexo A, a saber: i) descripción de
los gases de efecto invernadero; ii) sectores y categorías fuentes de energía y iii) desechos.
Ahora bien, los compromisos asumidos por Kyoto, lamentablemente, y conforme
veremos, no han sido fácilmente observados por los Estados y las COP’s no han
conseguido avanzar hacia una agenda más positiva y vinculante para los Estados. Una de
las principales razones para afirmarse que Kyoto no ha tenido gran éxito fue el incremento
de los gases de efecto invernadero en el periodo estipulado por Kyoto (2008-2012), lo
que señala la urgente necesidad de establecer mecanismos quizás más rígidos de control,
estableciéndose por ende los procedimientos de incumplimiento.
3.1 LAS CONFERENCIAS DE LAS PARTES (COP’s)
Se estableció como el órgano superior de la estructura institucional de la
Convención marco y también del Protocolo de Kyoto, según el artículo 13, donde también
se encuentran detallada sus funciones con relación al cumplimiento del Protocolo. Desde
la adopción del referido instrumento fueron realizadas conferencias anuales destinadas a
la negociación, implementación y puesta en marcha de los objetivos, acciones, medidas
y recursos previstos en Kyoto. De modo resumido y sin la pretensión de agotar el tema,
podemos decir que las principales conferencias tuvieran como resultado:
a) Conferencia de las Partes – año 1997: primera conferencia después de la firma del
Protocolo, se centraba en la discusión sobre los métodos de flexibilidad adoptados en el
instrumento, bien como analizar los criterios para el procedimiento de incumplimiento,
mediante la fijación de un sistema progresivo de sanciones. Sin embargo, lo que se logró
en aquel momento fue la elaboración de un Plan de acción donde constaba temas como
reglas de funcionamiento del mecanismo de desarrollo limpio; mecanismos para la
contabilización de las emisiones nacionales; reglas de acreditación del sistema de captura
de carbono, etc.
b) Conferencia de las Partes – año 1998: el principal resultado de esa conferencia fue fijar
un cronograma para complementar los trabajos de los negociadores del Protocolo,
mediante la creación de un plan de trabajo denominado Plan de Acción de Buenos Aires,
cuyo plazo se finalizaría en 2000, de forma a especificar las principales normas,
cuestiones técnicas y políticas, además de limar las aristas para que el Protocolo pudiese
entrar en vigor.
c) Conferencia de las Partes – año 2000: se pretendía en esa conferencia finalizar los
trabajos iniciados a partir de la negociación y firma del Protocolo, no obstante, conforme
subraya Martín (2002, p. 53)

la COP (…) fue sin duda un fracaso. En la última ronda de


negociaciones, tras 36 horas continuas de negociación, no se
llegó a ningún acuerdo, siendo los temas de desacuerdo el grado
en que los mecanismos de Kyoto deben ser suplementarios a la
acción interna, el mecanismo de cumplimiento y los sumideros
(cambio de uso de bosques y suelos).
La actitud de los negociadores llevó a la suspensión del trabajo que serían
reiniciados en 2001.
d) Conferencia de las Partes – año 2001: año clave para la implementación definitiva de
los compromisos y medidas adoptadas por el Protocolo, esa conferencia representó un
nuevo impulso hacia la conformación de un sistema internacional de cambio climático.
Por un lado, se presenció la salida de los EEUU de la negociación del Protocolo afirmando
que el mismo contenía “fallas fatales” que impedía dicho país de seguir en las
negociaciones para la implementación; de otro, supuso un esfuerzo de los demás estados
para llevar a cabo las medidas necesarias para que el Protocolo siguiese en la senda hacia
la entrada en vigor, mediante el llamado Acuerdo de Bonn que preveía las disposiciones
específicas necesarias para los temas más “incandescentes”, es decir, mecanismos de
Kyoto, sumideros y cumplimiento. No obstante, la ausencia de EEUU provocó una
reasignación en la arquitectura de poder de negociación de los Estados, especialmente de
los que se habían posicionado inicialmente a la idea de un sistema de umbrales, con
especial mención para Rusia, Japón y Canadá.

Citando una vez más a Martín (2002, p. 54)


debido a la nueva estructura de poder desde la renuncia de EEUU a
participar en el proceso tanto Rusia, como Japón, Australia y Canadá
sabían que su participación era absolutamente necesaria si se quería
llegar a un acuerdo para ratificar el PK. Esto les llevó a usar este poder
– de forma individual y colectiva – para rebajar al máximo el precio a
pagar por la ratificación. Se puede decir, sin exagerar, que tanto la UE
como el G77 + China han cedido a casi todas las posturas del Grupo
Paraguas (Canadá, Australia, Japón, Rusia y Nueva Zelanda), con el fin
de llegar al acuerdo. En concreto, el grupo Paraguas ha conseguido
debilitar el mecanismo de cumplimiento, rebajar los criterios de
elegibilidad para la participación en los mecanismos de Kyoto y
minimizar los requerimientos de información relativa a los sumideros.
Por tanto, la postura intransigente del Grupo, así como la urgencia de
llegar a un acuerdo para que se ratifique el PK en 2002, han llevado a
un acuerdo que está descafeinado […].

A partir de 2001, las conferencias se dedicaron a implementar los mecanismos y


medidas adoptados en Bonn y Marrakech, sin grandes acciones que pudieran considerarse
como importantes para la vigencia del Protocolo, aunque se siguieron esfuerzos por parte
de los estados en zanjar los problemas derivados de la transferencia de recursos,
sumideros y el sistema de umbrales.
e) Conferencia de las Partes – año 2007: realizada después de la entrada en vigor del
Protocolo, a la raíz de la ratificación de Rusia, esa conferencia da inicio al proceso de
negociación para la segunda etapa de cumplimiento prevista en el Protocolo (2012-2020).
Constatado el fracaso inicial de las metas que habían sido anteriormente adoptadas para
el periodo 2005-2012, se establece una nueva hoja de ruta para lograr que las metas fuesen
alcanzadas por los Estados (Bali Road Map). También sirvió para preparar la
convocatoria de la Conferencia de Copenhague que tendría lugar en 2009.
f) Conferencia de las Partes – año 2009: en la Conferencia de Copenhague se adoptó un
límite máximo para el incremento de la temperatura global en un 2% respecto a la media
histórica, sin precisar cuáles serían las medidas a implantarse para alcanzar dicho
objetivo. Se propuso una reformulación de la divulgación de las informaciones nacionales
respecto a las medidas de mitigación de los gases de efecto invernadero, resultando en el
llamado Acuerdo de Copenhague, en el cual los Estados se comprometen a impartir
debidamente los datos nacionales sobre las emisiones y las medidas para contener el
incremento de los GEI’s. Representó también la participación definitiva de la sociedad
civil y de las organizaciones gubernamentales como actores involucrados en el proceso
de negociación y tomada de decisiones en materia ambiental.
g) Conferencia de las Partes – año 2012: Se esperaba que en la Conferencia de las Partes
realizada en Copenhague se produjesen cambios para la reformulación del Protocolo de
Kyoto y para la asignación de nuevas metas para el periodo posterior al año 2012, lo que
no ha sido posible ante las incertidumbres del escenario económico mundial y la ausencia
de mayor voluntad política de los Estados. La ausencia de consenso sobre los
compromisos que deberían pautar la postura de los Estados en relación a las metas para
el período pos-2012, debilitaron el acuerdo final de la conferencia (Acuerdo de
Copenhague) ya que los países solamente habían firmado compromisos no vinculantes de
reducción de las emisiones de gases.
h) Conferencia de las Partes – año 2015: ocurrió en la Francia, París, con el objetivo de
firmar un nuevo acuerdo internacional. Dijo eso, el documento ratificado pelas partes fue
el Acuerdo de París y uno de sus objetivos principales es, según el Artículo 2:
Mantener el aumento de la temperatura media mundial muy por debajo
de 2 °C con respecto a los niveles preindustriales, y proseguir los
esfuerzos para limitar ese aumento de la temperatura a 1,5 °C con
respecto a los niveles preindustriales, reconociendo que ello reduciría
considerablemente los riesgos y los efectos del cambio climático […]
Otro rasgo del texto final es la determinación del financiamiento de las iniciativas,
eso dicho, los países dijeron desarrollados tendrán que investir 100 billones de dólares
por año en el combate al cambio climático. Cabe señalar que el acuerdo prevé, en el
Artículo 10, la transferencia tecnológica en el combate contra la pobreza y la
inseparabilidad entre los derechos humanos y los derechos ambientales. Además, dado
que la capacidad de acción es desproporcionada entre los países y la mayor culpabilidad
de los niveles de polución global son de algunos miembros específicos, el acuerdo prevé
mayor responsabilización de los miembros dijo más industrializados.
Sin embargo, las mayores críticas en lo que se refiere al acuerdo son que, no solo
los compromisos no son vinculantes, sino también hay la falta, precisamente, de
mecanismos de ejecución, puesto que las acciones de los países son tomadas con base de
la voluntariedad y, así, dependerán de iniciativas suyos.
El impacto del fracaso de Copenhague puede ser dimensionado a partir de la
constatación de que los Estados no habían adoptado las medidas necesarias para la
concretización de las metas y tampoco se disponían a asumir nuevos compromisos con
umbrales más “rigurosos” que aquellos insertados en el anexo del Protocolo. Es más, los
estudios llevados a cabo por el Grupo Intergubernamental habían concluido que el
incremento de las emisiones de CO2 era una realidad. Sin embargo, se abrieron las
negociaciones para la revisión del Protocolo, además del firme compromiso de los
Estados en políticas nacionales permanentes para la reducción de los GEI’s,
especialmente los estados en vías de desarrollo.
La Conferencia de Qatar reencendió los debates sobre las metas, y estableció un
plazo final para la asignación de estas (2015), aunque

se concluyó el diseño de una fase transitoria que transcurrirá del 1 de


enero de 2013 al 31 de diciembre de 2020, y en la que, por un lado,
pervive un PK enmendado que prevé nuevas obligaciones de reducción
de gases de efecto invernadero para los Estados desarrollados que lo
acepten; y, por otro, la negociación de un nuevo instrumento
internacional que incluya obligaciones de mitigación del cambio
climático de todos los Estados Partes, y que pueda estar preparado para
su adopción en 2015 y su entrada en vigor en 2020. (CARNERO, 2013,
p. 14)
Conforme las Naciones Unidas (2014), se debería de
trabajar con celeridad en el logro de un acuerdo universal sobre el
cambio climático que cubra a todos los países a partir de 2020 y sea
adoptado como muy tarde en 2015, además de buscar formas de
aumentar los esfuerzos antes de 2020, más allá de las promesas
existentes para contener las emisiones.

Una de las cuestiones señaladas por los estudiosos se refiere justamente a la


compleja labor de la UNFCC para lograr consenso entre un gran número de países, y a la
tendencia a la división entre grupos de interés estatal. Los expertos también señalan que,
ante un tema tan complejo, un acuerdo que efectivamente pretenda reducir las emisiones
de carbono en el planeta tendrá que hacerse contando con la participación del grupo de
países que emiten más y que cuenta con más recursos financieros para combatir el
problema. Asimismo, no se puede desconsiderar la necesidad de revisión permanente de
las metas a lograrse, bien como de los Estados que todavía no tienen umbrales específicos,
pero que sin duda contribuyen para el incremento de los gases de efecto invernadero.
i) Conferencia de las Partes – año 2017: ocurrió en la Alemania, Bonn, y es la
segunda conferencia después de la firma del Acuerdo de París, en 2015. Dicho lo anterior,
el evento se concentró en el desarrollo del acuerdo – discutir el funcionamiento después
de la entrada en vigor en 2020: los detalles técnicos y directrices conocidas como el
“Libro de Reglas de París” – y el efecto cascada provocado por las deficiencias en su
concepción y redacción. Central a ese debate fue la tensión entre los miembros dijo
desarrollados y desarrollando, exacerbado con la retirada de los Estados Unidos del
acuerdo en el inicio de 2017.
Tuvimos como resultado las siguientes iniciativas: i) el “impulso de Fiyi para la
implementación” y el “Diálogo Talanoa” (“Diálogo Facilitador”), teniendo en cuenta que
deberían hacer un acuerdo operacional para ayudar los países con la implementación de
sus Contribuciones Nacionalmente Determinadas hasta 2020; ii) la ratificación de la
Enmienda de Doha; iii) la posibilitad de la movilización tecnológica para apoyar las
víctimas del cambio climático; iv) el trabajo conjunto de Koronivia sobre la agricultura;
v) el plan de acción de género; vi) la plataforma de comunidades locales y pueblos
indígenas.
j) Conferencia de las Partes – año 2019: esta fue la cuarta reunión después de la
firma del Acuerdo de París y, en contraste con lo que fue esperado, en 2018, el Brasil
renunció como anfitrión del evento alegando crisis económica y transición
gubernamental. En la víspera, Chile fue obligado a retirarse también. Enseguida, una
solución intermedia hay conducido el evento, que fue dividido en dos sesiones, a la
España, en Madrid. Las sesiones “azules”, organizadas por el anfitrión, trataban de las
negociaciones cuanto al Protocolo de Kioto y el Acuerdo de París, por otra parte, las
sesiones verdes, organizadas por otros actores, visaban el diálogo con la sociedad civil a
cerca de temas como, por ejemplo, los indígenas y la ciencia e innovación.
Sobre el Articulo 6, no han llegado a un entendimiento mutuo cuanto a la
soberanía nacional y la voluntariedad de las obligaciones de las partes frente a la
cooperación internacional. Se debe agregar que surgirán algunos datos alarmantes de ese
evento: i) la oxigenación de los océanos está en queda; ii) el deshielo de la Groenlandia
ocurre siete veces más rápido de que en la década de 90; iii) 25% de la población mundial
está en riesgo de desabastecimiento del agua por causa del callamiento global.
Finalmente, las decisiones sobre el mercado de carbono y el corte de las emisiones
– que enfrentaron fuerte oposición de la Arabia Saudita, del Brasil, de la China, de los
Estados Unidos, de la India y de la Rusia – han sido pospuestos hasta la próxima
conferencia en Glasgow (Reino Unido). Por el contrario, la Unión Europea llegó a un
“Nuevo Acuerdo Verde Europeo” que llevará las emisiones a cero hasta 2050.

4 LOS RESULTADOS DE KYOTO: ¿MÁS DEL MISMO?


A tal efecto, y en la senda de lo que anteriormente se analizó, se propone verificar
los resultados del Protocolo de Kyoto a partir de la siguiente división, sin pretender agotar
todas las discusiones que se han llevado a cabo por los estudiosos del tema:
- En relación con la puesta en marcha y fortalecimiento del marco regulatorio
ambiental internacional y nacional: es indiscutible que el Protocolo ha generado una serie
de compromisos al determinar la adopción de un sistema diferenciado según la categoría
de Estados. Dichos compromisos, aunque sin un procedimiento de incumplimiento
propio, podría conllevar a la creación de un marco general obligatorio para los Estados
suponiéndose una perspectiva más vinculante para la regulación ambiental. De hecho, al
asumir tales compromisos los Estados son también obligados a crear un acervo normativo
e institucional nacional que les posibilite cumplir los compromisos por ellos asumidos.
Se puede criticar la ausencia de disposiciones más “rigurosas”, no obstante, no se puede
menospreciar el impacto sobre los sistemas nacionales, obviamente, sin olvidar que tal
impacto puede darse de forma distinta según las propias iniciativas estatales individuales,
es decir, hay Estados que han incorporado las disposiciones de Kyoto de forma más
efectiva y otros no.
Además, en relación al fortalecimiento del marco internacional, no se puede negar
que la adopción de nuevos instrumentos ha posibilitado la generación y/o concretización
de temas que ya habían sido añadidos a la agenda internacional, pero sin contar con una
regulación específica, como es el caso del cambio climático; asimismo, al reconocer
principios generales en materia ambiental, caso del principio de la responsabilidad común
pero diferenciada, el Protocolo favorece una aplicación efectiva y no solamente
programática de la matriz principiológica ambiental dispuesta en las Declaraciones
internacionales.
- En relación con el combate al calentamiento global: incorporar el tema del
calentamiento global, mediante la asignación de compromisos por parte de los Estados,
ya supone per se un importante incremento en las medidas a tomarse para combatir el
calentamiento, es decir, al reconocer el problema se supone que serán adoptadas las
medidas necesarias para solventarlo, aunque no de la forma y con la rapidez que el tema
exige. Se suele afirmar que las metas del Protocolo han sido tímidas y que al establecerse
en función de las “emisiones por país”, en lugar de atacar globalmente el efecto
acumulado en el cambio climático, no se ha obtenido el resultado esperado – reducir la
temperatura global y los efectos que eso puede suponer; no obstante, el simple hecho de
que haya una preocupación mundial en relación al tema que se concretice en la adopción
de instrumentos internacionales posibilita un mayor involucramiento de la comunidad
global en la protección ambiental. Ahora bien, las medidas realmente deben de ser más
efectivas y duraderas sin someterse solamente a la voluntad individual de los Estados.
- En relación con la cooperación científica y financiera: al proponer la adopción
de medidas destinadas a fomentar la cooperación científica y financiera entre los Estados,
el Protocolo genera también una obligación de hacer, es decir, compartir y analizar los
datos, metodologías y recursos financieros y científicos adoptados por los Estados, de
forma conjunta, lo que posibilita la creación de un corpus de medidas que pueden ser
aplicadas por todos. La cooperación científica supone aún conforme el texto del Protocolo
transferencia de esos recursos o el acceso a ellos, en particular en
beneficio de los países en desarrollo, incluidas la formulación de
políticas y programas para la transferencia efectiva de tecnologías
ecológicamente racionales que sean de propiedad pública o de dominio
público y la creación en el sector privado de un clima propicio que
permita promover la transferencia de tecnologías ecológicamente
racionales y el acceso a éstas.

Con lo cual, se podría generar un sistema compartido de tecnologías y políticas


globales, aunque se sabe que no es un tema tan sencillo al vincularse a cuestiones ancladas
en ventajas comerciales.
Con relación a la cooperación financiera, aunque puedan existir medidas
bilaterales o hasta mismo multilaterales en dicho sentido, no se ha llevado a cabo la
propuesta de creación de un fondo de compensación para mitigar los daños sufridos por
países víctimas de desastres naturales relacionados con el cambio climático.
- En relación con nuevos métodos de flexibilidad: el Protocolo, conforme
analizaremos posteriormente prevé la posibilidad de adoptar tres métodos para la
flexibilizar y atenuar el sistema de mediciones de los umbrales por Estado, a saber:
proyectos de implementación conjunta (JI – Joint Implementación), el comercio de
emisiones (Emissions Trade) y MDL Mecanismo de Desarrollo Limpio (CDM – Clean
Development Mechanism). Los dos primeros se forman para utilizarse entre países del
Anexo I - considerados industrializados, dirigidos a la contabilidad de las reducciones
netas en la ejecución de las emisiones de gases de efecto invernadero en otros países
constantes en el Anexo.
El MDL, a su vez, se desarrolló a partir de una propuesta de la delegación brasileña
que incluía el establecimiento de un Fondo de Desarrollo Limpio. De acuerdo con la
propuesta original, el Fondo consistiría en apoyo financiero de los principales emisores
en caso de no alcanzar los objetivos de reducción entre las partes signatarias, siguiendo
el principio de quien contamina paga. En Kyoto la idea del Fondo ha cambiado y se
estableció el MDL, a saber, la posibilidad de un país desarrollado financiar proyectos en
países en desarrollo como una manera de cumplir parte de sus compromisos.
Ahora bien, aunque se pueda criticar la permisividad de los métodos, lo que podría
suponer un nuevo ropaje para el “derecho de contaminar”, lo cierto es que representó un
intento de crear las condiciones necesarias para que hubiese consenso entre los Estados
desarrollados y en vías de desarrollo, además de generar las condiciones necesarias para
la puesta en marcha del Protocolo. Según señala Bezerra (2010, p. 221)

entre estos méritos se destacan el mejor entendimiento científico y


político del tema, los diversos logros en cooperación internacional y la
experimentación con algunas estrategias para enfrentar el fenómeno,
como se tipifica en el caso de los mecanismos de mercado
implementados en el ámbito del Protocolo de Kyoto (mecanismo de
desarrollo limpio e implementación conjunta) o en los informes
nacionales sobre cambio climático presentados por los países partes de
la Convención (que son prácticamente todos del mundo).

Claro está que no se puede decir, sin que se considere como utópico, que el
Protocolo ha sido un total y retumbante éxito, una vez que la no adhesión de algunos
Estados, con especial mención a EEUU, supuso un choque en las tentativas de crear un
marco regulatorio permanente y específico para los temas que cercan el cambio climático;
asimismo, ni todos los Estados han logrado cumplir sus compromisos y las emisiones
tampoco han sido reducidas. Se debe mencionar aún la ausencia de compromisos
específicos, con umbrales propios, para los estados en vías de desarrollo como un
elemento que podría poner en tela de juicio los objetivos extraídos del Protocolo.
CONCLUSIÓN
La ausencia de resultados concretos en las últimas conferencias de las Partes
(COP’s), ha generado un amplio debate sobre la necesidad de reforzar las medidas
internacionales dirigidas al combate calentamiento global y a la consecuente reducción
de los gases de efecto invernadero.
Ahora bien, entre los avances y retrocesos se han discutido algunas vías para cerrar
los impases generados por esa ausencia de resultados, dos de ellos se refieren: a) revisión
del Protocolo de Kyoto; y b) discusión de los marcos de diversos enfoques. Este último
representa una discusión aún novedosa, aunque pueda resultar en un futuro en un
instrumento alternativo a las negociaciones en el ámbito de Kyoto.
Se trata de reconocer la eficiencia como medida última del sistema internacional
relativo al cambio climático, de modo que los límites, acciones y normas nacionales –
aunque no vinculadas a un instrumento internacional – podrían conllevar a la creación de
subsistemas de control de los umbrales de emisión de gases de efecto invernadero, por
ejemplo, que posteriormente serían revalidados en los foros y órganos internacionales.
Ahora bien, el problema reside también en la posibilidad de que los marcos
nacionales incrementen la fragmentación ya existente en el Derecho internacional al
proponer soluciones disparejas para problemas comunes, al tiempo en que establece
disposiciones distintas para situaciones idénticas, debilitando aún más el carácter
impositivo de las normas internacionales.
Otra cuestión que debe analizarse cuando hablamos de los retos para la regulación
internacional en materia de cambio climático son los instrumentos adoptados en el marco
de Kyoto que posibilitan la flexibilidad del cumplimiento de las metas, en especial el
mecanismo de desarrollo limpio. Tal se da porque si en el comienzo de la creación de los
instrumentos de flexibilidad había sido blanco de críticas por parte de estudiosos del tema,
al insertar un “derecho a contaminar” por parte de los países del Anexo, en la actualidad
ha ido generando progresivamente avances en la consolidación de un sistema equilibrado
de emisiones, aunque ni siempre tan exitoso como se había pensado en las negociaciones
de Kyoto.
También se observa una asimetría con relación a la utilización del mecanismo por
parte de los Estados latinoamericanos. Por tanto, hace falta evaluar de forma continuada
los beneficios y desventajas del mecanismo para los países del Anexo I, de modo que no
resulte solamente en un intercambio de “emisiones” que no lleven en consideración el
principal objetivo de Kyoto, es decir, la reducción de los gases de efecto invernadero y la
promoción de la sostenibilidad.
Finalmente, hace falta también analizar la incorporación de los países que no se
encuentran actualmente en el Anexo I en una futura revisión de las metas que deben
alcanzarse individualmente por ellos, caso por ejemplo de China, Brasil y otros, de modo
que también esos puedan proponer cuáles serían los umbrales para cumplirse, generando
las políticas necesarias para tal. Asimismo, una futura revisión de Kyoto podría alargar el
horizonte hacia la composición de metas graduales, pero no exclusivas para un grupo de
países en situación semejante, creando así un despliegue de metas progresivas para los
países en vías de desarrollo.

AGRADECIMENTO: a autora agradece à FAPEMIG no marco do programa


Pesquisador Mineiro o apoio concedido para realização de pesquisas sobre tema
ambiental.
BIBLIOGRAFÍA
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Disponible en: https://www.ecowatch.com/cop25-results-failure-2641606525.html.
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disponible en: http://huespedes.cica.es/gimadus/14-15/01_kyoto.htm. Acesso em 07 mai
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Revista Ecología Política, vol. 22, 2002.
SILVA, S.T. da. O direito ambiental internacional. Coleção Para Entender. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010.
O CONCEITO DE ADAPTAÇÃO NO ACORDO DE
PARIS DE 2015 SOB A CONVENÇÃO-QUADRO
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO
CLIMA DE 1992: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

THE ADAPTATION CONCEPT INTO THE 2015


PARIS AGREEMENT UNDER THE UNITED
NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON
CLIMATE CHANGE OF 1992: THE BRAZILIAN
EXPERIENCE

Jahyr-Philippe Bichara *

INTRODUÇÃO
O Acordo de Paris de 2015 sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima de 1992, adotado em 12 de dezembro de 2015, pela Conferência das
Partes (COP), prescreve normas comportamentais majoritariamente vinculantes aos
Estados Partes no sentido de proteger a atmosfera terrestre de gases incompatíveis com a
vida no planeta. 1 Aberto à assinatura e sujeito à ratificação, aceitação ou aprovação de
Estados e organizações regionais de integração econômica, o Acordo entrou em vigor no

*
Doutor pela École Doctorale de Droit International et Européen da Université Paris I, Panthéon-Sorbonne;
Mestre em Direito Internacional Econômico pela Université Paris I, Panthéon-Sorbonne e Mestre em
Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professor Associado III de Direito
Internacional do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte - UFRN.
1
Esse acordo foi adotado por meio da Decisão 1/CP.21, da 21ª Conferência das Partes. Ver NATIONS
UNIES. Rapport de la Conférence des Parties sur sa vingt et unième session, tenue à Paris du 30 novembre
au 13 décembre 2015. Décision 1/CP.21. Para uma análise mais detalhada das normas do Acordo de Paris
de 2015, consulta-se BODANSKY, Daniel. The Legal Character of the Paris Agreement. Review of
European Community & International Environmental Law. 25 (2), pp. 142-150, 2016.
plano internacional, em consonância com seu artigo 21, no trigésimo dia após o depósito
dos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão de um número suficiente
de Estados Partes da Convenção do Clima que representavam, — pelo menos, os
responsáveis por 55% do total das emissões globais estimadas de gases de efeito estufa
—, o que ocorreu em 4 de novembro de 2016. 2
Depois de ter assinado o Acordo, em 22 de abril de 2016 3, o Brasil o promulgou,
assinalando, dessa forma, seu comprometimento em implementar seus dispositivos
internacional e internamente.4 Desse modo, além de obrigar-se internacionalmente, ao
ratificar o Acordo, em 21 de setembro de 2016, o Estado brasileiro assumiu a
responsabilidade de participar do combate à mudança do clima nos moldes prescritos pelo
tratado em apreço, com medidas a serem adotadas no plano nacional.5
A celebração desse tratado foi bastante comemorada pela comunidade
internacional, principalmente porque se deu depois de muitos anos de negociação em que
os Estados não chegavam a um acordo sobre os termos dos compromissos a assumir. 6
O principal objetivo fixado no Acordo consiste em manter o aumento da
temperatura do planeta bem abaixo de 2° Celsius em relação aos níveis pré-industriais, e
empreender esforços para limitar esse aumento a 1,5° Celsius, de modo a evitar os
impactos da mudança do clima sobre as nações. 7 Para tanto, o Acordo de Paris trouxe
inovações jurídicas na gestão do combate à mudança climática, mudando a metodologia
do Protocolo de Kyoto, baseado no mecanismo de desenvolvimento limpo ou no
comércio de emissões. 8

2
UNITED NATIONS. Reference: C.N.735.2016. TREATIES-XXVII.7. d, (Depository Notification).
Paris Agreement, 12 December 2015. Entry Into Force. Comunicado do Secretário das Nações Unidas,
agindo na qualidade de depositário do Acordo, na data de 5 de outubro de 2016. Disponível em:
<https://treaties.un.org/doc/Publication/CN/2016/CN.735.2016-Eng.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2020.
3
UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE. Paris Agreement -
Status of Ratification. Disponível em: <http://unfccc.int/paris_agreement/items/9444.php>. Acesso em: 22
mai. 2020.
4
BRASIL. Decreto-Legislativo n° 140, de 16 de agosto de 2016, publicado no Diário Oficial da União
(DOU), Seção 1, 17/8/2016, p. 1. Decreto n° 9.073, de 5 de junho de 2017, publicado no DOU, Seção 1, de
6/06/2017, p. 3.
5
UNITED NATIONS. Treaty Collection. Chapter XXVII. Environment. Paris Agreement, 12 December
2015.Disponível em :<https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XXVII-
7-d&chapter=27&clang=_en>. Acesso em : 22 mai. 2020.
6
LAVALLÉE, Sophie & MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. L’Accord de Paris : fin de la crise du
multilatéralisme climatique ou évolution en clair-obscur? Revue Juridique de l’Environnement. Société
française pour le droit de l’environnement - SFDE, 2016, pp. 19-36. ffhal-01400330f. p. 3.
7
Art. 2° (1), a, do Acordo de Paris de 2015.
8
MALJEAN-DUBOIS, Sandrine & WEMAËRE, Matthieu. La diplomatie climatique : les enjeux d’un
régime international du climat. Paris: Pedone, 2010, p. 80.
Concretamente, a mudança da estratégia de combate à mudança climática posta
no Acordo de Paris teve como marco a Plataforma de Durban para Ação Fortalecida,
aprovada na 17ª Conferência das Partes, em 2011. Desde esse momento, iniciou-se um
novo processo de negociação com o objetivo de preparar um projeto de acordo de caráter
vinculativo, para aumentar a responsabilidade dos Estados no enfrentamento das
problemáticas do aquecimento global e suas consequências climáticas, a partir de novos
padrões de combate, a saber: mitigação, adaptação, financiamento, transferência de
tecnologia, desenvolvimento, transparência das ações e capacitação das partes. 9
Juntamente com esses novos conceitos da governança do clima, surgiu, também,
no decorrer das Conferências das Partes, o conceito de Contribuições Nacionalmente
Determinadas (CNDs), que iria constituir um pilar do Acordo de Paris de 2015.
Basicamente, as CNDs são medidas voluntárias de mitigação de gases de efeito de estufa
editadas pelos Estados Partes com o objetivo de cooperar com a limitação do aquecimento
global. Essa prática foi recomendada nas Conferências das Partes de Varsóvia de 2013 e
de Lima de 2014, quando as Partes tiveram que apresentar suas Contribuições
Nacionalmente Determinadas pretendidas, na perspectiva de um acordo futuro sobre a
regência do clima no afã de reforçar a implementação da Convenção do Clima, no
contexto do desenvolvimento sustentável, depois de 2020. 10
No Acordo de Paris, as CNDs deixaram de ser pretendidas para constituir uma
obrigação, com vistas a concorrer à limitação do aumento da temperatura bem abaixo de
2° Celsius e, idealmente, a uma limitação de aumento de temperatura de 1,5° Celsius. O
artigo 4 (2) do Acordo se refere às CNDs como objetivos nacionais a serem alcançados
por cada Estado Parte, a partir de medidas próprias de mitigação que ele deve adotar para
conter o aumento de temperatura. Em outros termos, os Estados Partes definem

9
UNITED NATIONS. Framework Convention on Climate Change (FCCC). Decision 1/CP.17.
Establishment of an Ad Hoc Working Group on the Durban Platform for Enhanced Action, 11 December
2011, p. 2 e 3. Ver BICHARA, Jahyr-Philippe. Novos padrões de combate à mudança climática: uma leitura
do Acordo de Paris de 2015. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 112, pp. 137-157, 2019.
10
NATIONS UNIES. Framework Convention on Climate Change (FCCC). Rapport de la Conférence des
Parties sur sa dix-neuvième session, tenue à Varsovie du 11 au 23 novembre 2013. Décision 1/CP.19 :
Moyens de poursuivre la mise en œuvre de la plate-forme de Durban. Na Conferência de Lima de 2014, o
conceito de Contribuições Nacionalmente Determinadas pretendidas é clarificado quanto às informações
que devem conter, a saber, anos de referências, projeção de reduções de emissões quantificáveis, as metas
de reduções de emissões, setores econômicos visados, dentre outros aspectos. Ver Rapport de la Conférence
des Parties sur sa vingtième session, tenue à Lima du 1er au 14 décembre 2014. Décision 1/CP.20, § 14.
unilateralmente seus métodos de mitigação de gases nocivos, mediante políticas de
reflorestamento e preservação de acervos florestais, por exemplo.
Ao lado da mitigação, a adaptação aparece como a outra ação relevante a ser
implementada pelas Partes no enfrentamento da mudança do clima. Fixa-se, com efeito,
que:

Este Acordo, ao reforçar a implementação da Convenção, incluindo seu


objetivo, visa fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do
clima, no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços de
erradicação da pobreza, incluindo:
(...);
(b) Aumentar a capacidade de adaptação aos impactos negativos da
mudança do clima e promover a resiliência à mudança do clima e um
desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa, de uma
maneira que não ameace a produção de alimentos; (...). 11

Depreende-se do presente dispositivo que as Partes manifestam uma preocupação


com relação à aptidão do ser humano em não aceitar o aumento das temperaturas e suas
nefastas consequências. O objetivo traçado pelo artigo 2°(1), b, do Acordo de Paris de
2015, aproxima-se da acepção usual do vocábulo “adaptação” o qual remete à capacidade
de um ser vivo em sobreviver no seu habitat. 12 É o que a United Nations Climate Change
expressa ao se referir às adaptações como sendo “ajustes aos sistemas ecológicos, sociais
ou econômicos em resposta a estímulos climáticos reais ou previstos e seus efeitos ou
impactos”. 13 Caberia, portanto, aos Estados e à sociedade civil encontrar soluções parar
arcar com os atuais e futuros impactos das mudanças climáticas sobre a vida humana com
o intuito de diminuir os seus riscos.
Todavia, entre os aspectos conceituais do vocábulo e sua finalidade normativa há
um desafio de transcrição jurídica que merece ser apreciado à luz do direito internacional
e do direito interno brasileiro. Alheio à ciência jurídica, o conceito de adaptação nasce do
discurso político cujo teor visa aos anseios da comunidade internacional de enfrentamento
do aquecimento global. A questão é saber como esse comportamento de adaptação se
materializa no direito.

11
Artigo 2° (1), b, do Acordo de Paris de 2015.
12
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6ª. Ed.
Curitiba: Positivo, 2006, p. 93.
13
UNFCCC. Disponível em: <https://unfccc.int/fr/node/15876>. Acesso em: 22 mai. 2020.
Assume-se, nesse capítulo, que o conceito de adaptação consubstancia, no plano
internacional, uma norma programática (1) que requer uma concretização no plano do
direito interno dos Estados. No Brasil, suas manifestações são anteriores ao Acordo de
Paris, vez que essa norma comportamental já fazia parte do regime internacional do clima
e o Estado brasileiro sempre demonstrou interesse em adotar as boas práticas em matéria
ambiental, pelo menos, até hoje (2). Suas concretizações, tímidas, são monitoradas no
âmbito da COP (3).

1 ADAPTAÇÃO: UMA NORMA PROGRAMÁTICA


A despeito de constar como objetivo do Acordo de Paris, a adaptação à mudança
climática constitui uma norma programática endereçada aos Estados, que devem adotar
comportamentos adequados à estratégia global de combate à mudança climática, numa
perspectiva de desenvolvimento sustentável. 14 Em outros termos, a adaptação deve
alcançar as aspirações econômicas e sociais dos seres humanos, em busca de uma vida
melhor. Seu teor programático se extrai dos dispositivos dos instrumentos internacionais
da COP, que preveem, inclusive, mecanismos de implementação baseados na cooperação
e coordenação.

1.1 O conteúdo programático da adaptação


A construção jurídica do conceito de adaptação no direito internacional do clima
resulta dos trabalhos e deliberações da COP. Assim, a questão da adaptação foi ventilada
pela primeira vez na ocasião da 16ª Conferência das Partes de 2010, em Cancún, na
Decisão 1/CP.16 que criou o Marco de Adaptação de Cancún (Cancun Adaptation
Framework).
No documento, as Partes concordaram que a adaptação constitui um desafio
enfrentado por todos os países e admitiram a necessidade de propor formas de

14
O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem
comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades. Conceito publicado
no relatório “Nosso Futuro Comum”. Ver COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2ª. Ed. Editora da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Rio de
Janeiro, RJ, 1991, p. 46 e 47.
implementação de ações destinadas a reduzir vulnerabilidades e desenvolver resiliência
sem sobrecarregar os países em desenvolvimento.15
Os Estados-Partes reconheceram a importância de uma abordagem em função das
peculiaridades dos países, de modo a integrar ecossistemas e levar em conta as
disparidades sociais, econômicas e políticas. Com base nisso, foi instituído o Marco de
Adaptação de Cancún, com o objetivo de aprimorar as ações de adaptação. 16 Os principais
pontos desenvolvidos pelo quadro foram os seguintes:

(a) Planejamento, priorização e implementação de ações de adaptação,


incluindo projetos e programas (...);
(b) Avaliações de impacto, vulnerabilidade e adaptação, incluindo
avaliações de necessidades financeiras, bem como avaliação
econômica, social e ambiental de opções de adaptação;
(c) Fortalecimento das capacidades institucionais e (...)
desenvolvimento resiliente ao clima e redução de vulnerabilidades;
(d) Fortalecimento a resiliência dos sistemas socioeconômicos e
ecológicos, inclusive através da diversificação econômica e do manejo
sustentável dos recursos naturais;
(e) Aprimoramento das estratégias de redução de riscos de desastres
relacionadas às mudanças climáticas, levando em consideração a
Estrutura de Ação Hyogo, quando apropriado (...);
(f) Medidas para melhorar o entendimento, a coordenação e a
cooperação em relação ao deslocamento, migração e realocação
planejada induzida pelas mudanças climáticas, quando apropriado, nos
níveis nacional, regional e internacional;
(g) Pesquisa, desenvolvimento, demonstração, difusão, implantação e
transferência de tecnologias, práticas e processos e capacitação para
adaptação, com vistas a promover o acesso a tecnologias, em particular
nos países Partes em desenvolvimento;
(h) Fortalecimento dos sistemas de dados, informação e conhecimento,
educação e conscientização pública;
(i) Melhoramento da pesquisa relacionada ao clima e à observação
sistemática para coleta, arquivamento, análise e modelagem de dados
climáticos (...). 17

Percebe-se que o dispositivo comporta metas e não prescreve obrigações


comportamentais aos Estados-Partes. Em linhas gerais, a Conferência cuidou de
desenvolver um plano de ação que abrangesse as especificidades de cada país. Um dos
pontos do relatório é, inclusive, o incentivo ao desenvolvimento de Planos Nacionais de

15
NAÇÕES UNIDAS. Rapport de la Conférence des Parties sur sa seizième session, tenue à Cancún du
29 novembre au 10 décembre 2010. Décision 1/CP.16.
16
Idem.
17
NAÇÕES UNIDAS. Rapport de la Conférence des Parties sur sa seizième session, tenue à Cancún du
29 novembre au 10 décembre 2010. Décision 1/CP.16.
Adaptação, que se baseiem em experiências locais e estabeleçam linhas de atividade a
médio e longo prazo. 18 Nessa perspectiva, os Estados estão estimulados a adotar medidas
nacionais de adaptação, de acordo com essas diretrizes, mas os dispositivos são vagos e
não indicam como alcançar tais metas.
Com a adoção do Acordo de Paris, não houve avanço significativo em termos de
obrigatoriedade da adaptação. O conteúdo programático é perpetuado no artigo 7, o qual
não define claramente o que entende por adaptação, limitando-se a estabelecer o “objetivo
global de adaptação das Partes”. Esse objetivo consiste em aumentar a capacidade de
reduzir a vulnerabilidade à mudança do clima com vistas a contribuir para o
desenvolvimento sustentável, proteger as populações, os meios de subsistência e os
ecossistemas, levando em conta as necessidades dos países em desenvolvimento,
particularmente aqueles expostos às consequências negativas da mudança do clima. 19
O objetivo global de adaptação das Partes significa que se reconhece que os
impactos lesivos da mudança do clima já afetam as populações, e que as respostas
nacionais devem contribuir para uma volta a uma baixa emissão de gases de efeito estufa.
Essa forma de resiliência constitui uma modalidade de resistência ao fenômeno da
mudança climática a qual deve ocorrer “de uma forma que não ameace a produção de
alimentos”.20
Outrossim, o artigo 7 faz menção à necessidade de uma cooperação entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento, a fim de compartilhar informações, boas práticas,
experiências, lições positivas ou negativas, conhecimentos científicos sobre o clima,
incluindo pesquisas, observação sistemática do clima com sistemas de alerta antecipado,
de maneira a informar os serviços climáticos e apoiar no processo decisório, dentre outros
aspectos. 21
Nos termos do Acordo de Paris, a adaptação aparece, portanto, como uma norma
recomendatória pela qual as Partes devem enfrentar os impactos causados pela mudança
do clima ao apresentar periodicamente informações sobre esforços realizados nesse
sentido, apontando prioridades, necessidades, programas e ações. Nesse sentido,
conforme Bodansky, os dispositivos são mais alusivos a expectativas do que a

18
Idem.
19
Artigo 7° (1) e (2) do Acordo de Paris de 2015.
20
Artigo 2° (1), b, do Acordo de Paris de 2015.
21
Artigo 7° (7) do Acordo de Paris de 2015.
obrigações. 22 O objetivo de adaptação deve ser alcançado globalmente, contudo, com
certa flexibilidade, para que não se crie qualquer ônus adicional aos países em
desenvolvimento. 23

1.2 Os mecanismos de implementação das medidas de adaptação


Observa-se, contudo, uma cogência maior em matéria procedimental de
implementação. As Partes têm a obrigação de apresentar periodicamente uma
comunicação sobre adaptação que pode ser componente de CNDs ou não, associadas a
medidas de contenção de emissão. 24 Essas comunicações sobre adaptação devem ser
inscritas em um registro público mantido pelo secretariado da Convenção.25
Com a adoção da Decisão 9/CMA.1 pela COP 24, formularam-se novas diretrizes
relativas à adaptação, com maiores esclarecimentos sobre as modalidades de
implementação dos parágrafos 10 e 11 do artigo 7 do Acordo de Paris. 26 De acordo com
essa Decisão, ficou estabelecido que as Partes devem enviar suas comunicações de
adaptação com referências aos dispositivos nacionais, aos impactos, riscos e às
vulnerabilidades experimentadas, assim como às estratégias, políticas e objetivos das
medidas de adaptação nacionais. Uma atenção peculiar é dada aos países em
desenvolvimento que podem receber assistências na implementação de suas medidas de
adaptação (com a cooperação das outras Partes, Estados desenvolvidos e dos órgãos da
própria COP).
Ainda de acordo com a Decisão 9/CMA.1, a implementação das medidas de
adaptação deve versar sobre os progressos registrados e os resultados alcançados
notadamente, com base na cooperação internacional e regional. Por outro lado, as Partes
podem também relatar os obstáculos encontrados nos seus esforços de adaptação, bem
como as boas práticas que trouxeram benefícios tangíveis no domínio das atenuações do

22
BODANSKY, op. cit., p. 147.
23
Artigo 7° (10) do Acordo de Paris de 2015.
24
Artigo 7° (10) e (11) do Acordo de Paris de 2015.
24
Idem.
25
Artigo 7° (12) do Acordo de Paris de 2015.
26
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties agissant comme réunion des Parties à l’Accord
de Paris sur la troisième partie de sa première session, tenue à Katowice du 2 au 15 décembre 2018.
Décision 9/CMA. 1.
aumento das temperaturas. O teor das comunicações nacionais de adaptação também pode
levar em consideração os conhecimentos dos povos autóctones e das localidades. 27
As comunicações de adaptação são documentadas em um registro público criado
pela Decisão 10/CMA.1, que fixa as modalidades e procedimentos relativos ao
funcionamento e utilização desse instituto objeto do parágrafo 12 do artigo 7 do Acordo.
O registro público permite que as Partes apresentem suas comunicações de adaptação
numa página reservada para cada Parte na plataforma Web sob os cuidados do
Secretariado. Nessa página, a Parte deve informar as medidas ou plano nacional de
adaptação e os documentos relacionados.
O registro público, de acordo com a Decisão 10/CMA.1, é um arquivo que guarda
as informações colocadas à disposição do público. Desse modo, potencializa-se um
princípio da transparência, outro importante mecanismo do Acordo de Paris relativo à
governança do clima.
Do ponto de vista institucional, a implementação das medidas de adaptação conta
com um Comitê de Adaptação para, em conjunto com outros comitês, fornecer apoio
técnico e orientação às Partes, respeitando a ação pretendida em cada país, bem como
fomentar o compartilhamento de informações, conhecimentos e experiências entre os
países. Além disso, o Comitê se propõe a promover o engajamento de organizações e
redes nacionais, regionais e internacionais para melhorar a implementação dos planos de
adaptação de cada país, e monitorar a aplicação efetiva das medidas planejadas, com o
objetivo de assegurar que o mecanismo seja, de fato, instituído.28
Além do Comitê, a Conferência das Partes conta com o suporte de um Fundo de
Adaptação como mecanismo de financiamento para auxiliar os países em
desenvolvimento a alcançarem seus objetivos de adaptação.29 Esse Fundo foi criado em
2001, mas suas regras de funcionamento foram estabelecidas somente em 2007, na COP
de Bali. 30 Com a vigência do Acordo de Paris, foi decidido que o Fundo de Adaptação

27
Ver anexo da Décision 9/CMA. 1.
28
Idem.
29
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties agissant comme réunion des Parties à l’Accord
de Paris sur la première partie de sa première session, tenue à Marrakech du 15 au 18 novembre 2016.
Décision 1/CMA.1.
30
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties sur les travaux de sa septième session, tenue
à Marrakech, du 29 octobre au 10 novembre 2001. Décision 10/CP.7. Ver também, Rapport de la troisième
session de la Conférence des Parties agissant comme réunion des Parties au Protocole de Kyoto, tenue à
Bali du 3 au 15 décembre 2007. Décision 1/CMP.3.
serviria aos novos parâmetros de combate à mudança climática definidos no dito Acordo,
devendo os Estados desenvolvidos prover recursos que devem alcançar um mínimo de
100 bilhões de dólares. 31 Esse novo método de financiamento do fundo tem fulcro no
artigo 9 § 3, do Acordo de Paris.
Desde sua criação, O Fundo de Adaptação já alocou 745 milhões de dólares em
271.680 hectares de habitat natural distribuídos em 105 localidades do mundo,
beneficiando diretamente 8 milhões de pessoas. 32 Os projetos de investimento são feitos
nos setores de agricultura, gerenciamento de zonas costeiras, redução de riscos de
desastres, segurança alimentar, florestas, projetos multisetoriais, desenvolvimento rural,
urbano e de águas. 33 Atualmente, o Fundo financia projetos em mais de 70 países em
desenvolvimento e as quantias utilizadas na execução advém de doações de agentes da
sociedade civil, os quais podem entrar diretamente no site do Fundo para depositar a
quantia desejada. 34
O valor do Fundo pode ser acessado de maneira direta por Entidades Nacionais
de Implementação, ficando a cargo delas gerenciar todos os aspectos dos projetos de
financiamento em adaptação e resiliência, ou seja, os países ficam livres para decidir as
melhores formas de utilização das doações, protagonizando as ações nacionais. Em 2019,
haviam 31 Entidades Nacionais de Implementação, e foi destinado a elas o valor de 177
milhões de dólares para colocarem em prática 30 projetos de adaptação em 22 países
diferentes. 35

2 AS MANIFESTAÇÕES DO CONCEITO DE ADAPTAÇÃO NO


DIREITO INTERNO BRASILEIRO

31
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties agissant comme réunion des Parties à l’Accord
de Paris sur la troisième partie de sa première session, tenue à Katowice du 2 au 15 décembre 2018.
Décisions 13/CMA.1, e 14/CMA.1.
32
ADAPTATION FUND. Adaptation Fund Impact. Disponível em: <https://www.adaptation-fund.org/>.
Acesso em: 02 jun. 2020.
33
ADAPTATION FUND. Project Sectors. Disponível em: <https://www.adaptation-fund.org/projects-
programmes/project-sectors/>. Acesso em: 02 jun. 2020.
34
ADAPTATION FUND. Support The Adaptation Fund. Disponível em:
<https://act.unfoundation.org/onlineactions/ql-Plvl-8UyPnR2kZ52-XQ2>. Acesso em: 02 jun. 2020.
35
ADAPTATION FUND. Climate Adaptation : Direct Acess, 2019. Disponível em:
<https://www.adaptation-fund.org/wp-content/uploads/2020/01/Direct-Access-Nov-2019-1.pdf>. Acesso
em: 02 jun. 2020.
O caráter programático e indicativo da adaptação conduz a uma falta de clareza e
precisão que deixam aos Estados Partes uma margem de manobra suficiente para definir
as modalidades de implementação do artigo 7 do Acordo. No Brasil, não obstante o
aparente esforço para aderir a uma política de adaptação, convém notar uma
desaceleração das iniciativas governamentais de 2017 até hoje.

2.1. Política Nacional sobre Mudança do Clima


Sempre no seu papel de liderança no plano internacional, o Brasil se dotou
rapidamente de um marco legal alinhado às práticas internacionais do combate às
mudanças climáticas, através da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que instituiu
a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Esse marco regulatório geral,
matriz jurídica no campo climático, estabeleceu uma linha de trabalho em termos de
produção normativa de implementação das normas internacionais no plano interno.36
Assim, a PNMC constitui o reflexo brasileiro das medidas de governança
internacional do clima no que tange à consecução dos objetivos determinados pela COP
nos seus instrumentos internacionais, a saber, a redução das emissões de gases de efeito
estufa numa perspectiva de desenvolvimento sustentável e de luta contra a pobreza. 37
Desse modo, no âmbito interno, devem se manifestar as transcrições normativas da
mitigação, da adaptação, do desenvolvimento tecnológico e da educação ambiental,
conforme posto no art. 5° da Lei da PNMC. No que tange especificamente à adaptação,
o Estado se compromete a implementar medidas que visam a reduzir a vulnerabilidade
“dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do
clima”.38 Em outros termos, os órgãos públicos competentes estão compelidos a adotar
medidas compatíveis com esse objetivo. 39
Vale mencionar, nessa ótica, a edição do decreto n° 7.390, de 9 de dezembro de
2010, que ao regulamentar a PNMC, veio precisar o conteúdo da adaptação. Assim, seu
artigo 3° dispõe:

36
BICHARA, Jahyr-Philippe & LIMA, Raquel Araújo. Uma análise da Política Nacional sobre Mudança
do Clima de 2009. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 12(23): 165-192, jul.-dez. 2012, p. 170.
37
Art. 4° da Lei nº 12.187/09.
38
Arts. 2°, I, e 5°, III, da Lei nº 12.187/09.
39
BICHARA & LIMA, op. cit., p. 170
Para efeito da presente regulamentação, são considerados os seguintes
planos de ação para a prevenção e controle do desmatamento nos
biomas e planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças
climáticas:
I - Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal - PPCDAm;
II - Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento e das
Queimadas no Cerrado - PPCerrado;
III - Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE;
IV - Plano para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de
Carbono na Agricultura;
e V - Plano de Redução de Emissões da Siderurgia.

O PPCDAm foi constituído em 2004 com o objetivo de reduzir o desmatamento


e criar condições para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. O plano foi
coordenado pela Casa Civil da Presidência da República até 2013, e depois disso passou
a ser encabeçado pelo Ministério do Meio Ambiente, que apontou como eixos temáticos
os seguintes: ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental;
fomento às atividades produtivas sustentáveis; e instrumentos econômicos e
normativos. 40
O PPCDAm vem atuando através de fases com diretrizes pré-estabelecidas,
estando atualmente em seu 4º estágio (2016-2020). 41 Apesar dos números demonstrarem
uma diminuição de 70% no desmatamento amazônico entre os anos de 2004 e 2015,
observou-se um aumento preliminar de 29% entre o ano de 2015 e 2016, no exato
momento em que iniciou-se a 4ª fase do plano.42 Desde então não existem dados do
Ministério do Meio Ambiente sobre o desflorestamento, sendo datado de 2018 e referente
a 2016 o último relatório divulgado pelo órgão. Entretanto, uma pesquisa divulgada pelo
INPE em 2019 apresentou um aumento de 29% nas taxas de desmatamento entre os anos

40
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento
na Amazônia Legal. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/informma/item/616-
preven%C3%A7%C3%A3o-e-controle-do-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia>. Acesso em: 13 jun.
2020.
41
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal. Disponível em: <https://www.mma.gov.br/informma/item/616-
preven%C3%A7%C3%A3o-e-controle-do-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia>. Acesso em: 13 jun.
2020.
42
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal (PPCDAm): Fase 2016-2020. 4º Ed. Brasília, 2018. Disponível em:
<http://combateaodesmatamento.mma.gov.br/images/Doc_ComissaoExecutiva/Livro-PPCDam-e-
PPCerrado_20JUN2018.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020
de 2018 e 2019. 43
Já o PPCerrado, criado no ano de 2009 e ampliado a partir da PNMC, também é
dividido em fases e encontra-se, atualmente, no 3º estágio (2016-2020). 44 Os principais
resultados das duas primeiras fases foram: apoio a projetos de proteção ambiental locais;
prevenção, controle e monitoramento de incêndios florestais; fiscalização ambiental em
áreas de desmatamento, bem como fomento de operações de conservação em territórios
indígenas; capacitação de produtores em tecnologias de agropecuária sustentável; e
estruturação de arranjos produtivos locais. 45 Dados publicados pelo Ministério do Meio
Ambiente e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação apontam que
o desmatamento do cerrado no ano de 2018 foi 33% menor que o mapeado em 2010,
sendo considerada a menor área já desmatada do bioma desde 2001.46
Diferente dos demais, o Plano Decenal de Expansão da Energia é um documento
informativo elaborado anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética, sob apoio
governamental, para indicar as perspectivas de expansão do setor de energia em 10 anos.
As análises fornecidas pelo relatório podem auxiliar num melhor planejamento energético
a longo prazo, de modo a aumentar a confiabilidade, reduzir os custos de produção e os
impactos ambientais. 47 Apesar de não serem publicados todos os anos, tal como deveria,
os documentos possuem certa regularidade e facilitam o acesso à informação para a
tomada de decisões no setor energético. Os últimos dados divulgados remetem ao ano de
2029 e contam com premissas sobre a utilização da energia no Brasil nos próximos 10
anos. 48

43
BRASIL. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A estimativa da taxa de desmatamento por corte raso
para Amazônia Legal em 2019 é de 9.762 km2. Disponível em:
<http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=5294>. Acesso em: 13 jun. 2020.
44
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. PPCerrado. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/informma/item/618-ppcerrado>. Acesso em: 13 jun. 2020.
45
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento:
Documento base: contexto e análises. 2016. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80120/PPCDAm%20e%20PPCerrado%20-
%20Encarte%20Principal%20-%20GPTI%20_%20p%20site.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020.
46
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Desmatamento no Cerrado em 2018. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/component/k2/item/15309-desmatamento-no-bioma-cerrado-em-2018.html>.
Acesso em: 13 jan. 2020.
47
BRASIL. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Decenal de Expansão de Energia. Disponível em:
<https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/plano-decenal-de-expansao-de-
energia-pde>. Acesso em: 13 jun. 2020.
48
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. 2029: Plano Decenal de Expansão de Energia. Brasília, 2019.
Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-
abertos/publicacoes/Documents/PDE%202029.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020.
Já o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a
Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, conhecido
como “Plano ABC”, é um dos principais planos para o desenvolvimento de tecnologias
sustentáveis assumidos pelo Brasil no setor agropecuário. 49 O plano é composto por sete
programas, seis deles relativos às tecnologias de mitigação e um outro voltado
especificamente às ações de adaptação climática, são eles: recuperação de pastagens
degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas florestais; sistema plantio
direto; fixação biológica do nitrogênio; florestas plantadas; tratamento de dejetos animais;
e adaptação às mudanças climáticas. 50
Com relação aos dados de redução nas emissões de gases do efeito estufa do Plano
ABC, é possível perceber, entre os anos de 2010 e 2018, uma redução entre 100,21 e
154,38 milhões de Mg CO2 eq, indicando que o compromisso com a diminuição nas
emissões de GEE estão sendo cumpridas pelo plano.51 A principal crítica que pode ser
feita aos dados divulgados é a imprecisão numérica quanto à redução e a falta de critérios
fixos de análise, visto que o próprio plano sugere um coeficiente de mitigação.
Por fim, o Plano Setorial de Redução de Emissões da Siderurgia, idealizado em
2008 e implementado em 2011, foi pensado com o objetivo de promover ações no setor
siderúrgico para reduzir as emissões de GEE. O plano tem como pilares fundamentais a
expansão do estoque de florestas plantadas e melhoria da eficiência e da qualidade
ambiental do processo de carbonização. Desde o início das atividades, foi discutida a
participação do setor privado nos esforços relativos à diminuição de GEE liberados pela
siderurgia. 52 Apesar das várias estimativas de gastos para o prosseguimento do plano, não
existem dados sobre sua efetividade, sendo essa uma medida bastante opaca dentro da

49
FAEMG. Plano ABC. Disponível em:
<http://www.sistemafaemg.org.br/Conteudo.aspx?Code=3526&Portal=2&ParentCode=53&ParentPath=
None&ContentVersion=R>. Acesso em: 13 jun. 2020.
50
GOVERNO FEDERAL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ações do Plano.
Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/plano-abc/acoes-do-
plano>. Acesso em: 13 jun. 2020.
51
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Adoção e Mitigação de Gases de Efeitos
Estufa pelas Tecnologias do Plano Setorial de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas (Plano
ABC). Disponível em: <https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/plano-abc/plano-
abc-em-
numeros/arquivos/ResumodaadooemitigaodegasesdeefeitosestufapelastecnologiasdoPlanoABCPerodo201
0a2018nov.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020.
52
BRASIL. Plano Setorial de Redução de Emissões da Siderurgia. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/estruturas/smcq_climaticas/_arquivos/plano_setorial_siderurgia___sumrio_ex
ecutivo_04_11_10_141.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020.
PNMC.
Todavia, o recente relatório do Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente
apontou para um significativo retrocesso na questão do combate da deflorestação em
2019. De acordo com o relatório, o governo do Presidente Bolsonaro reduziu
significativamente o orçamento do Ministério do Meio Ambiente para a política de
mudança climática e abrandou as sanções e as multas ambientais. 53

2.2 Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima


Como outra consequência da Política Nacional sobre Mudança do Clima foi
adotado o Plano Nacional de Adaptação (PNA), instituído em 10 de maio 2016, pela
Portaria nº 150 do Governo Federal. 54 Essa normativa pretende trazer precisões ao
conceito de adaptação, visando reduzir a vulnerabilidade nacional frente aos riscos das
mudanças climáticas, bem como evitar danos. Verifica-se, contudo, que esse diploma
consubstancia uma obediência à norma internacional da adaptação nos moldes do artigo
7 do Acordo de Paris. No direito brasileiro, esse plano nacional de adaptação deve, nos
termos da Portaria, permitir uma acomodação dos sistemas naturais, humanos, produtivos
e de infraestruturas às mudanças climáticas.
Os objetivos do Marco de Adaptação de Cancún, de 2010, e do artigo 7 do Acordo
de Paris ecoam, com efeito, no direito brasileiro quando o artigo 2° dispõe que o Plano
Nacional de Adaptação à Mudança do Clima busca a disseminação do conhecimento
cientifico ou tradicional para melhor apreender os riscos associados à mudança climática;
promover a participação da sociedade na gestão dos ricos junto com o poder público, ou
ainda, propor medidas de redução do risco vinculado à mudança do Clima.
O PNA deve ser implementado pela União com a cooperação dos Estados, Distrito
Federal, Municípios, organizações da sociedade civil e entidades do setor privado. 55 Para
tanto, a União recebe o auxilio do Grupo Técnico de Adaptação à Mudança do Clima,
órgão de caráter permanente e consultivo, com objetivo de articular, entre órgãos públicos
e entidades privadas, medidas de adaptação, e também de promover a implementação, o

53
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME - UNEP. The Emissions Gap Report 2019.
Nairobi: United Nations Environment Programme (UNEP), 2019, p. 40. Disponível em:
<https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/30797/EGR2019.pdf?sequence=1&isAllowed=
>. Acesso em: 15 jun. 2020.
54
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 150, de 10 de maio de 2016. Publicado
em 11/05/2016, Edição 89, Seção 1, p. 131.
55
Artigo 3°da Portaria nº 150.
monitoramento, a avaliação e as revisões do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do
Clima.56
Para tal, a Portaria 150 prevê, dentro de outras competências, que cabe ao Grupo
Técnico de Adaptação à Mudança do Clima: a organização de reuniões técnicas nacionais
relacionadas ao PNA; a orientação da implementação e a revisão do PNA; o
monitoramento e avaliação os resultados obtidos; a proposição de ações prioritárias no
âmbito do PNA; a comunicação e a divulgação das medidas do PNA e a articulação com
os órgãos nas esferas federal, estadual e municipal, com entidades privadas e da sociedade
civil, para realizar ações conjuntas.57
Atualmente, o PNA atua nos seguintes setores: agricultura; recursos hídricos;
segurança alimentar e nutricional; biodiversidade; cidades; gestão de risco de desastres;
indústria e mineração; infraestrutura; povos e populações vulneráveis; saúde; e zonas
costeiras.58 A Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil conferiu ao PNA a
função de promover resiliência e adaptação aos ecossistemas do país. O Plano foi
publicado com 24 metas, das quais 100% tiveram alguma ação correspondente
implementada, e 136 diretrizes, entre as quais 67% (ou seja, 91 das 136) tiveram alguma
ação implementada, segundo dados publicados em 2017. 59
As ações realizadas no âmbito do PNA contribuíram, em 76%, para a produção
de gestão de conhecimento, em 54%, para a promoção da coordenação e cooperação
institucional, e, em 72%, para a identificação e proposição de medidas de adaptação e
redução de riscos climáticos. Algumas ações realizadas foram: o mapeamento, a nível
municipal, das áreas de vulnerabilidade climáticas do Brasil, em especial zonas de seca,
e mapeamento dos impactos biofísicos da mudança de clima na Mata Atlântica. 60 Os
estudos geraram duas plataformas sistemáticas de acesso a informações quanto à
adaptação às mudanças climáticas no Brasil, são elas: a AdaptaClima61 e a SisVuClima62.

56
Artigo 4°da Portaria nº 150.
57
Artigo 5°da Portaria nº 150.
58
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Adaptação. Disponível em:
<https://mma.gov.br/clima/adaptacao/plano-nacional-de-adaptacao>. Acesso em: 03 jun. 2020.
59
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. 1º Relatório de Monitoramento e Avaliação 2016-2017.
Disponível em: <https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80182/GTTm/RelatorioMonitoramento.pdf>.
Acesso em: 03 jun. 2020.
60
Idem.
61
ADAPTACLIMA. Plataforma de Conhecimento em Adaptação à Mudança de Clima. Disponível em:
<http://adaptaclima.mma.gov.br/>. Acesso em: 03 jun. 2020.
62
SISVUCLIMA. Sistema de Vulnerabilidade Climática. Disponível em:
<http://www.sisvuclima.com.br/>. Acesso em: 03 jun. 2020.
Além disso, o PNA também fortaleceu 29 políticas, planos e programas
governamentais durante sua implementação, como, por exemplo, a Política Nacional de
Proteção e Defesa Civil, a Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional
de Mobilidade Urbana, bem como foram inseridas preocupações relativas à adaptação no
Plano Nacional de Fortalecimento do Extrativismo, no Plano Nacional de Segurança
Alimentar e nas Diretrizes Socioambientais do MTPA. O PNA também incorporou a
temática da adaptação nos processos de gestão de instituições, através, por exemplo, da
estruturação de um Comitê Técnico da Indústria de Baixo Carbono no Ministério da
Indústria. A atuação também se deu através da implementação de aparatos físicos, como
instalação de dessalinizadores, implantação de tecnologias de acesso à água, entre outros.
De maneira geral, o PNA atingiu 12 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
em 45 das suas 169 metas. 63
Entretanto, apesar do caráter promissor do Plano, os resultados relativos às ações
de adaptação não foram mais publicados pelo Governo. Não existem informações
atualizadas sobre o PNA, bem como também não foram divulgados dados sobre
potenciais ações influenciadas por ele.

3 O MONITORAMENTO DAS MEDIDAS DE ADAPTAÇÃO NO


BRASIL
O monitoramento do cumprimento das normas e mecanismos de combate à
emissão de gases de efeito estufa do Acordo de Paris de 2015 pela Conferência das Partes
(COP) advém dos termos do artigo 7, (2), a) da Convenção que dispõe que:

2. Como órgão supremo desta Convenção, a Conferência das Partes manterá


regularmente sob exame a implementação desta Convenção e de quaisquer de
seus instrumentos jurídicos que a Conferência das Partes possa adotar, além de
tomar, conforme seu mandato, as decisões necessárias para promover a efetiva
implementação desta Convenção. Para tal fim, deve:
a) Examinar periodicamente as obrigações das Partes e os mecanismos
institucionais estabelecidos por esta Convenção à luz de seus objetivos, da
experiência adquirida em sua implementação e da evolução dos conhecimentos
científicos e tecnológicos;

63
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. 1º Relatório de Monitoramento e Avaliação 2016-2017.
Disponível em: <https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80182/GTTm/RelatorioMonitoramento.pdf>.
Acesso em: 03 jun. 2020.
Este dispositivo conjuga-se com o artigo 16 (1) e (4) do Acordo de Paris que
reitera que a COP, enquanto órgão supremo da Convenção de 1992, atua na qualidade de
reunião das Partes do Acordo, com função avaliativa das medidas internas de adaptação,
em conformidade com os termos da Decisão 1/CP.21, que cria um processo específico,
denominado Tecnical Examination Process on Adaptation (TEP-A).

3.1 O Tecnical Examination Process on Adaptation (TEP-A)


O monitoramento das medidas de adaptação comunicadas pelas Partes é realizado
por meio do chamado Tecnical Examination Process on Adaptation (TEP-A), que
poderíamos traduzir como Processo de Exame Técnico sobre Adaptação. Esse método de
monitoramento prevê que o exame técnico deve ser executado de 2016 a 2020, com o
objetivo de consolidar a resiliência e reduzir as vulnerabilidades dos Estados mediante
um aumento constante das medidas de adaptação.64
A vocação do TEP-A é de tipo cooperativo no sentido que ele busca facilitar o
compartilhamento das boas práticas de adaptação; promover a cooperação nas técnicas
de adaptação; e fortalecer as potencialidades ambientais que viabilizam a adaptação. Do
ponto de vista institucional, o TEP-A é implementado pelo Órgão Subsidiário de
Assessoramento Científico e Tecnológico e pelo Órgão Subsidiário para Implementação,
com a tutela do Comitê de Adaptação, o qual coordena reuniões anuais de especialistas. 65
Quanto ao Secretariado, além de organizar as reuniões técnicas dos peritos sobre políticas
ou estratégias de adaptação, tem a incumbência de redigir um relatório sobre os resultados
dessas reuniões. Esses relatórios técnicos devem versar sobre as possibilidades de reforço
das medidas de adaptação, assim como sobre os meios de implementação. 66
Esse mecanismo de monitoramento não se assemelha a uma fiscalização de uma
obrigação internacional de resultado, mas a um acompanhamento da implementação das
disposições dos acordos e decisões adotados no âmbito da Convenção Quadro sobre
Mudanças Climáticas e do Acordo de Paris. Esse modelo de monitoramento se dá pelo
Reporting, que consiste no envio de relatórios periódicos pelas Partes ao Secretariado da
UNFCCC. A prática é regida inicialmente pelo artigo 12 da Convenção, que cuida da

64
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties sur sa vingt et unième session, tenue à Paris
du 30 novembre au 13 décembre 2015. Décision 1/CP.21, §§ 124 e 125.
65
§ 127, b). da Decisão 1/CP.21
66
§ 126 da Decisão 1/CP.21.
transmissão das informações relativas à implementação dos compromissos assumidos nos
acordos celebrados no âmbito da própria Convenção. Assim sendo, as Partes devem
transmitir ao Secretariado as informações relativas ao inventário nacional de suas
emissões antrópicas (emissões de gases que resultam de atividades humanas) por fontes
e de remoções por sumidouros de todos os gases de efeito estufa e/ou qualquer outra
informação útil à realização do objetivo da Convenção. 67
No que tange à adaptação, o artigo 13 (8) do Acordo de Paris prevê que “Cada
Parte deverá também fornecer informações relacionadas aos impactos e à adaptação à
mudança do clima, nos termos do Artigo 7º, conforme o caso”.
As comunicações concernem as informações dos países desenvolvidos elencados
no Anexo I e as informações dos países em desenvolvimento nos termos do artigo 4 (3),
68
(4) e (5). Este último dispositivo aponta que é levado em consideração o grau de
desenvolvimento das Partes no momento da elaboração e comunicação periódica de suas
emissões e outras informações pertinentes ao combate da mudança climática. Nessa ótica,
implantou-se o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas
capacidades”. Esse princípio significa que se reconhece a responsabilidade histórica dos
países industrializados na problemática da mudança climática e a necessidade deles
desempenharem um papel de liderança no cumprimento das metas da Convenção,
levando em consideração as limitações econômicas dos países em desenvolvimento.
Assim, aplica-se um regime diferenciado e derrogatório a esses países no cumprimento
de tratados que versam sobre o direito internacional do clima. 69
Todo sistema de monitoramento baseia-se no princípio da transparência, outro
parâmetro importante da nova regência climática. Assim, o artigo 15 do Acordo de Paris
prevê a atuação de um Comitê “não acusatório e não punitivo”, especializado para
facilitar o cumprimento das disposições do acordo, apresentando informações anuais às
Conferências das Partes.

67
Ver também artigo 13 (7) do acordo de Paris.
68
Artigo 12 (2) da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas de 1992.
69
MALJEAN-DUBOIS, Sandrine & WEMAËRE, Matthieu. La diplomatie climatique : les enjeux d’un
régime international du climat. Paris: Pedone, 2010, pp. 44 e 45.
3.2 Últimos “avanços” brasileiros em termos de mitigação e adaptação
A CND do Estado brasileiro levou em conta os resultados positivos alcançados pelo país
na redução de Gases do Efeito Estufa entre os anos de 1995 e 2012. As emissões de CO2
caíram em 21,4% entre 1995 e 2005 e em 41,1% entre os anos de 2005 e 2012, o que
demonstrava resultados muito promissores no que se refere ao controle dos GEEs
emitidos pelo Brasil nos setores de energia, processos industriais, agropecuária, florestas
e resíduos. 70
Depois de amplas consultas à sociedade civil, ao setor privado e à Academia,
mediadas pelo Ministério das Relações Exteriores, o Ministério do Meio Ambiente
publicou a Contribuição Nacionalmente Determinada pretendida do Brasil, a qual contava
com metas ambiciosas de redução da emissão dos GEEs em 37% abaixo dos níveis de
2005, em 2025, e em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. 71 Dentro da CND
brasileira, existe um tópico inteiro destinado às ações em adaptação.
Depois de reconhecida a importância de empreender esforços no sentido de
implementar medidas de adaptação como forma de construir a resiliência em
ecossistemas e reduzir vulnerabilidades em populações, a CND brasileira delimitou
algumas estratégias de ação. A principal delas girava em torno da criação de políticas
públicas, com enfoque no PNA, que, à época, estava em fase final de elaboração. 72
Outras ações delimitadas foram o desenvolvimento de um sistema de gestão de
conhecimento; promoção de pesquisas; ferramentas de apoio em estratégias de adaptação;
políticas próprias de fomento da resiliência em áreas de risco; desenvolvimento de
infraestrutura básica, principalmente nas áreas de saúde, saneamento e transporte; e
melhorias na habitação em áreas mais pobres. 73 Além disso, o Brasil se propôs a utilizar
serviços já existentes para monitorar os eventos de precipitação extrema e, com base nos
dados fornecidos por eles, dar boas respostas a eventuais desastres ambientais.

70
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Política Nacional sobre Mudança do Clima. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima>. Acesso em: 03 jun. 2020.
71
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Acordo de Paris. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris>. Acesso em: 03 jun.
2020.
72
Idem.
73
BRASIL. Contribuição Nacionalmente Determinada. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/BRASIL-iNDC-portugues.pdf>. Acesso em: 03 jun.
2020.
Por fim, a CND também explicou a necessidade de incremento de alguns
programas políticos já existentes, como o Plano Nacional de Segurança Hídrica e o Plano
Estratégico Nacional de Áreas Protegidas, bem como a regularização do Código
Florestal. 74 Todas essas metas também foram incluídas dentro do PNA, que deveria servir
como um facilitador das políticas relativas à adaptação em território brasileiro.
Apesar do extenso desenvolvimento do Plano de Adaptação brasileiro, não foram
desenvolvidas ações posteriores perante à UNFCCC. No mês de maio do ano de 2016, o
Brasil depositou junto ao Comitê de Adaptação o seu projeto e, desde então, não
acrescentou ou modificou qualquer aspecto dele. Também não foi documentada a
efetividade das ações desempenhadas no plano, demonstrando o total desconhecimento
internacional sobre a mitigação de gases do efeito estufa em território brasileiro. 75

74
BRASIL. Contribuição Nacionalmente Determinada. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/BRASIL-iNDC-portugues.pdf>. Acesso em: 03 jun.
2020.
75
UNFCCC. National Adaptation Plans: NAPs from developing countries. Disponível em:
<https://www4.unfccc.int/sites/NAPC/News/Pages/national_adaptation_plans.aspx>. Acesso em: 13 jun.
2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resulta do que precede, que o conceito de adaptação à mudança do clima se
transformou em direito por meio dos trabalhos das COP em reuniões, culminando com a
adoção do artigo 7 do Acordo de Paris. Seu caráter programático revela suas dimensões
internacional e nacionais, deixando sua concretização à mercê de políticas públicas dos
governos federais brasileiros que podem desistir ou ignorar o compromisso de Paris nesse
ponto. Isso porque não existem mecanismos coercitivos previstos no tratado em apreço.
O descumprimento do artigo 7 não traz consequências jurídicas para o Estado Parte
infrator por comissão ou omissão. De fato, a maior parte das disposições relativas aos
meios de implementação de medidas nacionais de mitigação de emissões de gases de
efeito estufa e/ou de adaptação não são identificadas precisamente como obrigações, mas
deveres, recomendações ou expectativas baseadas na boa-fé. É o que revela o artigo 13
(1) do Acordo que visa a construir laços de “confiança mútua” entre as Partes, no
momento de cumprir e comunicar as ações nacionais de mitigação e resiliência à mudança
climática.
Desde a adoção do Acordo de Paris, todas as COPs tiveram a preocupação de
cuidar da sua implementação. Nesse sentido, a COP de 2019, em Madrid, estava sendo
muito esperada, vez que a sociedade civil cobrava resultados contundentes dos Estados
em termos de esforços de mitigação de gases de efeito de estufa e adaptação.76 Na
oportunidade da 25ª COP, a organização expressou, de forma velada, suas preocupações
ao assinalar a necessidade de progredir no preenchimento das lacunas na implementação
dos planos nacionais de adaptação, de modo geral, e dos países menos avançados,
particularmente. 77 A COP exortou, ainda na sua decisão, os países desenvolvidos a
continuarem a mobilizar meios para apoiar as iniciativas de adaptação dos países em
desenvolvimento. 78 Enfim, solicitou ao Órgão Subsidiário de Implementação que, em sua
quinquagésima terceira sessão (a qual deveria ocorrer em novembro de 2020),
considerasse as informações dos relatórios do Comitê de Adaptação e do Grupo de Peritos

76
Essas inquietações foram notadamente expressas em manifestações de jovens liderados por Greta
Thunberg. Ver REUTERS. Inspired by Greta Thunberg, worldwide protest demands climate action.
Disponível em:< https://www.reuters.com/article/us-climate-change-strike/inspired-by-greta-thunberg-
worldwide-protest-demands-climate-action-idUSKBN1W507>. Acesso em: 05 jun. 2020
77
NATIONS UNIES. Rapport de la Conférence des Parties sur les travaux de sa vingt-cinquième session,
tenue à Madrid du 2 au 15 décembre 2019. Décision 7/CP.25, § 3.
78
Ibidem, § 7.
em Países Menos Desenvolvidos, inclusive sobre lacunas, necessidades e implementação
de planos nacionais de adaptação, além de outras medidas cabíveis. 79
Por outro lado, o Acordo de Paris prevê que as primeiras avaliações de medidas
nacionais seriam apresentadas em 2020. Contudo, em razão da pandemia do COVID-19,
foi noticiado que a 26ª Conferência das Partes, que deveria ocorrer no mês de novembro
deste ano, na cidade de Glasgow, Escócia, foi adiada para novembro de 2021, na mesma
cidade.80 Assim, a agenda proposta na COP de Paris de 2015 não será cumprida. Esse
contexto conturbado encontra-se agravado com a denúncia do tratado pelos Estados
Unidos em 2017, um dos maiores poluidores do planeta. 81 Já o Brasil vem sofrendo
críticas pela comunidade internacional pela forma como vem conduzindo a preservação
da floresta amazônica.82 O desenvolvimento de uma política de adaptação às mudanças
climáticas exige, com efeito, um esforço de programação significativo que não aparece
na agenda do governo atual. Desse modo, o Brasil consegue se afastar do compromisso
da adaptação sem ter que suportar o desgaste político que seria uma denúncia do Acordo
de Paris.

79
Ibidem, § 11.
80
UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE SECRETARIAT. Message to parties, observer states and
observer organizations Information regarding new dates for COP 26. 28 may 2020. Disponível em:
<https://unfccc.int/sites/default/files/resource/message_to_parties_and_observers_dates_of_cop_26.pdf>.
Acesso em: 05 jun. 2020.
81
LE MONDE. Climat: Donald Trump annonce le retrait des États-Unis de l’Accord de Paris. Le Monde,
06 jan. 2017.
82
MercopPess. Brazilian government dismisses as a “commercial game” results of COP25 climate talks
in Madrid. Disponível em: <https://en.mercopress.com/2019/12/17/brazilian-government-dismisses-as-a-
commercial-game-results-of-cop25-climate-talks-in-madrid)>. Acesso em 06 jun. 2020.
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Disponível em: <https://www.mma.gov.br/component/k2/item/15309-desmatamento-
no-bioma-cerrado-em-2018.html>. Acesso em: 13 jan. 2020.
____________. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/informma/item/616-preven%C3%A7%C3%A3o-e-controle-
do-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia>. Acesso em: 13 jun. 2020.
____________. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm): Fase 2016-2020. 4º Ed.
Brasília, 2018. Disponível em:
<http://combateaodesmatamento.mma.gov.br/images/Doc_ComissaoExecutiva/Livro-
PPCDam-e-PPCerrado_20JUN2018.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2020.
____________. Ministério do Meio Ambiente. Planos de ação para a prevenção e o
controle do desmatamento: Documento base: contexto e análises. 2016. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80120/PPCDAm%20e%20PPCerrado%20-
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2020.
____________. Ministério do Meio Ambiente. PPCerrado. Disponível em:
<https://www.mma.gov.br/informma/item/618-ppcerrado>. Acesso em: 13 jun. 2020.
____________. Plano Setorial de Redução de Emissões da Siderurgia. Disponível em:
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COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.
Nosso futuro comum. 2ª. Ed. Editora da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Rio de
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o dicionário da língua
portuguesa. 6ª. Ed. Curitiba: Positivo, 2006.
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LAVALLÉE, Sophie & MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. L’Accord de Paris : fin de la
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MALJEAN-DUBOIS, Sandrine & WEMAËRE, Matthieu. La diplomatie climatique :
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SISVUCLIMA. Sistema de Vulnerabilidade Climática. Disponível em:
<http://www.sisvuclima.com.br/>. Acesso em: 03 jun. 2020.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME - UNEP. The Emissions Gap
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Disponível em:
<https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/30797/EGR2019.pdf?sequenc
e=1&isAllowed=y>. Acesso em: 15 jun. 2020.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E
INOVAÇÕES JURÍDICAS
EM DEFESA DE INDICADORES JURÍDICOS PARA
OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E DA BIODIVERSIDADE *

FOR THE LEGAL INDICATORS OF THE


SUSTAINABLE DEVELOPPMENT GOALS AND
BIODIVERSITY
Michel Prieur ∗∗

INTRODUÇÃO
A aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), em 25 de setembro de 2015 (A/RES/70/1), figura
como uma nova etapa no longo percurso da Humanidade em direção a um futuro
sustentável. Trata-se de um ambicioso plano de ação para a Humanidade e para o Planeta.
É certo que alguns podem, com razão, considerar que o meio ambiente se encontre
sufocado entre um conjunto de urgências econômicas e sociais que afetam a Terra inteira.
Na realidade, trata-se tão simplesmente da continuidade e da atualização da Agenda 21,
adotada na Rio 92 e do Objetivos do Milênio, de 2000.
Mesmo em não configurando normas cogentes, a Organização das Nações Unidas
desejou reforçar o acompanhamento da execução dos ODS. Assim, todos os anos, sob os
auspícios da Assembleia Geral e do Conselho Econômico e Social, a reunião de um
“Fórum Político de Alto Nível” em Nova Iorque avalia e discute os relatórios enviados
voluntariamente pelos Estados1 em relação a parte dos 17 ODS e suas 169 metas - que
constituem temáticas específicas de ação. A cada quatro anos esse Fórum se reúne em
nível de chefes de Estado e de governo. Ocorre, entretanto, que a coerência da governança


PRIEUR, Michel. Pour les indicateurs juridiques des ODD et de la biodiversité In La Revue D’Humanité
et Biodiversité. N. 5, 2018/2019, pp. 218-222. Traducao Solange Teles da Silva e José Antonio Tietzmann
e Silva.
∗∗
Professor emerito da Universidade de Limoges (França). Presidente do Centro Internacional de Direito
Comparado do Meio Ambiente (CIDCE)
1
Vinte e duas (22) contribuições voluntárias foram enviadas em 2016, quarenta e oito (48) em 2018.
internacional ambiental segue problemática, com a reunião paralela a cada dois anos da
Assembleia Ambiental das Nações Unidas, realizada no PNUMA, em Nairobi (Quênia).
A proteção da biodiversidade, ao não constituir um objetivo específico, deveria
estar difundida no conjunto desse plano de ação. Em realidade, ela figura como o “parente
pobre” dos ODS. Isso porque, de fato, há apenas uma menção ao tema no Objetivo 14.a,
enquanto que o Objetivo 15 desenvolve um pouco mais, aludindo a quatro questões
relacionadas à proteção da biodiversidade, ao afirmar que se busca “deter a perda de
biodiversidade”.2 É necessário, contudo, adicionar a referência nos ODS que é feita ao
termo “ecossistemas”, relacionando-o: às práticas agrícolas (2.4); à agua (6.6); aos
ecossistemas marinhos (14.2); aos ecossistemas terrestres e de água doce (15.1); aos
ecossistemas montanhosos (15.4); aos ecossistemas terrestres e aquáticos (15.8). Em
definitivo, os termos biodiversidade e ecossistemas aparecem em 4 dentre os 17 ODS. 3
E, para melhor acompanhar a implementação dos ODS, são previstos “indicadores”. Eles
devem servir para “medir os progressos realizados e garantir que ninguém seja deixado
pra trás no desenvolvimento sustentável”. 4
Assim, a comissão de estatística da ONU e a divisão de estatísticas confiaram a
um grupo de peritos a elaboração de uma série de indicadores dos ODS. Como resultado,
foi apresentada uma lista de 232 indicadores, validados pela Assembleia Geral da ONU
aos 6 de julho de 2017. 5 O mandato foi preciso: fornecer os indicadores mundiais
pertinentes, que deveriam incluir “os meios de implementação”. 6 É evidente que a
implementação dos ODS em matéria de biodiversidade, como em outros campos,
necessita ao mesmo tempo de mecanismos científicos, financeiros, técnicos e culturais.
Por certo, faz-se igualmente necessária a adoção de leis e regulamentos. Ocorre que a
biodiversidade e, mais especificamente, o meio ambiente constituem objeto de um
número impressionante de textos jurídicos, tanto no plano internacional como nacional.
O conjunto desses textos compõe o Direito Ambiental. Ora, a bateria de indicadores dos
ODS abrange apenas indicadores “clássicos”, tais como os científicos e econômicos. A
ONU e os Estados são, assim, convidados a controlar a implementação dos ODS como
se eles não dispusessem de instrumentos jurídicos que permitissem ou impedissem sua

2
Metas 15.4; 15.5; 15.9 e 15.a.
3
ODS 2, 6, 14 e 15.
4
(Tradução livre) § 48 da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 25 de setembro de 2015.
5
Resolução 71/313.
6
(Tradução livre) § 75 da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 25 de setembro de 2015.
aplicação. Noutras palavras, a comunidade internacional, que adotou aproximadamente
900 convenções internacionais ambientais, os Estados nacionais, com as suas 170
constituições, que incluíram o meio ambiente em seus textos e as milhares de normas
jurídicas, devem avaliar a implementação dos ODS ignorando o papel do direito
ambiental. Pode-se, portanto, colocar-se uma pergunta iconoclasta: o Direito Ambiental
serve para alguma coisa? Ele é verdadeiramente aplicado? Essa ignorância do papel de
vanguarda do Direito Ambiental resulta, em parte, do fato de que ainda não existem
indicadores jurídicos. Os estatísticos da ONU, que também não dispõem de ferramentas
para mensurar a aplicação do direito, ignoram a sua contribuição e os Estados são
suficientemente previdentes para reconhecerem se as leis que adotaram são efetivamente
aplicadas ou não. Tanto sob o prisma político quanto científico, essa situação é realmente
insuportável. Não há a possibilidade de se monitorar os ODS como se não houvesse
tratado ou lei que enquadrasse o comportamento dos diversos atores, públicos e privados,
incumbidos de alcançar os objetivos fixados.
Diante desse contexto, propomos uma inovação científica, que consiste em
mensurar a efetividade do Direito Ambiental. Isso permitirá avaliar a implementação dos
ODS, apontando as lacunas ou insuficiências do direito e, com mais frequência, os fatores
que explicam como o direito é aplicado e qual a razão de não ser efetivamente aplicado
ou mal aplicado. 7 Trata-se, portanto, de preencher uma lacuna no conhecimento
científico, referente à existência e à utilização do Direito Ambiental. Antes de apresentar
em que poderiam consistir os futuros indicadores jurídicos e como mensurar o direito,
convém esclarecer: o que se entende por efetividade do direito e qual é a utilidade desses
novos indicadores?

1 EFETIVIDADE DO DIREITO
Deve-se ter claro que o que se propõe a mensurar é a efetividade, e não a eficiência
do direito. Os 232 indicadores atuais dos ODS são unicamente indicadores de eficiência,
ditos também de performance: eles permitem mensurar se os objetivos fixados por cada

7
Cf PRIEUR, Michel. Les indicateurs juridiques, outils d’évaluation de l’effectivité du droit de
l’environnement, IFDD, 2018, avec le concours du CIDCE (www.cidce.org), de l’ONU environnement, de
l’UICN, de la CEDEAO et de l’OIF. Cf igualmente PRIEUR, Michel; MEKOUAR, M.A., « Measuring the
effectivity of environmental law through legal indicators in the context of francophone Africa », in
professor Charles Okidi’s liber amicorum, 2018 (no prelo).
uma das 169 metas dos 17 ODS foram atingidos ou não. Tratando-se de aumentar a
superfície dos espaços protegidos, será realizado um cálculo sobre as superfícies
existentes e será, então, monitorado a cada ano o percentual de aumento dessas
superfícies. Se a eficiência mede os resultados atingidos no terreno em relação aos
objetivos indicados tanto por leis como por declarações políticas não cogentes, a
efetividade do direito é o estudo do processo de aplicação jurídica de uma norma. A saber:
a norma jurídica existe? Qual é a norma jurídica? (Constituição, lei, decreto,
convenção…). Como ela é aplicada e por quem? (controles administrativos,
jurisdicionais, cidadão). O que se buscará identificar não são as performances, mas sim
os obstáculos que impedem que a norma jurídica seja respeitada; as dificuldades
enfrentadas na implementação do direito, que podem resultar tanto de um conteúdo
inapropriado da norma jurídica, como ser fruto de uma aplicação voluntariamente
inadequada - ou não.

2 A UTILIDADE DOS INDICADORES JURÍDICOS


Se os indicadores jurídicos existissem, eles poderiam ter as seguintes vantagens:
- Permitir a compreensão das condições jurídicas de aplicação simultânea do direito
internacional, do direito regional e do direito nacional e/ou local. Na realidade, todos
esses níveis de direito são aplicáveis ao mesmo tempo, respeitando o princípio da
hierarquia das normas. Ora, com demasiada frequência tanto o nível internacional quanto
o regional são ignorados ou mal aplicados. Os atores envolvidos (Administração, juízes,
agricultores, associações) são mal informados sobre as normas jurídicas, não sabem como
aplicá-las corretamente. Os indicadores jurídicos contribuiriam, assim, para trazer luz à
complexidade do direito, considerando as suas diferentes fontes, esclarecendo as
condições de sua implementação.
- Servir de fonte de informação para os que têm o poder de decidir, governo e
parlamento, tendo em vista uma melhor decisão pública, permitindo orientar as
reformas necessárias.
- Tornar mais legível e visível o papel do direito nas políticas públicas ambientais.
- Dar ao público uma percepção concreta sobre o nível de efetividade do direito e,
portanto, sobre sua utilidade. Isso contribuiria com uma melhor consciência
cívica, no sentido de atuar em conformidade ao direito, ao invés de buscar
contorná-lo.
- Contribuir com a avaliação de uma política pública, analisando a aplicação
efetiva do Direito Ambiental por medidas quantitativas e qualitativas.
- Facilitar a identificação dos progressos e/ou dos retrocessos do Direito
Ambiental e, assim, servir de instrumento de medida para se aplicar o princípio
do não retrocesso, introduzido no Código Ambiental francês pela lei de 8 de
agosto de 2016, sobre a reconquista da biodiversidade, da natureza e das
paisagens. 8
- Posteriormente, agregar os indicadores jurídicos aos indicadores científicos, para
avaliar a eficiência das normas jurídicas em relação aos objetivos apresentados.

3 A CONSTRUÇÃO DOS INDICADORES JURÍDICOS


Uma experiência piloto na construção dos indicadores jurídicos foi realizada no
contexto da Francofonia, com juristas ambientais africanos do Benin, da República dos
Camarões, de Madagascar e da Tunísia. Em razão do meio ambiente constituir um campo
jurídico importante para testar nosso método, nos limitamos a certas temáticas, tanto em
direito internacional quanto em direito nacional. Dessa maneira, questionários foram
elaborados considerando apenas certos temas, fossem eles transversais ou setoriais. E,
como o direito internacional condiciona o direito nacional, trabalhamos, entre outras, com
a convenção de Ramsar sobre as zonas úmidas e com a Convenção da UNESCO sobre o
patrimônio mundial, natural e cultural. O objetivo era o de realizar uma avaliação dos
mecanismos e dos procedimentos que fazem com que essas convenções sejam
efetivamente aplicadas em cada um desses países: aspectos institucionais (ponto focal
nacional, administrações competentes, meios disponíveis); controle não contencioso da
aplicação (relatórios, inspeções, comitês de controle, a respeito desses textos); controle
contencioso de aplicação (jurisdição competente, acesso à justiça, efeito direto ou não das
decisões). A implementação do conteúdo substancial de cada convenção foi igualmente
objeto de questões referentes à implementação nacional de cada um de seus artigos

8
Art. L.110-1-II-9° du code de l’environnement ; cf. CANS, Ch. ; CIZEL, O., Loi biodiversité, ce qui
change en pratique, éd. Législatives, 2017 ; Prieur, M ; Sozzo, G (org.) La non régression en droit de
’environnement. Bruxelles : Bruylant, 2012.
dotados de conteúdo vinculante. As respostas, por meio de “sim/não”, permitiram, em
seguida, dar um tratamento rápido e simples.
Um tratamento à parte foi realizado em relação à aplicação dos ODS, visto que,
como se observou acima, não dispomos, dentre os indicadores dos ODS, de qualquer
indicador jurídico. Por essa razão, solicitamos aos quatro peritos africanos que
propusessem indicadores jurídicos que pudessem permitir de mensurar a efetividade dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável mais próximos às questões ambientais,
notadamente em relação aos ODS 2, 3, 6, 7 e 11 a 16.
Enfim, procedemos à construção de indicadores jurídicos referentes à aplicação
de certas leis nacionais, como aquelas sobre o regime jurídico das áreas naturais
protegidas e o direito dos estudos de impacto de projetos e atividades. Em cada uma
dessas temáticas, seis séries de questões foram propostas: a existência da norma jurídica,
a sua aplicabilidade, o quadro institucional de aplicação, o conteúdo substancial da norma
jurídica, o controle administrativo e jurisdicional, os fatores não jurídicos suscetíveis de
impedir a aplicação da norma jurídica.

4 MENSURAR OS INDICADORES JURÍDICOS


O inventário dos indicadores existentes denota que o método de se mensurar se
apresenta, de modo geral, estranhamente secreto. A pesquisa realizada pelo IFDD -
Instituto da Francofonia para o Desenvolvimento Sustentável - em 2017 ainda não testou
o método de mensurar em condições reais. Definimos, todavia, um método de trabalho
que convém agora testar, com a prévia condição de encontrar instituições interessadas em
financiar esse exercício de pesquisa aplicada.
Para poder mensurar cientificamente os indicadores jurídicos, uma vez redigidos
os questionários pelos juristas, convém incialmente formar pesquisadores que vão
solicitar aos diversos atores que respondam às questões propostas.
É necessário, em seguida, associar à ação matemáticos, estatísticos e juristas, para
poderem estar em condições de medir e ponderar cada um dos indicadores, em função de
sua contribuição à avaliação da efetividade de cada tratado e lei considerados. Para tanto,
somente um painel de especialistas nacionais pode realizar essa ponderação. Esse painel
deve agrupar representantes das partes interessadas (universitários, juízes, advogados,
administração, sociedade civil).
Após o exercício de ponderação, que permitirá chegar aos valores estimados,
haverá a necessidade de agregar os resultados entre si e, em seguida, hierarquizar as áreas
consideradas no Direito Ambiental. O exercício será tanto mais complexo quanto se
queira agregar várias domínios entre si.
Nos parece, sob reserva de experiências em condições reais, que será mais útil aos
tomadores de decisão e às diversas partes envolvidas tratar de apenas algumas temáticas
do Direito Ambiental separadamente, sem desejar fazer um balanço a todo preço de todo
o campo desse ramo do direito. Em realidade, é mais útil saber como e porque a lei sobre
a água ou a lei sobre as espécies protegidas ou sobre a biodiversidade é melhor ou pior
aplicada, do que dispor de uma nota global, pretendendo estimar a aplicação efetiva de
todo o Direito Ambiental de um país. Apesar disso, essa última visão é aquela aplicada
por certas instituições, que mensuram as “performances” dos Estados e acabam com um
resultado esperado, de acordo com o qual esse ou aquele país do Sul figura como o 175º
na classificação e um certo país do Norte encontra-se no 10º lugar do ranking.
Nosso propósito, ao contrário, é o de não colocar os Estados em situação de
concorrência, o que repercute midiaticamente; mas dar-lhes uma escolha para a ação,
setor por setor do meio ambiente, a fim de saber o que reformar e onde oferecer meios
financeiros e de pessoal para que o Direito Ambiental se aplique efetivamente.

Notre approche par domaine est d’autant plus justifiée que, si le droit
de l’environnement doit être conçu globalement pour mieux intégrer
toutes les interdépendances, la réalité juridique et institutionnelle reste
sectorielle.

Nossa abordagem por área justifica-se tanto mais diante da concepção global do
Direito Ambiental, que busca melhor integrar todas as interdependências, enquanto a
realidade jurídico-institucional ainda é setorial. Cada ramo do Direito Ambiental tem seus
textos específicos, suas administrações competentes, às vezes, mesmo, seus juízes ad hoc.
Essa abordagem setorial, entretanto, não impede que certas questões transversais sejam
tratadas em apartado, como quando se deseja determinar a efetividade do direito
ambiental na Constituição.
ANEXO

PROJETO DE MOÇÃO DO CENTRE INTERNATIONAL DE DROIT


COMPARÉ DE L’ENVIRONNEMENT (CIDCE)9 À UNIÃO
INTERNACIONAL PARA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA
(UICN)10

MESURAR A EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL POR MEIO DE


INDICADORES JURÍDICOS

CONSIDERANDO que, a conservação da natureza impõe uma aplicação efetiva das


normas jurídicas internacionais, regionais nacionais e locais em matéria ambiental;
CONSCIENTE que, a implementação dessas normas jurídicas deixa frequentemente
muito a desejar e que sua aplicação associa, seguindo um procedimento jurídico
complexo, todas as partes envolvidas: administração, atores econômicos, profissionais da
área jurídica, associações ambientais;
OBSERVANDO que, os relatórios sobre o estado do meio ambiente não avaliam as
políticas senão por meio de indicadores científicos ou econômicos, omitindo-se de
apreciar sua efetividade jurídica;
DEPLORANDO que, os indicadores referentes aos Objetivos do desenvolvimento
sustentável visam raramente a contribuição do direito e não valorizam os dados
qualitativos, que permitem de avaliar a efetividade das normas jurídicas, desconhecendo
assim a contribuição do direito ao sucesso ou fracasso das políticas ambientais;
ENTUSIASMANDO-SE pelo interesse emergente pelos indicadores mais
representativos das dificuldades de aplicação do direito ambiental, como testemunham o
7° programa da União europeia para o meio ambiente, ao exigir indicadores específicos
para controlar a legislação ambiental, ou a declaração ministerial da 3° Assembleia das
Nações Unidas pelo meio ambiente, encorajando o desenvolvimento de indicadores
multidisciplinares;

9
O CIDCE tem o status especial consultivo junto ao Conselho econômico e social das Nações Unidas
(ECOSOC). Ele é observador na Assembleia do Meio Ambiente nas Nações Unidas e em seus órgãos
subsidiários. Tem igualmente o status consultivo junto a Francofonia.
10
Em razão da pandemia, essa moção deverá apresentada ao Congresso da UICN para ser aprovada em
Marselha (França) em janeiro de 2021.
CONSTATANDO que o Acordo regional de Escazú sobre o acesso à informação, à
participação pública e o acesso à justiça sobre questões ambientais na América Latina e
Caribe prevê indicadores para avaliar a eficiência, a efetividade e o progresso das políticas
ambientais;
REGISTRANDO a promoção pela UICN, ONU Meio Ambiente, IFDD-OIF e a
CEDEAO 11 de uma metodologia inovadora concebida pelo Centre international de droit
comparé de l’environnement sobre a criação de indicadores jurídicos em um simpósio
sobre a efetividade do direito ambiental na África francófona (Yaoundé, 2018);
CONVENCIDO que, os indicadores jurídicos permitirão mensurar a aplicação efetiva do
direito ambiental utilizando os dados qualitativos e quantitativos, sobre a base de
questionários sobre a existência e o conteúdo de normas jurídicas e sobre procedimentos
de sua implementação e seu controle;
PERSUADIDOS que, os indicadores jurídicos aumentarão a visibilidade e legitimidade
do direito ambiental, permitindo assim de melhor considerar as razões pelas quais ele é
mal ou pouco aplicado e os progressos ou recuos na proteção do meio ambiente,
facilitando igualmente a elaboração de novas normas jurídicas de salvaguarda do
patrimônio natural comum;

O CONGRESSO MUNDIAL DA NATUREZA, EM SUA SESSÃO REUNIDA EM


MARSELHA, FRANÇA, DE 6 A 15 DE JANEIRO DE 2021.

a) SOLICITA a Comissão mundial de direito ambiental e aos seus membros,


com o apoio do Programa da UICN sobre o direito ambiental, que desenvolva
experiências e formações para a elaboração de indicadores jurídicos em
matéria de conservação da natureza com a participação de professores de
direito, advogados, juízes, procuradores e serviços administrativos
encarregados de controlar o respeito das normas do direito ambiental;

b) SOLICITA ao secretariado da UICN que, convide o sistema das Nações


Unidas e outras organizações internacionais e regionais para que introduzam

11
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.
indicadores jurídicos entre os indicadores dos Objetivos de desenvolvimento
sustentável relativos ao meio ambiente;

c) SOLICITA aos Estados Partes e a União europeia Parte em convenções


regionais e universais sobre meio ambiente que introduza igualmente
indicadores jurídicos para mensurar a efetividade dessas convenções nos
relatórios de aplicação requeridos por tais convenções;

d) CONVIDA a todos os governos e ONGs que tenham o status de membro da


UICN para que tomem iniciativas voluntárias para experimentar e promover
a implementação de indicadores jurídicos em seu direito ambiental nacional,
em particular em matéria de proteção da natureza;

e) INCITA todos os governos e secretarias de organizações internacionais e


regionais a introduzirem os indicadores jurídicos em seus relatórios regulares
sobre o estado do meio ambiente na esfera mundial, regional nacional e local.

Projeto preparado pelo Centre international de droit comparé de l’environnement


(CIDCE) ONG internacional membro da UICN - www.cidce.org
MESURER L’EFFECTIVITE DU DROIT DE
L'ENVIRONNEMENT MARIN : OPTIMISER LA
PROTECTION DE L'ENVIRONNEMENT PAR
L'UTILISATION D'OUTILS INNOVANTS ∗

MENSURAR A EFETIVIDADE DO DIREITO


AMBIENTAL MARINHO:
OTIMIZAR A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIETNE
PELA UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS
INOVADORES
Marie Bonnin ∗∗
Odeline Billant ∗∗∗

INTRODUCTION
Dessiner le champ d’application des règles juridiques sur des cartes a permis de
mettre en évidence le développement du droit de l’environnement dans différents pays 1.
Cette activité de recherche permet de montrer là où les lois existent. Il est par exemple
possible, en un coup d’œil, de découvrir la protection juridique d'un espace particulier.


Ce travail a été soutenu par le projet ISblue "Interdisciplinary graduate school for the blue planet" co-
financé par une aide de l'Etat gérée par l'Agence Nationale de la Recherche au titre du programme «
Investissements d'avenir » portant la référence ANR-17-EURE-0015.
∗∗
Directrice de Recherche, IRD, Univ Brest, CNRS, Ifremer, LEMAR, F-29280 Plouzane, France,
marie.bonnin@ird.fr
∗∗∗
Doctorante, Univ Brest, CNRS, IRD, Ifremer, LEMAR, F-29280 Plouzane, odeline.billant@univ-
brest.fr
1
Bonnin M., Le Tixerant M., Ly I, Ould Zein A. Atlas cartographique du droit de l’environnement marin,
IUCN, AFD, CSRP
http://doc.terramaris.fr/UICN/ATLAS_30042013_FINAL_papier.pdf). Bonnin M., Le Tixerant M., Silva
O., Nascimento J. Atlas cartographique du droit de l’environnement marin au Cap-Vert, IUCN.
Accessible en ligne:
https://www.researchgate.net/publication/314003664_Atlas_du_droit_de_l%27environnement_marin_au
_Cap-Vert
La cartographie a le pouvoir de toucher différentes catégories de personnes du pêcheur
au fonctionnaire territorial en passant par des chercheurs d’autres disciplines, donnant des
résultats très intéressants. Il est très important de montrer où la protection juridique
s’applique, et ces cartes nous permettent de voir si une loi existe sur un territoire donné.
Mais il manque toujours quelque chose. Comment le savoir ? Il s’agit de savoir si ces lois
sont ou ont été appliquées.
Optimiser le rôle de levier du droit de l'environnement dans la protection de
l'environnement est un point central de l’évolution vers un monde plus respectueux des
socio-écosystèmes. Or, pour que le droit soit susceptible d’avoir un effet sur la protection
de l’environnement, ce dernier doit être appliqué.
Les Nations-unies ont mis en évidence le besoin d’indicateurs de développement
durable. Déjà en 1992, la conférence de Rio soulignait qu’il était nécessaire de
"développer et d'identifier des indicateurs de développement durable, afin d'améliorer la
base d'information pour la prise de décision, à tous les niveaux". Les Objectifs de
Développement Durable (ODD) participent du même processus. Plusieurs programmes
européens soulignent également la nécessité de disposer d'indicateurs de l’application du
droit 2. Dans le même temps, nous avons assisté à l'élaboration d'évaluations de l'état de
l'environnement, basées sur une multitude d'indicateurs environnementaux 3, tels que le
Global Environment Outlook. Certains sont plus spécialisés comme l'indice de l’OHI qui
se concentre sur l'impact actuel et futur des activités humaines sur les océans.
Malgré leur solide cadre d'indicateurs mondiaux, les Objectifs de Développement
Durable (ODD) pour 2030 n'intègrent pas d'indicateurs juridiques liés au droit de
l'environnement, limitant ainsi le rôle de ce dernier en tant qu'outil pour atteindre les
ODD.
Dans la même ligne, aucune de ces évaluations ne comprend d'indicateurs
juridiques permettant de montrer l’impact du droit de l’environnement sur la protection
de l’environnement. Un moyen d'atteindre cet objectif pourrait être de mesurer
l’effectivité du droit de l'environnement en utilisant des outils innovants.

2
Tels que le Septième programme cadre-FP7 et Horizon H2020
3
Plusieurs rapports et programmes de travail sur l'état du milieu marin ou terrestre aux niveaux
international, régional et national ont mis en évidence les lacunes actuelles en matière de connaissances sur
l'application du droit de l'environnement : Rapport sur l'Avenir de l'environnement mondial (ONU
Environnement, 2017) ; Première évaluation mondiale du milieu marin (Nations Unies, 2016), Décision
n°1386/2013/UE, objectif prioritaire 5.
1 MESURER LE DROIT : UNE EXPERIENCE NECESSAIRE
A l’instar de Siems4 qui en 2005 soulignait l’importance des approches
quantitatives pour le progrès scientifique, nous pensons qu’aujourd’hui une telle
démarche doit être expérimentée malgré les limites qu’elle implique et sur lesquelles nous
reviendrons.

1.1 La genèse de la mesure du droit


Les premières approches quantitatives expérimentales du droit ont été menées
dans divers domaines allant de la finance et du droit des affaires aux droits de l'homme et
à la gouvernance. Jusqu'à présent, aucune n'a été menée dans le domaine du droit de
l'environnement. Ces méthodes quantitatives utilisent des analyses mathématiques
appliquées aux textes et procédures juridiques. Amariles souligne ce "tournant
mathématique dans la pensée juridique".
Ces premières expériences ont fait l'objet de diverses critiques. L'une d'entre elles
concerne le choix difficile des indicateurs5 : quels sont les éléments internes au droit que
l’on peut mesurer ? 6. D’autres critiques sont relatives à la méthode d'évaluation, en raison
du recours fréquent aux questionnaires7 ou à l’avis d’experts8. En effet, l'utilisation
fréquente de questionnaires dans le cadre de ces initiatives conduit à la subjectivité et à
la possibilité de biais, en partie en raison du nombre limité de personnes interrogées et du
fait que la complexité des règles de droit n'est pas incluse 9. Dans le cas de la mesure de
la gouvernance et de l'état de droit, le recours aux perceptions des experts par le biais de

4
Siems, Mathias M. 2005. ‘Numerical Comparative Law: Do We Need Statistical Evidence in Law in
Order to Reduce Complexity’. Cardozo Journal of International and Comparative Law 13: 521–40.
5
Merry, Sally Engle, Kevin E. Davis, and Benedict Kingsbury, eds. 2015 The Quiet Power of Indicators:
Measuring Governance, Corruption, and Rule of Law. New York: Cambridge University Press.
6
AMARILES David Restrepo, « Legal indicators, global law and legal pluralism: an introduction », The
Journal of Legal Pluralism and Unofficial Law, 47, janvier 2015, no 1, p. 9‑21.
7
Voigt, Stefan. 2012. ‘How to Measure the Rule of Law’. Kyklos 65(2): 262–84.
8
Versteeg, Mila, and Tom Ginsburg. 2017. ‘Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators’. Law
& Social Inquiry 42(1): 100–137 ; Merry, Sally Engle, Kevin E. Davis, and Benedict Kingsbury, eds. 2015.
The Quiet Power of Indicators: Measuring Governance, Corruption, and Rule of Law. New York:
Cambridge University Press ; Voigt, Stefan. 2012. ‘How to Measure the Rule of Law’. Kyklos 65(2): 262–
84.
9
Bellivier, Florence, and Christine Noiville. 2014. ‘Pour Une Réhabilitation Des Seuils En Droit de La
Santé et de l’environnement’. Cahiers Droit, Sciences & Technologies (4): 107–19.
questionnaires ne parviendrait pas à « saisir quelque chose de discret » et « à distinguer
des concepts connexes tels que la démocratie et les droits humains »10.
Cependant, la doctrine juridique converge vers ce mouvement initié vers des
approches quantitatives. Supiot11 dans son livre sur "La gouvernance par les nombres"
rappelle que la discipline juridique est connue pour être défavorable à l'utilisation des
nombres mais souligne également la nécessité d'une évolution.
De même, les avantages de l'utilisation des statistiques dans l'évaluation des
réglementations publiques ont été reconnus par la Commission statistique des Nations
unies12.
En droit international, dans le cadre de la Convention sur la diversité biologique, la
conférence des parties a adopté un texte sur l'importance croissante des indicateurs13.
En Europe, des initiatives se développent en ce sens. Le réseau IMPEL (European
Union Network for the Implementation and Enforcement of Environmental Law) 14 vise
à faciliter la transposition en droit national des Directives et des textes de l’Union
Européenne. En ce sens, ce réseau met à disposition des outils pour faciliter l’application
du droit européen et anime des rencontres entre professionnels du milieu, dans un objectif
de partage des bonnes pratiques. Dans le même ordre d’idée, la Commission européenne
a lancé en 2016 « Une initiative qui vise à améliorer l'application des politiques et des
règles de l'UE » 15 en matière d’environnement. Deux examens de la mise en œuvre de la
politique environnementale (EIR) dans chaque État membre de l’Union ont été publiés
en 2016 et 201916. Ces rapports pays par pays présentent un état des lieux et des
perspectives d’amélioration. Les indicateurs utilisés dans ces rapports sont des indicateurs
de progression vers un objectif – par exemple taux d’utilisation circulaire des matières –
plutôt que des indicateurs juridiques.

10
Versteeg, Mila, and Tom Ginsburg. 2017. ‘Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators’.
Law & Social Inquiry 42(1): 100–137.
11
SUPIOT Alain, La gouvernance par les nombres: cours au Collège de France, 2012-2014, Paris, Fayard,
2015, 520 p.
12
United Nations Statistical Commission, Decision 111/46th and 13/47th.
13
Convention on Biological Diversity, Decision XIII/28.
14
https://www.impel.eu
15
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/fr/IP_19_1934, consulté le 15/09/2020.
16
Accessibles à l’adresse https://ec.europa.eu/environment/eir/country-reports/index_en.htm
1.2 Moyens de surmonter les critiques
Afin de surmonter les critiques qui sont apparues lors du développement d'une
approche quantitative du droit, nous pensons qu'il est important de mettre en place une
méthodologie de mesure de l’effectivité précise et détaillée. Cette méthode doit permettre
de refléter la complexité du droit et sa réalité. Il s’agit d’une première étape qui constitue
un préalable nécessaire à la mesure de l’efficacité du droit.
Afin de clarifier cette distinction, il importe de s’attarder sur la définition de ces
termes. L'efficacité est une référence à l'impact social et écologique d'une règle de droit.
Par exemple, pour mesurer l'efficacité d'un règlement visant à protéger une espèce
donnée, il faut surveiller le nombre d'individus de cette espèce. Alors que l'effectivité se
réfère à l'étude du processus d'application juridique de la règle : c'est-à-dire, est-ce que
l'application existe ? Avec quelle intensité, quels sont les instruments judiciaires utilisés,
comment et par qui la loi est-elle appliquée ?
Pour M. Prieur et A. Mekouar 17, la loi "effective" est une loi en action, qui se
traduit dans la réalité par une mise en œuvre effective. C'est un droit "vivant", qui va au-
delà du droit écrit. Ils soulignent que, dans son sens juridique, l'‘effectivité’ est
l'intersection du droit et du fait, qui conduit idéalement à l'unité du droit et du fait. Cela
implique qu'une règle de droit doit non seulement exister, mais aussi être applicable,
respectée, appliquée et éventuellement sanctionnée par l'administration ou le tribunal.
L'effectivité n'a pas la même signification en droit interne et en droit international.
Dans sa thèse de doctorat en 2012, Julien Bétaille18 a défendu l'idée qu'en droit interne,
l'effectivité est un concept non-juridique qui interroge les conditions d'application du
droit. Un autre auteur, Counveinhes-Matsumoto, rappelle en 2014 qu'en droit
international, il s'agit d'un critère juridique conditionnant l'application du droit par
l'identification des sujets de droit et l'appropriation des territoires. C'est pourquoi nous
nous rattacherons à la pensée de M. Prieur et A. Mekouar, pour lesquels nous devons
sortir l'‘effectivité’ « de cette insaisissabilité conceptuelle », et nous devons développer

17
Prieur, Michel, and Mohamed Ali Mekouar. 2019. ‘Measuring the Effectivity of Environmental Law
Through Legal Indicators in the Context of Francophone Africa’. In Blazing the Trail: Professor Charles
Okidi’s Enduring Legacy in the Development of Environmental Law, ed. Charles Okidi. Nairobi, Kenya:
Scool of Law, University of Nairobi, 238–56.
18
BÉTAILLE Julien, Les conditions juridiques de l’effectivité de la norme, Limoges, 2012, 767 p.
des indicateurs juridiques pour son évaluation objective, tant en droit interne qu'en droit
international.
Il sera très utile de mesurer l'effectivité du droit de l'environnement. Elle
constituera un outil innovant pour évaluer les politiques publiques. Elle permettra
d’enrichir les rapports sur l'état de l'environnement en rendant visible la contribution
présente et future du droit de l'environnement 19 à sa protection. Avec une telle évaluation,
nous attirerons l'attention sur les lacunes, les objectifs, les obstacles, les progrès et les
revers de la mission de protection de l'environnement. Et surtout, elle renforcera l'utilité
sociale du droit en permettant au public d'être mieux informé sur l'existence du droit de
l'environnement, ses avantages et son application.

2 MESURER LE DROIT : UNE EXPERIENCE INNOVANTE


Pour cette expérience innovante, nous devons être parfaitement clairs sur ce que
nous mesurons et sur la manière dont nous le ferons.

2.1 Ce qu'il faut mesurer : l'effectivité du droit de l'environnement


Grâce à la généralisation des interactions et des échanges au-delà de la juridiction
des États et grâce à la diffusion et au transfert des processus politiques, il est désormais
possible de faire des comparaisons juridiques à l'échelle mondiale entre différents outils
juridiques20.
De plus, la question se pose de manière légèrement différente en droit de
l'environnement : la plupart des réglementations étant préconisées au niveau
international, le processus politique associé peut souvent être identifié dans tous les pays
du monde.
La diffusion du droit de l'environnement 21 illustre cette spécificité : par exemple,
les évaluations d'impact environnemental ou les règles relatives aux industries polluantes
existent partout dans le monde. Elles résultent de la transposition d'une convention

19
L’utilité d’une telle méthode serait d’intégrer la dimension juridique dans les rapports et programmes de
travail sur l’environnement. En effet malgré l'existence de près de 900 traités internationaux relatifs à la
protection de l'environnement, les évaluations actuelles ne sont fondées que sur des indicateurs écologiques,
économiques ou sociaux et négligent les aspects juridiques.
20
Frydman, Benoît, and William Twining. 2015. ‘A Symposium on Global Law, Legal Pluralism and Legal
Indicators’. The Journal of Legal Pluralism and Unofficial Law 47(1): 1–8.
21
DOLOWITZ D., MARSH D., « Learning from abroad: the role of policy transfer in contemporary policy-
making», Gouvernance: an International Journal of Policy and Administration, n°1, vol.13, 2000, p. 5-2.
internationale contraignante au niveau national. Il s'agit donc d'un processus presque
automatique. Sur cet aspect, les spécificités du droit de l'environnement facilitent la
comparaison.

2.2 Comment ? Développer le droit comparé numérique


Le monde d'aujourd'hui est numérique 22, régi par des données, des mesures de
performance et des métriques. Les méthodes de recherches sont de plus en plus
interdisciplinaires et la recherche juridique manque de moyens de communiquer
facilement avec les autres disciplines. Par l’utilisation de méthodes numériques, les
chercheurs en droit pourraient plus facilement être intégrés dans des dynamiques de
recherches interdisciplinaires notamment en droit de l’environnement.
L'expression "droit comparé numérique" a été introduite par M. Siems en 2005 23
pour décrire l’introduction de méthodes quantitatives et statistiques en droit comparé.
L’idée est de développer des outils et techniques qui utilisent l’informatisation
pour faire évoluer les techniques traditionnelles d’analyse du droit.
Comprendre les moteurs de la mise en œuvre et de l'application du droit de
l’environnement par une analyse numérique nécessite nécessairement l'introduction de la
quantification et des statistiques dans les approches juridiques la discipline juridique est
parfois opposée 24, et les juristes mal formés.

Un besoin d’indicateurs
Comme déjà indiqué, le besoin d’indicateurs est souligné par les organisation
internationales depuis plus de 30 ans25. Néanmoins, les évaluations environnementales
actuelles ne comprennent pas d'indicateurs juridiques.

22
Au sens de « qui se présente sous la forme de nombres ou de chiffres », CNRTL,
https://www.cnrtl.fr/definition/numérique, consulté le 15/09/2020
23
Siems, Mathias M. 2005. ‘Numerical Comparative Law: Do We Need Statistical Evidence in Law in
Order to Reduce Complexity’. Cardozo Journal of International and Comparative Law 13: 521–40.
24
A. Supiot. 2015. La gouvernance par les nombres: cours au Collège de France, 2012-2014. Paris:
Fayard.
25
Dès 1992, la Conférence de Rio a appelé les États à " développer et identifier des indicateurs de
développement durable afin d'améliorer la base d'information pour la prise de décision à tous les niveaux "
(CNUED, 1992, Agenda 21, chapitre 40). Cet appel a été renforcé par l'Union européenne, car plusieurs
programmes européens soulignent également la nécessité de disposer d'indicateurs (par exemple, la
directive-cadre sur la stratégie pour le milieu marin, le 7e PCRD, H2020). Böhringer et Jochem (C.
Böhringer and P. E.P. Jochem. 2007. ‘Measuring the Immeasurable — A Survey of Sustainability Indices’.
Ecological Economics 63(1): 1–8.), qui fournissent une étude des indices de durabilité, observent
Selon l'OCDE et la Commission européenne du Centre Commun de Recherches
« un indicateur est une mesure quantitative ou qualitative dérivée d'une série de faits
observés qui peuvent révéler des positions relatives (par exemple, d'un pays) dans une
zone donnée » 26. L'objectivité découlant de la précision, la qualité de l'analyse et la
pertinence du modèle repose sur le choix de ces indicateurs individuels.
L'élaboration d'indicateurs juridiques est récente. Kevin E. Davis 27 a indiqué que
« les indicateurs juridiques, parfois appelés indicateurs de primauté du droit, indicateurs
de gouvernance ou indicateurs de rendement de la fonction publique » attirent de plus en
plus l'attention des universitaires, des décideurs et d'autres acteurs. Les approches
quantitatives expérimentales du droit ont été menées dans des domaines allant du droit
financier et du droit des affaires 28, des droits de l'homme 29 au droit et à la gouvernance 30.
Comme l'expriment Reiling et ses collaborateurs31 « le plus grand défi conceptuel
dans la conception des indicateurs de performance du système juridique est de choisir ce
qu'il faut mesurer ». Le choix des indicateurs à mesurer est déterminant pour la qualité de
l'évaluation. Selon les objectifs finaux, l'accent peut être mis sur différentes étapes du
processus législatif et de mise en œuvre. Siems32 présente la diversité des possibilités de
mesure du droit, allant du compte à rebours du nombre de pages d'un texte 33 à l'enquête
sur « la structure et le fonctionnement des systèmes juridiques », en passant par l'analyse

l'élaboration d'une "multitude de listes d'indicateurs" depuis le début des années 1990. En outre, les
avantages de l'utilisation des statistiques dans l'évaluation des réglementations publiques ont été reconnus
par la Commission de statistique des Nations Unies (décisions 11/46th et 13/47th) et en droit international
de l'environnement (décision XIII/28 de la CDB).
26
OECD, and JRC European Commission. 2008. Handbook on Constructing Composite Indicators.
Methodology and User Guide.
27
K. Davis. 2014. ‘Legal Indicators: The Power of Quantitative Measures of Law’. Annual Review of Law
and Social Science 10: 37–52.
28
R.L. Porta, F. Lopez‐de‐Silanes, A. Shleifer, R.W. Vishny. 1998. ‘Law and Finance’. Journal of Political
Economy 106(6): 1113–55.
29
OHCHR. 2012. Human Rights Indicators - a Guide to Measurement and Implementation. New York and
Geneva: Office of the High Commissioner for Human Rights.
30
D. Kaufmann, A. Kraay, and M. Mastruzzi. 2011. ‘The Worldwide Governance Indicators: Methodology
and Analytical Issues’. Hague Journal on the Rule of Law 3(2): 220–46.
31
Reiling, Dory, Linn Hammergren, and Adrian Di Giovanni. Law & Justice Institutions - Justice Sector
Assessment Handbook: Carrying out a Justice Sector Diagnostic. World Bank.
http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTLAWJUSTINST/0,,contentMDK:212578
43~pagePK:210058~piPK:210062~theSitePK:1974062,00.html (December 11, 2017).
32
Siem, 2011, précité.
33
Schäffer, Heinz, Attila Rácz, Barbara Rhode, and European Coordination Centre for Research and
Documentation in Social Sciences, eds. 1990. Quantitative Analyses of Law: A Comparative Empirical
Study: Sources of Law in Eastern and Western Europe. Budapest: Akadémiai Kiadó.
de l'état des lois d'application des directives pertinentes34, et la création de structures
démocratiques au niveau national35.
Plusieurs expériences d'utilisation d'indicateurs en droit de l'environnement se
développe actuellement comme P. Martin 36 qui centre son analyse sur la gouvernance
environnementale. Plusieurs réseaux ont également lancé récemment des études sur la
mise en œuvre et l'application tels que le réseau IMPEL précité. INECE (International
Network for Environmental Compliance and Enforcement) 37 poursuit un objectif
similaire au niveau international. Ce réseau vise à favoriser l’application du droit de
l’environnement par la formation et le partage d’expériences de groupes professionnels
tels que les procureurs, les juges, les employés des organisations internationales de
l'environnement et du développement, les fonctionnaires des douanes ou de la police.

L'utilisation de base de données juridiques


Pour réaliser des analyses numériques du droit de l’environnement de ce type, il
est essentiel de non seulement utiliser les bases de données existantes en droit mais
également de développer une base de données propre à l’évaluation en question.
Les premières tentatives de mesure du droit se sont heurtées à plusieurs écueils,
parmi lesquels le manque de données disponibles et de personnel compétent. Par exemple,
le programme SLADE (coordonné par Merryman, 1979) n'a pas pu être mené à bien pour
ces raisons. Quarante ans plus tard, la situation a changé. Il existe désormais plusieurs
bases de données juridiques. Ecolex est la plus complète. Il s'agit d'un service
d'information sur le droit de l'environnement, géré conjointement par l’Organisation des
Nations Unies pour l’alimentation et l’agriculture (FAO), l’Union Internationale pour la
Conservation de la Nature (l'UICN) et le et du programme pour l’environnement de
l’ONU (PNUE). La base de données ECOLEX contient des informations sur les traités,
les instruments internationaux non contraignants et d'autres documents politiques et

34
Boyes, Suzanne J., and Michael Elliott. 2014. ‘Marine Legislation – The Ultimate “Horrendogram”:
International Law, European Directives & National Implementation’. Marine Pollution Bulletin 86(1): 39–
47.
35
Aghekyan, Elen et al. 2017. Populists and Autocrats: The Dual Threat to Global Democracy. Freedom
House.
36
Martin, P., Boer, B. & Slobodian, L., 2016. Framework for Assessing and Improving Law for
Sustainability P. Martin, B. Boer, & L. Slobodian, eds., Gland, Switzerland: IUCN, Gland,
Switzerland in collaboration with the IUCN Environmental Law Centre, Bonn, Germany.
37
: https://inece.org
techniques non contraignants, les législations nationales et les décisions judiciaires. Cette
base de données de référence contient des liens vers les versions électroniques de tous les
textes et les utilisateurs ont un accès direct aux résumés et aux informations d'indexation
de chaque document.
De plus en plus de pays ont des bases de données juridiques nationales : en France,
Légifrance 38 est le « service public de la diffusion du droit », donnant accès en ligne aux
publications officielles et aux textes dans leurs différentes versions. Au Brésil, un portail
d’accès à l’information officielle remplit un rôle similaire 39.
Au-delà du recueil de textes, il importe de développer une base de données
multicritères. Le défi dans sa conception est non seulement de bien identifier les différents
niveaux d’application et de mise en œuvre de la norme mais également de pouvoir saisir
la complexité de la règle de droit et les procédures qui lui sont associées. Les bases de
données permettent de comparer facilement la nature de l’obligation, le contexte juridique
voir même historique. Leur intérêt découle surtout de la possibilité de faire des analyses
multicritères. Il est également possible d’intégrer des analyses temporelles. Cela permet
de mesurer les avancées et les régressions du droit de l’environnement.

38
https://www.legifrance.gouv.fr
39
https://www.in.gov.br/web/guest/inicio
CONCLUSION : OCEANLAM PROJECT
Nous avons commencé à travailler sur un projet axé sur la protection de
l'environnement marin. L'idée est de mettre en pratique cette expérience pour mesurer où
et comment le droit de l'environnement protège les océans. Les dangers pour les
environnements marins sont particulièrement forts et doivent être compris avec l'idée que
plus de la moitié de la population humaine vit près ou à proximité des océans 40. Les
écosystèmes marins et côtiers sont désormais une préoccupation mondiale et il est urgent
d'agir dans ce domaine.
D'un point de vue juridique, la sectorialisation des règles applicables au milieu
marin (droit de la mer, droit de la pêche, droit de la protection de la nature, etc.) combinée
à la complexité de la superposition des zones marines (c'est-à-dire les zones économiques
exclusives, les zones marines protégées, les zones d'exploration pétrolière, etc.) conduit
à une protection juridique à plusieurs niveaux, ce qui rend difficile la visualisation de
effectivité à la base, c'est-à-dire le niveau de mise en œuvre de ces règles de droit.
Face à la récente inflation quantitative du droit de l'environnement démontrée par la
doctrine juridique41 nous sommes confrontés à une situation sans précédent. Al-
Abdulrazzak et al. ont notamment démontré l'essor de la ratification des traités maritimes
au cours des 50 dernières années. Cette forte augmentation rend le droit de
l'environnement particulièrement vulnérable aux faibles taux de mise en œuvre.
En commençant par une étude de cas sur le droit de l'environnement marin,
OceanLAM vise à ouvrir de nouvelles voies d'analyse en droit de l'environnement en
développant des indicateurs juridiques servant à évaluer la mise en œuvre du droit,
mettant à jour le rôle de levier que le droit devrait jouer dans la protection de
l'environnement.

40
UN Atlas of the Sea, http://www.oceansatlas.org/subtopic/en/c/114/, consulté le 15/09/2020
41
Al-Abdulrazzak, Dalal, Grantly R. Galland, Loren McClenachan, and John Hocevar. 2017.
‘Opportunities for Improving Global Marine Conservation through Multilateral Treaties’. Marine Policy
86(Supplement C): 247–52.
PERSPECTIVAS CRUZADAS ENTRE DIREITO E
GEOGRAFIA: UMA SINOPSE SOBRE O
GEODIREITO ∗

CROSS PERSPECTIVES BETWEEN LAW AND


GEOGRAPHY: A SYNOPSIS ON GEOLAW

Jean-Raphaël Gros-Désormeaux ∗∗
Lise Tupiassu ∗∗∗
Fernanda Neves Ferreira ∗∗∗∗

INTRODUÇÃO
A realidade brasileira demonstra que o planejamento do uso da terra e
ordenamento territorial vêm sendo marcados por uma ausência de referências geográficas
coordenadas a um planejamento territorial global na federação, resultando em tensões
espaciais que afetam negativamente as políticas de conservação da biodiversidade e de
regularização fundiária, dentre várias outras.
Nesse contexto, é importante destacar o editorial da revista Science, publicado há
quase duas décadas, declarando que nenhum campo científico resiste sozinho, sendo o
progresso de uma área do conhecimento absolutamente dependente do progresso de
muitas outras disciplinas (LESHNER, 2004). É certo, então que, para resolver os desafios
do mundo real, esforços devem ser realizados para abordar escalas temporais, espaciais e


O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, no âmbito do Programa Capes/Cofecub e do programa « Investissements d’avenir » da Agence
nationale de la recherche française (Ceba, réf. ANR-10-LABX-25-01).
∗∗
Doutor em Géografia pela Université des Antilles. Pesquisador do Centre national de la recherche
scientifique - CNRS. Diretor adjunto do Laboratoire Caribeen des Sciences Sociales da l’Université des
Antilles. Pesquisador do Centre d’études de la biodiversité amazonienne - CEBA.
∗∗∗
Doutora em Direito Público pela Université Toulouse 1 - Capitole. Mestre em Direito Tributário pela
Université Paris I - Panthéon-Sorbonne. Mestre em Instituições jurídico-políticas pela Universidade Federal
do Pará. Mestre em Direito Público pela Université de Toulouse I -Capitole. Professora Universidade
Federal do Pará - UFPA e do Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA
∗∗∗∗
Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Ciências Ambientais
pela Universidade do Estado do Pará.
organizacionais complexas e construir pontes conceituais entre as disciplinas
(VIRAPONGSE et al. 2016), inclusive entre as ciências naturais e sociais. O elemento
central que possibilita essa integração entre é a interdisciplinaridade, caracterizada pela
adoção de um pluralismo metodológico e abordagens metodológicas mistas nas pesquisas
(BARLOW et al., 2018).
Uma ilustração desse necessário encontro entre disciplinas é a aproximação do
direito com a geografia, cuja ausência é identificada nos problemas de formulação de
políticas públicas identificados acima. Nessa perspectiva, o encontro entre direito e
geografia se mostra essencial na tentativa de compreender como os espaços e as normas
se conjugam no desenvolvimento de conceitos e dispositivos metodológicos comuns para
estudar as relações espaço-normativas.
Os marcos da interface geolegal já foram estabelecidos nos países anglo-saxões,
redundando na criação da disciplina “legal geography”. No âmbito da literatura
francófona, essa abordagem interdisciplinar ainda é pouco frequente (FOREST, 2009).
Embora os trabalhos de Forest (2000; 2009), Sack (1986; 1993) e Blomley (1990;
1994; 2000; 2001; 2003) sejam frequentemente citados como referências, as interfaces
entre o direito e a geografia têm sido objeto de análise desde o início do século XX
(BRIDEL, 1908; WIGMORE, 1929; DAVID, 1966; SAND, 1971; MCAUSLAN, 1980;
GROSSFELD, 1984; BRIMO, 1986; BLACKSELL; WATKINS; ECONOMIDES, 1986;
DE SOUSA SANTOS, 1987; CLARK, 1989; PUE, 1990; BLOMLEY; BAKAN, 1992;
BELL, 1992; PERRET, 1994; CHOUINARD, 1994; DRAGO, 1997; COOPER, 1998).
Mais recentemente, é possível encontrar uma diversidade de autores explorando
essa temática (D’SOUZA, 2002; HOLDER; HARRISON, 2002; WHITE, 2002;
GOULD, 2003; GRAHAM, 2003; HOLDER, HARRISON, 2003; BLOMLEY, 2007;
PARRA, 2007; BUTLER, 2009; COLLIS, 2009; BRAVERMAN, 2009; VALVERDE,
2009; BENTON, 2010; BLANDY; SIBLEY, 2010; DELANEY, 2010; MAHMUD,
2010; GRAHAM, 2010; BRAVERMAN, 2011; BARTEL et al., 2013; VON BENDA-
BECKMANN; GRIFFITHS; VON BENDA-BECKMANN, 2013; WILLIAMS, 2013;
BRAVERMAN et al., 2014; BRAVERMAN, 2014; D’ARCUS, 2014; DELANEY, 2014;
BELAIDI; KOUBI, 2015). Porém, ao mesmo tempo, há uma dispersão entre esses
estudos que dificulta a percepção de um quadro de análise singular.
Esse importante volume de produção científica apresentando as interações entre o
direito e a geografia passa muitas vezes desaparecido diante da ausência de uma reflexão
que destaque o arcabouço teórico-metodológico fundamental do geodireito.
O objetivo desse artigo é, portanto, construir um estado da arte acerca conteúdo
dos trabalhos que abordam o geodireito, a fim de elencar as principais teorias e métodos
que são atribuídos a essa proposta de abordagem interdisciplinar.
Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura francófona e anglo-saxônica
sobre o geodireito, utilizando o procedimento de pesquisa bibliográfica, tendo por base
os artigos publicados em revistas científicas e obras monográficas escritas no período de
2000 a 2019.
O desenvolvimento do trabalho encontra-se dividido em duas seções além da
introdução e conclusão. Primeiramente, são explorados a teoria, o conceito e o método
do geodireito apontados pela literatura científica. Na sessão seguinte, apresentam-se as
análises concretas e variadas nas quais o direito e a geografia necessariamente se
aproximam e nas quais as implicações jurídico-espaciais são inevitáveis.

1 TEORIA, CONCEITO E MÉTODO DO GEODIREITO


Há pouco mais de três décadas, não existia nenhum diálogo entre o direito e a
geografia. O direito era apresentado como um domínio essencialmente fechado e
autônomo, enquanto o espaço, para a geografia moderna, era concebido como uma
superfície estática, abstrata e pré-política, separada da sociedade. Essas circunstâncias
sugeriam a existência de obstáculos profundamente arraigados, que impediam qualquer
interface sustentada entre o direito e a geografia (BLOMLEY, 2003).
As condições que possibilitaram a criação dessa interface surgiram a partir do
momento em que os estudiosos de ambos os campos começaram a realizar críticas
internas aos princípios fundamentais de suas respectivas disciplinas. O direito interrogou
a categoria "norma" e a geografia passou a interrogar a categoria "espaço", ambas as áreas
contestando as suas respectivas abordagens fechadas (BLOMLEY, 2003).
Os campos do direito e da geografia passaram a se abrir um para o outro quando
a corrente da geografia jurídica crítica reconheceu o aspecto social como um elemento
constitutivo tanto da norma quanto do espaço (PROVENCHER, 2011). Parte-se da
premissa de que a norma e o espaço moldam e constituem ativamente a sociedade, sendo
eles mesmos continuamente produzidos socialmente (BLANDY; SIBLEY, 2010). Mas,
foi apenas nos anos 80 e 90 que as relações espaço-normativas foram teorizadas pela
primeira vez. Antes desse período, o trabalho bi-disciplinar geralmente limitava o escopo
de suas análises ao impacto único de uma disciplina na outra (PROVENCHER, 2011).
No mundo anglo-saxão, os marcos da disciplina “legal geography” já se
encontram estabelecidos (PROVENCHER, 2011), sendo possível agrupar em categorias
a forma como as relações entre a norma e espaço foram problematizadas durante a
evolução dessa interface científica (Quadro 1).

Quadro 1. Categorização das abordagens das pesquisas sobre a “legal geography”


no mundo anglo-saxão.
Categoria Abordagem
Envolve os trabalhos que analisam a diversidade de direitos, a distribuição
espacial de determinadas disposições legais ou a natureza situada das
interpretações legais. Interessa-se pela investigação da existência de
culturas legais locais e pela maneira como a mesma lei pode ser interpretada
de forma diferente de uma cidade para outra. Pode, ainda, estudar os
impactos das regras legais no espaço, a partir da leitura do lugar da norma
na organização e funcionamento dos espaços e paisagens. Mais
Geografia das recentemente, as pesquisas sugerem analisar as complexas relações entre as
leis dimensões social, espacial e legal, ou mesmo desconstruir as distinções
entre essas categorias. Algumas abordagens criticam a separação entre
autoridades espaciais e legais e a ideia de que normas atuam em estruturas
espaciais que não são ativas. Nesta perspectiva, as normas não podem ser
colocadas em uma posição de exterioridade em relação a um espaço ao qual
elas se aplicariam. Para ir além de uma concepção da norma como um
código que autoriza ou proíbe com base em objetivos amplos, deve-se tentar
pensar na norma não mais como um imperativo externo, mas como
constitutivo das realidades sociais e políticas.
Os trabalhos enfatizam a importância das dimensões cognitivas do direito.
A norma é estudada aqui, por um lado, como a cristalização de valores e
Geografia relações de poder e, por outro lado, a partir da análise do uso do espaço pelas
crítica do normas. Nesta perspectiva, que considera a norma como uma dimensão da
direito vida e do poder social, foram desenvolvidas pesquisas que analisam o papel
da norma e dos padrões em diferentes campos (trabalho, proteção social,
segregação, propriedade, aluguel).
Os trabalhos estudam a forma pelas quais as posições espaciais implicam
modificações do estatuto jurídico. Eles demonstram, em particular, que, pela
generalização da territorialidade da norma e do próprio conceito de
Direito no domicílio, o indivíduo está sujeito à norma dos espaços em que se encontra.
espaço Em outras palavras: os espaços tendem a definir as funções e recursos legais
aplicados aos indivíduo (ex. o indivíduo passa de proprietário da casa a
usuário ou funcionário do transporte público em seu local de trabalho, cada
um sujeito a regras específicas).
Envolve as análises da norma a partir de seus referentes espaciais implícitos,
como um discurso no qual estão presentes representações sociais do espaço,
que revelam formas de dividir a realidade e o espaço (privado/público, por
Espaço no exemplo), as apostas e os resultados do equilíbrio de poder, conflitos pela
direito construção de argumentos legítimos, lutas por posições. Alguns estudiosos
desta corrente reivindicam legitimidade para a interpretação geográfica da
lei e da jurisprudência.
Fonte: Melé (2009), com adaptações.

Forest (2009), em sua coletânea francófona, aponta que a interface geolegal é o


lugar de encontro das disciplinas, essa interface estabelece uma comunidade de
interpretação que integra noções de espaço e de direito. Essa coletânea se distingue das
produções anglo- saxônicas por ser composta não apenas de trabalhos críticos, mas
também de textos de natureza positivista (PROVENCHER, 2011). Provencher (2011)
relata que a primeira etapa de incorporação da “legal geography” no ambiente francófono
foi a busca por uma denominação correlata. Nesse viés, Forest (2009) consagra a
expressão “géographie du droit” (em português, “geografia do direito"), explicando que
ela tem a vantagem de não envolver hierarquia entre as disciplinas e, assim, permitir uma
melhor reunião de pesquisadores interessados nos vínculos geografia-direito.
A título de conceituação, Forest (2009) compreende que a geografia do direito
consiste na investigação das ligações e das complementariedades entre a geografia e o
direito, objetivando o estudo das relações espaço-normativas. Salienta, ainda, que a
geografia do direito não inventa as relações, mas, sim, assegura o reconhecimento da
singularidade dessa relação e implementa um quadro de análise geolegal, ampliando o
reconhecimento da dinâmica existente nessa interface o que permite uma teorização de
suas interações.
Para Braverman et al. (2013), a definição da geografia jurídica é dinâmica, pois
trata-se de um fluxo de estudos que envolve as interconexões entre a norma e a
espacialidade, e especialmente as suas construções recíprocas, como objetos centrais da
investigação. Os autores também defendem que não se trata de uma subdisciplina da
geografia humana, nem nomeia uma área de estudos jurídicos especializados. Refere-se,
sim, a um projeto intelectual verdadeiramente interdisciplinar com uma gama bastante
ampla de tópicos e abordagens teóricas.
Bartel et al. (2013), ao estudar a perspectiva da geografia do direito na Austrália,
apresenta um conceito mais detalhado. Os autores afirmam que essa interface tem por
objeto de estudo as inter-relações entre o meio ambiente, as pessoas e as instituições
sociais, incluindo leis formais, mas também regras e conhecimentos informais, bem como
costumes e normas sociais, por meio da interrogação das interações entre norma, espaço
e lugar - questionando o que é a norma e o que ela faz espacialmente. Porém, os autores
constatam que, devido à insuficiente atenção dos pesquisadores a essa interface, muitos
pesquisadores de diversos campos afins utilizam e trabalham a/com/na geografia do
direito sem rotulá-la com tal (WIGMORE, 1929; MCAUSLAN, 1980; BLACKSELL;
WATKINS; ECONOMIDES, 1986; BRIMO, 1986; DE SOUSA SANTOS, 1987; PUE,
1990; BELL, 1992; DRAGO, 1997; COOPER, 1998; WHITE, 2002; DELANEY, 2003;
BLOMLEY, 2007; VALVERDE, 2009; BUTLER, 2009; BRAVERMAN, 2009;
BLANDY; SIBLEY, 2010; BENTON, 2010; GRAHAM, 2010; DELANEY, 2010;
D’ARCUS, 2014).
Nesse contexto, os conceitos de fronteira e território são apontados como o centro
das problemáticas que dizem respeito à esse campo interdisciplinar (FOREST, 2009). As
fronteiras e os limites são elementos básico de representação e organização do espaço.
Eles têm um significado na norma e no espaço, mas também afetam a vida interior dos
indivíduos, os quais, por sua vez, produzem e reproduzem esses significados (BLANDY;
SIBLEY, 2010).
Construir uma reflexão sobre esses conceitos e seus significados a partir da
interface geolegal é vital para entender as relações humanas e as questões de justiça social
(BLANDY; SIBLEY, 2010). Mahmud (2010) acrescenta que é interessante apreciar a
produção de tais espaços e subjetividades, nos quais o direito e a geografia se aproximam,
a partir da compreensão clara do funcionamento do capitalismo como um sistema
econômico global. O autor notou que o espaço geolegal é global, desigual e abriga ordens
normativas que animam os fluxos duradouros de dominação e subordinação em todo o
mundo, fornecendo o campo de possibilidades para operações de força e resistência
subalterna.
Braverman (2010) destaca que estudos em geografia do direito raramente dedicam
atenção às questões físicas incorporadas e à visualidade em projetos jurídicos em
particular. Ou seja, há pouca problematização sobre o regime visual da configuração da
paisagem na relação espaço-temporal, identificando-se a necessidade de uma geografia
do direito que preste atenção também às propriedades sensoriais e, mais especificamente,
às propriedades visuais das geografias legais (BRAVERMAN, 2010).
Boudet (2015) apresenta alguns postulados para tentar definir a geografia do
direito, pois, entre o que deve ser (no campo normativo) e o que é (no campo espacial),
há muitas nuances que repelem, que assemelham, que unem ou que intensificam vínculos
e diálogos na análise do quarteto “sociedade, lei, natureza e espaço”. O autor comenta
que, nessa perspectiva, as problemáticas de interesse da geografia do direito poderiam ter
uma abordagem mais ampliada através de uma análise crítica sobre a sua genética jurídica
e seria possível até propor uma teoria da geografia do direito através da economia política.
Três são os postulados desenvolvidos por Boudet (2015): o do constitucionalismo
e da democracia cosmopolita; o da política e da geopolítica; e o da colaboração e da
comparação. O autor também elenca os vetores da genética jurídica que precisam ser
superados a fim de que a estrutura geografia do direito não seja limitada. E, por fim,
Boudet (2015) apresenta a economia política como um esquema único para interpretar a
realidade concreta da geografia do direito.
Em relação às metodologias que são desenvolvidas e utilizadas na geografia do
direito, notou-se que poucos artigos se debruçam diretamente sobre esse aspecto.
Braverman (2014) constata que, desde o início de sua concepção, a geografia do direito
tratou a questão do método como periférica ou até mesmo irrelevante, embora esse seja o
componente mais significante, o substrato para estabelecer o conhecimento.
O trabalho de Braverman (2014) dá início a discussão e se apresenta como um
convite aos outros geógrafos do direito para explorar “como” têm realizado as suas
pesquisas. Nessa perspectiva, a autora constrói uma reflexão sobre a metodologia que
mais tem empregado na exploração da geografia do direito: a etnografia, considerando-a
de especial relevância na tradição da interface geolegal. Braverman (2014) questiona se
há, ou deveria haver, métodos distintivos para a geografia do direito, analisando como a
etnografia, em particular, eleva o projeto de geografia do direito.
Para Boudet (2015), a geografia jurídica não se distingue do estudo geral do direito
em seus aspectos metodológicos, o que os diferencia é a inclusão da perspectiva espacial
no estudo de conceitos e na formulação de problemas. O autor comenta que o próprio
desenvolvimento da “geografia legal” na corrente anglo-saxônica envolveu uma
abordagem multidisciplinar, e não interdisciplinar, pois, na maioria das vezes, os estudos
foram limitados a poucas citações de leis ou algumas descrições geográficas do território.
Forest (2015) afirma que, idealmente, os geógrafos do direito devem se beneficiar
do treinamento conjunto em geografia e direito, incluindo cursos de metodologia. O
desenvolvimento de conceitos teóricos, metodologias e revisões de literatura necessitam
ser verdadeiramente bi-disciplinares, a fim de que a abordagem geolegal possa ir além do
estágio do descritivismo.
Bennett e Layard (2015), ao apresentarem as abordagens metodológicas da
interface geolegal, indicam que um óbvio ponto de partida é o estudo de casos jurídicos
particulares acerca dos quais os geógrafos do direito tenderão a ampliar a análise para
considerar uma gama maior de influências das partes interessadas e da situação. Trata-se
de um método bastante infundido na geografia do direito. Ao se envolver explicitamente
a geografia na análise jurídica de caso, é crucial se identificar as experiências diferentes
(portanto, realidades diferentes), diferentes maneiras de conhecer o mundo (portanto,
fatos contestados) e, inevitavelmente, diferentes interpretações de estatutos jurídicos e
da doutrina (conflito sobre a aplicação do estatuto e da norma).
Delaney (2010) propõe um método de análise de caso contextual em que as
decisões legais são submetidas a uma análise que busca identificar os "movimentos
legais" e os "imaginários espaciais" usados pelo aplicador do direito. Bennett e Layard
(2015) comentam que essa abordagem expande a análise jurídica doutrinária para
entender as “conversas espaciais” ou a falta de “conversas espaciais” nos julgamentos.
Por fim, outro método elencando por Bennett e Layard (2015) como essencial nos
estudos interdisciplinares entre geografia e direito é o trabalho de campo. Trata-se de um
método intuitivo, empírico e produtivo, que inclui uma compreensão de como os espaços
e lugares são coproduzidos (legal e politicamente, além de social e espacialmente).
Afirmam os referidos autores que essa investigação geralmente tem uma orientação
etnográfica.
A geografia do direito se propõe a ir além da oferta de uma simples dimensão
geográfica à norma ou de uma visão da norma em seu contexto geográfico (BELAIDI,
2015). Considerando essa perspectiva, suscita-se se a utilização de métodos participativos
na cartografia, a exemplo do mapeamento participativo (BROWN; KYTTA, 2018;
RAYMOND; FAGERHOLM; KYTTA, 2020), possibilitaria uma combinação entre a
abordagem etnográfica de Braverman (2014) e as abordagens estritamente normativas e
bidisciplinar de Boudet (2015), Bennett e Layard (2015) e Forest (2015).
A seção seguinte apresenta um cenário pesquisa desenvolvidas a partir da
abordagem da geografia do direito entre os anos de 2000 a 2019.

2 POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO GEODIREITO


A geografia do direito tem sido aplicada para análise das normas que regulam e
gerem o meio ambiente e as relações homem-natureza. Esse é o caso do trabalho de
Belaidi (2015) que, aproveitando-se da interface geolegal, construiu uma reflexão sobre
os processos e as dinâmicas da justiça ambiental, ao explorar a noção de fronteira
ecológica a partir de um estudo de caso sobre o Parque Nacional “Table Mountain” na
África do Sul, aplicando a teoria jurídica francesa da destinação das coisas sobre a referida
área protegida para determinar sua significação social.
Belaide (2015) constatou que a interface entre a geografia e o direito é
necessariamente complementar para o estudo da justiça ambiental. Essa abordagem
permite reconhecer a experiência territorial na (re)construção e/ou manutenção de
sociedades, o que torna possível a apreensão da justiça ambiental como um todo (uma
articulação entre os conceitos de justiça ecológica e justiça social), cuja concepção global
pode ser alcançado por meio da análise combinada das normas com as geografias.
Ainda nessa vertente de aplicação da geografia do direito no âmbito do meio
ambiente, Belaidi e Koubi (2015) partem da premissa de que a norma só pode ser
entendida adequadamente a partir de uma análise das relações que mantêm com os
sistemas sociais, econômicos, políticos e ecológicos. Isso significa que não se trata de
alocar uma dimensão geográfica ao direito ou mesmo de simplesmente localizar o direito
em seu contexto geográfico. Deve-se tentar identificar como a norma e o espaço, através
da geografia, estão ligados entre si, destacando pontos de tensão e pontos de
convergência.
Nessa perspectiva, Belaidi e Koubi (2015) consideram que essa interface convida
a abordar as problemáticas ambientais a fim de avaliar a "criação" de uma abordagem
específica para analisar questões ambientais através no prisma dos discursos jurídicos. As
autoras mencionam que o meio ambiente é capturado pelos geógrafos, principalmente,
pelo viés do território, mas o território continua sendo um conceito implícito no direito.
Assim, buscam refletir sobre a construção de normas jurídicas em questões ambientais a
partir de modelos geográficos, como também tentam estruturar uma reflexão sobre como
os espaços e territórios (ambientais) se encaixam no sistema jurídico. Na França, esta
aplicação do geodireito se encontra notadamente nos trabalhos de Gros-Désormeaux
(2015) e Galy (2018).
Outros tipos de problemáticas também são analisadas na interface da geografia e
do direito. Uma abordagem particularmente original na perspectiva mais ampla da
“territorialização do espaço orbital dos satélites” é a de Collis (2009). Este autor se propõe
a estudar a interface geolegal do uso de um espaço extremamente importante para os
sistemas de comunicação, de navegação e meteorológicos: a órbita geoestacionária, que
corresponde ao espaço localizado a 35.786 km acima do equador da Terra. A partir da
abordagem teórica da geografia crítica do direito, o autor discutiu sobre quem é o
proprietário da órbita geoestacionária e em que tipo de espaço cultural que ela se
configura.
Collins (2009) demonstra que a orbita geoestacionária está sob crescente pressão,
sendo um espaço de conflito e instabilidade. O autor relata que, desde 1964, o espaço vem
sendo geograficamente redefinido e ocupado pelo capitalismo, existindo um vigoroso
debate sobre a incorporação, ou não, do espaço nas estruturas organizadoras da Terra
(particularmente, o capitalismo e a posse territorial do estado), que moldaram as
geografias jurídicas da órbita geoestacionária por mais de quarenta anos.
Por outro viés de pesquisa, Azuela, Melé e Ugalde (2015) analisam os efeitos das
situações de conflito de proximidade manifestadas por ações coletivas no Canadá, France,
Itália e México. Por um lado, observam os efeitos sobre as relações das populações e
instituições com a norma, e, por outro lado, os efeitos sobre o lugar das invocações de
direitos pelos grupos mobilizados. A fim de investigar o lugar do direito na reconstrução
dos processos de localização e territorialização nas sociedades contemporâneas, as
autoras integram nos debates as dimensões legais das relações com o espaço e as
dimensões espaciais e territoriais do direito.
Azuela, Melé e Ugalde (2015) constataram que, em várias situações estudadas, o
quadro regulatório das atividades é apresentado pelos habitantes como resultado de uma
mobilização para uma melhor aplicação das normas existentes e para uma melhor
consideração de seus direitos. Os grupos envolvidos tinham como objetivo a construção
de uma ordem local, baseada na negociação das condições de aplicação das disposições
legais. No contexto de conflitos de proximidade, os habitantes experimentam que a lei
não se aplica sozinha, que é necessário fazê-la existir localmente, trabalho este apoiado
por determinados atores. Notou-se que a estrutura legal deve ser objeto de trabalho local,
de construção social de sua validade local, de atualização local nos processos de regulação
social.
Koubi (2015) apresenta uma discussão sobre a aplicação de termos das ciências
geográficas nos domínios do direito. O autor chama a atenção para as flutuações que as
noções de espaço pressupõem no ordenamento jurídico, e ainda alerta que cada termo
emprestado da geografia tende a estar associado a um conjunto de decisões de escopo
jurídico que mesclam considerações políticas, análises financeiras, perspectivas
econômicas e concepções de relações sociais.
Koubi (2015) relata que o amplo espectro da geografia no discurso jurídico está
mudando constantemente e, em muitos casos, as terminologias geográficas e territoriais
não são explicitamente formuladas. Mas, o autor orienta que, se as nuances e conexões
que as ciências geográficas desenvolvem em relação aos territórios são difíceis de
transferir para o discurso do direito, sendo é necessário lembrar que as delimitações
jurídicas variam de acordo com as políticas públicas.
Diante dessas perspectivas, Tupiassu, Gros-Désormeaux e Fischer (2019) tentam
trazer o geodireito para o estudo da realidade brasileira e amazônica, aplicando-o no
ajuste de políticas públicas com rebate territorial.
Isso demonstra a importância de se fomentar tal concepção interdisciplinar, a qual
possui potencial de otimizar
CONCLUSÃO
A geografia do direito é um projeto de interdisciplinaridade que representa a
evolução de duas áreas do conhecimento no que consiste à superação de suas abordagens
fechadas sobre os respectivos objetos de estudo (a norma para o direito e o espaço para a
geografia). As primeiras pesquisas envolvendo essa interface remontam à década de
1990. A literatura anglo-saxã se destaca como sendo a mais avançada no tratamento dessa
abordagem, já tendo traçados os marcos para o seu reconhecimento enquanto uma
disciplina sob a denominação de “legal geography”.
Por seu turno, a literatura francófona ainda se esforça para traçar as bases dessa
interface. A principal obra em francês que aborda essa temática é a coletânea de Forest
(2009), que considera a denominação “geografia do direito” como a mais adequada para
se referir a essa abordagem interdisciplinar.
No que consiste ao conceito da geografia do direito, é possível encontrar diversas
propostas. Este estudo identificou que a conceituação mais sintética foi a formulada
Forest (2009), para o qual essa interface consiste na investigação das ligações e das
complementariedades entre a geografia e o direito, objetivando o estudo das relações
espaço-normativas.
A revisão de literatura realizada constatou existir uma dificuldade em encontrar
pesquisas explorando métodos específicos afetos a esse objeto, sendo certo que o
pluralismo metodológico e as abordagens de método misto em pesquisas
interdisciplinares ainda são um desafio. De todo modo, nos trabalhos explorados, a
etnografia foi sugerida como a metodologia que mais poderia contribuir com o projeto de
geografia do direito. Porém, outros métodos também foram identificados nessa
abordagem interdisciplinar, como o estudo de caso e trabalho de campo. Em vista da
pluralidade de métodos, é importante sublinhar a necessidade de mobilizar ferramentas
de hibridização ou de implementação de práticas de multidisciplinaridade, a fim de
permitir uma integração de métodos que construiria essa disciplina.
Esta proposição é ainda mais relevante quando se observa a diversidade dos
campos de aplicação da geografia do direito. De fato, a literatura científica inclui
trabalhos relacionados a questões ambientais, questões fundiárias, conflitos de
proximidade, bem como o estudo dos conceitos de fronteiras e território.
Para fins de evolução da geografia do direito, é importante conceder-se uma maior
atenção ao aspectos metodológicos dessa interface a fim de possibilitar um verdadeiro
diálogo entre o direito e a geografia, sendo visível, em alguns trabalhos analisados uma
tendência à prevalência de uma disciplina sobre a outra.
Se o que se pretende é concretizar um projeto interdisciplinar, um ponto de partida
para nortear a análise é buscar por métodos que possibilitem a troca de conhecimento
entre as áreas. A união da geografia e das ciências da informação por meio da geomática
abre perspectivas para o design de uma estrutura de metodologia específica para o
geodireito.
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6298(02)00086-
GEOINFORMAÇÃO E DIREITO AMBIENTAL:
PROCESSOS DECISÓRIOS E POLITICAS
PUBLICAS INFORMADOS∗

GEOINFORMATION AND ENVIRONMENTAL


LAW: DECISION-MAKING PROCESSES AND
INFORMED PUBLIC POLICIES

José Rubens Morato Leite ∗∗


Larissa Verri Boratti ∗∗∗

Fernanda Salles Cavedon-Capdeville ∗∗∗∗


O presente texto é produto de esforço de pesquisa desenvolvido no âmbito do Projeto JUST-Side - Justiça
e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de Infraestrutura de Dados Espaciais. Trata-se de rede
de pesquisa e inovação internacional sob coordenação da Universidade de Coimbra e com participação de
universidades da América Latina e da Europa. No Brasil, a instituição integrante é a UFSC. O objetivo é
utilizar conceitos e ferramentas de georreferenciamento e da cartografia aliados à análise jurídica, de modo
a explorar metodologias para a compreensão integrada de dados territoriais, ambientais e sociais que
possam ser visualizados e apresentados de forma geoespacializada. Pretende-se qualificar o uso destes
dados como evidência para o aprimoramento de políticas públicas setoriais. Ver:
<https://justside123.wixsite.com/justside>.
∗∗
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito
Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco, Doutor em Direito pela UFSC. Pós Doutor pela
Universidade de Alicante 2013/4 e Macquarie University Sydney 2005/6. Membro da Academia de Direito
Ambiental da IUCN, Pesquisador Bolsista do CNPq 1 C e Pesquisador Destaque da UFSC 2011.
Coordenador da equipe brasileira do Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de
Infraestruturas de Dados Espaciais - JUST-Side, Cyted.
∗∗∗
Doutora em Direito pela University College London (Reino Unido). Pesquisadora de Pós-Doutorado
junto à Universidade Federal de Santa Catarina (Programa Print-CAPES). Membro da equipe brasileira do
Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de Infraestruturas de Dados Espaciais
- JUST-Side.
∗∗∗∗
Doutora em Direito Ambiental pela Universidade de Alicante (Espanha). Pós-Doutoranda do Programa
Nacional de Pós-Doutorado da CAPES no Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGD/UFSC. Membro
da equipe brasileira do Projeto Justiça e Sustentabilidade no Território através de Sistemas de
Infraestruturas de Dados Espaciais - JUST-Side. Pesquisadora da Rede Sul-Americana para as Migrações
Ambientais - RESAMA. Membro do Centro Internacional de Direito Comparado do Ambiente - CIDCE,
França. Membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB.
INTRODUÇÃO
O uso da geoinformação e a divulgação de dados estatísticos e geográficos
(ambientais, demográficos, socioeconômicos) territorializados para a orientação de ações
governamentais ganharam destaque no Brasil recentemente no episódio da pandemia
relacionada ao novo coronavírus, em especial a partir de março de 2020. É exemplo o
monitoramento de deslocamento por meio de geolocalização fornecida por aparelhos
smartphone para fins de controle de distanciamento social, adotado por muitos governos
internacionalmente1 e também em âmbito doméstico.2 Ainda, passou-se a utilizar
visualização por meio de mapas cruzando informações sobre índice de isolamento social,
número de contágios ou indicadores de risco com unidades territoriais, tanto no âmbito
de estados3 quanto na escala localizada de municípios. 4 No entanto, o tema não é inédito.
Já existiam, anteriormente, relevantes iniciativas estruturadas de geração e análise de
dados geoespaciais relacionados a políticas setoriais no Brasil, em especial políticas
ambientais, em que pese se possa questionar seu alcance e efetividade. Alguns exemplos
de relevo são o Cadastro Ambiental Rural (CAR), 5 os sistemas de monitoramento de
desmatamento e de queimadas na Amazônia sob responsabilidade do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE) 6 e a atuação do Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).7

1
Ver: <https://olhardigital.com.br/coronavirus/noticia/como-governos-estao-usando-dados-de-
localizacao-dos-celulares-no-combate-a-covid-19/98690> acesso em 21 junho 2020.
2
Ver: <https://estado.rs.gov.br/geolocalizacao-e-ferramenta-eficaz-para-monitorar-aglomeracoes-durante-
pandemia> acesso em 21 junho 2020.
3
Ver o exemplo do Estado do Rio Grande do Sul: <http://ti.saude.rs.gov.br/covid19/>;
<https://distanciamentocontrolado.rs.gov.br/> acesso em 21 junho 2020.
4
Ver o exemplo do município de São Paulo/SP, que divulgou mapa com informação de óbitos por Covid-
19 por distrito administrativo de residência:
<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/PMSP_SMS_COVID19_Boletim%20
Quinzenal_20200430.pdf> acesso em 21 junho 2020. Há, ainda, iniciativa da Universidade de São Paulo:
<https://labcidadefau.carto.com/builder/550ac007-b4c9-42ab-9582-
29d16ab4e7ee/embed?state=%7B%22map%22%3A%7B%22ne%22%3A%5B-
23.59548629829632%2C-46.70438390225172%5D%2C%22sw%22%3A%5B-
23.541832796208865%2C-46.60070043057204%5D%2C%22center%22%3A%5B-
23.568662286978267%2C-46.65254216641188%5D%2C%22zoom%22%3A14%7D%7D> acesso em
21 junho 2020.
5
Ver: <http://www.car.gov.br/>.
6
Estão incluídos o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES)
e o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER). Ver:
<http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes> e
<http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/deter>.
7
Ver: <http://www.cemaden.gov.br/>.
Estas iniciativas são favorecidas e impulsionadas pelo fenômeno de crescimento
exponencial na produção de dados, incluídos dados geográficos e georreferenciados,
proporcionado pela difusão de novas tecnologias digitais (Cisco, 2020; UNECE Statistics
Wikis). No entanto, abundância de dados não necessariamente significa produção de
dados com qualidade e consistência, e, sobretudo, não necessariamente resulta em
processos decisórios bem informados, ainda mais no âmbito de elaboração de políticas
públicas e implementação de direitos e obrigações legais. A questão que se coloca,
portanto, é como traduzir este tipo e volume de informação em política pública
qualificada. Este é desafio a ser enfrentado sob diversas dimensões, dada a sua inerente
multidisciplinaridade, englobando análise de aspectos conceituais e operacionais
tecnológicos (conceito de Big Data), 8 técnicos (infraestrutura de dados espaciais, 9
sistemas de informação geográfica 10 e cadastros multifinalitários11) e legais (marcos
regulatórios para geografia e estatística12 e para governança digital 13).

8
Ver a iniciativa Big Data UN Global Working Group em <https://unstats.un.org/bigdata/> acesso 21 junho
2020.
9
A definição de Infraestruturas de Dados Espaciais (IDEs) pela legislação brasileira consta do Decreto n°
6.666/2008 (art. 2o, III): "conjunto integrado de tecnologias; políticas; mecanismos e procedimentos de
coordenação e monitoramento; padrões e acordos, necessário para facilitar e ordenar a geração, o
armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a disseminação e o uso dos dados aeroespaciais de origem
federal, estadual, distrital e municipal". Para informações sobre normas e padrões técnicos relacionados a
INDE brasileira, ver: <https://inde.gov.br/NormasPadroes>.
10
"SIG é um sistema que processa dados gráficos e não gráficos (alfanuméricos) com ênfase a análises
espaciais e modelagens de superfícies". "Oferece mecanismos para combinar as várias informações, através
de algoritmos de manipulação e análise, para consultar, recuperar e visualizar o conteúdo da base de dados
e gerar mapas". Definição disponível em:
<http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/tutorial/introducao_geo.html>. Importante fazer referência ao
Sistema de Informações Geográficas do Brasil - SIG Brasil (Portal Brasileiro de Dados Geoespaciais), que
disponibiliza banco de dados do Diretório Brasileiro de Dados Geoespaciais (DBDG) para consulta. Com
previsão no Decreto n° 6.666/2008 (art. 2o, IV e V), é gerenciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e abastecido com dados fornecidos pelos poderes executivos federal, estaduais e
municipais. Disponível em <https://www.inde.gov.br/> acesso 30 junho 2020.
11
A existência de cadastros multifinalitários oficiais de qualidade e acessíveis, que permitam a ampla
integração de bases de dados diversas (dados espaciais, sociais, econômicos, cartográficos, ambientais,
estatísticos, etc.) é fundamental para a eficiente utilização de SIGs e produção de cartografias (Paixão et al,
2012). Ocorre que a estruturação, acessibilidade e qualidade destes cadastros no Brasil é reconhecidamente
deficitária.
12
Isto se relaciona com o componente institucional das IDEs, relativo à definição de marcos legislativos e
de política pública para detalhamento e orientação de uso de dados geoespaciais, ou seja, necessidade de
desenvolvimento de uma política pública de geoinformação (Ugeda, 2017a e 2017b). A respeito, consoante
previsão constitucional, compete à União legislar sobre geografia e estatística no Brasil (art. 22, XVIII).
Relevante, também, o Decreto-lei n° 161/1967, que prevê a criação do IBGE, e o Decreto n° 6.666/2008,
que institui a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE).
13
Governança digital assume papel de destaque na medida em que o uso de geoinformação (sobretudo o
monitoramento por geolocalização), ainda que com fundamento no interesse público, deve se dar com
respeito ao direito à privacidade e à intimidade. Nesse sentido, o texto constitucional (art. 5o, inciso XX) e
a recente edição de legislação brasileira sobre proteção de dados pessoais (Lei n° 13.709/2018 - LGPD),
Neste contexto, dados os limites deste fórum de debates e considerando-se a
formação dos autores do texto, o presente artigo objetiva refletir especificamente sobre a
relação entre geoinformação e Direito com foco, em particular, em temas afetos ao Direito
Ambiental. A respeito, a relevância de dados geográficos, da geoinformação e da
cartografia para a política ambiental é destacada pela Agenda 21 (Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992), que menciona a necessidade
de padronização, interoperabilidade e desenvolvimento de SIG. Isto também se reflete
em esforços para qualificar a produção de dados estatísticos oficiais relacionados a ações
voltadas aos objetivos da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável (2017 Cape
Town Global Action Plan for Sustainable Development Data,14 Big Data for the SDGs). 15
Ainda, a Organização das Nações Unidas iniciou programa (UN Global Pulse) 16 com o
objetivo de promover o uso de Big Data para o desenvolvimento de ferramentas de análise
de dados como suporte para políticas e ações com base em evidências científicas (por
exemplo, ferramentas que permitem o uso de imagens de satélite ou de identificação de
imagens locacionais em tempo real, ou, ainda, de dados de sistemas de telefonia
celular). 17
Para tanto, o artigo aborda perspectiva prática, através da identificação de
exemplos do corrente uso de geoinformação e de dados territorializados associada à
análise e implementação de políticas públicas e instrumentos legais urbano-ambientais.
Primeiramente (seção (2)), apresenta-se revisão de iniciativas existentes, tanto
independentes quanto governamentais, relacionadas ao uso de geoportais para a

com previsão de entrada em vigor em maio de 2021 (MP 959/2020). Inclusive, recentemente, houve
questionamento via ação judicial sobre a possibilidade de o estado monitorar geolocalização de indivíduos
(acordo entre o Estado de São Paulo e empresas de telefonia celular para monitoramento de mapas de calor
no combate ao coronavírus). Ver:
<https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=61046&pagina=1> acesso 21 junho 2020.
Também, em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a Medida Provisória 954/2020, que
determinava que operadoras de telefonia informassem dados pessoais de seus clientes (nome, telefone e
endereço) ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para uso na produção de estatística
oficial no período da pandemia (já que impedidas as visitas a residências). STF entendeu que estaria violado
o direito à intimidade e que inexistiria garantia de segurança dos dados.
14
Disponível em <https://unstats.un.org/sdgs/hlg/Cape-Town-Global-Action-Plan/> acesso 23 junho 2020.
15
Disponível em <https://www.un.org/en/sections/issues-depth/big-data-sustainable-
development/index.html> acesso 23 junho 2020. Ver a iniciativa Big Data UN Global Working Group em
<https://unstats.un.org/bigdata/> acesso 21 junho 2020. Ver também: (Committee of Chief Statisticians of
the UN System, 2019).
16
Ver: <https://www.unglobalpulse.org/about/> assesso 21 junho 2020.
17
Ver, em especial: MIND - Managing Information for Natural Disasters
(<https://www.unglobalpulse.org/microsite/mind/>) e PulseSatellite
(<https://www.unglobalpulse.org/microsite/pulsesatellite/>).
organização e visualização integrada de camadas de dados diversos com base
cartográfica. Estas ferramentas podem ser empregadas para monitoramento de eventos e
gestão de políticas e serviços. Em seguida (seção (3)), examina-se o tema a partir de
política setorial específica, qual seja, gestão de riscos de desastres. Com o exemplo da
gestão de riscos de desastres, objetiva-se verificar a relevância da existência de bancos de
dados consistentes e acessíveis e seu uso como suporte para orientação de ações
governamentais. Identifica-se, como potenciais estratégias para coleta, sistematização e
difusão de dados no tema, o estabelecimento de sistemas de monitoramento por
indicadores da implementação das metas e compromissos do Marco de Ação de Sendai e
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e, ainda o sistema brasileiro de
informação com dados oficiais sobre ocorrência de desastres (S2ID).

1 GEOINFORMAÇÃO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS:


INICIATIVAS PRÁTICAS

1.1 GEOINFORMAÇÃO E DIREITO AMBIENTAL


Ao discorrer sobre o valor e a utilidade da geoinformação para a política e o direito
ambiental, em especial dos sistemas de informação geográfica, Aragão destaca o “SIG
como instrumento de sustentabilidade ambiental e social é uma ferramenta da justiça
territorial” (Aragão, 2014, p. 428). A autora argumenta que sua relevância neste sentido
manifesta-se sob duas dimensões. A primeira diz com a promoção da democracia
ambiental com o fortalecimento dos direitos de acesso à informação e à participação.
Afinal, estas ferramentas contribuem para tornar a informação ambiental e geográfica, em
especial proveniente de bancos de dados oficiais, amplamente disponível e de forma
compreensível por meio de tecnologia digital. Consequentemente, promovem a
participação informada do cidadão nos processos decisórios para os quais já há
procedimentos participativos regulamentados (Aragão, 2014, pp 428-431). A segunda
dimensão refere-se a aspecto técnico-jurídico, vez que contribuem, também, para
qualificar a coleta e o tratamento deste tipo de informação. Como resultado, podem
implicar em qualificação substantiva de decisões do poder público relativas à gestão
ambiental e territorial ao fornecer evidências, e, portanto, melhor
fundamentação/motivação (Aragão, 2014, pp 432-448).
Mais objetivamente, o emprego da geoinformação, da cartografia e de bancos de
dados oficiais em geral (dados geográficos, econômicos, sociais e ambientais) se verifica
como estratégia para implementação de políticas e instrumentos legais urbano-
ambientais, os quais apresentam, intrinsecamente à sua função de gestão territorial, forte
conteúdo espacial. São alguns dos mais evidentes exemplos, no contexto brasileiro,
normas de uso e ocupação do solo urbano (plano diretor, normas de zoneamento e
parcelamento do solo, 18 com seus elementos de cartografia), licenciamentos ambiental 19
e urbanístico e a regularização fundiária 20 (todos com critérios locacionais limitados por
restrições urbano-ambientais). Como consequência, a própria atividade de controle e
fiscalização ambiental passa a se utilizar das mesmas ferramentas, seja para adoção de
medidas acautelatórias, seja para imposição de atos sancionatórios (por exemplo,
georreferenciamento de infrações ambientais, consulta a imagens de satélite e
aerofotogramétricas, bases de dados cartográficos e plataformas SIG). 21
Outro exemplo relevante quanto ao papel da informação geográfica e de
instrumentos cartográficos para a política urbano-ambiental tem-se na sua dimensão de
integração com políticas de gestão de desastres, sobretudo a partir das alterações
promovidas ao Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001) pela Lei n° 12.608/2012 (que
institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil). Dentre as hipóteses de
obrigatoriedade de elaboração de plano diretor, passam a constar aqueles municípios que

18
No que se refere à Lei n° 6.766/1979, informações geográficas orientam o estabelecimento de vedações
legais ao parcelamento do solo urbano (definição de áreas como não edificáveis, como áreas de risco ou
com declividade, conforme art. 3º, parágrafo único; art. 4º, III e III-A; e art. 12, §3º), bem como os requisitos
de conteúdo para o requerimento de aprovação de projetos, em especial de documentos como planta do
imóvel e memorial descritivo (art. 6º e art. 9º). Ainda, a lei condiciona a aprovação dos projetos à
observância dos requisitos dispostos em carta geotécnica de aptidão à urbanização no caso de municípios
constantes do “cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de
grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos” (art. 12, §1º,
consoante alteração promovida pela Lei n° 12.608/2012).
19
Sobre o uso de sistemas de informação geográfica nos processos de avaliação de impactos ambientais,
ver (Farber, 2008).
20
Quanto ao instituto da regularização fundiária urbana (REURB), dados geográficos também informam a
determinação de critérios para autorização/vedação (arts. 64 e 65, Lei n° 12.651/2012), bem como constam
de conteúdo obrigatório de documentos para a submissão de projetos. Veja-se, nesse sentido, a exigência
de dados georrefenciados nos seguintes exemplos constantes da Lei n° 13.465/2017: exigência de inclusão
de informação georreferenciada da área em memorial descritivo para a demarcação urbanística (art. 19);
georreferenciamento vinculado a levantamento planialtimétrico e cadastral (arts. 25 e 35, I). Ver, ainda:
(Rosenfeldt e Loch, 2012).
21
Veja-se o exemplo do Sistema de Gestão e Acompanhamento de Infrações Ambientais (GAIA) do
Instituto de Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, que inclui informações georrenferenciadas.
Também, Ministérios Públicos Estaduais têm feito uso de ferramentas SIG para subsidiar inquéritos civis,
termos de ajustamento de conduta e ações civis públicas em temas ambientais e urbanísticos.
integram cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de
deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou
hidrológicos (art. 41, VI, Lei n° 10.251/2001). Inclui-se como conteúdo obrigatório do
plano diretor destes municípios o mapeamento de áreas de risco (art. 41-A, Lei n°
10.251/2001), sendo que este mapeamento deve considerar diretrizes identificadas em
cartas geotécnicas (art. 42-A, §1º, Lei n. 10.251/2001). Assim, planos diretores e normas
de zoneamento devem incorporar de forma coordenada estas informações, e, portanto,
assegurar que ordenação territorial observe restrições ambientais e urbanísticas, bem
como promova a gestão de áreas de risco.
No entanto, o processo de revisão e adequação legislativa e das estruturas
administrativas no âmbito local ainda se mostra lento e lacunoso. É o que indica, por
exemplo, estudo de caso referente à cidade de Florianópolis/SC. 22 Há lei estadual
determinando que documentos oficiais do Estado de Santa Catarina sobre áreas de risco
sejam incorporados a normas de uso e ocupação do solo, sobretudo aos planos diretores
(Lei n° 16.601/2015), bem como existe mapeamento de áreas de risco para o município
de Florianópolis (Plano Municipal de Redução de Riscos de 2014 e Carta de
Suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais de Massa e Inundação - CPRM, 2015). No
entanto, o zoneamento previsto no plano diretor municipal (Lei Complementar n.
482/2014) ainda não considera estes dados, vez que se verifica que não prevê limitação
de uso e ocupação do solo em regiões devidamente identificadas como suscetíveis a riscos
de desastres (Leite et al, 2019).
Considerando-se este breve indicativo da relevância de conjuntos de dados
geográficos e da geoinformação para o Direito Ambiental, o desafio que se coloca é
compreender de forma mais consistente e abrangente, bem como melhor articular, a
relação entre elementos normativos (legais, institucionais e de política pública) e aspectos
técnicos da Geografia (sobretudo, geotecnologia relacionada a SIGs e cartografia).
Pretende-se contribuir para avançar no que já é discutido na sociologia urbana e na
literatura sobre Law & Geography a respeito do papel do Direito na formação e
conformação do espaço, bem como de direitos territoriais (Holder and Harrison, 2013;
Blomley et al, 2001). Direciona-se para o desenvolvimento de novel área de atuação que

22
Este estudo de caso foi desenvolvido pela equipe de pesquisadores brasileiros da Rede JUST-Side, da
qual os autores do presente artigo são membros, e foi publicado em (Leite et al, 2019).
se tem convencionado chamar de Geodireito (Ugeda, 20-17a; Ugeda, 2017b). A imagem
abaixo, inicialmente formulada por Aragão (2019), indica os ramos do conhecimento
implicados nesta abordagem e sintetiza seus principais potenciais pontos de contato.

Figura 1. Geodireito

Relaciona-se este debate, portanto, a reflexões sobre a necessidade de abordagem


transdisciplinar dos problemas ambientais. No controle e gestão de riscos ambientais,
soluções de concertação pactuadas e modelos de cooperação usualmente preferem
decisões dependentes de formas de conhecimento cientificamente limitadas e
disciplinares, racionalidade que molda a organização dos sistemas jurídicos nas sociedade
de risco (Beck, 1992). Porém, quando se analisa proposta transdisciplinar de investigação,
o que se objetiva não é a simples oportunidade de acesso a uma extensa pluralidade de
possibilidades de recortes e segmentações na compreensão desses problemas, mediante a
colaboração e intervenção de autoridades e agentes dotados de conhecimento
especializado. Em verdade, se pretende examinar os problemas hipercomplexos da crise
ecológica através de uma epistemologia ampla, com troca de saberes, de forma mais
sistêmica e integrativa (Leff, 2001, pp. 145-154). A utilização de instrumentos
preventivos e precaucionais tecnologicamente potencializados, aqui sob análise os
relacionados à geotecnologia, pode contribuir para tanto, vez que permitem processos
decisórios fundados em conhecimento multidimensional da realidade visualizados de
forma integrada.
Sugere-se, ainda, que esta perspectiva favorece a superação de dificuldades quanto
a lacunas de implementação e eficácia do Direito Ambiental. Relatório das Nações Unidas
sobre o Estado de Direito Ambiental (2019) indica que, em que pese a proliferação de
normas ambientais tanto a nível internacional como doméstico, permanecem obstáculos
relativos à sua deficiente implementação, falta de coordenação entre agências ambientais,
baixa capacidade institucional, não acesso à informação, corrupção e sufocamento do
engajamento civil, dentre outros. 23 Abordagem transdisciplinar nesta área do
conhecimento relacionada à produção e ao acesso à informação de geotecnologia e bancos
de dados territorializados de qualidade, atualizados, transparentes e de forma integrativa,
apresentam potencial de metamorfosear o sistema de comando e controle no exercício da
gestão ambiental, garantindo mais eficácia e maior controle social.
Neste contexto, este artigo objetiva discutir o tema não sob a perspectiva de
elementos teórico-conceituais ou regulatórios, mas sim a partir da identificação de
exemplos práticos do emprego de tecnologias e ferramentas relacionadas à gestão de
informação geoespacial no âmbito de políticas urbano-ambientais. Primeiramente,
destaca-se a existências de geoportais de acesso público, sejam oficiais ou independentes
(item (2.2)). Então, examina-se a importância da estruturação de bancos de dados com
informações estatísticas, geográficas e demográficas no âmbito de políticas setoriais, a
partir do exemplo de política pública de gestão de desastres (seção (3)).

1.2 GEOPORTAIS COMO EXEMPLOS DE FERRAMENTAS EM USO


Relevante estratégia relacionada à gestão de informação geográfica para fins de
monitoramento de ações e políticas (em especial políticas territoriais, sociais e
ambientais) diz respeito ao desenvolvimento de geoportais, ferramentas que permitem a
visualização de bases de dados geoespaciais de forma integrada, com a possível
combinação de filtros para diferentes camadas de sobreposição de dados. Objetiva-se
identificar exemplos de iniciativas existentes, tanto independentes quanto oficiais. Esta
abordagem já foi explorada por Oliveira (2018), com base em que se apresenta aqui

23
Disponível em:
<https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/27279/Environmental_rule_of_law.pdf?sequenc
e=1&isAllowed=y> acesso 31 julho 2019.
análise expandida e atualizada. Porém, está fora do escopo do presente artigo avaliar sua
eficiência ou apontar eventuais lacunas, sejam normativas (regulamentação do uso de
dados geoespaciais e para desenvolvimento de IDEs), técnicas (normas e padrões para a
criação de bancos de dados geoespaciais e sua interoperabilidade) ou de governança
(transparência e acessibilidade).

Como relevante exemplo de geoportal idealizado por iniciativa da sociedade civil


ou de pesquisa acadêmica, tem-se o The Global Atlas of Environmental Justice (EJ
Atlas). 24 A ferramenta foi criada como instrumento online de sistematização de
informações relativas à ocorrência de conflitos socioambientais, em âmbito global.
Possibilita consulta sobre a existência de conflitos com sua localização em mapa e filtros
relacionados, por exemplo, a setor econômico e tipo de atividade/empreendimento
causador de perturbação (principalmente, indústria extrativista e resíduos), ou de
populações atingidas. Embora estabelecida e gerida por pesquisadores da Universidade
Autônoma de Barcelona (Espanha), trata-se de ação colaborativa entre academia e
movimentos sociais e ativistas, sendo que o inventário de casos mapeados se baseia não
apenas em bancos de dados oficiais, mas, sobretudo, em dados fornecidos por
organizações da sociedade civil, cidadãos e pesquisadores. Assim, objetiva ser
instrumento de pesquisa-ação (Participatory Action and Collaborative Research), com
fundamento em retórica e pesquisa aplicada relacionadas a movimentos por justiça
ambiental (Temper, del Bene e Martinez-Alier, 2015, p. 258).
Também há exemplo nacional de mapeamento de conflitos ambientais com
metodologia associada à noção de justiça ambiental, o Mapa de Conflitos Envolvendo
Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). 25 O foco é destacar a relação entre promoção da saúde e meio ambiente, com
atenção a populações especialmente vulneráveis. Semelhantemente ao EJAtlas, articula
informações oriundas de movimentos sociais, universidades, organizações não-
governamentais e parceiros institucionais. Dados sobre os casos, que são
georreferenciados e utilizados como filtro para visualização em mapa, incluem: tipo de
população implicada (populações tradicionais, comunidade indígenas, grupos em

24
Disponível em: <https://ejatlas.org/> acesso 28 junho 2020.
25
Disponível em: <http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br> acesso 07 julho 2020.
situação de risco, etc.), tipo de dano à saúde (como desnutrição, problemas respiratórios
ou contaminação por poluentes) e tipo de impacto ambiental (por exemplo, contaminação
de recursos naturais, desmatamento ou mudança climática). A Fiocruz participa, ainda,
de projeto que se utiliza das mesmas ferramentas de geotecnologia e mapas digitais para
articular informações sobre impactos das mudanças climáticas na saúde, o Observatório
do Clima e Saúde.26
Outro exemplo brasileiro de plataforma independente colaborativa, com acesso
aberto e de forma gratuita, o MapBiomas - Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura
e Uso do Solo no Brasil. 27 É iniciativa vinculada ao Sistema de Estimativas de Emissões
de Gases do Efeito Estufa (SEEG), coordenado pela organização não-governamental
Observatório do Clima, com participação de outras ONGs e instituições, parceiros
privados e comunidade científica. O objetivo é a produção de mapas anuais de cobertura
e uso do solo, com dados sobre desmatamento e regeneração, categorizados por biomas
brasileiros.28 Há disponibilização de séries históricas de mapas anuais (“Coleções”,
englobando o período entre 1985-2018), 29 imagens de satélite e infográficos. Também,
há instrumento para criação de mapas customizados pelo usuário, com escolha de
camadas de dados de interesse (cobertura e uso do solo - por exemplo, formação florestal,
vegetação nativa, água e agropecuária - e infraestrutura de energia e transporte) e filtros
espacial (por exemplo, bioma, bacia hidrográfica, estado ou município) e temporal. A
plataforma também apresenta dados consolidados para fins de visualização de estatísticas.
Além de fonte de dados para desenvolvimento de pesquisa por variadas instituições, tem
sido utilizada para monitoramento de desmatamento no Brasil (MapBiomas Alerta). 30
Dentre exemplos de geoportais oficiais em outras jurisdições, tem-se o geoportal
INSPIRE, da União Européia.31 Trata-se de sistema de Infraestrutura de Informação
Geográfica da Comunidade Européia, instituído pela Diretiva 2007/2 (14 de março de
2007), com o objetivo de promover a padronização e o compartilhamento

26
Disponível em: <https://climaesaude.icict.fiocruz.br/> acesso 07 julho 2020. Como fonte de conjunto de
informações, a plataforma associa bancos de dados ambientais, climáticos, de saúde e socioeconômicos
gerenciados pelo INPE, pelo IBGE e pelo DataSUS, dentre outros.
27
Disponível em: <https://mapbiomas.org/> acesso 28 junho 2020.
28
Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
29
Disponível em <https://mapbiomas.org/colecoes-mapbiomas-1?cama_set_language=pt-BR> acesso 28
junho 2020.
30
Disponível em: <http://alerta.mapbiomas.org/> acesso 28 junho 2020.
31
Disponível em: <https://inspire-geoportal.ec.europa.eu/> acesso 28 junho 2020.
(interoperabilidade) de informação geográfica oficial disponibilizada pelos Estados-
membro relativamente a questões de política ambiental e, assim, contribuir com o
desenvolvimento e governança territorial. Como destaca Aragão, a partir do texto do
preâmbulo da Diretiva 2007/2, fundamenta-se a iniciativa em dois pressupostos da
política ambiental européia, quais sejam, nível elevado de proteção (com consideração da
diversidade regional)32 e integração ambiental 33 (Aragão, 2014, pp 425-426). Apresenta
dados categorizados em sete domínios (recursos naturais, ar, água, ruído, resíduos,
emissões industriais e acidentes industriais) 34 e 34 temas (exemplificativamente, recursos
energéticos e minerais, hidrografia, áreas especialmente protegidas, áreas de risco,
empreendimentos poluentes, infraestrutura, dentre outros), 35 que podem ser filtrados por
Diretivas temáticas36 ou por país. A ferramenta, no entanto, não apresenta visualização
dos dados de forma territorializada em mapas.
Também merece referência a ferramenta Environmental Justice and Mapping
Tool (EPA EJScreen) da agência ambiental norte-americana (Environmental Protection
Agency - EPA). 37 A EJScreen tem como objetivo auxiliar a agência ambiental em
assegurar a observância e o monitoramento de aspectos de justiça ambiental e territorial
em sua atuação regulatória38 através da análise coordenada de bases de dados oficiais de
âmbito nacional (US EPA, 2016). A ferramenta permite visualizar distribuição
socioespacial de riscos e vulnerabilidades em determinados territórios por meio da
sobreposição em mapa digital, ou da consolidação em relatórios, de dados e indicadores
demográficos (em especial, renda, etnicidade, escolaridade, língua, crianças e idosos) e
ambientais (relacionados, principalmente, à qualidade do ar e da água, exposição a ruídos
e proximidade de sítios geradores de risco). Com base neste conjunto de indicadores, há

32
Art. 191 (2), Tratado sobre o Funcionamento da União Européia.
33
Art. 11, Tratado sobre o Funcionamento da União Européia.
34
<https://inspire-geoportal.ec.europa.eu/envDomain_selection.html?view=qsEnvDomain>
35
Ver Anexos da Diretiva 2007/2. <https://inspire-
geoportal.ec.europa.eu/theme_selection.html?view=qsTheme>
36
<https://inspire-geoportal.ec.europa.eu/legislation_selection.html?view=qsLegislation>
37
Disponível em <https://www.epa.gov/ejscreen> acesso 30 junho 2020.
38
Isto, de acordo com a Executive Order n. 12898 e com conjunto de políticas da EPA (US EPA Plan EJ
2014). A EPA define justiça ambiental como “[...] the fair treatment and meaningful involvement of all
people regardless of race, color, national origin, or income, with respect to the development,
implementation, and enforcement of environmental laws, regulations, and policies. This goal will be
achieved when everyone enjoys: (i) the same degree of protection from environmental and health hazards,
and (ii) equal access to the decision-making process to have a healthy environment in which to live, learn,
and work”. Disponível em: <https://www.epa.gov/environmentaljustice> acesso 30 junho 2020.
a formulação de um index de justiça ambiental. 39 No entanto, a própria EPA, em seu
website oficial, indicada a existência de limitações, como, exemplificativamente, dados
limitados e incompletos para unidades geográficas menores, dados referentes a lapso
temporal passado que não foram atualizados, e não disponibilidade de todos os tipos de
dados demográficos e ambientais que são relevantes para determinado caso. Portanto, a
EJScreen não se apresenta como mecanismo de avaliação de risco propriamente, mas sim
de mero apoio para orientar planos de ação.
No Brasil, isto tem sido adotado sobretudo em âmbito local, como solução de
inovação para ordenação e gestão territorial urbana (de competência municipal).
Identifica-se o uso de plataformas SIG e a criação de geoportais por prefeituras
municipais como iniciativas de governança relacionadas à noção de smart cities 40 e
também influenciadas por estratégias associadas à smart regulation. 41 Em termos gerais,
o objetivo é empregar tecnologias da informação para a promoção do desenvolvimento
urbano e gestão territorial, com melhoria da governança urbana e eficiência na prestação
de serviços pela administração local. Estas ferramentas podem contribuir, por exemplo,
com a facilitação de acesso público à informação e a banco de dados oficiais, gestão e
visualização de dados geoespaciais e interoperabilidade entre diferentes serviços urbanos.
Muitos municípios já se utilizam de ferramentas de geotecnologia desenvolvidas
com o objetivo de estabelecer base de dados oficial para informações geoespaciais locais.
Sobretudo, criam-se bases cartográficas digitais, por vezes integradas com cadastros

39
(1) National Scale Air Toxics Assessment Air Toxics Cancer Risk; (2)National Scale Air Toxics
Assessment Respiratory Hazard Index; (3) National Scale Air Toxics Assessment Diesel PM (DPM); (4)
Particulate Matter (PM2.5); (5) Ozone; (6) Lead Paint Indicator; (7) Traffic Proximity and Volume; (8)
Proximity to Risk Management Plan Sites; (9) Proximity to Treatment Storage and Disposal Facilities; (10)
Proximity to National Priorities List Sites; (11) Wastewater Discharge Indicator.
40
Em que pese ser empregado há mais de duas décadas, inexiste consenso sobre a definição do termo smart
city, vez que se trata de noção que envolve aspectos contextuais e multidisciplinares. Há perspectivas que
enfatizam o elemento tecnologia (foco na técnica), outras, o elemento governança (foco em gestão e
participação), ou, ainda, qualidade de vida (foco no cidadão). Para revisão bibliográfica ampla sobre o
desenvolvimento do conceito, ver (Albino, Berardi e Dangelico, 2015). Ver, também, (IESE, 2019). Por
exemplo, iniciativa da ONU denominada United Smart Cities (USC) integra o fator tecnológico com a
noção de desenvolvimento urbano sustentável e o conteúdo do ODS 11 sobre cidades sustentáveis e
resilientes para definir smart sustainable city como "[...] uma cidade inovativa que faz uso de tecnologias
da informação e comunicação (TICs) e outros meios para melhorar a qualidade de vida, a eficiência de
operações e serviços urbanos e competitividade, ao mesmo tempo que garante que se satisfaçam as
necessidades das presentes e futuras gerações relativamente a aspectos econômicos, sociais, ambientais e
culturais" (UNECE, p. 07). (tradução dos autores)
41
Movimento relativo a smart e better regulation debate a necessidade de se promover transparência e
eficiência regulatórias, sobretudo por meio da simplificação de procedimentos e redução de custos
administrativos. Ver: (Gunningham et al, 1998) e (Radaelli, 2007).
territoriais (imóveis), permitindo-se, por exemplo, consulta documental ágil (consulta de
viabilidade, certidões, memorial descritivo, etc.).42 Porém, avança-se para plataformas
mais completas e complexas, com integração de mais camadas de informação e serviços.
Por exemplo, a ferramenta adotada pela prefeitura de São Paulo/SP apresenta-se
ainda mais abrangente (GeoSampa).43 Isto porque é constituída a partir das normas e
mapas da legislação urbanística, em especial o plano diretor, incluindo não apenas dados
de zoneamento, mas, também, sobre equipamentos públicos, serviços urbanos, e, ainda,
sobre risco geológico e população (densidade demográfica e vulnerabilidade social). O
município também constituiu plataforma de monitoramento e avaliação de efetividade do
plano diretor, com apresentação de indicadores agrupados por categorias (relativos aos
seus objetivos, estratégias e instrumentos de política urbana e gestão ambiental que
institui), inclusive de forma territorializada com visualização por mapas. 44 Outros
municípios brasileiros já se encontram em processo de implantação de geoportais
atrelados a soluções SIG mais complexas, como Florianópolis/SC (GeoFloripa) 45 e Belo
Horizonte/MG (BHGeo). 46 Objetiva-se evoluir para permitir integração da
geoinformação municipal com gestão de serviços e atribuições específicos, como,
exemplificativamente, licenciamento e fiscalização ambientais e urbanísticas.
Estas ferramentas apresentam potencial para melhor operacionalizar a atuação dos
governos municipais, vez que auxiliam com gestão da informação, subsidiam planos e
ações com evidências e permitem analisar o impacto de normas (em especial urbanísticas
e ambientais). Também, se constituem em fonte de informação oficial para cidadãos,
empreendedores e pesquisadores, facilitando acesso a serviços e o controle social de
políticas públicas e da atuação governamental. Sobretudo, as estratégias demandadas para
sua implementação contribuem para explicitar a urgente necessidade de integração entre
diversas políticas setoriais locais, suas bases de dados e serviços públicos correlatos.

42
Veja-se, por exemplo, os sistemas de Geoprocessamento Corporativo de Florianópolis/SC (disponível
em <http://geo.pmf.sc.gov.br/> acesso 24 junho 2020) e Belo Horizonte/MG (disponível em
<https://bhgeo.pbh.gov.br/> acesso 24 junho 2020).
43
Disponível em: <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx> acesso 24 junho
2020. É regulamentado pelo Decreto Municipal n. 57.770/2017, como o SIG oficial do município.
44
Disponível em: <https://monitoramentopde.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/> acesso 24 junho 2020.
Sua criação está prevista no plano diretor municipal (arts. 356-359, Lei Municipal n. 16.050/2014).
45
Veja-se o Termo de Referência constante do Edital de Pregão Eletrônico nº 420/SMA/DSLC/2019. Os
autores agradecem ao coordenador da Comissão Municipal de Geoinformação de Florianópolis/SC, Sr
Kaliu Teixeira, pelas informações e esclarecimentos prestados na data de 25 de junho de 2020.
46
Há regulamentação municipal dispondo sobre a IDE para o município de Belo Horizonte (Decreto
Municipal n. 17.209/2019).
Porém, há que se avaliar, ainda, com o seu aprimoramento e uso continuado e
consolidado, qual o impacto dos geoportais na qualificação de políticas públicas e
processos decisórios locais no Brasil.

2 GESTÃO DE DESASTRES E ESTRATÉGIAS DE GESTÃO DE


DADOS
Com o objetivo de identificar estratégia de governança de dados (estatísticos,
geográficos, demográficos, cartográficos) e geoinformação como ferramenta para a
formulação, avaliação e monitoramento de políticas públicas setoriais, examina-se
exemplo relacionado à política de gestão de riscos de desastres. Breve exame de duas
iniciativas no tema, uma internacional (indicadores de monitoramento desenvolvidos
pelas Nações Unidas para o Marco de Ação de Sendai e para os ODS) e outra brasileira
(Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres), demonstra a importância e a
utilidade da sistematização da coleta, armazenamento, análise e difusão de informação
em bancos de dados estruturados. Porém, também, destaca-se a existência de dificuldades
para sua implementação.
Reconhece-se que dados precisos e confiáveis, adequadamente compilados e
acessíveis, são essenciais para orientar políticas públicas e processos de tomada de
decisão em matéria de redução de risco de desastres. A respeito, o Marco de Ação de
Sendai para a Redução do Risco de Desastres (RRD) recomenda a coleta, análise,
gerenciamento, uso e disseminação de dados e informações, a produção de dados
abrangentes e desagregados para definir exposição e vulnerabilidade, assim como a
melhor utilização dos dados existentes. No mesmo sentido manifestou-se a Plataforma
Global para a Redução do Risco de Desastres, em sua sexta sessão, realizada em 2019,
que considera, ainda, que a colaboração entre governos locais e centrais e demais atores
interessados, incluindo-se o setor privado e a sociedade civil, pode contribuir para
transformar dados sobre risco em informações compreensíveis e utilizáveis (Global
Platform for Disaster Risk Reduction, 2019).
Também a implementação de marcos e agendas internacionais através de
indicadores está intimamente relacionada à qualidade, disponibilidade e acessibilidade de
dados, incluindo-se geoinformação. Esta relação se dá em duas vias. Por um lado, o
conjunto de informações disponíveis através de múltiplas bases de dados é essencial para
o efetivo monitoramento e para a aplicação de indicadores globais e nacionais
desenvolvidos em atenção a determinadas áreas temáticas. Por outro lado, a aplicação dos
indicadores e a necessidade de reportar os resultados acabam apresentando-se como
estratégia para incitar os Estados a desenvolver e aprimorar seus sistemas de coleta,
compilação e difusão de dados.
Neste contexto, a implementação, o monitoramento e os relatórios nacionais
referentes ao Marco de Sendai e à Agenda 2030 (políticas setoriais aqui sob análise) se
baseiam na produção, disponibilidade e acesso a dados de alta qualidade, que permitam
a comparação e a análise em âmbito nacional, regional e internacional. O monitoramento
do Marco de Sendai, por exemplo, constitui-se em importante ferramenta para auxiliar os
governos a compilar dados, o que permite uma compreensão mais detalhada dos desafios
da gestão e da redução do risco de desastres, das lacunas em matéria de dados e também
de normas, políticas e estratégias correlatas. Consolida-se, assim, o entendimento de que
a coleta, análise, compilação e aplicação de dados qualificados contribuem para
identificar, prevenir e gerir os riscos e impactos dos desastres.

2.1 MONITORAMENTO POR INDICADORES DA IMPLEMENTAÇÃO


DAS METAS E COMPROMISSOS DO MARCO DE AÇÃO DE SENDAI E
DOS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
(i) Indicadores de Monitoramento da Implementação do Marco de Ação de Sendai
Durante a Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas para a Redução de
Riscos de Desastre, recomendou-se que a Assembleia Geral da ONU estabelecesse um
grupo de trabalho intergovernamental aberto de especialistas para o desenvolvimento de
indicadores para mensurar os progressos globais na implementação do Marco de Ação de
Sendai. Este grupo foi estabelecido em 2015 (UN Doc A/RES/69/283) e contou com as
contribuições de uma multiplicidade de atores, incluindo organismos das Nações Unidas,
organizações intergovernamentais e não-governamentais, governos locais, setor privado,
universidades e demais atores científicos/acadêmicos. Cabe destacar que o trabalho deste
grupo foi realizado em coordenação com os trabalhos do Grupo de Especialistas da ONU
e exteriores encarregados dos indicadores relativos aos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS). Verifica-se, assim, a articulação entre os conjuntos de indicadores
resultantes para os ODS e para o Marco de Ação de Sendai. O relatório do Grupo de
Trabalho sobre indicadores e terminologia relacionados à redução de riscos de desastres
foi apresentado pelo Secretário Geral da ONU em 1° de dezembro de 2016 (UN Doc
A/71/644) e endossado pela Assembleia Geral em sua Resolução 71/276, de 2 de
fevereiro de 2017 (UN Doc A/RES/71/276).
Trinta e oito indicadores foram desenvolvidos para avaliar o progresso na
implementação do Marco de Ação de Sendai no que se refere ao alcance das sete metas
globais fixadas no documento e as tendências globais na redução de riscos de desastre. O
monitoramento da implementação do Marco de Sendai se organiza a partir de dois grupos
de metas e indicadores nos níveis global e nacional. O primeiro grupo corresponde a
indicadores e metas globais gerais para analisar o progresso de cada Estado na redução
de riscos de desastres até 2030, a partir das informações fornecidas pelos mesmos e
documentadas em relatórios de avaliação global bienais. Assim, os indicadores globais
são indicadores de resultado que visam o monitoramento da implementação e dos
resultados alcançados quanto às sete metas globais previstas no Marco de Ação de Sendai.
Estes indicadores são indicadores uniformizados a fim de possibilitar a comparação entre
os resultados alcançados por cada país. O segundo grupo inclui indicadores e metas
personalizados definidos no âmbito nacional pelos Estados para avaliar seu progresso
referente à internacionalização e realização das recomendações previstas nas quatro
prioridades do Marco de Ação de Sendai. São baseados nas especificidades e
necessidades de cada Estado e relatados nos relatórios nacionais de RRD. Visam,
portanto, acompanhar o progresso na internalização e realização das recomendações
previstas nas quatro prioridades do Marco de Ação de Sendai.
Outra categorização proposta é de indicadores e metas nos níveis de entrada, de
saída e de resultado. Os indicadores e metas de entrada e de saída são definidos no âmbito
nacional. O nível de entrada corresponde a indicadores de políticas públicas para avaliar
a implementação das quatro prioridades do Marco de Ação de Sendai no âmbito nacional.
O nível de saída corresponde a indicadores e metas nacionais para avaliar a redução de
riscos e aumento da resiliência. O nível dos resultados é de âmbito global, com
indicadores e metas objetivos, uniformes e que permitem estabelecer comparações,
correspondendo aos indicadores do primeiro grupo descritos acima. 47

47
Informaçoes obtidas de The Knowledge Platform for Disaster Risk Reduction “PreventionWeb”.
Disponível em: < https://www.preventionweb.net/drr-framework/sendai-framework-
monitor/introduction> acesso 04 maio 2018.
(ii) Monitoramento da Implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável:
Indicadores Relacionados à RRD e Mudança Climática 48
O marco global de indicadores para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
(ODS) e metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, desenvolvido pelo
Grupo de Peritos e Interagências sobre Indicadores de Desenvolvimento Sustentável
(IAEG-SDGs), foi adotado pela Comissão de Estatística da ONU durante sua 48° sessão,
realizada em Nova Iorque em março de 2017 (ECOSOC 2017), tendo sido posteriormente
adotado pela Assembleia Geral da ONU em julho de 2017 (UN Doc A/RES/71/313).
Como indica a resolução da Assembleia Geral, trata-se de instrumento voluntário e
liderado pelos países que inclui o conjunto inicial de indicadores a serem refinados
anualmente e revisados pela Comissão em 2020 e em 2025, complementado por
indicadores a nível regional e nacional, desenvolvidos pelos Estados (§ 1) (UN Doc
A/RES/71/313). O monitoramento e revisão da implementação dos ODS é
consubstanciado em relatórios anuais de progresso dos ODS, preparados pelo Secretário-
Geral da ONU, baseado no sistema de indicadores globais e nos dados produzidos pelos
Estados e coletados também no nível regional (UN Doc. A/RES/70/1). Três relatórios já
foram apresentados, correspondendo aos anos 2016, 2017 e, o mais recente, de 2018.
Para se ter uma idéia dos dados coletados e resultados alcançados, traz-se algumas
conclusões do Relatório no que se refere à RRD e mudança climática, portanto, quanto
aos ODS 1, 11 e 13. Quanto ao ODS 1, concluiu-se que os desastres continuam agravando
a profundidade e amplitude da pobreza. Em que pese os esforços na implementação de
medidas de RRD, o ano de 2017 apresentou um dos mais altos índices de perdas
econômicas relacionadas a desastres (§ 10). Sobre o ODS 11, identificou-se que, de 1990
a 2013, quase 90% das mortes atribuídas a desastres ocorreram em países de média e
baixa renda, com rápida expansão urbana. Em 2017, dos 87 Estados que responderam ao
questionário, 50 informaram possuir estratégias nacionais de RRD e 34 indicaram dispor
de estratégias locais (§§ 101 e 102). No que se refere à mudança climática, a verificação
do cumprimento das metas do ODS 13 indica que 168 Estados parte do Acordo de Paris
comunicaram sua primeira contribuição nacionalmente determinada e 10 países em

48
Destaca-se que serão analisados neste item apenas os aspectos específicos dos indicadores dos ODS que
guardam relação com RRD e mudança climática Não será analisado todo o processo de construção e
implementação do monitoramento dos ODS.
desenvolvimento completaram e submeteram seus planos nacionais de adaptação. (§§ 108
e 109) (ECOSOC 2018).
O Brasil participou deste processo, integrando o Grupo de Peritos como
representante dos países do Mercosul. No âmbito regional, o país participa do Grupo de
Coordenação Estatística para a Agenda 2030 na América Latina e Caribe. O organismo
responsável pela aplicação dos indicadores globais e desenvolvimento de indicadores
nacionais sobre ODS no Brasil é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Através do Decreto n° 8.892/2016, foi criada a Comissão Nacional para os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável, que tinha por finalidade internalizar, difundir e dar
transparência ao processo de implementação da Agenda 20130 para o Desenvolvimento
Sustentável no Brasil. Quanto a sua composição, a integravam 32 representantes da
sociedade civil e do governo, de forma paritária. No entanto, a Comissão restou extinta
em 2019 pelo atual governo federal, sendo que a governança dos ODS passou a estar sob
as atribuições da Secretaria Especial de Articulação Social, junto à Presidência da
República, portanto, de forma mais centralizada. O Brasil apresentou seu primeiro
Relatório Nacional Voluntário sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável em
2017 (Secretaria de Governo da Presidência da República, 2017). Plataforma online
também foi disponibilizada pelo IBGE para acompanhar o processo de aplicação dos
indicadores ODS e da implementação dos objetivos no Brasil. 49
O sistema de monitoramento por indicadores dos ODS está diretamente articulado
com o sistema de monitoramento e indicadores do Marco de Sendai sobre RRD,
utilizando-se inclusive indicadores comuns. O Grupo de Peritos e Interagências sobre
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IAEG-SDGs) propôs o uso dos indicadores
das Metas A,C e E do Marco de Ação de Senai para monitorar a implementação das metas
dos ODS 1, 11 e 13, por sua relação com a redução do risco de desastres. A figura abaixo
ilustra os indicadores comuns do Marco de Ação de Sendai e dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável.

49
A plataforma pode ser consultada em <https://ods.ibge.gov.br>. Deve-se destacar, no entanto, que
também há outras iniciativas para o monitoramento dos ODS no Brasil. Veja-se a plataforma coordenada
pelo IPEA (<https://www.ipea.gov.br/ods/>) e a Rede ODS, de iniciativa da sociedade civil
(<https://www.redeodsbrasil.org>).
Figura 2. Sinergias entre os sistemas de monitoramento por indicadores do Marco de Ação de Sendai
e dos ODS

Fonte: https://www.preventionweb.net/drr-framework/sendai-framework-
monitor/common-indicators

O Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR)


realizou, em 2017, pesquisa para avaliar a capacidade dos Estados de monitorar e reportar
a implementação do Marco de Sendai através de indicadores, verificando a
disponibilidade dos dados nacionais e as lacunas existentes. A pesquisa permitiu aos
Estados identificar suas fragilidades e fomentar sua superação pela melhoria de seus
sistemas de coleta e bases de dados relacionadas a desastres (UNDRR 2017). Quanto à
qualidade dos dados, considerada essencial para processos decisórios efetivos e
informados no processo de implementação do Marco de Sendai e dos ODS, o documento
recomenda aos Estados que considerem o valor agregado da utilização de múltiplas fontes
de dados, especialmente a geoinformação, para ampliar a qualidade e aplicabilidade dos
dados e estatísticas sobre desastres. Ainda, considera-se que a integração dos indicadores
de Sendai com os indicadores dos ODS deve aumentar a colaboração entre os organismos
nacionais com atribuições em matéria de cartografia e geoinformação no processo de
implementação e seguimento do Marco de Sendai.
Também o Grupo de Trabalho Sobre a Medição e Registro de Indicadores
Relativos à RRD (UNDRR 2019) traz recomendações quanto à geoinformação no
contexto do monitoramento da implementação do Marco de Sendai e na gestão de
desastres e riscos associados. No que se refere à compilação e disseminação de dados,
destaca a necessidade de uma infraestrutura de dados geoespaciais integrais para se
conectar com usuários. Recomenda o desenvolvimento de mapas de avaliação do risco e
que o conjunto de dados de informação espacial sobre a ocorrência de eventos seja
difundido e disponibilizado no nível local, em formato compreensível. Sobre a relação
com dados estatísticos e como podem apoiar um monitoramento mais sólido dos marcos
internacionais, recomenda integrar dados geoespaciais com informação estatísticas para
ações e estratégias efetivas de RRD. Os sistemas geográficos e estatísticos devem
trabalhar de forma sistemática e coordenada para melhorar a disponibilidade de dados
para a implementação e monitoramento destes marcos.

2.2 EXEMPLO BRASILEIRO: SISTEMA INTEGRADO DE


INFORMAÇÕES SOBRE DESASTRES (S2ID)
No Brasil, dados oficiais sobre a ocorrência de desastres e os danos decorrentes
são compilados e difundidos pelo Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres
(S2ID), 50 desenvolvido em parceria entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC)
e o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa
Catarina (CEPED/UFSC). O objetivo do S2ID é aprimorar e contribuir para a
transparência da gestão de riscos de desastres no Brasil através da disponibilidade de
informações sistematizadas. Em uma primeira etapa, o sistema foi concebido como uma
ferramenta para estudos em matéria de gestão do risco, disponibilizando informações
sobre desastres através de dados coletados e tratados. A partir de 2012, iniciou-se a
segunda etapa, com a ampliação do sistema para configurar-se como ferramenta online
para o registro de desastres pelos entes federados e para consulta pública de informações
sobre a ocorrência de eventos e gestão do risco de desastres pautadas em dados oficiais
(CEPED, 2015).

50
O Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres (S2ID) pode ser acessado em
<https://s2id.mi.gov.br>.
O sistema é de uso obrigatório para os entes federados, de acordo com o
estabelecido na Portaria GM/MI n° 526, de 6 de setembro de 2012, para o procedimento
de reconhecimento da situação de emergência ou estado de calamidade pública. As
autoridades responsáveis no âmbito municipal ou estadual devem inserir as informações
sobre o desastre no Formulário de Informações do Desastre (FIDE), 51 que é enviado para
o governo federal para reconhecimento via S2ID.
Em que pese a importância do S2ID na promoção da coleta, sistematização e
publicização dos dados sobre desastres no Brasil, o sistema apresenta algumas lacunas e
fragilidades que comprometem uma melhor compreensão do padrão dos desastres e danos
correlatos no país. A Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA)
conduziu pesquisa sobre o S2ID e, através de análise dos dados no período 2018-2019,
apontou questões decorrentes de problemas identificados nas categorias e conceitos
utilizados, bem como no procedimento de coleta de dados (Ramos et al, 2020).
Seguem alguns exemplos: dados incompletos ou não informados; ausência de
informação específica sobre deslocamento no contexto do desastre; falta de dados sobre
desalojados e desabrigados no caso de eventos de início lento como secas e estiagens;
inexistência de coleta de dados desagregados e de danos não materiais; uma possível
superestimação do número de eventos; ausência de procedimentos para o monitoramento
e atualização da evolução dos dados ao longo do ciclo do desastre, já que estes são
coletados exclusivamente na fase de emergência. Quanto à coleta de dados, mesmo
existindo procedimento padronizado no país, a análise efetuada pela RESAMA indica
que existem diferenças significativas na qualidade e nível de detalhamento das
informações apresentadas no FIDE pelos entes federados e entre os distintos eventos de
desastre ocorridos no período. O estudo conclui que a ausência de diretrizes padronizadas
e protocolos específicos para orientar a coleta de dados sobre desastres e alguma forma
de verificação centralizada ou controle da qualidade dos dados coletados e informados
compromete a confiabilidade dos dados disponíveis no Brasil.

51
Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC). Formulário de Informações do Desastre
(FIDE). Disponível em:
<https://www.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosDefesaCivil/ArquivosPDF/legislacao/Anexo-I--
FIDE.pdf>.
Entre as propostas formuladas pela RESAMA, destacam-se o aprimoramento da
metodologia e estrutura de coleta, compilação e difusão de dados sobre desastres e a
revisão do FIDE, especialmente no que se refere à inclusão de dados e de uma categoria
específica que reflita as situações de deslocamento no contexto dos desastres; a adoção
de protocolos para a uniformização dos critérios na coleta e atualização dos dados; o
investimento em formação dos responsáveis pela coleta a fim de superar disparidades na
qualidade e disponibilidade dos dados (Ramos et al, 2020).
CONCLUSÃO
Geoinformação de qualidade, acessível e atualizada confere suporte a decisões
governamentais bem informadas, fundamentadas em evidência e transparentes. Permite,
portanto, planejamento, monitoramento e revisão de forma qualificada de planos,
políticas e ações governamentais, bem como de implementação de leis e instrumentos
legais. Isto apresenta-se sobremaneira evidente em matérias urbano-ambientais,
intrinsecamente vinculadas a dados geográficos e informação territorializada, e, portanto,
a demandar o emprego da geotecnologia. Assim, pode-se concluir que, mais do que mera
estratégia de suporte à ação governamental, as ferramentas aqui identificadas (geoportais,
sistemas SIG e indicadores de monitoramento), em verdade, devem ser compreendidas
como instrumentais para a consecução de deveres governamentais de gestão territorial e
proteção ambiental. Nesse sentido, Aragão considera a existência de um dever jurídico
de monitoramento no que diz com o cumprimento de obrigações para com a
sustentabilidade ("dever legal de monitorização do desenvolvimento sustentável"), que a
autora associa à responsabilidade preventiva e precaucional do Estado (Aragão, 2017).
Esta dimensão resta destacada quando do exame do tema sob a perspectiva da
política de gestão de riscos de desastres (seção (2)). O compromisso, em distintos
níveis/escalas de decisão, com a produção de dados qualificados, confiáveis, detalhados
e acessíveis, que contribuam para uma gestão do risco de desastres informada e pautada
em evidências, é fundamental para o alcance das metas de Sendai e dos ODS. Ainda,
permite avaliar a eficácia e o impacto de estratégias políticas e jurídicas em matéria de
RRD. Neste contexto, a geoinformação se apresenta como peça chave na obtenção de
dados qualificados, detalhados e acessíveis capazes de orientar políticas e decisões,
quando operada em conjunto com outras bases de dados, como os estatísticos. No entanto,
há dificuldades e lacunas no âmbito de implementação de sistemas de dados consistentes
e satisfatoriamente abrangentes, como se verificou na análise do exemplo brasileiro (item
(2.2)).
Há que se mencionar, por fim, que, no que diz com o papel do Direito neste
contexto e sua inter-relação com a Geografia, importantes questões normativas e
regulatórias permanecem não resolvidas, merecendo melhor escrutínio. Por exemplo,
implicado está o conhecido debate em Direito Ambiental sobre a relação entre
conhecimento especializado (acadêmico ou da burocracia estatal) e processos
participatórios, que se manifesta em discussão sobre legitimidade e justiça procedimental
na tomada de decisões ambientais (Fisher, 2000; O'Faircheallaigh, 2010). No caso, quem
tem protagonismo na produção da geoinformação e da cartografia: técnicos, sociedade
civil ou população afetada?52 Também, ainda se carece de regulamentação apropriada
sobre a produção e gestão da informação geográfica como política pública, em especial
quanto a aspectos relacionados às infraestruturas de dados espaciais (Ugeda, 2017a).
Como consequência, verifica-se a existência de bancos de dados, inclusive oficiais, que
não são interoperáveis, e, portanto, seu acesso e uso integrado mostram-se sobremaneira
limitados ou implicam dispêndio de recursos (humanos, financeiros, de tempo) que
poderiam ser poupados. Mais um aspecto, que é sobremaneira indicativo dos problemas
institucionais e de gestão pública brasileiros que se reproduzem nesta área temática:
quando há informação de qualidade disponível, acessível em bancos de dados
consistentes (estatísticos, cartográficos, via SIG, etc), não necessariamente é esta
considerada transversalmente nas ações governamentais setoriais. Temas ainda a serem
melhor explorados por este grupo de pesquisadores.

52
Exemplos de projetos que realizam debate sobre a relação entre conhecimento técnico e conhecimento
popular/ativista especificamente no que diz com a legitimidade da produção da informação geográfica e da
cartografia são, no âmbito internacional, o EJAtlas (Temper, del Bene e Martinez-Alier, 2015), e, no Brasil,
o projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (ver <http://novacartografiasocial.com.br/>).
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06/documents/ejtg_5_6_16_v5.1.pdf> acesso 30 junho 2020
META-GOVERNANCE OF THE ENVIRONMENT

META GOVERNANÇA DO MEIO AMBIENTE


Paul Martin ∗
Carolina Dutra ∗∗
Amy Cosby∗∗∗

INTRODUCTION
Environmental governance obligations assumed by state parties under
conventions should be efficiently implemented under a multi-level framework involving
local institutions, appropriate instruments (laws, policies, programmes) and credible
organisational arrangements (agencies, programmes, and governance systems) that are
applied with integrity (Martin, Boer, & Slobodian, 2016).
Overall, the UN Information Portal on Multilateral Environmental Agreements
(n.d.) reports 11 global treaties regarding biodiversity and 55 regional treaties and
protocols concerning international environmental governance. Many are ‘soft norms’
lacking specific commitments by the States Parties, but the Convention on Biological
Diversity (CBD) (1992) is not of this sort. It contains specific actionable obligations
undertaken by signatory states.
Australia and Brazil are parties to the CBD, the Cartagena Protocol (2003) and
Aichi Biodiversity Targets (CBD, 2010), along with multilateral environmental
agreements focused on biodiversity conservation: the Convention on the Conservation of
Migratory Species of Wild Animals (CMS), Convention on International Trade in
Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES) (1975), Convention on Wetlands
of International Importance Especially as Waterfowl Habitat (Ramsar Convention)
(1987), Convention Concerning the Protection of the World Cultural and Natural
Heritage (UNESCO-WH) (1972). The focus of this chapter is the CBD and related


Director, Australian Centre for Agriculture and Law, University of New England.
∗∗
PhD in Economic and Political Law at Universidade Presbiteriana Mackenzie, member of the research
group Law and Sustainability. Environmental consultant.
∗∗∗
Researcher, Australian Centre for Agriculture and Law, University of New England.
instruments, however its observations about meta-governance also apply to other
conventions.
Australia and Brazil both suffer serious biodiversity deterioration, and recent
developments (particularly massive fires) demonstrate that under the combined impact of
climate change and poor governance these declines are accelerating (Kilvert, 2020 and
Casben, 2020). In their periodic CBD reports, Australia and Brazil highlight their many
programmes and laws (Department of the Environment, 2014; MESBF, 2015), and
national strategies (MoE, 2017 and NRMMC, 2010) but in both countries, biodiversity is
in crisis and the impact is steadily increasing.
Our analysis has demonstrated that the heart of the problem of the ineffectiveness
is the failure to implement standards of governance conventionally expected of public or
private organisations: sound strategies, implementation with integrity, monitoring and
performance reporting, continuous improvement, and feasible resourcing of strategies.
These meta-governance essentials are stated national commitments under the CBD, that
neither country has implemented.

1 KEY TERMS
A key term is governance, the legitimate exercise of ongoing control (also
management, supervision) over the operation of a social system (e.g. a country,
community or organisation) to direct how it behaves and ensure its integrity.
Thus, environmental governance represents the governance directed towards the
sustainable, equitable and efficient use of the environment, conducted by institutions
using methods that may include laws, social norms, incentives and social or cultural
interventions. Institutions are the rules and the organisations responsible to create,
interpret or apply them. This includes public and private, national and international
arrangements. Moreover, environmental law consists of the methods of environmental
governance that use norms supported by the authority of the State, including government
regulation and administrative rules, private contract and international agreements.
Meta-governance is how governance systems are themselves controlled. Muelman
defines meta-governance as a “means by which to produce some degree of coordinated
governance, by designing and managing sound combinations of hierarchical, market and
network governance, to achieve the best possible outcomes from the viewpoint of those
responsible for the performance of public-sector organizations: public managers as
‘metagovernors” (Muelman, 2008, p 68). In other words, meta-governance concerns how
a governance system is managed, controlled or directed in productive ways. By guiding
performance of governance at different levels, it contributes to its effectiveness (see
Muelman, 2008, pp 66-86; and Muelman & Niestroy, 2015).
Concerning sustainability, a natural resource governance system comprises rules,
strategies and organisational structures that direct how natural resources are used and
conserved, and how the costs and benefits are allocated. This includes how legal
institutions and instruments work with other socio-economic interventions, to direct
government and private activities. To be effective this system needs sufficient investment
and proper allocation of resources, and constant oversight including design, review and
evaluation.
The core objectives of the CBD are conservation, sustainable use of biodiversity
and equitable sharing of benefits from genetic resources. The CBD is commonly
perceived as an array of distinct requirements stating principles of environmental law.
According to this view, implementation means to comply with each commitment or
applying each principle as a particular requirement. The alternative view, “seeing the
wood and not only the trees”, interprets that the ratifying states have agreed to implement
comprehensive systems for environmental governance, and that the individual
commitments and principles are only components of this system. Through this lens, the
underlying commitment is to foster a comprehensive and disciplined governance
framework, to ensure transparency, adequate resourcing and other good governance
requirements so that biodiversity is protected and used fairly. This governance system
perspective is indicated by the CBD’s Preamble and articles 11, 20 and 21. The CBD also
expresses the need for objective evaluation and continuous improvement based on
objective analysis and transparency (articles 7, 21, 23(4), 24, 25, 26 and Annex 1).
Five ingredients make up an effective governance system, and these are largely
reflected in the CBD. An effective meta-governance approach would ensure that all five
elements (detailed below) are in place and are being applied with integrity. This meta-
discipline is largely lacking in how the CBD is implemented in most jurisdictions, which
at least partly explains its unreliable effectiveness:
a) a ‘formula’ to allocate resources within an anticipated context, to achieve
priority objectives (viz., a strategy). This is envisaged by CBD article 6(a)
and (b). CBD strategies and supporting documents from signatory
countries are lodged with the Secretariat, but there is no peer review or
good practice standards for these strategies;

b) the requirement to ensure sufficient resources to implement national


strategies is found in CBD article 11 (incentives for biodiversity
conservation) and article 20, which requires signatory states to provide ‘in
accordance with its capabilities, financial support and incentives’ to
implement their plans. The failure to meet these requirements is an
obvious cause of underperformance, but there is no external evaluation
that highlights that failure;

c) strong accountability for implementation and for outcomes. Though


countries report on implementation, there is no independent evaluation of
that performance. National Aichi Targets and the UN Sustainable
Development Goals (SDGs) provide some metrics, but these are not
closely aligned to countries CBD commitments, and so facilitate evasion
of performance accountability. There are many datasets that contain
relevant information or comparative information on governance (e.g. the
Global Integrity Reports) (Global Integrity, n.d.), the World Bank
Worldwide Governance Indicators (WB, n.d.), the SDG Country Profiles,
and the Yale Environment Performance Index (EPI, 2019). Though such
evidence could enable objective evaluation of implementation and
effectiveness, no such measures are being used for international
verification of implementation;

d) human endeavours can fail, which is well demonstrated by biodiversity


protection outcomes that fall short of their aims, or have perverse
outcomes (Martin & Williams, 2010). Good governance requires
disciplined risk management. In engineering or business there are well-
known methods (including international standards) for risk management,
but public policy risk management is under-developed. Unfortunately,
there is no requirement for States Parties of the CBD to systematically
manage the many risks to their biodiversity strategies;

e) good governance requires that responsibilities are clearly allocated to


appropriate operators, and an independent audit of assessed performance
and reports. Our detailed analysis in both countries demonstrates the lack
of such arrangements to ensure accountability, transparency and efficient
resourcing.

Empirical research on natural resources governance shows that these elements are
essential to the national implementation of biodiversity frameworks, including
supervision of delegated responsibilities. Our analysis clearly demonstrates that effective
implementation depends on a signatory state’s capacity to structure and control the
governance of the governance system, by effect meta-governance (Martin, Boer, &
Slobodian, 2016 and Martin, Leuzinger, da Silva & Coutinho 2020).

2 THE MEGA-DIVERSITY GOVERNANCE CHALLENGE


Australia has a reliable legal and political system and many environmental
institutions. It has ratified international environmental conventions and statements of
intent; and has laws, policies, incentives and economic instruments; private standards and
codes; active non-government organisations; and an ethos that values Australia’s
biodiversity. However, a biodiversity disaster is underway, indicated by the number of
species under threat of extinction – at least 63 mammal species, 52 bird species, 125 fish
species, and 108 higher plant species (WB, 2019). In the last 12 months this loss has
accelerated significantly due to climate change induced droughts, bushfires and floods
(Cox, 2020 and Woinarski, Wintle & Dickman, 2020). Criticism of Australia’s
environmental governance and, thus, whether the meta-governance that should ensure the
reliability, integrity and continuing improvement of that system is adequate, is justified.
Doubts about the quality of environmental governance have been highlighted by an
independent review of the federal legislation (see Samuel, 2020); at the same time
legislative changes that have been introduced that are widely seen as antagonistic to
biodiversity governance (see Australia’ Environment Protection and Biodiversity
Conservation Amendment Bill 2020).
Brazil is an upper-middle income country with an uneven population density and,
like Australia, the coastal zone is the most heavily populated. The promotion of
sustainable development is constrained by inequality – partly due to historical slavery –
and problems with essential services (access to water, sanitation, health, education, public
security, housing, energy etc) (Oxfam, 2017). Its environment faces serious threats from
land use, cycles of exploitation, and industrialisation. Like Australia, climate and
governance related disasters are accelerating serious biodiversity loss (Watts, 2019). The
country has public corruption issues (ranking 105th out of 108 countries on the perceptions
of corruption index, with Australia being 77th (Transparency International, 2018)) and a
political system that privileges (wealthy) private interests. These characteristics entrench
inequality, further disempowering poor, Indigenous and Traditional peoples
(Transparency International, 2018). Brazil has the 10th highest Gini rating for inequality
at 51.3, which is only slowly improving (Australia is 102nd with a rating of 34.7, which
is gradually worsening (Index Mundi, n.d.)). Socio-economic-political problems taint
environmental management.
Brazil has often been a pioneer in international environmental conventions and
declarations; constitutionalising social and environmental rights, with many laws,
policies, incentives and economic instruments at all levels of government; it has private
standards and codes of conduct in some industries; active international organisations and
NGOs; and its population is generally proud of its natural heritage and views biodiversity
protection favourably (Gesisky, 2018). Like Australia, these positive aspects of
biodiversity protection have however not created good outcomes for nature. In Brazil
there are 175 bird, 80 mammal, 93 fish, and 558 higher plant species under threat of
extinction (WB, 2019). As in Australia, rampant bushfires in Brazil have also led to
significant biodiversity loss and demonstrate the limitations of environmental governance
(da Silva Junior, 2020). The continuing decline indicates problems of accountability,
effectiveness and efficiency of governance.

3 BIODIVERSITY STRATEGIES
What is involved in biodiversity governance is not ‘cut and dried’. Social justice,
health, welfare, trade, industry, housing, relationships with animals and other issues
impact on or are affected by nature; for example, mines governance is interwoven with
human habitation and welfare, and riverine and terrestrial biodiversity; economic and
industrial systems are interwoven with farming’s impacts; culture and recreation either
negatively or positively impact/protect coastal systems; environmental laws interact with
finances; and social, economic and environmental systems, and thus their governance, are
deeply interwoven. Both countries have made progress in converting CBD commitments
into formal laws and policies, ‘on paper’, but do not provide sufficient resources or take
the necessary actions. (Martin, Leuzinger, & Silva, 2016)
Other qualitative assessments indicate different aspects of governance
underperformance, though do not assess environmental governance per se:
• the Yale Environmental Performance Index (EPI, 2019) provides an
overall score and rating which indirectly indicates meta-performance
(inferring meta-governance). Australia is ranked 21st of 180 countries
with a score of 74.12, while Brazil is ranked 69th with a score of 60.70;
• the SDG scorecard (Sustainable Development Goals reports, n.d.)
provides metrics for the 17 SDGs notably: SDG 6 (water and sanitation),
7 (energy), 11 (cities and communities), 12 (consumption and
production), 13 (climate), 14 (life below water) and 15 (life on land), with
the last two emphasising biodiversity. In 2017, Australia’s index score
was 73.9, rated 38/162 countries, and Brazil’s scored was 70.6, rated
57/162. It was assessed that both Australia and Brazil face challenges with
governance of life on land and under water. Brazil was assessed as
showing moderate improvements on marine issues;
• the Biodiversity Indicators Partnership (BIP, 2019) provides links to
indicator datasets on Aichi Targets, the SDGs and other agreements, for
various themes (e.g. agriculture, species, marine biodiversity) and for
governance (finance, research and knowledge; policies and conservation
actions). Many indicators show adverse trends for both countries,
highlighting the ineffectiveness of environmental governance;

There are many international environmental governance instruments (see, e.g. UN


Information Portal on Multilateral Environmental Agreements, n.d.). Many principles or
flexible norms advise what the state ‘could’ do, reflecting ‘soft norms’. A smaller number
create specific binding obligations. Instruments in trade, intellectual property and human
rights also have environmental implications; for example, free trade or international
investments may contribute to the spread of invasive species or of land clearing for
agriculture, counter to environmental obligations.
The efficiency of environmental governance is affected by jurisdictional
complexity (stronger coordinating mechanisms are needed when structures are
fragmented and complicated) and by the meta-governance of government agencies.
Biodiversity governance instruments and actions occur at national, regional and local
level. In Australia, responsibilities are shared by a federal government, eight states and
territories, and 565 local councils, with 56 regional natural resource management
organisations. In Brazil, the national environmental system (SISNAMA) involves federal
agencies, 26 states and the Federal District, as well as 5,570 municipalities.
In both countries, there are overlaps and gaps, and politics can undermine
protection and investment in the environment. National, state and regional government
regulation of land use, natural resources use, animal welfare, food and other agricultural
product standards, waste disposal, intellectual property, corporate regulation,
transportation and many other institutional arrangements all affect biodiversity. Laws that
seem to have little to do with the environment have an underestimated role. Taxation, for
example, controls incentives or expenditure deductions for resource exploitation,
production infrastructures or environmental protection.
Property and civil rights, indigenous and minority rights, and contracts shape
private transactions. Administrative law is fundamental to the approval of developments
that affect biodiversity, and much government action. Unfortunately, governance is rarely
informed by systematic empirical assessment of whether instruments work, and their
collateral effects (though in Australia the recent independent review of implementation
of the Environmental Protection and Biodiversity Conservation Act is a positive example
of objective meta-governance action – see Samuel, 2020).
Under the Australian federation, constitutional authority for natural resources
primarily lies with the states. The Commonwealth Government’s involvement is mainly
through the Environmental Planning and Biodiversity Conservation Act 1992 (EPBC
Act), through funding programmes and coordinated arrangements, such as the National
Water Initiative (APEEL, 2017a). The ECOLEX (n.d.) legislation database (not specific
to biodiversity) for Australia counts over 3,600 environmental instruments, including
some redundant and procedural matters. The Commonwealth Government has authority
over marine issues, national protected areas, preventative biosecurity and international
investment. Many other overlapping matters require coordination but there is no standing
body for nationally coordinated environmental governance. The recent Samuel report
proposed an independent national environmental commission to provide ongoing
oversight and coordination, but the federal government has already stated that it will not
implement this recommendation. A Council of Australian Governments (COAG) is
responsible for federal and state coordination on selected issues, exemplified by the
National Water Initiative (COAG, 2004) but no longer has an environment coordination
group.
Brazil is also a federation with three levels of government with legal authority for
natural resources: environmental legislation is the duty of federal congress (creating
overall rules), state and federal district parliaments (supplementing federal law) and
municipal by-laws. ECOLEX (n.d.) lists 2,671 instruments that involve Brazil’s
environmental laws. The resulting complexity is exemplified by the Brazilian system of
environmental reserves, with different types of protected areas created by all levels of
government.
The many instruments and administrative transactions create ‘red tape’ or ‘green
tape’. Environmental safeguards impose two types of cost: intentional restrictions to
protect biodiversity and costs of restoration and protection; and transactions costs. These
include the costs of securing and administering government grants or coordinating
programmes, or the administration of resource use approvals. Other transaction costs
include the supervision and enforcement of rules, and the administration of subsidies.
Both public and private regulation impose transactions costs. Unfortunately, “efficiency”
reforms can result in a loss of protection rather than more efficient administration. This
risk is one of the criticisms of the “streamlining reforms” of Australian legislation that is
now underway.
The CBD articles 11 and 20 acknowledge that private incentives and resources are
essential, but neither Australia nor Brazil has any biodiversity funding strategies.
Environmentally harmful subsidies provide perverse incentives, and these are not
addressed under Australia’s or Brazil’s biodiversity strategies. The involvement of
business in biodiversity investment is increasing, driven by politics, consumer demand,
corporate responsibility and social licence initiatives (e.g. the UNEP finance and
insurance programmes, the World Business Council for Sustainable Development, and
industry environmental standards and certification programmes listed in the Ecolabel
Index (Ecolabel, 2019), but national and state biodiversity strategies pay scant attention
to these opportunities for leverage.
The recent 5th Global Biodiversity Outlook (GBO) demonstrates the failure of the
global community to ensure that biodiversity is conserved and used sustainably, with fair
and equitable shared benefits. None of 20 Aichi Targets were fully met and only 6 were
partly achieved (no. 09, 11, 16, 17, 19 and 20). It should be noted that a goal is counted
as partly achieved if there is evidence of meeting at least one effectiveness indicator. Of
course, even this limited achievement would have been worse without public and private
actions.
The report emphasises the outcomes reached by state parties, including Australia
and Brazil, based on their 6th national reports (2014-2018), discussed in the next section.
These limited outcomes suggest that the underlying GBO purpose is not being met, but
the governance system fails to highlight and correct this fundamental failure. An
ambitious post-2020 global biodiversity framework is urgently needed, to address the
chronic implementation failures in financing, capacity development, transparency and
accountability. Strong meta-governance pillars are essential to support environmental
governance, to respond to an increasing biodiversity crisis.

4 AUSTRALIA’S META-GOVERNANCE OVERVIEW


Australia reflected its ten Aichi Biodiversity Targets in its Strategic Plan for
Biodiversity 2011-2020 (NRMMC, 2010) and planned that by 2015 Australia would have:

• increased citizen participation and the involvement of Indigenous people;


• doubled its ecosystem services markets;
• added 600,000 km2 of habitat for conservation, and 1,000 km2 of
landscapes and aquatic systems restored for connectivity;
• reduced invasive species impacts;
• have science priorities for biodiversity;
• reviewed federal and state conservation instruments;
• and established a biodiversity monitoring and reporting system.

Targets for habitat or species were not specified. That plan largely ignored state
and local government agents, civil society, and business; and ignored how Australia will
fund incentives and resourcing (Martin, Cosby, & Werren, 2017). The recent Strategy for
Nature 2019–2030 retreated further from specific commitments, and largely replaced the
CBD obligations with far more ‘negotiable’ metrics from the SDGs. Australia’s 6th
national report did not concentrate on implementation of CBD obligations, rather it
replaced this with reporting against the SDGs. This meant that fundamental governance
system challenges, for example addressing sustainability incentives and resourcing, were
effectively removed from the national agenda.
There is plenty of evidence that the lack of a direct link between specific CBD
commitments and the strategies and performance metrics adopted by the national
government is leading to environmental underperformance. A 2014 evaluation of the first
five years of implementation of the national biodiversity strategy, involving the three
levels of government, reported ‘good progress on some of its ten measurable time-bound
targets’. However, the report concluded that the targets were inadequate and did not
communicate effectively nor provide adequate guidance to those who should be involved.
It found that not enough attention was paid to non-rural contexts and urban people. The
report also found that ‘the Strategy has not effectively influenced biodiversity
conservation activities’, partly because of a lack of oversight and coordination;
insufficient attention to implementation and responsibility, and an unrealistic approach to
monitoring and reporting. The authors noted the failure to address commitments and
principles from the CBD, particularly to ensure economic incentives and funding.
(Department of the Environment, 2014, p. 27)
A 2013 review praised Australia’s network of protected reserves (or protected
areas) but stated that ‘while Australia’s nominally “protected” areas increase in area, the
trajectory of real commitment to conservation is in decline, along with Australia’s
biodiversity’ (Ritchie et al., 2013). In the same year, the Australian Senate enquiry into
biodiversity protection highlighted 44 areas where improvement was required
(Environment and Communications References Committee, 2013), noting the need to:
harmonise national and state processes; reduce transaction costs; increase monitoring and
evaluation; institute a comprehensive biosecurity system; refine the regulatory system;
engage all government, private sector, including commercial actors; better target frontline
funding; and conduct better reviews and audits.
Two years later, an analysis of Australia’s threatened species management
identified weaknesses in protection and recovery management, and resource allocation
(McDonald et al., 2015). It identified a gap between processes and scientific good practice
(notably concerning risk) and funding problems. Along with process reform, it
recommended a relatively small increase in funds, and greater transparency to improve
protection.
The comprehensive National State of Environment Report 2016 (Metcalfe & Bui,
2017) used scientific data about Australia’s environment 1. The study provides 72 report
cards reflecting almost 1,200 specific assessments. The report, unfortunately, does not
evaluate the programmes of the three levels of government, civil society and industry, nor

1
The 344 datasets are available at https://soe.environment.gov.au.
evaluates governance, including whether continuous improvement in policy and practice
occurs. It does, however, assess biodiversity management in the form of a dashboard
(Creswell & Murphy, 2016) showing a status grade and a five-year trend, a degree of
confidence in the grade and trend, and, where possible, a comparison between the two
periods for biodiversity management. The evaluated performance varies widely between
issues (i.e. protected areas, threatened species, management of climate and pollution
issues, natural resource use, habitat conservation, grazing pressure and invasive species)
but performance on all but a few is rated at the unsatisfactory end of the scale.
Publishing in the same year, the Australian Panel of Experts in Environmental
Law (APEEL, 2017a) analysed Australia’s environmental laws. Nine reports assessed
marine, coastal and terrestrial biodiversity, environmental governance core principles and
institutional arrangements, climate, community engagement and the role of private
enterprise (Fowler, Makuch, Richardon, & Walmsley, 2017; Fowler, Wilcox, Martin,
Holley, & Godden, 2017; Farrier, Godden, Holley, McDonald, J & Martin, 2017;
Lindsay, Jaireth, & Rivers, 2017; Richardson, 2017). Fifty-seven reforms were proposed
to legal environmental governance (APEEL, 2017b). The analysis and recommendations
indicate failures to translate principles of the CBD and other instruments into Australian
laws, weaknesses in organisational arrangements and insufficient resources and political
commitment.
All these reports indicate that Australian governments have ‘cherry picked’ their
international commitments, ignoring many and adopting others to a limited degree.
Australia does not plan to create the type of governance system that the CBD envisages,
and lacks incentives and resources to improve biodiversity outcomes. Though a basic
monitoring and evaluation system exists, scientific opinion suggests that this is
insufficient. Evaluation is inadequate, addresses only some organisations and actions, and
ignores public/private interactions. Partly as a result, accountability is weak and
performance is not transparent. Governance risks are not managed. The organisational
structure of biodiversity governance is fragmented and coordination is limited,
particularly for the major threats to biodiversity identified in Australia’s 2010 biodiversity
conservation strategy.
An unfavourable assessment of the effectiveness, efficiency and fairness of
government habitat protection undertaken by Ritchie et al (2013) reports: laws allow an
increase in exploitative uses – including logging, grazing by livestock, mining,
commercial development, and hunting and fishing; and Australian state governments
have reversed curbs on the clearing of native vegetation outside protected areas. Adams
and Moon (2013) report that remnants of native ecosystems persist on private and
leasehold land and in unreserved marine areas, providing a complement to protection in
reserves in Queensland (QLD) and Victoria, but laws controlling vegetation clearing have
been relaxed, accelerating the loss of regional biodiversity, and conservation covenants
are often tenuous. Pressey et al. (2000) note that there have been excisions of conservation
land for mining, and the government of New South Wales (NSW) was considering
relaxing anti-clearing laws, even though the authors demonstrated that 85% of the state’s
native vegetation with high conservation priority was on private land. In addition, legal
aid funding in NSW was wound back making it more difficult to hold the state
government to environmental account (Smith, 2013).
Australia’s water governance involves tensions between economic and
environmental (private and political) interests; that is, primary production, domestic and
industrial use, pollution, and habitats. It involves managing dams and weirs, scientific
and technical issues, and socio-economic complexities. Management is principally the
responsibility of the states and territories. However, because of the interconnectivity and
increasing awareness of the ‘tragedy of the commons’ (Harden, 1968) in 2004, the
Australian state and federal governments created the National Water Initiative: A
blueprint for water management (COAG, 2004).
Of particular interest is the Water Act 2007 (Cth) regulating the nationally
significant Murray Darling Basin system across five states. The Murray Darling Basin
Plan (Department of Agriculture, n.d.) is a framework for coordinated federal and state
action with a budgeted investment of A$13 billion (almost US$9 billion). The plan uses
tradeable water entitlements within scientifically determined limits. This has helped
reduce over-allocation but the amount of water saving for the environment and
governance effectiveness, integrity and efficiency are open to debate. Water for the
environment has been consistently reduced in times of drought to meet agricultural and
rural community demands, leading to large fish kills (MDBA, 2019). Governance has
become focused on the competing interests between the environment and consumption;
among different regions; between experts and agencies; among states; and between states
and the Commonwealth. Due to a major drought, there are proposals to further weaken
environmental safeguards. (Davis & Burns, 2019; Loussikian & Rabe, 2019)
The management of the Murray Darling Basin demonstrates many governance
attributes. The Water Act 2007 (Cth) coordinates state and national government action
intended to implement Australia’s international commitments and incorporates a science-
informed (market based) strategy to pursue environmental and socio-economic outcomes.
Implementation involves specific commitments, scientific monitoring and review, clear
accountabilities involving all levels of government, industry and civil society, and uses
economic incentives and substantial investments. However, many critiques suggest that
governance in practice falls well short of the ideal (and that even good governance may
not avoid deterioration in biodiversity, given climate change) (Murray Darling Royal
Commission, 2019).
Australian governance of invasive species has many weaknesses, and harm from
exotic weeds, animals and disease is increasing. Effective biodiversity protection will
require prevention of new incursions and control of established harmful species. The
national government is principally responsible for international biosecurity and first-
response. State governments and the community are expected to control established
species. State agencies and civil organisations primarily focus on species that affect
production. The many plans and programmes are fragmented and under-resourced
(particularly for established environmental harm species). The Overview of the National
State of Environment Report 2016 (Commonwealth of Australia, 2017–2018, p. 15)
identifies governance problems including insufficient resourcing and inadequate
monitoring and data, and tardy responses. Frontline citizen invasive species control is
impeded by administrative complexity, shifting priorities and unreliable support, weak
accountability, and limited participation. The governance of invasive species involves
many state and national strategies and fragmented by jurisdiction along the invasion
curve. The official mantra of ‘shared responsibility’ is not based on a social consensus
and, often, the motivation and capacity to embrace roles is lacking. Accountability, even
for regulated responsibilities, is weak. The meta-governance of invasive species
management needs reform.
The OECD Environment Performance Review: Australia 2019 (OECD, 2019) and
Australia’s 5th implementation reports for the CBD (Department of the Environment,
2014) give a largely positive but misleading view of implementation. The OECD report
considers issues such as the carbon intensity of energy systems but does not consider
threatened species and sustainable use of biodiversity. It highlights progress in protected
areas and Indigenous engagement but notes ongoing declines in biodiversity. It points to
the need for investment, federal/state coordination, and greater citizen decision-making.
The 50,000 abandoned mines needing rehabilitation and contaminated sites are discussed,
as is progress in engaging the business sector. The report focusses on biodiversity status,
threats and implications for people, the biodiversity strategy and action plan and
implementation, ‘mainstreaming’ biodiversity and progress against Australia’s Aichi and
Millennium Development Biodiversity metrics. The report notes that ‘in general,
population size, geographic range and genetic diversity are decreasing in a wide range of
species across all groups of plants, animals and other forms of life’, but does not detail
the extent nor the trend. The report presents a positive picture of national initiatives
without discussing strategic problems identified in other studies. The report neither
considers other levels of government and civil society organisations, nor the role of
business.
Australia’s 5th implementation report highlighted targets under the direct control
of government, but does not discuss targets that require other stakeholders to take
effective action, where progress has often been uninspiring. Self-criticism (or even
reporting criticisms) is not provided.
Since the 5th report, a number of documents indicate a significant weakening of
Australia’s commitment to the specific obligations under the CBD. These are:

• Australia’s Strategy for Nature 2019–2030 addresses Australia’s Aichi


and SDG goals, highlighting these as “Australia’s National
Commitments”. Though laudable in themselves these targets have been
substantially self-designated, they fail to address many important
environmental governance commitments made under the CBD, and they
fail to address the many failures of governance that have been identified
in various reports (Commonwealth of Australia, 2019).
• Australia’s Sixth National Report to the Convention on Biological
Diversity 2014-2018. (2020). Commonwealth of Australia.
http://www.environment.gov.au/biodiversity/international/un-
convention-biological-diversity. That report does not address
implementation of the specifics of the CBD, focuses on self-identified
SDG and other metrics. Despite the specific detailed scientific data about
the deteriorating state of biodiversity contained in the national State of
Environment report (Cresswell and Murphy, 2017) and many other
reports, the performance review continues the pattern of failing to address
obvious and significant failings.
• the report of the Independent Review of the EPBC Act (Samuel, 2020)
provided a detailed critical review of the implementation and
effectiveness of the national biodiversity protection regime. It pointed to
many governance failings, and recommended major meta-governance
reforms. This included a streamlined structure for national and state
governance coordination, to be supervised using objective performance
standards and an independent national environmental protection
authority. The federal government has legislated to streamline national
and state arrangements to reduce red-tape, has failed to provide any
performance standards, and has rejected an independent supervisory
authority. Environmental commentators see this as reflecting the intention
to water down environmental protection, and a move away from
implementing Australia’s commitments under the CBD.

Australia does have much to be proud of in its legal, market and social
instruments. However, implementation (particularly resourcing) is insufficient to meet
the challenges. As Jackson et al. (2017, p. 57) note, the lack of a robust meta-governance
framework contributes to:

• lack of a cohesive policy and legislative framework that deals with the
complex and systemic nature of the issues to provide authority for actions
to protect and maintain Australia’s unique natural capital.
• poor collaboration and coordination across sectors, levels of government
(national, state and territory, and local councils) and managers (public and
private), over time.
• inadequacy of data and long-term monitoring.
• a lack of follow-though from policy to action.
• insufficient resources for environmental management and restoration.
• inadequate dealing with cumulative impacts.

5 BRAZIL’S META-GOVERNANCE OVERVIEW


In 2002, succeeding the National Biological Diversity Program (Decree no.
1.354/1994 - Pronabio), Brazil adopted a comprehensive National Biodiversity Policy
(Decree no. 4.339/2002) based on in force legislation, i.e. the Forest Code (at the time
Federal Law no. 4.771/1965, repealed by Federal Law no. 12.651/2012), the National
Environmental Policy (Law no. 6.938/1981), the National System of Conservation Units
(SNUC Law, Federal Law no. 9.985/2000), as well as incorporating posterior norms such
as the Biosafety Law (Law no. 11.105/2005), the National Strategy for Invasive Alien
Species (CONABIO Resolution no. 05/2009), the Native Vegetation Protection Law (Law
no. 12.651/2012 and respective National Plan of Native Vegetation Recovery (Decree no.
8.972/2017), the National Strategy for the Conservation of Threatened Species (MoE
Portaria no. 43/2013) and the Biodiversity Law (Federal Law no. 13.123/2015), between
many others important legal provisions. It is evident that the country has developed a
wide socioenvironmental governance system, but unfortunately it is not possible to reach
the same conclusion regarding how this complex system is managed.
Under the CBD, after approval of the 2011-2020 Strategic Plan by the Conference
of Parties 10 (COP-10), Brazil started a consultation process (Biodiversity Dialogue) that
led to the launch of representative forums to engage civil society, academia, public and
private institutions, federal, states and municipal governments to disseminate knowledge
and support decision-making about the internationalization of the Aichi Targets.
In 2017, Brazil adopted its current National Biodiversity Strategy and Action Plan
(NBSAP) establishing twenty goals based on five fundamental objectives (MoE, 2017).
The table below presents those objectives and related national goals:

Table 1- Summary of goals established by Brazil’ NBSAP for 2011-2020


Objectives National Targets
A- address the causes of 1- spread public awareness for biodiversity conservation and
biodiversity loss across sustainable use.
government and society 2- integrate the development planning and inequality reduction
strategies the biodiversity, geo-diversity and socio-diversity
values.
3- eliminate harmful subsidies to biodiversity and promote
positive incentives for conservation and sustainable use
activities.
4- create and implement plans for sustainable production and
consumption by public and private sector to reduce the
pressure on natural resources.
B- reduce the pressures on 5- reduce the loss of native habitats in all ecosystems by at
biodiversity and promote least 50% in comparison with 2009 rate.
sustainable use 6- manage and harvest sustainably all stocks of aquatic
organisms using an ecosystem-based approach.
7- disseminate and promote sustainable management practices
in extractive activities, agriculture, aquaculture and forest
sectors.

8- reduce pollution to levels that do not compromise


biodiversity and ecosystems functions.
9- fully implement a National Strategy on Invasive Alien
Species.
10- by 2015, mitigate multiple anthropogenic pressures on
coastal-marine ecosystems.
C- improve the status of 11- protect at least 30% of the Amazon, 17% of each of the
biodiversity by species, other terrestrial biomes, and 10% of the marine and coastal
genetic diversity and areas, through protected areas of all categories.
ecosystems conservation 12- reduce the risk of extinction of threatened species and raise
their conservation status, particularly of those most in decline.
13- reduce the loss of genetic diversity, preserving cultivated
plants, farmed and domesticated animals and of wild relatives,
microorganisms, including socio-economically and culturally
valuable species.
D- enhance the benefits to all 14- restore and preserve ecosystems that provide essential
from biodiversity and services and contribute to the health, livelihoods and well-
ecosystem services being, taking into account the needs poor and vulnerable
communities.
15- boost ecosystem resilience and the contribution of
biodiversity to carbon stocks through conservation and
restoration actions, including at least 15% of degraded
ecosystems, prioritizing the most degraded biomes,
hydrographic regions and ecoregions.
16- by 2015, implement the Nagoya Protocol.
E- enhance the 17- by 2014, update the National Biodiversity Strategy policy,
implementation through with effective, participatory and updated action plans, which
participatory planning, require periodic monitoring and evaluation.
knowledge and capacity 18- respect the traditional knowledge, innovations and
building practices of Indigenous peoples, family rural producers and
traditional communities and their customary use of biological
resources, in an integrated way and reflecting in the CBD
implementation, with effective participation of them.
19- by 2017, finish and publish the complete compilation of
existing records on aquatic and terrestrial fauna, flora
and microbiota through permanent and open access databases.
By 2020, improve and share the science base and technologies
necessary for enhancing knowledge, values, functioning and
trends, and the consequences of its loss, as well as support its
sustainable use and the generation of biodiversity-based
technology and innovation.

20- immediately after the approval of these targets, carry out


resources need assessments for its implementation, followed
by the mobilization and allocation of financial resources to
enable, from 2015 on, the effective implementation and
monitoring of the Strategic Plan for Biodiversity 2011-2020.
Source: Conabio Resolution no. 06/2013; MoE, 2017.

Although the Brazilian NBSAP presents a close relationship to Aichi Targets, the
national objectives and goals are insufficient to structure an adequate plan about how the
country will, in the short term, comply with the commitments of the CBD. These targets
should be less generic and more realistic, to be considered a reasonable strategy.
Despite this unambitious perspective, targets 17 and 20 represent a first step in
terms of achieving good meta-governance by setting indicators for monitoring the
achievement of these goals. However, most indicators were designed with a quantitative
approach which seems inadequate as a metric to represent the complexity of each goal.
For example, for targets 10 and 11, their progress is supposed to be assessed by the
number and area (km²) of federal and state protected areas, by type of use, and the ratio
(per cent) between the surface area covered by federal and state protected areas and the
total territorial area in each biome or region. Nevertheless, those indicators are
insufficient to evaluate the success (or not) of the management of the protected areas
system, in a qualitative sense.
Moreover, is must be highlighted that target 16 was completed late as Brazil has
only recently ratified the Nagoya Protocol (Legislative Decree No. 136, August 11th
2020), with a five-year delay. A similar situation occurred with target 17 with the NBSAP
only updated in 2017, three years late. In addition, the 6th National Report for the CBD
was only published on April 29th 2020 and its delivery was expected in December 2018.
In this sense, it is clear that these inefficiency failures have impacted the execution of the
scheduled for the last decade.
Whilst roles and responsibilities were defined, the administrative structure has
recently faced challenges due to issues of politics with regards to organization and human
resources. Implementation of the National Biodiversity Action Plan (MoE, 2005) and the
National Biodiversity Targets (NBSAP, 2017) are the responsibility of the Secretariat of
Biodiversity of the Ministry of Environment. The National Biodiversity Commission
(CONABIO) (created by Federal Decree no. 4.703/2003 and modified by Federal
Decree n. 4.987/2004), identifies priority areas for the conservation, sustainable use and
sharing of benefits from Brazilian biodiversity (see Federal Decree no. 5.092/2004 and
MoE Administrative Ruling no. 126/2004, updated by MoE Administrative Ruling no.
9/2007 and CONABIO Administrative Ruling no. 463/2018). Other public bodies have
responsibilities for biodiversity management, with the plan being part of the broader
National Environmental Policy (CONAMA). The CONABIO, however, has been dis-
established by Federal Decree no. 9.759/2019 that extinguished and limited the creation
of collegiate organizations at the Federal.
On the other hand, Brazilian Federal agencies have been re-organised around the
following functions: advice (legal, communication, institutional relations, internal control
etc.); management (international relations, forest and sustainable development,
biodiversity, environmental quality and ecotourism); normative/decision-making
(National Environmental Council - CONAMA, National Legal Amazon Council,
National Forestry Commission, Public Forestry Management Committee, Genetic
Heritage Management Council, Benefit-sharing Fund Management Committee etc.); and
executive (IBAMA, Chico Mendes Institute - ICMBIO, and Botanical Garden Research
Institute of Rio de Janeiro). The Secretariat of Biodiversity has Departments of
Conservation of Ecosystems, Conservation and Management of Species, Protected Areas,
Genetic Heritage and Support to the Genetic Heritage Management Council (established
by Federal Decree nº 9.672/2019). The Ministry of the Environment has 576 permanent
employees, 195 Environmental Trust positions and 142 outsourced staff, with 201
employees in the Forest Service within the Ministry of Agriculture (MoE, n.d.). States
and municipalities structure their biodiversity functions in various ways (consolidated
data on human resources is not available). Institutions are questioning the increase in
appointments of military professionals to important positions, responsible for decision
making in environmental policies (Camargo, 2020 and Spring a-b, 2020). These factors
have an impact on environmental democracy.
Reports identified that the country has progressed in environmental protection, but
rigorous policy implementation remains essential (OECD, 2015). However, recent
political statements undermine confidence in this (Atkins, 2018; Watts, 2019). In 2020,
for example, the Decree no. 9.806/2019 reduced the CONAMA’ composition,
suppressing the participation of representatives from the National Water Agency (ANA)
and the ICMBIO, as well as narrowing the participation of states and municipal
governments and civil society with few and rotative positions, while the participation of
certain economic sectors was consolidated with permanent positions.
In this sense, one of the few studies dedicated to a comprehensive assessment of
biodiversity and ecosystem services, published by Brazilian Platform on Biodiversity and
Ecosystem Services (BPBES), points to the biodiversity governance system as bipolar;
on one hand presenting strong and capable institutions, while facing infra-structure issues,
slow processes, ineffective actions and legal and social conflicts (Joly et al, 2019).
The resources allocated by Brazil for conservation of the environment continue to
be insufficient, particularly in recent years. Between 2013 and 2018, the budget for the
Ministry of the Environment fell from R$5 billion to R$3.7 billion. This is around one-
fifth of the Ministry of Agriculture’s and one-tenth of the Ministry of Mines and Energy
annual budget (WWF, 2018). Recently, those cuts occurred because of COVID-19
pandemic (Spring c, 2020). There is a great imbalance between government income from
exploiting natural resources and funding for environmental protection. Between 2008 and
2018, the Federal Government raised about R$400 billion from the extraction of water,
oil and other minerals while the budget to protect these resources was less than R$64
billion (WWF, 2018). This trend was also observed in states and municipalities’ budgets,
whose expenditure between 2008 and 2018 was about R$13.1 billion per year, with 42%
used in human resources and 25% in environmental investments. There are no consistent
approaches; for example, Sao Paulo city spends three times more than Pará state, which
is covered by the Amazon biome (WWF, 2018). The agency most affected by the 2018
funding cuts was the Chico Mendes Institute for Biodiversity Conservation (ICMBio),
responsible for protected areas. Its budget fell by 44% compared to 2017 levels (WWF,
2018).
According to Annual Budget Law (Federal Law no. 13.808/2019), the national
budget for the Ministry of the Environment is R$2.8 billion, of which R$1.7 billion is for
human resources and the balance to implement federal policies. In February 2019, this
budget was further reduced by 20%, hampering the following programmes: 95% for
climate change; 83% for solid waste management; 69% for biodiversity management;
26% for protected areas; 19% for research, species conservation and speleological
heritage; and 20% in fire control (Federal Decree no. 9.741/2019). After pressure from
society, the federal budget for environmental policies rose to R$3.128 billion, (Federal
Law no. 13.978/2020) and in 2021 it is estimated to be R$ 2.94 billion.
An important environmental initiative is The Amazon Fund established in 2008
by Decree no. 6.527. It is a worldwide Results-Based Funding instrument for Reducing
Emissions from Deforestation and Forest Degradation (Amazon Fund. (n.d.). Home. n.d.;
REDD+ Brasil, 2018). Its governance comprises two Committees (Guidance from state,
federal and civil society actors; and Technical support from science specialists) managed
by the Brazilian Development Bank, and independently evaluated (Amazon Fund,
Monitoring Evaluations, n.d). These recent changes made by MoE caused an impasse
with environmental agencies, civil society and the countries of Norway and Germany who
were the main donors to this fund (Amazon Fund, Donations, n.d.). A donation cut of
50% from Norway (MoE, 2019), was triggered by increased deforestation in the
Amazonian biome. An independent report about the outcomes of this fund points that its
governance requires improvement in procedures to make decisions faster and more
effective. It recommends increased innovation in financial, fundraising, partnership,
technological, commercial and management areas to overcome regulatory and
bureaucratic obstacles (Garcia et al., 2019).
According to the Brazilian National Institute for Space Research (INPE),
deforestation of the Amazon has increased since 2018 by 278%. (INPE, 2019). Pereira et
al. (2019) discusses the impacts of political influence on environmental policies and
Freitas et al. (2018) highlights reduced environmental standards triggered by amendments
to the New Forest Code of 2012. The issue has been discussed in the international political
arena (see European Parliament, 2019). A new study lifts the veil about other threats to
Amazon and Pantanal biomes, that is the persistent and uncontrolled fire which is
devastating biodiversity and habitats and will lead to a failure in meeting the obligations
of the UNFCCC - Paris Agreement, as well as under CBD (da Silva Junior, C. A. et al.,
2020).
Brazil’s 6th report on the implementation of environmental laws reproduces some
information provided by the 2017 NBSAP, adding that data collected during 2018
through a consultation process with 161 institutions about NBSAP implementation.
Overall, this report offers useful information, but (as is the case with the Australian
reports) put a ‘spin’ on government performance (Martin et al., 2016). From 20 national
goals, 9 were classified as ‘on track to achieve target’ (targets 1, 5, 7, 10, 11, 13, 16, 17
and 18), 10 were considered in ‘progress but at an insufficient rate’ (targets 2, 3, 4, 6, 8,
9, 12, 14, 15 and 20, which one approaches to the meta-governance issue) and only one
was measured as ‘on track to exceed target’ (target 19) (MoE, 2020).
There is no objective critique of the effectiveness of the National Biodiversity
Policy programmes, and scientific or management data to enable evaluation is very
limited. The Brazilian Biodiversity Information System (SiBBr) technical information on
the conservation and sustainable use of biodiversity resources is incomplete. This system
is managed by PNUD and financed under project ‘Technical Support to Eligible Parties
to Produce the Sixth National Report to the CBD (6NR - LAC II)’ with US$100,000.00.
The Biodiversity Portal (funded by Germany), which provides data from information
catalogued by ICMBio for protected areas and is based on the Atlas of Living Australia,
provides scientific data but does not address governance (ICMBio, n.d.). Studies by non-
government organisations (e.g. WWF, IUCN, SOS Mata Atlântica, Imazon and
Greenpeace) and by Brazilian and foreign scholars provide independent and largely
critical insights (e.g. Martin, Boer, & Slobodian, 2016). A dataset about relevant scientific
production regarding Brazilian biodiversity can be accessed from Global Biodiversity
Information Facility (GBIF, n.d.). Biota Project, focused on Sao Paulo State, has also
international projection on this concern (FAPESP, n.d.). Empirical analysis of
biodiversity governance is not available from these platforms. This subject is addressed
in general terms (e.g Moura, 2016) or with a specific focus (e.g. Martin, Leuzinger &
Silva, 2016).
The 2015 OECD Environmental Performance Review identified positive features
of Brazilian governance, including the creation of an environmental protection regime,
and comprehensive laws. However, it noted that implementation was inadequate, due to
economic weakness and inequality; fragmented institutions and insufficient coordination,
variations in the capacity of public institutions; the urban need for services such as water,
waste management and transport; large scale land clearing and habitat destruction; and a
lack of human resources for protected areas. The OECD recommended:

• rationalise the multitude of coordination bodies to improve policy


coherence.
• streamline environmental funds and monitor them for transparency and
efficiency.
• strengthen subnational implementation and enforcement capacity.

• develop a uniform system for environmental data, including on


environmental law implementation and economic aspects of environmental
policies.
• require strategic environmental assessment of territorial plans and
development programmes.
• clarify the environmental licensing procedures and build administrative
capacity.
• strengthen the capacity of environmental inspectors at all levels of
government and engage local communities in compliance monitoring.

Brazil has plans for protected areas as well as monitoring and combatting
deforestation under the SNUC Law. Its protected area categories include Permanent
Protection Areas and legal reserves (regulated by the New Forest Code of 2012), and
Indigenous and Traditional lands, pursuing interconnectivity, integration and
representation of ecosystems (Brazil’s National Target 11, Aichi Target 11). The
categories broadly serve the same functions as the IUCN Protected Area Categories, but
improvement is still needed. Management boards and by approved management plans are
often lacking (see Martin, Boer, & Slobodian, 2016, pp 33-50).
Brazil’s political compass has shifted away from advancing the interests of
Indigenous and other minority peoples and protecting biodiversity towards economic
growth. Institutional arrangements to protect biodiversity have been weakened, leading
to habitat clearing and incursions into Indigenous and Quilombola (Traditional) peoples’
lands. On 19 June 2019, 77 environmental law professors signed a public letter that
identified ten significant institutional changes that undermine Brazil’s environmental
governance arrangements. These include transferring environmental protection to
agencies with an economic use focus, reduced legal safeguards, downgrading
environmental monitoring, reduced funds, reduced protected areas and changing their
emphasis towards economic uses. These professors called on civil society, the legal
community and the judiciary and the National Congress to halt the erosion of biodiversity
protection (APRODAB, 2019).
Should Brazil de-prioritise its international environmental commitments,
biodiversity faces profound difficulties without significant international action. Legal
institutions face a culture of corruption and political compromise, with powerful
economic and political interests benefiting from natural resources exploitation. Recent
structural changes embed conflicts of interest within government organisations
responsible for biodiversity protection. The risk that biodiversity protection will fail is
high, and meta-governance safeguards are weak.
CONCLUSIONS
Though scholars may debate definitions of governance or what constitutes meta-
governance, governance always refers to systems to govern (alt. ‘control’, ‘direct’ etc.) a
social entity (e.g. government, corporation etc.) so that it operates efficiently and with
integrity to achieve its legitimate purposes. Good governance generally requires a formula
for focusing all efforts to achieve the purposes of the entity (a strategy), resources to
implement that formula managed within a rational structure that allocates roles and
responsibilities, accountability and transparency to ensure efficiency and integrity, and
management of risk. Corporations and public agencies are also expected to ensure
stakeholder participation and transparency. Unlike Australia, Brazil there is gap in the
reports which are focused on the evaluation of country´s performance in the
implementation of its environmental governance system. Meta-governance is the
oversight and improvement of all these elements of good governance in both countries.
Australia and Brazil’s biodiversity institutions involve complex public and private
rules and organisations, strategies and policies, incentives and supports. On one hand,
empirical evidences suggest a commitment to CBD in the normative sphere. On the other
hand, they also show that the performance of respective systems is not protecting the
natural heritage. Every biodiversity challenge involves complex socio-ecological
dynamics with many actors and changing contexts; distinct governance approaches
(including many laws, administrative and private rules) are used; implementation of
governance arrangements is limited by insufficient science and resources (human and
financial) and socio-political complexities; and the outcomes are variable (at best) and
unsatisfactory (generally).
There are gaps in adopting international commitments, notably the absence of
strategies for non-government actors (particularly the business sector) or with subordinate
governments, and a failure to align economic incentives and to ensure economic and
human resources for implementation. Ratified international instruments that contain
environmental principles (i.e. the precautionary principle and the recognition of minority
interests in nature) had driven the adoption of these principles into local law. However,
their translation into the practice has been weakened by the administration or judicial
interpretation. Robust meta-governance would make it transparent whether these
principles have been effectively adopted into local laws, policies and programmes.
Both countries use many instruments and programmes, and much useful work and
substantial investment has occurred. Without this, biodiversity loss would have been far
worse. The three levels of government in each country have agencies, rules and
programmes to manage the use or conservation of biodiversity. However, neither country
has adequate coordination and harmonisation, and both lack robust and transparent
evaluation of national, state and local programmes. In both countries, confidence in
environmental governance has sometimes been shaken by indications of weak integrity
in public agencies. Coordination and integrity are aspects of implementation where better
supervision would give confidence to the community and contribute to effective
governance.
Underperformance is often because there are not enough resources for public
agencies, business or civil society organisations to do what is needed. A lack of private
incentives to invest in protecting biodiversity adds to this problem. Neither country has
made a serious attempt to systematically address these problems. Though it is unrealistic
to believe in a simple solution, there is a strong case for tackling these fundamental
economic-ecological governance problems. This includes the assumption that it is
feasible to orient socioeconomic development in a sustainable way, however it requires
governance choices expressed by norms that are based on political positions, whose
construction demands substantial public participation.
This chapter highlights that biodiversity governance in both countries has many
failings. There are many ‘wicked problems’, but some are conceptually straightforward
even if difficult in practice to deal with. No international or domestic body has meta-
governance responsibility, which makes it easier to ‘paper over’ serious problems. This
reduces the impetus towards effective solutions and desperately needed improvement in
biodiversity governance.
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ACCELERATING IMPLEMENTATION OF THE
SDGS TO AVERT THE «NEXT» PANDEMIC: «ONE
HEALTH»

ACELERANDO A IMPLEMENTAÇÃO DOS ODS


PARA EVITAR A “PRÓXIMA” PANDEMIA: “POR
UMA SAÚDE”

Nicholas A. Robinson *

INTRODUCTION
COVID-19’s crash course on coping with a pandemic is providing everyone and
each country with shared experiences. As the disease destroys, it also creates the basis for
a global partnership: we share one biosphere, one Earth, one health. We also are unsure
what awareness should means. Fears and inexperience breed divisiveness and an angst
over our inept efforts to cope. We long for common pathways out of this miasma of
infections. Disparate national responses to COVID-19 sidetrack efforts to coalesce
around the UN Sustainable Development Goals (SDGs) in order to cope with the
pandemic. Government responses to COVID-19 show that appeals for cooperation alone
are insufficient to “beat” a virus that is everywhere. Can adopting a uniting “theme”
galvanize more coordinated and effective action? The SDGs do not explicitly address
pandemics. Yet this pandemic offer an urgent opportunity to link the different SDGs
behind the shared objectives of containing COVID-19 and averting the “next” pandemic.
Attending to immediate crises around COVID-19 has frustrated efforts to
attain the SDGS by 2030. Some commentators estimate that the pandemic has set back

*
University Professor for the Environment, Pace University, New York. Chair Emeritus of the IUCN World
Commission on Environment Law.
implementation severely, and suggest two-thirds of the SDGs indictors cannot be met. 527
Others see the success of the former Multilateral Development Goals (MDGs) as the best
evidence that international cooperation can rally to attain the SDGs by 2030. When
governments rally behind a theme, such as the UN Decade of Ecological Restoration
(2021-2030), they can muster support for action on related SDGs. 528 There are numerous
sub-themes that foster implementation of the SDGs. 529 This chapter envisions “One
Health” as such a motivational theme linking the SDGs through the lenses of pandemics.
Ecological restoration is essential if the world is to avert future pandemics, as John
Robinson and Federica Pesca explain in their chapter on SDG 15. This is because
infectious diseases emerge from areas where unsustainable development has disrupted
nature health. In the process of zoonosis, viruses are shed and infect humans. 530 The
SDGs are essential to restoring sustainable patterns of human behavior with nature and
each other. Without implementing the SDGs, there is little likelihood that nations can
avert the “next” pandemic.
Today the “next” pandemic is silently among us, hiding in plain sight, but unseen.
When it comes to emerging infectious diseases, we face a Hobson’s choice: either endure
another pandemic or cooperate to avert the next pandemic. One way to organize
international cooperation through adopting an umbrella policy for a set of thematic
practices world-wide. A thematic focus can coordinate and advance implementation of
the SDGs because it is grounded on fundamentals: all parts of the world share the same
issues of human, animal and ecosystem health can motivate additional efforts to realize
the SDG. It is also driven by common fears about and hopes to escape such pandemics.
By harnessing these anxieties and aspiration, a focused theme for “One Health” can
leverage and accelerate resources into attaining the SDGs. 531

527
Robin Naidoo and Brendan Fischer, “Sustainable Development Goals: Pandemic Reset,” Nature, VOL.
583, pp. 198-201 (9 JULY 2020).
528
For this Decade, the SDGs most often refenced are 1, 2, 6, 7, 12, 13, 14, 15, and 17.
529
See https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/new-un-decade-ecosystem-
restoration-offers-unparalleled-
opportunity#:~:text=%20New%20UN%20Decade%20on%20Ecosystem%20Restoration%20offers,food
%20systems%20can%20be%20the%20common...%20More%20 . For example, for the Food and
Agriculture Organization (FAO) sustainable food systems are a common thread connecting the many SDGs.
FAO is responsible for 21 of the Sustainable Development Goals’ indicators and is a contributing agency
for a further four. In this capacity, FAO is supporting countries’ efforts in achieving both the 2030 SDG
Agenda and the Decade of Ecological Restoration.
530
David Quammen, Spillover – Animals Infections and the Next Human Pandemic (2012).
531
The promise for this sort of “One Health” theme, averting pandemics, can be noted briefly for each
SDG: Goal 1. End poverty in all its forms everywhere (Disease both afflicts the poor more severely than
This chapter explores how expectations about “One Health” might emerge to drive
implementation of the SDGs before 2030. Embracing “One Health” will not be easy. The
prognosis for moving its precepts from the periphery to the core of governmental
decision-making is problematic. Its success depends on SDG 4 and education about how
infectious diseases emerge, on enlightened self-interest, and on invoking ethical roots
and human instincts about caring for nature. In coming years, “One Health” can mature
into a global partnership as contemplated in SDG 17, and become an evolved norm for
our times. Humanity has no other choice, beset as we are with more pandemics,
unfathomable losses in biodiversity, unpredictable impacts from climate disruption.

others, and perpetuates poverty). Goal 2. End hunger, achieve food security and improved nutrition and
promote sustainable agriculture (infectious zoonotic diseases spill over from unsanitary agricultural and
food practices). Goal 3. Ensure healthy lives and promote well-being for all at all ages (Emerging infectious
diseases are on rapidly increasing, and pandemics disrupt all healthcare). Goal 4. Ensure inclusive and
equitable quality education and promote lifelong learning opportunities for all (without education at all
levels, ignorance will perpetuate the spill-overs of new infectious diseases). Goal 5. Achieve gender
equality and empower all women and girls (emerging infectious diseases strike the young and old, and
exacerbate gender inequality). Goal 6. Ensure availability and sustainable management of water and
sanitation for all (when 2 billion people lack soap and clean water, they cannot wash away the infectious
viruses, which can still then spread world-wide). Goal 7. Ensure access to affordable, reliable, sustainable
and modern energy for all (infectious diseases deplete the trained personnel needed for sustainable energy
systems). Goal 8. Promote sustained, inclusive and sustainable economic growth, full and productive
employment and decent work for all (pandemics close down economies and put people out of work). Goal
9. Build resilient infrastructure, promote inclusive and sustainable industrialization and foster innovation
(infectious diseases undermine resilience and deplete the trained personnel needed for sustainable
industrialization). Goal 10. Reduce inequality within and among countries (pandemics undermine well-
being of all countries, and perpetuate or exacerbate existing inequality). Goal 11. Make cities and human
settlements inclusive, safe, resilient and sustainable (infectious diseases spread rapidly in cities and make
them unsafe and unsustainable). Goal 12. Ensure sustainable consumption and production patterns
(pandemics disrupt all patterns, but leave rich countries comparably better to continue unsustainable
practices). Goal 13. Take urgent action to combat climate change and its impacts (climate change disrupts
all efforts to avert or cope with pandemics). Goal 14. Conserve and sustainably use the oceans, seas and
marine resources for sustainable development (health of coastal and marine natural resources is tied to
terrestrial ecosystem integrity, key to averting zoonotic spill-overs). Goal 15. Protect, restore and promote
sustainable use of terrestrial ecosystems, sustainably manage forests, combat desertification, and halt and
reverse land degradation and halt biodiversity loss (without restoring nature’s heath humans cannot avert
pandemics). Goal 16. Promote peaceful and inclusive societies for sustainable development, provide
access to justice for all and build effective, accountable and inclusive institutions at all levels (social justice
is essential to community cooperation to cope with and avert pandemics). Goal 17. Strengthen the means
of implementation and revitalize the global partnership for sustainable development (themes for a global
partnership can include “One Health”). How the thematic approach of “One Health” builds collaboration
across the SDGs to avert pandemics is highlighted throughout this chapter.
1 PAST PANDEMICS PRECURSORS TOWARD “ONE HEALTH”
The “One Heath” leitmotif already permeates such diverse fields as veterinary
science, medicine, ecology, environmental law, and ethics. It is a thread that runs, largely
still unacknowledged, through each of the SDGs. All governments currently have in
place the policies and tools for implementing “One Health” albeit not yet deployed to
avert newly emerged infectious diseases. As the SARS-CoV-2 virus upends many
dimensions of human civilization, there are opportunities to advance “One Health”
through the agreed SDGs. Can human society rise to the occasion? What do the legacies
of past pandemics suggest is likely? What will COVID-19 bequeath?
How our global society copes with the pandemic coming after COVID-19 will
determine how our descendants will remember us years from now. Do these verses by
John Gower ring true?

“The world is changed and overthrown,


That is well-nigh upside down,
Compared with days long ago.”

Gower wrote eight centuries ago. Mentor and friend of Geoffrey Chaucer, Gower
served two kings as England’s poet laureate. He lived through the Great Pandemic of
the 1348, a bubonic plague which rats carried to humans and which continued into the
1390s. He witnessed English society descend into civil strife and misery, lacking means
to cope with the disease. Yet throughout his poetic art lifted the human spirit.
Perhaps conveniently, humanity’s collective memory forgets the horrors that
historians have recorded about past pandemics. COVID-19, shared with us from bats, was
not the first nor will it be the last pandemic humans experience. Remember the Brucellosis
infections from cows igniting “The Plague of Athens” (430-426 BCE), or the Antonine
Plague of 172 killing one of every ten persons in the Roman Empire, or the colonial
pandemics that European Conquistadors brought to the Americas killing millions of
indigenous people in the 15th-17th centuries, or the Great Smallpox Epidemic during the
American Revolutionary War (1775-82), or the bubonic “Third Plague Pandemic” in
China (1855), or the Russian Flu Pandemic (1889-90). Although popular knowledge of
former plagues fades, their persist in cultural memory.
The imagery of feared contagions is embedded in folk lore and custom. The
skeletal specter of Pestilence & Death rides on as one of the Biblical four horsemen of
the Apocalypse from Revelations. The Pied Piper beguiles still from the “Great Plague”
in 1361 that targeted young children. The plague, pictured as a Piper, first kills the rats
before luring off the children to their deaths, eventually killing upwards of one-third of
all Europeans. Pandemics left popular contrivances to cope. As The Great Plague hit,
Venice isolated visiting sailors on a nearby island, for 40 days – quaranto. Eight centuries
later, the quarantine remains each county’s #1 defense against raging epidemics. More
recently, recollections of the 1918 Influenza Pandemic, originating in Kansas and killing
many more than died in World War I, is supplanted by memories of the “Great War.” The
1918 “flu” virus took up residence among humans, who prosaically learned to live with
“the common cold” and their annual “flu shots.”
But as Gower’s poetry attests, human creativity persists. During the plague year
of 1665, when Cambridge University was temporarily closed, the student Isaac Newton
self-isolated at his family home in rural Woolsthorpe, where he made his discoveries
regarding gravity, planetary motion, optics and calculus. During today’s COVID-19
pandemic, our descendants may come to recall discoveries in virology or insights in the
search for vaccines. Will we be remembered as the good ancestors who united nations
around “One Health” as an agreed custom and cultural meme?
Admittedly, the COVID-19 crises of the moment distract from and obscure the
roles that SDGs can serve. But when the world is upside down and overthrown,
receptivity is great for finding any effective and easily understood ways to restore social
stability and order, as SDG 17 contemplates. Anxiety to avert another pandemic like
COVID-19 can awaken decision-makers to their choices, including cooperating under the
banner of “One Health”. Any vaccine for COVID-19 will likely not provide a defense
against other coming pandemics, whose viruses quietly circulate among us already.
Having uprooted settled practices everywhere, COVID-19 offers windows of opportunity
to establish the SDGs as foundations for managing sustainably those new infectious
diseases that are emerging from the animal kingdom. It is in our collective self-interest to
act now.
2 THE SENSE OF “ONE HEALTH”: COPING WITH ZOONOSIS
How might “One Health” rally the SDGs to prevent future pandemics? Infectious
diseases like COVID-19 emerge through zoonosis, the sharing of the same diseases by
humans and mammals. Many illnesses afflict alike humans and wild or domesticated
animals, such as tuberculosis. Assorted bacteria or viruses compatibly abide with
mammals. Each person’s body comfortably hosts more microbes than it has human cells.
An individual’s microbiome accounts for about three pounds of body weight. Wild and
domesticated animals are also hosts for many microbes. When an animal can no longer
serve as a heathy host for these microbes, it sheds bacteria and viruses, which can then
infect a new host. Humans are infected either directly, as when handling animal meat, or
indirectly through intermediate vectors such as other animals or insects like ticks and
mosquitos. 532
Humans first learned about zoonosis through contacts with domesticated animals.
To their credit, veterinarians first urged an approach to humans and animal health base
upon a partnership with medical physicians and public health specialists. Advocates of
this initial animal/human variant of “One Health” have scoped out a collaboration by
which epidemiologists pinpoint how and where an animal infects a human, and
governments and animal/human health specialists build capacity to contain the outbreak
in the field, limit human to human transmission, and find treatments for ill patients, and
start the vaccine search. This initial articulation of “One Health” is practical and
instrumental.
This variant of “One Health,” however useful, does not get to the heart of the
problem, which is preventing the zoonotic spill-over of an infectious disease from an
animal in the first place. Coping with new pandemics requires a more holistic framework,
engaging with stakeholders from other disciplines. In “Aëre, Aquis et Locis” (Air, Waters
and Places/Land) Hippocrates in 400 BCE anticipated both medicine and human
ecology. In succeeding centuries, these two embryonic fields parted ways. But
Hippocrates’ early insights carry weight. Health entails a wider focus than just medical
concerns for treating illnesses that can infect humans and animals alike. Zoonotic diseases
emerge from the animal kingdom, the terrain of countryside, the lands and places of

532
See, generally, Michel T. Osterholm and Mark Olshaker, Deadliest Enemy (2017).
biodiversity. Stewardship of ecosystems and biodiversity is an essential part of “One
Health.”
Conservationists, indigenous peoples, and protected area managers are partners
too. The legal profession is essential too, since the groundwork of environmental laws
already serves “One Health” objectives.
If “One Health” is to encompass multiple stakeholders beyond the medical
professions, it will do so by making explicit the ethical links that bind them together in a
“One Health” perspective. While microbes lack consciences, humans are moral animals.
For “One Health” to succeed, it must be embedded in environmental justice and equity
among peoples. Ultimately care for the health of nature and the biosphere is a moral
imperative. Public acceptance of “One Health,” and funding to advance it, will not
advance based only on scientific rationales or utilitarian benefits of collaboration among
health professionals. “One Health” is likely only to succeeds when it nestles into the
ethical precepts of Thomas Berry, 533 Edward O. Wilson, 534 or Aldo Leopold. 535
Governments at all levels cannot safely defer implementing a holistic “One
Health” framework as we watch the “next” pandemic emerge. Since it is not a question
of if a new pandemic will emerge, but only a question of when, much is at stake. For
example, six months into the COVID-19 pandemic, the US National Academy of
Sciences published a report entitled “Prevalent Eurasian avian-like H1N1 swine influenza
virus with 2009 pandemic viral genes facilitating human infection.” 536 Humans working
on pig farms are infecting other humans in China with a new virus. Pre-existing
immunities appear ineffective against this new infection. The report found that Its
“infectivity greatly enhances the opportunity for virus adaptation in humans and raises
concerns for the possible generation of pandemic viruses.” 537 This new G4 EA H1N1
virus us spreading among humans in parallel with a raging animal pandemic of African
swine fever virus (AFS). AFS is forcing Asians to kill their domestic pig herds. AFS is
now in 17 European nations and threatens to spread across all continents. No one knows
now how to contain the AFS Pandemic among animals. The AFS pandemic in
domesticated pigs also threatens extinction of the remnant wild pig populations in Asia.

533
See, e.g. Thomas Berry, The Great Work: Our Way Into the Future (2000).
534
See, e.g. Edward O. Wilson, Biophilia (1986) and Half Earth (2017).
535
See, e.g. Aldo Leopold, Sand County Almanac (1945).
536
See https://www.pnas.org/content/117/29/17204 .
537
Ibidum.
Even if public health systems can contain the spread of novel coronavirus G4 EA
H1N1, as Ebola has been contained for the moment in Africa, there is always another
infectious disease emerging. For the foreseeable future, our reality is to live in an era of
escalating numbers of zoonoses. “One Health” guides governments to realign their
programs for ecological wellbeing to include management of diseases and infections that
naturally are transmitted between vertebrate animals and humans.

3 INCREASING FREQUENCY OF INFECTIOUS DISEASES: NEW


PANDEMICS AT OUR DOORSTEP
The frequency of animals shedding viruses onward to humans in on the increase.
Zoonosis accounts for 61% of all human diseases and 75% of the new infectious diseases
of the past decade.538 Why is this so? Have not humans experienced occasional pandemics
for millennia? The answer is evident, considering how pervasively humans now disrupts
the ecosystems and displace wild animals. When the Plague of Athens raged or the
Roman Empire fell, Earth held only some 190 million people. When Gower wrote, the
13th Century’s Great Plague killed 200 millions of Earth’s then one-half billion
inhabitants. By the middle of the 20th century, Earth’s population was doubling between
1950 and 1987, from 2.5 to 5 billion people. Demographers estimate that Earth will hold
8 eight billion in 2024. The biomass of humans today is estimated to be 10 times that of
all wild animals. If trends continue, theoretically there could be 9 billion in 2038, 10
billion in 2056, and 11 billion in 2088. There are plenty more humans to host viruses and
bacteria.
In the wake of Human population growth, homo sapiens negatively impacts
biodiversity. 20% of the Amazon forests have been lost in the past five decades. Humans
grub out forest habitats to harvest timber and minerals, expand agriculture, or invest in
development, with scant attention to the fate of wild animals. Half the world’s ecosystems
are degraded. Populations of mammals, birds, fish, reptiles, and amphibians have, on
average, declined by 60% between 1970 and 2014. Dislodged from healthy habitats,
distressed animals shed their microbes. Zoonotic spill-over is ever more frequent. Of the

538
World Health Organization. See https://www.who.int/zoonoses/diseases/en/ . See also Eastern
Mediterranean Regional Office of the World Health Organization, “Zoonotic disease: emerging public
health threats in the Region,” at http://www.emro.who.int/fr/about-who/rc61/zoonotic-diseases.html
millions of viruses yet to be studied, perhaps some 700,000 viruses are capable of
zoonosis. There are doubtless many spill-overs to come because the interface between
humans and animals has never been greater.
To cope with zoonotic spill-overs, “One Heath” will need to differentiate
roles for action in each of the three stages of new infectious disease emergence in natural
settings:
(1) The pre-emergent stage is when animals live within healthy
ecosystems. When nature is protected, microbes are stable within their wild animal
reservoirs. A healthy habitat dilutes the risk of spill-overs and human infections because
microbes have less exposure to humans. In an intact ecosystem, predators of small
mammals keep in check the numbers of wild animals that host microbes. Nature
conservation is chronically under-funded and there is no “One Health” funding yet for
this phase.
(2) The second stage is emergence, the spill-overs resulting from disruptions to
wildlife. Humans disrupt animal habitats in much of what they do, such as building new
human settlements and roads, clearing land for commercial development and agribusiness
plantations, commercial hunting and marketing of wild animals killed for food, harvesting
timber, or mining and other natural resources extractions. Encroachments into natural
areas disrupt intact ecosystems, fragmenting habitat. Humans find increased numbers of
animals with microbes living in their midst. Few, if any, governmental resources are
devoted to the health of wild animal habitats to avert or contain spill-overs.
Environmental laws are available to manage environmental quality, such as requiring
environmental impact assessments, but they are rarely deployed to address zoonosis.
Governmental capacity in this second stage is weak. There is little funding for
surveillance and nearly two-thirds of laboratories capable of identifying zoonotic diseases
are in developed nations, with virtually none in the developing countries where many
zoonotic disease are emerging. “One Health” funding barely exists in this phase.
(3) The third phase, after the spill-over, is rapid spread of the disease among
humans, as in the 2003 epidemic of SARS, or as a Pandemic. In this phase, travel and
trade expand the person-to-person infections world-wide, as in the 1918 Influenza
Pandemic, or the still on-going HIV/AIDS or COVID-19 pandemics. Governments
concentrate most of their financing for health care and containment of pandemics in this
phase.
Lyme disease illustrates the importance of sustaining healthy ecosystems.
Probably for centuries, the microbes responsible were in living in wild animal hosts in
this pre-emergent stage. Suburban sprawl after World War II displaced fields, woodlots,
wetlands, and other natural areas. The countryside no longer sustained native predators
and small mammals proliferated, began living amidst humans, enabling spill-overs. In the
1970s the disease was identified in Connecticut. Later In 1982 ticks were identified as
disease vector conveying a bacterium, a spirochete, to infect humans. This emergent
second phase became well documented. Since then the incidence of Lyme disease keeps
growing, with over 400,000 new cases annually. It is now found in all states except
Hawaii. In this third phase, there is no definitive cure for individuals suffering from late-
stage Lyme disease. 539
Preventative measures to find and fend-off the COVID-19 pandemic in its Phase
2 arrived too little, too late. In February of 2018, the World Health Organization (WHO)
called for enhanced surveillance to detect next global zoonotic threat, which it labeled
virus “X.” 540 In 2012, The Lancet had published a series on preventing pandemics,
emphasizing prediction and prevention of the next pandemic zoonosis. 541 In March of
2019, WHO and OiE, the World Organization for Animal Health (formerly Office
international des epizooties), which since 1924 has led international cooperation on
containing zoonoses in farmed and traded animals, joined with the UN Food &
Agricultural Organization (FAO) to publish their “One Health” recommendations in the
“Tripartite Guide To Addressing Zoonotic Diseases in Countries.” 542 This Guide focuses
on cooperation between veterinary and public health authorities, and promotes a “One
Health” approach for establishing cooperation between agencies responsible for
agriculture, food markets, domestic animals and human health. SARS-CoV-2 spilled over
to humans before any of these preventative measures could be implemented.

539
See, e.g. the research of the Cary Institute for Ecosystems Studies, Millbrook, New York, at
https://www.caryinstitute.org/our-expertise/disease-ecology/lyme-tick-borne-disease .
540
WHO issued a watch for a new disease, which came to be seen as SARS-CoV-2; see NY Times, at
https://www.nytimes.com/2020/02/27/opinion/coronavirus-pandemics.htmlissud a watch for a new disease
541
The Lancet (2012) series, at https://www.thelancet.com/series/zoonoses .
542
WHO, FAO OiE, Tripartite Guide To Addressing Zoonotic Diseases in Countries
at ttps://www.who.int/docs/default-source/emergency-preparedness/22211602-tzg-flyer-en-
web.pdf?sfvrsn=1ac04d45_2 (2019).
Preventative measures depend on collaboration across disciplines and agencies.
Proposals to establish close collaboration between veterinary science and human
medicine date back to 1964 when Dr. Calvin Schwabe, a pioneer of veterinary
epidemiology, 543 posited “One Medicine” to unify the science of health and disease in
light of the commonality of human and veterinary health interests. “One Medicine”
became the basis for the veterinary/public health understanding of “One Health.”
As new zoonotic infectious diseases emerged, such Hendra (1994) or Nipah
(1998), there were further calls for cooperation between animal and human health sectors.
After the SARS epidemic in 2003, the Wildlife Conservation Society launched in 2004
a “ONE WORLD, ONE HEALTH” proposal, with the “Manhattan Principles” for
wildlife health. 544 Cooperation among health sectors has progressed haltingly. Most
public health departments lack collaboration with veterinary specialists. Financing is
inadequate. Between 2009 and 2019, the University of California at Davis operated its
PREDICT project, which worked in 30 countries, to detect 949 novel virus species from
164,000 samples of wildlife, livestock, and humans. 545 US AID funding for PREDICT
terminated just as COVID-19 emerged, and has not been renewed. 546 Since 99% of the
wildlife virome remains to be identified, even if adequately staffed and funded globally,
surveillance remains a daunting task.

4 “ONE HEALTH” FOR ALL PHASES OF EMERGING


INFECTIOUS DISEASE
For the foreseeable future, the only one way most likely pervasively to avert new
pandemics is to keep wild nature healthy in the first place, thereby minimizing spill-overs
of emerging infectious diseases. This is the approach for the pre-emergent Phase One of

543
Biography at
Schultz MG, Schantz P., Emerg Infect Dis. 2011;17(12):2365-2367.
https://dx.doi.org/10.3201/eid1712.110484
at https://wwwnc.cdc.gov/eid/article/17/12/11-0484_article
544
See https://oneworldonehealth.wcs.org/About-Us/Mission/The-Manhattan-Principles.aspx .
545
See Karl Gruber , “Predicting Zoonoses, ” Nature Ecology & Evolution volume 1, Article number: 0098
(23 March 2017), DOI https://doi.org/10.1038/s41559-017-0098 .
546
Emily Baumgaertner and James Rainey, “Trump administration ended pandemic early-warning program
to detect coronaviruses,” Los Angeles Times (April 2, 2020) at ttps://www.latimes.com/science/story/2020-
04-02/coronavirus-trump-pandemic-program-viruses-detection .
emerging infectious diseases, to prevent future pandemics, SDG 16. At present, however,
the medical “One Heath” focuses principally on Phases two and three, which align with
SDG 3 on health and SDG 2 on food safety. It also has not found its links to the other
SDGs. The alliance between human medicine and animal veterinary medicine so far
addresses the detection of disease in Phase 2 and then largely the Phase Three issues of
pressing mutual scientific and public health concerns. This veterinary/medical “One
Health” approach ignores a century of nature conservation accomplishments, practices
and laws that restore or sustain the health of wild animals and their natural habitats.
Since 1948, the International Union for the Conservation of Nature (IUCN) has
provided the focus for nature conservation world-wide. It is unmatched in its members’
multi-disciplinary expertise on preservation of ecosystems and habitats. Protected natural
areas invariably were “saved” only after experiencing threats or disruptions. IUCN’s
members are responsible for nature conservation at all levels of government, through
national, state, and local parks, wildlife refuges, wilderness areas, wildlife migration
corridors, conserved wetlands, forests and other biomes. Protected areas have kept wild
nature healthy across vast areas of the planet. These stewards of natural areas already
manage, de facto, the interface between animals and humans, minimizing spill-overs of
zoonotic diseases. IUCN has led establishment of international agreements to back up
national conservation,547 such the UNESCO World Heritage Convention, 548 the Ramsar
Convention of Wetlands of International Importance,549 the Bonn Convention on
Migratory Species, 550 or the Convention on Biological Diversity. 551 These agreements
are key anchors for attaining SDG 15, and feature significantly in the Decade of
Ecological Restoration.
The “One Health” divide between a veterinarian/public health focus and the nature
conservation sector also surfaced in June of 2020 when the UN Environment Programme
(UNEP) issued its own zoonosis guide, “Preventing the next pandemic - Zoonotic

547
On IUCN’s role see Barbara Lausche, Weaving A Web of Environmental Law (2008) at
https://portals.iucn.org/library/node/9235
548
1972 World Convention Concerning the Protection of the World’s Cultural and Natural Heritage, at
http://whc.unesco.org/en/conventiontext/ .
549
1971 Ramsar Convention on Wetlands of International Importance, at
https://www.ramsar.org/sites/default/files/documents/library/scan_certified_e.pdf
550
1979 Bonn Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals, at
https://www.cms.int/en/convention-text
551
1992 UN Rio de Janeiro Convention on Biological Diversity, at https://www.cbd.int/convention/text/ .
diseases and how to break the chain of transmission.” 552 UNEP focuses primarily on the
health of domesticated animals in close contact with people. UNEP’s guide oddly
neglected both the assessments in UNEP’s Global Environmental Outlook (GEO-6) on
global crisis in biodiversity, 553 and the third UN Environment Assembly’s Resolution 4
of 2017, 554 that endorsed the united, holistic approach to “One Health” to address
zoonotic risks and biodiversity conservation. UNEP and IUCN collaborate closely, but
do not yet join forces to cope with zoonotic spill-overs in the wild.
For its part, IUCN has been too parochial in focusing on nature conservation
without addressing zoonosis. The IUCN’s lack of strategic collaboration is short sighted.
The Intergovernmental Science Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services
(IPPES), 555 akin to the Intergovernmental Panel on Climate Change, last year reported
that zoonotic diseases are significant threats to human health, requiring stronger
protection of nature as in Zoonosis Phase One. IUCN has yet to include pandemic
prevention among its traditional conservation missions, although it would have much to
contribute. 556 For example, IUCN’s World Commission on Environmental Law has
unmatched expertise on the environmental laws in each nation to manage the human
interface with nature and avert zoonotic spill-overs. 557 IUCN’s World Commission on
Protected Areas in pre-eminent in its expertise on protected natural areas, and has long

552
UN ENVIRONMENT PROGRAMME (6 JULY 2020), “PREVENTING THE NEXT PANDEMIC -
ZOONOTIC DISEASES AND HOW TO BREAK THE CHAIN OF TRANSMISSION” AT
HTTPS://WWW.UNENVIRONMENT.ORG/RESOURCES/REPORT/PREVENTING-FUTURE-
ZOONOTIC-DISEASE-OUTBREAKS-PROTECTING-ENVIRONMENT-ANIMALS-AND .
553
UN Environment Programme, Global Environmental Outlook 6 (4 March 2019), at
https://www.unenvironment.org/resources/global-environment-outlook-6
554
UN Environment Assembly, UNEP/EA.3/Res., 4 (2017), which in Part III on Biodiversity decided as
follows:
“23.Recognizesthat biodiversity loss is a health risk multiplier, including by aggravating environmental
challenges, and underlines in addition the benefits for health and well-being in protecting and restoring
biodiversity, ecosystems and their services;
“24.Also recognizes that human, animal, plant and ecosystem health are interdependent, and emphasizes in
that regard the value of the “One Health” approach, an integrated approach that fosters cooperation between
environmental conservation and the human health, animal health and plant health sectors;
“25.Encouragesmember States and invites relevant organizations to mainstream the conservation and
sustainable use of biodiversity to enhance ecosystem resilience, including by taking actions to halt
biodiversity loss, and to promote coordination between policies and actions aimed at improving biodiversity
conservation, food safety and human health as an important safeguard for current and future health and
human well-being focusing on relevant sectors;…” See
http://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/31019/k1800154.english.pdf?sequence=3&isAllo
wed=y
555
See https://ipbes.net/ .
556
See https://www.iucn.org/ .
557
See https://www.iucn.org/commissions/world-commission-environmental-law .
recommended use of buffer zones to curb human interface with wildlife habitats. 558 In
2014, IUCN’s Species Survival Commission published “Guidelines for Wildlife Disease
Risk Analysis” with OiE, focusing on human-wildlife and domestic animal-wildlife
interactions. The narrow scope of this Guide, prepared without input from IUCN’s
Commissions on Environmental Law or Protected Areas, limits its use addressing the
massive ecological impacts on biodiversity. 559 More expansive collaboration is
warranted.
The pathway to unite these still disparate sectors was charted in November of
2019, when the German Foreign Office and the Wildlife Conservation Society (WCS)
unveiled a holistic approach to “One Health” through the “Berlin Principles.”560 They
urged an ecosystem approach with integration across all sectors. They posit one
fundamental premise “Recognize and take action to: retain the essential health links
between humans, wildlife, domesticated animals and plants, and all nature; and ensure
the conservation and protection of biodiversity, which interwoven with intact and
functional ecosystems provides the critical foundational infrastructure of life, health and
well-being on our planet.” This is the holistic “One Health” concept, that is congruent
with the universality of the SDGs.
International agreement on such a holistic concept of “One Health” can provide
the foundation for restoring international cooperation to cope with COVID-19 and other
emerging infectious diseases.561 Governments can deploy their existing environmental
law regimes to implement “One Health” promptly. Governments could implement the
2017 recommendations of the United Nations Environment Assembly, which stressed
that “biodiversity loss is a health risk multiplier” and urged governments to “mainstream
the conservation and sustainable use of biodiversity to enhance ecosystem resilience.” 562
Once governments appreciate how human, animal, plant and ecosystem health are all
interdependent, they will find that managing zoonotic spillovers entails redesign of

558
See https://www.iucn.org/commissions/world-commission-protected-areas .
559
IUCN and Office International des Epizooties (OIE), “Guidelines for Wildlife Disease Risk Analysis”
(2014) at https://portals.iucn.org/library/node/43385 .
560
See https://oneworldonehealth.wcs.org/About-Us/Mission/The-2019-Berlin-Principles-on-One-
Health.aspx
561
Nicholas A. Robinson and Christian Walzer, “How Do We Prevent The Next Outbreak?” Scientific
American (March 25, 2020), at https://blogs.scientificamerican.com/observations/how-do-we-prevent-the-
next-outbreak/
562
UNEP/EA.3/Res. 4 (2017), supra note 26.
government architecture and budgets. Inertia and vested interests will doubtless generate
resistance. However, pandemics do constitute a non-traditional threat to national security,
arguably more important for every nation than military security. The Hobson’s choice
again is evident: “Pay me now or later.” Multinational enterprises understand this. The
Global Risk Perception Report 2020 of the Davos World Economic Forum for the first-
time features biodiversity loss among its top five long-term risks. 563

5 ACTIVATING “ONE HEALTH” THE SDGS


To coordinate nature health with animal/human health, all levels of government
will need to establish an inter-agency working group to apply “One Health.” These
already exist in many places, as when after 1992 they implemented their own local
“Agenda 21” plans for sustainable development.564 Now these efforts foster
implementation of the SDGs. Education and public participation, SDGs 4 and 17, are
essential, especially to support realigning public finance into emerging disease Phases 1
and 2.
Efforts to bring “One Health” into public awareness have been anemic, but this
could change during 2021-2030 in the United Nations “Decade of Ecological
Restoration.” 565 A sustained decadal focus should provide a time-table for fostering
cooperation across sectors. For example, World Zoonosis Day, June 6th, was largely
ignored during the COVID-19 Pandemic. It can serve in 2021 and 2022 to awaken public
awareness of “One Health.” 2022 is the 30th anniversary of the adoption of Agenda 21 at
the Rio Earth Summit, and that anniversary should rally behind “One Earth.”
World Zoonosis Day celebrates the search for vaccines, commemorating the work
of French biologist Louis Pasteur, who on July 6, 1885, successfully administered the
first vaccine against the zoonotic disease rabies. Pasteur discovered the principles of
vaccination and began the study of microbiology. 566 Vaccines have proven to be most
effective for non-zoonotic viruses, like variola virus that causes small pox, because the

563
World Economic Forum, “The Global Risk Report 2020” (Jan. 15, 2020) at
https://www.weforum.org/reports/the-global-risks-report-2020
564
Nicholas A. Robinson, Ed., Agenda 21: Earth’s Acton Plan (Oceana Pubs., 1992).
565
UN General Assembly (March 1, 2019), at https://sdg.iisd.org/news/unga-proclaims-un-decade-on-
ecosystem-restoration/ . See also https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/new-un-
decade-ecosystem-restoration-offers-unparalleled-opportunity .
566
Patrice Debré, Louis Pasteur (1994).
virus infects only humans and lacks capacity to be hosted by a wild animal before it can
infect a human again. There are no vaccines for most zoonotic diseases.
In future years, World Zoonosis Day could be repurposed. While vaccines will
always be important, the Day could recall another of Pasteur’s insights. At the end of his
life, Louis Pasteur envisioned the importance the habitats of microbes, as possibly more
important than the single microbe for which a vaccines might be sought. Louis Pasteur’s
last words were “Le microbe n’est rien, le terrain est tout.” He sensed that the microbe
is nothing compared to the terrain, the land, what today we term the ecosystem., from
which it emerges. It took another century after Pasteur for nature conservation
movements and the science of ecology to emerge. World Zoonosis Day should be
refocused on all three phases of emergent infectious diseases.
World-wide awareness of both “One Health” and the SDGs should be aligned
closely.
Public education is well underway in support of all the UN Sustainable
Development Goals, (SDGs). 567 Generalized calls for SDG implementation are
important, but to generate more robust action to accelerate implementation of the SDGs,
a focus on concrete themes will be essential. The Pandemic crisis is a catalyst that infusers
the SDGs into “One Health” and vice versa. The holistic “One Health” approach averts
new pandemics through giving strong effect to SDG 15, “Protect, restore and promote
sustainable use of terrestrial ecosystems, sustainably manage forests, combat
desertification, halt and reverse land degradation and halt biodiversity loss.” Moreover,
“One Health” encompasses SDGs 3 and 6 address health and sanitation. Since two billion
people lack clean water and soap, and cannot wash their hands to prevent the spread of

567
See, e.g. UN Department of Economic & Social Affairs (UN DESA) at https://sdgs.un.org/goals .
Specifically, see UN/DESA Policy Brief #78: “Achieving the SDGs through the COVID-19 response and
recovery,” at https://www.un.org/development/desa/dpad/publication/un-desa-policy-brief-78-achieving-
the-sdgs-through-the-covid-19-response-and-recovery/ . Policy Brief #78 urges nations to reverse trends in
biodiversity degradation (SDG 15) and concludes “The pandemic has generated a pause on ‘business-as-
usual’ activities, forcing us to face terrible human outcomes but also encouraging us to envision a realistic
way forward towards achieving the 2030 Agenda and the Paris Agreement on climate change. It has also
brought to the fore how central the SDGs are, including past progress on the SDGs, for building resilience
against shocks and avoiding backslides into poverty. This brief has indicated strategic objectives that are
common across countries. Realizing them is within reach but requires both greater coherence and
coordination of national actions, as well as a re-invigorated global partnership for development (SDG 17).
The United Nations is committed to facilitating a global response that leads towards this end and turns this
moment in history into an inflection point for humanity to overcome hardship and transform together
toward a more sustainable future.” The “One Health” approach can provide the coherence and coordination
of national actions to combat COVID-19 through implementing the SDGs.
disease, COVID-19 (or the “next” pandemic virus) will linger in much of the world and
be again at the doors steps of nations which enjoy sound public health. FAO has a “One
Health, One Water” programme, which deals with agricultural water pollution, which can
grow to support SDG 15. 568
All governments can manage COVID-19 and avert the “next” pandemic by
uniting behind a “One Health” approach to attaining the SDGs. This thematic focus makes
clear that attaining the SDGs is in everyone’s self-interest, short-term for COVID-19 and
longer-term to prevent another pandemic. All those responsible for implementing SDGs
will gain public support by incorporating “One Health” into their on-going endeavors.
This is the global partnership that SDG 17 contemplates.

6 POLICY & LEGAL INSTRUMENTS TO IMPLEMENT SDGS


THROUGH “ONE HEALTH”
Government have ample authority to act now. Beyond enhancing investments to
implement the SDGs, governments can use existing international law to establish legal
defenses to avert the next pandemic by implementing “One Health.” Nations can readily
incorporate holist “One Health” standards and implementing measures into the WHO’s
International Health Regulations, which are binding on all WHO Members. 569 These
WHO Regulations can curb zoonotic spill-over through establishing a standard set of
actions world-wide and focus programs that build local and regional capacity.
Governments have multiple additional opportunities to coordinate such national
measures, through the UN General Assembly and the multilateral environmental
agreements. For example, the Conference of the Parties of the Convention on Biological
Diversity (CBD) in 2021 will adopt a post-2020 global biodiversity framework as a
stepping stone towards the CBD’s 2050 Vision of “Living in Harmony with Nature.” 570
CBD’s comprehensive and participatory process currently involves stakeholders in
preparing the post-2020 global biodiversity framework. In like vein, the nationally

568
See the FAO webinar on this theme at http://www.fao.org/land-water/news-archive/news-
detail/en/c/1272240/ .
569
WHO, International Health Regulations (3rd edition) 2005, available at
https://www.who.int/ihr/publications/9789241580496/en/ .
570
CBD, see https://www.cbd.int/conferences/post2020.
determined contributions to implement the 2015 Paris Agreement on Climate Change, 571
might usefully be repositioned more ambitiously around a “One Health” approach.
Moreover, nations can avail themselves of Article XX in the 1947 General Agreement on
Tariff and Trade, 572 and the 1998 Agreement on the Application of Sanitary and
Phytosanitary Measures, 573 to establish new phyto-sanitary standards for curb the spread
of zoonotic diseases in air travel and commerce. States can enforce the 1973 Convention
on the International Trade in Endangered Species (CITES), 574 by assigning priority to
preventing trade in species that also evidence zoonotic diseases.
National and local governments do not need to wait for any new inter-
governmental international developments. They can implement “One Heath” within their
own jurisdictions, and put the SDGs to work. Virtually all these levels of government
already have enacted the requisite laws575 to serve the holistic “One Health” approach.
Governments can deploy three bodies of existing laws to secure the benefits of “One
Health”: (a) laws for nature conservation, (b) for environmental impact assessment, and
(c) for spatial planning and land use.
Protected areas can be greatly expanded everywhere. World-wide, nations
currently protect about 15% of all terrain.576 The CBD calls for teaching 18% now and
proposals seek protection for 30% soon. 577 Dr. Edward O. Wilson has urged maintaining
natural areas for biodiversity conservation over 50% of Earth. 578 This is realistic. Humans
would still cohabit these areas with flora and fauna, but would have responsibilities to

571
2015 Paris Agreement on Climate Change, agreed under the UN Framework Convention on Climate
Change (UNFCCC), at
https://unfccc.int/files/meetings/paris_nov_2015/application/pdf/paris_agreement_english_.pdf
572
See https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/gatt_ai_e/art20_e.pdf .
573
THE WTO AGREEMENT ON THE APPLICATION OF SANITARY AND PHYTOSANITARY
MEASURES (SPS AGREEMENT), AT
HTTPS://WWW.WTO.ORG/ENGLISH/TRATOP_E/SPS_E/SPSAGR_E.HTM
574
CONVENTION ON INTERNATIONAL TRADE IN ENDANGERED SPECIES OF WILD FAUNA
AND FLORA (CITES) AT HTTPS://CITES.ORG/ENG/DISC/TEXT.PHP .
575
The Montevideo Programme of the UN Environment Programme, now in its 5th decade, has been
building capacity for environmental protections laws in all nations. See
https://www.unenvironment.org/explore-topics/environmental-rights-and-governance/what-we-
do/promoting-environmental-rule-law-1 .
576
See the UNEP-World Conservation Monitoring Centre at https://www.unep-wcmc.org/featured-
projects/mapping-the-worlds-special-places .
577
See the CBD “Strategic Plan for Biodiversity 2011-2020 and the Aichi Targets,” at
https://www.cbd.int/doc/strategic-plan/2011-2020/Aichi-Targets-EN.pdf , and
https://www.nationalgeographic.com/environment/2019/01/conservation-groups-call-for-protecting-30-
percent-earth-2030/ .
578
Edward O. Wilson, Half Earth (2017).
take care that ecological habitats remain healthy. Consider, for example, a state like New
York, 579 with an area of 30.2 million acres and a population of 19 million people. Forests
in New York cover 18.95 million acres, 63% of land area, or about one acre per resident.
Publicly owned forest land is at least 3.7 million acres, and privately-owned forest land
area is 14.4 million acres or 76% of forest land, owned by 687,000 landowners. New
York’s carefully managed Adirondack Park and Forest Preserve are larger than the State
of Massachusetts. New York meet’s Wilson’s “half Earth” objective. It can now add the
“One Health” mission to care for nature to avert zoonotic spill-overs.
To contribute to building a world with more robust zoonotic defenses, it is in the
self-interest of New York and other local authorities to assist other countries to do the
same. New York State already cooperates with its adjacent states and provinces. It can do
so by supporting UNESCO Biosphere Reserves or World Heritage Parks. 580 Cooperation
is essential. No place is secure until all places are safer, since infectious microbes are
carried by travelers globally. This message increasingly is understood. For example, the
Arbor Day Foundation in Nebraska is planting 1 million trees, 70 species, across 5,800
acres of the Amazon.
(b) Governments can deploy their Environmental Impact Assessment procedures
(EIA) to minimize risk of zoonotic spill-overs. Virtually every nation has enacted an
environmental impact assessment law.581 Under International Law, nations are legally
obliged to implement EIA. 582 All EIA procedures are essentially the same, but most
government do not rigorously apply EIA. To avert pandemics, every impact assessment
could assess the health of natural systems where development is proposed, identify
possible pathogens, mandate buffer protections for humans, and establish “One Health”
links for continuing stewardship. EIA procedures are properly administered at every level
of government and by all agencies. Responsible authorities usually already adapt their
EIA procedures to reflect local conditions, and select their most appropriate analytics. For
instance, EIA procedures can: (i) select site-specific indicators to identify broad health

579
See New York State Department of Environmental Conservation, at
https://www.dec.ny.gov/lands/309.html .
580
On Biosphere Reserves, see https://en.unesco.org/biosphere/wnbr .
581
See, e.g. European Commission, Environmental Impact Assessment of Projects, Guidance on the
preparation of the EIA Report (Directive 2011/92/EU as amended by 2014/52/EU) at
https://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/EIA_guidance_EIA_report_final.pdf .
582
Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay) 20 April 2010, at https://www.icj-
cij.org/en/case/135/judgments .
impacts resulting from anthropogenic changes which cause biodiversity loss; or (ii)
identify indicators of ecosystem degradation, disruption and fragmentation and human
health outcomes; or (iii) designate indicators on the links between biodiversity loss,
ecosystem disruption and zoonotic and vector-borne disease outbreaks. Public
participation in EIA provides an important educational forum for stakeholders, including
scientists, policymakers, and decision-makers. When governments weaken EIA, they
heighten the risks of exposing their publics to emerging infectious diseases.
( c) The quality of urban life will determine environmental security of all people.
Cities are front lines managing zoonotic diseases since most of the world’s people live in
cities. Last July, the Global Pandemic Network (GPN), a consortium of leading
academics, chose cities for their top research focus.583 As the Stockholm Resilience
Center put it, “If the coronavirus has taught urban planners anything, it is that public
access to green areas is more important than ever.” 584 Cities and regions can deploy their
spatial planning, town and country planning, zoning and building codes to enhance animal
health and manage the interface with humans to minimize zoonotic spill-over risks. Such
planning already benefits from environmental best practices, such as “design with
nature.” IUCN’s 2014 guidelines for urban protected areas expressly addressed
“emerging infectious diseases.” Urban forestry programs can enhance wildlife corridors,
such as designating overlay zones across suburbia. Urban wetlands and open spaces can
have buffer zones to minimize human encroachments and the interface with animals.
Recourse to the tools in these three bodies of environmental law can provide
protection against the spread of zoonotic emerging infectious diseases. It is unlikely that
an international consensus for “One Health” can be agreed until after 2022, the 30th
anniversary of the Rio “Earth Summit” and the 50th anniversary of the UN Stockholm
Conference on Human Environment.585 Since it may well then take a decade for nations
to marshal the resources for international cooperation to build the capacity to materially
reduce the threats of new pandemics, each step on that pathway should implement the
SDGs. As new infections emerge, delaying action is no longer an option. Improvements

583
Global Pandemic Network, at https://www.globalpandemicnetwork.org/ .
584
Stockholm Resilience Center, at https://www.stockholmresilience.org/research/research-news/2020-04-
21-coronavirus-highlights-the-need-for-open-green-spaces-in-cities.html .
585
Consultations about such an anniversary are underway in the UN General Assembly pursuant to UNGA
Res. 73/333 (2019).
to sanitation will be needed immediately. Every local government has “self-help” tools
with which to cope.

7 THE ETHICAL FOUNDATIONS FOR SDG 15 & “ONE HEALTH”


Fears of new pandemics can be a motivating factor to stimulate governments begin
to implement the SDGs to avert future pandemics. The SDGs provide an agreed pathway
to do so. Having launched the SDGs for this thematic objective, the nature conservation
dimensions of “One Health” can provide a positive stimulus to sustain the journey. This
is because the nature conservation movement springs from an affirmative and activist
orientation, to safeguard life. Since extensive cooperation for nature conservation within
regions, these constructive efforts can be harnessed to implement “One Health”
incrementally. Local governments, states like New York, or regions such as the European
Union, can take the lead. They will protect the health within their own societies, and their
actions will guide for others.
Environmental laws reflect the values and ethics of caring for the Earth. The
biodiversity crisis has been festering into an open wound for two centuries. Zoonotic
diseases are spilling out of the wounds. This illness of the terrain cannot be mended
quickly. Restorative, conservation biology, is unavoidably now everyone’s obligation, if
we want to contain and manage safely future zoonotic spillovers. This is not yet widely
understood. Moving to embrace and implement a holistic “One Health” will build the
public’s knowledge and support for remedial action. Caring for the Earth will bring us to
care for each other.
Past pandemics teach us that human resilience shines through even as disease tears
asunder the essential health links between humans, wild flora and fauna, domestic
animals, and ecosystem. This adversity can focus our collective vision. During the Great
Depression and Dust Bowl of the 1930s and into World War II, the ecologist Aldo
Leopold arrived at his “Land Ethic.” He observed that “we abuse the lands because we
regard it as a commodity belonging to us. When we see the land as a community to which
we belong, we may begin to use it with love and respect.” In A Sand County Almanac
(1949), Leopold posited what “One Health” advocates have since discovered. "A thing is
right when it tends to preserve the integrity, stability and beauty of the biotic community.
It is wrong when it tends otherwise."
Leopold guides us back to health: “The land ethic simply enlarges the boundaries
of the community to include soils, waters, plants, and animals, or collectively: the land...
In short, a land ethic changes the role of Homo sapiens from conqueror of the land-
community to plain member and citizen of it.” COVID-19 is a call to care for the
community of life.

8 NEXT STEPS
Deploying a thematic approach, “One Health” to accelerate SDG implementation
can materially advance the SDG for Health, for water and sanitation, for terrestrial health
and restoration, for food safety, and all other SDGs. These immediate steps are worth
pursuing:
1) Establish a high level “One Health” coordinating council at each level of
government, and supervise an inter-agency or “whole of government”
approach to addressing pandemic risks in each of the three Phases of zoonotic
diseases
2) Expand natural areas and ecosystems, with buffer zones, into a systems of
parks and protected areas, and over-lay zones, where wildlife health is
protected and monitored.
3) Apply environmental impact assessment procedures, at all levels of
government, to collect data on ecosystem health, vectors for emerging
infectious diseases, and to mandate appropriate steps to avert zoonotic spill-
over.
4) Establish education programs for each of the SDGs to explain and highlight
their relevance to averting pandemics via the “One Health” theme

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