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Introdução
Com a instauração da Ditadura Civil-Militar, em abril de 1964, foi implementada uma
política sistemática de erradicação das favelas. Este período pode ser caracterizado como a
‘era das remoções’, quando a política de segregação espacial da cidade tomou proporções
inéditas com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade e sua transferência para
terrenos vazios na periferia, a algumas dezenas de quilômetros do centro da cidade e de seus
antigos empregos. Mais do que simplesmente acabar com as favelas na zona Sul da cidade, o
programa remocionista estava inserido numa lógica de planejamento urbano que vinha sendo
debatida desde a década de 1950.
No entanto, foi a partir de 1968 que o programa remocionista ganhou ímpeto com a
criação da CHISAM (Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana)
através do Decreto Federal n.º 62. 654, em 03/05/1968, vinculada ao Ministério do Interior,
juntamente com o BNH, com a autarquia assumindo o controle direto de vários órgãos do
governo do estado da Guanabara1.
*
Mestre e Doutorando em História/PPGH-UFF
1
Este paper é parte da minha pesquisa de doutorado, sob o título Cidade Alta: História, memórias e estigma de
favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro.
2
“Se o indivíduo que vive na favela há dois, cinco ou dez anos não conseguiu fazer
sua independência econômica nesse espaço de tempo, não será com a permanência, por
maior período, na favela, que irá conseguir tal coisa. O ambiente é sem dúvida
desfavorável. (…) E os menores, se continuarem nas favelas, serão, no futuro, adultos
física, mental e moralmente favelado. É difícil, senão extremamente impossível [sic]
recuperar homens, mulheres e crianças em ambiente como o das favelas. Pelo que
optamos pelo árduo, mas frutífero, trabalho de erradicação.”(CHISAM, 1971: 31)
2
Isto pode ser visto de maneira sutil na cabeça de uma matéria do Jornal do Brasil, descontado o erro geográfico:
“Praia do Pinto acaba e deixa Ipanema que ajudou a construir” (JB, 11/05/1969).
Na visão das autoridades da época, a remoção para o conjunto habitacional constituiria
3 uma oportunidade dos seus novos moradores se
livrarem do estigma de ‘favelado’:
“Apesar de alijados fisicamente na forma de
habitar, os favelados dispõem de iniciativa e
vontade de alterar seu ‘status’, faltando-lhes
oportunidade e condições econômico-financeiras
compatíveis com o mercado imobiliário atual que o
permita habitar condignamente.” (GOVERNO DA
GUANABARA, 1969: 57).
A idéia da remoção para os conjuntos como
um condicionador de progresso na vida do
favelado, era reforçada para a população também
através da imprensa. A imagem ao lado ilustra uma
matéria da Revista Manchete de dezembro de 1971,
sobre o programa de remoções, onde o texto reproduz quase que integralmente o que está
escrito nos materiais da CHISAM3. O favelado deveria ser recuperado para aprender, a partir
de então, a agir dentro da lógica do sistema, no que o Estado agiria como agente
normatizador:
“Como objetivo primeiro, está a recuperação econômica, social, moral e higiênica
das famílias faveladas. Pretende-se também a transformação da família favelada, da
condição de invasora de propriedades alheias _ com todas as características de
marginalização e insegurança que a cercam_ em titular de casa própria. Como
conseqüência, chegar-se-ia à total integração dessas famílias na comunidade,
principalmente no que se refere à forma de habitar, pensar e viver.” (CHISAM,
1971:16).
3
(“O desafio das favelas” _ Revista Manchete, 25/12/1971).
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com as áreas tendo distintas finalidades, a partir do zoneamento delas, numa lógica de
segregação espacial.
E, dentro dessa lógica, as áreas residenciais também se destinariam às diferentes
classes, a partir do poder aquisitivo e espaço ocupado na produção capitalista. No caso da
Zona Sul da cidade, a favela contrastava com a beleza da paisagem, sendo os favelados um
estorvo. Já nas zonas Norte e Oeste, eles poderiam ser de grande utilidade para abastecer de
mão-de-obra as Zonas Industriais delimitadas pelo Estado, no que precisariam residir
próximos a esse mercado em expansão.
A criação do Estado da Guanabara, com a transferência da capital federal para
Brasília, levou a necessidade de pensar um plano para a Cidade-estado, que ganha forma com
o Plano Doxiadis, plano-diretor para o Rio de Janeiro feito pelo escritório do engenheiro
grego homônimo que, entre outras coisas, previa o deslocamento da área industrial do Rio
para áreas nas zonas Norte e Oeste, em direção ao Porto de Sepetiba, ligando as áreas da
cidade através de um sistema rodoviário com vários túneis e as linhas policromáticas
(Vermelha, Amarela, etc.) sendo a avenida Brasil um dos eixos principais, onde se instalariam
os bairros-proletários (REZENDE, 1982: 62) .
A necessidade de reordenar o espaço urbano, vinculando o reposicionamento das
indústrias e dos favelados como mola-mestra deste projeto, tem defensores desde o início da
década de 1950.
No Relatório SAGMACS4, consta:
“É imperativo que a implantação da indústria se faça de maneira mais racional,
destinando-se às fábricas uma localização mais adequada. A construção das fábricas
nem sempre inclui moradia para os operários. (…) A concentração da indústria em
determinada área e a construção de bairros operários, financiados pelos Institutos
interessados e pelos próprios industriais, facilitaria a solução do problema.”
(SAGMACS, 1960 - v.1: 39).
No caput do Decreto n. 793, de 29/12/1961, do Governo da Guanabara, ao definir a
Zona Industrial das Bandeiras (em referência à av. das Bandeiras, antigo nome da av. Brasil a
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Foi José Artur Rios o responsável, em 1958, pela elaboração do relatório SAGMACS (Sociedade de Análises
Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos complexos Sociais), trabalho pioneiro no estudo das favelas cariocas,
saindo na forma de dois suplementos no Estado de São Paulo em abril de 1960 com o nome de Aspectos
Humanos da Favela Carioca.
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partir da rodovia Washington Luís), consta: “É necessário definir zonas industriais para a
expansão das fábricas, o estabelecimento de condições de habitação dos trabalhadores,e
outros requisitos, para definir a primeira delas.”. Vemos que o germe da idéia de instalação
dos conjuntos habitacionais nos subúrbios do Rio já estava presente ali.
A transferência dos moradores das favelas da zona sul para os conjuntos localizados
na zona norte, particularmente na área da Leopoldina, se conjugaria com uma política de
expansão da oferta de empregos nesta região, através da instalação de indústrias, que era
cortada por uma grande via expressa, próxima às ligações da Guanabara com o resto do país,
através das rodovias Rio-São Paulo e Rio-Bahia, e por dois ramais de trem.
A CHISAM aponta, em seu material de apresentação, que uma das condições para
seus objetivos do programa de desfavelamento serem atingidos era de
“Criar-se um mercado de trabalho na periferia das cidades que compõem a Área
Metropolitana do Grande Rio, que permita a absorção dos subempregados,
desempregados, e fluxos migratórios, a fim de aumentar-lhes a renda, dando-lhes
capacitação profissional, instrução e condições sanitárias que os integrem em uma vida
normal.” (CHISAM, 1969:16)
5
IDEG. A interpenetrac ão das áreas faveladas e áreas industriais no Estado da Guanabara. Centro de
Coordenac ão Industrial para o Plano Habitacional, Centro de Estudos Sócio-Econo micos. Rio de Janeiro,
1968. Na apresentação deste estudo, o IDEG apresenta-se como uma sociedade civil, tendo sido “criado sob os
auspícios das entidades representativas da indústria carioca.”.
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zonas industriais, e as áreas que formam a zona sul da cidade começaram a se firmar,
cada vez mais, como residenciais.”(IDEG, 1968: 33).
No entanto, a entidade constata que nas novas zonas industriais, como na antiga avenida
das Bandeiras e Santa Cruz, não há muitas favelas, com a maior parte delas (61%) se
localizando fora das zonas industriais, existindo, portanto, a necessidade de criação de um
mercado de trabalho nestas áreas. No caso de Zona Industrial de Santa Cruz é dito que:
“O fato da não existência de favelas na Zona Industrial de Santa Cruz, de certa
forma corrobora a opinião de que não basta, apenas, a existência de uma área livre; há
também a necessidade de um mercado de trabalho, em função da instalação de um
certo número de fábricas.”. (IDEG, 1968: 31).
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O mesmo argumento é encontrado nos planos da CHISAM em relação à elaboração
das metas do programa a médio prazo, em que a viabilidade do programa se mostra possível
pelas localizações dos conjuntos a serem construídos:
“Estando essas áreas localizadas em regiões atualmente de baixa densidade
populacional e dotadas de um mercado de trabalho reduzido, porém com boas
perspectivas de desenvolvimento.” (CHISAM, 1969: 73)
Considerando, ainda, que o IDEG afirmava que “é a indústria, dentre os ramos de
atividades, a que apresenta maior condições de absorver a maior parcela possível de
favelados.”( (IDEG, 1968: 08).
No principal material do Governo da Guanabara sobre o programa de remoções, ao
falar da construção da Cidade Alta, esta lógica surge de forma clara:
“A Cidade Alta foi implantada dentro de uma área em franco desenvolvimento
industrial e comercial, no principal tronco do Anel Rodoviário, onde são propiciadas
todas as facilidades comunais básicas.” (GOVERNO DA GUANABARA, 1969: 44).
Fontes utilizadas:
Bibliografia:
REZENDE, Vera. Planejamento urbano e ideologia: Quatro planos para a cidade do Rio de
Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 1982.
PERLMAN, Janice. O mito da marginalidade: favelas e política no Rio de Janeiro. Ed. Paz e
Terra, Rio de Janeiro, 1977.
VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de
favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Documentos:
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AÇÃO COMUNITÁRIA DO BRASIL-GB. A Ação Comunitária nos Conjuntos
Habitacionais e a avaliação do programa. Rio de Janeiro, 1973.
CHISAM. Origem – Objetivos – Programas – Metas. BNH / Ministério do Interior. Rio de
Janeiro, 1969.
CHISAM. Metas alcançadas e novos objetivos do programa. BNH / Ministério do Interior.
Rio de Janeiro, 1971.
GOVERNO DO ESTADO DA GUANABARA. Rio: Operação Favela. Rio de Janeiro, 1969.
IDEG. A interpenetrac ão das áreas faveladas e áreas industriais no Estado da Guanabara.
Centro de Coordenac ão Industrial para o Plano Habitacional, Centro de Estudos Sócio-
Econo micos. Rio de Janeiro, 1968.
SAGMACS (Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos
Sociais) Aspectos Humanos da Favela Carioca (“Relatório SAGMACS”). São Paulo, 1960.
Periódicos:
Jornal do Brasil
Revista Manchete