Você está na página 1de 96

DIREITO ECONÔMICO

Prof. André Ramos Tavares

Escrito por: Letícia Santos Ciola - 23/193


Revisado por: Danielle Naomi Iwai e David Kommers
Fichamentos: Eunice Costa de Lima e Letícia Ciola

AULA 01 -15.08.22

Informações Gerais da matéria:


● Tem algumas aulas postadas no moodle.
● Não tem manual; há vários textos no moodle.
● É uma disciplina bem generalista, e ela serve como base de conhecimento
● O Direito econômico impõe uma reflexão sobre todo o direito, sobre o que é o direito
e sobre pontos específicos do direito econômico em si.
● Avaliação: P1 + P2 (não cumulativa)/2 = nota final
● Presença: lista
● O prof. vai falar de forma geral sobre as aulas seguintes.

Introdução - origem histórica

● Na semana que vem, veremos a origem mais remota do Direito Econômico.


● A origem mais remota do direito econômico está na Magna Carta (1215). Ela
sistematiza uma série de institutos importantes como o devido processo legal, a
propriedade privada, a proibição da prisão arbitrária, etc, ou seja, a limitação do poder
estatal.
● Além disso, ela tinha uma dimensão pouco explorada que é a subsistência do ser
humano, ou, em outras palavras, o papel de cada um no sistema produtivo da
sociedade. As pessoas precisavam buscar nos bosques a madeira que era um
componente essencial da economia, para aquecimento, construção, estradas, etc.
● Naquele momento, havia um direito de acesso comum dos bosques. Isso estava
previsto na Magna Carta. Ela utilizava a expressão law of the land (que alguns autores
entendem como o devido processo legal). Ocorre que essa law of the land era, de fato,
e em especial o direito da terra, ou seja, de acesso comum à terra.
● Assim, embora o law of the land englobasse o due process, ele é um conceito mais
abrangente.
● Note-se com isso que a história vai privilegiar um determinado setor da Magna Carta,
que é o due process e assim por diante, de modo que deixa o setor do direito
econômico (direito de subsistência) de lado.
● Houve uma perda dessa memória que é retomada com a 1ª Guerra Mundial (3a.
semana)
● Ela sofre uma bifurcação, gerando uma Magna Carta do Bosque e uma Magna Carta
(a mais conhecida)
● A Magna Carta faz com que os interesses de uma determinada classe sejam
satisfeitos, enquanto outros assuntos ficam de lado e só serão retomados após a 1ª
Guerra Mundial.
● Obs.: o direito econômico abarca as regras do modelo produtivo. O direito econômico
estuda como se organiza a produção.
● Na aula seguinte (3a), vamos ver como surgiu a disciplina.
● Ela surge com a 1ª Guerra com a qual ficou explícito que o Estado precisava de
regulação econômica, ou seja, intervir na economia. Com a guerra total, era
imprescindível que houvesse a presença do Estado para, ao menos, garantir o
abastecimento.
● O Estado produziu muita legislação econômica, o que era de certa forma inédito até
aquele momento.
● Os textos dessa semana demonstram que o DE está em tudo e não só em um ramo.
Daí, tem-se a visão do direito econômico como método e não como ramo próprio do
direito, o que reforça o caráter unitário do direito. É uma disciplina que possui uma
percepção ampla, é uma área que reflete sobre o que é o direito, em geral.
● Na semana 4, veremos como o direito econômico se comportou na pandemia. Nesse
momento de crise, o Estado é novamente relacionado para garantir a subsistência das
pessoas. Ou seja, em momentos de crise, o Estado é chamado a instrumentalizar
grandes políticas econômicas de planejamento de caráter obrigatório.
● Na semana 5, o tema é a organização jurídico política da apropriação do excedente:
pouco se estuda sobre o regime jurídico sobre o lucro. É uma matéria pouco estudada
sobre um dos pontos mais sensíveis do capitalismo.
● Na aula seguinte, o tema é política econômica: que tem a ver com o planejamento.
Este é essencial ao Estado. Pela CF, o Estado é obrigado a ter um planejamento
mínimo, caso contrário, não há desenvolvimento, para levar a cabo políticas públicas.
● A aula 7 tem como objeto o Estado social e intervencionista: uma das questões
principais é o Estado social europeu é o mesmo modelo que a Constituição Federal
brasileira propõe? Não, porque a realidade é diferente. Não basta apenas prestar
assistencialismo, é preciso mudanças estruturais que não foram necessárias no Estado
europeu. Assim, o nosso Estado social passa por políticas prestacionais, mas precisa
provocar uma transformação estrutural da sociedade.
● Na semana 8, há a prova.
● Na aula 9, o tema é a Constituição dirigente, Constituição econômica e Ordem
econômica: vamos ver em que sentido a CF é dirigente. É dirigente porque incorpora
o conflito e possui normas cuja função é a de criar mecanismos legais como forma de
solidificar mudanças estruturais.
● Na semana 10, vamos estudar a Constituição Mexicana (1917) e a Constituição de
Weimar (1919). Nela, veremos qual foi a ruptura com o constitucionalismo clássico
que se deu nesta época. O neoconstitucionalismo incorpora o conflito e a
transformação.
● Na semana 11, veremos os aspectos externos da soberania econômica e na semana 12,
os aspectos internos. Diz respeito à dívida externa e ao regime jurídico do capital
estrangeiro, quanto aos externos. Diz respeito à proteção do mercado interno e a
internalização dos centros de decisão econômica, nos internos: a CF protege a
economia e regula os entes econômicos privados tomadores de decisão. Note que a
soberania do art. 170, I, não é a política, mas a econômica.
● Na aula 13, veremos sobre a livre iniciativa e de direitos proprietários.
● Finalmente, na aula 14, veremos sobre Direito econômico digital. Isso porque a
economia digital está mudando tudo, inclusive o direito. Por isso, precisamos ver
sobre o assunto. A economia mudou e, com isso, os pressupostos das teorias
econômicas caíram com o trânsito (captura) digital dos dados. Isso gera um
estremecimento no direito econômico que é relevante estudar.
AULA 02 - 22.08.22

● Hoje veremos a origem mais remota do direito econômico, para entender a


sua origem tardia em relação às demais disciplinas. Por isso mesmo é difícil
localizá-la no Direito.
● O direito econômico não é o direito concorrencial nem o comercial. Veremos
a sua natureza.
● O prof. vai falar sobre a Magna Carta.

Magna Carta - 1215

● A aula de hoje traz uma visão diferente da Magna Carta, que é pouco estudada,
mesmo na doutrina estrangeira.
● Notemos algumas advertência iniciais:
○ A Magna Carta não era uma Constituição. Não havia direitos fundamentais
nessa época. Ela foi importante para o movimento posterior do
constitucionalismo, mas não foi uma constituição propriamente dita. Ela não
continha direitos fundamentais, uma vez que sequer existia Estado ainda. Só é
possível falar em direitos fundamentais quando há Estado. Os DF surgem para
se contrapor ao poder do Estado, permitindo que o indivíduo tenha uma esfera
de não intervenção do Estado. Eles impedem uma atuação agressiva do
Estado. Não significa dizer que a Magna Carta e seus institutos não foram
importantes ao constitucionalismo. Não obstante, não é uma Constituição.
○ não eram direitos fundamentais, mas institutos como o devido processo, a
proibição da prisão arbitrária eram prerrogativas dos nobres e do clero em face
do monarca. Não eram direitos, pois não eram invocados por qualquer
indivíduo. O conceito de cidadão nessa época não é o cidadão de hoje. É
considerada carta, uma vez que não é Constituição. É uma espécie de carta
feudal de prerrogativas. É uma espécie de pacto entre nobreza e monarca para
assegurar prerrogativas para a nobreza. Não havia pena pelo descumprimento
da Carta (para ter pena precisa ter Estado). A primeira pena criada mais tarde,
em outra Magna Carta foi a excomunhão.
○ Essa carta também é conhecida como carta das liberdades (Magnae Chartae de
Libertatibus Angucae). Na época, ela não era chamada de Magna Carta. Essas
liberdades não eram as liberdades públicas. Essas liberdades se direcionavam
ou se referiam exclusivamente às prerrogativas do soberano.
● Em relação ao conteúdo da Magna Carta, ele foi variando ao longo do tempo. Isso
porque a Magna Carta não é um documento único, ela foi imposta pela primeira vez
em 1215. Ela foi reafirmada em 1216, 1217 e assim por diante. Ou seja, passou por
várias reafirmações e reedições, embora, em essência, são o mesmo documento.
● É importante ressaltar que nessa época não tinha versão impressa, de modo que a
reedição era feita manualmente (isso por si só já gerava um pouco de alteração). Além
disso, os representantes dos nobres e do rei negociavam entre si as condições da Carta
até que se chegasse a um acordo comum. Era um processo longo. E foi sendo
negociada, reeditada e ratificada várias vezes.
● Em 1216 → há uma bifurcação da Magna Carta. Ou seja, duas cartas são escritas. Um
é a Carta do Bosque e a outra é a Carta das Liberdades (mais famosa na história)
● Magna Carta do Bosque: também podemos chamá-la de Magna Carta dos Comuns.
Aqui esteve o direito econômico, de forma separada, nesse momento histórico. Note
que o conteúdo do direito dos comuns já existia em 1215, quando fisicamente o
documento era um só. Na Magna Carta já havia disposições acerca do direito dos
comuns. Esse direito dos comuns tratava do direito de uso comum dos bosques (ou
áreas comuns ou terras não cercadas ou terras que não pertenciam à nobreza ou
Igreja). Ou seja, do direito de usufruto coletivo e livre de todos sobre essas terras.
Note que o usufruto dessas áreas estava muito ligado com a questão da subsistência
do indivíduo.
● Note que, no feudalismo, havia um regime jurídico no qual existem dois elementos
mais importantes: o direito de mando do Sr. Feudal e o direito de uso do solo e
apropriação do resultado da exploração do solo. Porém, existia algo além disso →
havia o direito dos comuns, que era o direito de exploração dos bosques para o fim da
subsistência e para a obtenção da principal fonte energética e como matéria prima da
época, a madeira.
● Estamos falando de acesso àquilo que era essencial para a sobrevivência de todos.
Esse acesso à madeira era considerado direito de uso comum, ou seja, de acesso livre
e coletivo de áreas comuns. Essas áreas que não pertenciam a ninguém, precisavam
continuar assim, para que as pessoas tivessem acesso a tudo isso. E é exatamente isso
que a Magna Carta busca proteger e perpetuar em 3 dispositivos. Posteriormente, na
Carta de 16, ela previa que os fiscais do monarca não podiam cobrar taxas de
fiscalização das áreas comuns, recebendo produto da extração dessas áreas. Todos
tinham que ter acesso comum e obter livremente aquilo que produzissem nos bosques.
Era permitido, por exemplo, criar gado, desde que não prejudicasse a criação ou uso
dos demais.
● O direito dos comuns vigorou por séculos e mantinha o sistema feudal. Significava,
na prática, a garantia da subsistência. Fazendo uma leitura mais econômica, podemos
entender a lei dos comuns como um regime econômico que integra o sistema
econômico da época. Ele indica como cada um podia se comportar, produzir, na
sociedade feudal. Faz com que cada um possa ter seu direito à sobrevivência de forma
regular e lícita. Nesse contexto, o lícito e regular era aquilo conforme às práticas
estabelecidas historicamente e que foram incorporadas em 1215. Esse era o sentido
primeiro do law of the land ( o direito da terra).
● O Law of the land → era o direito da terra do senhor feudal + direito de acesso às
terras comuns por qualquer indivíduo. Portanto, não se tratava de direitos
proprietários no sentido privado e individual. Eram direitos de uso coletivo que
perdurou por séculos.
● Há expressões que caíram em desuso porque designavam uma realidade superada.
Como exemplo, stouers dizia respeito ao uso das madeiras, mas não existe mais. Por
isso, alguns autores entendem alguns dispositivos da Magna Carta como relíquia
histórica (isso porque muitas palavras não são mais usadas), mas nessa época era
fundamental.
● Não havia como manter o regime produtivo da época sem esses mecanismos.
● Cabe ao direito econômico entender o regime produtivo jurídico: quais são os direitos
de cada indivíduo dentro da sociedade em termos econômicos.
● Nessa época, o regime jurídico incluía o direito dos comuns. Essa parte da carta
magna voltada aos bosques acabou sendo meio esquecida ao longo da história. Já a
outra parte é melhor aproveitada pelo constitucionalismo.
● Há autores responsáveis por esse encaminhamento da História: esquecer um lado e
supervalorizar outro. Para poder consolidar determinados institutos é natural dar mais
ênfase no lado que gera mais influência. Porém é importante resgatar alguns
elementos históricos que permitem compreender a origem das coisas.
● Eduard Coke, no século 17, era empresário, sendo uma das pessoas mais ricas da
época e também era juiz. Para a época, ele tinha uma visão muito liberal. Ele teria tido
acesso às primeiras versões da Magna Carta e trouxe isso para as suas “instituições do
direito inglês”. Essas foram a grande referência dos primeiros autores como
Blackstone no que diz respeito à Magna Carta. Mais tarde, depois descobriram que o
Coke não teve acesso à primeira versão da Magna Carta.
● Por sua vez, William Blackstone se inspirou no Coke, em suas obras, e foi usado por
praticamente todos os constitucionalistas, inclusive pelos founding fathers.
● Note, com o exemplo desses autores, que é preciso ter cuidado com os autores usados
nos trabalhos porque cada autor tem seu viés e percepção próprios. Há que se manter
checando fontes no Direito econômico, para reavaliar conceitos, revisitar o que é
considerado Direito, etc.
● Note que o regime feudal não se sustentaria, naquele momento histórico, sem a
regulamentação dos direitos dos comuns.
● De maneira análoga, isso ainda se repete, uma vez que o capitalismo depende do
direito. As regras jurídicas foram e são essenciais para o capitalismo. Ele não existe
sem o direito que está operando hoje. O direito foi formatado para poder operar no
capitalismo. O direito é totalmente estruturado para manter esse modelo econômico.
Se o regime econômico fosse outro, o direito seria diferente. É uma relação recíproca.
● Ou seja, o capitalismo não existe sem o direito. E esse direito é construído observando
a finalidade de servir ao capitalismo e viabilizar suas relações produtivas.
● Essa noção se encontra tanto no modelo do bosque quanto no capitalismo.
● Hoje nós vivemos uma crise do capitalismo, em função da tecnologia. Estamos
vivendo um momento histórico em que nós temos dúvida se ainda estamos vivendo o
modelo do capitalismo, devido às grandes plataformas digitais, ao modo como
operam, às regras jurídicas que elas impõem, ao tipo de monopólio que elas detém.
Alguns autores falam em crise. Há que se questionar se é realmente uma crise.
● Evidentemente, há um problema de aplicação das regras do direito sob o advento dos
novos fenômenos. Nesse sentido, o direito não consegue dar respostas satisfatórias,
porque ele não foi forjado para esse sistema que está emergindo.
● De qualquer forma, hoje temos que lidar com institutos que tentam viabilizar um
capitalismo que talvez não esteja mais em voga nos dias atuais.
● Retomando ao tema do feudalismo: ele não continha apenas direito de mando, mas
também a direitos do uso da terra comum e a apropriação dos resultados do trabalho
nessa área.
● A partir de 1225, houve 55 reedições da Magna Carta. A última Magna Carta
permanece como direito em vigor na Inglaterra, não toda mas alguns artigos. Estão
em vigor porque sofreram ressignificação. Foram recebidos como direitos
fundamentais em determinado momento histórico e passaram a figurar como tais.
● Como exemplo de ressignificação, temos a noção de cidadão. Na época, referia-se
apenas ao nobre e ao clero. Hoje se entende que todos ingleses são cidadãos. Por essas
ressignificações mesmo ela pode permanecer em vigor.
● Hoje ela é uma carta de direitos fundamentais, de fato, embora antes não fosse.
● Então, a Carta Magna está em vigor através do fenômeno de reaproveitar o
documento feudal e transformá-lo em algo contemporâneo, com significado diferente.
● O bosque se destinava a todos. Em caso de conflito no uso dessas terras, era resolvido
pelo soberano, através das cortes.
● O direito dos comuns, de abertura dos bosques, em determinado momento histórico, é
encerrado. Isso porque há o cercamento, por volta de 1600, dos bosques pelos
monarcas e nobres porque passam a ter interesse em produzir lã para trocar por
produtos orientais. Mesmo proibido pela Magna Carta, o cercamento vai acontecer e
se consolidar.
● As pessoas vão ser obrigadas a se mudarem, porque elas vão ficar sem esse local de
subsistência. Ou seja, os cercamentos ensejam grandes movimentos migratórios. As
pessoas, por isso, passam a procurar o mercado (naquele momento, era um lugar
físico - não conceitual como hoje - era o lugar de entroncamento das vias de
comércio, que gera as cidades).
● Esse contingente populacional se torna mão de obra do capitalismo.
● Nesse sentido, há uma conexão entre a queda da Magna Carta dos Bosques e do
direito dos comuns e o surgimento do capitalismo.

Fichamento do texto da semana

TAVARES, André, Ramos. As duas cartas - Da terra ao bosque.


1. No capitalismo houve a consagração do mercantilismo, com suas práticas protecionistas,
metalismo, preocupações estatais na defesa dos interesses do comércio, unificação dos
pesos, medidas, moedas, tributos, etc.

a. Isso ocorre a partir do “Estado-nação” que foi o modelo de Estado estabelecido na


passagem do feudalismo para o capitalismo.

b. Do ponto de vista econômico possibilitou a superação das "velhas estruturas


feudais”.

2. Foi esse estado pré-capitalista que forjou as condições materiais e de poder necessárias
para as dinâmicas econômicas do capitalismo.

a. Nesse sentido, temos que a estruturação do monopólio, a planificação e


nivelamento do direito, bem como o centralismo, se somam em torno do Estado e
também se mostrar condições à prosperidade do capitalismo.

i. Há uma inerência entre o direito e o capitalismo.

3. O direito é inerente ao capitalismo e, segundo Comparato, o Estado Liberal apresenta


uma política econômica típica (estática) e depende de instrumentos jurídicos
próprios para manter as estruturas dessa política econômica.

a. Isso é feito mediante contratos privados;

b. Propriedade privada;

c. Liberdade individual.

4. A carta do Bosque e a seleção “natural”

● Ocorreram duas seleções:

I. A primeira fortaleceu como sendo única a Magna Carta que servia aos
interesses burgueses

a. Preocupa-se com a preservação da propriedade privada, do


comércio e da liberdade individual.

II. A segunda foi a Carta do Bosque, que trouxe um tom de mudança,


abordando a sobrevivência econômica.

● A Carta do Bosque também pode ser denominada Magna Carta do


Comum.

○ Em seu conteúdo estavam pautas como:

■ Direitos comuns;
■ Direitos de subsistência;

■ Direitos de usufruto livre e coletivo.

● Duplicidade entre as cartas?

○ Há uma evidente conexão entre ambos os textos, conexão esta que pode
ser compreendida a partir da perspectiva atual que aponta que o direito de
propriedade, as liberdades e os direitos políticos, para que existam,
precisam estar assentados em uma base econômica.

○ Por essa razão, e assentando-se nos ensinamentos de Edward Coke e


William Blackstone, é inapropriado que ambas as cartas sejam
dissociadas uma da outra.

○ Tavares destaca o fato de que a Carta dos Bosques protegia os comuns,


bem como a subsistência de todos que obtinham seu sustento a partir do
Bosque.

Ou seja, tem-se uma cultura material que dependia da madeira retirada do


Bosque e a Carta do Bosque assegurada a todos que tivessem o acesso
necessário.

○ A Magna Carta do Bosque, emprestando-lhe a perspectiva atual, chegava


a tratar de reservas naturais, que à época eram reservas de energia.

○ Portanto, ao cabo, se a Carta Magna apresentava um enfoque


patrimonialista e se voltava para o princípio da liberdade, a Carta do
Bosque se voltava ao princípio da subsistência. Isso implica que ambas
se complementam quando se pensa em princípios fundamentais.

5. A dita “seleção” elegeu a Magna Carta de viés patrimonialista.

6. Adiante, pensando no início do Século XX, temos que será somente nesse período que o
direito econômico desponta em direção às conformações que hoje apresenta.

a. Após as Grandes Guerras e a vinda das Constituições, observa-se o fim do Estado


liberal típico e a urgência de que se pensasse um novo paradigma jurídico,
conforme ensina Comparato, que vem a se materializar na Constituição de Weimar.

b. A Constituição de Weimer, em sua parte V, dedica pela primeira vez espaço à


“Vida Econômica” e é diante desse feito que o direito econômico surge com sua
concepção atual.

i. Na Constituição de Weimar temos que a liberdade individual


econômica é residual, sendo garantida apenas após estarem
garantidos os direitos da comunidade e os interesses gerais.
ii. Temos um assento sobre a funcionalidade ao invés de sobre a
racionalidade dos institutos.

7. Nesse ponto, temos que a característica desse direito econômico de renovação


metodológica e prática, aponta para a revisão crítica de muitos dos institutos
tradicionais nascidos do contexto de bases liberais e capitalistas do modelo jurídico
ocidental.

8. A importância de se pensar a Carta do Bosque está no fato de que a partir dela tem-se a
formulação de, a partir desse direito econômico, um direito comum, que traz institutos
tidos como “base” do direito.

AULA 03 - 29.08.22

Como surgiu o direito econômico? Como ele é hoje? (contexto pós guerra)

● Hoje veremos sobre a epistemologia do direito econômico e do papel que esse direito
precisa ter na nossa sociedade. Para entender esse papel, há que se fazer uma breve
incursão na origem desse direito, em como o direito econômico surgiu efetivamente
como disciplina no momento da IGM.
● O primeiro aspecto a ser notado é que o direito econômico é essencial para o
capitalismo.
● É importante que se tenha em mente que ainda somos influenciados por essa mesma
visão forjada de direito no início do capitalismo, com as revoluções burguesas.
● Obs. Uma das funções do direito econômico é fazer uma leitura crítica do direito,
fazer a exposição dos institutos em vigor, entender por que estão em vigor e assim por
diante. Percebe-se em boa medida uma carga econômica que justificou o surgimento
de institutos como a propriedade privada, o contrato etc.
● Desde logo, há que se investigar por que o direito foi formulado como tal. O direito
como conhecemos hoje surgiu das revoluções burguesas.
● Com as revoluções burguesas, nós tivemos a implementação de um modelo jurídico
muito específico, do qual somos herdeiros.
● A partir delas, há a formulação de um modelo produtivo de sociedade que viria a ser o
capitalismo. A burguesia, portanto, é responsável em grande parte por criar
mecanismos para que o capitalismo pudesse florescer e se solidificar.
● Ela faz isso aliando-se à nobreza e à monarquia para fins de ir eliminando o modelo
do feudalismo e as formas plurais de direito que ainda se faziam presentes. Nesta
época, não existia uma fonte unificada, o que era incompatível com os objetivos da
burguesia e dificultava os seus negócios. Ela precisava que o direito fosse unificado e
que ela tivesse controle sobre ele. Sem isso, não haveria capitalismo. LEMBREMOS
que não há capitalismo sem direito!
● Isso se deu com a aliança burguesa com o soberano, fechando as fontes do direito. Na
Idade Média (feudalismo), as fontes do direito eram diversas e o direito passou a ter
uma única fonte com a burguesia: sua única fonte de produção passou a ser o Estado.
Assim, a estatização do direito se deu graças à burguesia. As demais fontes foram
eliminadas como fontes autônomas, deixaram de ser fontes independentes (ex.:
direitos da Igreja, dos senhores feudais, os usos e costumes, os direitos das
corporações de ofício).
● Com essa estatização, o direito se reduziu a um produto gerado pelo Estado e que está
presente até os dias atuais. A ideia de que só o Estado pode produzir direito vem da
vitória da burguesia, e ele tinha como objetivo justamente consagrar o sistema
produtivo capitalista.
● Ou seja, a burguesia entendeu que precisava se apropriar do poder de produzir o
direito. E isso só seria possível eliminando as demais formas de produzir o direito.
● O Estado surge por interesse da burguesia, pois a burguesia precisava unificar o
território, para que os produtos circulassem livremente e o comércio se intensificasse.
Precisava também unificar a alfândega. Ou seja, é necessário ter um Estado
unificando um grande território para eliminar essas barreiras internas. Note que a
monarquia também tinha interesse nessa unificação, já que eles ganhavam mais poder.
● Além da necessidade da liberdade comercial, era preciso uniformizar medidas,
moedas e o próprio direito. A burguesia nascente pretendia ter um direito unificado
capaz de propiciar um mínimo de segurança jurídica (estabilidade e previsibilidade), o
que só era possível com o domínio das fontes.
● O fortalecimento do estado, com a aliança da burguesia, é o que permite que o direito
estatal substituísse as outras formas de direito.
● Para que esse Estado funcionasse harmonicamente, era necessário um ordenamento
jurídico garantindo proteção.
● O que acontece com as outras fontes? Muitas delas desaparecem (como o direito das
corporações uma vez que elas desaparecem), enquanto outras perdem sua força
jurídica (ex: dogmas da Igreja).
● François Gèny foi um civilista crítico do direito legislado como o Código Civil de
Napoleão. Ele criticava a ideia de que o direito está contido todo na lei. Ele apontava
para o fetiche pelo direito escrito e codificado, como se, sem lei, não existisse direito.
● Ocorre que, no surgimento do direito, esse fato criticado se deu: o direito se
identificava com a lei nesta época (direito = lei). A proposta que a burguesia
conseguiu implantar foi a de que não existe direito fora da lei. Isso vingou por muitos
séculos.
● Havia uma supremacia da lei porque ela era o instrumento estatal de produção do
direito de forma única.
○ Nada existia acima da lei. Então quem tinha o poder sobre a formulação das
leis tinha todo o poder jurídico. Detinha toda a supremacia, que nesse
momento era a supremacia do Parlamento.
○ Carré de Malberg questionava retoricamente: Existia liberdade nessa época?
Sim, nos limites da lei. Ocorre que a lei poderia mudar amanhã e ser
retroativa, devido à supremacia da lei. Hoje isso não é possível, porque o
legislador precisa seguir a Constituição, que limita a ação legislativa. A CF
define quais assuntos poder ser legislados ou não, como e com qual rito.
● O Parlamento detinha a supremacia, até a existência das constituições. Aliás, as
Constituições que existiram inicialmente não tinham o mesmo poder e status que elas
têm hoje (como exceção → a Constituição dos EUA (1787), que desde o início foi
criada com a ideia de Constituição que nós concedemos hoje).
○ As Constituições francesas pós-revolução não incorporaram bem a ideia de
Constituição como temos hoje. Isso é provado por meio das diversas
mudanças e trocas de constituições que os franceses fizeram. Além disso, a
Constituição francesa dessa época não tinha o poder de limitar o legislador.
○ De qualquer forma, a supremacia do legislador permitiu que a burguesia
consagrasse de forma intensa os principais institutos do capitalismo.
● Obs.: A Constituição norte-americana (e mesmo as demais) foi importante para o
capitalismo. Ela era liberal, na qual o Estado não intervia na economia e as liberdade
individuais tinham grande ênfase.
● Só tem força jurídica a norma posta por meio de legislação. Qualquer outra norma
estranha à lei é eliminada; não tem força jurídica, a não ser que a lei admita a ela a
força jurídica. Uma norma tem força jurídica ou porque é lei ou porque alguma lei lhe
deu força jurídica.
● Essa noção de que a lei dá força jurídica aos usos e costumes, por exemplo,
remanesce no direito, através da LINDB e do direito comercial. Desse modo, na falta
da lei, o juiz está autorizado a julgar conforme a analogia, os usos e costumes e os
princípios gerais do direito → é a ideia típica de que o direito é a lei. Este dispositivo
da LINDB é igualzinho à lei de introdução do Código de Napoleão.
● Nesse contexto, o direito que surge é um direito novo, pós feudalismo. O novo
modelo jurídico é novo. É um direito que surge para servir aos interesses da burguesia
(como o comércio). Os interesses burgueses se davam no âmbito do comércio e da
economia. O que seria de se esperar nessa época? Que florescesse, como disciplina, o
direito econômico.
○ Note que estamos falando do surgimento do direito que surge por interesse
econômico de uma determinada classe econômica. Nesse sentido, o mais
lógico seria pensar que o direito econômico aparecesse. Mas isso não
aconteceu. No lugar disso, apareceu o direito civil como as grandes
codificações e etc.
○ Mas por que isso aconteceu? O direito econômico não floresceu porque essas
ideias não estavam explícitas naquele momento.
○ Porque nessa época havia um destaque para o universalismo do direito.
Buscava-se a ideia de unificação do direito, com categorias universais. Eles
ainda não tinham essa ideia sobre a economia tão clara. Como não era algo
explícito, então não era interessante discutir o direito econômico.
● Note que a burguesia comporta dois sentidos: 1. é a classe que se intercalava entre a
nobreza e o proletariado 2. no sentido atual, é a classe que detém os meios de
produção, ou seja, é portadora do poder econômico e político. Ela detém o poder
econômico e político que teve o poder de eliminar o feudalismo, no exercício de
poder elaborar as normas em benefício de seus interesses econômicos.
● Retomando: era de se esperar que o direito que surgisse dessa discussão inicial da
formação do direito contemporâneo gerasse uma discussão de direito econômico. Não
ocorreu porque não era uma noção que interessava e que fosse explícita no momento.
● Evidentemente, a burguesia, como ainda hoje, não pretendia revelar que estava
impondo os seus interesses.
● Qual a ideia pela qual a burguesia conseguiu esse controle? Pela ideia de
representatividade. Era dito que o Parlamento representava a todos. O Parlamento
representa o soberano que é a sociedade. Então, se o parlamento está representando os
interesses de todos, se ele é a vontade de todos, ninguém poderia limitar o poder do
parlamento (o que para nós soa um pouco estranho hoje). Ao legislador era dado o
poder de legislar livremente. Como não havia uma instituição capaz de limitar o povo,
representado pelo Parlamento, ele poderia alterar suas decisões. Por isso, o legislador
tinha um enorme poder de mudar as coisas a qualquer tempo.
● Então nesse momento a burguesia consegue alcançar seus objetivos e o direito
econômico não interessa ser debatido. Interessava dizer que o direito daquele
momento era universal, como se fosse algo neutro, apropriado a qualquer realidade.
Com isso, ela poderia se firmar de forma mais massiva. Não interessava a ela
contestações de qualquer natureza, como de onde vem os interesses da burguesia,
quem prevalecia nas decisões (o povo ou a burguesia), etc. Esse tipo de debate crítico
foi interditado por muito tempo até a IGM.
● O direito era apresentado como um direito universal que deveria ser aplicado em
qualquer lugar, independente de particularidades e sem considerar as características
locais. Para ser tão universal, o direito precisava ser muito abstrato. A abstração fazia
parte do direito. E ela era tão relevante que em algumas situações não ajudava, e nem
ajuda, em várias questões.
● Com isso, suscitam-se vários problemas do direito, em geral. E é papel do direito
econômico fazer a análise do direito em geral porque este surgiu devido a economia.
As regras e os institutos desse direito surgiram por questões de interesses econômicos
da burguesia.
● Esse direito geral que nós herdamos abarca um debate importante que precisa ser feito
para se ter uma compreensão do que seja esse direito, de quais são as razões de seus
institutos.
● O direito econômico surge para fazer essas reflexões e propostas de mudanças. Esse é
um papel do direito econômico que no pré-guerra, não interessava.
● esse direito “universal” dava uma aparência de neutralidade. Isso lhe confere uma
força muito grande, no sentido de que não haveria outra forma possível de direito.
Seria esse o direito correto, como se ele fosse o melhor de todos e não se vislumbrasse
a possibilidade de desenvolver outro direito.
● Essas condições foram reforçadas/incentivadas pela burguesia, para que se pudesse
fortalecer esses institutos jurídicos que interessam para que o capitalismo pudesse
prosperar. Por tanto, essa ideia do direito universal foi útil.
● Por outro lado, essa universalização/abstração levou a um excesso de formalismo. Por
exemplo, a igualdade é apenas formal. Por muito tempo o direito não tratou da
desigualdade material, porque esse assunto seria estranho ao direito. Para este, o
mundo do ser não importa ao mundo do dever-ser. Assim, importante seria apenas a
igualdade formal de que todos são iguais perante a lei.
● Ocorre que a igualdade formal colabora com o agravamento da desigualdade material.
● Cada vez mais o Estado passou a ignorar o problema e isso foi sendo legitimado.
● O direito legitimava esse tipo de compreensão.
● O formalismo (excessivo que vem desse contexto histórico) é um dos elementos de
análise do direito econômico.
● O discurso liberal preponderante negou qualquer tipo de vínculo entre direito e
economia. Ou seja, o discurso jurídico não queria estabelecer vínculos entre direito e
economia. O direito teria que ser apresentado como algo universal, não como um
direito a serviço de um determinado modelo produtivo. O direito não podia ser
apresentado às normas jurídicas que interessavam à burguesia para que ela alcançasse
seus desejos econômicos.
● Assim, o debate da relação entre direito e economia era um debate que não ocorreu
por um bom período.
● como um instrumento que só servia para os interesses da burguesia.

Primeira Guerra Mundial

● É com a IGM que surge a necessidade de resgatar a relação direito e economia. As


pessoas são alertadas no sentido de que é inevitável perceber a relação inerente do
Estado e do direito com a economia.
● 45´56
● Com a guerra, o Estado precisou lidar com a sua economia doméstica (o que acontece
até hoje → como na pandemia, na guerra da Ucrânia. Os Estados viram a necessidade
de assegurar que nos seus territórios haveria de se retomar a produção de alguns
produtos, uma vez que houve uma interrupção de várias cadeias produtivas que eram
globais, como a dos fertilizantes russos, dos chips eletrônicos ucranianos).
● Com a 1GM, os Estados foram obrigados a planejar as suas economias, caso
contrário, haveria risco de desabastecimento.
○ Qual o único agente capaz de produzir planejamento a nível nacional?
Naquela época, só o Estado.
○ Comparato diz que a guerra não se ganha só no campo de batalha. Ela também
é ganha nas fábricas e no campo, mantendo a produção que alimenta a guerra
e mesmo seus cidadãos. Isso demonstra a visão de que a guerra transcende o
mero conflito. Isso porque ela demanda um planejamento do Estado relevante.
O Estado não necessariamente precisa assumir a atividade econômica, mas
deve planejar.
● Essa interferência do Estado foi uma novidade, a partir da guerra. Várias leis foram
produzidas prevendo a atuação do Estado economicamente.
○ Desse contexto surgiu a dúvida sobre o que era esse fenômeno. A legislação
econômica feita devido a guerra perduraria? Seria uma fase transitória? Seria
um abuso do Estado? A partir daí surge a discussão sobre o direito econômico
que estava interditado até então.
● O que prevalecia nesse momento era o Direito Privado, a não presença do Estado em
nenhuma forma na economia. Os autores divergiam sobre o assunto.
● Alguns autores defendiam que era um direito excepcional, de exceção. Ou seja, seria
transitório.
● Outros falavam que só parte dele era transitório, que correspondia às leis que eram
específicas à guerra.
● Uma outra corrente entendia que seria um direito permanente. Seria o que viria a ser
conhecido como direito econômico. Entendem, então, que não seria transitório.
● Na próxima aula, vamos estudar as Constituições de Weimar (1919) e do México
(1917) que foram aquelas que deram sustentação ao Direito econômico pela primeira
vez, porque elas foram as primeiras a incorporar a ideia de direito econômico.
● Há uma vasta legislação econômica, a partir da Guerra. A intervenção estatal pós
1GM passa a ser necessária e se torna estrutural. Se o Estado não estiver presente
economicamente, a economia não se sustenta.
● Muitos consideram esse momento como o nascimento do direito econômico.
● Logo que surge a discussão de direito econômico com esse nome, após a guerra, há
também a percepção do direito econômico como método e não mais como um ramo
do direito (obs.: a ideia de ramos no direito tem mais fins pedagógicos).
● Então o direito econômico surge como método, nesse momento. É um método de
compreensão do direito, não só do direito econômico, mas do direito em geral. Seu
papel principal é compreender o direito e criticar o direito posto em geral.

Método e especificidade

● Hedemann: é o primeiro autor a falar sobre direito econômico. É considerado “pai”


ou fundador do direito econômico. Ele escreve “Noções elementares de Direito
Econômico” em 1922. E ele fala do direito econômico como método de compreensão
do Direito, para entender que o direito posto serve para atender determinados
objetivos econômicos. O DE transcende o mero ramo do Direito, servindo como
método para a compreensão de todo o sistema jurídico a fundo e não só a
superficialidade dos institutos.
● Então, o DE tem a pretensão de compreender melhor o próprio direito.
● Se o direito econômico serve para compreender todo o direito, porque ele não se
chama direito geral? Primeiro porque o direito existe por causa da economia. Em
segundo lugar, o prof Comparato sugere uma analogia → o direito natural era todo o
direito, na concepção jusnaturalista. De mesmo modo, o direito econômico abarca
todo o direito também.
● Giovanni Quadri faz a mesma proposta de analogia. Para entender essa amplitude do
DE (e entendê-lo como método), usemos o direito comparado. Sabemos que este não
é um ramo do direito. Ele pode tratar de todas as categorias do direito. O DE se
encontra no mesmo patamar conceitual de abrangência do direito comparado.
● O DE oferece uma forma de compreensão do direito em geral.
● E como o debate do direito econômico foi por muito tempo interditado e é recente, o
DE não propõe o que já consta, em geral, nos livros tradicionais, isso porque a
tradição jurídica impediu o debate do DE. Por isso seria contraditório que ele repetisse
ideias antigas.
● O que o DE tem como proposta central: é a renovação do direito, que se relaciona
com a transformação que o direito econômico quer promover prevista na CF 88. o DE
relaciona-se diretamente com o constitucionalismo transformativo, no sentido da
renovação.
○ Para isso, o DE não pode se descolar da realidade do país. Ele se atrela à
realidade do país. Não há como falar em Direito ignorando que o Brasil é uma
economia periférica ou tratando-o como um país capitalista central. Não
podemos usar os mesmos institutos, métricas e métodos dos americanos e
europeus e aplicá-los igualmente no Brasil estabelecendo o nosso modelo
jurídico. Isso é irrazoável porque se descola da realidade.
○ Primeiro há que se fazer um diagnóstico da realidade, anotando os desafios e
potencialidades, para depois elaborar o nosso sistema jurídico. Pode até ser
que os institutos sirvam, mas não se deve usá-los por importação direta. Antes
é preciso checar se eles realmente cabem bem na nossa sociedade. Essa
proposta, que é do DE, é realista e teleológica (tendo em vista que há sempre
um objetivo a ser alcançado: a transformação econômica).
● É preciso essa transformação, uma vez que nós sequer vivemos totalmente no
capitalismo (existem bilhões de pessoas vivendo no pré-capitalismo, sem luz, comida
e serviços básicos).
○ Não é possível seguir sem consciência histórica, aplicando institutos abstratos
e universais, com formalismo excessivo, de forma arbitrária que produzem
resultados insatisfatórios.
● Mario Lobo, o DE é uma nova postura do direito em geral. Essa visão é ideológica
prática do novo direito que se coloca contra a visão tradicionalista e formalista que
imperava (e impera).
● O direito econômico precisa identificar a funcionalidade dos institutos e das normas
jurídicas e não só a racionalidade do direito. Há, de fato, uma racionalidade que é
econômica, mas o DE não pode focar apenas nisso.
● O direito não pode se distanciar da realidade da sociedade na qual ele opera.
● O direito tem um caráter contrafático e esse caráter está justamente nessa proposta de
transformação.
● O direito olha uma realidade nacional que ele espera ser alterada. Por exemplo, a CF,
que atende a essa visão, busca uma transformação das desigualdades regionais, a
desigualdade social. Busca o pleno emprego. Isso porque ela identificou situações que
devem ser alteradas.
● Por fim, o direito econômico tem uma dupla instrumentalidade.
○ A primeira é a organização e disciplina da economia capitalista, no sentido
macroeconômico (no sentido microeconômico, outras disciplinas se ocupam):
o DE estuda a regulação estatal da economia, evidentemente. Ele nos diz os
limites da intervenção do Estado na economia, quais são as liberdades
econômicas dos agentes econômicos privados. Assim, quem enxergaria o
direito econômico como ramo se centraria neste aspecto. Ou seja, nesse
sentido, o DE são as normas jurídicas que tratam da economia de mercado.
○ Ocorre que o DE é também um elemento de transformação e estímulo para a
mudança da economia e dos agentes econômicos. Aqui se põe o caráter
contrafático do DE que busca a transformação. Neste ponto, entende-se que o
DE é um método que perpassa por todos os ramos do direito. Isso porque na
base de todas as normas, há uma questão econômica. Por isso, todas as normas
podem ser avaliadas do ponto de vista do DE. A perspectiva, então, do DE é,
revendo o modelo jurídico, propor as transformações necessárias. Isso porque
as transformações operarão por regras.

Fichamento dos textos da semana

BERCOVICI, Gilberto. O Ainda Indispensável Direito Econômico.

1. Bercovici aponta o ensinamento de Eros Grau, este que destaca o fato de o direito
ser um elemento constitutivo do modo de produção capitalista.

1.1. Desta que, além disso, o direito é também uma condição de possibilidade do
sistema capitalista, uma vez que o mercado é uma estrutura social, oriundo da
história e de decisões políticas e jurídicas que servem a determinados
interesses enquanto deixa de lado outros.

2. Bercovici assevera que as reflexões sobre o direito econômico surgem apenas após a
IGM, no entanto, isso não significa que o direito econômico esteja vinculado apenas
ao declínio do liberalismo ou à intervenção estatal.

2.1. A especificidade do direito econômico atrela-se à emancipação de formas


tradicionais do pensamento jurídico, portanto, tem profunda relação com sua
historicidade.

2.2. Isso evidencia que o direito econômico apenas pode ser compreendido no
contexto em que surgiu, ou seja, vincula-se à ideia de Constituição
Econômica.

3. O direito econômico surge de um contexto de crise e de revisão dos métodos jurídicos


tradicionais, o que afasta a possibilidade de simplesmente enquadrá-lo como mais um
ramo do direito.
3.1. Pode-se acrescentar que o discurso liberal do século XIX negava a vinculação
entre direito e economia, o que impedia de se pensar um discurso acerca de
um direito econômico.

4. O que se observa com a crise da IGM é que as instituições antes repressivas passam a
se organizar como preventivas. Nesse contexto, o direito cada vez mais é chamado a
tratar de áreas diversas da vida econômica. À época, chegou-se a definir que o direito
econômico seria voltado à organização da guerra e, por isso, seria um direito
excepcional.

5. As Constituições que surgem no período pós IGM trazem em si um projeto que se


expande para todas as relações sociais.

5.1. Isso implica que o conflito é incorporado ao texto constitucional, este que não
reflete apenas os interesses das classes dominantes, mas sim torna-se um
espaço em que ocorre a disputa político-jurídica.

6. É com a Constituição de Weimar e seu típico “Estado Econômico" que alguns


pensadores assinalam como sendo a consolidação do Direito econômico.

6.1. É preciso ter em mente que, após a guerra, a economia deixa de ser um
aspecto privado e se torna um problema concernente a toda a comunidade,
objetivando democracia e igualdade

7. As mais importantes concepções acerca do direito econômico

→ Perspectivas que colocam o direito econômico como “ramo” do direito.

7.1. Hedemann

a. No período Weimar, Hedemann, pela primeira vez, utilizou a expressão


“direito econômico” como sendo uma nova disciplina jurídica.

i. Ou seja, aquele caráter de excepcionalidade, de direito de


guerra, não mais se aplica: tem-se uma nova concepção de qual
seria o papel do Estado e do direito no que tange à economia.

A dimensão econômica passa a ser vista como um elemento de


especificidade do direito contemporâneo.

b. Defende, portanto, que o direito econômico como sendo imprescindível


para compreender o sistema jurídico, pois transcende as visões jurídicas
limitadas.

7.2. Gérard Farjat

a. Para Gérard, o direito econômico não pode ser colocado dentre os ramos
tradicionais do direito, não sendo público ou privado, tendo surgido
justamente da decadência dessa dicotomia.
7.3. Washington Peluso Albino de Souza

a. Peluso Albino de Souza defende a autonomia do direito econômico


como um “ramo do direito” não advém de suas normas (que seria a
intervenção estatal, as empresas, etc), mas sim da qualidade econômica
dessas normas, que é o princípio da economicidade.

i. Para ele, a economicidade é um instrumento hermenêutico


que aponta a medida do econômico determinada pela
valoração jurídica

ii. Essa valoração jurídica, por sua vez, é conformada pela política
econômica do Estado conforme a ideologia
constitucionalmente adotada.

b. Sustenta que o direito econômico é um ramo do direito e que seu objeto


é a regulamentação da política econômica e seu sujeito o agente que
participe dessa regulamentação. Nesse sentido, trata-se de um conjunto
de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia
dos interesses individuais e coletivos, orientando-se de acordo com a
ideologia que a ordem jurídica adote e, para isso, utiliza-se do princípio
da economicidade.

c. A autonomia do direito econômico, inclusive, seria evidenciada e


formalmente assegurada pelo art. 24, I da CF/1988, que aponta o
direito econômico como uma das matérias de competência
concorrente entre a União e os demais entes da federação.

7.4. Simões Patrício

a. Ele também defende a autonomia do direito econômico como “ramo”


jurídico e sustenta que o direito econômico deve ser estruturado como
a disciplina jurídica que estuda:

i. as normas que regulam a organização da economia;

ii. a condução ou controle da economia pelo Estado; e

iii. os centros de decisão econômica não estatais.

7.5. Joseph Hamel e Claude Champaud

a. Esses autores apresentam uma visão mais restrita e entendem que o


direito econômico seria uma extensão e modernização do direito
comercial clássico.
b. Hamel defende que o direito econômico deve conduzir a vida
econômica, especialmente no que diz respeito à produção e circulação
de riquezas, sendo, portanto, um alargamento do direito comercial.

c. Champaud, por sua vez, sustenta que o conceito básico que o direito
econômico deve seguir é o de empresa.

7.6. Geraldo Camargo Vidigal

a. Ele privilegia o enfoque das relações entre agentes econômicos


privados e se aproxima da noção de “extensão do direito comercial”,
entendendo o direito econômico como sendo o "direito da organização
dos mercados”.

b. Sustenta que esse direito da organização dos mercados não estaria


dentro do direito público, nem do direito privado, ao contrário do
direito administrativo econômico e do direito do planejamento, que
Vidigal também defende estarem englobados no direito econômico.

7.7. Existem também autores que integram uma vertente em muitos aspectos
majoritários, que entendem o direito econômico como o direito da
intervenção estatal na economia, denominando-o “direito público
econômico” ou “direito administrativo econômico”.

7.8. Huber

a. Ele defendia que o direito econômico não pode ser um método de


observação de todo o direito, como defendia Hedemann, porque isso seria
uma visão economicista do direito.

b. Assim, para ele o direito econômico é o direito das relações econômicas


e “em sentido concreto e preciso” o direito das relações econômicas na
moderna sociedade industrial.

c. Huber sustenta, portanto, que se trata de uma disciplina crítica que sempre
deve levar em conta o conflito entre a liberdade individual e o
compromisso coletivo, portanto, sendo um direito dinâmico.

d. Portanto, Huber aponta que o Direito Econômico seria o direito do


conflito, que se funda o conflito entre liberdade individual e
compromisso coletivo, ambos princípios constitucionais mas que a
resolução cabe à Administração Pública, uma vez que é a executora das
decisões econômicas fundamentais.
Além da visão tradicionalista: Perspectivas que colocam o Direito Econômico
como mais do que um “ramo” do direito

7.9. Eros Roberto Grau

a. Para grau, o direito econômico é mais do que um ramo, trata-se de um


método de análise do direito, partindo-se da compreensão do direito
como parte integrante da realidade social e incorporando essa realidade
e o conflito social na análise jurídica.

7.10. Dimitri Dimoulis

a. Para ele, o direito econômico possui caráter contrafático, ou seja,


apresenta a finalidade de modificar ou transformar a realidade.

b. Dimitri sustenta que mesmo quando busca preservar o status quo, o direito
é contrafático, uma vez que demonstra a vontade de manter aquelas
estruturas, inclusive contra as novas tendências ou limitações da realidade.

c. Ademais, Dimitri destaca que a influência entre direito e economia é


recíproca, porque o direito é produzido pela estrutura econômica ,
contudo, também interage com ela e a altera.

7.11. Fábio Konder Comparato

a. Em seu ensaio “O indispensável direito econômico”, ele sustenta que o


direito econômico é o direito que instrumentaliza a política
econômica.

i. Comparato ensina que o novo direito econômico surge como o


conjunto das técnicas jurídicas de que se vale o Estado
contemporâneo para realizar sua política econômica.

b. Assim, Comparato defende que o objetivo do Direito Econômico é


atingir as estruturas do sistema econômico, visando sua transformação
ou aperfeiçoamento.

i. No caso de países emergentes (como o Brasil), a tarefa do


direito econômico seria transformar as estruturas econômicas e
sociais, visando superar o subdesenvolvimento.

8. A dupla instrumentalidade do Direito Econômico de acordo com Norbert Reich.

8.1. De acordo com Reich, o direito econômico tem como característica a dupla
instrumentalidade, isto é:

a. Ao mesmo tempo em que o direito econômico oferece instrumentos


para a organização do processo econômico capitalista de mercado,
ele também pode ser utilizado pelo Estado como instrumento de
influência, manipulação e transformação da economia, vinculado a
objetivos sociais, portanto, incorporando os conflitos entre a política e
a economia.

8.2. Dessa forma, por exemplo, sabendo que o desafio da reestruturação do Brasil
envolve uma reflexão sobre os instrumentos jurídicos, fiscais, financeiro e
administrativos, ou seja, um projeto nacional de superação do
desenvolvimento, tem-se uma tarefa para o direito econômico e sua dupla
instrumentalidade.

COMPARATO, Fábio Konder. O Indispensável Direito Econômico

1. No direito econômico se observa o caráter econômico da regulamentação.

1.1. Comparato aponta a necessidade de, no entanto, definir sua natureza e


conteúdo.

2. Nascimento e registro do Direito econômico na Doutrina

2.1. Surge com a IGM, representando o fim do sec. XIX.

2.2. Com o fenômeno bélico da IGM, evidenciou-se ao Estado que não era
possível permanecer indiferente em relação à evolução das atividades
econômicas ou às decisões dos agentes da economia privada.

a. Nesse ponto, surge uma regulamentação abundante das atividades


econômicas, transformando-se a visão clássica do direito patrimonial.

2.3. Surge assim a noção de um direito da economia ou mesmo de um direito


econômico, corolário indispensável à constituição do Estado pós-liberal.

2.4. Ainda, diante da quebra da bolsa de 1929 e, posteriormente da IIGM,


novamente se evidenciou a necessidade de se impulsionar a máquina
econômica que se encontrava paralisada e, evidentemente, este ente era o
Estado.

2.4.1. Assim, tem-se que o direito passa a ser cada vez mais penetrado pelo
conteúdo econômico e, ao mesmo tempo, a economia se torna mais
administrativa ou regulamentada, ou seja, jurídica.

2.5. Comparato destaca que diante do cenário de surgimento das discussões sobre
o direito econômico, principalmente após Hedemann, duas perspectivas
estavam a preponderar: i) o direito econômico como um simples
reenquadramento dos institutos públicos ou privados de conteúdo econômico;
ii) o direito econômico como uma espécie de ordenamento constitucional da
economia no qual se encontram princípios básicos que devem reger as
instituições econômicas;

2.6. A definição ii se aproxima da que vê no direito econômico a tradução jurídica


da economia dirigida.

3. Proposições para um direito econômico atual

3.1. Da economia política à política econômica

a. A noção de uma economia política tem assento no advento do Estado


liberal e se trata de uma concepção estática da vida econômica, esta
centrada em torno do equilíbrio natural na produção e circulação de
riquezas.

i. Assim, a função do Estado seria assegurar a existência de


condições gerais de manutenção deste equilíbrio e,
eventualmente, atuar como um mitigador de crises.

b. Atualmente, a concepção científica da vida econômica atrela-se à vida


social em geral e é dinâmica.

i. Nossa ciência social atual orienta-se pelos movimentos ou


transformações, i.e, tendências finalistas.

c. Assim, a política econômica seria a aplicação na prática da economia


política.

i. Dessa forma, considerando o Estado Liberal, a política


econômica seria justamente a perseguição do equilíbrio.

ii. O que caracteriza a política econômica do Estado


Contemporâneo é o objetivo de expansão: assegurar as
condições de um aumento elevado e constante da renda
nacional per capita é uma tarefa indeclinável do Poder
Público.

Portanto, a responsabilidade do Estado no âmbito da vida


econômica deixa de ser uma exceção e se torna um princípio.

d. Assim, temos uma nova dinâmica: há uma ação sistemática do Estado


contemporâneo sobre as estruturas econômicas.

i. O direito privado patrimonial, especialmente o direito


comercial, deixa de ser o centro de gravidade das normas
jurídicas de conteúdo econômico.
4. As técnicas jurídicas atuais de política econômica: o direito econômico

4.1. Comparato aponta que o novo direito econômico surge como o conjunto das
técnicas jurídicas de que se vale o Estado contemporâneo na realização de
sua política econômica.

a. Assim, o direito econômico constitui a disciplina da ação estatal sobre


as estruturas do sistema econômico, seja centralizado ou
descentralizado.

b. Comparato afirma que, frequentemente, essas técnicas são organizadas


em um quadro geral que exprime o conjunto da política econômica: é o
plano.

4.2. Com o fim da IIGM, a planificação deixa de ser uma características de


economias socialistas, sendo incorporada pelos países capitalistas

4.3. Os instrumentos de execução da política econômica.

a. Ao executar sua política econômica, o Estado pode agir


unilateralmente, exercendo as prerrogativas do imperium; ou colaborar
com os agentes privados da economia (em relativa igualdade).

i. Atuando com as prerrogativas de imperium, o Estado só poderá


agir diretamente ou por meio de entidades públicas
descentralizadas.

ii. Se optar pela colaboração com os agentes privados, institui-se


um regime de economia mista, cujo instrumento preferido é o
contrato.

iii. A economia de massa contemporânea transformou o contrato


de individual em coletivo. Coletivo quanto:

a) aos seus participantes ou mais alargadamente, quanto


aos seus dependentes: o contrato deixou de ser
exclusivamente um instrumento de manifestação de
vontades individuais na troca de bens e serviços, para
transformar-se em uma técnica de colaboração entre
empresas, profissões e sindicatos, entre si ou com o
Poder Público.
b) a sua causa, porque tendem a se integrarem em
quadros globais de programação ou de planejamento
econômico

5. O direito econômico seria um ramo autônomo do Direito?

5.1. Em um primeiro momento, essa indagação nos força a uma concepção do


direito exclusivamente formal. No entanto, conforme aponta Comparato, é
necessário se perceber que ao lado de uma análise de conceitos e categorias,
existe um estudo de técnicas.

5.2. Ou seja, Comparato destaca que ao lado de um direito formal é necessário que
haja um lugar para um direito aplicado. Assim, justamente, o direito
econômico aparece como um dos ramos deste direito aplicado que
pressupõe um conhecimento prévio de categorias formais que estão
tradicionalmente na teoria geral do direito privado ou na teoria geral do direito
público.

5.2.1. Nesse sentido, a sua autonomia nos é dada pela sua finalidade:
traduzir normativamente os instrumentos da política econômica do
Estado.

5.3. Dessa forma, sob o aspecto formal, o direito econômico possibilita o estudo
sistemático de várias matérias. Já sob o aspecto teleológico, o surgimento
do direito econômico representa um estímulo ao contínuo aperfeiçoamento
das instituições jurídicas em função de seus objetivos concretos.

5.3.1. A compreensão do direito como técnica leva à crítica e à renovação


contínua do direito positivo.

AULA 04 - 12.09.22
O papel do Direito Econômico no contexto da pandemia

● Hoje veremos o papel do DE em crises, em especial, a da pandemia de Covid.


● Nesse período de combate à pandemia se utilizou muito os mecanismos de direito
econômico.
● Serve para a gente entender melhor o que é o direito econômico. O combate dos
efeitos da pandemia foi feito por meio do DE. Por isso, este período ilustra a matéria
estudada.
● Recordemos que, quando na 1GM surge a legislação econômica (em que houve uma
produção legislativa muito intensa), ela ensejou a discussão sobre o direito econômico
(inclusive o termo surge nesse período).
○ A primeira reflexão era se o direito econômico era algo transitório ou se ele
existia para além do momento de crise.
● Durante a pandemia, essa discussão foi retomada, porque houve por parte dos estados
a necessidade de assumirem com mais afinco seu protagonismo na economia.
● O Estado brasileiro teve que diminuir as atividades econômicas e a circulação de
pessoas. Houve também uma discussão sobre quais eram de fato as atividades
essenciais que deveriam continuar em funcionamento (porque ela diz respeito à
subsistência das pessoas). Todas essas discussões foram feitas pelo Estado.
○ Nós percebemos essa maior participação do Estado por meio da coordenação
(dando as diretrizes da economia) da atividade econômica nesse momento de
crise, no momento em que a atividade econômica não iria permanecer com o
mesmo status.
● Ao reduzir a atividade econômica, o Estado também precisou atuar do ponto de vista
remuneratório (seja para os empresários, que puderam suspender contratos de
trabalho, seja para os trabalhadores, que tiveram o auxílio do Estado). Este também é
outro exemplo do papel coordenador do Estado.
● A função de coordenação sempre fica mais evidente em momentos de crise, como na
guerra. Na guerra, há medidas extremas que fazem parte do DE. Mas mesmo em
períodos de paz, o controle do Estado por meio do direito econômico ainda pode
existir. No caso do combate à pandemia, os instrumentos utilizados pelo estado
brasileiro e a sua própria presença fazem parte do que estudamos no direito
econômico.
● Conclusão → o direito econômico se ocupa em analisar as leis, emendas
constitucionais, o orçamento de guerra de combate à pandemia. Tudo isso são
elementos normativos de interesse do direito econômico.
● O direito econômico procura realçar a posição que o Estado precisa adotar para
coordenar a economia, especialmente nos momentos de grandes restrições na cadeia
global de produção.
○ Até hoje estamos sentindo os problemas de falta de determinados produtos,
por conta dessa interrupção da produção causada pela pandemia.
○ A retomada foi feita progressivamente, e ela privilegiou os próprios estados
nacionais e alguns poucos países no âmbito global.
○ Cumpre ao DE entender o que ocorreu e ocorre em virtude do combate da
pandemia.
● Hoje estamos tendo uma regressão no sentido de um aumento do nacionalismo de
alguns Estados. Houve um agravamento desses problemas das cadeias produtivas
mundiais com a guerra na Ucrânia, logo em seguida à pandemia. A Ucrânia que era
fornecedora mundial de diversos produtos viu o seu comércio minguar. Essa ideia de
que cada país se especializa em um produto e vende para o resto do mundo não
funcionou muito bem dentro do contexto da pandemia ou da guerra.
○ Com isso, é natural o movimento dos estados em nacionalizar alguns setores.
● Alguns analistas vêem com maus olhos porque entendem que a longo prazo haverá
uma superprodução.
● Isso serve para entender que o Estado precisa estar atento ao impacto geral que
decorre do combate à pandemia.
● O papel de coordenador existe a qualquer momento e faz parte da nossa análise de
direito econômico. Só o Estado pode ser esse coordenador, nenhum outro agente
econômico é capaz de fazer isso. Ele é permanente ao longo da história variando em
intensidade em função do momento.
● O papel coordenador do Estado não tem nada a ver com a ideia de planificação.
Estamos falando de um agente macroeconômico que seja capaz de, minimamente
coordenar algumas questões essenciais da sociedade, mesmo estando em um contexto
de capitalismo.
● Em crises, o Estado mobiliza os fatores de produção do seu território para controlá-la,
em especial, aquela relacionada à subsistência dos seus cidadãos. Ele faz o
gerenciamento, a coordenação de questões essenciais.
● Ou seja, em um contexto de guerra/crise, nós temos a mobilização de setores da
economia pelo estado e o estado programando, coordenando, e realizando a
continuidade da produção que seja essencial.
○ Ex.: Nos EUA, durante o governo Trump, houve uma forte interferência do
Estado → ele assumiu a produção de determinados produtos, interferiu em
diversos contratos (venda de máscaras, vacinas) e assim por diante. Ele
assumiu o papel de coordenador. Ele não queria se apropriar da economia, mas
a necessidade fez aumentar esse papel coordenador.
○ Ex.: Brasil → o Estado promoveu uma desmobilização produtiva, pela
restrição de circulação. Isso obrigou o Estado a tomar medidas sociais
(garantir renda mínima). Ao mesmo tempo, o Estado permitiu a suspensão dos
contratos de trabalho, para tentar manter postos de trabalho e evitar uma
demissão em massa.
● A Lei 13.979 → instituiu medidas emergenciais em virtude da pandemia.
● A EC 106 → instituiu o orçamento de guerra (o Estado passou a poder realizar
despesas para além daquelas autorizadas pelo orçamento do ano anterior). Foi preciso
aprovar essa emenda à constituição, para que os gastos com a pandemia não ficassem
restritos aos limites/tetos orçamentários.
○ Essa EC também quebrou o paradigma de que o Estado brasileiro não tem
dinheiro. Sempre escutamos que o estado brasileiro não poderia dar assistência
para a população por falta de dinheiro.
○ Mas na pandemia o Estado conseguiu esses recursos para garantir uma
retomada rápida da economia.
○ O governo pôde pagar o auxílio emergencial em até 2021 sem cumprir com as
regras fiscais (como limite de gastos e endividamento). O gasto total com o
benefício foi de 44 bilhões de reais.
○ Essa EC estabelece um “regime extraordinário fiscal” nos casos de calamidade
pública, que autorizou esse tipo de gasto.
○ Esse auxílio, de alguma maneira, acabou sendo sucedido pelo Programa
Auxílio Brasil (reformulação do Bolsa Família).
● Em 2004 → A Lei 10.835/04 → instituiu a renda básica de cidadania, que seria um
valor pelo qual todo brasileiro deveria ter acesso (nunca aconteceu na prática).
○ No entanto, o STF passou a entender que o Bolsa Família e o Auxílio Brasil
são etapas de cumprimento da renda básica. Na 1a etapa, ela precisa alcançar
todos aqueles que estão em situação de vulnerabilidade. Então, esses auxílios
já são a renda básica de cidadania em etapa restrita aos vulneráveis..
○ EC 114 → inclusive essa emenda prevê que todo brasileiro em situação de
vulnerabilidade tem direito a receber uma renda básica do poder público.
(“Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma
renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente
de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão
determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária.”)
● Isso tudo é uma evolução da própria percepção do papel do Estado e do direito
econômico.
○ Programas de redistribuição de renda são essenciais em virtude do estágio no
qual nos encontramos, mas não podemos permanecer nessa situação (com
milhões em situação de extrema pobreza). É preciso, de fato, uma política
econômica de distribuição de renda para tentar resolver de forma superficial o
problema. Porém, esses programas não são suficientes para desenvolver a
economia como um todo. Se outras medidas não forem tomadas, nós nunca
sairemos desta fase dos programas de redistribuição de renda.
○ Concomitantemente, precisamos de políticas econômicas que combatam os
problemas estruturais (a desigualdade extrema, a falta de condições para as
pessoas acessarem o mercado, a falta de capacitação da mão de obra). Só
assim, teremos um capitalismo de verdade no Brasil, no qual os empresários
não fiquem sempre precisando do Estado e no qual se vá além do eixo Rio-SP.
● Na visão do direito econômico, o Estado pode atuar diretamente subsidiando aqueles
que perderam seus empregos. Se isso não tivesse acontecido, a crise teria sido muito
pior.
● Nós tivemos um case típico de direito econômico.
○ Mas isso não seria direito financeiro? É também, mas devemos lembrar que o
direito econômico não é um ramo. Direito trabalhista, financeiro e outros
ramos compõem o direito econômico, porque é a forma como abordamos esses
assuntos.
○ Um assunto de estatais tradicionalmente é classificado como direito
administrativo, mas as estatais são uns dos instrumentos mais poderosos para
o estado agir na economia (a questão aqui é a abordagem feita voltada para o
direito econômico).
● Voltando ao papel do Estado na pandemia. A pandemia fez emergir a percepção sobre
a necessidade de criação de um espaço público de discussão acerca da economia (seus
rumos, o que fazer, onde atuar, etc). Isso não deve se manter no mercado privado.
● O mercado privado tem um papel importante, mas algumas questões precisam estar
abertas às sociedades. Esse espaço público é muito fraco no Brasil e é a partir dele
que nós podemos reivindicar e realizar nossas reclamações.
○ Lembremos que o mundo privado não tem accountability de suas decisões,
como o Estado tem, via eleição.
● Nos EUA, o Trump invocou uma lei da década de 1950 para poder atuar e intervir na
pandemia. No Brasil nós tínhamos uma legislação semelhante, a Lei Delegada nº 4 de
1962. Ela dava poderes ao governo federal para ele poder fazer ajustes e controlar
determinadas atividades, garantindo alimentação e outras necessidades básicas. Porém
essa lei foi revogada pela lei de liberdade econômica.
○ Por isso mesmo tivemos que aprovar uma emenda para o Estado poder intervir
na economia.
● Keynes → ele enxerga o papel do Estado como o de um grande coordenador. Isso não
significa ser coordenador ou planificador do capitalismo. Ele é, de fato, o agente
macroeconômico que é o único capaz de coordenar o sistema. Ele dizia que a
economia capitalista é circular, ou seja, de tempos em tempos haverão crises. Quando
o sistema deixa de funcionar como deveria, dificilmente ele vai se recuperar sem a
atuação do Estado.
○ A ideia dele é recuperar o capitalismo quando for necessário, e nessas
situações, o Estado vai servir como o grande incentivador/estimulador da
economia. Ele é o agente que tem a visão geral capaz de entender o que deve
ser feito para que o capitalismo retome a sua trajetória de sucesso.
○ A intervenção do Estado pode se dar pela criação de postos de trabalho. A
partir disso, outros setores eram tocados já que as pessoas podiam voltar a
consumir com seus salários (efeito multiplicador). Nesse contexto, a economia
é retomada.
○ Por essas razões, a coordenação é um elemento essencial por parte da análise
feita pelo direito econômico.
● No pós pandemia, permanece a distribuição de renda e os programas de facilitação de
crédito.
● Durante a pandemia, tivemos a intensificação do e-commerce. Antes, já existia uma
tendência forte de que as operações econômicas ocorressem no mundo digital, mas a
pandemia acelerou tudo isso. Recentemente tivemos uma certa retenção do fenômeno,
porque o e-commerce caiu um pouco (o prof acha que o motivo está ligado à crise
econômica e à menor capacidade de consumo da população). Não obstante, a
tendência permanece.
● A economia passou a se desenvolver na internet, o que leva a muitas consequências
ao DE.
● A circunstância de podermos levar a economia para as plataformas digitais (onde é
possível rastrear e calcular melhor a quantidade de operadores e consumidores, de
operações etc) também é matéria de estudo do direito econômico, porque ela muda o
tipo de economia em que estamos.
○ Com a mudança da estrutura econômica, o próprio modelo produtivo mudou.
Hoje o modelo produtivo precisa de atores que antes não existiam
(plataformas digitais) e ainda os agentes tradicionais, como a indústria, agora
encontram-se dependentes dessas plataformas.
○ Isso tudo é preocupação do DE.
○ As leis precisam se adaptar a essa nova realidade, caso contrário a legislação
perderá seus efeitos.
● A crise da covid realçou os nossos problemas estruturais (gerados pela nossa condição
de economia periférica) já existentes. Por exemplo, a crise habitacional sempre
existiu, mas, com o lockdown, isso ficou mais evidente. Cientes da necessidade de
distanciamento social, muitas pessoas não conseguiam fazer isso dentro de suas casas
em virtude das suas condições. Além disso, realçou-se o problema também da falta de
acesso à internet, com isso o acesso à educação, ao comércio e ao trabalho também
ficou muito restrito.
● A implementação do Estado social é um dever constitucional, e ele deve conseguir
superar os problemas estruturais. O Estado brasileiro não pode ser apenas
assistencialista. As condições periféricas precisam ser superadas com políticas
econômicas que vão além do assistencialismo.
● A ideia não é implantar o Estado social europeu. Ele não pode ser reproduzido aqui no
Brasil, porque na Europa eles já superaram as questões estruturais (os problemas lá
são pontuais). Nós precisamos de medidas distintas daquelas de uma economia
avançada.
● Um dos aspectos muito importantes da saída do nosso subdesenvolvimento está
relacionado com a engenharia tributária. Estamos tentando desenvolver isso, mas com
pouco sucesso.
○ E, especialmente em relação aos bens naturais que pertencem à União e são
explorados por agente privados. Para o prof, ele entende que não é preciso que
a exploração seja feita por estatais. A grande questão está relacionada para
onde vão esses recursos que pertencem ao Brasil. A CF diz que eles pertencem
à população.
○ A CF já dá um indício de como superar o subdesenvolvimento, por meio da
produção de riquezas. E essa produção de riquezas pode começar a partir da
exploração desses bens naturais.

Fichamento dos textos da semana

BERCOVICI, Gilberto. O papel do Direito econômico diante da crise da covid-19.


O papel do Direito Econômico diante da crise da Covid-19.
1. Durante a pandemia, o papel de organização do processo econômico foi fundamental.
Mas não porque esse período foi equivocadamente comparado à “economia de
guerra” (momento no qual se exige mobilização total da produção para combater o
inimigo), e sim, porque a crise atual exigiu uma desmobilização de vários setores
(como os serviços) e a ampliação de outros (como o industrial).
1.1. Tal processo, para ser bem sucedido, depende de uma atuação mais intensa do
Estado, o que ocorre por meio do direito econômico.
2. Nos EUA, o presidente Trump, logo após proclamar emergência nacional, se utilizou
do Defense Production Act de 1950 para priorizar e alocar recursos médicos e
sanitários. Também foi baixada a Ordem Executiva nº 13910, a partir da qual o
Secretário da Saúde tinha autoridade para impedir a acumulação excessiva de
produtos médico-hospitalares.
3. No Brasil, havia previsão legal de inúmeros instrumentos similares ao Defense
Production Act de 1950. Uma delas é a Lei Delegada nº 4 de 1962, elaborada no
período parlamentarista do governo João Goulart, que regulava as áreas sobre as quais
o governo poderia atuar para garantir a livre distribuição de mercadorias e serviços
essenciais. Eram medidas excepcionais para caso de desabastecimento.
3.1. Assim, o Poder Público Federal teria poder de distribuir e armazenar diversos
produtos essenciais, como também poderia fixar preços e controlar o
abastecimento.
3.2. Contudo, por motivos ideológicos, o Brasil não empregou as medidas
previstas nessa lei, sendo que ela inclusive foi revogada pelo art. 19 da Lei da
Liberdade Econômica de 2019. Assim, os parâmetros legais para a atuação do
Estado em momentos de graves crises foram perdidos.
4. Diante do exposto, o Estado e o direito econômico possuem papéis fundamentais para
o combate à pandemia. Porém, quando esse Estado é capaz de planejar e estruturar os
fatores de produção, isso potencializa ainda mais o direito econômico.
4.1. “Um Estado, como o atual Estado brasileiro, que abre mão de planejar o
futuro, desta forma, abre mão de uma das características fundamentais da sua
própria estatalidade.”
ANDRADE, José Maria de Arruda, D’ARAÚJO, Pedro Sales. Os desafios que a pandemia da
Covid-19 impõe ao Estado.
Os desafio que a pandemia da Covid-19 impõe ao Estado
1. As imposições que a Covid-19 trouxe a todos nós gera diversas consequências. É
importante destacar, que não faz muito tempo que o mundo se recuperou da última
crise (2008) e, novamente, nos encontramos em um cenário de recessão econômica.
2. Apesar de ir na contramão da globalização, infelizmente, o isolamento total é o meio
mais eficiente para lidar com a doença e evitar mortes. Nessa condição, cabe ao
Estado fornecer os materiais necessários para que as pessoas possam ficar em suas
casas. O que pode ser feito com a disponibilização de renda mínima; com a
concessão de regimes fiscais para as empresas manterem seus funcionários; com
a facilitação do acesso a insumos necessários (alimentos ou itens de primeira
necessidade); com a abertura de novos leitos hospitalares.
2.1. Por isso, é importante a existência de um Estado forte, que possa assumir o
protagonismo conferido na CF.
2.2. Por que o protagonismo deve estar com o Estado? Porque é um momento
em que se exige a ação coletiva de larga escala, que o Estado mínimo não
é capaz de fazer.
3. Trata-se de um cenário de intervenção imediata do Estado, com a expansão do gasto
público (o que não deve depender de uma revisão tributária no momento).
4. Porém, no futuro, será necessário enfrentar os reflexos deste quadro de
excepcionalidade e também corrigir os desvios históricos de nossa sociedade, por
meio da reforma tributária. Ela deve redistribuir o ônus tributário, não podendo mais
aceitar a regressividade da matriz tributária.
4.1. A recessão econômica da Covid-19 é sentida com mais força pela população
mais pobre. Se o sistema tributário for mantido, o investimento público
necessário para reaquecermos a economia será feito às custas dos mais pobres.
5. Além disso, em um segundo momento, a superação da crise vai demandar uma forte
atuação estatal. Será necessário termos um Estado com capacidade e liberdade para
fazer investimentos em educação e pesquisa de ponta, o que só será possível, se nos
livrarmos das amarras orçamentárias impostas ao poder público.

RODRIGUES, Douglas Alencar. O mundo do trabalho e os desafios da tecnologia: entre a


pandemia, a disrupção e a distopia.

O cenário trabalhista recente no Brasil

1. Antes do COVID-19, os desafios para o mundo do trabalho estavam alocados,


essencialmente:
1.1. na assimilação do conjunto de regras legais que deram forma à chamada
Reforma Trabalhista de 2017;
1.2. na reconstrução do sistema de representação coletiva de trabalhadores e
empregadores na construção de um novo marco legal para os trabalhadores da
dita “economia compartilhada”.
2. Também se observava um foco na “desoneração dos custos trabalhistas”,
persistindo os debates em torno da inclusão no mercado de trabalho dos
trabalhadores, desempregados e desalentados, além do resgate dos que integram a
economia informal, esta que causa efeitos danosos ao sistema de Seguridade Social e
para a arrecadação de tributos.
3. A crise sanitária evidenciou a relevância e centralidade do fator “trabalho” e
reafirmou a necessidade de sua adequada e justa regulação pelo sistema normativa.
3.1. Em especial quando consideramos o trabalho prestado fora das dependências
físicas do empregador.
4. O autor aponta que, uma vez superada a pandemia, novamente seriamos confrontados
com os desafios antes estabelecidos, e que ligados aos impactos múltiplos gerados
pela forma atual de organização da atividade econômica, com o uso intensivo das
novas tecnologias.

Breve olhar do trabalho na história e a OIT


5. O trabalho subordinado representa o objeto do Direito do Trabalho, este que foi
estruturado a partir da chamada primeira Revolução industrial do fim dos séculos
XVIII e XIX
6. As sociedades industriais desse período forjaram um modelo de proteção social
trabalhista estruturado com características determinadas, que oscilaram entre a
intervenção estatal mínima e a delegação aos atores sociais do poder de regular
autonomamente seus negócios e a regulação abrangente e analítica dos vínculos
jurídicos trabalhistas.
7. Assim, o direito do trabalho é compreendido como o conjunto de normas jurídicas
destinadas a regular as relações contratuais entre pessoas naturais e jurídicas, cujo
objeto envolve a prestação do trabalho humano, não eventual, subordinado e
oneroso.
7.1. Ou seja, surge no contexto da Rev. Industrial como uma forma para conter as
“situações iníquas de exploração”.
7.2. Temos,então, um “estado de coisa intolerável”, contrário às noões mais
elementares de solidariedade e dignidade humanas.
7.3. Nesse contexto, as sociedades ocidentais foram forçadas a se debruçar sobre a
“questão social”, a buscar uma solução para ela.
7.4. Para isso, era necessário se pensar um novo sentido para os dogmas da
liberdade (absoluta) e da igualdade (formal), de modo a deixar para trás a
versão burguesa, esta implantada com base na ideia central da legalidade.
7.5. A OIT foi criada no contexto do surgimento do constitucionalismo social, no
contexto das Constituições do México e da Alemanha.
7.5.1. Seu foco é criar as condições para que todos tenham acesso ao
trabalho decente e produtivo, em liberdade e com equidade,
segurança e dignidade.
7.5.2. Assim, o trabalho decente é condição imprescindível para a superação
da pobreza, para a redução das desigualdades sociais, para a garantia
da governabilidade democrática e para o desenvolvimento sustentável.
7.6. Princípios fundamentais da OIT
a. o direito à liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de
negociação coletiva;
b. a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c. a abolição efetiva do trabalho infantil; e
d. a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Novos desafios: economia integrada e tecnologia


8. Presenciamos o surgimento de novos modos de organização da produção, a expansão
do uso da automação e da inteligência artificial, bem como o advento do capitalismo
de plataforma.
8.1. Capitalismo de plataforma: aplicativos e algoritmos que rompem conceitos
e noções de tempo e espaço.
9. Os diversos setores da economia têm sentido o impacto das mudanças causadas pelas
novas tecnologias.
10. Para a OIT, o diálogo social consequente e responsável é o caminho seguro para a
construção das bases sólidas para a transição para o Mundo do Trabalho 4.0, em que
a sustentabilidade socioambiental seja adequada aos novos cenários de organização
produtiva, que são forjados pela revolução tecnológica e estruturação empresarial
e econômica em escala global.
11. O autor evidencia que na atualidade, convivemos com uma economia digital e com
novos conceitos que desafiam nossa compreensão, como:
a. Economia compartilhada
b. Uberização da economia
c. Capitalismo de Plataforma (crowdwork e trabalho sob demanda por meio de
aplicativos).
12. A revolução que ora se observa é diferente das demais experimentadas em razão de
sua velocidade, amplitude e profundidade, reunindo em si a fusão de tecnologias e a
interação entre os domínios físicos, biológicos e digitais.

A perplexidade jurídica e os cenários possíveis (parte que realmente importa pra nós)

13. No âmbito jurídico, os impactos causados pela nova e complexa realidade, bem como
os debates instalados em ações judiciais que envolvem os protagonistas da economia
compartilhada, posicionam em lados opostos conservadores e “progressistas”:
a. Conservadores - buscam conservar o modelo legal que foi pensado durante a
segunda revolução industrial, incluindo no clássico conceito de empregado os
novos trabalhadores que, embora autônomos e subordinados, são
economicamente dependentes, por exemplo, aqueles que trabalham fazendo
uso de plataformas para realizarem seus serviços.
b. Progressistas - aqueles que desejam moldar às novas realidades aos modelos
contratuais vigentes de regulação da prestação de serviços.
14. Temos que a CF se preocupou com os “desafios futuros” advindos do progresso
tecnológico, prevendo em seu art. 7º, XXVII, como direito fundamental social a
“proteção em face da automação, na forma da lei”. Contudo, isso ainda não se
observa de modo satisfatório, ou seja, conferindo proteção e inclusão social aos
trabalhadores e segurança jurídica aos atores vinculados ao universo das novas
tecnologias.
15. O autor ressalta que, além da intervenção legislativa, é preciso a valorização da
construção de bases para o diálogo social profícuo e responsável, conduzido pelos
atores coletivos.
16. Isso porque, no cenário atual, em que as empresas são estruturadas em níveis
transnacionais, a negociação coletiva deve transcender, quando necessário, os
limites geográficos do espaço geográfico nacional.
17. Portanto, há uma responsabilidade social difusa de governos, empresas e
organizações de trabalhadores nessa nova ordem econômico-tecnológica mundial.

TAVARES, André Ramos. Do Direito para a tecnologia.

Os riscos do solucionismo tecnológico e o resgate de uma voz ativa do direito e da


ciência do direito.

1. Tavares apontam que as mudanças causadas pelo avanço tecnológico durante a Quarta
Revolução Industrial demandam que haja uma reestruturação do direito e não apenas
a sua rápida adaptação.
1.1. Reestruturação do direito, não apenas sua rápida adaptação.
2. Essa proposta de reestruturação encontra bastante resistência e , nesse sentido, uma
proposta que pode ser considerada como diametralmente oposta é o chamado
solucionismo tecnológico.
3. Solucionismo tecnológico

3.1. Tavares destaca que a ideologia do solucionismo tecnológico é apresentada


como a matriz central de respostas para todos os problemas do mundo.
3.2. No entanto, assevera que se trata de um reducionismo incentivado pela tese
da supremacia tecnológica sobre todas as soluções. Tal perspectiva
subalterniza o papel do Estado e do Direito como instrumentos de solução
social.
3.3. Tavares adverte que o Direito não deve ceder à tentação de abdicar se seu
papel e de sua importância na compreensão e dimensionamento dos problemas
sociais.
3.4. Morozov já advertiu acerca das mudanças políticas que poderão ser causadas
pela tecnologia em um cenário de emergência, inclusive no direito.
3.4.1. A falácia de que todos os problemas podem ser resolvidos com o uso
da tecnologia digital, essencialmente calcada em dados, encontra uma
forte disseminação no Vale do Silício, chegando a “reformatar a forma
de agir e pensar das autoridades opúblicas”.
3.5. Nesse sentido, vemos uma negação da relevância de se pensar o Direito
impactando a tecnologia.
3.6. Portanto, o solucionismo se apresenta como a grande e única alternativa e para
reforçar essa ideia, propugna:
I. Não gozamos de tempo hábil para que se possa recorrer a outros
modelos de soluções tradicionais; e

II. Não existir meios economicamente viáveis para que determinada


situação social seja controlada, a não ser através do recurso
incondicionado à tecnologia e, com isso, a todos os insumos que são
necessários para fazer essa tecnologia funcionar, por exemplo, os
dados em geral dos cidadãos.

3.7. Dessa forma, o solucionismo se apresenta como definitivo ao Direito,


prometendo um “novo Mundo”, livre das burocracias e injustiças que o
próprio direito propaga, assim como a política e as autoridades públicas no
poder.
4. Dessa forma, o solucionismo é uma resposta paradoxalmente padronizada para os
problemas que são diversos e procura, se certa forma, substituir a decisão política
pela solução digital.
4.1. Tavares cita como exemplo que é mais vantajoso politicamente ao invés de
investir em reestruturação de modais de transporte urbano - apesar das
vantagens sociais a longo prazo -, o que seria custoso, incentivar o uso de
aplicativos que coletem dados e informem qual o melhor horários para evitar
lotações.
4.2. Tudo isso é feito sem custo para o usuário do serviço público, o que faz com
que aparente ser de graça.
5. Diante disso, Tavares aponta que o solucionismo demanda abertamente o
silenciamento do Estado e do Direito, bem como o acesso a dados pessoais, o que
acaba flexibilizando ou eliminando direitos fundamentais, como etapas necessárias à
solução proposta.
6. Um dos maiores riscos de se adotar esse solucionismo é fragilizar a Democracia.

6.1. Isso porque, o solucionismo passa a ser implementado como a opção padrão
para endereçamento de todos os problemas, da desigualdade à mudança
climática.
6.2. Isso porque, é mais fácil, rápido, menos custoso economicamente e de retorno
político imediato, apresentar uma solução tecnológica para, por exemplo,
influenciar a todos, o que somente poderá ser feito através da “cooptação dos
dados dos indivíduos, de seu comportamento e de suas preferências”.
6.3. Diante desse padrão, as políticas públicas sérias ficam comprometidas.
Também são abandonados projetos mais “robustos”, de longo prazo,
especialmente em cenários de intensa crise.
7. Assim, Tavares destaca que ao nos filiamos ao solucionismo tecnológico, ratificamos
o negacionismo político e a subalternização do Direito aos desígnios e interesses
dos que são detentores das “supostas inovações tecnológicas”.
7.1. A consequência é que as práticas adotadas são vazias ou enviesadas, sendo
desprovidas de uma atenção social mais profunda, sem ter qualquer
perspectiva real para o desenvolvimento nacional.
Uma nova racionalidade jurídica estruturada em direção à tecnologia

8. Tavares ressalta que tanto o Direito quanto a Ciência do Direito, não podem ou
devem, ser acionadas apenas para responder às necessidades e realidades que já
tenham sido implantadas por uma nova tecnologia;
8.1. Tavares aponta que uma abordagem nesse estilo realiza o que denominou de
direito 4.0: um direito que é comandado pela tecnologia com pouco ou
nenhum alcance transformativo mas meramente adaptativo e subalterno.
9. Com essa abordagem, Tavares ressalta que a proposta não é ignorar as mudanças e
avanços da tecnologia, tampouco que o direito se abstenha de conhecer e pensar novas
tecnologias e de oferecer respostas que sejam compatíveis com o avanço tecnológico,
avanço este que deve ser constantemente identificado pelo legislador e pelo operador
do Direito.
10. Nessa senda, Tavares diz que qualquer mudança jurídica tem o potencial de alcançar
resultados inesperados ou imprevistos quando não se atentam para a realidade
tecnológica, ainda mais na Era Digital.
10.1. Assim, destaca que este é o segundo aspecto do pensamento jurídico que
propõe (pelo que entendi, o primeiro aspecto seria a ênfase de que o direito
não pode simplesmente ficar no papel de adaptação perante a tecnologia).
10.2. Como exemplo, ele cita que as normas de flexibilização do trabalho permitem
um maior uso do home office e, com isso, estimulam o acesso e a melhoria de
tecnologias do trabalho à distância, além de demandarem uma infraestrutura
de comunicação capaz de atender a uma demanda que será cada vez maior em
relação a velocidade e estabilidade nas conexões digitais.
10.2.1. Isso faz com que “o estrangulamento de uma infraestrutura de
comunicação atrasada, v.g, precisa ser considerado nas decisões
legislativas e novas leis que tratam do trabalho remoto em geral”

11. A perspectiva macro tecnológica

11.1. Tavares destaca que o pensamento jurídico deve ser capaz de realizar uma
leitura ampla do fenômeno tecnológico, de modo a compreender as mudanças
e tendências, para que se possa enfrentar o tema em uma perspectiva
macrotecnicológica ao invés de microrespostas a determinados
acontecimentos tecnológicos.
11.1.1. Atenção: ele considera que há situações em que essas respostas sã
necessárias, mas que não são suficientes na perspectiva de um novo
direito.
12. Dessa forma, o direito precisa preservar sua capacidade de influenciar a
tecnologia para o bem coletivo e, sobretudo, para preservação dos direitos
humanos e do estágio civilizatório avançado.
13. Tavares alerta que o Estado não deve adotar a perspectiva do solucionismo,
incentivando e eximindo de tributos de startups e empresas de tecnologia em geral,
apenas em nome do dito benefício social automático pelo surgimento de novas
tecnologias.
13.1. Destaque-se que as conceções podem ocorrer, no entanto, não deve ser com
base em uma ideologia solucionista mas sim com base em dados, em
objetivos previamente traçados e conhecidos, e, sobretudo, com base em
exigências e deveres daqueles que pretendem usufruir desses benefícios
públicos.
14. Assim, Tavares aponta que, apesar de a cultura da inovação presumir que todos
usufruirão das novas tecnologias de forma igual, a realidade é que as inovações
também podem contribuir para aprofundar as desigualdades e criar injustiças.

Imposição da pandemia e da condição periférica da economia brasileira ao direito

15. Em síntese, durante a introdução do tema, Tavares destaca a nossa condição de


economia periférica e que não se pode pensar em retomar ao “mesmo normal” após a
pandemia, sendo inevitável a queda de arrecadação, a falta geral de planejamento dos
governante e a corrupção, todos esse fatores que dificultam ainda mais o processo de
retomada à “normalidade”.
16. Destaca que, por essas razões, a tecnologia tem um papel fundamental na elaboração
de políticas econômicas do Estado, o que é ainda maiss evidente em economias
periféricas.
17. Outros elementos, como o aumento do comércio eletrônico, a ampliação do
home-office e do ensino remoto são demonstrações de que há um endereçamento à
uma nova realidade socioeconômica.

Algumas respostas do direito e do estado brasileiro

18. Tavares destaca que antes da pandemia o perfil neoliberal era o que se podia chamar
de mainstream econômico mundial, de modo que, no contexto pandêmico, esse perfil
foi abdicado e “retornaram práticas bem conhecidas das origens do Direito
Econômico”, lá durante a IGM.
19. Tavares aponta que as normas de isolamento social e, em alguns lugares, as normas
proibitivas de circulação de pessoas produziram efeitos que tiveram de ser
enfrentados por novas normas jurídicas.
20. Ele classifica essas normas como uma “primeira onda jurídica”, sendo geradas por
um Direito de emergência nacional.
20.1. Além disso, aponta para a forte presença de intervenção do Estado na
Economia privada, na vida empresarial e nas relações sociais e familiares.
20.2. Tavares destaca que essas primeiras normas, primeiras respostas do Estado e
do Direito, provocaram o inevitável surgimento de novas realidades sociais
que, embora tivessem suporte jurídico na emergência, passaram a elas
mesmas, exigirem novas regras jurídicas, a tratar dessas consequências
advindas do isolamento. Essas novas normas, vindas como consequência das
primeira, Tavares chama de segunda onda de novas normas.
21. A segunda onda de novas normas foram projetadas com mais reflexão e
planejamento.
21.1. Nesse segundo momento normativo, tavares diz que era preciso lidar com os
produtos daquelas respostas jurídicas iniciais, de caráter mais imediatistas
(sobretudo a imposição do isolamento).
21.2. Ou seja, se no primeiro momento tínhamos a obrigatoriedade do fechamento
do comércio, nesse segundo momento era preciso enfrentar os efeitos dessa
imposição estatal.
21.3. Essas novas normas, que também foram construídas em razão da covid-19,
impactaram a sociedade e também as tecnologias, especialmente seu uso,
permissibilidade e abrangência social, sobretudo incentivando determinados
caminhos e soluções tecnológicas.

Os impactos do direito de emergência nas tecnologias

22. Tavares inicia apontando que com o distanciamento houve uma aproximação mais
intensa com as tecnologias que evitam deslocamentos desnecessários.
23. Nesse sentido, Tavares coloca que o home office, o e-commerce e o ensino
parcialmente remoto já aparecem como parte de um novo normal e que serão
elementos importantes na retomada da economia.
24. Sustenta que não se pode olvidar o papel do Direito nesse contexto e que a lei n.
14.010/20, que estabeleceu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações
jurídicas de Direito Privado (RJET), no período da pandemia, em seu art; 14,
determinou a suspensão do regime concorrencial de atos de concentração indicados
no art. 90 da lei 12.529/11.
24.1. Ainda, em seu art. 15, o aditamento da entrada em vigor da LGPD para 1º de
agosto de 2021.
25. Tratam-se de duas normas jurídicas de grande impacto para a tecnologia , pois de
modo direto e indireto, incentivam os usos e a difusão digital, bem como a expansão
das grandes empresas multinacionais do setor tecnológico:
a. ao reduzir ou suspender o nível de exigência e controle sobre parte de suas
atividades, especificamente, sobre como obter e lidar com os dados (estes que
são chamados de “novo petróleo”) e os atos de concentração, ainda que
tenham acompanhado parte dessas empresas desde o início da Quarta
Revolução Industrial, sendo um dos grandes desafios da economia digital.
26. Aponta que a tentativa irrefletida de incorporação tecnológica em uma matriz
econômica pouco diversificada faz com que ao invés de uma solução, tenha-se um
novo problema no desenvolvimento nacional.

27. O que exigir de quem ocupa posições chave:

27.1. Devemos pensar em soluções inteligentes e aproveitar a janela para um salto


tecnológico do Brasil, de modo a evitar mais atrasos.
27.2. No entanto, soluções tecnológicas imediatas não são o melhor caminho para
um país de economia periférica.
28. Tavares sintetiza que está a abordar a efetivação do mandamento constitucional:
a. do desenvolvimento;
b. da proteção do mercado nacional; e
c. da realização de um Estado social.
28.1. Ele aponta que no “novo normal” devemos priorizar uma corrida pela
inovação nos diversos setores produtivos da nossa economia, com um maior
acesso de todos à economia digital, incentivando uma maior diversificação e
melhor posicionamento do cidadão nesse realidade.
28.2. Ressalta que não ter um real acesso digital é estar excluído da economia e da
educação.

AULA 05 - 19.09.22
Excedente

● Ao falar de geração de riqueza, dentro do modelo do produtivo capitalista, falamos do


que é essencial a esse modelo: o lucro. A busca do lucro é algo inerente e nuclear ao
capitalismo. É a base do sistema capitalista e de mercado. Aquilo que faz o sistema
mover-se
● A quem pertence essa riqueza? Quem fica com ele? Como se dá a distribuição
dele?
● o capitalismo persegue riquezas e lucro. O excedente é inerente a esse sistema.
● o capitalismo depende das regras jurídicas (não existe capitalismo sem direito)
○ o direito positivo faz com que o capitalismo seja viável (é então um elemento
essencial).
● Então é muito importante ter regras jurídicas que definem com quem vai ficar o
excedente. Porque se o excedente é o que move o capitalismo, então o direito
econômico precisa regulamentar ele.
● A perspectiva do direito econômico inverte a perspectiva predominante na economia.
A teoria econômica procura estudar como a escassez mexe com o mercado, como ela
gera interesse econômico, como ela gera precificação. Também analisa como os bens
são escassos e como a falta de um produto aumenta a precificação.
○ Essa visão foi transportada para a nossa visão sobre a economia (ao discurso
econômico), ou seja, no geral nós olhamos para a economia sob a perspectiva
da escassez.
● A visão geral em relação à economia é com uma mente de escassez. Nós, do direito,
sempre olhamos este assunto com a perspectiva de que a escassez é inevitável. De
fato, a escassez é inevitável em alguns setores. Mas essa perspectiva não pode ser o
pressuposto do pensamento jurídico e da ação do Estado.
● Por isso, a proposta é de que seja utilizada no direito econômico a visão oposta, ou
seja, olhar sob a perspectiva do excedente.
○ Na visão de um regime jurídico pautado na escassez, trataríamos da prioridade
em receber a produção: alguns vão receber uma parte da produção enquanto
outros vão receber menos (ou até mesmo nada); poder-se-ia pensar em alguma
forma de “rodízio”.
● Porém, nossa visão será pautada na economia do excedente. Isso porque a economia
gera excedentes. Devemos nos lembrar que a economia precisa gerar excedente (é
isso que o capitalismo busca e se ele não gera excedente o sistema não sobrevive).
● Por isso, o direito precisa trabalhar com a ideia do excedente que está sendo
produzido.
● Por isso não deveríamos focar na escassez. De qualquer forma, quando o direito pensa
em escassez?
○ Reserva do possível → esse argumento é muito usado pelo Estado quando ele
é demandado a fornecer alguma coisa → ela remete à questão da limitação
orçamentária, de modo que não é possível fornecer tudo que a população
precisa, pois não há recursos financeiros suficientes. Tem origem no direito
alemão.
■ Apesar de ser um pensamento cuja perspectiva é muito prática, ele não
pode ser norteador do pensamento jurídico. Não se pode pautar o
direito econômico pela escassez. Caso contrário, nada seria viável, o
que atrasaria o processo de evolução do capitalismo brasileiro, uma
vez que, para se desenvolver, ele precisa de uma maior participação do
Estado.
● Tendo em vista que a perspectiva do DE é a mesma do capitalismo, que é a do
excedente, o direito econômico não pode se desprender da realidade da produção de
excedentes. Do contrário, não conseguimos ter um debate adequado sobre temas do
direito econômico, como o planejamento, como construir o desenvolvimento nacional,
melhoria e expansão de estruturas, diversificar a economia, fazer a capacitação da
população e o que fazer com a mão de obra excedente que não tem qualificação
profissional.
● E como se dá a partilha do excedente? O excedente vai, de fato, para o capitalista
(mas existem regras específicas para essa partilha).
● Embora exista um regime jurídico do excedente, não existe uma sistematização das
regras sobre o excedente (ele está espalhado no ordenamento). Esse assunto nem é
discutido na academia, porque em parte é óbvio que esse excedente vai para o
capitalista, ao mesmo tempo em que por outro lado porque houve um lapso do
pensamento jurídico que deixou de abordar os assuntos para além desse óbvio.
○ As faculdades muitas vezes nem discutem sobre o regime jurídico do
excedente per si.
Exemplos do excedente no setor extrativista
● Não é o único que gera excedente, mas ele gera excedente em exponencial.
● Vejamos o faturamento líquido das principais mineradoras do Brasil:
○ Vale → 121,2 bilhões de reais
○ Petrobrás → 106,6 bilhões de reais
○ CSN → 13,5 bilhões de reais
● A Vale sozinha fatura o mesmo que os 5 maiores bancos brasileiros juntos. Em outras
palavras, tem muita riqueza sendo produzida. A grande preocupação do direito
econômico é saber para onde ela vai ou qual o regime de divisão desse excedente,
especialmente no setor extrativista, pois estamos falando de bens que pertencem à
União (art. 21, CF).
● Esse é um regime econômico específico que se difere do mercado comum, ele não
está totalmente inserido no mercado privado. Aqui devemos ter uma atenção especial,
pois a CF deu uma atenção maior a esse setor, ao determinar que esses bens
pertencem à União.
● Esse excedente na verdade é a transformação dos bens que pertencem à sociedade em
capital. Essa transformação deveria receber uma atenção maior do direito porque a CF
deu uma atenção especial a esse setor. Isso porque ele poderia alavancar o capitalismo
br.
● Cada partilha de excedente é objeto de grande disputa social evidentemente.
● Para aumentar o orçamento público, a perspectiva correta não é a da intervenção no
mercado privado, muito menos o aumento da tributação. Na visão do prof, o correto é
ter uma engenharia jurídica mais inteligente para a questão do setor extrativista.
● Essa disciplina sobre o lucro, hoje em dia, encontra uma dificuldade maior porque
atualmente temos um grande fluxo de capital para o sistema financeiro (uma vez que
ele é muito atrativo ao capital). O capital deixa de ser destinado ao setor produtivo e
vai para o investimento financeiro.
○ e esse investimento financeiro, no geral, se retroalimenta. Ele próprio gera
dividendos e riqueza. No entanto, tal sistema pode falhar e causar crises.
● Crise de 2008: foi oriunda de uma questão de produtos financeiros que eram
constantemente criados (cestas de produtos financeiros criados a partir de outras
cestas de produtos financeiros) em cadeira alcançando um nível de abstração muito
significativo. Uma hora a abstração era tão grande que se perdeu o controle do que
estava acontecendo, além disso, a precária base que existia era supervalorizada (caso
do setor imobiliário). Era quase um sistema de pirâmide.
○ Nos EUA tinha um agravante porque o sistema jurídico não regulamenta bem
essa ciranda financeira. Havia uma liberdade quase que absoluta.
○ Depois, eles criaram uma regulamentação mais forte, para evitar que a
situação se repetisse. Porém, isso já foi revogado. Hoje estamos vivendo sobre
uma certa liberalização do sistema financeiro norte americano.
○ No Brasil, esse setor é melhor regularizado em comparação com os EUA.
● O sistema financeiro é um atrativo para o capitalismo, porque nele há uma
possibilidade de diminuir os riscos para o capital. Quando investimos dentro do setor
produtivo, temos o risco de insegurança jurídica; custo Brasil; contratação de
maquinário; contratação de mão de obra; questões de importação e exportação. Por
isso, investir no mercado financeiro é mais atrativo, pois você pega o capital e obtém
renda dentro desse sistema não produtivo. No entanto, o sistema financeiro tem o
problema de que se pode criar produtos financeiros em cima de produtos financeiros,
que não representam nada do ponto de vista físico.
○ É muito difícil o sistema financeiro ser enquadrado pelo Estado, os fluxos
desse capital são internacionais, entram e saem o tempo todo e os Estados
nacionais não conseguem controlar.
● Há então, quando se trata da geração de excedentes, dificuldades adicionais como
aquelas trazidas pela liberalização do fluxo financeiro mundial.
● Aliás, quanto às aplicações financeiras, no Brasil, não há tributação sobre as
operações realizadas na conversão de algumas transações financeiras em moeda.
○ Há um problema que não é enfrentado, porque não se entende qual seria o
objetivo de tratar desse problema.
■ o objetivo é a necessidade de criar excedentes. Sem excedente o Estado
não cumpre com as suas funções constitucionais e muito menos
consegue implementar o capitalismo.
■ O Brasil não está totalmente inserido no capitalismo. Nós temos um
grande contingente de pessoas vivendo fora do capitalismo, em
condição de miséria e sem trabalho.
● O Estado precisa se apropriar de parte da riqueza produzida, o que não quer dizer que
queira se apropriar do que o mercado privado produz. A CF traz como solução os
bens energéticos que pertencem à sociedade brasileira.
● Agora, vejamos exemplos desse regime jurídico da apropriação do lucro. Veremos
normas já conhecidas, mas na perspectiva do DE.

Elementos conformadores do regime jurídico de acumulação do excedente

● Salário mínimo → atualmente está em R$1.200. O proprietário dos bens de produção


não pode se apropriar para além do salário mínimo. Ou seja, ele não pode pagar um
salário menor que esse, com intuito de conseguir maior margem de lucro e se
apropriar ainda mais da riqueza produzida pela empresa. Funciona como uma trava a
essa noção de que o proprietário faz o que quer com a riqueza produzida.
● Participação nos lucros da empresa → também prevista por norma constitucional. É
possível haver limitação da apropriação, pelo detentor do capital, da totalidade da
riqueza produzida.
● Política de crédito nacional → trata da forma como o Estado trata da questão da
atribuição de crédito.
● Taxa de juros de crédito (capital produtivo x especulativo) → dependendo de
como o Estado regula os juros, um sistema pode ser mais beneficiado que outro.
Exemplo, se o Estado dá um tratamento aos juros mais benéfico às instituições
financeiras, ele vai aumentar o fluxo do capital para esse setor.
● Política cambial → pode atrapalhar o regime de produção do país, dependendo de
quem for o agente que o Estado queira beneficiar com essa política.
● Preço mínimo para determinados produtos agrícolas (PGPM-Conab) → trata-se
do preço destinado ao produtor rural. Ele precisa estar garantido pelo Estado. Ou seja,
ele garante um mínimo de apropriação ao produtor. Se o produtor não alcançar esse
mínimo, o Estado vai lá e cobre. Isso serve para tentar evitar a falência do produtor e
garantir a segurança alimentar.
○ às vezes o produtor não consegue produzir por questões econômicas, de
mercado ou climáticas.
○ A Conab é quem estabelece os termos mais específicos dessa política.
○ Ele tem a ver com o regime de excedente porque às vezes o produtor não
produz e não gera excedentes. Mas o Estado garante por outras vias.
● Isenções tributárias → em termos práticos, tem funcionado como alavancas para
maior apropriação privada da riqueza produzida. Sem, portanto, a necessidade de
pagar determinados tributos, o empresário acaba se beneficiando.
○ Isso não seria verdade se o Estado exigisse algum tipo de contraprestação.
Temos exemplos recentes de que a mera alegação de garantia de postos de
trabalho eram suficientes para o Estado dar a isenção. Porém elas só
funcionam como garantias sociais, se isto for posto no papel e exigido das
empresas que estão recebendo esse benefício.
■ Porém, como o Brasil não exige essa contraprestação, mesmo com
isenção, muitas pessoas ainda sofrem com demissões em massa e etc; e
as empresas auferem este excedente.
● Do texto do Stiglitz → a desigualdade também é um problema para o capitalismo,
muito mais que um problema social e humanitário. O Brasil é um dos países mais
desiguais do mundo. E a desigualdade interfere e atrapalha a economia (não é por
acaso que a CF diz explicitamente que precisamos superar as desigualdades sociais e
regionais → deixa de ser uma questão meramente teórica).
● O excedente vem para também poder contribuir para a apropriação estatal de parte do
excedente (especialmente do setor extrativista).
○ A divisão ou partilha de tudo isso é importante porque é isso que gera recursos
para que o Estado possa cumprir com o seu papel.
● Wilson Cano → o desenvolvimento é resultado de um processo econômico, com
elevada produtividade e crescimento do excedente. Por isso, não faz muito sentido
que o direito apenas trate das questões relacionadas à escassez.
● o Estado precisa contribuir para que a sociedade brasileira se eleve e possa caminhar
dentro do modelo de capitalismo completo. Por isso, os serviços públicos e outras
condições constitucionais precisam ser cumpridos.
● O modelo que a CF trouxe (em que bens naturais de valor econômico pertencem à
sociedade) acaba sendo um modelo muito atacado ou ignorado.
Setor extrativista: exploração pré-sal
● A Petrobrás foi fracionada e privatizada. Em seguida, houve o leilão das áreas do
pré-sal. Mesmo que a Petrobrás tenha desenvolvido tecnologia de ponta para o
pré-sal, ainda assim, essas reservas foram privatizadas.
● Depois dos leilões, o Congresso Nacional deu isenção para o setor (essa isenção
calculada até o ano de 2040 vai chegar a R$1 trilhão de reais). Isso é preocupante,
pois é uma quantia muito elevada que não será revertida para o desenvolvimento do
capitalismo brasileiro.
○ Para piorar, a maioria das empresas que compraram frações da Petrobrás são
estrangeiras.
Impostos sobre grandes fortunas
● Essa é outra proposta que se relaciona diretamente com a apropriação do excedente,
prevista na CF, mas não implantado.
● Muitos entendem que a implementação deste imposto é prejudicial. Tem corrente que
acredita que o melhor para a economia seria tributar ao mínimo as grandes fortunas
(Reagan e Trump fizeram isso)
● Alguns estudos, por outro lado, entendem que a tributação sobre as grandes fortunas
(advindas de herança) seria um elemento importante para a captação de recursos pelos
Estados (apropriação do excedente).
● IPEA→ impostos sobre heranças são os mais eficazes em termos distributivos.
○ 85% das pessoas concordam que o aumento dos impostos para pessoas mais
ricas para financiar as políticas sociais.
O imposto sobre as Big Techs
● Essa é outra proposta viável acerca da apropriação de riquezas.
● Existe uma proposta mundial para a criação de impostos sobre produtos digitais. A
França já fez isso em 2019 e gerou uma grande discussão, pois muitas dessas
empresas são americanas (para os EUA é bom que suas empresas não paguem tributos
fora do território). Trump tentou na OMC defender que o melhor seria não tributar as
Big Techs.
○ O G7 propôs um imposto global sobre essas empresas. Isso só no Brasil
geraria uma arrecadação de R$ 5,58 bilhões/ano.
○ O Biden mudou o posicionamento dos EUA e passou a apoiar esse tipo de
imposto.
● Alguns relatórios apontam que as big techs pagam até 75% menos imposto no Brasil
em comparação com outras empresas.
● Há um Projeto de lei 2358/20 que tenta instituir uma CIDE (Contribuição
Internacional de Domínio Econômico), na qual os valores arrecadados seriam
destinados para projetos de inovação tecnológica dentro do Brasil.
A distribuição dos lucros.
● Do art. 10 da lei 9.249/1995, tem se que a distribuição do lucro e dividendos para os
sócios não é tributada pelo Brasil (“Os lucros ou dividendos calculados com base nos
resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas
pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não
ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de
cálculo do imposto de renda do beneficiário”)
● O que é tributado é o valor que a empresa recebe ao vender um produto, mas quando
ela distribui lucros não há tributos a serem pagos.
○ Foi retomada essa discussão a partir de 2020.
Imposto sobre herança
● De acordo com a repartição de competências prevista na CB, cabe aos Estados a
arrecadação e a fixação de alíquotas do ITCMD. O Senado Federal prevê somente a
alíquota máxima (8%).
● Representa também uma alternativa.
Imposto sobre Operações Financeiras
● À medida que há uma migração do capital para o sistema financeiro, um imposto
sobre operações financeiras pode ser repensado para gerar arrecadação para o Estado.
Muitas alíquotas são inexistentes em movimentações financeiras na bolsa de valores.
Fichamento do texto da semana

STIGLITZ, Joseph E. O preço da desigualdade.


nota: Esse texto achei meio too much pra o que estamos vendo e também deslocado das
questões de prova dos outros anos. Dá pra tirar umas coisas boas, mas tá distanciado do
Brasil, fazendo análises principalmente da economia estadunidense. Tem alguns pontos
relevantes, mas acho que é desnecessário para a prova. Tem partes fechadas e partes com
citação direta. Acredito que o texto do Tavares que ele trata da tecnologia e da covid (texto 5)
já dá uma ótima base para se pensar os impactos da desigualdade, ainda mais considerando
que as provas dele parece ter limite de linha.

1. Neste capítulo, o autor explica a relação entre a instabilidade e o crescimento.

2. Ao longo do capítulo ele aborda os fechos:

1. Cómo la respuesta del gobierno a una demanda insuficiente provocada por la


desigualdad dio lugar a una burbuja y a más desigualdad ;

2. La desregulación;

3. Una alta desigualdad fomenta una economia menos eficiente y menos productiva;

3.1. La reducción de las inversiones públicas;

3.2. Desarrollar nuestro potencial: el final de la igualdad de oportunidades;

3.3. Una economía distorsionada (búsqueda de rentas y financiarización) y una


economía peor regulada;

3.4. La teoría del salario de eficiencia y la alienación;

3.5. El consumismo;

4. A suposta compensação entre desigualdade e eficiência;

4.1. La búsqueda de rentas y la compensación entre desigualdad y eficiencia

4.2. Los fallos del mercado y la compensación entre desigualdad y eficiencia

4.3. Los efectos adversos de la denominada remuneración por incentivos

4.4. Sobrevaloración de los costes, e infravaloración de los beneficios, de una


fiscalidad más progresiva

5. Comentários finais.

3. Fazendo referência ao conteúdo do capítulo 1, o autor diz que a razão pela qual a
economia estadunidense leva muitos anos sem cumprir com o prometido para a maior
parte dos cidadãos é o aumento da desigualdade, uma brecha crescente entre “los de
arriba y los demás”.

4. Já em referência ao capítulo 2, aponta que uma das razões para que os de cima
tenham ido tão bem é a procura de aluguéis.

5. O autor assevera que a desigualdade exige um alto preço e que esse preço será cada
vez mais alto, posto que a tendência é que a desigualdade continue crescendo.

6. Ele esclarece que este capítulo explica os motivos pelos quais não é provável que
uma economia como a estadunidense - “onde a riqueza da maioria de seus cidadãos
têm diminuído, onde a renda mediana estagnou e onde a maioria dos cidadãos mais
pobres têm piorado cada ano que passa” - não irá prosperar a longo prazo.

6.1. Para isso, examinaremos:

a. Os efeitos da desigualdade na produção nacional e na estabilidade


econômica;
b. Depois, veremos seu impacto na eficiência econômica e no
crescimento.

A instabilidade e a produção

7. O autor aponta que mover o dinheiro da parte mais pobre para a mais rica deduz o
consumo porque os indivíduos com rendas mais altas consomem uma porcentagem
menor de suas rendas do que aqueles com baixa renda.

8. Desde a época de John Maynard Keynes, o grande economista britânico, os governos


entenderam que quando há uma diminuição da demanda - quando o desemprego é alto
- medidas precisam ser tomadas para aumentar os gastos públicos ou os gastos
privados.

8.1. Destaca que os mais ricos fizeram todo o possível para limitar o gasto
público.

9. O autor, sempre estabelecendo um paralelo com a economia estadunidense, levanta a


questão de “Como a resposta do governo à demanda insuficiente causada pela
desigualdade levou a uma bolha e mais desigualdade”.

Como a resposta do governo à demanda insuficiente causada pela desigualdade levou a


uma bolha e mais desigualdade

10. Regulamentos inadequados, má contabilidade e práticas bancárias desonestos e


incompetentes também contribuíram para a criação da bolha tecnológica.

10.1. Embora o governo pudesse ter intervido, não era do interesse daqueles que se
beneficiavam da bolha tecnológica, especialmente os máximos directivos das
grandes empresas e bancos: eles não queriam que o governo interviesse.
10.2. Ressalta que os políticos também se beneficiaram:

“Essa demanda irracional por investimento durante o boom tecnológico


ajudou a compensar o que de outra forma teria sido a baixa demanda causada
pela alta desigualdade, tornando a era Bill Clinton uma de aparente
prosperidade”.

10.3. Ao fim, assevera que em uma democracia em que existe um alto nível de
desigualdade a política também pode ser desequilibrada e a combinação de
uma política desequilibrada que se dedica a administrar uma economia
desequilibrada pode ser letal.

La desregulación

11. O autor aponta que há uma segunda forma em que a política desequilibrada,
impulsionada por uma desigualdade extrema, conduz à instabilidade: através da
desregulação.

11.1. “Dar rédea solta às grandes empresas, e especialmente ao setor financeiro,


favoreceu os interesses de curto prazo dos ricos; eles usaram sua influência
política e grande capacidade de condicionar ideias para forçar a
desregulamentação, primeiro nas companhias aéreas e outros setores de
transporte, depois nas telecomunicações e, por último, e com grande perigo,
nas finanças”.

11.2. “La normativa es el conjunto de reglas del juego que se diseñan para que
nuestro sistema funcione mejor, para garantizar la competencia, para impedir
los abusos, para proteger a aquellos que no pueden protegerse por sí solos.”

11.3. “Economistas falam sobre a importância da "renda relativa" e da privação


relativa. O que conta (para a sensação de bem-estar de um indivíduo, por
exemplo) não é apenas a renda de um indivíduo em termos absolutos, mas sua
renda em relação à de outros.”

12. O autor traz uma indagação feita por Keynes quando se pensa que, a partir da
revolução industrial, as pessoas passaram a dedicar apenas um pequena parte de seu
tempo para cubrir sus necesidades básicas:

Como as pessoas iriam gastar o dividendo da produtividade?

12.1. A teoria econÔmica não aporta uma previsão clara:

“(...) embora se possa supor que pessoas razoáveis ​escolheriam desfrutar de


mais bens e mais lazer ao mesmo tempo.
Foi o que aconteceu na Europa. Mas os Estados Unidos tomaram um rumo
diferente: menos tempo de ócio (por família, à medida que as mulheres
entraram no mercado de trabalho) e mais e mais bens”.

12.2. “à pergunta de Keynes, de acordo com a teoria econômica padrão, a resposta


dos EUA é um tanto inquietante. Os indivíduos afirmam que trabalham
arduamente para o bem da família, mas por trabalharem tanto, têm cada vez
menos tempo para isso e a vida familiar deteriora-se. De alguma forma, os
meios provam ser inconsistentes com o fim declarado”

Una alta desigualdad fomenta una economia menos eficiente y menos productiva;

13. Além dos custos da instabilidade que ela traz, existem inúmeras outras razões pelas
quais a alta desigualdade – do tipo que caracteriza os Estados Unidos agora –
promove uma economia menos eficiente e menos produtiva. Dentre elas:

a. a redução de investimentos públicos amplamente benéficos e auxílios à


educação pública;

b. as enormes distorções que são geradas na economia (especialmente associadas


à busca de renda), na lei e nos regulamentos;

c. o efeito sobre o moral dos trabalhadores e sobre o problema de "não ser menos
que o próximo"

La reducción de las inversiones públicas

14. “O atual mantra econômico enfatiza o papel do setor privado como motor do
crescimento econômico. É fácil entender o porquê: quando pensamos em inovação,
pensamos na Apple, Facebook, Google e uma série de empresas que mudaram nossas
vidas. Mas nos bastidores está o setor público: o sucesso dessas empresas e, de fato, a
viabilidade de nossa economia como um todo, depende muito de um setor público que
funcione bem”

15. “em todo o mundo existe empreendedores criativos. O que faz a diferença - o que
decide se Esses empreendedores vão fazer com que suas ideias e ideias frutifiquem ou
não. produtos no mercado - é o governo.

Por uma razão simples: o governo estabelece as regras básicas de Toque. Faz cumprir
as leis. De maneira mais geral, fornece a infraestrutura intangíveis e tangíveis que
permitem que uma sociedade e uma economia.

Se o governo não fornecesse as estradas, os portos, as educação ou pesquisa básica -


ou se você não se certificou de que alguém fazer, ou se pelo menos não criou as
condições em que alguém poderia para fazê-lo - as empresas comuns não seriam
capazes de prosperar. economistas chamar esses investimentos de "bens públicos", um
termo técnico que alude ao fato de que todos podem usufruir dos benefícios de, por
exemplo, o conhecimento básico”

Desarrollar nuestro potencial: el final de la igualdad de oportunidades

16. “Sempre que reduzimos a igualdade de oportunidades, não estamos usando um de


nossos recursos mais valiosos – nosso pessoal – da maneira mais produtiva possível”

17. “Pode haver outro fator em jogo que está reduzindo a mobilidade e, no longo prazo,
reduzirá a produtividade do país. Estudos de desempenho educacional enfatizam o
que acontece em casa.

À medida que as pessoas na base e no meio lutam para sobreviver – porque precisam
trabalhar mais para sobreviver – as famílias têm menos tempo para passar juntas. Os
pais são menos capazes de supervisionar a lição de casa de seus filhos”

Una economía distorsionada (búsqueda de rentas y financiarización) y una economía


peor regulada

18. Aqui o autor diz que um motivo central dos capítulos anteriores era que grande parte
da desigualdade da nossa economia era consequência da busca de aluguéis.

18.1. “Em sua forma mais simples, os aluguéis são apenas redistribuições de nossos
bolsos para os dos que buscam aluguel. Isso é o que acontece quando as
empresas de petróleo e mineração obtêm os direitos de explorar petróleo e
minerais a preços muito mais baixos do que deveriam”.

18.2. “Sempre que as rendas são geradas pelo poder monopolista, há uma grande
distorção da economia. Os preços são muito altos, o que induz a uma mudança
do produto monopolizado para outros produtos.”

18.3. “Como explicamos nos dois capítulos anteriores, um dos objetivos do


rent-seeking é moldar as leis e os regulamentos a seu favor. Para isso, são
necessários advogados. Se é possível afirmar que os Estados Unidos têm um
governo do 1 por cento, pelo 1 por cento, e pelo 1 por cento, é possível
afirmar, com convicção ainda maior, que os Estados Unidos têm um governo
dos advogados , pelos advogados, e pelo 1 por cento para os advogados.”

18.4. “Supõe-se que o quadro jurídico visa tornar a nossa economia mais eficiente,
proporcionando incentivos para que os indivíduos e as empresas não se
comportem mal.

Mas desenhamos um sistema jurídico que é uma corrida armamentista: os dois


protagonistas fazem todo o possível para que seus advogados prevaleçam
sobre os do rival, o que significa gastar mais que o rival, já que advogados
bons e inteligentes custam caro.

Muitas vezes, o resultado é decidido não tanto pelos detalhes do caso ou


questão, mas pela ganância do bolso. No processo, há uma enorme distorção
de recursos, não só no contencioso, mas também nas medidas que são tomadas
para influenciar o resultado e, sobretudo, para evitá-lo.”

18.5. “A política externa, por definição, trata do equilíbrio entre os interesses


nacionais e os recursos nacionais. Quando 1% da população dá as ordens e não
tem que pagar nenhum preço pelas guerras, o conceito de equilíbrio e
contenção é destruído.

Não há limite para as aventuras que podemos empreender: grandes empresas e


empreiteiros só podem ganhar com isso. Localmente, em todo o mundo, os
empreiteiros adoram estradas e edifícios, dos quais podem se beneficiar muito,
especialmente se fizerem as contribuições certas para os partidos políticos.
Para os empreiteiros dos EUA, as forças armadas têm sido uma mina de ouro
dos sonhos.”

La teoría del salario de eficiencia y la alienación

AULA 06 - 26.09.22
Política Econômica e Direito Econômico

Porque precisamos falar de política econômica no curso de direito?


● Política e economia historicamente sempre estiveram associadas, e até hoje a política
cuida da economia: também o direito está orientado para as políticas econômicas, já
que as políticas econômicas são realizadas por meio do direito.

Políticas econômicas
● o direito é quem instrumentaliza as políticas econômicas, criando seus mecanismos.
● Algumas políticas econômicas foram incorporadas ao direito, deixando se ser
meramente políticas, se tornaram norma jurídica: hoje temos políticas econômicas até
mesmo dentro da Constituição.
● As políticas econômicas tradicionalmente não estiveram incorporadas às discussões
jurídicas, porém hoje é um assunto jurídico muito importante que deve ser levado em
conta.

3 momentos históricos importantes de aproximação entre o direito e as políticas econômicas:

● Mercantilismo: era uma política econômica que foi viabilizada por um modelo de
Estado que procurava unificar os interesses da burguesia, cujo fins de moldar o
capitalismo.
○ Tínhamos assim o monarca estabelecendo políticas econômicas por meio de
normas, que pretendiam unificar o território, concentrar o poder para fins de
defesa, unificação de pesos e medidas, melhora da circulação de mercadorias
○ A burguesia se aliou ao Estado para sedimentar o que era importante para ela
○ Aqui é o início da criação das regras jurídicas que viriam ser importantes para
o capitalismo. Já era o direito se aliando a grandes políticas econômicas.
● 1 Guerra Mundial : planejamento estatal de grandes políticas econômicas, porque
era necessário que o Estado assumisse o controle da economia devido ao embate
bélico.
○ Políticas econômicas foram adotadas pelos Estados pois a falta de
planejamento poderia gerar uma catástrofe.
○ O Estado fica responsável por planejar se haveria produção de comida e
armamento suficientes. Isso tudo foi feito através de instrumentos jurídicos:
leis econômicas.
● New Deal: em 1929, houve uma profunda crise econômica nos EUA e o plano para a
retomada econômica foi o New Deal, liderado pelo Roosevelt. Foi um plano
econômico muito audacioso para época, no qual o Estado era responsável por abrir
muitos postos de trabalho (diversas agências recrutadoras foram criadas).
○ O Estado contratava milhares de pessoas que estavam desempregadas para
fazer desde reflorestamento, pintura de prédios públicos até obras em estradas
(ou ligadas a infraestrutura).
○ Com esses empregos as pessoas eram inseridas na economia e, assim,
gastando seus salários, elas reaquecem outros setores da economia (efeito
multiplicador).
○ Essa política econômica também envolvia ajuda financeira aos agricultores e
empresários para que eles pudessem retomar suas atividades.
○ Efeito multiplicador na economia: o investimento público leva a maior
consumo, que leva a maior renda e maior arrecadação tributária.
○ Keynes depois teorizou o que ocorreu, levando ao estabelecimento do
keynesianismo.
○ Diversas leis foram editadas para efetivar essa política econômica.
● No Brasil um caso paradigmático foi o plano de metas do JK. Havia 30 metas que
foram divididas em 5 setores (energia, transporte, alimentação, indústrias de base e
educação).
○ Foi elaborado pelo conselho econômico que foi criado na época, no qual todos
os ministros de estado participavam.
○ Exemplos do que foi realizado:
- implantação da indústria automobilística no Brasil, tanto estrangeira
quanto a nacional → isso acontecia por meio de incentivos fiscais.
- expansão das usinas hidrelétricas → Paulo Afonso no Rio São
Francisco (1955), início de Furnas e de Três Marias (MG).
- criação da superintendência do desenvolvimento do nordeste
(SUDENE) → buscava realizar a diminuição das diferenças regionais.

O direito econômico instrumentaliza a política econômica, como também possibilita a crítica

jurídica da política econômica.

● crítica jurídica da política econômica: verificação de se a política econômica é


alinhada aos objetivos que estão juridicizados - no nosso caso, constitucionalizados.
● dupla instrumentalidade do direito econômico:
○ Norbert Reich: ideia de que no direito econômico nós não vamos só estudar a
regulamentação que o Estado faz da economia faz e o seu grau de intervenção.
Está incluso também, pensar criticamente a respeito das leis econômicas.
○ além de regular o fenômeno econômico e oferecer instrumentos de ação,
pretende-se realizar a crítica jurídica da política econômica.

3 objetivos centrais das políticas econômicas:


● promoção do crescimento/desenvolvimento econômico;
● aumento de postos de emprego;
● estabilização dos preços.
○ Quando perdemos o controle dos preços das coisas, gera-se inflação que nada
mais é do que a perda de poder aquisitivo por toda a sociedade, o que implica
em um menor consumo. Com a queda do consumo, a indústria passa a
produzir menos e isso afeta a geração de empregos e gera piora da situação
econômica.
○ Quando se reduz os postos de trabalho, a economia está se reduzindo.
○ Por isso, precisamos olhar o lado da demanda quando se fala em economia e
não só o lado da produção e o lado monetário.

Instrumentos tradicionais da política econômica:


● políticas fiscais → são todos os instrumentos nos quais buscamos o equilíbrio das
contas: tentamos equacionar gastos e arrecadação. Exemplo: teto de gastos (apesar de
haver quem diga ser problemático, sua perspectiva é de aplicação fiscal)
● políticas monetárias → são aquelas que buscam controlar a quantidade de moeda em
circulação, pois o descontrole dessa quantidade pode gerar problemas. Exemplo é a
crise de 29 que aconteceu pelo excesso de moedas em circulação.
○ os juros baixos são um desestímulo para o capital ficar parado e vai ser um
estímulo à produção: investidores vão entender que é muito mais vantajoso
colocar o capital na produção do que em uma poupança. Juros baixos são
exemplo de política monetária.
● políticas cambiais → Diante da desvalorização cambial, quando a moeda interna
perde valor e o dólar sobe, as empresas que trabalham com exportação são
beneficiadas, pois os produtos brasileiros no exterior ficam mais baratos. Por outro
lado, quando o câmbio do país está valorizado, ou seja, quando a moeda interna
aumenta o valor e o dólar cai, a alta impacta negativamente no produto exportado
(pois está mais caro) e, por sua vez, incide no crescimento da importação de produtos
do exterior. Essa entrada de mercadorias externas pode ter efeitos negativos para a
indústria nacional, que acaba perdendo mercado para os produtos importados. É
preciso um equilíbrio. O governo é quem vai verificar em qual momento é melhor
deixar o preço mais valorizado ou não em relação ao dólar.
Política econômica dos governos recentes

● Hegemonia do neoliberalismo: neoliberalismo é apresentado como uma única política


econômica viável (o que não é verdade). Suas principais medidas são a redução do
estado e do ajuste fiscal, buscando uma redução drástica da atuação do Estado na
economia.
○ A discussão não vai ser sobre a aplicação dessas medidas, mas sim analisar se
política econômica neoliberal é neutra e universal.
○ As políticas econômicas nunca são neutras (alguém vai ganhar e alguém vai
“perder” - ou ao menos não se beneficiar).
■ É preciso discutir: quem vai se beneficiar de uma política econômica.
○ As políticas econômicas neoliberais podem ser universais? Ou seja, é
hipoteticamente adequada a qualquer sociedade, em qualquer tempo,
especialmente considerando as grandes diferenças entre as economias?
■ A discrepância entre as economias periféricas e as economias centrais
nos leva a pensar que transportar as políticas econômicas desses países
centrais para outro caso qualquer, independente das particularidades
locais, não é razoável.
■ É preciso pensar as políticas econômicas a partir da realidade brasileira
e do que a nossa constituição determinou como metas.
■ Exemplo: políticas de protecionismo → hoje ninguém fala em aplicar
isso, porém, se quisermos copiar o que os países centrais aplicaram
quando eles cresceram economicamente, então deveríamos aplicar
políticas protecionistas pois foi o que esses países fizeram para chegar
no avanço econômico. Hoje temos outro contexto (globalizado e
repleto de tratados internacionais na área do comércio), no qual a
implementação de políticas protecionistas não necessariamente seriam
frutíferas.
■ Não existe uma política econômica que necessariamente será aplicável
a qualquer realidade. Por exemplo, a infraestrutura é o pressuposto do
desenvolvimento econômico, então não adianta achar que ter uma
política econômica expansionista será útil para aumentar a produção
nacional se o país não tem matriz energética suficiente para suportar
essa expansão.
○ Outro problema: o neoliberalismo tem estimulado os estados a estabelecerem
padrões mais negociais, como se fossem entidades privadas, tratando das
questões sociais como questões privadas, no interesse apenas de alguns
grupos: isso não é adequado à nossa Constituição.
■ Com isso, há gradual dilapidação do patrimônio público e um Estado
cada vez mais inapto às suas tarefas de orientação da política
econômica e de cumprimento de seus compromissos constitucionais.
■ É preciso entender o papel do mercado de um lado e de outro do
Estado.
○ Além disso, as reduções orçamentárias propostas pelo neoliberalismo têm
prejudicado a realização dos objetivos constitucionais econômicos. Pois há
uma tentativa de privilegiar as limitações de gastos públicos de modo que
outras finalidades constitucionais ficam prejudicadas.
■ Tese da Supremacia do Orçamento Monetário: é a ideia que é
imprescindível que haja redução dos custos do Estado, o respeito a um
teto dos investimentos estatais, e uma não-ação estatal que comprove
que o Estado não extrapola os gastos de exercícios anteriores, mesmo
que a população aumente e que as demandas se renovem.
■ Há um privilégio à contenção de gastos, ficando as políticas públicas
em segundo plano até que haja recursos para que o Estado possa
investir. É uma tese contrária ao que foi feito no New Deal. Mais que
isso: é um modelo de política econômica absolutamente afastado das
diretrizes da Constituição Econômica brasileira, que acaba por
privilegiar o grande capital e o puro rentismo do sistema financeiro.
■ Nesse sentido, retoma-se o tema de aulas anteriores: ao invés de focar
na escassez, deve o Direito Econômico se atentar ao excedente. A
Constituição brasileira aponta onde está o excedente: vem dos recursos
naturais, especialmente dos recursos com grande valor econômico que
são os recursos energéticos, que pertencem à sociedade brasileira. Se
não fizermos isso, ficamos dependentes de atrair capital privado, com
juros altos de títulos públicos, aumentando nossa dívida pública e nos
mantendo em uma economia periférica, atrasada, sem mercado e sem
diversificação econômica, de capitalismo fraco, sem mão de obra
qualificada.
■ Hoje o maior gasto do orçamento público do Brasil é com a dívida
pública. Hoje nós estamos privilegiando a renda da ciranda financeira
que há décadas o estado brasileiro está promovendo. Vivemos um ciclo
de falta de planejamento, no qual não conseguimos controlar a
inflação, só pagamos as dívidas (não pagar as dívidas não é opção pois
tira a confiança dos investidores e não permite captar nenhum recurso)
e não promovemos desenvolvimento.
■ É um modelo de política econômica absolutamente afastado das
diretrizes da Constituição Econômica brasileira, que acaba por
privilegiar o grande capital e o puro rentismo do sistema financeiro.
Portanto, o Direito econômico não pode ser asséptico, neutro ou
não-histórico.

Aspectos formais da política econômica


● Formalmente, a política econômica vem na forma de normas. É o direito que
instrumentaliza a política econômica. Na própria CF 88 há uma série de normas que
indicam como a política econômica deve ser.
● Outra tarefa importante do Direito econômico é avaliar a própria efetividade da
política econômica e a sua compatibilidade com aquilo que está definido na
Constituição de 1988. Assim, o que é contrário à CF, como políticas econômicas
recessivas, que sabidamente geram desemprego, por exemplo, precisam ser
rechaçadas.

Reafirmando a necessidade de atuação estatal

● A discussão sobre política econômica e Direito Econômico envolve não apenas uma
discussão sobre o tamanho da atuação do Estado na economia, mas sim sobre a
própria capacidade de atuação do Estado. Hoje o Brasil está sem capacidade de ação:
nem adianta falar sobre a intensidade da ação do Estado na economia já que ele nem
consegue agir.
○ Exemplo: Alemanha → recentemente houve a venda da maior empresa de
robótica do mundo, que era alemã. A China comprou essa empresa. O povo
não gostou, pois isso se dissociava do plano estratégico futuro do país. Os
alemães fizeram todo um planejamento econômico para que o Estado
comprasse outras empresas estratégicas para manter os interesses do povo
alemão.
○ O Estado deve ter capacidade de pensar no futuro e de agir quando necessário.
● O Estado ausente de suas questões econômicas é o Estado que abdica das
preocupações com o futuro de sua nação. É preciso, portanto, entender que hoje há
uma dramaticidade real sobre a capacidade que o Estado ainda retém para poder
decidir sobre elementos importantes, de maneira a promover o desenvolvimento.
○ O grande dilema do direito é a engenharia jurídica que vai permitir, por
exemplo, que uma reserva de minério só seja explorada apenas de acordo com
o planejamento energético do país.
○ Que tipo de país permite que uma empresa possa esgotar suas reservas de
energia em pouco tempo? Do que adianta discutir o problema da
industrialização, se o Brasil não tem estrutura mínima para alavancar um
crescimento industrial? Essas são questões de planejamento de política
econômica extremamente importantes.

Realidade brasileira e mundial

● “O Brasil investe menos da metade do que o necessário em infraestrutura” [estudo da


Associação Brasileira da Infraestrutura de Base (Abdib)].
○ Os setores com maior defasagem de investimento são os de saneamento
básico, transporte e logística.
● “Segundo a Abdib, para o país reduzir os ‘gargalos’ do desenvolvimento
econômico-social são necessários R$ 284,4 bilhões de investimentos por ano — quase
5% do PIB brasileiro por um período de 10 anos”
○ Hoje o Brasil não investe nem metade disso. Sem infraestrutura, nem
conseguimos discutir a desindustrialização do país ou a inserção do Brasil na
economia digital.
○ Fonte:
https://www.cnnbrasil.com.br/business/abdib-investimento-em-infraestrutura-
nobrasil-e-menos-da-metade-do-necessario/
● Bidenomics: Conjunto de medidas econômicas adotadas pelo governo Biden de forte
intervenção estatal na economia.
○ Ex: Programa de estímulos de 1,9 trilhão de dólares; um programa de gastos
de 2,3 trilhões em infraestrutura; e um Plano de Auxílio às Famílias
Americanas, no valor de 1,8 trilhões.
● Green New Deal: Tem forte inspiração no New Deal original, mas os investimentos
públicos seriam destinados às atividades econômicas sustentáveis.
○ Ex: Criação de empregos na área “verde” e investimentos em infraestrutura
para energias renováveis
● Reestatização de empresas que cuidam de serviços essenciais e de recursos
estratégicos.
○ Nem sempre a privatização funciona, o importante é refletir e analisar antes de
aplicar.
○ Ex.: Alemanha, EUA, França, Espanha e Reino Unido.

Excedente econômico na área petrolífera brasileira

● Qual o papel das empresas estatais? A sociedade de economia mista tem parte
pública, mas há participação do privado. Elas podem ser vistas como instrumentos de
políticas econômicas?
○ A Petrobras pode ser um instrumento de política econômica direita dos
estados? Ou ela está a serviço dos acionistas privados?
● A contribuição do direito nas políticas econômicas vai além de definir parâmetros e
metas de economia. Nós podemos olhar para formas de engenharia jurídica e atuação
estatal que fujam dos paradigmas tradicionais.
● Exemplo: Na década de 90, principalmente após a abertura da Petrobrás na bolsa de
valores, a união perdeu participação nas decisões da empresa. Depois da descoberta
do pré-sal (o pré-sal foi descoberto e viabilizado por pesquisa financiada pela
governo, porque os entes privados não achavam que investimentos na descoberta e
exploração em camadas tão profundas eram viáveis), fica a questão: vamos abandonar
a riqueza descoberta ou o Estado vai retomar controle da Petrobrás? Mas para retomar
o controle, precisaria comprar as ações da empresa, e como fazer se as ações subiram
de preço devido à descoberta do pré-sal? De onde viriam os recursos, já que recursos
são tão escassos para o governo mesmo para fazer frente às outras necessidades como
saúde e educação?
○ Em 2009 iniciou-se o movimento que pensava em como explorar esse
petróleo. Tradicionalmente, o modelo de parceria do Estado com o privado
para empreendimentos petrolíferos é: abre a licitação e quem ganha pode
explorar uma certa área por um determinado período, tudo isso pagando para o
governo, sendo que o petróleo fica com a empresa exploradora.
○ Assim, foi criado outro tipo de instrumento, especificamente para a relação
União e Petrobras, de modo a solucionar o problema da exploração do
petróleo. Foi criado o regime de cessão onerosa das bacias do pré-sal.
○ Trata-se de um instrumento jurídico no qual algumas áreas do pré-sal seriam
destinadas à Petrobrás. Ao invés da Petrobrás pagar em dinheiro ou em
petróleo, a União iria receber ações da Petrobrás. Com isso, a União conseguiu
aumentar 10% da sua participação na Petrobrás, sem precisar deslocar
orçamento ou se endividar.
○ Foram duas leis que foram publicadas para esse fim. Assim, instrumentos
jurídicos podem ser usados para exploração do excedente.
● Outro exemplo é o BNDES par, no qual em algumas operações, a contraprestação
pelo empréstimo recebido é dar para o governo participação acionária do
empreendimento. Então nós não precisamos sempre pensar em diminuição de gastos e
diminuição da participação do Estado, etc.

AULA 07 - 03.10.22
O Estado social e intervencionista: formação histórica
● Que tipo de Estado Social é o Estado Brasileiro de 1988?
● Não é possível fracionar o capítulo da ordem social da ordem econômica. Essas
questões são indissociáveis tanto no plano normativo quanto no real.
● O constituinte de 87/88 tinha a impressão de que muita coisa precisa ser alterada e
isso virou norma constitucional.
● O Estado social é intervencionista, é um modelo que exige do Estado que ele se
comporte oferecendo certas prestações de serviços.
○ A partir disso surge a questão, esse Estado social é contrário aos postulados do
capitalismo? Seria oposto ao Estado liberal?
○ O Estado liberal defende uma interferência mínima do Estado (não confundir
interferência mínima com Estado mínimo). No Estado social prestacional é o
próprio Estado que irá realizar uma parte da atividade econômica (serviços
públicos).
■ No sentido amplo, serviços públicos são atividades econômicas,
porém, juridicamente, nós separamos serviços públicos de atividades
econômicas em sentido estrito.
■ Saúde, educação são reguladas pela CF e podem ser oferecidas por
entes privados. Ou seja, são atividades econômicas, nas quais o Estado
também pode participar na qualidade de prestador de serviço público.
● Por isso, muitos economistas entendem que o Estado social é incompatível com o
Estado liberal ou até mesmo com o capitalismo. Os economistas que seguem por essa
linha são: Friedman; Hayek; Marshall (precursor da corrente do marginalismo). Eles
não aceitam o Estado social como algo próprio do capitalismo.
○ De maneira geral, na visão deles, o mercado privado, em conjunto com o
desenvolvimento autônomo das empresas, vai resolver naturalmente os
problemas sociais existentes.
○ O prof considera essa visão muito idealista e romantizada.
● Onde surge esse Estado social? Pós 2GM, na Europa. Surge uma percepção dos
estados europeus de que o Estado precisa oferecer certos serviços. Não basta que o
Estado apenas se preocupe com a igualdade de oportunidades e social, ele precisa
atuar do ponto de vista da execução de serviços (saúde, educação, abertura de postos
de trabalho, planejamento).
○ Keynes: preocupação com o emprego. No seu modelo de economia, o Estado
precisa atuar para ampliar os postos de trabalho. Isso não pode ficar única e
exclusivamente sob o critério do mercado. Em um momento de recessão, o
capitalismo não consegue se reerguer sem o Estado, na visão keynesiana.
● Para nós do direito, o ponto de partida está na CF.

História das constituições econômicas

● Resgate histórico para compreender que Estado social existe em 1988,


normativamente falando.
● Dentro da perspectiva Constitucional, a Constituição que importa para essa matéria é
a de 1934. Nela, observamos direitos sociais, preocupação com os direitos
trabalhistas. Porém, ela não estabelece um desenho econômico do Estado.
● O desenho econômico do Estado vai acontecer fora da Constituição. Isso não significa
que esse desenho será feito contra a Constituição, significa apenas que o texto
constitucional da época não falou nada sobre isso.
● O que propiciou o direito econômico desse período foram as diversas leis. Isso tem
início com as revoluções de 1930.
● De 1930 até a Constituição de 1946, todo o modelo econômico vai estar fora da
constituição. Na década de 1930, há a apropriação do Estado sobre os bens
energéticos (algo que os países europeus fizeram nos primórdios de suas formações
como Estados nacionais).
○ criou-se todo um arcabouço jurídico sub-nacional.
● A Constituição de 1946 foi considerada um retrocesso. Porque não trouxe direitos
essenciais como o da saúde. E, de novo, foi a legislação aqui que trouxe o desenho
econômico do Estado e não a Constituição.
○ sem avanços na Constituição econômica.
● 1964: diversas leis também estabeleceram o modelo econômico de funcionamento na
prática do Estado brasileiro. Criação do banco central; regulamentação de remessas de
capital para o estrangeiro. Mais uma vez, tudo isso foi realizado fora da Constituição.
● Só em 1988 que a Constituição vai ser capaz de criar um modelo específico. Com
muita influência do constitucionalismo transformativo (conceito originário da África
do Sul).
○ reconheceu o tipo de situação que ela não quer que permaneça. Ou seja, quer
reduzir a desigualdade social e regional. Entendimento de que muita coisa
deveria ser alterada e isso acabou ingressando como norma constitucional.

Constituição de 1988

● A CF visa a transformação de uma realidade periférica, de um capitalismo ainda


muito debilitado em todos os seus elementos. Por que?
○ Nossa economia continua sendo uma economia com grande contingente de
mão de obra disponível, desempregada e pouco qualificada para trabalhos que
exigem conhecimento técnico.
○ economia pouco diversificada, como são nos países centrais. Não temos um
amplo leque de postos de trabalho e de atividade econômica.
○ Economia não nacionalizada. Não no sentido de origem dos produtos, mas sim
porque funcionamos basicamente no eixo Rio-SP. Por isso, aumentar o
mercado interno (um dos objetivos da CF, art. 519).
● Nós conhecemos uma série de diferenças históricas que precisam ser endereçadas
pelo Estado.
● O Estado brasileiro precisa ser social (a CF é social e não há dúvidas sobre isso).
○ diversos dispositivos preveem direitos sociais (arts. 6º; 5º; 7º; 170; 1º …)
● Esse Estado social é o mesmo modelo do estado social europeu? Em parte sim. Claro
que o estado brasileiro é prestacional, mas não apenas isso. O modelo não é
exatamente igual ao europeu, devido à necessidade de mudanças estruturais, ou seja,
de transformações que precisam atuar no modelo de produção e no tipo de relação de
dominação que existe hoje.
○ Como o Brasil precisa de mudanças estruturais, há uma inequívoca
dependência entre os setores atrasados e os adiantados. Por isso não é tão
simples superar o subdesenvolvimento, porque no Brasil ele alimenta a parte
desenvolvida.
■ exemplos → grandes empresas de moda (multinacionais) foram
flagradas explorando mão de obra análoga à escravidão. Isso mostra
como uma parte do setor avançado está dependente do atrasado.
● E ao contrário do que acontece nos EUA, onde existem agências nacionais para
resolver os problemas, no Brasil isso não funciona. As relações produtivas e sociais
aqui tem as suas peculiaridades, não é possível importar soluções de outros países,
sem fazer adaptações.
● o modelo de estado social do brasil não é igual ao que a Europa tem hoje. Eles não
têm os problemas estruturais de educação, mão de obra qualificada, conjunto da
economia nacional de vasta extensão e etc.
○ O Brasil exige uma envergadura do Estado muito maior, em comparação com
a Europa.
○ Bercovici: ele chama essa maior envergadura de Estado desenvolvimentista,
que é um Estado social prestacional com uma projeção ainda maior. Busca
atuar nas causas que continuam reproduzindo a nossa situação de
subdesenvolvimento.
● Nós precisamos interferir como sociedade e estado (o mercado não resolveu e não vai
resolver esse problema) nessas causas para mudar essa realidade periférica.
○ algumas normas jurídicas permitem que essas causas se perpetuem.
● Ou seja, o direito também tem boa parte de responsabilidade nisso, pois o capitalismo,
seja ele qual for, mesmo que ele seja periférico, depende do direito.
● seja qual for o caminho seguido para o avanço, esse caminho encontra pressupostos
constitucionais e ele está ancorado nesse modelo de Estado específico, descrito na CF.
● A redistribuição de renda não vai resolver o problema estrutural do Brasil. É preciso,
simultaneamente, investir pesado em outros setores essenciais.
● O Estado social brasileiro apresenta um plus em relação ao Estado social europeu,
devido às nossas características históricas.
● Direito positivo em vigor e cogente. Não dá para continuar fazendo leitura seletiva da
Constituição. Exemplo → a CF de 1988 estabeleceu um modelo de juros para o país.
No dia seguinte saiu uma circular do Banco Central dizendo que o art. 192 da CF não
era aplicável. Que tipo de modelo de Estado estamos criando com isso? Se eles
tivessem se arrependido da escolha, o correto seria estabelecer uma mudança dentro
da proposta de modelo econômico definido na Constituição.
● É preciso entender a própria normatividade da Constituição como algo importante.

Monitor - André (pesquisa sobre política econômica relacionada ao petróleo)

● pesquisa que busca relacionar a política de inovação tecnológica; a atividade do


petróleo e o desenvolvimento nacional.
○ estudo e reflexão olhando para o art. 3º. II → compõem o objetivo
fundamental da República a garantia do desenvolvimento nacional.
○ Mas o que é desenvolvimento nacional? Estudar do ponto de vista histórico.
○ Ao discutir o direito econômico, inevitavelmente, tratamos de um tema
interdisciplinar que envolve a questão econômica, política e jurídica.
○ bercovici → direito econômico como um espaço político-jurídico de
acumulação, no qual se desenvolve a atividade econômica e também, no qual
o direito econômico decide quem vai se apropriar desse excedente.
○ petróleo → a nacionalização dos recursos minerais do subsolo é um processo
histórico que acompanha a evolução das Constituições brasileiras e tem
relação com o Estado social. Desde 1934 os recursos minerais do subsolo são
patrimônio público.
■ concorda com o Alexandre de Moraes de que o petróleo é um bem
público de uso especial, e seu uso teria uma finalidade em prol da
coletividade. Ou seja, há relação com o desenvolvimento nacional.
● O mestrado dele foi pensado a partir da descoberta do pré-sal. Antes disso, o Brasil
não era detentor de grandes reservas de petróleo. A descoberta do pré-sal é uma das
maiores dos últimos 30 anos. Com ele, o Brasil se tornou um dos 5 maiores Estados
detentores de petróleo do mundo.
● O petróleo está intimamente relacionado com o desenvolvimento nacional e à forma
como ele será explorado.
● O petróleo não é uma simples commodity. Assim como toda energia, é um recurso
estratégico, Para alguns, só o mercado tem maior aptidão para alocar racionalmente os
recursos.
○ O que há de irracional, na UE, de alocar recursos para substituir um
fornecedor que vendia gás natural a um preço mais em conta e passar a
comprar mais caro dos EUA? Isso diz respeito à concorrência internacional.
○ Especificidade da atividade do petróleo em regiões profundas → nos Emirados
Árabes, o petróleo está no “raso”, então não é caro para extraí-lo. No Brasil
temos a situação contrária, o que demanda um maior desenvolvimento
tecnológico nacional (pós crise do petróleo).
● Bercovici trata de forma bastante competente a interpretação da Constituição sobre a
apropriação desse excedente econômico em benefício do desenvolvimento nacional.
○ a renda petrolífera deve estar voltada para esse objetivo.
● Não existe desenvolvimento sem autonomia tecnológica. E não existe autonomia
tecnológica, sem um mercado que demande encomendas aplicáveis ao processo
produtivo. Em outras palavras, a inovação tecnológica é a aplicação do conhecimento
científico ao processo produtivo. O maior exemplo disso é o setor de indústria de bens
de capital (fábricas que produzem máquinas inteligentes).
● Vários autores entendem que o capitalismo propriamente dito, ele chega a um estágio
quando o setor dominante é o setor de bens de produção, pois ele é a corporificação
da inovação tecnológica aplicada ao processo produtivo e isso impacta todos os
setores da economia.
● Não é possível dissociar a política de inovação tecnológica da política econômica de
um Estado. Para produzir tecnologia, eu preciso de capital.
○ exemplo → se eu pratico uma taxa de juros elevada, eu dificulto a
competitividade naquele setor econômico. Assim como também não é possível
imaginar que uma fábrica vai mudar todo o seu maquinário, em um período de
recessão econômica, no qual ela pode perder todo o investimento necessário
para essa melhoria das máquinas.
● sistemas nacionais de inovação → o texto constitucional na sua íntegra, incorpora a
ideia de superar o subdesenvolvimento. Porém, o que predominou no Brasil desde
1990 são as ideias neoliberais, que buscam bloquear qualquer debate de política
econômica, cabendo ao Estado apenas cortar recursos e ao mercado resolver todos os
problemas (muitas privatizações).
○ um dos fatores que gera a crise econômica de 2008.
○ As políticas neoliberais na verdade acabam ampliando a desigualdade e o
desemprego, justamente porque rearranja a taxa de acumulação. Com a massa
de desemprego, você diminui os salários (não é por acaso que o Brasil não
apresenta um reajuste real do salário mínimo).
● Três casos concretos em que se discute o papel do Estado nas políticas econômicas e
de inovação:
● O primeiro deles é um documento assinado por Obama, pós 2008, para traçar as
estratégias e o esforço nacional para retomar os investimentos em tecnologia. Isso foi
feito em parceria com o setor privado. Com objetivo de produzir novos laboratórios
de pesquisa, visando manter a liderança tecnológica dos EUA.
● Em 2013, a Alemanha criou as recomendações para a implementação da indústria 4.0
(internet das coisas; impressoras 3D; uso de biotecnologia). A Alemanha busca com
esse esforço, criar uma política estatal (Estado + universidades + empresas) com o
objetivo de manter a liderança alemã no setor de máquinas e equipamentos (fábrica de
manufaturas inteligentes).
● A China criou uma série de estratégias, em 2015, para burlar seus problemas
estruturais e conseguir atingir desenvolvimento econômico. Mobilizou suas empresas
públicas e privadas, contando com a ajuda de universidades, para melhorar uma série
de gargalos tecnológicos na área de energia, transportes, trens-balas (antes eles
importavam trens-bala da Alemanha, hoje eles são os líderes na produção de
trens-bala); chips.
● A inovação tecnológica demanda uma nova racionalidade do Estado, que suplanta a
discussão de Estado regulador/interventor. Também demanda um novo pacto entre
Estado, empresas, órgãos de controle e universidades para poder superar esses
gargalos.
○ Emenda Constitucional 85 → implantação do sistema nacional de ciência,
tecnologia e inovação. Problema → não existe no Brasil nenhum mecanismo
de autogovernança que centralize esses sistemas estratégicos.
● qual a relação disso com o petróleo e desenvolvimento nacional? Não é possível
pensar no desenvolvimento, sem desenvolvermos o segmento da indústria de bens de
produção.
○ A atividade econômica (uso do petróleo) mobilizada pela indústria petroleira
fornece equipamentos para a indústria que extrai petróleo.
○ qual a especificidade da extração de petróleo de águas ultra profundas, como é
o caso do Brasil? A demanda dele é de indústria de bens, serviços e
equipamentos de alta complexidade tecnológica. Pode ser usado na área de
leitura geológica e muitas outras ferramentas.
● Qual o problema? Nós precisamos que essas empresas possam trazer toda essa
tecnologia para o país e não só ficar vendendo para multinacionais que têm filiais
aqui, pegam essa matéria prima, desenvolvem tecnologia, mas não devolvem esse
conhecimento para o Brasil.
● Essa atividade econômica auxiliar também deveria estar sob controle do estado,
porque ela é muito importante para o desenvolvimento nacional.

DIA 10.10.22 - PROVA

AULA 08 - 17.10.22
Constituição Econômica, Constituição Dirigente e Ordem Econômica

● Características que nos permitem identificar constituição econômica


● O estabelecimento da ordem jurídica, ao organizar a sociedade, já repercute sobre
comportamentos econômicos.
○ Mesmo a decisão do Estado de não intervir na economia importa em termos
econômicos
● Constituição econômica implica em que existem normas econômicas na Constituição,
mas ela não se identifica apenas com as normas apenas expressamente econômica
○ é muito mais que normas que tratam da economia, não se reduz a algumas
poucas normas econômicas
● A Constituição econômica não pode ser destacada da Constituição política, não
podemos aceitar a ideia de que há fragmentação entre as constituições.
○ Constituição econômica e política estão necessariamente ligadas
○ A decisão econômica tem perfil político e a decisão política impacta na
economia
● O capítulo sobre a ordem econômica da Constituição do Brasil não abriga a totalidade
da constituição econômica, ela não é uma ilha dentro da constituição política.
○ É muito mais que um punhado de regras contidas nos art. 170 e seguintes.
● Se o direito econômico é um método transversal a todo o direito, então a constituição
econômica está em toda a constituição política, porque ela é direito econômico, então
a constituição econômica implica em que faremos leituras econômicas da constituição
política. Nosso conceito de constituição econômica é um conceito metodológico que
nos obriga a olhar para a Constituição sob a perspectiva econômica.
○ Era muito comum que alguns autores entendessem a constituição econômica
como a parte da constituição que falava quando o Estado poder intervir ou não
na economia. Mas isso não é verdade, a constituição econômica vai muito
além disso, como visto acima.

Constituição econômica vs Constituição formal

● A constituição econômica pode estar fora da constituição formal?


○ Existe uma visão muito corrente, que entende que existe constituição
econômica fora da constituição formal (fora daquele documento que a gente
chama de constituição). Evidente que todas as normas que servem ao
capitalismo estão na constituição formal.
○ Norbert Reich: a C.E. é o específico sistema econômico adotado pelo Estado.
Isto não significa, porém, que o sistema econômico esteja exclusivamente
regulado na Constituição Política.
○ Muitas normas sobre funcionamento do mercado estão fora da constituição
formal.
○ Washington Peluso Albino de Souza: constituição econômica é um
componente da Constituição Política, mas não se resume a um título específico
ou um capítulo. Ou seja, não se trata de um fragmento apartado.
○ O direito econômico se propõe a romper com o formalismo.
○ No Brasil a gente chama de constituição tudo aquilo que compõe o direito
constitucional formalmente falando. A gente não usa operacionalmente o
conceito de constituição para leis que não estejam na Constituição. Assim,
operacionalmente também não podemos considerar constituição econômica
aquilo que está fora da constituição. No entanto, conceitualmente, podemos
adotar a perspectiva de não aprisionar a constituição econômica no corpo
daquilo que chamamos de constituição, que possamos compreender como algo
mais amplo do que a constituição em sentido formal.

Constituição econômica como conceito universal

● Não vale a pena construir um conteúdo universal de constituição econômica.


○ A constituição econômica está atrelada a uma dada realidade, conceito
historicamente localizado. Não pretendemos construir um conteúdo universal
que possa ser aplicado em qualquer lugar, em qualquer tempo.
○ Mas sempre lembrando que essa constituição econômica é fundamental para o
capitalismo: tanto que a nossa constituição econômica estabelece as normas
fundamentais do funcionamento do capitalismo.
○ Quais são as principais normas que determinam a existência do capitalismo?
Propriedade privada; livre iniciativa; livre concorrência; legitimidade da
apropriação do lucro. São os pilares do capitalismo, que estão na constituição,
mas a constituição econômica não é só isso, pois estabelece outras normas. E o
pressuposto de todos esses elementos essenciais é o Estado de direito. Sem
estado de direito não há os elementos essenciais do capitalismo.
○ A constituição econômica é historicamente determinada conforme as normas
que cada país adota. Por isso é um problema transplantar institutos e
instituições de um modelo constitucional diferente. Os efeitos/consequências
podem ser indesejados.
○ Nós precisamos nos desapegar da busca por conceitos universais. O conteúdo
de cada constituição econômica em cada país varia muito.

Histórico
● Desde o mercantilismo:
○ o Estado organizou a atividade econômica (unificação de pesos e medidas,
estabelecimento de pré-qualificações para o exercício de algumas profissões,
regulamentação de determinadas atividades etc.)
○ O próprio Estado assumiu funções econômicas, como a cunhagem da moeda,
políticas para criação de postos de trabalhos, empresas estatais, a instituição de
monopólios, entre outros.
○ Assim, no ordenamento jurídico, sempre existiu uma preocupação com o
aspecto econômico.
● Existia constituição econômica em 1787 (data da constituição dos EUA)? Sim, todos
os estados de direito sempre tiveram uma constituição econômica.
○ Onde há Estado, há uma constituição econômica. A Constituição Econômica
existe em qualquer Estado.
○ Essa constituição norte americana é liberal, no sentido de se opor às
constituições sociais (que só vieram mais tarde).
○ Essa constituição americana foi estabelecida com o objetivo de manter o status
quo. Não era seu papel estabelecer transformação social por meio do Estado,
de diminuir desigualdades, por exemplo. Privilegiava a liberdade individual, o
mercado e os agentes econômicos privados, como forma de frear os
movimentos sociais que estavam surgindo nos EUA.
○ Nos EUA, a constituição serviu como um freio a alguns avanços sociais. A
constituição americana tratou da sociedade americana como se fosse estavel e
homogênea, como se não houvesse conflitos. Esse modelo de constituição
liberal se contrapõe às Constituições sociais que aparecem no começo do
século XX.
○ Essa constituição liberal foi modelo no mundo todo, inclusive na América
Latina. No Brasil também, especialmente por Ruy Barbosa que era muito
influenciado pelos americanos.
● Vital Moreira: a ideia de Constituição Econômica pressupõe a consciência
econômica da comunidade - um senso de responsabilidade social. Por isso, está
associada ao ideal coletivo de justiça.
○ De acordo com este raciocínio, as C.E. teriam surgido somente após a
Primeira Guerra Mundial (1914 -1918).
● Constituições sociais - Constituição de Weimar (1919) e Mexicana (1917):
introduziram um novo modelo de constitucionalismo social. Elas incorporaram o
conflito social, reconhecendo a necessidade de transformação da sociedade. Esse
constitucionalismo transformativo é totalmente diferente da proposta americana de
1787. Por isso, não é possível transportar as ideias dos constitucionalistas
norte-americanos do século XVIII para resolver os conflitos sociais do séc XX.
● Não é possível fazer leituras das constituições econômicas a partir dos
constitucionalistas clássicos. Por isso passamos a precisar de um novo
constitucionalismo.
● Assim, há uma emergência da constituição econômica: não há mais a ideia de que a
constituição é apenas uma constituição política, neutra, que apenas preserva a
liberdade individual. A constituição econômica não é neutra: ela toma posição mesmo
quando não decide sobre determinado assunto - não decidir é tomar posição.
○ A constituição econômica não é apenas uma constituição de prestação social: é
uma constituição de transformação social, é um constitucionalismo que olha o
conflito social e percebe que a sociedade requer mudanças.
○ A nossa análise de constituição econômica é no sentido de que ela não
somente trata de questões econômicas e da atuação do Estado na economia,
mas ela não se satisfaz com isso, ela busca as mudanças na sociedade. Tem um
perfil crítico, de busca emancipatória, visando que a sociedade tenha um nível
maior de desenvolvimento e autonomia.
○ A Constituição Econômica não pode ser reduzida às normas de intervenção do
Estado na economia (visão reducionista). Este é apenas um dos vários aspectos
tratados pela C.E.
● Quais são os critérios para considerar normas infraconstitucionais como parte da
constituição econômica?
○ O pressuposto do direito econômico é de ser um método, não um ramo, então
o direito econômico é transversal ao direito. Sendo um método, não há como
imaginarmos que a Constituição se aprisiona na forma da constituição política.
Entretanto, na prática, a constituição econômica precisa ser formal porque não
poderemos dizer que uma lei tem status de constituição.
○ De uma maneira geral, nós sempre teremos escolhas econômicas através das
leis (de forma mais branda ou não). Exemplo: lei que penaliza invasão da
propriedade, tem um aspecto economicista.
○ Agora, a Constituição Econômica engloba a disciplina do sistema produtivo de
um país. Logo, as leis que tratam do modelo produtivo, as leis que tratam das
regras do mercado de mão de obra (elas limitam o capital), são, no sentido
material, de constituição econômica, porque tratam da organização do
capitalismo.
● As constituições econômicas não engessam as possibilidades de mudança?
○ Se a constituição fosse um conceito vazio, então a gente não precisa discutir a
constituição econômica. Nós discutiremos só o plano de governo. A
constituição econômica permite qualquer tipo de ação do Estado? Não, pois
senão não há parâmetro e o conceito de constituição econômica não tem
sentido de existir, pois a cada eleição o governo mudaria tudo. O pressuposto
de constituição econômica é que tem algumas decisões econômicas que foram
tomadas pela sociedade e não são passíveis de mudança.
○ Ex: direito à livre iniciativa. É um direito fundamental e uma base do
capitalismo que não poderá ser alterado. É uma decisão que não pode ser
mudada por cada governante eleito, mas é uma decisão feita a priori e que
permanece. É uma escolha política, mas que reflete seus efeitos na economia.
o pressuposto do direito econômico.
○ Neste sentido, as normas jurídicas da Constituição Econômica servem não
apenas para estruturar o capitalismo, também para assegurar direitos e
garantias econômicas e para impor limites e controles aos agentes de mercado,
bem como traçar as funções de planejamento e atuação direta do Estado.
○ Todo o direito positivo (lei e atos normativos em geral, inclusive atos
infralegais) deve ser interpretado à luz da Constituição. Logo, a Constituição
Econômica deve pautar tanto o legislador como os demais poderes em suas
ações, bem como operadores e intérpretes do Direito.
● O que acontece com o surgimento das constituições sociais? A partir desse momento,
temos constituições escritas com modelo diferente do norte americano, que se
espalhou pelo mundo.
● Essas novas constituições exigem novos institutos, novas formas de análise e novas
modalidades de realização de seus objetivos.
● A Constituição liberal, no entanto, não foi abandonada por completo: há diferenças
entre as constituições sociais, que podem ser mais ou menos intensas nas mudanças
que propõe. Como dito anteriormente: decidir pela não intervenção do Estado em
certa área é uma decisão.

Constituição Econômica no Brasil

● No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema capitalista e


garantiu os institutos essenciais ao seu funcionamento.
● Existência de direitos fundamentais econômicos:
○ Livre iniciativa privada econômica
○ Liberdade de profissão (respeitadas as limitações impostas em lei)
○ Liberdade de trabalho (respeitadas as limitações impostas em lei)
● Em nossa Constituição, estão presentes a estruturação do capitalismo, a garantia de
direitos econômicos, a imposição de limites e controles aos agentes de mercado, bem
como previsão de atuação direta do Estado. Todos estes aspectos estão contemplados.
● A Constituição de 1988, como um todo, persegue a mudança na sociedade, isto é, a
alteração da realidade social existente.
○ Art. 3º: Incorporação do conflito. Há uma descrição de realidades indesejadas
e imposição ao Estado o dever de mudar as estruturas em que se baseiam estas
situações indesejadas.
○ Pretende levar a sociedade brasileira a um patamar de desenvolvimento, a
partir da transformação de estruturas atrasadas.
○ Não é possível a mudança sem os recursos necessários suficientes. Por isso,
há, na Constituição, uma coerência entre os objetivos almejados e as fontes de
recursos para as mudanças.
● Sabino Cassese: diminuição do poder e da autoridade do Estado no âmbito
econômico em função de instituições supranacionais.
● Uns 10 anos atrás, alguns autores falavam de uma nova constituição econômica, mas
eles estavam se referindo à União Europeia (possui um monte de norma sobre direito
econômico) como uma nova constituição (por possuir muitas normas supranacionais).
É possível verificar o fenômeno em outros países, fora do bloco europeu?
○ Talvez essa perspectiva de nova constituição econômica também sirva para o
Brasil. Primeiro, porque o capitalismo é global e interligado. O capitalismo
envolve a inserção dos Estados na comunidade internacional, ele é
necessariamente global. O que vemos hoje é uma redução da capacidade de
decisão dos estados.
○ Esse posicionamento global dos estados no capitalismo, força os Estados a se
submeterem a certas práticas ou os obriga a aceitar certas práticas, ou seja, há
uma diminuição da possibilidade de decisão e isso se torna visível em
momento de crise.
○ A gente percebe que este movimento é global, quando uma crise em um local,
gera consequências graves em vários outros países.
○ Isso é muito percebido no sistema financeiro: com a globalização, o capital
entra e sai de forma muito simplificada. E há um movimento de regulação
supranacional que obriga os países a se inserirem nesse contexto de tal forma
que as decisões de cada Estado individualmente perdem força.
○ Assim, não são só os países na UE que revelam esse novo constitucionalismo
econômico: há uma perda geral de força da constituição econômica na medida
em que o Estado perde força e sua capacidade de gerir crises em uma
sociedade capitalista cada vez mais interligada e globalizada.

AULA 09 - 24.10.22
Constituição dirigente

● categoria importante para entender a constituição financeira


● Canotilho → autor da obra mais importante sobre constituição dirigente. A
Constituição dirigente é aquela que visa a implementação de mudanças para atingir
objetivos indicados nos próprio texto constitucional.
● A Constituição Econômica (CE) não é apenas a regulação da atividade econômica e
do capitalismo, ela é também a perspectiva da mudança, transformação.
● A Constituição dirigente é a própria Constituição Econômica.
○ traz objetivos a serem alcançados. Avança naquilo que tradicionalmente era
considerado elemento político.
○ A CE foi parar na Constituição como uma forma de vincular as políticas.
● Houve uma diminuição do espaço de liberdade de conformação do legislador, ou seja,
a possibilidade de escolha do legislador é menor nas constituições dirigentes. Elas
avançaram para algo que era tradicional do mundo político, algo que era tradicional
do legislador.
● As primeiras constituições econômicas são as de Weimar (1919) e a do México
(1917). Inauguram um novo modelo em relação às que já existiam (antes havia o
domínio das constituições liberais, cujo maior exemplo é a Constituição Americana,
marcado pelo liberalismo individualista).
○ As constituições liberais não deixam de existir, mas o surgimento da
constituição econômica voltada para a transformação social passa a ser uma
opção.
■ ps: toda a constituição é econômica, mesmo a liberal, quando decide
não olhar para a mudança social, ela também é econômica, porque não
promover mudança é uma escolha econômica.
● Nosso conceito de CE é atrelado ao conceito de constitucionalismo transformativo,
atrelado à ideia de Constituições que querem alterar a realidade fática.
● As constituições liberais pretendem manter o status quo, buscando preservar as
situações econômicas vigentes. Elas recuam em relação à intervenção do Estado e ao
papel coordenador que o Estado tem. Aqui, a sociedade se auto regula.
○ Vital Moreira → Estado como guarda noturno, que age para proteger a
propriedade e manter as coisas como estão.
● As Constituições dirigentes não aceitam o status quo, elas identificam os conflitos
sociais e pretendem implantar uma ponte para a mudança. A desigualdade
socioeconômica é um grande fator de conflito social e é isso que a CF brasileira busca
mudar.
● O surgimento das CE foi ocorrendo historicamente, pois a economia de alguma
maneira se tornou um assunto de Estado, passou a ser uma preocupação do Estado por
isso, passa a ser tratada expressamente na Constituição, seguindo o caminho contrário
das constituições liberais que eram implícitas (ao não tratar nada sobre a necessidade
de mudança, querendo ou não, estavam traçando uma diretriz econômica).
○ Economização do Estado: O Estado se torna um agente econômico importante,
mas não concorrendo com o mercado ou planificá-lo, mas sim agir como um
coordenador.

Normas programáticas

● Elas teriam uma eficácia limitada, porque dependem de uma lei para que possam ser
executadas. Dependem de integração normativa posterior.
● Essa teoria acabou servindo para menosprezar algumas cláusulas constitucionais,
fazendo uma leitura seletiva da Constituição. Ex: tem artigo na Constituição que está
incomodando ou sendo visto como um problema, então não aplicamos.Não aplica a
norma programática e espera o legislador fazer outra lei para alterar tal questão.
● acabou servindo como bloqueio da constituição social e de normas socioeconômicas.
● É evidente que na Constituição que alguns artigos expressam diretamente à lei. Não é
isso que está em discussão. Estamos falando de leituras seletivas, que arbitrariamente
dizem que um artigo precisa de lei, e se não tem lei, então ninguém vai aplicar esse
artigo.
○ Constituição Italiana → o Tribunal Constitucional demorou anos para ser
criado, precisa de várias leis para ser feito. E não tem problema, tem normas
que de fato precisam da criação de outras para ter suporte. A demora é algo
que faz parte do processo.
○ O problema está quando você usa desta teoria para atrapalhar mudanças
econômicas. A Constituição brasileira de 88, no art. 192, proibia juros anuais
de 12% a.a. O que se fez com esse dispositivo? Os juros cobrados no Brasil
nunca ficaram abaixo de 12%. Como se resolveu? Norma programática, a
saída do supremo foi dizer que precisava de lei dizendo o que significava esses
12% a.a. Na época, circulou até mensagem do Banco Central falando que os
bancos não precisavam seguir essa norma, porque ela não tinha eficácia. No
final das contas, a lei foi tirada.
■ Aqui vemos uma leitura seletiva, pois incomodava o sistema e que
trouxe bloqueios arbitrários (sem teoria para justificá-los).
● Eu posso usar essa mesma teoria para defender que o teto de gasto precisa de uma
norma programática. Ex → Eu não sei exatamente como funciona esse teto de gastos
e, além disso, os direitos sociais são anteriores a esse teto, nós não alcançamos o
estágio de Estado social. Então pode-se pensar que primeiro deveríamos atingir esse
Estado social, para em um momento posterior definir esse teto de gastos. Outro
exemplo, posso dizer que não vamos pagar os juros da dívida pública brasileira, pois
ela está infringindo a proporção do Estado social (boa parte do orçamento está sendo
consumido por esses juros).
● Conceitualmente essa questão da norma programática é usada arbitrariamente,
subjetiva.
● Na concepção do prof, essa teoria da classificação das normas constitucionais só
atende as constituições liberais, porque ela tem uma visão legiscêntrica (influencia do
constitucionalismo norte-americano).
○ A teoria tem o seguinte pressuposto → só o legislador pode concretizar a
constituição. Se eu não assumir esse pressuposto, quem vai realizar os direitos
sociais é o judiciário (e é isso que se quer impedir).
● Historicamente, o mundo jurídico é legiscêntrico. Ou seja, é o legislador quem recebe
o poder de decidir o que vai ser tutelado pelo direito. Essa visão permanece até hoje
(obs: essa frase aqui saiu meio baixa no áudio, então não sei se consegui transcrever tudo certinho).

● No Brasil, qualquer juiz é constitucional. Isso significa que o juiz tem o dever de
cumprir a Constituição e seguir o que está nela. Realiza a Constituição quem tem a
capacidade de realizar naquele momento (ou seja, o Órgão Público que naquele
momento tem a melhor capacidade de fazer isso).
● A quem se reserva o privilégio de concretizar a Constituição? Só o legislador? Não,
vários órgãos constitucionais podem fazer isso. Imposições constitucionais devem ser
cumpridas de qualquer órgão.
● Ao invés de falarmos em imposições legiferantes (deveres exigidos ao legislador) ao
tratar das normas programáticas, devemos falar de imposições constitucionais que
precisam ser cumpridas por qualquer órgão constitucional.
● No Brasil nós temos o mandado de injunção em ação direta de inconstitucionalidade
por omissão, para tratar exatamente da não presença do legislador quando ele deveria
agir.
● A nossa constituição financeira deveria dar suporte para a realização da constituição
econômica, mas o que nós temos é uma inversão, ou seja, a constituição econômica só
se realiza dentro dos termos da constituição financeira. Quando houver recursos,
quando esses recursos estiverem disponíveis, a transformação econômica/social pode
acontecer. Como se a constituição financeira fosse prioritária em relação à
constituição econômica, quando na verdade deveria acontecer o contrário.

Constituição do México e de Weimar

● influenciaram diversos Estados, devido a sua modelagem inovadora, que incorpora o


conflito.
● Ao contrário da constituição norte-americana, elas não adotam o ponto de vista da
moral individualista. Na Constituição norte-americana não existe uma posição
independente, a não ser o do indivíduo, não há uma moral coletiva dominante.
● Weimar e México permitem que o coletivo tenha uma posição autônoma, o coletivo
passa a ser tutelado. A invisibilidade do coletivo é superada.
● A Constituição do México (1917) → trata também da questão dos trabalhadores
(influencia a Constituição Brasileira de 34). Alguns artigos importantes da
Constituição Mexicana:
○ art. 27 (direito de propriedade) → o direito de propriedade é fragmentado em
dois:
■ originária (do Estado) e derivado (dos particulares). A propriedade
originária é de todos (ênfase no coletivo). Depois ela vai se
especificando, surgindo a propriedade derivada.
■ Outra inovação está sobre o tratamento dos recursos naturais, que é
algo que sempre ocupou os Estados nacionais desde o seu surgimento
(ato de soberania importante. Claro que no começo, na Europa, essa
tomada dos recursos naturais não acontecia por meio de constituições).
○ art. 28 (questão da concorrência) → O Estado precisa regular a liberdade de
concorrência.
○ art. 123 (direitos trabalhistas) → proteção do trabalhador contra a demissão
arbitrária; questão da previdência social.
● A Constituição de Weimar (1919) → também é inovadora, muitas vezes mais
utilizada e referida que a mexicana, porque ela trata a questão econômica de forma
mais sistemática. Alguns artigos importantes:
○ art. 153 → tratava da propriedade. “A propriedade obriga”. Não é apenas uma
questão de direitos. O uso da propriedade serve para o coletivo. Dispositivo
revelador do novo modelo de constituição econômica.
■ Exemplo → Julgado do Tribunal Constitucional Federal Alemão: em
meados do século passado, ele foi chamado para resolver um caso no
qual o sujeito (um advogado) comprava propriedade rural para ganhar
em cima da especulação. Como a propriedade tem uma conotação
coletiva, o tribunal entendeu que a terra é finita dentro do Estado
nacional e essa terra tem que servir para o abastecimento da população
e não para a especulação.
■ O proprietário tem o dever de cumprir com essas obrigações, dentro de
sua propriedade.
■ Esse artigo também previa a proibição da usura.
○ art. 151 → previa a existência digna dentro da ordem econômica (relação com
o art. 170 da CF de 88). Sentido da democracia econômica, da participação de
todos dentro das tomadas de decisões econômicas do país.
● O que se costuma lembrar sobre a Constituição de Weimar para desqualificá-la?
Comenta-se que a Constituição de Weimar levou a uma grande crise econômica, cujo
principal reflexo foi o nazismo. De fato, isso aconteceu, mas é preciso entender o
contexto. A Constituição de Weimar, segundo os estudiosos, é uma das mais
democráticas que já foi escrita.
○ tinha um dispositivo que muitos consideram um erro. O art. 48 dava poderes
ao chefe do Reich de suspender os direitos e a própria constituição (início da
derrocada de Weimar). Além disso, tem a questão cultural, a constituição de
Weimer não tinha muitos apoiadores dentro da sociedade alemã. Apesar de ser
progressista, muita coisa do modelo político e da estrutura extremamente
hierarquizada da Prússia, foi usada na Constituição de Weimer. Ou seja, a
Constituição mudou, mas os políticos não.
○ E ainda existia a crise econômica do pós guerra. Os vencedores queriam
grandes indenizações e a Alemanha não podia mais ter um exército e nem
podia produzir material bélico.
○ A Alemanha começou a produzir material bélico escondido. Algumas pessoas
passaram a denunciar internacionalmente e foram assassinadas (alegação de
não serem patriotas). O judiciário começou a fazer vistas grossas sobre essas
perseguições e até mesmo legitimar o que estava acontecendo, sob o
argumento do interesse nacional. A Constituição perde eficácia. O Judiciário
passou a fazer uma leitura seletiva da Constituição, ou seja, aplicava com rigor
as regras só para os “traidores”. O nazismo surge depois, com base no próprio
poder judiciário e nessa interpretação seletiva.
● Essas circunstâncias históricas justificam o desastre pós constituição de Weimer. Mas,
não foi a própria constituição que causou sozinha toda a barbárie que veio depois.

AULA 10 - 31.10.22
Aspectos externos da soberania econômica: dívida externa e problemas do regime jurídico do

capital estrangeiro

● art. 170, inciso I da CF


○ consta como um dos fundamentos da ordem econômica.
○ NÃO é a soberania política que aprendemos em TGE. Ou seja, não se trata de
uma repetição, pois trata-se de um outro conceito que a palavra soberania.
● Nesta semana, estudaremos a matéria sobre o ponto de vista externo e na semana que
vem do interno.
● Adiantando brevemente a matéria da semana que vem, como assim soberania
econômica do ponto de vista interno? Trata-se da questão da internalização dos
centros de decisão econômicos/privados.
○ Esses centros de decisão econômica, quando eles estão localizados no exterior,
geram dependência, culminando em problemas, pois as empresas são
multinacionais (então o centro de decisão está no estrangeiro, assim como o
capital).
○ Além disso, também abarca a questão da soberania interna é o mercado
interno.
● Voltando para a aula de hoje. Quais os elementos importantes da soberania econômica
do ponto de vista externo?
○ Regime jurídico do capital estrangeiro: ponto central da aula. A lei de 1964
que regulava isso foi alterada em dezembro de 2021.
○ Economias periféricas: por que esse assunto é importante para a soberania?
Porque gera uma escassez de recursos. O Brasil é um país carente de capital e
essa carência nos leva a facilitar a entrada de capital estrangeiro (o que nem
sempre é bom, pode desestabilizar a economia).
○ Agentes econômicos: Entender seu papel e também entender como o agente
econômico nacional pode ser incentivado, para que ele não seja apenas um
intermediário entre o agente econômico estrangeiro e o mercado interno. O
empresário na maioria das vezes é exportador de commodities, que se dirige
apenas ao mercado extrangeiro. Apesar de ser bom para a balança comercial,
não desenvolve o mercado interno brasileiro. Não adianta uma economia ter
apenas exportadores e intermediários, o Estado precisa se preocupar com o
desenvolvimento do mercado interno, o que é feito a partir da ação de agentes
internos.
● Dependência e vulnerabilidade → o capital estrangeiro sempre vai gerar
dependência e vulnerabilidade. Isso significa não significa que o Brasil deva cortar a
ajuda oriunda do capital externo, porém, quando cria-se essa grande dependência, o
centro de decisão econômica acaba sendo transferido para o exterior, o que não é bom
para o país, porque essas empresas que serão responsáveis pelas decisões não
conhecem a realidade brasileira e, obviamente, não vão tomar as melhores decisões
para o nosso desenvolvimento.
○ Para alguns setores estratégicos, essa transferência do centro de decisões é
preocupante.
● Em outros países, como os EUA, não é admitido que as decisões econômicas sobre
setores estratégicos sejam tomadas por agentes externos.
● forças externas → elas são as multinacionais, o capital financeiro que circula pelo
mundo, a tecnologia estrangeira (da qual os países periféricos são dependentes); e as
ações diretas de um Estado sobre o outro (caso de Taiwan, em que os EUA possui um
grande interesse geopolítico e econômico. Taiwan é um dos maiores produtores de
chips, uma das peças fundamentais da indústria da tecnologia).
● às vezes não é tão fácil distinguir as forças internas da externas. Em alguns casos,
grupos econômicos internos se aliam fortemente ao capital estrangeiro. Esses grupos
econômicos internos acabam sendo visualizados pela sociedade como se fossem
grupos nacionais, mas na verdade eles não são, eles apoiam a capital estrangeiro para
viabilizar alguma atividade nacional específica, que satisfaz apenas seus próprios
interesses.

Capital financeiro internacional


● Para o prof, deveria existir uma distinção sobre o regime jurídico entre capital
financeiro especulativo e produtivo (de investimento).
○ Como diferenciar esses capitais? Não é algo muito difícil de fazer. Até porque
o capital estrangeiro quando vem para o Brasil já precisa se registrar nos
departamentos adequados e também precisa se autodeclarar. Basta que os
capitais se autodeclarassem como especulativo ou produtivo, com uma
engenharia jurídica adequada seria possível tributar de uma forma melhor
esses dois tipos de capital.
● A regulamentação do capital estrangeiro → um dos pontos importantes diz respeito à
remessa de lucros. O Estado precisa ter algum tipo de controle para evitar riscos à
sociedade e prevenir a possibilidade de desestabilização da economia. O capital
estrangeiro precisa de um regramento próprio.
● O Brasil tem regramento sobre o capital estrangeiro. Na CF nós tínhamos inicialmente
o art. 171 (foi eliminado em 1995), mas era um artigo importante, porque ele permitia
entender a sistemática da Constituição econômica brasileira. Ele diferenciava o capital
da empresa brasileira/nacional. Era ricamente detalhado, porque ele se conectava com
o art. 219 (diz respeito ao mercado interno). Essa diferenciação, em conjunto com as
estratégias para a defesa nacional, apesar de ter sido revogada no Brasil, é super
comum em outros países.
● Em outros países, a distinção entre empresa nacional e internacional continua sendo
feita pelo Estado, com o intuito de restringir o capital estrangeiro e incentivar o
capital nacional. Nos EUA foram aprovadas 3 leis recentes invertendo a ideia de que
o Estado deveria evitar dirigir os setores econômicos. Os dois partidos se uniram para
passar esses 3 projetos.
○ pacote de 1 trilhão de dólares em infraestrutura (ships acting).
○ maior programa de pesquisa e desenvolvimento com 280 bilhões de dólares
por 5 anos.
○ reflection reduction action, mais completo de política industrial, com 374
bilhões para incentivar a energia limpa.
○ Além disso, os EUA também aprovaram a proibição à empresa (privada) de
continuar vendendo chips para a Rússia e para a China. Pois essa empresa é
considerada estratégica para a defesa de interesses nacionais. Os americanos já
possuem uma certa dependência dos chips produzidos em outros lugares, com
a venda dessa empresa para os chineses, eles sentiram que essa dependência
poderia aumentar.
■ Os EUA já fizeram esse tipo de interferência outras vezes. Uma vez,
eles desconstituíram um contrato privado, em que uma empresa
considerada estratégica tinha sido vendida para um grupo chinês. Para
defender os interesses nacionais, os americanos anularam a aquisição.
● Outro exemplo → quatro anos atrás a uma das maiores empresas de robótica do
mundo (que era alemã) foi vendida para os chineses. Depois disso, a Alemanha criou
uma grande política econômica, a partir da qual, foi aprovada uma lei em que foi
criado um fundo econômico para que a Alemanha pudesse comprar qualquer empresa
estratégica alemã que fosse colocada à venda.
● Com base nesses exemplos, percebe-se que há uma preocupação do mundo
desenvolvido em relação ao o que o capital estrangeiro faz no seu território. O capital
estrangeiro não pode agir livremente, caso contrário teremos um quadro de extrema
dependência, que pode causar a desestabilização da economia.
● Com a guerra na Ucrânia e com a pandemia, há uma tendência geral dos países em
criarem leis mais protecionistas, pois houve o fechamento das cadeias produtivas
internacionais.
○ Trump é um capítulo à parte, porque desde o início ele tinha como política
econômica um nacionalismo muito forte.
● Voltando para o regramento brasileiro sobre o capital estrangeiro. O art. 172 dispõe
que a lei deve ser disciplinada com base no interesse nacional sob os investimentos de
capital estrangeiro e também incentivará o reinvestimento. Como somos um país
periférico, nós precisamos que haja o reinvestimento produtivo, o dinheiro não pode
ser livremente remetido para o estrangeiro. Por fim, esse artigo disse que a remessa de
lucros precisa ser regulada.

Apanhado geral sobre como o capital estrangeiro foi utilizado na história do Brasil

● A industrialização no Brasil começa com uma dependência do financiamento estatal.


● Década de 1950/60: houve um autofinanciamento das empresas, inclusive as
multinacionais. Como isso aconteceu? Devido aos baixíssimos salários, o que
permitia que a empresa tivesse mais lucros. Isso foi considerado uma forma de
autofinanciamento.
● Além disso, os custos de produção baixos (relacionados à alta inflação) também eram
considerados uma forma de autofinanciamento.
● Década de 1970: passamos a ter uma dependência maior do capital estrangeiro. As
filiais das multinacionais pediam dinheiro às matrizes. Essas matrizes enviavam o
capital estrangeiro para cá e financiavam a produção nacional.
○ Quem decidia sobre esse financiamento? Centro de produção externo. Eles
que decidiam se ia ter mais ou menos produção no Brasil.
○ Estavam dependentes também das decisões externas.
● Década de 1980: há a crise financeira. De novo, como consequência de ter os centros
de decisão econômica no exterior, as matrizes passaram a exigir a remessa integral do
capital. O fluxo foi invertido, enquanto nas décadas anteriores o capital entrava aqui,
agora as filiais passaram a mandar dinheiro para as matrizes.
○ Isso desestabilizou o Brasil, gerando dívida externa (esse fenômeno também
aconteceu em outros países, a Polônia inclusive entrou em insolvência em
1981).
○ Como isso é possível? Um agente externo provocou toda essa crise. E quem
foi esse agente? Foram os EUA.
○ Os EUA estavam com um problema interno econômico, que em parte era
devido ao alto preço do petróleo na época (os americanos eram muito
dependentes da importação de petróleo). Também existia uma pressão
internacional para que os EUA mantivessem a garantia do lastro do dólar com
o ouro (para isso os americanos tinham que manter uma reserva enorme de
ouro).
■ O Nixon, por um ato unilateral, simplesmente derrubou qualquer
relação do dólar com o ouro. E ele também elevou a taxa de juros
interna americana, o que atraiu todo o capital norte-americano e
estrangeiro que estava em outros países. O resultado disso foi a crise
da dívida externa dos países de economia periférica.
■ Com isso o mundo entra em crise também, porque existia um alto risco
de calote. E quem eram os credores? A maioria eram bancos
norte-americanos.
● Essa questão da remessa de lucros não ficou limitada à década de 1980. O prof trouxe
a notícia que, em 2021,a remessa de lucros do setor automotivo foi a maior em 8 anos.
Com a pandemia, as empresas automobilísticas entraram em crise e começaram a
exigir que as filiais devolvessem o dinheiro. Em comparação com 2020, houve um
aumento de 37% das remessas. E de acordo com os dados do Banco Central, o setor
automotivo nem foi o que mais devolveu dinheiro para o exterior.
○ também existe uma falta de uma legislação mais inteligente que faça com que
o dinheiro possa ficar aqui.
● Isso afeta o planejamento do Estado, pois ele deixa de ter a sua disposição esse capital
que estava investido aqui.
● Voltando para o tópico anterior, grande parte da dívida externa brasileira, na década
de 1980/90, não foi adquirida pelo Estado. Quem contraiu isso foram as empresas
privadas brasileiras, porque elas se endividaram e o Brasil não tomou consciência do
que estava acontecendo.
○ e o que os EUA impôs? Que o Estado brasileiro assumisse a dívida dessas
empresas privadas.
● art. 237 → a fiscalização e controle sobre o comércio exterior (essenciais para o
interesse nacional) serão exercidos pelo Ministério da Fazenda. Problema → não
existe mais Ministério da Fazenda.
● Lei 14.286/2021 → substituiu a lei do regime militar. Trata-se do novo marco jurídico
cambial. Ainda não entrou em vigor, só entra no último dia deste ano. Ela também
trata do regime jurídico do capital estrangeiro. A lei anterior, praticamente equipara o
capital estrangeiro com o capital nacional e estimulava mais a remessa de lucros. A
nova legislação continua na mesma trilha, abertura ampla para o capital estrangeiro
com uma visão noeliberal. O novo marco apenas reforça as condições registrais, para
que o Estado saiba quanto está entrando.

AULA 11 - 07.11.22
Aspectos internos da soberania econômica - Desenvolvimento do mercado interno

● a nossa soberania requer que nós tenhamos um mercado interno mais desenvolvido do
que temos hoje.
● Muitos centros de decisão econômica são privados, empresas que muitas vezes são
multinacionais e estão tomando decisões importantes para o Brasil de algum outro
país.
○ problema → elas não conhecem as particularidades e problemas da economia
brasileira. Essa empresa não vai tomar decisões pensando em como melhorar a
economia do Brasil e melhorar nossos problemas estruturais.
● O agente econômico externo quando toma uma decisão para a economia do Brasil, ele
não vai levar em consideração os problemas socioeconômicos que nós temos.
Decisões bruscas, como a retirada repentina de capitais, podem causar enorme
impacto negativo, uma vez que o Brasil é uma economia periférica, carente de
recursos financeiros.
○ há uma série de impactos que a engenharia jurídica precisa contornar.
● A nossa perspectiva hoje é de entender porque existe esse problema e o que ele
significa/pode significar para o Brasil.
● A internalização dos centros de decisão econômica (trabalhado muito pelo Furtado),
parte dessa visão de que muitas vezes as decisões são feitas por empresas estrangeiras
que não têm interesse na forma como o nosso mercado interno funciona.
○ No mundo globalizado é impossível não existir essa tomada de decisão pelos
agentes privados, porém nós podemos criar mecanismos para minimizar os
efeitos negativos que essas decisões podem gerar.
● Os temas desta aula são muitos interconectados com os da aula passada.
● Às vezes uma medida relacionada a remessa de lucros para o estrangeiro pode
contribuir para que uma certa decisão tomada não seja tão impactante.
● Novo marco cambial → aprovado em dezembro do ano passado, que estabelece
medidas um novo modelo de câmbio, a partir do qual é possível existir remessa de
lucros para o exterior.
○ Não é possível evitar que existam centros de decisão no exterior, mas é
possível ao Estado criar mecanismos para que isso não seja incondicionado.
○ Muitos países, como EUA, possuem muitos mecanismos que evitam que o
agente econômico possa perturbar muito a economia interna.
● Mercado interno → tema recorrente no Direito Econômico. Tema do art. 219 que
será melhor aprofundado pela monitora.

Monitora - Gabriela Souto Maior - mercado interno


● aspectos internos da soberania econômica: estamos falando da soberania do art. 170
(não tem nada a ver com o art. 1º e nem com os conceitos que a gente viu em TGE).
Ela tem muito a ver com a internalização dos centros de decisão econômica.
● Por que é relevante um país ser mais ou menos dependente? Especificamente hoje,
vamos tratar dos aspectos internos.
● Na semana passada, quando vimos os aspectos externos, a questão da obtenção de
dinheiro para a economia brasileira sempre foi uma questão chave. É fácil entender
porque essa questão é importante, porque o Estado brasileiro já nasceu endividado.
Com a independência, já tivemos que pagar divida para Portugal.
● Nunca existiu aqui, enquanto Estado e projeto de país, preocupação com o excedente
e em como transformar isso em infraestrutura e manufatura. Sempre tivemos o
problema da escassez como algo gritante. Por isso, essa dependência do capital
externo é relevante.
● Do ponto de vista interno, qual a extensão dessa dependência?
○ o mercado interno → o termo mercado surgiu na Roma Antiga, se referia a
um espaço físico de trocas. Hoje, o mercado tomou uma outra dimensão de
relevância, tanto que o termo capitalismo muitas vezes é visto como sinônimo
de mercado. Ele é um ente despersonalizado,onipresente, onisciente e supera
fronteiras políticas e físicas.
■ conceito abstrato que nasceu da vontade humana. O mercado é fruto da
construção humana, ele não é natural. Ele é constituído por agentes em
um espaço de disputa.
● Com a economia capitalista, o conceito atual de mercado acabou se irradiando para
outros aspectos da nossa vida social (nós temos sociedade de mercado; efeitos do
mercado no comportamento das pessoas). Mesmo com essas ramificações, nós não
podemos perder de vista que ele é uma construção humana arquitetada por normas
jurídicas.
○ A construção do mercado interno brasileiro é desenhada na nossa constituição.
● sobre o aspecto interno, nós já nascemos em desvantagem, por causa do nosso
processo de independência. Mas mesmo do ponto de vista do mercado interno, na
época da colônia, o Brasil já não tinha muita vantagem.
○ Celso Furtado ressalta que a economia colonial consiste em arquipélagos
econômicos com baixíssima conexão entre si e com pouca variedade de
produtos. Todos esses núcleos econômicos estão sempre olhando para fora. O
próprio pacto colonial exige isso, quando proíbe manufaturas aqui. A
metrópole é quem determina o que a colônia consome, quanto ela consome e
quando ela consome.
○ Nosso mercado já nasceu totalmente desconectado, por uma decisão política e
jurídica (muitas leis proibiam as manufaturas). Quando na região de Minas
começou a surgir um mercado interno um pouco mais desenvolvido, a
metrópole tratou logo de repreender. O
● A independência também não mudou esse cenário. Pior ainda, a independência
continuou mantendo a escravidão, ou seja, uma parte considerável da população
sequer poderia ser considerada mercado interno, porque essa parcela da população
simplesmente não tinha direitos.
● Ao longo do século XX, essa insuficiência de mercado interno começou a ficar muito
evidente.
● Na 2GM, por motivos externos, o Brasil foi obrigado a olhar para seu mercado interno
pela primeira vez e perceber a capacidade de geração de riqueza desse mercado
interno.
○ na 2GM a Europa deixa de comprar os produtos brasileiros.
● Porém, essa percepção não foi bem delimitada. O olhar para o mercado interno não
surgiu com um planejamento. A substituição de importações surgiu como um
imperativo de urgência/necessidade fática. Não foi um plano que já existia e no qual
se pensava em uma continuidade para depois pensarmos em uma revolução industrial.
Foi uma circunstância que trouxe frutos positivos para o Brasil. Porém, mesmo após
a década de 1950, o Brasil continuou com um mercado interno com características
típicas de países subdesenvolvidos. O que isso significa?
○ mercado desarticulado, no qual não há uniformidade entre as regiões (uma
região tem indústrias, enquanto a outra ainda vive de subsistência). Nós não
conseguimos criar uma malha coesa que possa estruturar nosso
desenvolvimento. Ainda somos dependentes do mercado externo.
○ Se a gente não produz, a gente só compra o que querem vender para nós,
quando eles querem vender e o que eles querem vender. Continuamos com
uma grande vulnerabilidade.
● O Brasil não tem um total controle e muito menos consegue impor com exatidão o
interesse nacional.
● Para conseguir qualquer mudança, o país não pode depender apenas das pautas
internacionais e muito menos submeter seu mercado interno a isso.
● O que é interesse nacional? Como o poder constituinte definiu isso? O mercado
interno sempre esteve, na Constituição, como um patrimônio nacional. Art 219 da CF:
“O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a
viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e
a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal. Parágrafo único. O
Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem
como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de
parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a
atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência
de tecnologia.”
● O que nós percebemos da leitura deste artigo é que existem dois elementos muito
importantes, nós descobrimos o que é mercado interno (patrimônio → conjunto de
bens e direitos com uma afetação para determinada finalidade). O mercado interno é
patrimônio nacional, não propriedade pública nem privada, aqui não há discussão
sobre a titularidade. Além disso, o conjunto de bens desse mercado interno está
afetado para 3 finalidades.
○ finalidade 1 → viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico: não é
só a indústria de música e entretenimento. Quer dizer que, para o nosso
mercado interno, não basta para nós apenas replicar o modo de consumo de
um país desenvolvido, nós precisamos também respeitar grupos tradicionais
para podermos nos desenvolver.
○ finalidade 2 → bem estar geral: a população de forma geral precisa acessar
esse mercado, com qualidade.
○ finalidade 3 → visa autonomia tecnológica do país: curioso pensar que ao
longo desses 30 anos, com todo o processo de desindustrialização do país, nós
nos distanciamos dessa melhoria tecnológica.
● mercado interno não é só mercado consumidor. Existe mercado de mão de obras, de
terras, de bens de produção e assim vai.
● A ordem econômica está no art. 170; quando você tem a Constituição abordando as
empresas estatais olhamos para o 173; planejamento está no 174, minérios e petróleo
estão no 176 e 177.
○ por que o mercado interno foi parar no 219?
○ Desde o começo o mercado interno tá no 219, porque nos debates
constituintes, o mercado interno sempre esteve atrelado à ciência, tecnologia e
inovação (por isso ele está nesse capítulo, porque é uma obrigação do Estado
promover todas essas coisas).
● Mas por que não escutamos muito sobre essa obrigação? Alguns trechos da
constituição são propositalmente apagados para parecer que eles não são tão
importantes ou menos constitucionais.
● No estágio da economia mundial que nós vivemos hoje, com a economia 4.0 e a
revolução industrial de tecnologia de ponta, a postura dos meros consumidores é
suficiente, juridicamente, para nós? Parece que não, a constituição é bem clara quando
diz o que é o que pretende e quais os deveres do Estado.
○ Mas para além do ponto de vista jurídico, será que vamos conseguir
transformar a sociedade brasileira, abrindo mão de qualquer possibilidade de
incorporação e produção de tecnologia? Será que os interesses nacionais vão
ser adequadamente resguardados por decisões externas, sempre? Pode ser que
existam momentos de coincidência entre as decisões externas e benefícios
nacionais internos, mas isso será suficiente?
● A gente vive um momento atualmente decisivo em duas frentes: enorme patrimônio
biogenético e um mercado consumidor com enorme potencial de consumo. Será que
realmente vale a pena abrir mão da soja? A gente sabe plantar soja, produzimos
tecnologia para produzir soja, mas nós podemos ainda mais.
● mercado de dados → nós somos bombardeados o dia inteiro por informações. O
Brasil tem 200 milhões de habitantes, então tem um potencial muito grande nisso,
mas ficamos cada vez mais vulneráveis, porque os dados do mercado brasileiro estão
com empresas estrangeiras e não com o governo.
○ Como falar em soberania econômica ou liberdade de mercado, se a gente
abdicou desse tipo de ativo? se nós não temos previsibilidade do nosso próprio
mercado.
● O problema não é olhar para fora, mas apenas olhar para fora e não analisarmos nosso
potencial interno.

Você também pode gostar