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Introdução
1
Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa
Cruz do Sul – UNISC, Mestre em Desenvolvimento Regional pela UNISC, Doutor em Direito Pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Pós-Doutor pela Universidade de Salerno, na Itália.
2
LOBO, Paulo Luiz Netto, Constitucionalização do Direito Privado. P. 02. Farol Jurídico.
http://www.faroljurídico.com.br.. 2000.
Já o processo de constitucionalização objetiva submeter o direito positivo
privado aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos, ou seja,
é fazer uma releitura do direito civil à luz dos princípios e regras constitucionais. É
interpretar o direito civil à luz da constituição e não o contrário.
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A divisão entre Direito Público e privado, não tem sua origem pacificada, enquanto alguns dizem ter sua
origem no Direito Romano, como Werson Rego, outros como Finger, alegam ter originado da sistematização
procedida por Jean Domat, cuja obra serviu para a delimitação do conteúdo que foi introduzido no Código de
Napoleão. Finger cita ainda, em nota em separado, que segundo ensinamento da Prof. M. Celina B. de
Moraes, citando R. Savatier e Caio Mário, que, ao contrário do que se apregoa por vezes, a divisão
metodológica entre direito público e privado não tem origem no Direito Romano. Neste, o jus civile, os
direitos dos cidadãos, era um direito que hoje poder-se-ia classificar como público. (REGO, Werson, O direito
social e o direito do consumidor: uma nova forma de pensar o direito e a sociedade. Revista Forense
Imobiliária, nº 07, novembro/2000, p. 31-35. FINGER, Julio César. Constituição e direito privado: algumas
notas sobre a chamada constitucionalização do direito civil. A Constituição concretizada: construindo pontes
com o público e o privado. Porto Alegre:Livraria do Advogado. 2000. p. 85-105). Diz, aliás, Ricardo Luiz
Lorenzetti, que o Direito Privado passou a ser o Direito Constitucional aplicado, pois nele se detecta o projeto
de vida em comum que a Constituição impõe. (Fundamentos do Direito Privado. Trad. Vera Maria Jacob de
Fradera. São Paulo:RT. 1998. p. 253)
representa uma ruptura com o paradigma da produção de direito do Estado
Liberal-individualista.4
4
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(em) Crise: Uma exploração hermenêutica da Construção do
Direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado. 1999. P. 31/45. Entretanto, como o próprio autor menciona,
ainda, no País, há a ausência da implantação do modo de produção jurídica própria do Estado Democrático de
Direito, ou seja, ainda não ocorreu a sua efetivação in concreto no Brasil.
As constituições elaboradas a partir de então asseguravam, de um modo
geral, os direitos fundamentais de liberdade e igualdade, atualmente denominados
de primeira geração, muito especialmente liberdade e igualdade para exercer os
direitos econômicos, concedendo aos indivíduos a autonomia da vontade a fim de
poderem regular seus interesses, sem a intervenção estatal.
É neste período que foi editado o Código de Napoleão, marco histórico das
liberdades individuais, cujo modelo foi seguido por todos os códigos editados
posteriormente, período conhecido como o período da codificação oitocentista, em
razão do seu século, nos anos de 1800.
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Conforme menciona o artigo 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789; “Sendo a
propriedade um direito sagrado e inviolável”.
O anterior Código Civil Brasileiro, embora aprovado em 1916 e entrado em
vigor em 1917, na verdade foi elaborado nos fins do século XIX e, a exemplo do
novo código6, também permaneceu nas casas legislativas por longo período até
sua aprovação e entrada em vigor em 01.01.1917.
Foi, portanto, o anterior código civil, fruto, ainda, desse período liberal da
codificação e, como regra, seguiu sua tendência, que, objetivava, em razão da
influência da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem, fixar a
maior liberdade ao indivíduo, considerando a todos como iguais, obedecendo aos
princípios da igualdade formal do liberalismo político e econômico que
predominava.
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O novo Código Civil, Lei 10.406/02, embora aprovado em 10.01.2002, e entrado em vigor após um ano de
período de vacância, teve seu projeto de lei, de número 634, apresentado na Câmara dos Deputados, no
longínquo ano de 1975.
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Ao contrário, para os antigos, no período greco-romano, liberdade era poder exercer a ação política. Livres,
portanto, eram os que podiam participar do autogoverno da cidade. Os demais eram escravos, ainda que com
liberdade econômica. Na antiga Roma os escravos exerciam a atividade econômica, eram livres para exerce-
la, alguns até enriqueciam, mas a cidadania era-lhes negada.
caráter formal, ampla liberdade de contratar, por óbvio que o economicamente
mais forte utilizava-se deste seu poder econômico a fim de impor a sua vontade
sobre os demais. Conforme ensina Burdeau, citado por Lobo, houve duas etapas
na condução do movimento liberal e na existência do Estado Liberal: “a primeira, a
da conquista da liberdade; a segunda, a da exploração da liberdade”.8
8
LOBO. Paulo Luiz Netto. Do Contrato no Estado Social..Maceió:EDUFAL. 1983. p.32.
9
LOBO, 2000, p. 03.
10
RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A Constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras.
Repensando fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Luiz Edson Fachin (coord.) Rio de
Janeiro:Renovar. 1998. p. 05.
gradativamente, a partir do início do século XX, muito especialmente, a partir da
transformação social que ocorreu na Europa após a primeira grande guerra.
No Brasil não se chegou a atingir o Welfare State, porém houve sem dúvida
o Estado Interventor com a edição de diversas leis esparsas, também
denominadas de microssistemas jurídicos, retirando do Código Civil diversas
11
Cf. MORAIS, José Luiz Bolzan de, em As crises do estado contemporâneo América latina:cidadania,
desenvolvimento e estado. In: VENTURA, D. de F. de Lima (Org.) Porto Alegre:Livr. Adv., 1996, p. 88.
Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social “adjudica a idéia de uma comunidade solidária onde ao poder
público cabe a tarefa de produzir a incorporação dos grupos sociais aos benefícios da sociedade
contemporânea” vindo em contraponto ao modelo de Estado Liberal, onde o Estado representa apenas o papel
de garantidor da paz social, onde a sociedade é composta de “indivíduos livres e iguais”.
regulações, em razão de que este ainda fundamentado no sistema individualista
liberal não reunia condições de regular os interesses sociais, ensejando o
processo da publicização do direito privado, como já se viu.
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Quanto à função social do contrato ver: REIS, Jorge Renato dos. A função social do Contrato. In Revista do
Direito. Santa Cruz do Sul:Edunisc. 2002.
13
Nesse sentido ver a obra de Leal, Rogério Gesta, A função social da propriedade e da cidade no
Brasil:aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 1998.
Os princípios constitucionais, entre eles o da dignidade da pessoa
humana (CF, art. 1º, inciso III), que é sempre citado como um
princípio-matiz de todos os direitos fundamentais, colocam a
pessoa em um patamar diferenciado do que se encontrava no
Estado Liberal. O direito civil, de modo especial, ao expressar tal
ordem de valores, tinha por norte a regulamentação da vida
privada unicamente sob o ponto de vista do patrimônio do
indivíduo. Os princípios constitucionais, em vez de apregoar tal
conformação, têm por meta orientar a ordem jurídica para a
realização de valores da pessoa humana como titular de interesses
14
existenciais, para além dos meramente patrimoniais.
14
FINGER, 2000, p. 94.
15
PERLINGIERI, Pietro. “Depatrimonializzazione” e diritto civile. In: Scuole, tendeze e metodi: problemi
del diritto civile. Napoli:Edizione Scientifiche Italiane, 1988, p. 177. Perlingieri explica que a
despatrimonizalização do direito civil não quer significar a exclusão do conteúdo patrimonial no direito, mas
sim a operacionalização do sistema econômico, com diversificação na sua valoração qualitativa, ou seja,
direcionar para a produção mas sempre e, especialmente, respeitando a dignidade da pessoa humana,
juntamente com o respeito ao meio ambiente, propiciando, assim, a distribuição das riquezas com uma maior
justiça.
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FACHIN, Luiz Edson. Apreciação crítica do Código Civil de 2002 na perspectiva Constitucional do Direito
Civil Contemporâneo. Revista Jurídica. Nº 304. São Paulo:Notadez Informação Ltda. Fevereiro/2003. p. 18.
17
FACHIN, 2003, p. 17.
Ocorre, assim, a repersonalização do direito privado, no sentido de
(re)colocar o indivíduo no topo da proteção deste direito privado, onde se pode
citar, nesse sentido, o atual Código Civil Pátrio, que regula os principais institutos
civilísticos como a propriedade e os contratos, subordinados à sua função social e
à boa-fé.
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Nesse sentido, Fachin (2003) é enfático ao criticar o fato de que a “racionalidade que permeia todo o
Código Civil de 2002 está ligada à proteção à apropriação e da circulação de bens, abstraindo-se os seres
humanos concretos que estarão envolvidos nas relações jurídicas ali previstas”. Cita, também, Gustavo
Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro:Renovar, 1999, p. 438) que, igualmente, ao comentar a
nova racionalidade do Código Civil de 2002, ao elencar os quatro personagens do código civil de 1916 – o
marido, oproprietário, o contratante e o testador – que eram o objeto da atenção do codificador da época,
renascem redivivos com o novo código civil, só que agora em companhia de um quinto personagem: o
empresário.
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Nesse sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais Inovações no Código Civil de 2002.São
Paulo:Saraiva. 2002, p. 04
20
Foi apresentado à Câmara dos Deputados, no período da vacatio legis, Projeto de Lei, de autoria do
Deputado Ricardo Fiúza, relator da Comissão Especial encarregada da eleboração do novo código civil, de nº
6960/2002, com proposta de alteração de 160 artigos.
A prevalecer entendimento dessa natureza, um código jamais lograria ser
aprovado, pois sobretudo no mundo contemporâneo, a todo instante
surge a necessidade de novas leis aditivas, as quais devem ser objeto de
legislação especial. A promulgação de um código não estanca o
processo legislativo, sendo compreensível que ele poderá a qualquer
22
momento ser reajustado ou completado.
21
Miguel Reale foi o supervisor da comissão de juristas responsável pela elaboração do projeto de lei 634/75,
que deu origem ao novo Código Civil.
22
REALE, Miguel. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo:Revista dos Tribunais. 2003. p. 15/16.
23
REALE, 2003, p. 16/17.
24
GONÇALVES, 2002, p. 05.
Possui, o novo Código Civil, em seu corpo normativo, instrumentos
adequados a dar efetividade a esses princípios caracterizadores. Pode-se citar
nesse sentido a positivação de um capítulo destinado à proteção dos direitos da
personalidade, desde a proteção ao nome até o direito de se dispor do próprio
corpo para fins científicos ou altruísticos. Há, também, a regulação da teoria da
lesão e do estado de perigo, incluídos no rol dos defeitos do negócio jurídico, que
proporcionam a possibilidade de anulação do negócio jurídico realizado com
enriquecimento sem causa de um à custa do empobrecimento do outro.
No direito das coisas, o novo diploma civil traz novo conceito de posse, que
qualifica como posse-trabalho, “que se traduz em trabalho criador, quer este se
corporifique na construção de uma residência, quer se concretize em
investimentos de caráter produtivo ou rural”25, com conseqüente redução do prazo
da usucapião, especialmente quando configurada a posse-trabalho. O novo
Código Civil não deixa de reconhecer o direito privado da propriedade, mas
determina que deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de forma a preservar, conforme determinação em lei
25
GONÇALVES, 2002, p. 08.
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio
histórico e artístico, devendo, também, ser evitada a poluição do ar e das águas.
BIBLIOGRAFIA:
BETTI, Emílio. Teoría General Del Negócio Jurídico.1ª Edição. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns Aspectos da sua evolução.
Rio de Janeiro:Forense. 2001.
REIS, Jorge Renato dos. A função social do Contrato. In Revista do Direito. Santa
Cruz do Sul:Edunisc. 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª ed. São
Paulo:Malheiros Editores. 2000.