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Guaracira Gouvêa1
Como uma opção didática, apresentarei algumas reflexões sobre os temas cultura
material, a seguir sobre divulgação científica e na apresentação de minhas reflexões
acerca dos museus de ciência e técnica tentarei articular esses dois conceitos tendo
como referência as ações educativas em museus, que é meu lugar de fala.
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Licenciatura e bacharelado em Física pela USP e UFRJ, mestrado em Educação pela FGV - RJ e
doutorado em Educação Gestão e Difusão em Biociências pela UFRJ. Pós-Doutorado em Educação pela
UAB, Espanha. Professora adjunta da UNIRIO e colaboradora da UFRJ. Pesquisa os temas: linguagens,
museus de ciência, educação em ciências e formação de professores presencial e a distância nos quais
estão vinculadas suas produções mais relevantes. Bolsista Produtividade PQII, CNPq.
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CULTURA MATERIAL
No entanto, a palavra cultura nem sempre esteve esse sentido vasto e ainda
autores divergem dessa caracterização que nos leva a falar de culturas. Para Cuche
(2002, p. 13),
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Para Cuche (2002), nenhuma cultura existe em estado puro, sem ter sofrido
influências, o processo de aculturação é um fenômeno universal, mesmo que ele não se
dê da mesma forma em todos os lugares e em todos os tempos. Para nós, neste trabalho
interessa destacar que a ciência com seus modos de produzir conhecimento e suas
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No mundo contemporâneo no qual podemos ter objetos virtuais, mas que têm
referencia na materialidade de objetos concretos ou são criados a partir destes, como
pensar a materialidade? E ai como poderemos agrupar, classificar, preservar e expor ao
olhar?
As noções de cultura e de material nos indicam que essas noções são mutáveis e
polissêmicas para o mesmo período histórico. Ao nos referirmos à noção de cultura
material poderíamos dizer o mesmo, pois várias conotações são adotadas ao longo da
história das ciências humanas, mas é possível traçar um caminho dos sentidos adotados,
para tal consideramos aspectos abordados por Pomian (1985).
Para esse autor a cultura material surge de forma embrionária nos utensílios de
pedra de extratos arqueológicos que são objetos comuns que indicam um laço material
com a civilização que os produziu, isto significa que indicam possíveis modelos de modos
de subsistência de grupos sociais dessa civilização. Ainda, chama atenção que essa
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Para Pomian (1985, p.17) abordar a cultura material é estudar “(...) os aspectos
materiais da cultura entendidos como causas explicitas, e isso em certa medida, em
prejuízo dos seus aspectos menos materiais”. Ainda é cultura da coletividade, expressa
na repetição e na materialidade, no entanto, não descarta as marcas simbólicas dos
objetos, o invisível.
Para Pomian (1985, p.92), “uma coleção é qualquer conjunto de objetos naturais
ou artificiais, mantidos temporariamente ou definitivamente fora do circuito das atividades
econômicas e sujeitos a uma proteção especial em um local fechado preparado para
esse fim, e expostos ao olhar público”. Os objetos de coleção, segundo o autor, se
caracterizam pelo seu deslocamento no tempo e no espaço, pois perdem seu valor de
uso. Ainda, afirma que os objetos de coleção assemelham-se a obras de arte, que não
têm uma finalidade utilitária, sendo sua única finalidade a de se expor ao olhar. No
entanto, como as obras de arte, ao se tornarem peças de coleção passam a ter um valor
de troca, a medida em que existe um mercado no qual são comprados e vendidos e seus
compradores ganham prestígio social ao adquiri-los.
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Segundo Pomian (1985, p.95), semióforos são objetos que não têm utilidade,
“mas que representam o invisível, são dotados de um significado, não sendo
manipulados, mas expostos ao olhar”. O valor dos objetos de coleção reside no fato de
serem não objetos úteis, mas sim por serem “carregados de significado”. São
considerados preciosos, pois representam o invisível e promoverem um intercambio que
une o mundo visível e o invisível, que pode se tornar sagrado, de outros tempos. Mas
para que tenham esse papel precisam ser expostos ao olhar.
Para nós, neste trabalho, interessa destacar outra categoria de semióforos, citada
por Pomian, surgida após o século XVII e que, além disso, fornecerá peças de coleção:
os instrumentos científicos. Para Pomian,
A cultura material das ciências surge, nos anos de 1980 (GRANATO; SANTOS;
LACERDA; 2007) em um contexto de proposta de novos temas de estudo, conseqüência
das fortes críticas à negligência, por parte de historiadores da ciência, da contribuição da
experimentação e dos objetos de ciência para o desenvolvimento científico. Segundo
esses autores:
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Van Praet (2001) considera que essa questão se coloca há mais de um século
para os profissionais dos museus e a expressa da seguinte forma:
Como nosso lugar de fala é o museu de ciência, essa questão está no centro de
nossas preocupações. Como elaborar ações educativas, que neste caso são de
divulgação científica que tenham origem no intangível?
Toda prática social, para sobreviver, precisa se reproduzir (criar seus seguidores)
e ter uma função social. Assim, a ciência precisa formar seus adeptos e garantir junto
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aos outros grupos uma função social. Essas demandas geram a necessidade de se
difundirem os conhecimentos científicos produzidos. Do ponto de vista de alguns
praticantes da ciência, esses seriam os elementos para justificar ações de difusão de
conhecimento científico. Porém, do ponto de vista dos não praticantes, ter acesso aos
conhecimentos científicos e, principalmente, às técnicas produzidas significa,
principalmente, poder discutir e interferir na definição de políticas públicas do sistema de
ciência e tecnologia, o que caracteriza estes não praticantes como alfabetizados científica
e tecnologicamente. A possibilidade de tomada de decisões, tendo como referência o
conhecimento científico, que dá unidade cultural aos dois grupos, estabelece espaço de
resistência. Estamos argumentando que ter acesso à cultura científica pode não se tornar
uma aculturação, mas sim um elemento de resistência.
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No entanto, não se fala sobre tudo para todos ao mesmo tempo. A comunicação
de massa tem categorias de mensagens com determinadas funções. Tal como foi
expresso anteriormente, essas funções não são independentes, mas cada mensagem
privilegia uma função. Além disso, para cada meio de comunicação de massa (imprensa
– jornal, livro, revista, folheto, volantes – cinema, rádio, disco, televisão, vídeo/CD e
computador), as funções são explicitadas por meio da linguagem característica do veículo
suporte.
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A difusão está contida, desta forma, nas diferentes práticas da educação científica
e tecnológica, seja nas práticas sociais realizadas nos espaços formais de educação
(sistema de ensino formal-escola), ou nos espaços não-formais de educação. No
entanto, essas práticas são diferenciadas, e a divulgação, ou vulgarização, ou
popularização da ciência e ou comunicação pública da ciência diferem do ensino de
ciências, pois são componentes da educação não-formal, tendo principalmente para a
sua realização, condições sociais distintas do ensino de ciências.
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"A quinta categoria - cultural - difere das anteriores justamente neste ponto
fundamental: seu objetivo é a cultura, enquanto sua linguagem é a ciência. Ou seja, nesta
categoria, a ciência aparece como um elemento inicial a partir do qual se abordará a
cultura. Através da óptica da ciência de uma determinada época procura-se compreender
a cultura ... O que importa é saber como uma determinada visão de mundo contribui para
criar um corpo de conhecimento capaz de dar sentido e significado à natureza. E mais,
como a ciência se insere num contexto histórico-cultural, expressão, ela mesma, desse
contexto." (Barros, 1992, p. 64). Divulgar ciência seria estabelecer ações de aculturação
de grupos sociais não produtores da cultura científica.
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Para Massarani (1998, p.14), "talvez seja Roqueplo” (1974) quem define a
divulgação científica de forma mais abrangente, afirmando ser toda atividade de
explicação e de difusão dos conhecimentos, da cultura e do pensamento científico e
técnico, sob duas condições. A primeira delas é que essas explicações e essa difusão do
pensamento científico sejam feitas fora do ensino oficial ou de ensino equivalente. A
segunda condição imposta por ele é que tais explicações extra-escolares não devem ter
como objetivo formar especialistas, nem mesmo aperfeiçoá-los em sua própria
especialidade. Ele acredita que a divulgação científica deve se dirigir ao maior público
possível sem, no entanto, excluir o cientista ou o homem culto. Esta perspectiva está
associada aos objetos e pensamentos da cultura científica.
Nesse sentido, a divulgação científica é uma prática social realizada por: museus
de ciência e tecnologia; conferências públicas de ciência; editorias de revistas; editorias
de ciência de jornais; livros; editores de programas de televisão; produtores de filmes nas
feiras de ciência e tecnologia, nos programas de ciência nas praças públicas, nas
campanhas em torno de algum tema científico etc. e que envolve sempre uma re-
elaboração do discurso científico e de alguma forma algum processo de aculturação.
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Essa forma de construir o texto científico, de acordo com Halliday e Martin (1993),
foi sendo elaborada para que os conhecimentos produzidos estivessem interligados, isto,
é, “o que se conhece” e a “nova informação”. A tática usada para se conseguir isso é
construir uma única frase por meio da transformação dos verbos da linguagem cotidiana
em grupos nominais, ligados por um verbo que os relaciona. Para Battinelli (1999) isso
produz uma rigidez semântica que visa a evitar redundâncias. Para tanto, há uma
simplificação da sintaxe no sentido da nominalização. Esse processo dificulta o
entendimento do conteúdo dos textos científicos por pessoas não familiarizadas com
essa linguagem. Nesse momento, aflora a necessidade da divulgação científica e surge a
figura do divulgador/mediador que terá com tarefa produzir outro texto, compreensível
aos não iniciados em ciência.
O MUSEU E A EXPOSIÇÃO
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o tipo de museu ao qual nos estamos referindo. Nesse sentido, Knauss (2003) considera
que é possível, por meio da discussão da lógica de exposição, por exemplo, aproximar a
historia dos museus e a história das coleções (objetos), principalmente quando estamos
tomando como referência os museus de história e de história natural, oriundos da
tradição enciclopedista que alia museu, coleção e conhecimento.
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Desta forma, essa linguagem dos museus contemporâneos precisa ser expressa
por diferentes textos, disponibilizando a articulação entre lugar, objeto e tempo e indicar
novas concepções de objeto (material – imaterial); de patrimônio tangível e intangível; de
espaço edificado ou natural; de memória, ampliando nosso conceito de museu e de
exposição. Em uma reserva natural, como os Jardins Botânicos, convivem coleções em
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Quando estamos nos referindo à articulação entre lugar, objeto e tempo, podemos
trazer à discussão os seus correspondentes nas ciências da natureza: espaço, matéria e
tempo. O lugar é a (re)significação social do espaço; o objeto é resultado das
transformações da matéria ou representa seus processos de transformação e o tempo é
o localizador histórico dessas transformações, isto é dos objetos.
AGRADECIMENTOS
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REFERÊNCIAS
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