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Exercício Avaliativo - Publicidade e Estudos Culturais: o caso VIR.

US 2020

Contextualização

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo


vivenciava uma pandemia de covid-19 (OPAS BRASIL, 2020), doença respiratória aguda
provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Identificada pela primeira vez em dezembro de
2019 em Wuhan, cidade chinesa (OMS, 2020), rapidamente, a doença deixou de ser uma
preocupação regional da China e passou a ser encarada como um problema mundial. Até 27 de
setembro, pelo menos 32.925.668 de pessoas foram infectadas e 995.414 morreram no mundo
(JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, 2020). No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 25 de
fevereiro (G1, 2020) e, até 27 de setembro, já havia 4.717.991 casos confirmados, com 141.406
mortes (JOHNS HOPKINS UNIVERSITY, 2020).
Pessoas confinadas em suas casas, Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2020 adiados, escolas
e universidades fechadas, empresas adaptando suas atividades presenciais para virtuais. Essas
foram algumas das medidas preventivas adotadas desde o início da pandemia para o
enfrentamento da crise de saúde global que afetou a sociedade nos mais diversos âmbitos e
provocou reflexões estruturais a respeito da sobrevivência humana. O marketing e a publicidade
não ficaram imunes a tais reflexões.
Nesse cenário, as marcas foram desafiadas a repensar sua responsabilidade social e a
forma de comunicá-la. Desde o início da pandemia, muitas pesquisas nacionais e internacionais
vêm indicando a percepção dos consumidores em relação à crise e ao papel das marcas nesse
contexto. Uma delas, publicada em março de 2020, entrevistou 25 mil consumidores de 30
países e revelou que 77% das pessoas tinham a expectativa de que as marcas fossem úteis
durante a pandemia (RITTENHOUSE, 2020). Além disso, os entrevistados (75%) disseram que
não aprovariam marcas que, de algum modo, explorassem a crise para se promover, ou usassem
tons de humor (40%). Para 70%, o uso de um tom “tranquilizador” em ações de comunicação e
marketing seria o mais adequado ao momento.
Outro estudo realizado, também em março de 2020, pelas agências Responsa e Bullet
(PACETE, 2020), mostrou que 81% dos brasileiros moradores da periferia (os mais afetados no
Brasil pela pandemia), consideram que as marcas são fundamentais para o enfrentamento da
crise ocasionada pelo no novo coronavírus. Para os entrevistados, as marcas poderiam ser úteis,
por exemplo: doando suprimentos; oferecendo informação e conteúdo para que as pessoas
possam ficar em casa; gerando empregos e ofertando cursos de capacitação; reduzindo custos
em serviços; aumentando o prazo de pagamentos; dando mais voz e visibilidade à situação das
periferias.
De acordo com Paulo Mendes e Ana Allevato (2020), diante da pandemia, as marcas
passaram a ser vistas não apenas como signos que identificam seus produtos e serviços mas,
principalmente, como conceitos que representam as necessidades e causas de seus
consumidores. Sendo assim, as empresas que tiverem atentas a tal questão sobreviverão a essa
ou qualquer outra pandemia com menos dificuldade.

A marca Vir.us 2020


Em junho de 2020, a atriz e modelo Thaila Ayala anunciou nas redes sociais a VIR.US
2020, uma nova marca de roupas que ela criou ao lado de duas amigas. A proposta da marca é
vender roupas confortáveis no estilo tie-dye para os consumidores ficarem em casa durante o
isolamento social. No perfil pessoal da atriz no Instagram, foi publicada uma foto acompanhada
da seguinte legenda:

“E aqui estamos nós na terceira semana de produção. Em meio a esse caos nasceu a
vir.us.2020 com o intuito de trazer conforto e um pouco de alegria pra vocês"

No perfil da recém-criada empresa, foi publicado o seguinte post:


"Um vírus fez estremecer o planeta, fechar fronteiras, monitorar governos, segregar
pessoas, amedrontar consciências e trancar portas. Imagina quando for o vírus do amor, da
empatia, e da união entre todos os seres? A Virus 2020 convida você para viralizar o melhor
da vida e construir um novo mundo mais colorido. Vamos juntos."

Ambas as publicações geraram repercussão negativa e o assunto chegou a ser um dos


mais comentados do Twitter. As pessoas questionaram a opção por nomear a marca com um
nome que remetesse à pandemia do novo coravírus que, naquele momento, já tinha ocasionado
milhares de mortes no Brasil. Não foi suficiente a explicação da atriz de que "a ideia veio do
coração, na melhor das intenções". Os seguidores avaliaram a escolha como de mau gosto,
insensível e oportunista, como indicam alguns comentários na ocasião:

"Querem capitalizar em cima de 30 mil mortes no Brasil não é só insensibilidade, é


oportunismo nojento”.

“Mesmo com justificativa e a 'boa intenção' é um péssimo branding, sem qualquer tipo de
empatia e cuidado".

"Surreal a empatia e o amor da marca".

"Não se romantiza o coronavírus"

É sério? Achas que uma roupa vai trazer alegria no meio de uma pandemia? Nome infeliz".

"Devia pegar todo o dinheiro dessa marca cafona e doar para o combate do covid".

Vinte quatro horas depois da publicação, e em meio a acusações de que estaria


apagando comentários e bloqueando seguidores que a estavam criticando, Thaila Ayala faz um
novo post onde ela se desculpa e anuncia a mudança do nome VIR.US para AMAR.CA:

“Estou acompanhando toda a repercussão sobre o lançamento de AMAR.CA – já mudamos


o nome. E quero pedir desculpas a todos vocês que apontaram as incongruências. Nunca
quis romantizar a pandemia. Esse assunto nunca deve ser romantizado. Eu entrei como
sócia de duas amigas que foram atingidas pela pandemia e, por causa dela, estavam com
suas produções paradas. Pensamos em criar algo que gerasse renda neste momento, que
fosse uma maneira de ajudar. Entendo que a escolha do nome não foi feliz e não hesitamos
em mudar. Jamais quis ser insensível a quem está de luto neste momento delicado. Estamos
abertos ao diálogo. Já tinha sido pedido que os comentários não fossem apagados nem
silenciados nos posts, se algo assim voltar a acontecer, nos cobrem! Vamos sempre reforçar
o compromisso com vocês, ouvir e melhorar”.
O perfil da marca no Instagram repostou uma versão reduzida desse comentário da
Thaila três vezes no seu feed, apagou as publicações anteriores e mais de um mês depois
publicou um post com a seguinte legenda:

“Quando nomeamos a nossa marca – em junho – não tivemos tempo de parar para e pensar
profundamente no significado da nossa nova escolha. Estávamos tão impactadas pelo nosso
erro e quisemos logo nos retratar e pedir desculpas. Depois de algum tempo lendo,
refletindo, pensando em tudo que aconteceu, entendemos que ao escolher Amar.ca
apareceu como um recurso para olharmos para dentro de cada uma de nós e do mundo em
que vivemos. E hoje sabemos que amar é errar, repensar, sofrer, perdoar e aceitar.
Aceitamos que erramos, crescemos e queremos seguir em frente. Assim tantas e tantas
coisas na vida.

Em 24 de agosto, um post no Instagram anunciou o sucesso da primeira coleção que já


estava esgotada.

Algumas reflexões sobre o caso

Nas redes sociais, desde março, muitos usuários passaram a compartilhar fotos suas de
pijamas e fazendo suas próprias estampas tie-dye em casa durante o isolamento social. Essa
tendência comportamental resultou em oportunidades para marcas de roupas comercializarm
produtos nesse estilo.
A VIR.US 2020 assumiu o desafio de entrar no mercado em um período delicado de
saúde pública e pouco propício para abertura de novos negócios. Com a proposta de oferecer
roupas confortáveis com as “estampas da moda” e contando com a divulgação de uma atriz
reconhecida, parecia que a aceitação do público era garantida. No entanto, as pessoas
rejeitaram, com toda razão, o nome da empresa que passava uma imagem de insensibilidade e
oportunismo com o contexto social em que a marca estava inserida. Essa escolha ruim deu
espaço para práticas de contestação nas redes sociais que foram amenizadas pela empresa com
a mudança do nome para AMAR.CA em menos de 24 horas e um reposicionamento da sua
comunicação nas redes.

Vamos refletir sobre o que esse caso pode nos ajudar a refletir sobre a relação entre publicidade
e cultura? Para isso, responda as questões a seguir fundamentando-se nas perspectivas de
comunicação dos Estudos Culturais, aprendidas nesse tópico de aprendizado.

QUESTÃO 1 - Para além do contexto mercadológico, como destaca Raymond Williams (1995),
a comunicação publicitária participa de um sistema simbólico que carrega valores, disputas e
tensionamentos de determinados grupos sociais de um dado contexto social e político.

Partindo dessa ideia de publicidade, como você avalia a publicização da marca VIR.US no
contexto de pandemia de covid-19. Que valores, disputas e tensionamentos foram revelados?
Como os Estudos Culturais podem contribuir para análise desse caso?
Referências

G1. Casos de coronavírus no Brasil em 8 de abril. G1, 2020. Disponível em:


https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/08/casos-de-coronavirus-no-
brasil-em-8-de-abril.ghtml

JOHNS HOPKINS UNIVERSITY. Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems
Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University. 2020. Disponível em:
https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9e
cf6

OMS. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic, 2020. Disponível em:


https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019

OPAS. Folha informativa COVID-19 - Escritório da OPAS e da OMS no Brasil. 2020. Disponível
em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&I
temid=875

PACETE, Luiz Gustavo. Estudo mostra como marcas podem ser úteis à periferia. Meio &
Mensagem. Disponível em:
https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2020/03/30/estudo-mostra-como-
marcas-podem-ser-uteis-a-periferia.html?utm_term=Especial+Coronavirus+-
+Pesquisas+mostram+impacto+da+pandemia+no+mercado&utm_campaign=Meio+%26+Mens
agem+Videos&utm_source=e-
goi&utm_medium=email&eg_sub=9dbe7002b2&eg_cam=46f99e878534d949f5eab385781768
c2&eg_list=7

RITTENHOUSE, Lindsay. Consumidores esperam que marcas sejam úteis na pandemia. Meio &
Mensagem, 2020.Disponível em:
https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2020/03/26/consumidores-esperam-
que-as-marcas-sejam-uteis-durante-pandemia.html?utm_term=Especial+Coronavirus+-
+Pesquisas+mostram+impacto+da+pandemia+no+mercado&utm_campaign=Meio+%26+Mens
agem+Videos&utm_source=e-

WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011 [1980].

WOTTRICH, Laura. “Não podemos deixar passar”: práticas de contestação da publicidade no


início do século XXI. tese (Doutorado em Comunicação e Informação) – Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Informação/UFRGS, Porto Alegre, 2017.

WOTTRICH, LAURA. Os embates em torno do “politicamente correto” na publicidade.


REVISTA FAMECOS (IMPRESSO), v. 26, p. 1-24, 2019.

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