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1. Introdução
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2. Telecomunicações e estrutura espacial
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municações. A proeminência desse fenômeno tem servido para caracterizar as ci-
dades informacionais.
Apesar de o sistema urbano ter, historicamente, um papel fundamental na
acumulação capitalista, as cidades mundiais têm sido favorecidas pela concen-
tração das telecomunicacões, porque as indústrias quaternárias localizam-se
preferencialmente nessas áreas, confiando no mercado existente para as redes
de comunicações. Os negócios de alto nível e serviços especiais tais como en-
genharia, finanças e pesquisa são mercadorias intensivas em informação, que
podem ser trocadas via sistema de telecomunicações (Esparza et alii, 1994:308).
Daí a preferência das corporações pelas grandes cidades, o que, por sua vez, fa-
vorece a alta densidade do meio ambiente urbano dessas áreas e cria, conse-
qüentemente, um gap cada vez maior com as pequenas e médias cidades
(Esparza et alii, 1994:314). A dinâmica espacial das atividades informacionais
expressa, portanto, uma persistência da centralização de alta tecnologia nas
grandes áreas metropolitanas.
Entretanto, a nova lógica espacial emergente dessas transformações, que atin-
gem a organização das corporações via telecomunicações, pode ser também veri-
ficada pela dialética da centralização-descentralização. O que é centralizado nas
grandes cidades pode ser também descentralizado. Os altos níveis de tomada de
decisão são centralizados, enquanto a organização administrativa é basicamente
dispersa dentro e fora da área metropolitana, através da interação dos fluxos de co-
municação (Castells, 1991: 169).
A constelação de serviços que participam do processo produtivo de uma cor-
poração depende do nível da rede de comunicações. Esses vínculos intra-organi-
zacionais definem a nova lógica espacial. O resultado é a constituição de um
espaço de fluxos. De acordo com Castells (1991 : 169), a organização espacial da
economia informacional é cada vez mais um espaço de fluxos. Contudo, isso não
implica que a corporação seja placeless. Permanece a importância do meio metro-
politano sobre o qual ela exerce sua liderança. Desse modo, "enquanto a organi-
zação é localizada em lugares e seus componentes são localmente dependentes, a
lógica organizacional é placeless, sendo fundamentalmente apoiada no espaço de
fluxos que caracteriza a rede de informação" (Castells, 1991: 170). Em suma, pa-
rece que o "esqueleto da nova empresa é a informação" (Schwartz, 1995). A partir
das informações estratégicas, a corporação define seus mercados, a tecnologia, as
finanças e a organização administrativa que será empregada no trato das flutua-
ções do ambiente global.
Em resumo, os avanços nas telecomunicações têm não só garantido uma
maior mobilidade ao capital e uma reorganização da geografia da produção, como
também viabilizado uma expansão da rede de finanças mundiais. Isso tem gerado
formas específicas de aglomeração e dispersão espacial dos investimentos em ati-
vidades econômicas e especulativas, visto que o impulso maior à internacionali-
zação da produção, a partir de 1970, foi seguido por um aumento dos fluxos
financeiros geridos pelos bancos supranacionais.
a) a saturação dos mercados, que serviu para intensificar a busca por novas áreas,
e que implicou a extensão do alcance geográfico dos serviços financeiros para
além do mercado interno;
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cuito de capital favorece a emergência de um mercado financeiro global em face
da globalização econômica. No entanto, acrescentam ainda a persistente compe-
tição entre os bancos supranacionais como parte dessa integração da geografia
econômica do mundo (1993:500). Em face dessa competição, os bancos se apro-
priam de sistemas privados de informação global e instalam uma rede internacio-
nal de administração de suas áreas de atuação (Warf, 1989; HuaIlacháin,
1994:208). O resultado disso foi a emergência de um vasto e integrado circuito
mundial de capital, capaz de movimentar instantaneamente bilhões em moedas
para qualquer parte do mundo durante as 24 horas do dia.
De um modo geral, a revolução tecnológica nas telecomunicações e informá-
tica joga um papel fundamental na globalização financeira. Por meio dela, os ban-
cos puderam reduzir o tempo entre as operações monetárias e dispersar suas
transações para qualquer canto da terra. O arranjo geográfico resultante é seme-
lhante ao das corporações industriais transnacionais. De acordo com Sassen
(1991 :43), essa dispersão global dos grandes bancos é uma forma de internacio-
nalização dos serviços, que cria e estende os centros financeiros mundiais, porque
a globalização da economia aumenta a necessidade de controle e gestão dos fluxos
de capital. Para tanto, é necessário haver eficiência técnica, tecnologia informa-
cional e demais sinergias. Sassen assegura que é justamente por isso que a globa-
Iização das finanças tem como centro de controle as cidades globais. Dessa forma,
esses complexos metropolitanos têm servido como nó de um cada vez mais inte-
grado sistema econômico global.
A dinâmica espacial da grande corporação financeira implica uma estratégia
que lhe garanta o máximo proveito desse sistema econômico globalizado e, ao
mesmo tempo, crie, contribua e reforce as desigualdades sócio-espaciais. Sua
dispersão concentradora deve ser considerada como produto de um mesmo es-
forço para criar oportunidades à acumulação. Por outro lado, o sistema de cré-
dito internacional desenvolvido pelos bancos globais permite uma extensão do
mercado e o estabelecimento de uma continuidade e articulação com diversos
setores produtivos.
A concentração dos bancos supranacionais nas cidades mundiais é uma carac-
terística da globalização financeira. Esses bancos são exemplo de produtores de
serviços que estão espacial e funcionalmente articulados com as grandes corpora-
ções dos demais setores da economia.
Entretanto, esse nosso raciocínio é parcialmente correto. Em pesquisa realiza-
da nos EUA, em 1989, Huallacháin (1994:210) verificou que é a localização, e
não as economias externas de urbanização, o motor da aglomeração metropolitana
dos serviços financeiros. Apesar de concordar que há uma relação entre bancos
supranacionais e atividade econômica, considera essa associação geográfica um
pouco frouxa. Assinala que, embora o comércio entre o Japão e os EUA seja rea-
lizado através da Costa Oeste americana, 65% dos ativos de bancos japoneses es-
tão concentrados em Nova York. Para HuaIlacháin (1994:207), a razão talvez seja
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Nesse sentido, os investimentos fixos em novas instalações e equipamentos mo-
dificam-se de acordo com um particular arranjo de valores de uso dos lugares.
No tocante ao espaço, a criação de uma nova ordem monetária internacional
baseada na revolução das telecomunicações impõe aos bancos supranacionais
uma onipresença seletiva. Para tanto, organizam seus territórios em redes que
reduzam as barreiras espaciais. Por outro lado, num contexto de intensificação
da concorrência, os bancos aceleram o ritmo de reestruturação territorial por in-
termédio da desvalorização de determinados lugares e regiões, que participam
ou não da rede. Ou seja, a fluidez do capital em escala planetária implica racio-
nalizações geográficas cada vez mais precisas, em termos de localização dos in-
vestimentos.
Nesse movimento de vaivém do capital-dinheiro inter e intraterritórios dos
bancos supranacionais, o conflito geopolítico entre eles provoca um contínuo pro-
cesso de desterritorialização e reterritorialização das relações de poder em novas
bases espaciais. O caso típico desse fenômeno são as fusões e as incorporações in-
terbancárias.
De um modo geral, essa dinâmica expressa, cada vez mais, um domínio supe-
rior do espaço e do tempo. Entretanto, a superação das barreiras espaciais e o in-
tenso processo de compressão espaço-tempo não implicam menor significado do
lugar (Harvey, 1993). O aumento da competição interbancária obriga os bancos a
buscarem vantagens de lugar no seu movimento de ampliação e reorganização ter-
ritorial, explorando as minúsculas diferenciações espaciais.
Tais qualidades espacialmente diferenciadas podem ser criadas por pessoas e
forças que dominam um território, de modo que o torne atrativo aos interesses dos
bancos. Exemplo ilustrativo são os paraísos fiscais, verdadeiros redutos extrater-
ritoriais de sucursais de bancos supranacionais enclavados em alguns países sub-
desenvolvidos.
No contexto da compressão espaço-tempo, a sensibilidade do capital às va-
riações do lugar tem como resultado "a produção da fragmentação, da insegurança
e do desenvolvimento desigual efêmero no interior de uma economia de fluxos de
capital num espaço global unificado" (Harvey, 1993:267).
O fim dos acordos de Bretton Woods e a passagem para um sistema global de
taxas de câmbio flutuantes respondem, em parte, por esse cenário descrito por
Harvey. Atualmente, a moeda não se apóia exclusivamente na produção, e sim,
em grande parte, na especulação financeira. O efeito disso tornou mais instáveis
que outrora os territórios que fundamentam a geração do valor.
Acresce aí que, a partir da revolução nas telecomunicações, o dinamismo
dos bancos supranacionais deriva de sua capacidade de manipular os mecanis-
mos de separação do tempo e do espaço. A própria velocidade de circulação do
capital-dinheiro arranca o espaço do tempo, ao fomentar relações entre lugares
fantasmagóricos (Giddens, 1991). Os paraísos fiscais, por exemplo, são atingi-
dos por relações sociais distantes de sua natureza. Esses lugares são penetrados
por influências sociais "invisíveis" que agem em nível global, estruturando-os
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flexão da rede de sucursais de um banco supranacional num intenso processo de
desconstrução e reconstrução do território controlado pelo banco.
Na verdade, o dinheiro mudou de forma. Da antiga forma em papel ou metal,
o dinheiro tornou-se tecnologia que circula à quase velocidade da luz. É transpor-
tado através de fios e redes de fibras óticas, retransmitido por satélites e projetado
de uma rede para outra. Hoje, ele está em todo lugar e em nenhum lugar ao mesmo
tempo. Ou seja, não tem uma localização real e material. As redes de computadores
tornaram possível a existência desse tipo de moeda. Nesse sistema, as distâncias e
o tempo são irrelevantes. O mundo das finanças, que transcendeu a economia, é
formado por um espaço eletrônico das pessoas e não dos governos. É um ambiente
formado por investidores, operadores, banqueiros, gerentes de carteiras de investi-
mentos, corretores de ações, analistas, órgãos fiscalizadores etc. (Kurtzman,
1995:15-17 e 19).
Esse padrão megabyte da nova ordem monetária, baseada na moeda eletrônica,
contribuiu para o divórcio entre a economia tradicional e a economia financeira, al-
tamente abstrata. O foco das finanças se transferiu dos investimentos para as tran-
sações via rede de computadores e de telecomunicações espalhadas em qualquer
parte do mundo.
Essas redes de finanças idealizam um mundo sem centro, visto que todos os lu-
gares estão eqüidistantes de todos os outros. As transferências de dinheiro e infor-
mações podem fluir sem barreiras, por todo o globo. Em suma, o espaço eletrônico
das finanças difere totalmente do espaço da economia concreta, "real", visto que
sua dinâmica flui sem as restrições das fronteiras nacionais impostas pelos Estados
(Kurtzman, 1995: 178).
No entanto, a dinâmica desse espaço eletrônico formado a partir da integração
finanças-telecomunicações implicou que os fluxos de capitais especulativos movi-
mentados pelos bancos e outros organismos financeiros fossem acompanhados por
um controle de diversas áreas do globo, que alterou o significado de lugar, princi-
palmente com respeito à localização no tempo, dadas a volatilidade do capital-di-
nheiro e a emergência do horário de transações monetárias de 24 horas. Por outro
lado, a desregulamentação dos setores financeiros encorajou os bancos a cruzarem
as fronteiras nacionais, evitando o controle governamental em seus países de ori-
gem. O efeito disso é que a globalização financeira repercutiu no sistema urbano
internacional, consolidando a integração dos pólos das finanças mundiais localiza-
dos no centro das megalópoles, apesar de elas serem diferentes uma das outras. Em
suma, de acordo com Warf (1989), a integração finanças-telecomunicações refor-
çou a atratividade das principais áreas metropolitanas na paisagem financeira glo-
bal. Não obstante, esse raciocínio de Warf parece ainda não vislumbrar o mundo
sem centro idealizado por Kurtzman.
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3. Considerações finais
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