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Os impactos das telecomunicações sobre as

corporações industriais e financeiras*


Carlos Alberto F. da Silva**

Sumário: I. Introdução; 2. Telecomunicações e estrutura espacial; 3. Considerações finais.


Palavras-chave: globalização da economia; telecomunicações; grande corporação.

Os avanços da microeletrônica e da informática têm permitido maior flexibilidade e


mobilidade dos fatores e formas de produção em escala planetária, permitindo que o
uso das tecnologias de informação seja cada vez mais parte do processo de reestrutura-
ção dos mecanismos de acumulação de capital sob a égide da globalização da econo-
mia. Este artigo trata dos impactos da revolução das telecomunicações na organização
espacial das corporações industriais e financeiras.

lhe impacts of telecommunications on the industrial and financiai corporations


The advances on microelectronics and computer sciences have given greater flexibility
and mobility to the production factors and forms, thus allowing the increasing use of
information technologies as part of the restructuring process of the mechanisms of
capital accumulation under the rule of economic globalization. This paper deals with
the impacts of the telecommunications revolution on the spatial organization of the
industrial and financiaI corporations.

1. Introdução

o progresso técnico é parte integrante da explicação da produção e reprodu-


ção da organização espacial dos diversos grupos sociais. Nesse contexto, o espaço
seria o reflexo e o suporte das grafias deixadas pelas técnicas. Qualquer fração es-
paço-tempo é dotada de um conjunto de técnicas que marca um período histórico.
Assim, as tecnologias estão associadas às relações sociais de produção e reprodu-
ção do espaço geográfico no devenir.
Tomando-se por base o sistema capitalista, verifica-se que cada fase do capi-
talismo tem sido representada por uma geografia específica do meio técnico do
momento. A tecnicização da sociedade capitalista sofre transformações sucessi-
vas e de intensidades variadas nos diversos lugares e regiões do mundo.
Com o sistema capitalista iniciou-se o processo de unificação das técnicas.
Porém, só recentemente se pode falar em um meio técnico-científico. É a fase em
que sociedades de diversas nações fazem o uso intensivo da tecnologia no proces-

* Artigo recebido em jan. e aceito em ago. 1996.


** Professor do Departamento de Geografia da UFF.

RAP RIO DE JANEIRO 31(4):7·22. JUL./AGO. 1997


so produtivo. Isso tem resultado na difusão do trabalho intelectual e na circulação
do capital em escala planetária (Santos, 1986:37).
Desse modo, as transformações por que passam o sistema capitalista e a tec-
nologia, no contexto da globalização, traduzem uma forma emergente e específica
de articulação tempo e espaço. A possibilidade de uma instantaneidade de fenô-
menos interligados em escala planetária, via inovações tecnológicas, tem provo-
cado um intenso processo de desconstrução e reconstrução de organizações
espaciais preexistentes e a formação de espaços adredes. Esse processo se fez por
muito tempo por contigüidade, hierarquia e relocalização (Hagerstrand, 1967).
Atualmente, graças às possibilidades de difusão imediata das modernizações, os
lugares podem ser atingidos simultaneamente. Por outro lado, as inovações po-
dem ser incorporadas em lugares não necessariamente já dotados de moderniza-
ções anteriores.
Essa busca de maior otimização dos pressupostos da reprodução do capital
exige maior fluidez do espaço. Daí a necessidade de transcender as fronteiras na-
cionais, melhorar os transportes e comunicações e eliminar demais obstáculos à
acumulação.
O resultado, no que se refere ao espaço, é a constituição de um meio técnico-
científico-informacional, onde o território inclui necessariamente ciência, tecno-
logia e informação (Santos, 1994:44). De acordo com Santos (1994:45), "o meio
técnico-científico-informacional é a nova cara do espaço e do tempo. É aí que se
instalam as atividades hegemônicas, aquelas que têm relações mais longínquas e
participam do comércio internacional, fazendo com que determinados lugares se
tomem mundiais".
De um modo geral, essa reestruturação técnico-científica da organização es-
pacial do sistema capitalista, associada às novas tecnologias desenvolvidas na mi-
croeletrônica e nas comunicações, tem gerado um espaço de fluxo que se superpõe
a um espaço de lugares. Não se trata apenas do circuito de mercadorias, capitais
ou pessoas, mas, sobretudo, de gestão, controle e informação. Isso tem permitido,
de um lado, a difusão espacial de diferentes unidades produtivas em vários lugares
e regiões dispersos, porém interligados pelo sistema de telecomunicações. Por ou-
tro lado, cada vez mais ocorre uma especialização territorial, acompanhada de ob-
jetos geográficos com forte conteúdo informacional. Nesse contexto, emerge uma
nova forma de organização da produção, que tem a informação e o conhecimento
como fontes primárias da produtividade (Castells, 1986).
Enfim, a participação crescente da ciência no processo produtivo e a ex-
pansão das inovações tecnológicas têm alterado as características e o conteúdo
dos espaços no processo global de produção. Neste artigo, procuraremos veri-
ficar quais são os impactos da revolução das telecomunicações sobre a gestão
das corporações industriais e financeiras, pois o uso das tecnologias de infor-
mação é parte do processo de reestruturação da economia capitalista no limiar
do século XXI.

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2. Telecomunicações e estrutura espacial

As telecomunicações têm um papel cada vez maior na economia moderna. O


avanço desse setor está relacionado ao desenvolvimento da economia informa-
cional. As empresas intensivas em informação atraem investimentos em teleco-
municações que, por sua vez, têm impacto estrutural nas economias mais
avançadas, seja em serviços e manufatura, seja em agricultura. São essas ativida-
des processadoras de informações que caracterizam a economia informacional
(Castells, 1991: 167). Hepworth (1987: 158) acrescenta ainda que a economia in-
formacional é aquela preocupada com a qualidade e o custo da informação, os
quais, por sua vez, afetam e são afetados pela performance da economia.
Nesse contexto da economia informacional, as telecomunicações constituem
fontes de transformação e do advento da sociedade pós-industrial. Entre as carac-
terísticas sugeridas por Bell (1973:27-8), o conceito de sociedade pós-industrial
envolve:

a) a mudança de uma economia de produção de bens para uma de serviços;

b) a centralidade do conhecimento teórico como fonte de inovação e de formula-


ção de políticas para a sociedade.

Hoje, o que conta, essencialmente, não é a força muscular, e sim a informa-


ção, porque a sociedade pós-industrial está voltada para a informação, assim
como a sociedade industrial era produtora de bens manufaturados. Em termos des-
critivos, a central idade das modernas indústrias depende cada vez mais de tecno-
logia de informação (Bell, 1973: 148, 516 e 538).
Nessa mesma linha de raciocínio, pode-se acrescentar que a moderna socie-
dade metropolitana possui um conteúdo cada vez mais informacional. Dois novos
setores econômicos têm surgido: o quaternário e o quinário. O primeiro é o setor
informacional, enquanto o segundo é um setor especializado em tomada de deci-
são empresarial, seja pública, seja privada. A característica básica desses setores
é o trato com formas de transações intangíveis. Nesse contexto, constata-se que as
telecomunicações funcionam como o suporte primário à economia informacional.
Desse modo, a relação entre padrão tecnológico e organização administrativa
das corporações está intimamente articulada à situação dos meios de comunicação
e transporte. Sem os avanços nesses setores, os novos complexos industriais ba-
seados em alta tecnologia seriam inviabilizados. Na verdade, as telecomunicações
têm sido progressivamente adaptadas às novas formas de produção flexíveis.
Historicamente, as comunicações entre pessoas têm estruturado o espaço geo-
gráfico dos grupos sociais e econômicos. O que tem mudado são as formas como
são instrumentalizadas (Gottman, 1992:203). A grande revolução das telecomu-
nicações é o fato de elas diminuírem o significado da distância na organização da
corporação. A profunda mudança materializa-se na integração do telefone, televi-
são e computador dentro de sistemas flexíveis. Isso permite a transmissão de todas

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as formas de informação para qualquer localidade que esteja interligada ao siste-
ma corporativo. De acordo com Tofler (1993a), essa integração de computadores
e telecomunicações caracteriza a "terceira revolução industrial".
Isso acontece porque as novas tecnologias informacionais permitem às em-
presas industriais gerir, através da interconectividade, operações dispersas em vá-
rios lugares e regiões do globo. Naisbitt (1994:96) cita um exemplo interessante
da Mazda. Essa empresa produziu um automóvel projetado na Califórnia (EUA),
financiado em Tóquio (Japão) e montado em Michigan (EUA) e no México. Al-
guns equipamentos eletrônicos foram desenvolvidos em Nova Jersey (EUA), mas
fabricados no Japão. Percebe-se, portanto, que a globalização dos mercados tem
sido, necessariamente, acompanhada por uma rede mundial de informações que
conecta os espaços da produção. Acresce aí que tais redes aumentam a extensão
geográfica dos mercados, já que o processamento de informações permite às fir-
mas integrar, monitorar e controlar operações amplamente dispersas (Hepworth,
1987: 173). Em suma, as telecomunicações e os computadores constituem a força
propulsora que está dando maior flexibilidade à produção, distribuição e adminis-
tração da corporação. Isso, por sua vez, possibilita transformar a geografia de seus
mercados, reestruturando sua base de operações em escalas local, regional e/ou in-
ternacional.
As telecomunicações permitem, portanto, reduzir os obstáculos espaciais à
acumulação, isto é, as forças de fricção que o espaço impõe à mobilidade de pes-
soas, mercadorias e informação. Com efeito, possibilita uma dispersão-concentra-
dora das atividades econômicas, graças ao caráter simultâneo e seletivo das
operações e do controle da produção em vários lugares.
O setor de serviços, especialmente o de finanças, é um dos maiores demanda-
dores de sofisticados meios de circulação de informações via computador e trans-
missão por satélite, a fim de abranger zonas geográficas cada vez mais amplas e
dispersas. Daí a proliferação de sistemas de telecomunicações e a superposição de
um estrato invisível de transporte sobre os já existentes, tais como rodovias, fer-
rovias, hidrovias, portos e aeroportos. Parece que os maiores investimentos têm
sido feitos nas infra-estruturas de software, e não nas de hardware. A substituição
de parte dos deslocamentos humanos pela transferência de arquivos digitais deve-
rá dar origem a superinfovias, que transportarão vídeos, músicas, serviços diver-
sos e mensagens.
Isso deverá resultar numa maior convergência tempo-espaço, já que, do ponto
de vista de uma rede de telecomunicações, cada local está à mesma distância dos
outros (Nicol, 1985). Destarte, cada vez mais, a rede criada pela corporação repro-
duz um espaço transparente de fluxos de informação que conecta lugares, sem,
contudo, deixar de reconhecer a importância do suporte físico-social de determi-
nados espaços, visto que os contatos face a face continuam imprescindíveis.
Nesse sentido, cresce a importância dada às grandes cidades na economia glo-
bal. Cada vez mais as cidades mundiais assumem o papel de centros de atividades
quaternárias e quinárias e de nó principal das interações realizadas pelas teleco-

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municações. A proeminência desse fenômeno tem servido para caracterizar as ci-
dades informacionais.
Apesar de o sistema urbano ter, historicamente, um papel fundamental na
acumulação capitalista, as cidades mundiais têm sido favorecidas pela concen-
tração das telecomunicacões, porque as indústrias quaternárias localizam-se
preferencialmente nessas áreas, confiando no mercado existente para as redes
de comunicações. Os negócios de alto nível e serviços especiais tais como en-
genharia, finanças e pesquisa são mercadorias intensivas em informação, que
podem ser trocadas via sistema de telecomunicações (Esparza et alii, 1994:308).
Daí a preferência das corporações pelas grandes cidades, o que, por sua vez, fa-
vorece a alta densidade do meio ambiente urbano dessas áreas e cria, conse-
qüentemente, um gap cada vez maior com as pequenas e médias cidades
(Esparza et alii, 1994:314). A dinâmica espacial das atividades informacionais
expressa, portanto, uma persistência da centralização de alta tecnologia nas
grandes áreas metropolitanas.
Entretanto, a nova lógica espacial emergente dessas transformações, que atin-
gem a organização das corporações via telecomunicações, pode ser também veri-
ficada pela dialética da centralização-descentralização. O que é centralizado nas
grandes cidades pode ser também descentralizado. Os altos níveis de tomada de
decisão são centralizados, enquanto a organização administrativa é basicamente
dispersa dentro e fora da área metropolitana, através da interação dos fluxos de co-
municação (Castells, 1991: 169).
A constelação de serviços que participam do processo produtivo de uma cor-
poração depende do nível da rede de comunicações. Esses vínculos intra-organi-
zacionais definem a nova lógica espacial. O resultado é a constituição de um
espaço de fluxos. De acordo com Castells (1991 : 169), a organização espacial da
economia informacional é cada vez mais um espaço de fluxos. Contudo, isso não
implica que a corporação seja placeless. Permanece a importância do meio metro-
politano sobre o qual ela exerce sua liderança. Desse modo, "enquanto a organi-
zação é localizada em lugares e seus componentes são localmente dependentes, a
lógica organizacional é placeless, sendo fundamentalmente apoiada no espaço de
fluxos que caracteriza a rede de informação" (Castells, 1991: 170). Em suma, pa-
rece que o "esqueleto da nova empresa é a informação" (Schwartz, 1995). A partir
das informações estratégicas, a corporação define seus mercados, a tecnologia, as
finanças e a organização administrativa que será empregada no trato das flutua-
ções do ambiente global.
Em resumo, os avanços nas telecomunicações têm não só garantido uma
maior mobilidade ao capital e uma reorganização da geografia da produção, como
também viabilizado uma expansão da rede de finanças mundiais. Isso tem gerado
formas específicas de aglomeração e dispersão espacial dos investimentos em ati-
vidades econômicas e especulativas, visto que o impulso maior à internacionali-
zação da produção, a partir de 1970, foi seguido por um aumento dos fluxos
financeiros geridos pelos bancos supranacionais.

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A geografia da globalização financeira e as telecomunicações

A partir da primeira metade da década de 70, a economia mundial entrou


numa fase de reestruturação não só produtiva, como também financeira. Com
efeito, novos agentes internacionais passaram a dominar, controlar e influenciar
as economias internas das nações. Vi vencia-se, hoje, a globalização financeira. A
economia transnacional é moldada, cada vez mais, por fluxos de capital e não só
pelo comércio de bens e serviços. Esses fluxos de capital-dinheiro têm sua própria
dinâmica. São controlados, principalmente, pelos bancos supranacionais. Baseada
na revolução nas telecomunicações e informática, a mobilidade espacial desses
bancos desconhece as fronteiras nacionais. Ou seja, tais bancos transcenderam a
geografia dos Estados.
A expansão do domínio dos bancos supranacionais tem uma de suas raízes
históricas no crescimento do mercado do "eurodólar", a partir da década de 50. A
característica que define esse mercado é que os depósitos são denominados numa
moeda que não a do país em que o depósito foi feito (Duesenberry et alii,
1993: 171). Esse tipo de dinheiro apátrida tem sido controlado por interesses ban-
cários privados e sujeito a pouca fiscalização por parte dos Estados.
Entretanto, as recentes razões para a expansão da participação dos bancos su-
pranacionais no cenário mundial associam-se às inovações nas telecomunicações
e sistemas de computadores e à desregulamentação dos mercados financeiros. No
início da década de 70, o fim dos acordos de Bretton Woods e a ascensão da Opep
deram a maturidade necessária para o desenvolvimento dos bancos globais.
A essas nossas observações preliminares, Lee e Schmidt-Marwede (1993:493)
acrescentam ainda outras razões, tais como:

a) a saturação dos mercados, que serviu para intensificar a busca por novas áreas,
e que implicou a extensão do alcance geográfico dos serviços financeiros para
além do mercado interno;

b) o advento do neoliberalismo e a desintegração do fordismo como regime regu-


latório da acumulação global.

Vale ressaltar que as inovações tecnológicas no processamento eletrônico de


dados e informação possibilitaram uma instantaneidade na transmissão de fluxos
de informação e de capitais em escala planetária (Huallacháin, 1994:208).
Como se percebe, o fenômeno da globalização financeira influencia e é in-
fluenciado pela reestruturação geográfica da economia-mundo. De acordo com
Storper e Walker (1989: 195), "o aumento da produtividade do trabalho, a multi-
plicação da variedade de produtos e a rápida circulação de mercadorias, capital e
crédito são amplamente facilitados pela existência de um sistema complexo de
serviços financeiros cada vez mais globalizados, que garantem os intensivos pro-
cessos do desenvolvimento capitalista". Dentro desse mesmo raciocínio, Lee e
Schmidt-Marwede (1993:496) reafirmam que a necessidade de um eficiente cir-

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cuito de capital favorece a emergência de um mercado financeiro global em face
da globalização econômica. No entanto, acrescentam ainda a persistente compe-
tição entre os bancos supranacionais como parte dessa integração da geografia
econômica do mundo (1993:500). Em face dessa competição, os bancos se apro-
priam de sistemas privados de informação global e instalam uma rede internacio-
nal de administração de suas áreas de atuação (Warf, 1989; HuaIlacháin,
1994:208). O resultado disso foi a emergência de um vasto e integrado circuito
mundial de capital, capaz de movimentar instantaneamente bilhões em moedas
para qualquer parte do mundo durante as 24 horas do dia.
De um modo geral, a revolução tecnológica nas telecomunicações e informá-
tica joga um papel fundamental na globalização financeira. Por meio dela, os ban-
cos puderam reduzir o tempo entre as operações monetárias e dispersar suas
transações para qualquer canto da terra. O arranjo geográfico resultante é seme-
lhante ao das corporações industriais transnacionais. De acordo com Sassen
(1991 :43), essa dispersão global dos grandes bancos é uma forma de internacio-
nalização dos serviços, que cria e estende os centros financeiros mundiais, porque
a globalização da economia aumenta a necessidade de controle e gestão dos fluxos
de capital. Para tanto, é necessário haver eficiência técnica, tecnologia informa-
cional e demais sinergias. Sassen assegura que é justamente por isso que a globa-
Iização das finanças tem como centro de controle as cidades globais. Dessa forma,
esses complexos metropolitanos têm servido como nó de um cada vez mais inte-
grado sistema econômico global.
A dinâmica espacial da grande corporação financeira implica uma estratégia
que lhe garanta o máximo proveito desse sistema econômico globalizado e, ao
mesmo tempo, crie, contribua e reforce as desigualdades sócio-espaciais. Sua
dispersão concentradora deve ser considerada como produto de um mesmo es-
forço para criar oportunidades à acumulação. Por outro lado, o sistema de cré-
dito internacional desenvolvido pelos bancos globais permite uma extensão do
mercado e o estabelecimento de uma continuidade e articulação com diversos
setores produtivos.
A concentração dos bancos supranacionais nas cidades mundiais é uma carac-
terística da globalização financeira. Esses bancos são exemplo de produtores de
serviços que estão espacial e funcionalmente articulados com as grandes corpora-
ções dos demais setores da economia.
Entretanto, esse nosso raciocínio é parcialmente correto. Em pesquisa realiza-
da nos EUA, em 1989, Huallacháin (1994:210) verificou que é a localização, e
não as economias externas de urbanização, o motor da aglomeração metropolitana
dos serviços financeiros. Apesar de concordar que há uma relação entre bancos
supranacionais e atividade econômica, considera essa associação geográfica um
pouco frouxa. Assinala que, embora o comércio entre o Japão e os EUA seja rea-
lizado através da Costa Oeste americana, 65% dos ativos de bancos japoneses es-
tão concentrados em Nova York. Para HuaIlacháin (1994:207), a razão talvez seja

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a motivação de investimentos nessa área e/ou a busca de minimização dos custos
de operação.
Apesar de HualIacháin não tecer qualquer consideração a esse respeito, sua
pesquisa revela uma transformação do fenômeno da globalização financeira na
década de 80. Durante os anos 70, a atividade financeira internacional estava do-
minada pelos bancos supranacionais em sua tradicional atividade de intermedia-
ção. A enxurrada de petrodólares em suas sucursais extraterritoriais dificultou a
reciclagem do dinheiro acumulado. Em meio à recessão mundial, uma das solu-
ções encontradas foi empurrar dinheiro aos países do chamado Terceiro Mundo
que dispunham de capacidade creditícia, tais como México e Brasil. Esse foi um
dos primeiros grandes surtos de reciclagem e circulação de um dinheiro desvincu-
lado de uma seqüência produtiva, servindo, basicamente, à especulação e endivi-
damento desses países. O resultado foi a crise da dívida externa nos anos 80.
De acordo com Sassen (1991 :83), enquanto a geografia dos bancos suprana-
cionais, na década de 70, incluía os países subdesenvolvidos como áreas cruciais
de intermediação financeira, os anos 80 foram marcados pelo peso dos países de-
senvolvidos como exportadores e importadores de capitais. Por outro lado, en-
quanto na década de 70 a estrutura espacial daqueles bancos implicou a criação de
centros bancários offshore (os paraísos fiscais), a década de 80 foi caracterizada
pela maior importância das grandes cidades como centros financeiros e por uma
repatriação dos capitais depositados nas praças offshore. A situação atual de de-
sintermediação tem criado uma distorção. Os bancos supranacionais, que eram os
principais intermediadores, perdem importância em face da maior complexidade,
competição e inovação dos mercados financeiros mundiais.
No entanto, esses bancos continuam sendo o elemento-chefe da economia
transnacional. O desenvolvimento nos transportes e telecomunicacões permitiu
que eles criassem um espaço planetário de fluxos financeiros e de decisões super-
posto aos espaços de lugares. Com efeito, a compressão espaço-tempo resultante
tem alterado o uso e as qualidades do tempo e do espaço.

o sistema financeiro na era do powershift


A intensa internacionalização financeira, sob a égide dos bancos supranacio-
nais e da revolução nas comunicações e informática, tem transformado as quali-
dades do tempo e do espaço, bem como alterado seus modos de uso.
No contexto da economia da terceira onda, a circulação do capital funciona a
velocidades superelevadas. Para garantir o controle de um território não-contíguo
e o movimento do capital, os bancos supranacionais investem em redes de comu-
nicações e em inovações que levam a velocidade das transações em direção à ins-
tantaneidade e aos fluxos contínuos (Tofler, 1993b).
Os efeitos dos contínuos esforços de redução do tempo de giro do capital e de
controle de um território formado por sucursais dispersas em vários países refle-
tem-se na instabilidade das formas organizacionais dos bancos supranacionais.

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Nesse sentido, os investimentos fixos em novas instalações e equipamentos mo-
dificam-se de acordo com um particular arranjo de valores de uso dos lugares.
No tocante ao espaço, a criação de uma nova ordem monetária internacional
baseada na revolução das telecomunicações impõe aos bancos supranacionais
uma onipresença seletiva. Para tanto, organizam seus territórios em redes que
reduzam as barreiras espaciais. Por outro lado, num contexto de intensificação
da concorrência, os bancos aceleram o ritmo de reestruturação territorial por in-
termédio da desvalorização de determinados lugares e regiões, que participam
ou não da rede. Ou seja, a fluidez do capital em escala planetária implica racio-
nalizações geográficas cada vez mais precisas, em termos de localização dos in-
vestimentos.
Nesse movimento de vaivém do capital-dinheiro inter e intraterritórios dos
bancos supranacionais, o conflito geopolítico entre eles provoca um contínuo pro-
cesso de desterritorialização e reterritorialização das relações de poder em novas
bases espaciais. O caso típico desse fenômeno são as fusões e as incorporações in-
terbancárias.
De um modo geral, essa dinâmica expressa, cada vez mais, um domínio supe-
rior do espaço e do tempo. Entretanto, a superação das barreiras espaciais e o in-
tenso processo de compressão espaço-tempo não implicam menor significado do
lugar (Harvey, 1993). O aumento da competição interbancária obriga os bancos a
buscarem vantagens de lugar no seu movimento de ampliação e reorganização ter-
ritorial, explorando as minúsculas diferenciações espaciais.
Tais qualidades espacialmente diferenciadas podem ser criadas por pessoas e
forças que dominam um território, de modo que o torne atrativo aos interesses dos
bancos. Exemplo ilustrativo são os paraísos fiscais, verdadeiros redutos extrater-
ritoriais de sucursais de bancos supranacionais enclavados em alguns países sub-
desenvolvidos.
No contexto da compressão espaço-tempo, a sensibilidade do capital às va-
riações do lugar tem como resultado "a produção da fragmentação, da insegurança
e do desenvolvimento desigual efêmero no interior de uma economia de fluxos de
capital num espaço global unificado" (Harvey, 1993:267).
O fim dos acordos de Bretton Woods e a passagem para um sistema global de
taxas de câmbio flutuantes respondem, em parte, por esse cenário descrito por
Harvey. Atualmente, a moeda não se apóia exclusivamente na produção, e sim,
em grande parte, na especulação financeira. O efeito disso tornou mais instáveis
que outrora os territórios que fundamentam a geração do valor.
Acresce aí que, a partir da revolução nas telecomunicações, o dinamismo
dos bancos supranacionais deriva de sua capacidade de manipular os mecanis-
mos de separação do tempo e do espaço. A própria velocidade de circulação do
capital-dinheiro arranca o espaço do tempo, ao fomentar relações entre lugares
fantasmagóricos (Giddens, 1991). Os paraísos fiscais, por exemplo, são atingi-
dos por relações sociais distantes de sua natureza. Esses lugares são penetrados
por influências sociais "invisíveis" que agem em nível global, estruturando-os

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na rede dos grandes bancos através da telemática. Tais influências invisíveis são
a moeda eletrônica, que destacaremos mais adiante.
Essa separação entre tempo e espaço e sua recombinação em novas formas ter-
ritoriais são cruciais para a dinâmica dos bancos supranacionais, já que possibilitam
um processo de desencaixe (Giddens, 1991) e de conexão do local com o global em
formas anteriormente impensáveis. De acordo com Giddens, o desencaixe seria uma
estratégia de desconectar um tipo de relação social num dado território e reestruturá-
lo através de novos mecanismos de representação espaço-tempo.
No tocante à nova ordem monetária internacional, o principal tipo de desen-
caixe são as fichas simbólicas (Giddens, 1991 :30), que "significam meios de in-
tercâmbio que podem ser circulados sem ter em vista as características específicas
dos indivíduos e lugares que lidam com eles". Em nosso caso, o dinheiro repre-
senta a principal ficha simbólica. Envolvido nas transações entre débito e crédito,
o dinheiro se relaciona ao tempo e a uma pluralidade de intercâmbios. É um meio
de separação entre tempo e espaço, já que viabiliza a articulação dos agentes par-
ticipantes desse processo.
Na sociedade do powershift (Tofler, 1993b), as condições de desencaixe são
enormes, já que o dinheiro tem assumido formas imateriais com a ascensão da
moeda eletrônica articulada em redes de informática. Observemos a ilustração
da moeda eletrônica e seu poder de desencaixe evidenciados por Naisbitt
(1994:3): "Estou em Paris. Já é noite e preciso rapidamente de dinheiro. O banco
ao qual me dirijo está fechado, é claro. Porém, fora está um caixa eletrônico. Eis
o que pode acontecer, graças aos computadores e às telecomunicações de alta
velocidade. Insiro o cartão magnético de meu banco em Washington D.C. e di-
gito a minha senha e a quantia de 1.500 francos, o que equivale a aproximada-
mente a 300 dólares. Os computadores do banco francês detectam que o cartão
não é local, de modo que a minha solicitação é encaminhada ao centro de com-
putação intereuropeu do sistema Cirrus, na Bélgica, que detecta não se tratar de
cartão europeu. A mensagem eletrônica, então, é transmitida para o centro de
comutação global, em Detroit, que reconhece referir-se ao meu banco em
Washington. A solicitação chega lá e o meu banco constata que tenho mais de
300 dólares na conta e deduz esta quantia acrescida de uma taxa de um dólar e
meio. Dali, ela retoma a Detroit, à Bélgica e ao caixa eletrônico do banco pari-
siense - que faz aparecerem 300 dólares em francos franceses. Tempo total de-
corrido: 16 segundos (Write, Peter T. National Geographic, janeiro de 1993)".
A moeda da terceira onda, controlada pelos agentes financeiros internacio-
nais, constitui um meio de associar tempo e espaço à instantaneidade. Cada vez
mais afastado de corporificações materiais, o capital-dinheiro que circula em po-
der dos bancos toma-se uma ficha supersimbólica. No momento em que o mundo
financeiro está interligado por essas redes de comunicação e transporte altamente
desenvolvidas, delineiam-se a utilização e o desencaixe instantâneo dos diferentes
lugares. O movimento de eurodólar traduzido na moeda eletrônica, isto é, cada
vez mais em pulsos eletrônicos, tem o poder de desencravar áreas e provocar a in-

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flexão da rede de sucursais de um banco supranacional num intenso processo de
desconstrução e reconstrução do território controlado pelo banco.
Na verdade, o dinheiro mudou de forma. Da antiga forma em papel ou metal,
o dinheiro tornou-se tecnologia que circula à quase velocidade da luz. É transpor-
tado através de fios e redes de fibras óticas, retransmitido por satélites e projetado
de uma rede para outra. Hoje, ele está em todo lugar e em nenhum lugar ao mesmo
tempo. Ou seja, não tem uma localização real e material. As redes de computadores
tornaram possível a existência desse tipo de moeda. Nesse sistema, as distâncias e
o tempo são irrelevantes. O mundo das finanças, que transcendeu a economia, é
formado por um espaço eletrônico das pessoas e não dos governos. É um ambiente
formado por investidores, operadores, banqueiros, gerentes de carteiras de investi-
mentos, corretores de ações, analistas, órgãos fiscalizadores etc. (Kurtzman,
1995:15-17 e 19).
Esse padrão megabyte da nova ordem monetária, baseada na moeda eletrônica,
contribuiu para o divórcio entre a economia tradicional e a economia financeira, al-
tamente abstrata. O foco das finanças se transferiu dos investimentos para as tran-
sações via rede de computadores e de telecomunicações espalhadas em qualquer
parte do mundo.
Essas redes de finanças idealizam um mundo sem centro, visto que todos os lu-
gares estão eqüidistantes de todos os outros. As transferências de dinheiro e infor-
mações podem fluir sem barreiras, por todo o globo. Em suma, o espaço eletrônico
das finanças difere totalmente do espaço da economia concreta, "real", visto que
sua dinâmica flui sem as restrições das fronteiras nacionais impostas pelos Estados
(Kurtzman, 1995: 178).
No entanto, a dinâmica desse espaço eletrônico formado a partir da integração
finanças-telecomunicações implicou que os fluxos de capitais especulativos movi-
mentados pelos bancos e outros organismos financeiros fossem acompanhados por
um controle de diversas áreas do globo, que alterou o significado de lugar, princi-
palmente com respeito à localização no tempo, dadas a volatilidade do capital-di-
nheiro e a emergência do horário de transações monetárias de 24 horas. Por outro
lado, a desregulamentação dos setores financeiros encorajou os bancos a cruzarem
as fronteiras nacionais, evitando o controle governamental em seus países de ori-
gem. O efeito disso é que a globalização financeira repercutiu no sistema urbano
internacional, consolidando a integração dos pólos das finanças mundiais localiza-
dos no centro das megalópoles, apesar de elas serem diferentes uma das outras. Em
suma, de acordo com Warf (1989), a integração finanças-telecomunicações refor-
çou a atratividade das principais áreas metropolitanas na paisagem financeira glo-
bal. Não obstante, esse raciocínio de Warf parece ainda não vislumbrar o mundo
sem centro idealizado por Kurtzman.

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Teleporto, desenvolvimento urbano e finanças internacionais

Com base nas considerações anteriores, podemos concluir que as transforma-


ções tecnológicas no setor de telecomunicações e informática foram reflexo e con-
dição da globalização financeira, assim como da reestruturação do setor bancário
interno de vários países. A revolução da microeletrônica reduziu os custos de
computação e permitiu que os bancos se voltassem para três tecnologias básicas:
satélites, microondas e fibras óticas. Hoje, em vários países, boa parte dos fluxos
financeiros é realizada pelas chamadas telefônicas via satélite. As fibras óticas
têm sido instaladas nas principais áreas metropolitanas, exercendo, portanto, uma
forte atração sobre o sistema financeiro internacional.
No tocante ao desenvolvimento urbano, a dotação de uma infra-estrutura de
telecomunicações na cidade permite que elas se integrem com mais agressividade
nos fluxos de finanças mundiais. Uma das políticas adotadas tem sido a do tele-
porto que, segundo Lipman (Warf, 1989:267), consiste "num parque de escritó-
rios suburbano, e equipado com instalações terrestres de satélite e freqüentemente
ligado a uma rede de fibras óticas". De um modo geral, a instalação de um tele-
porto possibilita a transmissão de informações em escala planetária e oferece eco-
nomias de escala aos seus usuários.
Entre os 54 teleportos existentes no mundo, a maioria está localizada nos paí-
ses mais desenvolvidos. Só nos EUA existem 36 deles. À medida que os centros
de capital financeiro utilizam o teleporto, aumenta a possibilidade de dispersão
global dos serviços de seguros, seguridade e demais empregos bancários.
Isso acontece porque a transição para uma fase de acumulação flexível baseada
nas altas tecnologias implica uma maior aceleração do tempo de giro do capital. A
necessidade de informações mais rápidas e precisas tem enfatizado o papel das
grandes cidades no sistema financeiro e corporativo. Daí a necessidade de investi-
mentos em teleportos, aeroportos internacionais, serviços financeiros etc. É preciso
alterar continuamente o conteúdo do espaço para que ele possa atrair os intensos
fluxos de capital.
Essa nova face da geografia da desvalorização valorativa não faz sentido
sem observarmos a mudança na ordem monetária internacional. A rapidez com
que os mercados de moeda especulativa (ou pulsos eletrônicos) flutuam em es-
cala planetária expressa uma nova maneira de como o valor é representado e sua
interseção problemática com o tempo e o espaço. A desmaterialização da moeda
tem tomado os espaços muitos mais instáveis frente à fuga repentina de capitais.
Daí, portanto, a busca agressiva de uma alteridade espacial dos lugares deverá
expressar uma anamorfose acelerada da espacialidade da sociedade contemporâ-
nea. Nesse contexto, os teleportos servem como partes vitais das infra-estruturas
de telecomunicações regionais e internacionais e da importância do tempo como
determinante dos mercados globais.

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3. Considerações finais

No limiar do século XXI, a mobilidade do capital, que é, por natureza, dester-


ritorializadora e apátrida, tem passado por transformações radicais. No atual pe-
ríodo tecno-científico, as novas tecnologias de transporte e telecomunicações têm
sido uma das fontes potencializadoras dessas mudanças.
Os avanços na microeletrônica e informática permitem maior flexibilidade e
mobilidade geográfica dos fatores e formas de produção em escala planetária. A agi-
lização desses mecanismos de apoio à acumulação do capital tem ampliado enorme-
mente o setor de serviços, especialmente os de telecomunicações e finanças.
Como já vimos, as novas infra-estruturas de hardware e software garantem a
difusão espacial do capital e seu intenso processo de desterritorialização e reterri-
torialização seletiva. Todavia, precisamente por isso, a esfera da circulação adqui-
re um papel fundamental em face da necessidade de maior velocidade de rotação
do capital. Desse modo, surge uma gama de serviços portadores de trabalho im-
produtivo, que nem sempre é suporte ao trabalho produtor de valor.
A sociedade pós-industrial nada mais é do que uma fase de maior aceleração
da realização do valor. A novidade é que atualmente a geração do valor se dá es-
sencialmente através da especulação financeira e não sobre a produção material
de bens. Ou seja, no limiar do século XXI, o capital passou a se reproduzir cada
vez mais deslocado do trabalho produtivo.
O resultado dessas transformações tem sido a exacerbação da insegurança e
instabilidade dos lugares e regiões que participam das redes corporativas. A com-
petição nos mercados implica um intenso processo de inclusão-exclusão dos in-
vestimentos em diversas áreas do planeta. Ao competirem entre si, as corporações
impõem estratégias de difusão espacial das inversões produtivas e especulativas
de uma parte do mundo para outra e a criação de um mercado global de bens e
serviços.
De um modo geral, essa instabilidade dos lugares nas redes corporativas é um
sinal claro de que a crença num progresso otimista da ciência não se sustenta. O
processo de criação e transferência de tecnologias não se confunde com o mito de
Midas. Está mais para a história de Prometeu acorrentado. O avanço técnico pro-
move, de um lado, o desenvolvimento de certas áreas, mas, de outro, a dialética
da inclusão-exclusão cria insegurança e desigualdades sócio-espaciais que pesam
sobre"o prazer de agarrar o jogo com as mãos".
Os detentores dos novos padrões tecnológicos são cada vez mais as grandes
corporações transnacionais. As novas estruturas produtivas e financeiras e os in-
vestimentos realizados por elas têm exacerbado as desigualdades sócio-espaciais.
Isto é, hoje, o crescimento diferencial intra e internações é muito mais nítido.
Em suma, os avanços tecnológicos tomam mais fácil a identificação dos gru-
pos sociais mais prejudicados e liberam as corporações produtivas de seus laços
nacionais. Esse processo é mais intenso quando se observa a internacionalização
das finanças.

TELECOMUNICAÇÕES E CORPORAÇÕES INDUSTRIAIS E FINANCEIRAS 19


A dinâmica da moeda eletrônica não respeita as fronteiras políticas. O dinhei-
ro que circula na rede de computadores (pulsos eletrônicos) provoca instabilidade
para as autoridades governamentais. A entrada e a saída desse capital seguem uma
dinâmica própria. Qualquer avaliação sobre os dados de comércio e taxa de juros
pode engendrar uma inflexão do fluxo de investimentos de um país para outro
numa velocidade espantosa. Diante dessa situação, os governos buscam criar ins-
trumentos políticos que garantam a participação do país nesse circuito diário de
transações especulativas em moeda estrangeira, cujo valor é muito superior ao das
mercadorias transacionadas.
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno da desintermediação financeira é o
caso das bolsas de mercadorias & futuros. Desde o final do século XIX, os mercados
futuros são negociados por investidores em todo o mundo. Entretanto, a partir de
1970, a maioria dos contratos transacionados, nas várias bolsas espalhadas pelo pla-
neta, é de futuros financeiros (o objeto de negociação é um ativo financeiro), e não
de futuros de mercadorias (o objeto de negociação é a mercadoria). Essa é uma das
principais características da área financeira nos dias de hoje.
Os valores transacionados nos mercados de futuros financeiros, via rede de te-
lecomunicações e computadores, são cada vez maiores. Com efeito, expande-se a
circulação planetária da moeda eletrônica durante as 24 horas do dia.
Essa moeda eletrônica é, na verdade, uma nova forma de reificação do capital.
A relação social entre os participantes dessa rede transacional não assume a forma
de relações entre coisas materiais, e sim, de aparências fantasmagóricas de pulsos
eletrônicos nas telas dos computadores. No entanto, os ganhos e as perdas desse
jogo especulativo estão associados aos indicadores econômicos dos países, isto é,
à sua base produtiva de bens materiais. Dificuldades econômicas, tais como su-
cessivos déficits na balança comercial, podem significar a transferência dos flu-
xos financeiros de um país para outro.
Enfim, apesar de alguns autores ressaltarem a tendência do "fim da geografia"
(O'Brien, 1992) imposta pelo caráter fungível da moeda eletrônica, a localização
dos investimentos especulativos ou produtivos continuará como suporte à dialéti-
ca da homogeneização-diferenciação que acompanha a dinâmica espacial do ca-
pital. Desse modo, os nós das redes corporativas (as cidades mundiais) jogam por
terra a tese de um "mundo sem centro" proposta por Kurtzman (] 995).

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