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LINGUAGEM, SUJEITO E DISCURSO

Daniella Caruso Gandra


Olá!
A proposta é que você compreenda a trajetória no alcance da linguagem, abrangendo diferentes teorias

linguísticas que ampliam o conhecimento sobre os níveis que a linguagem possui e a sua relação com sujeitos

produtores de sentidos. Tais signos de significação dão conta também de nos situar no mundo, construindo

nossa identidade social. Essa identificação acontece mediante o discurso, num dado espaço histórico-social,

sendo o resultado dos sentidos entre nós e outros interlocutores que ocupam esse espaço. Assim exposto,

abordaremos um campo do conhecimento da linguagem denominado Análise do Discurso. Para esse campo de

estudo, a linguagem não é um objeto neutro, mas pleno de conteúdo simbólico, o qual só faz sentido porque é

produzido ao longo dos tempos, e devido à nossa interação com o meio em que vivemos. A questão de que o

significado das coisas se dá pela linguagem e como a manipulamos, leva-nos a interpretar as coisas ao nosso

redor. E, conforme argumenta Orlandi, (1999, p.46), “a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos

sentidos”. Isto explica que, mesmo que intuitivamente, nós buscamos atribuir sentidos a tudo o que ocorre no

nosso cotidiano, por isso a linguagem reflete ideologias na relação que estabelecemos com o mundo.

Por ideologia, se a referência é relativa às estruturas mentais - as linguagens, os conceitos, as categorias, imagens

do pensamento e os sistemas de representação que diferentes classes e grupos sociais desenvolvem com o

propósito de dar sentido, definir, simbolizar, e imprimir inteligibilidade ao modo como a sociedade funciona.

(Hall, 1996).

A partir daí, entendemos que uma ideologia surge quando damos sentido a algo, quando o representamos por

meio de símbolos, oriundos do nosso pensamento que se traduz em linguagem. Tal sistema simbólico se revela

entre o que já nos é conhecido e o novo, e a linguagem está inserida nessa tensão, isto é, podemos reproduzir

significados e construir novos baseados naqueles.

Esclareceremos os fins da análise do discurso, que privilegia conceituar discurso e obter uma explicação razoável

para a linguagem como detentora de sentidos ao ser interpelada por um sujeito inserido num contexto social.

Abordaremos, inclusive, os tipos de sujeitos que falam durante o enunciado comunicativo, e citaremos autores e

suas perspectivas sobre o vínculo entre a subjetividade, a linguagem e a produção de sentidos.

A Linguagem na constituição do sujeito


Desde pequenos, quando somos crianças, ao interagirmos com os adultos, estabelecemos os primeiros contatos

com o mundo exterior. Primariamente, esta relação ocorre quando estamos ainda dentro da barriga de nossa
mãe, e fazemos uma associação com o nosso corpo e o corpo de nossa mãe, como se fossem um só. E, ao passar

dos anos, quando já crescidos estamos, a separação natural da dependência que sentimos pelo laço materno

ocorre, havendo a necessidade de nos situarmos como sujeitos ao abstrairmos os símbolos com os quais temos

contato no decorrer de nossas vidas em sociedade. A Psicanálise define isso como o processo de identificação,

que é também algo natural, que desenvolve a subjetividade ou individualidade, como o limiar entre o individual

e o social; ou seja, do eu com o outro. Portanto, em psicologia, o indivíduo se identifica ou se reconhece no

mundo pelas semelhanças e diferenças que percebe nas relações que funda.

Entretanto, nem sempre essa dualidade entre o igual e o diferente é tão clara ou explícita em termos de

identificação ou identidade, assim, pode nos confundir entre o que nos pertence e o que pertence a outrem. E

estamos habituados, como vivemos e convivemos em sociedade, a perceber e conceber um regime completo ou

inteiro de ideologias, isto significa que precisamos conceituar as partes que compõem esse todo, em nível

comportamental para formarmos os grupos sociais. E, a partir de então, nos inserirmos em um deles a fim de nos

representar no mundo. E é através da linguagem, que reúne uma diversidade de significantes, que o indivíduo se

identifica como sujeito e reconhece também outras representações da realidade.

A linguagem se define tanto pelos processos históricos como pelo emaranhado social, no conceito de Lacan

(1998), estudioso das teorias freudianas, o sujeito integra a linguagem à sua vida muito antes de penetrar na

sociedade. A história é importante para formar o sujeito, mas não pelo comportamento social e, sim, porque a

história já está na fala de quem interage com o sujeito, mesmo antes de ele nascer.

Por ser a linguagem um mecanismo de interação humana, nas mais diversas formas, não somente na fala ou na

escrita, evoluindo com o tempo, mas se transformando pela interferência dos sujeitos e do sistema simbólico que

assim possibilita que ela exista e persista. A importância da linguagem para o indivíduo é que ela permite o

nosso relacionamento com outros indivíduos; com os sentidos das coisas que nos rodeiam; e conosco mesmo. E a

linguagem jamais pode ser encarada como algo inerte, mas em pleno desenvolvimento apoiado em ações que se

refletem em discursos sociais. Uma palavra-chave para todo esse andamento que procede da linguagem é o

“dialogismo”, significando, segundo a definição de Mickhail Bakhtin, a interação entre textos, por meio de

polifonias - diferentes vozes, falas, leituras, ou seja, o texto ou discurso é percebido através de outros textos e

outros discursos semelhantes.


Saiba mais
Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Mickhail Bakhtin, 2004. A obra traz considerações a
respeito do dialogismo e a constituição de sujeitos de acordo com o campo da análise do
discurso.

Vejamos na sequência um estudo de caso acerca de uma criança com atraso na aquisição de sua linguagem. Tal

estudo motivou-se pela perspectiva interacionista de Lemos (1992-1997). Para a teoria interacionista, o

indivíduo só não aprende a falar devido a problemas de origem orgânica, logo, neste caso, evidencia-se a

linguagem não verbal para traduzir aspectos sobre o sujeito em questão. E a terapia propriamente clínica, mais

precisamente, um bom profissional fonoaudiólogo, deve ser contatado somente quando a criança apresenta

visivelmente sérios problemas na linguagem que estejam interferindo no andamento de sua vida familiar e

social.

Manuela, uma criança de 2 anos de idade, inserida num ambiente familiar integrado, com pais e dois irmãos

morando junto com ela, responde negativamente quando todos estão reunidos a precipitar sua linguagem. Chora

quando se sente pressionada por parte dos pais que, juntos, a incentivam a falar. Seus irmãos, um pouco mais

velhos que ela, mal lhe dão atenção, a não ser quando prestam algum favor aos adultos em casa. Manuela, ao

estar sozinha partilha momentos em que sua linguagem parece sobressair, espontaneamente, mas ainda sem

muito sentido esclarecedor. Quando com o avô, sentada em seu colo, Manuela presta atenção ao que ele lhe diz e

repete silabicamente os sons produzidos pelas terminações das palavras que dele são proferidas.

Constatou-se que o contexto intersubjetivo é o responsável pelo êxito alcançado quando uma criança demonstra,

em certas situações, dificuldades em adquirir a linguagem.

O sujeito e a produção de sentidos


É notório afirmar que uma língua reflete uma sociedade por meio de atos discursivos ou comunicativos, então,

pelas influências que esse sujeito recebe do meio externo em que vive, ele constrói significados. Com atenção a

isto, iremos abordar por ora aspectos sociológicos e cognitivos que estão intimamente ligados à produção de

sentidos, tais elementos possibilitam que um sujeito produza significados ao utilizar a sua linguagem. O

desenvolvimento de nossa cognição e de nossa linguagem dá-se através de uma socialização.


Logo, para compreendermos um texto ou um discurso, precisamos analisá-lo integralmente, já que se distancia

da ideia de ser algo estático, mas um todo amarrado. E só produzimos sentidos com o auxílio de nosso sistema

cognitivo juntamente com as experiências que compartilhamos socialmente, com outros produtores de sentidos.

Porém, para que compreendamos as coisas, ou um texto, não basta usarmos de nossa capacidade cognitiva, é

preciso atuar na construção desses sentidos. Essa atuação é que nos guia para a produção de sentidos.

Comumente trazemos informações, reflexos, percepções, traços de nossas experiências anteriores para

atribuirmos sentidos às atuais que nos pareçam similares, as quais nós passamos a vivenciar, ou seja, a partir de

uma socialização, a linguagem ganha significado na organização do nosso pensamento. O indivíduo produz

sentido por meio de sua ação, em que tal sentido pode estar ancorado na história socialmente inscrita no

consciente coletivo. Existem alguns facilitadores em nossa língua que contribuem para o significado das coisas,

isto é, eles enquadram a nossa linguagem a um contexto perceptível de nossa realidade, como é o caso da figura

de linguagem denominada Metonímia, cuja ideia é referenciar algo por meio de um conceito aproximado, a parte

pelo todo, o conteúdo pela forma e assim por diante. Exemplo: “Ontem fui à casa de mamãe a acabei me

esquecendo de trazer o Portinari”. Neste caso, refere-se ao quadro do pintor, ou seja, é o autor pela sua obra, por

ter maior relevância em nível conceitual. Outra figura da linguagem bastante utilizada na produção de sentidos é

a Metáfora, que revela uma semelhança entre dois conceitos da realidade, fazendo uma espécie de comparação,

por exemplo: “Tenho na música meu porto seguro”.Revela-se aqui uma conexão possível dentro desse contexto,

que por nós é compreendido, entre dois conceitos próximos, semelhantes, que isolados não condizem com esse

sentido. Outros aspectos importantes para a aquisição de sentidos são os papéis que sintetizam valores

pertencentes à nossa realidade social, como, por exemplo, quando dizemos professor/aluno, sabemos em nosso

pensamento quais as características que se relacionam com essas palavras, simbolizando conceitos e valores.

Observamos pela exemplificação demonstrada que a compreensão acontece porque existe um texto, um

discurso, onde se transfiguram ações sociais cheias de significância. Um texto qualquer pode ser olhado como

uma sequência de palavras, frases, símbolos etc, mas ele só se ativa quando lhe damos sentido a depender do

contexto no qual esteja inserido.

Para Beaugrande (1997:11), “as pessoas usam e compartilham a língua tão bem precisamente porque ela é um

sistema em contínua interação com seus conhecimentos partilhados sobre seu mundo e sua sociedade”.

Portanto, percebemos que só produzimos sentidos pelas escolhas que fazemos objetivamente, porque temos

uma intencionalidade, uma finalidade que dá efeito a elas num dado contexto social.
Resumindo: para aferir sentidos, o sujeito necessita atuar sobre a própria língua e cognição, através de escolhas

adequadas ao objetivo comunicativo, sabendo que a realidade social constitui sentidos, mas para tal, depende

dos contextos onde se fabrica, se utiliza, e esses processos de significação só existem, de fato, pela mediação da

linguagem que sofre a influência de espaços que variam ao longo dos tempos.

Saiba mais
Você o conhece? Max Weber, sociólogo alemão, estudou o processo de compreensão dos
sentidos, influenciado pela subjetividade dos sujeitos a tentar depreendê-los. Saiba mais no
link http://www.mundociencia.com.br/sociologia/weber.htm.

Organizaremos, a seguir, a maneira como o ato comunicativo se integra num contexto coerentemente.

Representaremos num fluxograma os três níveis:

Figura 1 - Organização hierárquica do discurso


Fonte: Pimpão, 1999.
A Pragmática do Discurso constrói-se por experimentos do marxismo e da psicanálise, fundamentados no

estruturalismo. O relevante nesse campo é a coesão, a coerência, a interação de produção que se dá na relação

social, pelo conhecimento partilhado.

A Semântica Proposicional descreve a situação ou um estado de coisas descritas em frases, apontando valores

modais, temporais, de aspectos e de polaridade. Ex: Marcelo quebrou a perna. No caso, temos uma proposição

contendo um elemento do predicado “quebrou” e dois argumentos “Marcelo” e “perna”. A semântica

proposicional também descreve o tempo em que ocorre a ação enunciativa, no exemplo, ela ocorre no tempo

passado, devido à desinência do verbo “quebrou”. Isto é, a ação do enunciado acontece num momento anterior

ao do discurso. O aspecto está relacionado à perspectiva do ato da enunciação, que ocorre por um fato completo.

E ao tratar da polaridade, ela nos afirma algo que aconteceu com Marcelo no exemplo. Logo, não nega.

A Semântica Lexical é a junção do conjunto de palavras que relacionadas entre si atribuem sentidos da realidade

a depender do contexto onde são empregadas. O neologismo é um exemplo disto, em que novas palavras são

criadas através das já existentes, criando novas realidades, novos sentidos.

Saiba mais
Nesta entrevista, Márcia Cançado aborda a semântica lexical de forma simplificada e objetiva.
Vale a pena conferir para saber mais a respeito desse tema. http://www.revel.inf.br/files
/9413728ff9736a3e2c00b7f18bf7db89.pdf.

Sujeito, tempo e espaço nas teorias linguísticas


Antes de começarmos a traçar os parâmetros que envolvem esta tríade: sujeito-tempo-espaço, convém

salientarmos a base dela que se encontra nas diversas teorias linguísticas. Esta relação entre o sujeito, o tempo e

o espaço organizam as teses. Um dos autores mais bem conceituados na área que trata da linguística no discurso

é Émile Benveniste, autor francês, que formulou o conceito denominado de Teoria da Enunciação, focando na

linguagem escrita e falada, e mostrando como a subjetividade está presente nos discursos. Benveniste (1989, p.

82) nos define enunciação: “A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de

utilização.” Isto é, enunciamos quando dizemos alguma coisa, quando falamos. Observemos o quadro abaixo a

elucidar isso:
Em síntese, enunciação é o processamento da língua pelo falante ou escritor; enunciado é o discurso ou texto em

si.

Os estudos deste autor contribuíram para desenlaçar a observância da diversidade nos discursos. O

aparecimento das primeiras pesquisas sobre enunciação surgiu na década de 70, na França. E, no Brasil, a partir

de então, buscou-se explicar a linguagem pelo campo da análise do discurso. Um dos conceitos fundamentais na

obra de Benveniste é a intersubjetividade, significando que para constituir-se como sujeito, faz-se necessário o

outro. “[...] os aspectos discursivos da linguagem dizem respeito às relações que na e pela linguagem se

estabelecem entre os interlocutores” (FÁVERO; KOCH, 1988, p. 31). É a intersubjetividade, na teoria da

enunciação, que faz com que seja possível que haja a comunicação. Mas discursos, de acordo com o que postula

Benveniste, são signos que se atualizam na aproximação do discurso pelo locutor (eu/tu). O sujeito se constitui

linguisticamente pela enunciação do eu no enunciado, o eu é o locutor e o tu, o interlocutor. Vejamos agora as

matéria temáticas da teoria da enunciação, divididas em 6 partes:


• Transformações da Língua: a noção de tempo implica importância na análise da língua e na formação de
discursos. Esta noção reflete o processo dinâmico da língua. Pois, embora a língua tenha um aspecto
imutável, também configura outro mutável, devido às transformações ao longo dos anos. A língua se
diferencia no tempo e, simultaneamente, se diversifica no tempo.

Uma língua, considerada em duas datas diferentes, não é idêntica a si mesma. [...] As duas coisas,

quando se quer ter uma visão exata dos acontecimentos, devem ser sempre levadas em conta e em

conjunto. Mas somos obrigados a separá-las, em teoria, para proceder com ordem (SAUSSURE, 2002,

p. 132).

• A Comunicação: a linguagem é referente ou uma condição para a comunicação, de acordo com


Benveniste e sua teoria da enunciação. Ajuda-nos a entender como se dá a língua, analisando seu

funcionamento. E outra presença é apontada: a da subjetividade, que delimita a noção de espaço na


funcionamento. E outra presença é apontada: a da subjetividade, que delimita a noção de espaço na
comunicação. Segundo os estudos dessa teoria, os sujeitos que participam do ato enunciativo são
considerados (o eu e o tu), por exemplo, mas não o “eles”, este é visto como não pessoa, mas todo o resto
de sujeitos ou nenhum. Ou seja, o ele não equivale à noção de pessoa. Logo, os pronomes (eu, tu) são “os
atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em palavra por um locutor.”
(BENVENISTE, 2005b, p. 277).
• Estrutura e Análises: a enunciação é que produz realizações concretas. Através da dêixis, estudada no
capítulo anterior, cujo significado diz respeito à contextualização que uma palavra representa dentro de
um esquema enunciativo, que são indicados o espaço e o tempo do enunciado, do discurso. Todo
enunciado apresenta uma sequência, sem marcas lingüísticas, estas se dão por meio da enunciação, que
engloba os sujeitos do discurso (eu/tu). Exemplo: Eu acreditava que baleia era um peixe, mas na aula de
português, minha professora me disse que ela é um mamífero. Notamos neste caso, que há dois sujeitos
(interlocutores) no discurso ou na enunciação: o eu/minha professora (tu). E o pronome “ela” não
representa pessoa nenhuma, apenas retoma a palavra “baleia”. Funciona, então, como um elemento
dêitico (referencial) no enunciado. Quanto à questão do tempo, os enunciados correspondem ao tempo
presente (atual) ou se opõem num sentido de anterioridade ou posterioridade com relação a ele.
Exemplos: - Agora estamos chegando... (correspondência ao presente) - Antes, acreditei que havíamos
chegado... (opõe-se ao presente - anterioridade) ― tempo no pretérito perfeito do modo do indicativo. -
Amanhã chegaremos... (opõe-se ao presente – posterioridade) ― tempo no futuro do presente do modo
indicativo.
• Funções Sintáticas: de acordo com a teoria de Benveniste, a língua manifesta-se pela enunciação que
mantêm elementos referenciais sobre algum contexto. Falamos sempre sobre alguma coisa.

O sentido da frase é de fato a ideia que ela exprime; este sentido se realiza formalmente na língua

pela escolha, pelo agenciamento de palavras, por sua organização sintática, pela ação que elas

exercem umas sobre as outras. (Benveniste, 2006, p. 101).

As funções sintáticas fornecem ao produtor de enunciados diversos recursos para influenciar o entendimento do

receptor da mensagem, tais como:

- interrogação: é uma enunciação feita por meio de pergunta com a finalidade de se obter uma resposta.

- intimação: utilização de verbos no modo imperativo (exprimindo ordens, pedidos, etc), vocativos (evocando o

outro) na enunciação.

- asserção: comunica uma certeza, usam-se os advérbios “sim” e “não” para afirmar ou negar com certeza uma

dada proposição na enunciação.

Exemplos:

“Quando eu era criança, diziam-me os meus pais que eu tinha de fazer tudo para ser gente. Ser gente? Mas o que

é ser gente?”

Ei, você, venha até aqui para me ajudar!

“A partir do momento em que o comportamento de um jogador - ou de qualquer cidadão - interfere na vida de

outras pessoas em locais públicos, por bem ou por mal, me parece que deixa de ser privado.”

• O Homem na Língua: para analisarmos esta parte, devemos situar as marcas do sujeito na língua. A
• O Homem na Língua: para analisarmos esta parte, devemos situar as marcas do sujeito na língua. A
linguagem só se realiza ao passo que o homem se coloca como sujeito e transparece sua subjetividade ―
ego.

Toda linguagem, como já mostrou Benveniste, organiza a pessoa em duas oposições: uma correlação

de personalidade que opõe a pessoa (eu ou tu) à não-pessoa (ele), signo daquele que está ausente,

signo da ausência; e interior a essa primeira grande oposição, uma correlação de subjetividade opõe

duas pessoas, o eu e a pessoa não-eu (isto é, o tu). (BARTHES, 1988, p. 34).

Ainda conforme Barthes, estudioso das propostas de Benveniste, ao pensar no homem e em sua capacidade de

comunicação, assim o define:

O homem não preexiste à linguagem, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente. Jamais

atingimos um estado em que o homem estivesse separado da linguagem, que elaboraria então para

“exprimir” o que nele se passasse: é a linguagem que ensina a definição de homem, não o contrário.

(BARTHES, 1988, p. 31-32).

Filogenético quer dizer um grupo irredutível de organismos que possuem características diferentes das de

outros organismos. O termo ontogenético significa as transformações pelas quais passa um organismo num dado

sistema. Logo, na citação acima referida por Barthes, explica-se que a linguagem antes de certa sociabilidade, não

existe.
• O Léxico e a Cultura: é interessante saber que existem conexões entre o léxico e a cultura, e o primeiro
está presente nas marcas linguísticas, nos discursos, pois só podemos compreender um texto ao perceber
a rede de vocábulos que o compõe e sua estrutura. Por meio da coesão, estabelecemos uma sequência de
pensamento, um todo coordenado de ideias sujeitas à captação de sentidos. Vimos, anteriormente, que há
diversos tipos de coesão que funcionam como referenciais em um dado texto, recuperando uma
informação, antecipando-a, etc. A cultura no que tange à sua relação com o léxico diz respeito a toda uma
gama de variedade linguística, que encontramos predominantemente em diversas proporções: regionais,
sociais, etc. Tais variantes da língua são compreendidos como contextos que se acumulam com o tempo e
se modificam constantemente também na atuação de sujeitos que se comunicam. A visão de mundo de
determinados grupos sociais se refletem no léxico usado por parte destes e que são também
influenciados pelos aspectos socioculturais. Como reafirma Barbosa (1992):

[...] o léxico representa, por certo, o espaço privilegiado desse processo de produção, acumulação,

transformação e diferenciação desses sistemas de valores. (BARBOSA, 1992, p. 1)

Portanto, para encontrar sentidos nas coisas, devemos correlacionar indivíduo e sociedade. O léxico descreve

uma cultura, contida na sociedade, a qual reflete uma ideologia dominante.


Saiba mais
O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, onde há a conceituação de semântica
proposicional ou frasal, para rever, entre outros assuntos, e um vocabulário extenso.
http://www.dartmouth.edu/~mavall/libguides/documents/ciencias.pdf.

De acordo com a proposta de Émile Benveniste, em sua teoria da enunciação, a linguagem deve fornecer o status

de sujeito. O indivíduo é um ser de linguagem. Só que este não está sozinha, depende de outro para que haja

interação, comunicação, porque a linguagem não acontece se não houver possibilidade de resposta. Então, a

linguagem assume papel da constituição de sujeito pelo falante, ao disponibilizar pronomes, verbos expressando

a pessoa no discurso, advérbios de tempo e outros pronomes expressando o espaço onde esse sujeito aparece.

Uma transcrição de “O Elemento Subjetivo”, parte da obra O Ensaio de Semântica, de Bréal (1992, p.161):

Sobre as três pessoas do verbo, há uma que ele se reserva de modo absoluto (a que se convencionou

chamar a primeira). Desse modo ele opõe sua individualidade ao resto do universo. Quanto à

segunda ela não nos distancia ainda muito de nós mesmos, já que a segunda pessoa não tem outra

razão de ser que a de achar-se interpelada pela primeira. Pode-se, pois, dizer que só a terceira pessoa

representa a porção objetiva da linguagem. [...] Uma observação análoga pode ser feita sobre os

pronomes.

Para este autor referido acima, o sentido é uma relação com o mundo, comparando-a com a subjetividade, temos

a relação entre indivíduo e mundo. Isto define a concretização da interação. A intersubjetividade consiste na

consciência do eu ao compreender que o outro também decide, atua, e não apenas recebe, comporta-se

passivamente, embora tanto o “eu” quanto o “tu” sejam individual, relacionam-se.

Para se tornar sujeito, aquele que discursa possui a linguagem, mas não só ela. É preciso também que ele tenha

consciência do seu interlocutor. Ou seja, entendemos que a subjetividade, estudada por Benveniste (1991b), não

surge pelo eu, mas sim na relação do par eu / tu, relação acontecida no atual, momento presente. Assim, a

relação dos sujeitos é dialógica por natureza.

Concepção de discurso
Para estudarmos o percurso da concepção de discurso, precisamos apontar, historicamente, as linhas de

pesquisa de teóricos sobre o assunto. Uma delas é o Funcionalismo, conforme você já aprendeu, que se originou
na década de 70, ao observar a língua em uso, num sentido pragmático. Para compreendermos o discurso, que só

existe num ato comunicativo, devemos analisar sua estrutura e então identificar os seus sentidos, isto é, suas

ideologias.

O discurso se constrói pela língua, mas é dependente de um contexto social, que se revela no momento dessa

construção, da produção desse texto. Ao criarmos o próprio discurso, baseamo-nos em ideologias que advêm da

política, da sociedade, da cultura, etc., por isso, o outro que nos lê quando interage conosco, precisa saber qual o

contexto daquele discurso.

Segundo Focault (ano), em um discurso é perceptível uma construção de peculiaridades de uma dada sociedade,

ou grupo social, ou ainda, uma identidade que possui reflexos num desses grupos. Por isso que para um texto

qualquer ter significado, alguém deve compreendê-lo. E esta é tarefa de quem produz o discurso, atentando para

a construção de elementos que traduzam sua intenção no texto, ou seja, que situe o interlocutor no contexto no

qual o discurso está alocado.

No campo de pesquisas sobre a concepção de discurso temos muitas vertentes, dentre elas, a Estética do Discurso

, que consiste em captar por meio de imagens o contexto comunicativo. Não difere totalmente do discurso verbal

ou linguístico, pois trabalha com a sensibilidade dos receptores desse discurso, à medida que os localiza no

tempo e espaço ora demarcados no contexto.

A única diferença entre esses dois tipos de discurso é que o estético atinge um dado grupo social: artistas,

apreciadores de arte. Mas o objeto aqui, em questão, é o sentido dentro do discurso, então, temos que pensar que

o discurso é mutável, não é algo permanente, pois varia no contexto, na forma como é concebido, construído ou

estruturado para que atinja seu fim, é um código aberto que depende da interpretação alheia para se efetivar.

Iremos agora fazer um balanço sobre as concepções do discurso, apontando o que há de mais importante em sua

análise.
• Discurso como expressão do pensamento: independe da interferência alheia para construir sentidos,
enunciados. Uma vez que todo pensamento se origina e se desenvolve no interior do indivíduo, portanto,
é um processo individual.
• Discurso como instrumento de comunicação: ao utilizar o código da língua, transmitindo e recebendo
mensagens, tal concepção não leva em consideração os falantes e os contextos, mas o funcionamento
interno da língua, baseado nas pesquisas funcionalistas e transformacionalistas. Ocorre apenas um
processo de decodificação da mensagem, logo, a comunicação é previsível.
• Discurso como forma de interação social: ao falar, utilizar sua linguagem, quem a produz interfere no
comportamento de seu receptor, ocasionando sentidos, influenciados por aspectos sociais, culturais,
ideológicos, etc. durante o processo comunicativo. Esta concepção é mais dialógica, mais pragmática.
Neste caso, a linguagem é ação. O que a difere da Semântica, pois para a compreensão dos sentidos no
discurso não há que se apoiar na sentença, mas na situação comunicativa, no contexto em si.
Entretanto, o campo da análise do discurso é múltiplo, heterogêneo, isto é, porque há muitas formas de

compreender e analisar um discurso. Mas todas essas maneiras de interpretar um discurso confirmam a ideia de
que não existe uma só noção de analisá-lo, porque a linguagem não é neutra. Bakhtin (1986), por exemplo,

classifica o discurso como um dialogismo, já que há uma relação entre linguagem, história e sociedade. Isto se

reflete no enunciado que abrange significados num contexto sócio-histórico. E na interação entre o sujeito que

fala e o outro que escuta, por exemplo, existe a presença inegável da subjetividade. Ainda nos estudos de

Bahktin, percebe-se que o diálogo se dá também entre aquilo que é dito e aquilo que não é dito, ou seja, com algo

extralinguístico, que seria o contexto. Brait (1999) define o que para Bakhtin seria o contexto extraverbal,

composto por três fatores:


• o espaço comum aos interlocutores (o visível ou perceptível);
• conhecimento da situação que envolve os interlocutores;
• a interpretação que os interlocutores fazem dessa situação.
Conforme Charaudeau (2008), há uma análise semiolinguística do discurso, que fundamenta todo ato de

linguagem conter quatro sujeitos:


• o eu-comunicante ― sujeito “empírico”, social de que parte o discurso, ou seja, pela experiência;
• o eu-enunciador ― o sujeito “discursivo” que reflete o eu-comunicante;
• o tu-interpretante ― sujeito “empírico”, a quem o discurso se dirige;
• o tu-destinatário ― sujeito “discursivo” que é traçado como “ideal” pelo eu-enunciador.
Percebemos que o discurso se encontra na questão da enunciação claramente, pois existem diferentes papéis

assumidos pelos que participam do ato discursivo. Um exemplo clássico é o pedido de recomendação que um

funcionário faz ao ex-chefe, no qual estão expressos estes papéis: o de subalterno e o de patrão. Que também

podem ser entendidos como funções de comunicante (quem comunica algo) com o de interpretante (quem

decodifica e atribui sentido a mensagem). Portanto, o sujeito é observado pelo ato de linguagem a que se dispõe,

e também notamos que após as teorias formalistas perderem força nos estudos a respeito da linguagem, é que o

sujeito passa a ser encarado como instância, uma vez que a pragmática, a teoria da enunciação, e a análise do

discurso comprovam isso ao demonstrarem que a linguagem é percebida pela parceria entre sujeitos numa dada

sociedade, utilizando discursos entre si.

Concluindo, sabemos, então, que o discurso só é analisado mediante um conhecimento do contexto do qual ele

faz parte, e que para esses estudiosos, o sujeito não é o detentor desse discurso, pois o discurso é um ato social,

por isso carrega ideologias.

é isso Aí!
A proposta deste capítulo é que você compreenda a trajetória no alcance da linguagem, abrangendo diferentes

teorias linguísticas que ampliam o conhecimento sobre os níveis que a linguagem possui e a sua relação com

sujeitos produtores de sentidos.


Referências
BAKHTIN, M.(VOLOCHÍNOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi

Vieira. 11ª edição, São Paulo: Editora HUCITEC-ANNABLUME, [1929]2004.

_____________ Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.

BARBOSA, M. Aparecida. O léxico e a produção da cultura: elementos semânticos. I ENCONTRO DE ESTUDOS

LINGÜÍSTICOS DE ASSIS. Anais. Assis; UNESP, 1993.

BARTHES, R. Escrever, verbo intransitivo? In: ______. O rumor da língua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. p.

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BEAUGRANDE, Robert de. 1997. New Founda-tions for a Science of Text and Discourse: Cognition,

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BRAIT, B. As vozes bakhtinianas e o diálogo inconcluso. In: BARROS, D.L. P.; FIORIN, J. L (Orgs). Dialogismo,

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