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ACRE, Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Cultural político: memórias, identidades e territorialidade. ZEE/AC, fase II, escala 1:250.

000 / Programa Estadual de Zoneamento


Ecológico-Econômico do Acre. - Rio Branco, Acre: SEMA, 2010, p. 136-164. Disponível em: <https://historiapt.info/pars_docs/refs/4/3809/3809.pdf>. Acesso em 4 set. 2021.

Secretaria de Estado de Meio Ambiente


Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre

Livro Temático | Vol. 4


C o l e ç ã o T e m á t i c a d o Z E E

CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES

ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO DO ACRE FASE II - ESCALA 1:250.000

Rio Branco - Acre


2010
Livro Temático 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES

©2010 SEMA

ORGANIZAÇÃO DA PUBLICAÇÃO Diagramação e Arte Final


MX Design | Antonio Queiroz
Conceição Marques de Souza
Coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental/SEMA

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Impressão
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Técnico/SEMA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Acre. Secretaria de Estado de Meio Ambiente


Cultural político: memórias, identidades e territorialidade. ZEE/AC, fase II, escala 1:250.000
/ Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre. - Rio Branco: SEMA
Acre, 2010.
164 p. _ (Coleção Temática do ZEE; v. 4).

Acre (Estado) - História. 2. Acre (Estado) – Política economia. 3. Identidade social – Acre
(Estado). 4. Geografia humana – Acre (Estado). I. Título. II. Acre, Governo do Estado do.

CDD. 331.76338952098112

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Revisores
TRAJETÓRIAS ACREANAS – ÍNDIOS, SERINGUEIROS,
RIBEIRINHOS, SÍRIO-LIBANESES E SULISTAS COMO
ATORES DA FORMAÇÃO DO ACRE
Magaly da Fonseca S. T. Medeiros, Me. em
Desenvolvimento em Meio Ambiente | SEPLAN/EAB
Conceição Marques de Souza, Esp. Gestão de Recursos
Hídricos | SEMA – Revisão Técnica

IDENTIDADES, TERRITÓRIOS, TERRITORIALIDADES E


AS RELAÇÕES DE PODER NO ACRE
Magaly da Fonseca S. T. Medeiros, Me. em
Desenvolvimento em Meio Ambiente | SEPLAN/EAB
Conceição Marques de Souza, Esp. Gestão de Recursos
Hídricos | SEMA – Revisão Técnica

PATRIMÔNIO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO DO ESTADO


DO ACRE
Renata Gomes de Abreu, Me. em Ecologia e Manejo dos
Recursos Naturais | SEMA
Marcos Vinicius, Historiador e Arquiólogo | Fundação
Garibaldi Brasil
Apresentação
Geral
O Zoneamento Ecológico‑Econômico de ordenamento do espaço, dos recursos e
(ZEE) tem como atribuição fornecer sub‑ das atividades econômicas.
sídios para orientar as políticas públicas A presente Coleção Temática do ZEE Fase
relacionadas ao planejamento, uso e ocu‑ II é dividida em Livros Temáticos, compostos
pação do território, considerando as po‑ de vários artigos específicos que permitem a
tencialidades e limitações do meio físico, visão de temas como: Concepção filosófica e
biótico e socioeconômico, tendo como metodológica da construção do ZEE; Geolo‑
eixo norteador os princípios do Desenvol‑ gia, geomorfologia e Solos do Acre; A biodi‑
vimento Sustentável. É uma ferramenta versidade do Acre; Os ambientes do Acre e
essencial para a definição de estratégias a Vulnerabilidade Ambiental; Situação Fun‑
compartilhadas de gestão do território en‑ diária e Conflitos; Aspectos socioeconômi‑
tre governo e sociedade. cos; Uso dos Recursos Naturais; M.Sc..ória,
No território acreano, a elaboração par‑ Identidades e Territorialidade; As Cidades e
ticipativa do ZEE envolveu estudos sobre as fronteiras; Aspectos Político e Institucio‑
sistemas ambientais, potencialidades e li‑ nal e a percepção social; A Gestão Territorial
mitações para o uso sustentável dos recur‑ do Acre e outros temas a serem inseridos no
sos naturais, relações entre a sociedade e decorrer do processo de implementação do
o meio ambiente e identificação de cená‑ ZEE, se mostrando uma coleção aberta para
rios, de modo a subsidiar a gestão do terri‑ novas atualizações e temas.
tório no presente e no futuro, num grande Com essa iniciativa o Governo do Estado
pacto de construção da sustentabilidade a do Acre busca reafirmar seu compromisso
partir de uma economia de base florestal com um futuro do Acre e da Amazônia, cons‑
com foco na melhoria de qualidade de vida truído por todos e pautado no conhecimen‑
da população. to da realidade, no planejamento das ações
O Zoneamento Ecológico‑Econômico do e na permanente ampliação dos benefícios
Acre Fase II – Escala 1:250.000 foi elabo‑ do desenvolvimento sustentável para toda a
rado a partir da contribuição de inúmeros sociedade. É a Florestania que vai além da
especialistas, em diferentes campos do co‑ cidadania dos povos da floresta. É o embasa‑
nhecimento cujos subsídios foram incor‑ mento cultural de um projeto de desenvol‑
porados ao Documento Síntese. São estu‑ vimento sustentável que deseja colaborar e
dos inéditos, elaborados especificamente ter a cooperação de parceiros para constru‑
para subsidiar nas decisões a serem toma‑ ção da Sociedade do Século XXI.
das sobre o território do Acre. É uma pequena contribuição de quem
Tornar acessíveis, na íntegra, os es‑ está vencendo uma realidade desfavorável
tudos temáticos do ZEE é o objetivo da de conservar a floresta e criar esperança
Coleção Temática do ZEE Fase II. O tema para seus povos. Muito ainda há por se fazer
interessa não somente àqueles que estu‑ neste varadouro da sustentabilidade, porém
dam a realidade acreana ou amazônica, o conhecimento do território é a base para
mas também aos que vêem o zoneamento tornar realidade o sonho de viver em um
como instrumento estratégico primordial mundo sustentável.
Sumário

Capítulo 1. Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos, Sírio-Libaneses e Su-


listas Como Atores da Formação do Acre .................................................. 12
1. Da Selva à Floresta – Geopolítica e Transformações Socioeconômicas da Ama-
zônia ........................................................................................................................... 12
2. Capital X Extrativismo .............................................................................................. 13
3. Os Nordestinos na Amazonia .................................................................................. 15
4. “Pré-História” e Sociedades Indígenas do Acre .................................................... 17
5. O Encontro de Culturas e a Criação de uma Nova Sociedade ......................... 20
6. Fortuna e Decadencia do 1º Ciclo da Borracha Amazônica .............................. 21
7. A Batalha da Borracha e o 2º Ciclo da Borracha Amazônica ............................ 23
8. Paulistas no Acre e o Ciclo da Expansão da Fronteira Agropecuária ................ 27
9. Seringueiros, Colonos e Brasivianos – Conseqüências Sociais da Pecuarização
do Acre ....................................................................................................................... 29
10. Rios, Ribeirinhos e Regatões .................................................................................. 33
11. Considerações Finais ............................................................................................... 36

Capítulo 2. Identidades, Territórios, Territorialidades e as Relações de Poder no Acre... 40


1. Introdução .................................................................................................................. 40
2. Acre: Novos Territórios e Territorialidades........................................................... 40
3. Atores Formadores da Cultura Acreana: a Identidade em Questão................. 42
4. Considerações Finais ................................................................................................ 49

Capítulo 3. Patrimônio Histórico e Paisagístico do Estado do Acre ............................... 66


1. introdução .................................................................................................................. 66
2. O Estado do Acre e Seu Patrimônio ...................................................................... 67
3. Bom Destino: o Seringal que Virou Patrimônio Histórico7 ................................ 68
3. 1. A Revitalização do Seringal ...................................................................... 69
3. 2. Patrimônio Nacional .................................................................................. 70
4. A Ocorrência do Patrimônio no Estado do Acre ................................................ 72
4. 1. O Patrimônio Histórico do Acre .............................................................. 72
4. 2. Os Sítios Arqueológicos e a Antiga Ocupação do Estado ................... 77
4. 3. A Cultura Acreana ..................................................................................... 81
4. 4. Os Sítios Paisagísticos do Acre ................................................................. 82
4. 5. Os Sítios Paleontológicos e a Antiga Fauna da Região ........................ 84
5. O Turismo Como Forma de Preservação .............................................................. 88
5. 1. A Mudança Global no Perfil do Turista................................................... 88
6. Considerações Finais ................................................................................................. 92

Capítulo 4. Cidades do Acre: Experiências de Planejamento e Gestão ........................... 96


1. Introdução .................................................................................................................. 96
2. Organização Geopolítica do Território.................................................................. 97
3. Caracterização de Subzonas Para a Gestão do Território ................................. 99
3. 1. Cidades dos Altos Rios............................................................................. 100
3. 2. Cidades do Médio Juruá ......................................................................... 102
3. 3. Cidades dos Médios Rios ......................................................................... 103
3. 4. Cidades da Integração Fronteiriça ........................................................ 105
3. 5. Cidades do Baixo Acre e Abunã ............................................................. 106
3. 6. Capital........................................................................................................ 108
4. Diretrizes para as Cidades Florestais .................................................................... 109
5. Instrumentos de Planejamento e Gestão Municipal .......................................... 109
5. 1. Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE I e II) – Estado do Acre ... 110
5. 2. Plano Diretor Participativo - Feijó, Rio Branco, Sena Madureira e Alto
Acre ......................................................................................................... 111
5. 3. Planta Diretora - Altos Rios ................................................................... 113
5. 4. Ordenamento Territorial Local ............................................................. 114
5. 5. Zoneamento Econômico, Ambiental, Social e Cultural – Rio Branco ... 115
5. 6. Consórcio Territorial - Alto Acre e Capixaba ...................................... 115
5. 7. Outros Instrumentos de Gestão do Território ................................... 116
5. 8. Os Territórios da Cidadania ................................................................... 118
5. 9. Plano Nacional de Habitação de Interesse Social ............................... 119
6. Cosiderações Finais ................................................................................................. 120

Capítulo 5. Acre: Integração Transfronteiriças Com o Peru e a Bolívia........................ 136


1. Introdução ................................................................................................................ 136
2. Aspectos Gerais ...................................................................................................... 136
2. 1. Localização das sedes municipais em relação ao limite internacional .. 136
2. 2. Cidades-gêmeas ....................................................................................... 137
3. Interações Transfronteiriças na Fronteira Acre-Pando ..................................... 145
3. 1. Elementos de articulação da zona de fronteira Acre-Pando............ 146
4. Considerações Finais ............................................................................................... 159
Apresentação
O Acre é o Estado mais ocidental da Ama‑ a executar seu projeto de sustentabilidade.
zônia brasileira. Sua área de 164 mil quilô‑ Com os recursos necessários para montar
metros quadrados faz fronteira com o Peru as bases de uma política ambientalmente
e a Bolívia, mantendo quase noventa por sustentável e socialmente justa, foi possí‑
cento de sua floresta preservada. Até 1970, vel elaborar o programa do Zoneamento
mais da metade da população vivia nesse Ecológico Econômico do Estado, uma “ja‑
meio, na condição de seringueiro, ribeirinho nela aberta” que leva ao conhecimento das
e indígena, o que inspirou a denominação de potencialidades do Acre, valorização de
“povos da floresta”. sua história, seu patrimônio ambiental, so‑
Os “povos da floresta” que na década cial e a melhoria da qualidade de vida dos
de 1970 e 1980, haviam ampliado o co‑ povos que vivem na floresta, da floresta e
nhecimento e a vivência nas matas foram com a floresta.
surpreendidos por governantes militares, É dessa “janela aberta” que fala esta pu‑
que planejaram desenvolver a Amazônia blicação, produzida em linguagem que qua‑
com a instalação de fazendas agropecuá‑ lifica a história acreana para as relações glo‑
8 rias. Quando grupos do sul e sudeste com‑ bais do terceiro milênio. Se, no passado, o
praram os seringais com os seringueiros Acre ficou à margem da história e do conhe‑
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

dentro, tentaram então expulsá‑los de suas cimento nacional, desta vez, se oferece com
localidades, foi deflagrado o conflito não só sua cultura peculiar para o diálogo com as
pela terra, mas também pela cultura e ide‑ ciências, escolhendo parceiros e convocan‑
ologia dos povos da floresta. Surgiu então do a todos para a construção da Florestania,
o movimento de resistência que projetou um modo de vida em que conceito e senti‑
Chico Mendes como defensor da floresta e mento se completam.
dos povos que nela vivem. Assassinado em Os textos aqui publicados aprofundaram
dezembro de 1988, a mando de fazendeiros, os estudos sobre essa realidade acreana
o líder seringueiro tornou‑se símbolo do para facilitar o diálogo. “Identidades, Ter‑
ambientalismo internacional. ritórios, Territorialidades e as Relações de
Após a morte de Chico Mendes, o movi‑ Poder no Acre”, mostra a pesquisa sobre os
mento continuou crescendo e em 1998 ele‑ atores da sociedade da floresta perscrutan‑
geu o Governo da Floresta. Determinado a do identidades, sentimentos e aptidões. No
construir uma sociedade sustentável, esse texto seguinte, “Trajetórias Acreanas temos:
Governo reeleito em 2003, criou o termo Índios, Seringueiros, Ribeirinhos, Sírio‑Liba‑
Florestania, para expressar um estilo de neses e Sulistas como Atores da Formação
vida inspirado na economia extrativista, na do Acre”. Os autores levantam dados e refle‑
história, cultura e sentimento dos que vivem xões sobre o tema, concluindo: “A territoria‑
em contato permanente com a natureza. lidade construída por índios, seringueiros,
Em doze anos desse Governo, o Estado regatões, ribeirinhos e sulistas condiciona
do Acre teve significativas mudanças. As sua participação no processo de construção
finanças do Estado foram recuperadas e os de uma identidade acreana”.
serviços públicos melhoraram; o Governo No texto “Patrimônio Histórico e Paisa‑
Federal sem os militares e com a colabo‑ gístico do Estado do Acre”, o autor mergulha
ração das agências nacionais e internacio‑ floresta à dentro e rios acima, para mostrar
nais de desenvolvimento ajudaram o Acre a riqueza do patrimônio natural, antropoló‑
gico, social, territorial, cultural, místico etc. a Bolívia”, um tema que escancara a janela
– que o Acre pode expor sem acanhamento. para as relações globais.
Em “Cidades do Acre: Experiências de Através destas relações e com esse pa‑
Planejamento e Gestão”, a autora analisa o drão de conhecimento, o Acre pode arguir
Estado a partir de suas cidades e levanta com sua peculiaridade hospitaleira e huma‑
informações para as diretrizes básicas do na, para impedir que mágoas do passado in‑
Plano Habitacional de Interesse Social, com terfiram nas conquistas presentes e futuras
o qual o Governo percorre os caminhos da para as Amazônias brasileira, peruana e bo‑
democracia e do bem estar social. Por fim, liviana. E, com o coração e mente acolher e
o grupo RETIS/UFRJ elabora o estudo “Acre: escolher, criteriosamente, outros parceiros
Interações Transfronteiriças com o Peru e no mundo.

Elson Martins

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Livro Temático | Volume 4
Cultural Político:
Memórias, Identidades
e Territorialidades

1
Capítulo
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros,
Ribeirinhos, Sírio-Libaneses e Sulistas Como
Atores da Formação do Acre
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

Trajetórias Acreanas – Índios,


Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-Libaneses e Sulistas
Como Atores da Formação do
Acre

b Texto: Maria José Bezerra1


Marcos Vinícius Neves2

12
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1. DA SELVA À FLORESTA – GEOPOLÍTICA E TRANSFORMAÇÕES


SOCIOECONÔMICAS DA AMAZÔNIA

A
década de 1970 inaugura um novo ção e inserção na economia mundial sob a
momento na história acreana com argumentação de que a selva rica, diversa,
a investida da fronteira agropecuá- natural, primitiva, exótica precisava ser civi-
ria até a região. Até então, o extra- lizada para que nela fosse instaurado o rei-
tivismo - como modo de vida e não apenas no da ordem, do progresso, da ciência e da
como atividade econômica - se constituía civilidade. Portanto, nos anos 70, o discurso
como base da sociedade edificada nesse oficial subverteu-se com a perspectiva de
pedaço verde da Amazônia Sul Ocidental. A destruir a selva na medida em que esta sig-
Amazônia e o Acre, com a tomada do poder nificava atraso, e o que se configurava como
pelos militares em 1964, foram inseridos em o necessário desenvolvimento era impor as
um novo modelo político e econômico cujas bases capitalistas do uso da terra excluindo
diretrizes foram delineadas pelos Progra- os trabalhadores extrativistas, não mais da
mas de Desenvolvimento Nacional (PNDs). selva e sim da floresta.
O discurso construído em fins do século Nesse contexto, a Amazônia passa a ser
XIX, e que perdurou até os anos 40, era de vista como um espaço vazio não só de pes-
uma Amazônia vista como selva. Essa sim- soas, mas de capital. Tal fato se reveste de
bologia foi utilizada tanto pelo Estado re- maior gravidade na medida em que os ali-
publicano como pelas elites nacionais para cerces da economia acreana estavam cen-
justificar sua conquista, ocupação, explora- trados na organização extrativista da pro-
1 Doutora em História | IFAC
2 Arqueólogo/historiador | Prefeitura Municipal de Rio Branco
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
dução baseada no seringal tradicional, em cercada por países andinos, que na épo-
moldes pré-capitalistas. ca também tinham os seus próprios mo-
Embora os movimentos de trabalhadores vimentos revolucionários. Diante deste
e capital para a Amazônia sejam anteriores contexto a doutrina da segurança nacional
aos governos militares, foi, inegavelmente, passa a ser o fundamento de uma nova ge-
após 64, que a expansão para a Amazônia opolítica amazônica que previa não só sua
assumiu um aspecto grandioso, inclusive ocupação militar como sua ocupação pelo
para atender os objetivos do Estado brasi- capital, para se constituirem em barreiras
leiro caracterizado pelo autoritarismo e pela à resistência revolucionária.
formulação da geopolítica e da doutrina de Nesse “tabuleiro de xadrez” geopolítico,
segurança nacional. com a ocupação econômica da Amazônia a
O discurso construído pelos ideólogos sua população seria integrada social e po-
do Estado autoritário, escudado pelos inte- liticamente, constituindo-se em um “bloco”
lectuais da Escola Superior de Guerra, tendo contra a iniciativa revolucionária, legitiman-
como expressão máxima o general Golbery do a expansão capitalista na região. A ocu-
do Couto e Silva, colocava o Brasil no con- pação da Amazônia passa a ser implementa-
texto da geopolítica mundial como uma re- da pelo discurso ideológico de “precisamos
gião estratégica frente à reduzida distância ocupar a Amazônia”.
deste para a Ásia e África. Tendo-se em men-
te, ainda, que no período da Segunda Guerra 2. CAPITAL X EXTRATIVISMO
Mundial, o Brasil foi estrategicamente re-
levante para o dominio do Atlântico pelos É importante considerar que a época do
Aliados. A nova concepção geopolítica con- autoritarismo militar foi caracterizada por 13
siderava este fato um “trunfo”, um fator fun- certa euforia econômica, nos anos do “mila-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
damental para que o Brasil, mesmo inserido gre econômico” que possibilitaram grandes
no universo da hegemonia norte-americana, lucros por parte dos empresarios do Centro-
tivesse um papel de destaque como “grande -Sul e do Sudeste do país. O capital exceden-
potência”. Por isso a Amazônia assumiu uma te gerado nesse período de crescimento ne-
grande importancia por seu tamanho, seu cessitava de novos canais de investimentos
território, sendo seu contexto interno vis- e a Amazônia passa a ser um desses canais
to pelos militares como uma “guerra civil” privilegiados por possuir terras e, sobre-
permanente cujo inimigo era caracterizado tudo, porque teria várias formas de valori-
pelos movimentos populares de esquerda zação, sendo uma delas a valorização pela
articulados com o comunismo internacional, renda, que por sua vez depende de vários
através da antiga União Soviética (URSS - fatores como a localização e a infraestrutu-
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) ra. Nesse aspecto, se configuram os investi-
e Cuba. mentos realizados pelos governos militares
Esse raciocínio levava à conclusão de na Amazônia.
que era preciso combater o inimigo inter- Outro aspecto a ser mencionado e que
no e a Amazônia estava imbricada nesse atribuía valor a terra eram os subsídios
processo por vários fatores. Em primeiro governamentais, sendo estes instrumentos
lugar, havia no Brasil, grupos de esquerda para captar capital excedente e lucro consi-
que resistiam à ditadura, inclusive atra- derável. Assim sendo, a possibilidade de vir
vés da luta armada e da guerrilha urbana para a Amazônia significava grandes lucros
e cujo projeto maior era criar bases para para os que buscavam um canal de inves-
lançar um processo de guerrilha rural, timento a mais, e essa prática não ocorreu
uma revolução a partir do campo. A Ama- apenas na compra de terras, mas, também,
zônia passou a ser vista como território nos empreendimentos minerais, minero-me-
potencial para a organização da guerri- talúrgicos devido aos volumosos incentivos
lha brasileira, agravada pelo fato de estar e ganhos de capital.
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

Outro fator que merece ser menciona- tal se rebateu sob a estrutura da sociedade
do no âmbito social foi o enfrentamento extrativa gerando conflitos violentos frente
de classe. E, nesse sentido, ressaltamos que à desagregação do extrativismo tradicional,
durante o regime militar, em pleno “milagre que já vinha atravessando um processo fa-
econômico” a grande burguesia nacional se limentar, dando lugar a conflitos pela ter-
fortaleceu consideravelmente. Seu poder ra em grandes proporções, os quais foram
era incontrolável, era quase insuperável, e amplamente divulgados pela mídia nacional
os incentivos fiscais eram demonstrações e estrangeira.
concretas do seu poder, na medida em que E, nesse contexto é importante assinalar-
esta burguesia exercia um forte impacto sob mos que o conceito de propriedade capita-
o Estado, levando, inclusive, à imbricação lista difere do conceito de propriedade da
entre Estado e Capital, fazendo com que al- economia extrativista tradicional, que apre-
guns estudiosos de forma simplista, identifi- senta como particularidade a visão de que
cassem Estado e Capital por considerar que para o seringalista o que importava não era
o Estado tinha se tornado um objeto do Ca- a propriedade exclusiva da terra. No serin-
pital ou tinha sido privatizado por este. gal, a propriedade era quase “plural”, múlti-
Logo, em virtude de sua posição favorá- pla, só que hierarquizada. Para o seringalis-
vel, a grande burguesia contribuiu, sobrema- ta não importava que o seringueiro tivesse a
neira, para a implementação de mecanismos posse de sua colocação e o direito de neste
de incentivos fiscais da SUDAM, BASA, atra- permanecer o tempo que desejasse. Era um
vés de programas como o POLAMAZÔNIA3 tipo de propriedade diferente, típica da re-
e o PROTERRA4 (DUARTE, 1987, p. 50-51) produção do extrativismo.
14 entre outros, além das concessões de gran- No capitalismo, a propriedade era dife-
des áreas para a mineração, e outras formas rente, tinha que ser exclusiva, a terra trans-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

de incentivo praticadas. forma-se em mercadoria. Nesse sentido,


É fundamental acentuarmos que a expan- precisava estar livre para ser negociada. Daí
são da fronteira econômica se desenvolveu porque o conflito entre o patrão-seringalista
por meio de dois grandes fluxos. E o seu ca- e o seringueiro era diferente, não envolvia a
ráter capitalista se apresenta no fato de que propriedade da terra, não sendo esta ques-
não existe capital sem trabalho, daí os dois tão central em relação aos conflitos que
fluxos se constituíam pelo capital e pelos ocorreram, os quais eram de outra ordem.
trabalhadores, e como parte da “grande mi- Os conflitos ocorreram por outro tipo de
gração”, os nordestinos vindos diretamente apropriação, a do valor que o seringueiro
ou pela mediação do Centro-Sul foram para produzia e não pela propriedade da terra.
as lavouras do sul fortalecendo o desenvol- Dessa forma, a vinda dos “paulistas” para o
vimento do capitalismo na agricultura das Acre gerou pressões de toda ordem para que
regiões do Centro-Sul e Sul. Ocorreu assim a o seringueiro deixasse o seringal. O extrati-
modernização do processo produtivo, além vismo entrou na sua fase de crise mais agu-
da existência de um grande excedente po- da. Embora, importante destacar que, a crise
pulacional devido, inclusive, à presença do deste já era secular. Uma vez que desde 1912,
latifúndio no Nordeste. a produção de borracha do Sudeste Asiático
Diferentemente de outras regiões da havia “desbancado” o extrativismo brasileiro
Amazônia, inicialmente não ocorreu no Acre no mercado internacional e nos períodos sub-
um fluxo de trabalhadores forte para a re- seqüentes, exceto no surto da Segunda Guerra
gião, todavia este possuía uma economia Mundial, quando a economia gumífera teve
extrativista ainda funcionando com uma um alento episódico, esta crise da economia
população extrativa ocupando efetivamente gumífera agudizou-se sendo substituída por
os seringais. Dessa forma, o fluxo de capi- uma economia nova, a economia agrária.
3 Programa de pólos agropecuários e agrominerais da Amazônia.
4 Programa de redistribuição de terras e de estimulo à agro-industria do Norte e do Nordeste.
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E a luta que se desenvolveu no Acre não e da industrial, favorecendo a constituição
foi apenas econômica, mas, também, so- de uma cultura agrarista cuja simbologia
cial, ideológica e cultural. E, nesse contex- preconiza que extrativismo é atraso e agri-
to, a “floresta” se insurgiu através de seus cultura é moderno e que o desenvolvimento
atores sociais. A sua negação implicou na das regiões interiores do Brasil deveria ser
resistência, na luta dos seringueiros contra realizado através da agropecuária.
os fazendeiros, em decorrência da expansão
da pecuária de corte ou ainda contra os es- 3. OS NORDESTINOS NA
peculadores de terra. A luta caracterizada AMAZONIA
pelas divergências econômicas fundamenta-
das, também, numa atividade que passava a Todavia foi a demanda internacional de-
ocupar espaço no mercado, na economia, e corrente do desenvolvimento industrial da
apresentava conotações ideológicas, cultu- Europa e dos EUA que, a partir de fins do sé-
rais. culo XIX, lançou os fundamentos históricos
A dimensão cultural está centrada no necessários ao estabelecimento da empresa
confronto entre duas culturas. A cultura extrativa. E para os grandes interesses inter-
agrarista que remonta ao período da coloni- nacionais reunidos em torno da comerciali-
zação do Brasil pelos portugueses, cujo dis- zação da borracha, tornou-se imprescindível
curso era a cristianização dos povos pagãos, desencadear um processo de pressões sobre
dos gentios e, posteriormente, o da vocação a rede de negociantes internos e seringalis-
agrária brasileira. Interessante assinalar tas que comandavam a produção na Amazô-
que no processo civilizatório nos países da nia, atingindo até seus representantes polí-
Europa, os industrializados, o projeto da ticos nas administrações provinciais. 15
civilização coincidiu com a agricultura. Tal Nessa conjuntura, caracterizada pela

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
fato também ocorreu no Brasil, ensejando a seca de 1877, ocorreu o espetáculo trágico
criação da teoria dos ciclos econômicos pela da movimentação da população em retirada
historiografia brasileira clássica, a qual tem pelo sertão e litoral do Nordeste, tangidos
sofrido críticas por não comportar outras das fazendas e pequenas propriedades. Até
modalidades de atividades econômicas e de então, esse “excedente” humano não se fize-
relações de trabalho não escravistas. ra tão evidente durante o secular processo
Outro aspecto a considerar é o caráter de estagnação da agricultura nordestina.
endêmico que a colonização das terras bra- Essa mobilização nordestina para a Ama-
sileiras assumiu, na medida em que estas zônia teve grande impacto pelo número de
eram vistas como um eldorado, um paraíso. pessoas que deslocou. Segundo Celso Furta-
Aliás, esse aspecto foi enfocado por Sérgio do (1977, p. 128) estima-se em 500.000 no
Buarque de Holanda na obra “A visão do
paraíso”, cuja análise corrobora o ideal de
estabelecimento de uma civilização cristã Financiados por grupos econômicos
na América que se coadunava com o cultivo internacionais, através de uma com-
da terra. plexa rede que envolvia exportadores,
Na Amazônia, o processo foi diferente e bancos e grandes empresas indus-
apesar do extrativismo das “drogas do ser- triais, as casas aviadoras de Belém e
tão” ter gerado ganhos de capital, se consti- Manaus e os seringalistas formaram
tuiu uma atividade pontual, o que os coloni- grupos de agenciadores que recruta-
zadores almejavam era a implementação da vam mão-de-obra nos portos do litoral
agricultura que possibilitaria um ganho eco- e mesmo em pleno sertão. Resultou
nômico, cujo valor se reproduziria. E esse disso um êxodo dirigido, comandado
imaginário cultural presente nos primórdios em última instância pelos interesses
da colonização impregnou o desenvolvimen- econômicos de grandes empresas
to brasileiro e a cultura da burguesia agrária
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b) Pelas ilusões de enriquecimento rápido


capitalistas norte-americanas e eu- a que o boom da borracha expunha o
ropéias. Também as administrações nordestino, as quais eram suficientes
provinciais do Pará e do Amazonas para superar os estímulos de maior sa-
participaram de operações de recru- lário ou remuneração do sul;
tamento de mão de obra, com vistas c) Pela propaganda e arregimentação rea-
mais especificamente a programas lizada por prepostos de seringalistas do
de colonização agrícola, que em geral Pará e do Amazonas em Fortaleza, Reci-
fracassaram e acabaram por conduzir fe e Natal, atraindo os nordestinos dire-
mais mão-de-obra para os seringais tamente para o trabalho nos seringais;
(OLIVEIRA, 1982, p. 14). d) Pelos subsídios que os governos do
Pará e Amazonas concediam ao trans-
porte de imigrantes em vista dos pro-
gramas de colonização agrícola, mas
período de 1872 e 1910. Para Benchimol que redundavam em favorecer, em úl-
(1977, p. 247) calcula-se em 350.000 e Tu- tima análise, a migração para as zonas
piassu (1969, p. 48) acredita que o número extratoras de borracha;
fosse superior a 255.526 de 1869 a 1890. e) Pela proximidade e facilidades do trans-
Independente dos diversos quantita- porte de cabotagem até o porto de Belém,
tivos expressos acima, inegavelmente foi naquele tempo, maiores que para o sul;
considerável o número de migrantes que f) Pela ruptura da resistência dos senho-
se deslocou para a Amazônia. E, diferen- res de terra nordestinos à “saída de
16 temente dos que chegaram à região entre homens” numa época em que as secas
1850 e 1878, esses migrantes não vieram dizimavam as populações e acumula-
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LIVRO TEMÁTICO 4

acompanhados por família, nem em gru- vam miséria, nos campos e nos refúgios
pos de vizinhos ou parentela. A grande dos núcleos urbanos” (SANTOS, 1980,
maioria se constituía de homens, jovens p. 108).
ou adultos que vinham como força de tra-
balho despojada de qualquer condição ou Não havia por parte desses imigrantes
instrumento de produção para se engajar a preocupação de fincar raízes no Acre. As
na empresa extrativa da borracha. circunstâncias de emergência e imprevisão
Outro aspecto a considerar é que não nas quais se processou o seu deslocamento
era mais uma migração “espontânea”, na nos conduz a compreensão das ausências de
medida em que esse deslocamento foi espírito colonizador para a maioria dos ho-
organizado pelo capital mercantil, repre- mens que desbravaram a região.
sentado pelas casas aviadoras e pelos se- E era, sobretudo, a região do Acre e dos
ringalistas, interessados tão somente na altos rios rica em hévea que mais atraía es-
capacidade de trabalho da população. E ses imigrantes. Dentre as causas desta pre-
como se explica a preferência dos nordes- ferência, Martinello (2004) aponta “a busca
tinos pela Amazônia? de recursos imediatos e temporários, a inci-
dência da seringa na região, a necessidade
a) Pelo preconceito do próprio trabalhador de novos espaços visando possibilitar a ocu-
nordestino relativamente ao trabalho pação de todo o potencial disponível de mão
nos cafezais, que era tradicionalmente de obra, a demanda pelo aumento da produ-
considerado escravo, ao passo que, em ção gumífera estimulada pelos crescentes e
relação à Amazônia, o trabalhador so- vantajosos preços oferecidos pelo mercado
nhava operar como se fosse empreiteiro externo e o esgotamento parcial das árvores
de si mesmo, seringueiro autônomo, não produtoras do látex nas regiões dos baixos
sujeito sequer a regime salarial, pois o lá- rios. A banda da Amazônia Sul Ocidental es-
tex que vendesse lhe pertencia; tava sendo ocupada pelos migrantes”.
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E, para que se tenha uma idéia do volume, provenientes da Ásia chegaram a América
Ferreira Reis “situa em torno de 200.000 do Sul após uma longa migração.
indivíduos o volume migratório iniciado
em 1870 sendo que, dentre estes, cerca de
70.000 encontravam-se no Acre, quando da Esses grupos humanos perseguiam
incorporação deste ao território brasileiro” as grandes manadas de animais gre-
(REIS, 1940, p. 41). Num crescente, ao longo gários que durante a idade do gelo se
dos anos, a ocupação da região assumiu in- espalhavam pelas vastas savanas do
tensidade numérica significativa. O desloca- mundo. A Amazônia era então uma
mento destes nordestinos frente à emergên- ampla extensão dessas savanas, com
cia de uma atividade econômica centrada no apenas algumas manchas de floresta
extrativismo implicou no surgimento de um ao longo dos rios que cortavam as
sistema de produção e de relações de pro- terras baixas. Era o tempo dos gran-
dução cuja característica fundamental era o des animais como o mastodonte, a
trabalho compulsório. preguiça gigante (megatherium), o
Esses nordestinos vieram para a Amazô- toxodonte e diversos outros exem-
nia devido à existência de certas condições plares de megafauna que serviam de
internas do Nordeste como: o desemprego base alimentar para aqueles bandos
estrutural e a persistência das estiagens e, de caçadores nômades. Esses animais
ainda, por outra variável tão importante se extinguiram com o fim do pleisto-
quanto as anteriores, ou seja, a posição de ceno, a última das grandes idades do
subordinação da economia brasileira face às gelo, e seus fósseis localizados, ain-
mudanças ocorridas na divisão internacio- da hoje, nos barrancos de muitos dos 17
nal do trabalho. rios acreanos. (NEVES, 2004, p. 10)

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E à medida que os seringais iam sendo
criados à margem dos rios, os conflitos en-
tre os nordestinos e os primeiros habitantes Outro aspecto a mencionar é que a par-
do Acre, os povos indígenas, foram ocor- tir de 12 mil anos atrás, o clima do planeta
rendo - na perspectiva de que não se ocupa começou a esquentar e esse fato ocasionou
uma terra que já é habitada sem resistência um aumento da umidade e expansão dos
por parte dos que se encontravam na região sistemas florestais. Assim, os últimos rema-
– passaram a ocorrer então as chamadas nescentes da megafauna desapareceram
correrias5 que junto a outros fatores, como devido à retração das áreas de pastagem e
as doenças trazidas pelo branco levaram à a expansão da floresta contribuindo para a
completa desestruturação das sociedades proliferação de uma fauna terrestre de pe-
indígenas que aqui já se encontravam a mi- queno porte e da fauna aquática através do
lhares de anos. crescimento dos cursos de água que ficavam
cada vez mais caudalosos.
4. “PRÉ-HISTÓRIA” E Nesse contexto ocorreram profundas
SOCIEDADES INDÍGENAS DO mudanças climáticas e ambientais e o sur-
ACRE gimento de novas formas de organização
social, fazendo com que os seres humanos
Contrapondo a história oficial, é funda- daquela época passassem a contar com re-
mental ressaltarmos que o povoamento hu- cursos alimentares mais variados, em virtu-
mano do Acre teve início, provavelmente, de do ambiente de florestas tropicais, além
entre 20 e 10 mil anos atrás, quando grupos de, gradativamente começarem a desenvol-

5 Termo regional que se refere às expedições armadas realizadas por seringalistas e seringueiros para
expropriar territórios indígenas e implantar seringais. Tiveram início já no século XIX e se estende-
ram pelo menos até meados do século XX.
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ver as primeiras experiências de domestica- Xipanamu e no Madre de Dios até sua con-
ção de plantas e animais. fluência com o rio Madeira.
Na América Central e nos Andes, tive- Para contextualizar os espaços ocupa-
ram início os cultivos de milho e de outras dos pelos povos nativos, não apenas nos
sementes, enquanto nas terras baixas da limites do atual Estado do Acre, mas, tam-
Amazônia foram desenvolvidas as primeiras bém de áreas circunvizinhas que integram
experiências do plantio de raízes – especial- a grande região indígena da Amazônia Sul
mente da mandioca - que se tornou a base do Ocidental, podemos dizer que esses povos
cardápio alimentar desses grupos. E, como indígenas estavam distribuídos em cinco
parte dessas mudanças, surgiu, aproximada- grandes grupos:
mente há 5 mil anos, a “Cultura de floresta
tropical”, caracterizada por grupos que pra- 1. No médio curso do rio Purus, hoje Es-
ticavam uma agricultura ainda incipiente tado do Amazonas, habitavam povos
complementada pela caça, pesca e coleta de de língua Aruan do tronco Aruak. Gru-
frutos e sementes da floresta. Foi, também, pos poucos aguerridos eram geralmen-
nessa fase da organização social dos grupos te submetidos por outros grupos mais
humanos que estes passaram a fabricar ce- fortes ou se refugiavam na terra firme,
râmica e a ocupar certas áreas por períodos espalhando-se por diversos afluentes
mais prolongados. No Acre não foi diferente de ambas as margens do médio Purus.
do resto da Amazônia e aqui se multiplica- Dentre os grupos dessa região podemos
ram os grupos ceramistas horticultores. citar os Jamamadi, os Kamadeni, além
Importante destacarmos ainda que, em de outros já desaparecidos. Segundo re-
18 linhas gerais, em meados do século XIX a centes análises de lingüísticas essa famí-
ocupação dos povos nativos nos altos rios lia teria uma antiguidade em torno de 2
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LIVRO TEMÁTICO 4

Purus e Juruá correspondia a uma divisão mil anos.


territorial entre dois grupos linguísticos que 2. No alto curso do rio Purus e no baixo rio
apresentavam significativas diferenças. Se- Acre estavam estabelecidas diversas tri-
gundo viajantes e exploradores como Chan- bos do tronco lingüístico Aruak. Subindo
dless, Serafim Salgado e Silva Coutinho, no esses rios, do norte para o sul, habitavam
Purus havia o predomínio, mas não a ex- os Apurinã, os Manchineri, os Kulina, os
clusividade, de grupos falantes das línguas Canamari, os Piros, os Ashaninka, den-
Aruan e Aruak, do mesmo tronco linguístico. tre outros. Esses grupos se espalhavam
Enquanto que no vale do Juruá havia o pre- desde a confluência do Pauini com o Pu-
domínio, também não exclusivo, de grupos rus até a região das encostas orientais
falantes da língua Pano. do Andes, desde aproximadamente 5
Importante considerarmos também que mil anos atrás, mantendo-se por longo
a divisão territorial expressa acima, por va- tempo numa região vasta e rica ecolo-
les entre grupos lingüísticos dominantes pa- gicamente. Há registros de que muito
rece ter sido semelhante àquela que os ar- antes de resistir ao avanço dos homens
queólogos detectaram através das tradições brancos sobre suas terras, os Aruak ou
ceramistas Quinari e Acuriá. Todavia, além Antis, já haviam resistido com sucesso à
dessa divisão aparentemente simples, havia chegada dos falantes da língua Pano e a
também grupos falantes da língua Katuqui- expansão das civilizações Andinas.
na nos afluentes localizados entre o médio 3. No alto curso do rio Acre, alto Iquiri,
Purus e o médio Juruá, ao norte do atual Abunã e outros afluentes do rio Madei-
Estado do Acre, já em terras do Amazonas. ra, em território boliviano, havia um en-
Também existiam outros povos de língua clave de grupos falantes de língua taka-
Pano e Takana, ambos do mesmo tronco lin- na e Pano. Destes, alguns eram bastante
güístico Pano, que se encontravam mais ao aguerridos, como os temidos Pacaguara,
sul, no alto curso do rio Acre, no Abunã, no outros mais sociáveis como os Kaxara-
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ri que mantinham ativo contato com os foi estabelecido um amplo território des-
Apurinã, apesar das diferenças lingüísti- povoado que servia para evitar contatos e
cas e culturais entre estes dois grupos. conflitos, tendo em vista as guerras perma-
Mesmo pertencendo ao tronco lingüís- nentes entre esses dois grupos Aruak. Por
tico Pano, a língua Takana é de origem outro lado, há, também, registros do esta-
mais recente, tendo surgido entre 3 e 2 belecimento de aldeias conjuntas de gru-
mil anos atrás. pos Aruak e Pano, para resistir ao avanço
4. Na região intermediária entre o médio das ordens religiosas pelo Vale do Ucayali a
curso do Purus e o Juruá, ao norte do partir do século XVII. (RENARD-CASEVITZ,
Acre, habitavam os falantes da língua 1998, p. 202).
Katukina, sobre os quais há raras infor- Ressaltamos também que embora os
mações. Conforme alguns registros este conflitos estivessem presentes durante
grupo teria surgido há cerca de 2 mil esses milhares de anos em que as aldeias
anos. Eram grupos poucos numerosos foram compostas por grandes malocas co-
que ficavam apertados entre os povos letivas, esses povos nativos garantiram a
Aruak ao leste e os Pano a oeste, restan- sobrevivência do que a natureza oferecia e
do a eles a exploração das terras firmes dessa forma podiam realizar grandes festas
menos ricas em suprimentos alimenta- por ocasião das colheitas o que denota o
res que as margens dos grandes rios. caráter sutil do equilíbrio econômico, eco-
5. Em considerável espaço do médio e alto lógico e social na região.
curso do rio Juruá, bem como a maior No limiar do século XIX, cada grupo
parte de seus afluentes – como o Ta- familiar ou tribal possuía territórios clara-
rauacá, o Muru, o Envira, o Moa e daí mente definidos e os relacionamentos en- 19
por diante – era dominado por diversos tre esses grupos obedeciam não só as se-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
e numerosos grupos falantes da língua melhanças étnicas e culturais, mas também
Pano. Eram os Kaxinawá, Jaminawá, às alianças que foram sendo estabelecidas
Amahuaca, Arara, Rununawá, Xixinawá, ao longo do tempo. Como também as ex-
dentre outras denominações tribais. Es- tensas redes de comércio e comunicação
tes faziam parte de um grupo lingüístico que cortavam os diversos vales acreanos
muito antigo com cerca de 5 mil anos, aonde chegavam notícias e produtos de
mas que teria se originado em outra re- áreas longínquas.
gião, invadindo só mais recentemente A esse respeito, Chandless, um viajante
as terras acreanas. Devido o seu caráter e descobridor europeu, em sua viagem ao
guerreiro, os Pano conquistaram seu rio Aquiri noticiou que os Apurinã comu-
território através da guerra contra tri- mente recebiam dos Kaxarari pedras trazi-
bos de outras línguas, mas também con- das dos rios Abunã e Madeira para fabri-
tra grupos do mesmo tronco. Este fato car lâminas de machado, enquanto que os
torna explicável, em parte, a fragmen- Manchineri já possuíam diversos objetos de
tação que as muitas tribos Panos apre- metal, provavelmente resultado do comér-
sentavam quando finalmente os brancos cio realizado com os peruanos. Euclides da
começaram a chegar na região. Cunha demonstrou ser possível sair do rio
Javari e, utilizando a vasta rede indígena de
É interessante fazer menção de que a caminhos e varações chegar ao vale do rio
simples divisão lingüística dos grupos nati- Madeira depois de alguns dias de viagem.
vos do Acre nos últimos 5 mil anos “escon- Era um tempo em que desde os grupos in-
de” o caráter múltiplo de culturas indígenas dígenas mais fortes e numerosos que ocu-
e a complexa territorialidade estabelecida pavam as várzeas dos rios até os menores
a partir das alianças e rivalidades tribais. grupos familiares que perambulavam pelas
Como a existente entre os Apurinã e os cabeceiras, todos possuíam liberdade e o
Manchineri, nos rios Purus e Iaco, onde direito à uma identidade própria.
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5. O ENCONTRO DE CULTURAS
E A CRIAÇÃO DE UMA NOVA cessita para viver: ocupa-lhe as terras,
SOCIEDADE dissocia suas famílias, dispersando os
homens e tomando suas mulheres,
Logo ao início das primeiras viagens de destrói a unidade tribal sujeitando-a
exploração, a partir de 1860, apesar da pre- ao domínio de um estranho incapaz
sença dos indígenas, o potencial de riqueza de compreender suas motivações e
natural dos rios acreanos despertou a cobi- proporcionar-lhe outras. Enfim sub-
ça dos exploradores. Em 1870, teve início a mete o índio a um regime de explo-
corrida para a Amazônia e em poucos anos ração, ao qual nenhum povo poderia
as margens dos rios acreanos tornaram-se sobreviver. Assim diante do avanço
cenários dos seringais. dessa civilização representada pelos
A demanda internacional por borracha extratores só resta ao índio resistir
fazia com que o látex extraído da seringuei- e, quando isto se torna impraticável,
ra, depois de defumado e transformado em fugir para mais longe, mata adentro,
“pélas”6 fosse exportado para abastecer as para as zonas altas onde não cresce
indústrias européias e norte-americanas, a seringueira. Entretanto, essa mu-
cada vez mais ávidas por esse produto. A dança de ambiente muitas vezes lhe é
partir de 1878, a empresa seringalista al- fatal.” (RIBEIRO, apud., PICOLLI, vol.2,
cançava a boca do rio Acre subjugando todo 1993, p. 484)
o médio Purus e já em 1880 ultrapassava a
linha Cunha Gomes, limite final das frontei-
20 ras legais brasileiras.
Nesse mesmo contexto, caucheiros peru- Com a penetração dos exploradores vie-
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anos vindos do sudoeste cortavam a região ram também as doenças dos brancos para as
das cabeceiras do Juruá e do Purus, enquan- quais os índios não possuíam defesas. O sa-
to que os primeiros seringalistas bolivianos rampo, a gripe, a tuberculose, dentre outras
começavam a se expandir pelo vale de Ma- doenças que se alastravam entre os grupos
dre de Dios e invadiram as terras acreanas indígenas da região dizimando aldeias intei-
pelo sul. Frente a essas investidas, os povos ras diante dos pajés que não sabiam como
nativos da região viram-se cercados por curar aquelas moléstias desconhecidas.
brasileiros, peruanos e bolivianos sem ter E a reação dos diferentes grupos indíge-
para onde fugir ou como resistir a enorme nas existentes no Acre a chegada dos colo-
pressão que vinha do capital internacional nizadores foi variada como diversificadas
que dependia da borracha amazônica. Para eram as culturas presentes na região. Uma
os índios inaugurou-se um novo tempo: de grande parte das tribos de língua Aruan e
senhores das terras da Amazônia Sul-Oci- Aruak, como os Jamamadi, Apurinã, Man-
dental passaram a ser vistos como entra- chineri e Ashaninka optaram por colaborar
ves a exploração da borracha e do caucho em certa medida com os brancos. Destes al-
na região. guns se tornaram remadores, guias, matei-
ros e seringueiros. Outras aldeias passaram
a se relacionar com os seringais negocian-
“Para o índio, o seringal e toda indús- do os produtos da caça ou de sua lavoura
tria extrativa tem representado a mor- em troca de ferramentas, armas e objetos
te pela negação de tudo o que ele ne- dos brancos.
Ressaltamos que grupos de língua Pano,
em sua maioria, resistiram à invasão de

6 Termo regional que designa as bolas de borracha defumada com cerca de 40 a 50 Kg. Eram estas pé-
las de borracha solidificada que eram produzidas pelo seringueiro e comercializadas pelos seringais.
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seus territórios ancestrais, procurando evi- também foram perdendo suas línguas ma-
tar contatos ou relações de qualquer espé- ternas e aprendendo o português ou o espa-
cie com os não índios. A perseguição que se nhol. Inaugurou-se para os índios do Acre o
abateu sobre os povos nativos do Acre foi tempo do cativeiro (CPI, 2002, p. 65).
grande e certos grupos na tentativa de se
proteger passaram a esconder sua identida- 6. FORTUNA E DECADENCIA
de, como um pequeno grupo de Jaminawá DO 1º CICLO DA BORRACHA
que passou a se dizer Katuquina. (BRANCO AMAZÔNICA
SOBRINHO, 1950).
O encontro das culturas foi marcado pelo Neste novo contexto vivia-se o espetácu-
confronto que se expressou de forma cruel lo do esplendor da economia gumífera. “Em
e excludente. Entre os anos de 1880 a 1910 1878, 100% da produção mundial de borra-
quando o ritmo da exploração da borracha cha era brasileira. Em 1890 a participação
foi intenso, o extermínio aumentou fazen- decresceu para 90%. Entre 1895 e 1909,
do com que inúmeros grupos se extinguis- a Amazônia contribuiu para o consumo
sem a exemplo dos Canamari que desapa- mundial com 443.200 toneladas. A África,
receram da grande floresta, ou os Takana a América Central e Malásia com 374.510t.
que migraram para o sul até a Bolívia para Havia, portanto, um saldo para o Brasil de
nunca mais retornarem ao território acre- 68.960 toneladas” (REIS, 1941, p. 65). No
ano, ou ainda os Apurinã que tiveram seus entanto esse quadro de prosperidade estava
vastos domínios reduzidos a ponto de não com os dias contados. Para a época era di-
possuírem hoje nenhuma terra indígena fícil imaginar que aquela euforia fosse pas-
demarcada no Estado do Acre, parte de seu sageira, pois a “Amazônia possuía o maior 21
território ancestral. reservatório de borracha natural de que se

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Além disso, é inconteste que o estabeleci- tem notícia e, além disso, o domínio do mer-
mento da empresa extrativista da borracha cado” (SOARES, 1927, p. 35).
alterou as formas de organização social dos Pelo quadro abaixo de exportação brasi-
índios. Alguns pequenos grupos ainda con- leira de borracha, entre 1821 e 1947 fica
seguiram se refugiar nas cabeceiras mais visível a contribuição deste produto na pau-
isoladas dos rios, mas a grande maioria foi ta das exportações brasileiras. Por outro
pressionada a se modificar para não desa- lado, também evidencia, a partir de 1912,
parecer. Passaram então a adotar o modelo a perda do apogeu da produção, voltan-
de casa cabocla amazônica, começaram a do a reanimar-se no contexto da Segunda
depender das ferramentas dos não índios e Guerra Mundial.

Tabela 1. Exportação da borracha silvestre Amazônica (1827 – 1947).


ANO Quant. (ε) L/T ANO Quant. L/t (ε)
1821/1830 329 67 1921 17.493 72

1831/1840 2.314 72 1922 19.855 72

1841/1850 4.693 45 1923 17.995 100

1851/1860 19.383 116 1924 21.586 90

1961/1870 37.166 116 1925 23.537 206

1871/1880 60.225 183 1926 23.263 145

1881/1890 110.048 152 1927 26.162 107

1891/1900 213.755 209 1928 18.826 76

1901 30.241 283 1929 19.861 75


Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

ANO Quant. (ε) L/T ANO Quant. L/t (ε)


1902 28.632 256 1930 14.138 54

1903 31.717 308 1931 12.623 32

1904 31.866 350 1932 6.224 34

1905 35.393 420 1933 9.453 43

1906 34.960 401 1934 11.150 50

1907 36.490 374 1935 12.370 50

1908 38.206 308 1936 13.247 88

1909 39.027 484 1937 14.792 90

1910 38.547 655 1938 12.064 44

1911 36.547 412 1939 11.805 63

1912 42.286 380 1946 11.838 97

1913 36.232 285 1941 10.734 126

1914 33.531 206 1942 12.204 179

1915 35.165 200 1943 14.575 191

22 1916 31.495 240 1944 21.192 255


CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1917 33.998 224 1945 18.887 270

1918 22.662 174 1946 18.159 190

1919 33.252 188 1947 14.510 186

1920 23.587 106 - - -

Fonte: BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco antes e além depois. Manaus: Calderaro, 1977, p.
252., apud., MARTINELLO, 2004, p. 55.

Conforme esclarece Martinello, a expan- 1911. Não havia, portanto, nada a temer.
são da borracha entre 1880 e 1920 foi imen- A riqueza da região parecia inesgotável”
sa e sua participação na economia brasileira (MARTINELLO, 2004, p. 55-56).
crescente. Neste sentido, “entre os anos de No entanto essa euforia econômica não
1880 e 1897 a borracha responde, em mé- iria durar por muito tempo, pois as semen-
dia por 11,8% da exportação total brasileira; tes transladadas por Wickham da Amazônia
entre 1898 e 1910, por 25,7% entre 1911 por volta de 1876, proporcionaram aos in-
e 1913, por 20%; entre 1914 e 1918, por gleses o início do cultivo de seringueiras em
12%. Este significativo volume exportado é bases racionais em suas colônias do Oriente.
acompanhado, também, pelos excepcionais E alguns anos mais tarde a produção destas
preços internacionais do produto. Em 1840, desbancou a produção brasileira no cenário
45 libras por tonelada; em 1850, 41 libras; mundial, pois a partir de 1913, a borracha
em 1860, 125 libras; em 1870, 182 libras; cultivada no Oriente superava a produção
em 1905, 512 libras, preço que perdura até amazônica com quase “48.000 toneladas en-
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
quanto a brasileira decrescia para 39.560t” guiram escapar ao domínio dos não-índios
(PAULA, apud., MARTINELLO, 2004, p. 58). e resistiram ao cerco cada vez mais aperta-
O monopólio brasileiro da goma elástica es- do dos “civilizados”, perambulando sempre,
tava definitivamente quebrado. sem se fixar, ultrapassando a região das ca-
A perda da supremacia brasileira da bor- beceiras aonde os brancos não chegavam.
racha foi ocasionada por vários fatores tais Com a crise da borracha surgiu no Acre
como: altos custos da extração do produto, uma economia baseada na produção de vá-
que impossibilitavam a competição com as rios produtos agrícolas como mandioca, ar-
plantações do Oriente, pela inexistência de roz, feijão e milho e os seringais passaram a
pesquisas agronômicas em larga escala de- não produzir somente borracha. Importante
vidamente amparadas pelo setor público, mencionar também a exploração de couros e
pela falta de visão empresarial dos brasilei- peles e a criação das primeiras colônias agrí-
ros ligados ao comércio da goma elástica, colas no entorno a Rio Branco, as quais se
pela carência de uma mão de obra barata da constituíam alternativas de trabalho para os
região, elemento essencial ao sistema pro- seringueiros, além de possibilitar a melhoria
dutivo, pela insuficiência de capital financei- do abastecimento de Rio Branco no que se
ro aliada à distância e às condições naturais referia aos produtos hortifrutigranjeiros. A
adversas da região. partir dos anos 30 a castanha passou a ser
E, a acentuada queda nos preços inter- mais explorada e as madeiras e oleaginosas
nacionais da borracha fez com que ficasse também passaram a ser desenvolvidas.
cada vez mais difícil trazer nordestinos para
o corte de seringa, o que por sua vez gerou 7. A BATALHA DA BORRACHA
a necessidade cada vez maior do aprovei- E O 2º CICLO DA BORRACHA 23
tamento dos índios como mão de obra, tor- AMAZÔNICA

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
nando comum a prática dos patrões-serin-
galistas de reunirem grupos dispersos de A eclosão da Segunda Guerra Mundial
diversas etnias para trabalharem em seus em 1939 possibilitou um novo alento a
seringais. Alguns desses patrões notabiliza- economia extrativa da borracha em decor-
ram-se como “amigos” dos índios, a exemplo rência da “batalha da borracha”, quando a
de Angelo Ferreira, famoso “amansador” de Amazônia tornou-se novamente a grande
índios que reuniu muitos Kaxinawá, Jami- fornecedora de “látex” para os países alia-
nawá e Kulina entre outros para trabalhar dos (França, Inglaterra e EUA) em conflito
sob suas ordens. No entanto, a maioria dos com os países do Eixo (Alemanha, Itália e
patrões-seringalistas tratava os índios muito Japão), através da assinatura dos Acordos
pior que aos seringueiros. Como estes não de Washington, em 3 de março de 1942, de-
sabiam ler e poucos entendiam a língua do vido ao fato dos seringais da Malásia terem
branco, eram lesados no peso da borracha, sido tomados pelos japoneses.
no preço da mercadoria, na desvalorização Para evitar a vitória da Alemanha no con-
de seus produtos, no pagamento da renda flito mundial e tentando manter em dia o
anual da estrada de seringa. Dessa forma os seu estoque de borracha, os EUA buscavam
índios acumulavam enormes dívidas com os armazenar 500 mil toneladas de borracha
barracões dos seringais tornando-se “prisio- na tentativa de vencer a guerra. Nesse con-
neiros” dos seus patrões. texto, a borracha era considerada o “nervo
Por outro lado, os pequenos grupos de in- da guerra”. Como parte da “batalha da bor-
dígenas que conseguiram se esconderem no racha”, novas levas de nordestinos foram
centro da mata ou nas cabeceiras, os chama- mobilizadas e transferidas para a Amazônia
dos índios “brabos”, foram caçados sistema- para produzir borracha visando atender o
ticamente para serem “amansados” e desta esforço de guerra.
forma incorporados a sociedade nacional. Importante considerarmos que neste
No entanto, alguns destes grupos conse- contexto o Brasil mantinha acordos de ca-
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

ráter comercial, econômico-financeiro e mi- Brasil, liquidando praticamente com o ativo


litar com a Alemanha e frente a esse fato as comércio de compensação entre os dois pa-
pressões norte-americanas se fizeram sentir íses. A partir de então, os planejadores do
de forma efetiva quanto a uma tomada de Pentágono puderam por em prática seus
posição do Estado brasileiro, sob a presi- planos de defesa da costa nordeste brasilei-
dência de Getúlio Vargas, quanto à Segunda ra transformando Natal (RN) na mais impor-
Guerra Mundial. tante e movimentada base de suprimentos e
E como parte da aludida “batalha” mi- tropas para os Aliados.
lhares de nordestinos foram deslocados A estratégia global estabelecida pelos
do Nordeste para a Amazônia numa nova EUA para a América Latina estava centrada
onda emigratória capitaneada pelo governo no fato de que os EUA arcavam com o ônus
brasileiro, com apoio do capital internacio- da guerra, envolvendo-se diretamente no
nal, basicamente norte-americano e inglês. conflito e aos demais países de América ca-
Estrategicamente a participação do Brasil bia integrar-se economicamente ao esforço
era fundamental para o desfecho do confli- de guerra, em especial pelo fornecimento de
to global, na medida em que se o Brasil se matérias-primas à indústria bélica america-
juntasse as potências do Eixo a América fi- na e manter a qualquer custo a ordem inter-
caria vulnerável e o Atlântico Sul fechado à na para se evitarem alterações nos compro-
navegação aliada. missos políticos e econômicos assumidos
Com isso, além do risco que as partes vi- com os EUA.
tais e populosas do continente corriam, se- Para a concretização dessa política, os
ria impossível continuar suprindo as já debi- EUA fizeram uso de uma ofensiva ideológica
24 litadas forças inglesas da África e evitar uma através da disseminação da política da boa
crescente influência alemã no Oriente Mé- vizinhança e do panamericanismo para se
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

dio. Portanto, a adesão do Brasil aos Aliados contrapor a propaganda do nacional-socia-


permitiu que o Atlântico Sul permanecesse lismo que conquistava espaço no seio das
aberto, além de este ter se tornado a princi- classes dominantes latino-americanas.
pal rota de abastecimento de matérias-pri- Portanto, a participação do Brasil no
mas para a indústria aliada, como também confronto mundial foi extremamente impor-
de suprimentos aos exércitos aliados na tante pelo envio da Força Expedicionária a
África e no Oriente Médio. Itália, a revelia dos estrategistas militares,
A indefinição inicial do Brasil não ape- mas, sobretudo, pelas bases e aeroportos
nas pelo filo-nazismo de alguns segmentos instalados no Norte e Nordeste do país e que
das Forças Armadas, mas, também, porque constituíram entrepostos de tropas e supri-
ao contrário dos americanos que até então mentos que se destinavam aos campos de
só haviam oferecido promessas e ilusões, batalha da África. No entanto foi no campo
os militares brasileiros tinham na Alema- da cooperação econômica, como fornecedor
nha a sua mais segura e eficiente fonte de matérias-primas estratégicas como o fer-
de armamentos. ro, o manganês e principalmente, borracha
Porém a quebra da resistência das Forças que o Brasil ofereceu a sua maior contribui-
Armadas brasileiras que, ao invés de homens ção a humanidade diante do avanço nazi-
e soldados, solicitavam armamentos para fascista.
defender, com suas próprias forças, suas E, considerando o pânico que tomou
costas e territórios, só aconteceu quando as conta dos estrategistas americanos quando
Forças Armadas perceberam que as chances “97% de suas fontes de suprimentos foram
de reequipamento do seu Exército passaram cortadas pela invasão japonesa da Malásia,
a depender unicamente da indústria bélica Borneo e áreas vizinhas, e logo após Peaul
americana, já que a guerra e o conseqüente Harbour, a Amazônia foi impelida a aumen-
bloqueio imposto pela Inglaterra impediam tar a produção de borracha” (MARTINELLO,
qualquer carregamento de armas para o 2004).
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Frente ao contexto da época, os governos Enquanto as condições de trabalho e vida
brasileiro e norte-americano uniram-se para nos seringais acreanos não sofreram modi-
a mobilização da “Batalha da Borracha” e ficações profundas em relação às existentes
os nordestinos com apoio nacional e norte- durante o primeiro surto da borracha.
-americano vieram para o Acre, mais uma Em termos de inovações implantadas no
vez, produzir borracha. Para viabilizar essa período destacamos a introdução do contra-
meta foram criados vários órgãos nacionais to padrão de trabalho entre o patrão-serin-
e estrangeiros referentes à arregimentação, galista e os seringueiros, que embora tenha
transferência, assistência e financiamento sido criado para superar ou minimizar a
do sistema produtivo extrativista, porém no exploração a que os seringueiros eram sub-
que pese as desavenças entre as autoridades metidos, na realidade não foi cumprido pela
brasileiras e norte-americanas, o processo grande maioria dos patrões-seringalistas.
de abastecimento ficou sob a incumbência E os povos nativos do Acre como ficaram
da RDC – Rubber Development Corporation neste período? Desde o estabelecimento da
e SAVA – Superintendência para o Abasteci- empresa extrativista da borracha até, pra-
mento do Vale Amazônico. ticamente, a década de 1980, os índios do
Ressaltamos ainda que para a realização Acre passaram por uma longa fase de degra-
da “Batalha da Borracha” foram tomadas dação de suas culturas tradicionais. Além
medidas quanto aos seguintes aspectos: a dos preconceitos social e historicamente
questão das distâncias, a desativação dos construídos pelos não índios, a expropria-
seringais amazônicos, o suprimento de mão- ção de suas terras ancestrais e a carência de
de-obra e o problema dos transportes. políticas públicas voltadas para esses povos,
No que se refere a mobilização de mão- mormente nos campos da educação e da 25
de-obra para a Amazônia foram implemen- saúde gerou uma grave condição econômica

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
tados órgãos como o DNI (Departamento e social. Transformados compulsoriamente
Nacional de Imigração), SEMTA (Serviço de em seringueiros ficaram a margem de qual-
Mobilização de Trabalhadores para a Ama- quer legislação que os amparasse.
zônia) e CAETA (Comissão Administrativa Esse quadro só começou a passar por mu-
de Encaminhamento de Trabalhadores para danças a partir da instalação da ajudância da
a Amazônia). Isso tudo porque no perío- FUNAI do Acre e sul do Amazonas em 1976,
do de 1920 a 1940 a taxa de crescimento quando o “tempo dos direitos” começou a
demográfico da Amazônia chegou ao “per- ser descortinado para os índios do Acre, ini-
centual irrisório de 0,05%. A população do ciando uma longa e desigual luta pela de-
Pará decresceu 0,01% ao ano, a do Estado marcação das terras legadas por seus ances-
do Amazonas cresceu à taxa de 0,1% ao ano, trais. Importante destacarmos que a partir
enquanto que no antigo território do Acre a dos anos 1970, o jornal “O Varadouro” es-
população decresceu à taxa de 8,8% ao ano, pécie de “Pasquim” acreano denunciava far-
transformando-se numa zona de repulsão tamente os conflitos de terra envolvendo os
demográfica” (VERGOLINO, apud., MARTI- índios, bem como o engajamento de diver-
NELLO, p. 227). sas entidades indigenistas não governamen-
Outros órgãos ligados à mobilização de tais como a Comissão Pró-Indio (CPI-Acre), o
trabalhadores para a Amazônia foram o Conselho Missionário Indigenista (COMIN),
SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) e e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
o SNAPP (Serviço de Navegação do Porto do entre outras envolvidas na causa indígena,
Pará), este último responsável pelo abaste- acrescentando-se a atuação de lideranças
cimento dos seringais acreanos. Importante indígenas que passaram a agir de forma or-
mencionarmos que as condições de viagem ganizada e articulada politicamente.
a que esses nordestinos eram submetidos se Como partes dessas ações foram cria-
caracterizavam pela precária higiena, pés- das as primeiras cooperativas com o intui-
sima alimentação e acomodações terríveis. to de viabilizar a “quebra” do domínio dos
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

patrões-seringalistas sobre as comunidades


indígenas. No entanto, foi também nos anos que se embrenharam pelas florestas
1970 que a expansão da fronteira capitalis- com uma coragem extraordinária e
ta atingiu o Acre, impelida por empresários cujo labor incansável vem asseguran-
do Centro-Sul bem como a implantação do do às Nações Unidas, o suprimento de
projeto oficial de colonização destinado à borracha indispensável para as nos-
formação de produtores independentes ou sas necessidades (FERNANDES, 1943,
da pequena propriedade, materializado na p. 4).
distribuição de títulos de propriedade aos
pequenos produtores vindos do Centro Sul
e também do Nordeste. Merece menção o sentimento por par-
Pelo exposto fica evidente que para a te do nordestino de que ao vir para o Acre
economia extrativa da borracha, o perí- estava servindo a pátria brasileira, coope-
odo de euforia econômica foi decorrente rando com o esforço de guerra. Suas falas
da “Batalha da Borracha”, que iniciou um carregadas de subjetividade retratam a im-
novo capítulo da história do nordestino na portância da produção gumífera para a vitó-
Amazônia. Neste caminho, “eles não diziam ria dos países aliados.
como era a Amazônia ou o Acre. Só apenas
diziam que a gente vinha trabalhar na pro-
dução da borracha porque o produto estava Vim para o Acre em 1943 como sol-
sendo empregado como esforço de guerra, dado da borracha, alistado no Ceará
então, que poderíamos vir para a produção para lutar na guerra, mas fui enga-
26 da borracha, como também ir para a guer- nado (eu e meus companheiros) e
ra. Aqueles que viessem para a produção da nos colocaram para cortar seringa.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

borracha não iriam para a guerra. Como eu A gente foi morar numas barracas
tinha muita vontade de conhecer a região do tamanho de um quartinho, pois a
amazônica me alistei para vir. Já próximo à maioria dos seringueiros não tinha
minha vinda, fui sorteado para o exército” família e por isso não precisava mo-
(OLIVEIRA, 1980, p. 2-3). rar num lugar grande. Na barraca não
Esse entre tantos outros depoimentos tinha quase nada, só um pote velho
corrobora a contribuição fundamental des- para colocar água, um fogão de lenha,
ses nordestinos tranformados em soldados uma rede, uma espingarda, umas la-
que, fugindo do flagelo das secas, por espíri- tas para guardar alguns mantimentos
to de aventura, ou impelidos por promessas e muitas vezes não tinha nenhuma
mirabolantes e apelos patrióticos foram ali- mesa e nem banco para se sentar. Mi-
ciados pelo Estado brasileiro Varguista. Por nha vida era muito difícil. O homem
sua vez os jornais da época se constituem que nunca cortou seringa nunca tra-
registros históricos através das manchetes balhou na vida dele. (ARAÚJO, depoi-
que exaltavam o patriotismo e à contribui- mento oral, 1977)
ção dos soldados da borracha para o desfe-
cho da guerra em prol dos aliados.
A precariedade das condições em que se
processava o deslocamento do Nordeste ao
Quando se escrever a história desta Acre, o enfrentamento da nova realidade a
grande luta em que se empenham to- ser vivida no seio da floresta, a exploração
dos os povos livres, é preciso reservar de suas forças físicas pelo sistema produtivo
um capítulo especial para a contribui- da borracha são testemunhos de que esses
ção anônima desses trabalhadores ad- nordestinos vieram em busca da riqueza, de
miráveis que não medem sacrifícios e dias melhores, mas o que encontraram foi
pobreza.
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Todavia após o término da Segunda agrícolas, na medida em que a capital acrea-
Guerra Mundial, a saga do nordestino no na tinha se tornado o espetáculo dos desen-
Acre foi a de constituir a “legião dos esque- ganados da falácia do “ouro negro”.
cidos”, tanto do grande capital quanto do
governo brasileiro e só muitos anos depois
é que foram “reconhecidos” como “soldados A cidade ficou cheia de “arigós”, sol-
da borracha” e passaram a ter direito a uma dados da borracha em trágica retira-
aposentadoria de dois salários mínimos. da que estavam abandonados, rotos,
Muito menor, portanto, que a pensão paga doentes com os filhos empazinados.
aos pracinhas da Segunda Guerra, contra- (SANTOS, Carta ao Velho Cintra,
riando o que havia sido prometido durante 1946).
a mobilização.
Sem a borracha do Acre, considerada no
contexto da guerra como uma das melho- E à medida que a crise da economia ex-
res, teria sido bem mais difícil para os paí- trativista da borracha se acentuava os serin-
ses aliados vencerem o conflito mundial. No galistas reivindicavam do governo federal
entanto, em 1946, ao assumir o governo do uma política de valorização da borracha.
Território do Acre, José Guiomard dos San- Nessa direção foram realizadas as conferên-
tos assinala que os: cias nacionais da Borracha, no período de
Diante da crise social vigente, Guiomard 1946 – 50. Entretanto, em que pese às polí-
Santos desapropriou terras do seringal Em- ticas implementadas pelo governo brasileiro
a produção da borracha acreana não mais
voltou aos patamares do período da guerra. 27
Soldados da borracha constituem uma

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
coluna de fracassados cujo processo 8. PAULISTAS NO ACRE E O
de reabilitação está se processando, CICLO DA EXPANSÃO DA
mas que ainda demanda tempo e re- FRONTEIRA AGROPECUÁRIA
cursos. Este governo já se acha em
contato com a Comissão de Amparo Os anos 1970 e 1980 desenharam outro
aos Retornados da Campanha de Bor- contexto para o Acre com a vinda dos “pau-
racha e num trabalho de colaboração listas”. A esse respeito, vale destacar que o
está encaminhando a solução deste uso do léxico: “paulistas” embora venha sen-
problema nacional (SANTOS, 1946, do utilizado largamento para definir gran-
p. 12). des empresários que vieram investir nas
terras acreanas ou transformá-las em mer-
cadoria da especulação fundiária, na verda-
presa criando núcleos coloniais no entorno de se constituíam uma minoria quantitativa,
a Rio Branco. Estes núcleos eram constituí- pois a maioria era composta de colonos e
dos por lotes de terra doados aos trabalha- não de fazendeiros.
dores que deixavam os seringais e deveriam
explorar simultaneamente o extrativismo, a
agricultura familiar e a criação de pequenos Quando os ‘paulistas’ chegaram aqui,
animais. Para tanto os núcleos coloniais pos- isso tudo era mata; não tinha escola,
suíam estruturas de apoio tais como escolas, nem posto de saúde. Esse ramal a
postos de saúde e núcleos mecanizados para gente chama de Ramal dos Paulistas,
o beneficiamento da produção. porque moravam treze famílias que
Dessa forma não só criava alternativa de chegaram aqui, tudo de fora, de São
trabalho para os ex-soldados da borracha, Paulo, do Paraná, de Minas, era gente
como também melhorava o abastecimento de todo lado; um povo branco chega
da cidade no que se referia aos produtos
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

E muito embora as primeiras 472 famí-


doía nos olhos (Maria Souza, depoi- lias trazidas pela colonização oficial tenham
mento in MACHADO, 2000, p. 22). chegado a Rio Branco em 1978, só foram
assentadas em seus lotes em fins de 1979,
sendo 149 no PAD Boa Esperança e 323
Portanto, fica evidente que a conceitu- no PAD Peixoto. Enquanto aguardavam os
ação de “paulistas” foi utilizada de forma trâmites burocráticos junto ao INCRA, os
indiscriminada para designar não só os em- migrantes sobreviviam sob condições pre-
presários do Centro-Sul como também os cárias nos “Arraiais de adaptação”, onde se
migrantes rurais provenientes, na grande alojavam em tendas de lona cedidas pelo
maioria, do Sul e Sudeste. Notório ressaltar- Exécito brasileiro.
mos que embora dados do INCRA indiquem No entanto, frente à exiguidade de recur-
a atual existência de concentração de áreas sos financeiros, infraestrutura deficitária e
nas mãos de grandes proprietários, mesmo carência de apoio técnico os PAD’s se cons-
dentro dos projetos de colonização, este fato tituíram ações fragmentadas que denotam a
não ocorria na época da criação dos mes- precariedade das políticas públicas em rela-
mos. Naquela oportunidade esses espaços ção à questão fundiária no Acre. Por outro
foram loteados e ocupados por famílias po- lado, a construção do imaginário de “pau-
bres e sem terras. Como podemos aferir da lista” como o “bárbaro” que invadiu o Acre
observação da tabela a seguir que retrata a para apropriar-se das terras dos acreanos se
frequência de famílias imigrantes do Centro explica pela violência e repercussão que os
Sul para o Acre entre 1979 e 1981. conflitos pela terra assumiram no Acre.
28
Tabela 2. Número de famílias imigrantes do Centro Sul para o Acre entre 1979 e 1981.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1979 1980 1981 Total

PAD Pedro Peixoto 323 1.050 1.347 2.720

PAD Boa Esperança 149 78 193 420

PAD Humaitá - - 290 290

PAD Quixadá - - 743 743

PAD Santa Luzia - - - -

TOTAL 472 1.128 2.573 4.173

Fonte: INCRA/AC In: NASCIMENTO, Francisco José. A colonização direcionada no Acre – os mineiros
no Ramal dos Paranenses, p. 20.

Convém enfatizar que a política de colo- A cristalização ideológica e cultural des-


nização oficial do Acre iniciou-se em 1977, se conceito e sua disseminação através da
quando foram criados os Projetos de As- mídia local e das dissertações e teses pro-
sentamentos Dirigidos – PAD’s Pedro Peixo duzidas até então passou a afirmar que
e Boa Esperança. Posteriormente, foram “paulistas” no Acre eram todos os migrantes
implantados os PAD’s Humaitá e Quixadá chegados nos anos 70 e 80 do século XX,
(1981) e Santa Luzia (1982). Gradativamen- independente da naturalidade dos mesmos,
te, foram criados outros oito projetos de as- da unidade da federação brasileira de onde
sentamentos entre os vales dos rios Juruá partiram ou de suas condições socioeconô-
e Acre. micas. E ser “paulista” no Acre se constituía
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forte ameaça à população acreana, até então Inserindo o processo de colonização do
formada basicamente por índios, caboclos e Acre, como parte da Amazônia, não foi di-
descendentes de “cearenses” que apresen- ferente ao que Ianni analisa. Os projetos de
tavam modos de vida que se diferenciavam colonização Pedro Peixoto, Humaitá, Boa
dos modos de vida dos migrantes trabalha- Esperança e Quixadá resultaram da transfe-
dores rurais do centro-sul. rência do caos social que estava ocorrendo
Merece destaque também mencionar- em outras regiões do Brasil, principalmente
mos que se tornou convencional denominar no centro-sul.
de “cearenses” os migrantes do primeiro e Importante destacarmos que aliado à
segundo surto da borracha. Tal fato se justi- “transferência do caos social do centro-sul”,
fica pelo fato de ter sido o Estado do Ceará pressões sociais efetuadas por vários seg-
que mais contribuiu com migrantes no Acre, mentos sociais contribuíram para a criação
daí a generalização desta terminologia para dos projetos de colonização do Acre, entre
todas as pessoas provenientes do Nordeste os quais se destacaram os ex-seringueiros
independente da unidade política de proce- e posseiros expulsos dos seringais por oca-
dência. Num certo sentido algo equivalente sião do processo de transferência das terras
as designações de “paraíba” e “baiano” atri- acreanas para os fazendeiros do centro-sul,
buídas ao migrante nordestino em São Paulo na medida em que, apesar de as ocuparem
frente aos estigmas construídos e xenofobia por muitos anos, não possuíam documen-
existente em relação a determinadas etnias tos de propriedade, tendo que desocupá-
e nacionalidades. las para que os novos proprietários tomas-
A implantação dos primeiros Projetos de sem posse fomentando o desenvolvimento
Colonização no Acre apresentou uma tímida da pecuária. 29
reforma fundiária e não uma reforma agrá-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
ria como havia sido proposto. O motivo se 9. SERINGUEIROS,
deu pelo fato do incentivo se limitar ao aces- COLONOS E BRASIVIANOS –
so a terra e não prover condições dignas de CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS DA
vida necessárias através de ações como saú- PECUARIZAÇÃO DO ACRE
de, educação, habitação e produção. Frente
a esses aspectos, IANNI afirma que Muito embora seringueiros e ribeirinhos
acreanos não fizessem uma pressão direta e
aberta, à medida que o excedente de mão de
[...] a colonização dirigida na Amazô- obra ia sendo dispensado das áreas rurais,
nia não se limita a ser uma contra- um contingente de desempregados se for-
reforma agrária nessa região, mas mava nos bairros e no entorno das cidades
adquire o caráter de uma contra-re- acreanas ainda despreparadas para recebê-
forma agrária também no Nordeste, -los. Diante desse fato, o governo do Estado
no sul e em outras regiões. Para não do Acre sentia-se pressionado a viabilizar
distribuir terras, em nenhuma área ou alguma alternativa socioeconômica para re-
região de ‘tensão social’ no mundo ru- solver tal situação.
ral, o Estado foi e continua a ser leva- Frente a esse quadro social, o governador
do a realizar a modesta ‘distribuição’ Geraldo Mesquita7 pleiteou junto ao gover-
ou ‘redistribuição’ de terras devolutas, no federal a desapropriação de áreas para
tribais ou ocupadas em algumas áreas serem destinadas aos pequenos produtores
da Amazônia (IANNI, 1979, p. 103). rurais (acreanos expropriados ou em vias de
expropriação dos seringais e fazendas, bem
como trabalhadores rurais do centro-sul ex-

7 Geraldo Mesquita governou o Acre entre 1975 e 1978 e tentou reverter a política de atração dos “pau-
listas” e venda de terras do Acre empreendida pelo Governador Vanderlei Dantas que o antecedeu.
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Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

propriados das grandes fazendas mecaniza-


das de suas regiões de origem ou expulsos mente à presença da Igreja Católica,
da região de Itaipu). das ONG’s, da CONTAG, de um certo
Seus pleitos foram parcialmente aten- embrião de partidos da esquerda e ao
didos pelo Presidente da República, tendo surgimento do movimento sindical
sido desapropriadas 292.000 ha de terra do rural na região. E na terceira verten-
município de Sena Madureira e 408.000ha te defende a permanência e a luta da
em Rio Branco. Para a ocupação destas áre- resistência pelos espaços tradicional-
as, o INCRA adotou a metodologia dos Pro- mente ocupados (MAIA, 2002, p. 24-
jetos de Assentamentos Dirigidos (PAD’s) e, 25).
em parceria com outros órgãos e autarquias,
passou à execução dos assentamentos. Con-
vém mencionar que o governo estadual ao No processo de “limpeza humana” pro-
criar os PAD’s tinha em mente proporcionar movida pelos novos proprietários de ter-
o retorno ao espaço rural dos que migraram ras há depoimentos pungentes tanto dos
para as periferias das cidades acreanas ou que migraram para os seringais da Bolívia
frear a vinda de outros seringueiros e pos- quanto dos que se dirigiram para a periferia
seiros para a cidade. das cidades.
Contexto diferente ocorreu nos anos 80,
quando os seringueiros passaram a exercer
fortes pressões junto aos grandes fazendei- A maior parte da população, até dois,
ros e ao governo do Estado do Acre através três, quatro dias de viagens dentro da
30 dos movimentos denominados de “empa- Bolívia é brasileira, você só encontra
tes”, que consistíam em reunir um grande boliviano quando eles estão fazendo
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

número de seringueiros que impediam (em- alguma coisa, algum tipo de traba-
patavam) sem o uso de armas que áreas de lho, borrifação da malária, mas todo
florestas fossem derrubadas. Essas pressões mundo é seringueiro brasileiro, tudo
dos seringueiros se explicam por seu ama- é brasileiro, você conta os bolivianos
durecimento político ao perceber a neces- por esse trecho do Pavilhão, São João
sidade de uma tomada de posição frente à do Caramano, meu tio morou lá e eu
expropriação que sofriam de suas posses. também. Quando era criança fiquei
Outro dado importante elucidado por muito tempo lá na casa dele, ninguém
Maia via boliviano ali não.8

[...] é que após a venda das terras para Por outro lado à luta pela sobrevivên-
os ‘sulistas’ ou ‘paulistas’ aos serin- cia nas cidades acreanas - e nesse aspecto
gueiros só restavam duas alternati- Rio Branco se constituia o maior pólo de
vas: fugirem rapidamente para a pe- atração dos que migravam das zonas ru-
riferia das cidades ou deslocarem-se rais - impelia o ex-serngueiro a trabalhar no
para os seringais bolivianos, que na que aparecesse.
época estavam desocupados e dispu-
nham de boa capacidade produtiva
[...] surge [também] uma terceira al- Eu gostaria de tá catando seringa, né?
ternativa que vai estar ligada direta- Porque é o seguinte, lá dentro do se-

8 MONTEIRO, Francisco: depoimento. In: MAIA, Op. Cit. p. 33.


Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
Sírio-LibaneseseSulistasComoAtoresdaFormaçãodoAcre
O estar seringueiro, geralmente suscita a
ringal, nós que é acostumado dentro imagem do não ser seringueiro, ou ainda, a
do seringal sabe. Nós que temos aque- negação do ter sido seringueiro. Tudo isso
le costume dentro do seringal, num interagindo, formando situações complexas
dia de domingo, por exemplo, que e contraditórias. Na cidade é preciso negar
nem hoje, a gente pega a espingarda, o ser e o ter sido seringueiro, para garantir
põe no ombro e se põe na mata, mata articulações com afazeres urbanos. Porém,
um veado, mata um porco, mata uma mais tarde, é preciso afirmá-lo para garan-
paca, um quatipuru, qualquer coisa tir aposentadoria do FUNRURAL, ou negá-
né? Só sei que no outro dia a gente lo, novamente, para não ser estereotipado
tem aquela carne pra dá de comer aos como representações de atraso, inoperân-
filhos e pra gente também. E assim cia, preguiça, degenerescência física, moral
a gente vai levando, agora aqui tudo e estética. Num outro momento histórico,
é mais difícil, num tem caça, num se quando busca a reserva extrativista torna-se
pode mariscar que os fiscais toma necessário reafirmar a identidade de serin-
tudo, eu sei que é assim, mais difícil.9 gueiro refazendo todo o círculo para garan-
tir espaço no outro modo de vida que come-
ça a se construir.
Na territorialidade da cidade o ex-serin- E, nesse contexto de transferência de
gueiro passa mutações sociais diversas, toda- terras, de estabelecimento da pecuária e
via alguns aspectos permanecem inalterados. de conflitos fundiários, os povos nativos do
Era subalterno no seringal e essa situação não Acre, com apoio de largos segmentos da so-
vai mudar facilmente na cidade. Sua condição ciedade civil organizada, conseguiram obter 31
de ex-seringueiro funciona como mecanismo resultados concretos na demarcação de suas

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
de limitação da ascenção social, pois o este- terras ancestrais, configurando a constru-
reótipo formado do seringueiro na cidade é ção de um outro tempo, o dos direitos.
uma imagem que o liga ao analfabetismo, ao Acerca da história dos fazendeiros no
atraso, a pobreza, a indigência e a violência. Acre já existe uma larga produção constru-
Somada a discriminação sobrevem outras ída por historiadores, economistas, geógra-
dificuldades ao ex-seringueiro. Como garantir fos e antropólogos. Portanto, nos interessa
o sustento de sua família? No espaço do serin- no âmbito desta historicidade, e, na pers-
gal, havia outras possibilidades como a caça, pectiva de “olhar” a história a partir dos de
a pesca, uma pequena criação nos arredores baixo, “separar o joio do trigo”, pois se na
da casa, um pequeno roçado. Enquanto que época mais acirrada dos conflitos havia fa-
na cidade se não tem dinheiro, não tem co- zendeiros que queimavam casas, expropria-
mida. Torna-se praticamente inevitável uma vam e matavam pequenos trabalhadores
desestruturação familiar. rurais. Muito atuais pecuaristas passaram
O deslocamento do seringueiro para a ci- a ser vistos com os mesmos olhos com que
dade implicou na formatação de múltiplos eram vistos aqueles responsáveis por tantos
sujeitos, e, embora o termo seringueiro seja estragos e misérias.
utilizado como uma categoria homogênea, É necessário destacar que grandes fa-
fundadora de um esteriótipo cultural pra- zendeiros e trabalhadores rurais tinham
ticamente imutável, de caráter quase gené- propósitos diferentes. Os grandes fazendei-
tico, como sendo seres naturais imbuídos ros vieram em função dos incentivos fiscais
de identidade particular, o ser seringueiro é oferecidos pelo governo federal que naquela
caracterizado pela mobilidade, flexibilidade oportunidade promovia o Plano de Desen-
e porosidade. volvimento da Amazônia, liberando impos-

9 SILVA, Antônio Pedro da: depoimento. In: MAIA, Op. Cit. p. 27.
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Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,

tos, fornecendo financiamentos e oferecen-


do apoio técnico. horas da noite. A preocupação com
Com tantos atrativos e considerando o sustento dos filhos. Aí comecei a
a possibilidade de lucro que poderiam ob- trabalhar. Para eu trabalhar, eu tinha
ter investindo ou especulando com as ter- que pagar alguém para ficar com os
ras acreanas, por que não vir para o Acre? meninos que eram pequeninos. Aí eu
Principalmente por que não era necessário pagava a minha vizinha. Por um bom
fixar residência aqui, poderiam enviar seus tempo ele ficou desempregado. Foi o
gerentes, capatazes e peões e continuar em tempo do Figueiredo na Presidência
seus Estados de origem, que não necessaria- quando houve um desemprego muito
mente era São Paulo, como aponta a litera- grande na Capital. E eu trabalho, mui-
tura já produzida sobre o assunto. tas vezes eu via só mulher trabalhar e
Na visão destes, o progresso de uma os homens em casa por falta de em-
região passa pela produção e esta gira em prego. Meu irmão já morava em Ron-
torno da pecuária. Começaram então a der- dônia chegou lá e disse que tinha o
rubar as florestas para o plantio de capim Acre. O Acre era muito bom. Ele tinha
e criação de gado para o corte. Que valores comprado uma colônia no Acre e ia
atribuíam à floresta? Para estes a floresta vender a de Rondônia. E aí perguntou
poderia até ser bela, mas não combinava pra gente: vocês querem ir? A gente
com desenvolvimento. A compreensão que pensou e sentou. Na colônia a gente
estes tinham de desenvolvimento contras- tinha como abraçar os filhos, dá para
tava com aquela construída pela população passar para os filhos a vivência de fa-
32 rural do Acre. Para os fazendeiros a terra mília. Porque na cidade grande não se
tem uma outra função que não de suporte tem tempo para falar com os filhos.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

para a floresta e o extrativismo, mas de su- A preocupação da gente era dá mais


porte principalmente para o pasto e o boi. atenção aos filhos. Porque eu traba-
Do outro lado o migrante trabalhador ru- lhava no sábado e domingo estava
ral do centro sul era, na maioria das vezes, no tanque. E ele quando tinha traba-
impelido pelo desejo de tornar-se proprietá- lho, às vezes trabalhava no sábado. A
rio de uma área rural como fica evidente no gente trabalhava e o salário não dava.
depoimento a seguir. Complica muito. Então, o que trouxe
mesmo a gente pra aqui foi eu digo
assim, a má administração do país. Se
[...] a primeira coisa, a gente era acos- fosse bem administrado, eu tava lá no
tumada: eu fui criada na colônia com terreno do meu pai.10
meus pais até casar. Quando casei, lá
meu marido trabalhava de empregado
na construção civil e depois que tive O perfil desses que postulavam terras
o último filho, eu não tinha possibli- no Acre era muito variado envolvendo as-
dade de ter outros filhos, pois assim salariados agrícolas, parceiros, posseiros,
a despesa seria maior. E a gente era pequenos arrendatários, pequenos pro-
obrigada a trabalhar, eu e ele sai às dutores, dentre outros. Esse migrante do
vezes às quatro horas da manhã, pe- centro-sul não se insere no contexto do
gava dois coletivos para chegar até o migrante expropriador e desenraizado e
serviço e tantas vezes ele chegava dez no Acre frente à falta de infraestrutura vi-
gente na época, as malárias, a adaptação
ao novo clima, às novas formas de traba-

10 CARVALHO, Angelina Pereira. (migrante de Minas Gerais): depoimento. In: MAIA. Op. Cit. p. 39-40.
Trajetórias Acreanas – Índios, Seringueiros, Ribeirinhos,
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lho, a precariedade da vida, o descaso para A fronteira do próprio homem, isto é,
firmar-se na nova terra tiveram que expe- vencer suas próprias dificuldades de con-
rienciar a solidariedade do trabalhador vencimento dos familiares em abandonar
acreano, o rompimento com alguns dos um ambiente já construído, do trocar o cer-
seus preconceitos, a liberdade de traba- to pelo incerto, do fazer tudo de novo e do
lhar em uma terra própria, a possibilidade refazer-se, na verdade é que constituíram
de criar os filhos longe dos riscos do meio obstáculos ao deslocamento, haja vista que
urbano e enfim poder continuar sonhando. as paisagens em si não eram totalmente des-
Nesse processo como trabalhadores rurais conhecidas. A violência externa dos agentes
esses migrantes construíram novos mo- que provocaram os deslocamentos perma-
dos de vida, construindo e reconstruindo necia viva em suas mentes. O tormento para
suas identidades, além de influenciarem esses indivíduos, invisíveis para as elites, era
na construção e reconstrução das identi- atemporal, não espacial, e os seguia mesmo
dades do trabalhador rural acreano. quando estavam no outro lado.
Merece destaque acentuarmos que para Dessa forma, a fronteira que os impedia
os seringueiros que migraram para a Bolí- de deslocar-se não era a fronteira geográfi-
via para continuarem sendo seringueiros, ca, mas, sim, outras fronteiras, dentre elas a
apesar dos conflitos existentes quando da socioeconômica, a política e, principalmente,
conformação dos limites do Acre com o a sociocultural. São elas que impõem as ne-
Peru e a Bolívia, o atravessar a fronteira cessidades de vencer, cotidianamente, suas
de um lado para outro foi uma experiência próprias fronteiras. São lutas incessantes.
histórica nos municípios vizinhos às fron-
teiras do Brasil com os países andinos, que 10. RIOS, RIBEIRINHOS E 33
marcou suas vidas. REGATÕES

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CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
No entanto, há que se ressaltar diferen-
ças étnicas, culturais, linguísticas e, às ve- Reconstituir trajetórias implica também
zes, religiosas. Quando se sai de um país assinalar que os rios na Amazônia consti-
para outro, se experimenta também uma tuem os caminhos de água e no processo de
mudança no sistema de poder, no sistema ocupação econômica do território acreano
monetário e até de preços. No entanto, no se tornaram as vias de penetração dos que
espaço fronteiriço entre o Estado do Acre dirigiam a região desde a segunda metade
e o Departamento de Pando (Bolívia), as do século XIX e foram nas suas margens
condições de isolamento e o distanciamen- que os seringueiros foram sendo instalados
to das populações bolivianas eram tão evi- e, posteriormente, a maioria das sedes dos
dentes, que esses sintomas não se fizeram municípios também foram criadas.
sentir com intensidade para os chamados Além disso, os rios do Acre mais do que
de “brasivianos”. acidentes geográficos que marcam a geo-
Em cada etapa desse deslocamento, grafia da região, desenvolveram ao longo do
os membros da família, os compadres, os processo histórico acreano papéis os mais
antigos vizinhos já chegados acolhiam os diversos: elo de ligação com o mundo exte-
que vinham depois e serão acolhidos mais rior, espaço de lazer e de convivência social
adiante pelos que se foram antes. A estru- e cultural, meio de subsistência de atores
tura social de referência dessas popula- sociais distintos que do rio retiram o neces-
ções de fronteira não é o local visível. Ela sário para sua sobrevivência.
se espalha num amplo território, num raio No passado a figura dos regatões, verda-
de centenas de quilômetros, e é uma espé- deiros “mascates” das águas se fazia sentir
cie de estrutura migrante, uma estrutura como aqueles que aportavam às margens
social mediada pela migração e pela ocu- dos seringais abastecendo os seus morado-
pação temporária, ainda que duradoura, res de produtos os mais diversos inclusive
de pontos do espaço percorrido. das miudezas, destacando-se dentre esses
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personagens os sírios e libaneses que cons- pelos rios) e se estabeleciam em qualquer


tituíram uma trajetória histórica muito im- parte onde encontrassem boas oportunida-
portante para a formação do Acre. des de negócios. Subiam os rios, os paranás
Essa migração de origem síria e libanesa e os igarapés, negociando suas mercadorias
foi realizada por conta dos próprios imigran- em troca de borracha, castanha, couro de
tes, de maneira não oficial ou subsidiada, o caça, ou qualquer outro produto com valor
que sempre foi motivo de orgulho, como comercial. Alcançaram assim todos os vales
prova do espírito altivo e brioso desse povo. acreanos, como pontas de lança do processo
Eles vinham para “Fazer a América” e que formou uma nova civilização no extre-
qualquer lugar servia para ganhar dinheiro. mo oeste do “inferno verde”.
Uma vez que o período de maior afluência Foi nas cidades que a imigração árabe
da imigração proveniente do Oriente Médio se tornou mais visível. Semelhante ao que
coincidiu com o auge do ciclo da borracha, ocorreu em São Paulo e outras regiões do
entre 1870 e 1913, a Amazônia se tornou país, os sírios e libaneses que se estabelece-
um dos principais objetivos daqueles in- ram nas diversas cidades acreanas abriram
divíduos interessados na fortuna rápida. A pontos comerciais para a venda de armari-
maioria acreditava que apenas alguns anos nhos, tecidos e aviamentos em geral. Como
de trabalho e remessas do dinheiro ganho essas lojas normalmente se concentravam
na América seriam necessários para atingir numa área específica da cidade, ruas intei-
certa estabilidade financeira, possibilitando ras passaram a ser dominadas pelos árabes.
a volta rápida para casa. Efetivamente, um Muitos desses comerciantes logo se tor-
terço dos que imigraram retornaram aos naram não só varejistas, mas também ataca-
34 seus países de origem, mas a grande maioria distas e fornecedores de outros imigrantes
permaneceu constituindo família em diver- que, recém chegados à região, necessitavam
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

sas partes do continente americano. de apoio para se estabelecer. Apesar de exis-


Aliás, a família, ao lado da religião, é o tirem disputas entre os árabes imigrados,
pilar da identidade de sírios e libaneses. em razão de diferenças religiosas e étnicas,
Muitos imigrantes mandavam buscar espo- a cooperação que existia entre os integran-
sas, ou voltavam às suas aldeias no Oriente tes da colônia era mais forte.
para se casar e em seguida retornar para os De uma forma geral os regatões eram
locais onde tinham seus negócios. Some-se mal vistos pela elite da sociedade extrati-
a isto ainda que a decisão pela migração era vista e sofriam com a marginalização e os
tomada em família, sendo geralmente orien- preconceitos a que estavam sujeitos. Isso
tada por seu chefe, bem de acordo com o se dava porque os regatões eram atravessa-
espirito patriarcal tão marcante no Oriente. dores aos quais os seringueiros recorriam
Logo, os primeiros sírio-libaneses de- para comercializar sua produção, seja para
sembarcados no Brasil perceberam que as conseguir melhor preço do que o oferecido
maiores oportunidades estavam no peque- pelos patrões, seja para escapar do endivi-
no comércio itinerante. Esta atividade não damento crescente com o barracão, seja por
necessitava de grandes capitais para ser conta da revolta contra os maus tratos in-
iniciada e servia ao objetivo de manter uma fligidos por seringalistas violentos. Por isso
relativa liberdade. Dessa forma os pioneiros a ordem nos seringais acreanos era de não
sírio-libaneses começaram a disputar espa- deixar “encostar” regatões nos seringais.
ço com os mascates italianos e portugueses Porém, os regatões não tinham como ob-
que se espalhavam por todo o país. jetivo ameaçar a autoridade dos seringalis-
Começou, assim, a tradição brasileira de tas. Pelo contrário, eles queriam a ascensão
comerciantes sírio-libaneses, também conhe- social proporcionada pelo enriquecimento.
cidos como mascates turcos. Na Amazônia O regatão passava um período regateando
estes mascates eram chamados de regatões pelas beiradas de rios, apenas o suficiente
(porque praticavam comércio navegando para acumular capital. Logo os “turcos” es-
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tavam abrindo uma porta de comercio em estudar fora, nos grandes centros do país,
qualquer dos núcleos urbanos acreanos em para depois voltarem formados e prepara-
formação. Começava a sua batalha para dos para se tornar parte da sociedade que
tornar-se aceito na comunidade e ser visto, abraçaram como sua e da qual não pode-
não mais como marginal, mas como parte riam ser dissociados nunca mais, como fica
integrante do sistema. evidente na memória desses imigrantes.
Com o tempo e a prosperidade propor-
cionada pelo comércio do “ouro negro”
(como era tratada a borracha no início do O nome do meu marido era Abrahim
século) os árabes do Acre começaram a Isper Júnior, aí começamos a lutar
participar da maçonaria, dos clubes políti- aquela vida de regatão, de princípio,
cos, da fundação de clubes esportivos e de note-se que o pai dele era um homem,
diversas outras atividades que lhes davam era uma das maiores fortunas de Ma-
prestígio social. naus, do Amazonas, mas ele queria
Quando a Segunda Guerra Mundial teve tentar a vida só, aí nos viemos e fize-
início e deu origem, em 1942, ao novo ci- mos o caminho, foi devagar naufra-
clo de crescimento econômico, conhecido gramos diversas vezes e trabalhamos
como a “Batalha da Borracha”, os imigran- muito, carregamos castanha, carrega-
tes sírio-libaneses já estabelecidos pude- va tudo, nõs não tínhamos residência,
ram se beneficiar ao máximo. Com capital nós morávamos dentro do motor mes-
e proprietária de grande quantidade de em- mo e fomos lutando com a ajuda de
preendimentos a colônia árabe assumiu a Deus, fomos vencendo, Deus deu-nos
condição de integrante da elite dirigente da a graça de termos filho só depois de 35
sociedade acreana. oito anos de casado. É porque impos-

LIVRO TEMÁTICO 4
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Foi o período em que a participação polí- sibilitava a nossa vida.11
tica dos árabes e seus descendentes aumen-
tou consideravelmente. Logo alguns dos
representantes da colônia alcançavam posi- Importante considerarmos que o vai
ções políticas destacadas. Entre os diversos e vem das águas ou o tempo das chuvas e
deputados de ascendência árabe, a história da estiagem caracterizava uma concepção
acreana registrou também a presença de se- peculiar de tempo, o tempo da natureza, o
nadores e governadores do Estado do Acre. qual interferia tanto na dinâmica econômica
Os imigrantes sírio-libaneses e seus des- quanto no cotidiano e nas práticas culturais
cendentes obtiveram completo sucesso ao dos acreanos. A noção de territorialidade, o
vencer a opinião corrente que um dia os sentimento de pertencimento e a constru-
considerou marginais. Neste aspecto pesa- ção da própria identidade ligavam-se ao rio.
va também o fato de que, com o passar do “Nasci no Juruá”, “Fui feliz no Envira”. “Me
tempo, houve uma gradativa miscigenação casei no Abunã”.
com a população local, proporcionando uma
descendência de legítimos “filhos da terra”.
Como acreanos natos os filhos da colônia Meu avô, Domingos Assmar, natural-
árabe estavam em igualdade de condições mente Abdala Assmar, ele chegou no
com os filhos de outros imigrantes nacionais Acre nas águas de um, permaneceu
ou estrangeiros. Porém, o bem estar econô- até as águas de quatro. Eu lhe digo
mico alcançado por muitos sírio-libaneses águas porque eles chegavam no fim
proporcionou uma educação de boa quali- do ano e sem precisar muito a data e
dade para seus filhos. Estes eram mandados

11 ISPER, Alegria: depoimento [12 de julho de 1996]. Entrevistadora: Maria José Bezerra. Rio Branco – Ac.
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tradicionais. Sem esquecer a conquista da


retornavam no início do ano, no fim demarcação das reservas extrativistas – RE-
das águas. Meu avô veio como rega- SEX subordinadas ao IBAMA, e que foi ins-
tão, imigrou com toda família para o pirada no modelo das Terras Indígenas que
Brasil, na época do domínio francês possuem propriedade coletiva e não indivi-
no Líbano já que eles eram cristãos dual da terra.
maronitas.12 Este modelo de Reserva Extrativista foi
pensada e discutida inicialmente, em 1985,
durante o I Encontro Nacional de Seringuei-
Além dos bem sucedidos árabes acrea- ros, em Brasília. E representou uma inicia-
nos, no curso dos anos, às margens dos rios tiva revolucionária por compatibilizar a
do Acre estabeleceram-se os ribeirinhos que conservação da floresta e os direitos de seus
constituíram comunidades organizadas a povos tradicionais. Mas, principalmente por
partir de unidade produtivas familiares que quebrar a obrigatoriedade de assentamen-
se utilizam dos rios como principal meio de tos baseados na propriedade privada da ter-
transporte, de produção e de relações so- ra e abrir a possibilidade da posse coletiva
ciais. Com isso, os produtores ribeirinhos da terra que passava assim a estar protegi-
desenvolvem uma economia de subsistên- da das pressões do grande capital. Diante do
cia bastante diversificada, ao mesmo tempo impacto que a luta da “Aliança dos povos da
adaptada e condicionada pelo meio ambien- floresta” alcançou, especialmente depois do
te, sem agredi-lo com práticas como queima assassinato de Chico Mendes, seu principal
e desmatamento da floresta. líder, em 1988, o governo federal criou ofi-
36 Embora arenosas, as várzeas apresentam cialmente as primeiras reservas extrativis-
elevada fertilidade renovada atualmente tas através do Decreto nº 98.987/90.
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LIVRO TEMÁTICO 4

com o processo de reposição natural de nu- Ou seja, da resistência e da organização


trientes, quando da baixa dos níveis dos rios dos trabalhadores rurais acreanos surgiu no
após o período de chuvas. Como resultado Acre um conjunto de novas propostas e mo-
desse processo natural, o cultivo contínuo delos produtivos baseados na conservação
das várzeas no período da seca não impli- do meio ambiente, da valorização das po-
ca em queda de rendimento da produção, pulações tradicionais e no desenvolvimento
como ocorre no sistema de agricultura iti- socialmente justo e equilibrado. E esse novo
nerante na terra firme. Além do cultivo de modelo foi contraposto ao modelo de desen-
frutas, hortaliças, raízes e grãos, os ribeiri- volvimento predatório que desde a Ditadura
nhos criam pequenos animais, como suínos Militar ameaça a Amazônia brasileira, como
e aves. Sua economia é complementada pela pode ser observado em outros estados bra-
caça, pesca e pelo extrativismo vegetal. sileiros que apresentam altas taxas de des-
Por isso os ribeirinhos sempre estiveram matamento e graves conflitos sociais.
junto com os seringueiros na organização
e defesa dos direitos de ocupação das áre- 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
as onde viviam. E uma das conquistas mais
significativas dessas populações extrativis- A territorialidade construída por índios,
tas (ribeirinhos, indios e seringueiros) foi seringueiros, regatões, ribeirinhos e sulistas
à criação dos projetos de assentamentos condiciona sua participação no processo de
agroextrativistas – PAEs, coordenados pelo construção de uma “identidade” acreana.
INCRA e que se constituem em alternativas Cada um desses segmentos atua como sujei-
mais adequadas para o assentamento de ex- to social que busca a realização de um proje-
trativistas e agricultores do que os modelos to que possibilite a manutenção dos modos

12 ASSMAR, Emílio: depoimento [12 de julho de 1996]. Entrevistadora: Maria José Bezerra. Rio Branco – Ac
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de vida que historicamente vêm constituindo O reconhecimento das territorialidades
numa relação tensa e conflituosa de uns com e identidades desse atores sociais e a com-
os outros e de todos com a natureza. Portan- preensão de suas diferenças histórico-cul-
to, as trajetórias históricas e culturais expe- turais constituem os elementos fundantes
rienciadas por tão diferentes atores sociais da concepção de um zoneamento ecológico
ao longo da formação da sociedade acreana, econômico do Acre enquanto instrumento
revelam a criação de uma sociedade multi- de um modelo de desenvolvimento, cen-
facetada que, mais do que uma síntese das trado na perspectiva da sustentabilidade,
diferenças, realiza e atualiza a noção de uma gestado a partir de sua própria história e
identidade regional a partir de sua interação. configuração social.

37

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Livro Temático | Volume 4
Cultural Político:
Memórias, Identidades
e Territorialidades

2
Capítulo
Identidades, Territórios, Territorialidades e as
Relações de Poder no Acre
Identidades, Territórios,
Territorialidades e as
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

Relações de Poder no Acre


Relações de Poder no Acre

b Texto: Wladimyr Sena Araújo1


Nilson Gomes Bardales2

40
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1. INTRODUÇÃO

O
objetivo deste texto será o de fa- Neste sentido, a intenção deste texto re-
zer uma breve discussão acerca flete a idéia de que a construção do Acre
de como os diversos territórios consiste em afirmar também a sua invenção
do Estado do Acre foram cons- pelos atores que se consolidaram nessas
truídos a partir dos atores neles envolvi- terras. Para alguns deles, as fronteiras já
dos. Para isso, levaremos em consideração estão bastante definidas. Par outr o s, elas
a discussão acerca das identidades que são imaginárias, prevalecendo relações
permearam os mesmos, assim como os dis- culturais existentes.
cursos que eles tiveram para legitimar as Para isso, trataremos muito rapidamente
unidades territoriais construídas. de algumas categorias: territórios e territo-
O espaço acreano e os lugares sempre rialidades seringueira tais como seringais,
foram “barganhados”, seja através de inter- Reservas Extrativistas, Áreas de Relevante
venções diretas, ou mesmo através de jus- Interesse Ecológico; Projetos de Assenta-
tificativas constantes sobre suas ocupações. mento, Ribeirinhos e Terras Indígenas.
As diversas ocupações dos territórios,
em muitos casos, foram provocadas por um 2. ACRE: NOVOS TERRITÓRIOS E
conjunto de interesses de grupos sociais. TERRITORIALIDADES
Neste caso, a afirmação de um grupo sobre
um lugar refletiu a negação de outros em Território3 pode ser definido como uma
vários momentos da história acreana, tama- área construída por um ou mais indivíduos.
nho os jogos de tensões existentes. Ele torna-se uma consequência do espaço,
1 Mestre em Antropologia Social | Prefeitura Municipal de Rio Branco
2 Doutor em Solos e Nutrição de Plantas | Consultor ZEE
3 Derivado do latim terra e torium que significa terra que pertence a alguém.
uma vez que é uma apropriação humana.
Nesta apropriação existem jogos de interes- de a afirmação econômica, do modo
ses, aspirações que demarcam as diferenças de vida (de produção e de subsistên-

Identidades, Territórios, Territorialidades e as


existentes entre os grupos que podem, in- cia) dos grupos sociais, dos seus valo-
clusive, pertencer a um mesmo território. res, dos seus costumes, das suas cren-
Sendo assim, o espaço é apropriado pelo ças, das suas instituições, das formas
território que pode se caracterizar através de construção do seu poder coletivo
dos discursos de identidade. (organização social e poder de domi-
Na visão de Gonçalves (2003), o território. nação ou capacidade de resistência à
dominação). O território é a expres-
são espacial da cumulação de forças

Relações de Poder no Acre


é ‘lugar’ porque ali se arraiga uma no nível econômico, político e cultural
identidade em que se enlaça o real, dos grupos sociais que ocupam uma
o imaginário e o simbólico. O ser porção do espaço, cuja resultante tem
cultural elabora sua identidade cons- uma determinação cultural (REGO).
truindo um território fazendo-a sua
morada. (...) As culturas, ao significar
a natureza com a palavra, a conver- Portanto, falar tanto de território como
tem em acto; ao nomeá-la, vão cons- de territorialidade implica em observar as
truindo territórios através de práticas relações daquilo que foi experienciado por
culturais de apropriação e manejo da membros de um determinado grupo social.
natureza (p. 11). Para Rasfettin (1993), as relações sociais
envolvem posturas de poder. Pensando 41
desta maneira, acreditamos que o embate

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Neste caso, a tendência da maioria dos estabelecido através das relações provoca
territórios é o de serem regulados, seja pelo mudanças significativas nas posturas dos
uso de seus recursos ou pela jurisdição dos sujeitos. De acordo com o autor,
mesmos, o que permite afirmar a existência
de atores reguladores, sendo o principal de-
les o Estado (Federal, Estadual e/ ou Muni- a territorialidade assume um bem
cipal). particular, pois reflete o multidimen-
O conflito dos atores sobre o domínio de sionamento do ‘vivido’ territorial pe-
territórios não faz com que o território de- los membros de uma coletividade,
sapareça. É justamente através das tensões pela sociedade em geral. Os homens
que novos territórios aparecem e produzem, vivem ao mesmo tempo o processo
inclusive, novos significados. territorial e o produto territorial por
Com relação a território, a opinião mais intermédio de um sistema de relações
oportuna para este trabalho provém de existenciais e/ ou produtivas (RAS-
Rego. Para ele o território corresponde a FETTIN, 1980, p. 158).

uma determinada configuração de re- Territorialidade pode ser encarada como


lações de poder, de domínio. (...) Essa algo que é “apropriado”, no sentido de que
configuração tem uma base formada o território se torna um local de “pertença”
pelas relações econômicas (que supõe dos indivíduos. Partindo deste pressuposto
a base dos recursos naturais) e pelas acreditamos que os sujeitos redefinem o
relações políticas e culturais. Tem, território mediante as suas aspirações e aos
portanto, uma dimensão objetiva e seus interesses. Esta idéia vai ao encontro
uma dimensão subjetiva. Compreen- do pensamento de Andrade (1995) onde
territorialidade
tindo maior consciência do território e maior
pode vir a ser encarada tanto como o organização por parte dos atores sociais.
que se encontra no território, estando
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

sujeito à sua gestão como, ao mesmo 3. ATORES FORMADORES


tempo, o processo subjetivo de cons- DA CULTURA ACREANA: A
cientização de fazer parte de um ter- IDENTIDADE EM QUESTÃO
ritório, de integrar-se a um Estado.
(...) A formação de um território dá às A formação da sociedade acreana envol-
pessoas que nele habitam a consciên- ve processos “identitários” distintos. Neste
cia de sua participação, provocando caso, a permanente construção do Acre in-
o sentido da territorialidade que, de clui várias discussões de identidade, dentre
Relações de Poder no Acre

forma subjetiva, cria uma consciência as quais a étnica, campo clássico da Antro-
de confraternização entre elas (AN- pologia que para Oliveira (1976) consti-
DRADE, 1995). tui uma das discussões mais importantes
da alteridade.
Para o autor, a identidade étnica reflete
Para Oliveira (1999), a idéia de territo- inicialmente o debate de “grupo étnico” ex-
rialidade remete sempre a um processo de posto por Fredrick Barth (1969)5. Segundo
reorganização social na qual pode existir a este teórico um grupo étnico,
criação de novas unidades socioculturais, a
constituição de mecanismos políticos, o con- a Perpetua-se principalmente por
trole social sobre os recursos naturais e a meios biológicos;
42 re-elaboração da cultura4. a Compartilha valores culturais fundamen-
A territorialidade envolve ao mesmo tais, postos em prática em formas cultu-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

tempo harmonia de idéias entre um deter- rais num todo explícito;


minado grupo, mas pode gerar exclusões e a Compõe um campo de comunicação
uma série de tensões sociais. Logo, as ter- e interação;
ritorialidades, que resultam das relações a Tem um grupo de membros que se iden-
sociais provocam estratégias de controle tifica e é identificado por outros como
de um grupo sobre o outro através do for- constituinte de uma categoria distinguí-
talecimento de forças econômicas, políticas vel de outras categorias da mesma ordem
e culturais. (BARTH, cit In OLIVEIRA, 1976, p. 02).
Neste caminho, afirmamos que a dimen-
são de área não é suficiente para definir Ainda assim, Oliveira (1976) utiliza-se
um território. Portanto, existe uma série de da concepção de identificação étnica para
combinações de fatores pelos quais devem caracterizar uma pessoa, seja em uma pers-
ser levados em consideração tais como os pectiva nacional, regional ou para algum
papéis dos territórios, a forma de organi- tipo de instituição como é o caso da religião.
zação destes, intercâmbio de elementos A discussão das identidades que permea-
simbólicos e culturais, assim como as suas ram o território acreano foram notadamen-
diretrizes políticas. te marcadas por uma relação de contrastes
Nos próximos tópicos trataremos das que, na maioria dos casos permitiu a afirma-
consolidações e transformações das unida- ção do grupo, ao mesmo tempo, que confi-
des territoriais, utilizadas como forma de gurou a negação de outros.
estratégia de dominação ou como forma de Este foi o caso do conflito entre os nor-
rompimento com padrões vigentes, permi- destinos que vieram trabalhar na floresta e

4 A discussão efetuada por João Pacheco de Oliveira é oriunda das reflexões sobre etnicidade dos
Povos Indígenas. Porém, a sua abordagem permite ampliar o debate para outras categorias.
5 BARTH, Fredrick (org). Ethnic Groups and Boundaries: the social organization of culture difference.
Boston: Little Brown & Co., 1969.
os índios. O olhar etnocêntrico dos primei- dade produtora na qual a principal ativida-
ros fomentou um grande genocídio, já ca- de econômica consistia na extração do látex
racterizado nas páginas da história acreana. (ARAÚJO, 2000).

Identidades, Territórios, Territorialidades e as


Destacamos que o debate acerca de iden- A formação do seringal esteve vinculada
tidades já foi bastante evidenciado no texto a uma estratégia internacional para a obten-
sobre “Trajetórias Históricas”. Mas algumas ção da matéria – prima, amplamente cobiça-
outras considerações necessitam ser feitas. da pelo mercado europeu e também norte
Talvez a mais importante estabeleça a liga- – americano.
ção das identidades aos territórios estabele-
cidos ou construídos socialmente. Desta ma-
neira, o debate sobre esta questão implica

Relações de Poder no Acre


também no papel que os atores sociais tive- Por enquanto queremos apenas res-
ram na formação das unidades territoriais. saltar que a unidade produtiva a que
Tendo por base o senso comum é possí- chamamos de ‘seringal’ não se resu-
vel fazer a associação do indígena com as me somente a uma extensa área de
Terras Indígenas; do nordestino/seringuei- terras, com muitas estradas de serin-
ro, das Reservas Extrativistas ou Projetos de ga, seringueiros e patrão. O seringal
Assentamento Extrativistas aos seringais; e era um todo complexo e sua estrutura
os sírios e libaneses às sedes municipais e refletia, (...) as exigências do meio e a
assim por diante. necessidade da produção de borracha
Entretanto, a questão é mais complexa. para o mercado mundial (CALIXTO, et
Sabemos, por exemplo, que Projetos de As- al., s/d, p. 69).
sentamentos não são constituídos apenas 43
por indivíduos oriundos dos centros Sul e

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Sudeste, tampouco os seringais que agre-
gam grande parte de nordestinos, permitiu Falamos anteriormente que um dos
outros atores no processo de extração do lá- grandes impactos da instalação da unidade
tex. Da mesma forma, as cidades que podem, territorial foi o processo de dizimação indí-
de certa maneira, sintetizar o grande mosai- gena durante o período áureo da borracha
co de identidades das unidades territoriais (1887–1912) ou para a subordinação des-
do Acre6. tes ao seringal após 1912, quando a pro-
Frisamos a necessidade de observação na dução de borracha da Amazônia começou a
maneira como as unidades foram constituí- entrar em declínio devido a forte concorrên-
das, assim como a forma pela qual os atores cia com os seringais de cultivo do Ceilão e
fizeram a intervenção no processo de conso- da Malásia.
lidação dos territórios. Além disso, é preciso Grandes contingentes de homens vieram
refletir sobre as “redes” estabelecidas por para o Acre devido a fatores como a seca,
esses atores no processo de afirmação dos forte propaganda ideológica e pela estraté-
territórios construídos. gia internacional para a obtenção de mão
– de – obra barata. Estes homens tinham
O Seringal como Estratégia de Domina- pela frente o desafio de se “adaptarem” a um
ção Fundante novo tipo de paisagem natural e “humana” e
foram usados com o propósito de modificar
No Zoneamento Ecológico – Econômico a paisagem, antes ocupada apenas pelas ma-
(fase I), definimos o seringal como uma uni- locas indígenas floresta adentro.

6 Há um notável avanço com relação a este debate no Zoneamento Econômico, Ambiental, Social e Cultural
do Município de Rio Branco no sentido de que se fez necessário observar as paisagens culturais existen-
tes na capital acreana. Observar a paisagem na visão dos técnicos implica também em verificar quais os
atores que fazem parte desta paisagem, como fazem o uso do território, quais as características culturais,
valores, crenças e quais os obstáculos e perspectivas futuras para lidar com o território.
A corrida pelo “ouro branco” produziu o nativo considerado como um ser inferior
essas transformações nos povos nativos ao civilizado e portanto inculto (CASTELO
modificando as suas organizações sociais, BRANCO, s/d).
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

propiciando enfermidades nunca antes vis- De outro lado, encontramos o coloniza-


tas pelos índios, assim como a dependên- dor com a sua ambigüidade. Sob um ponto
cia econômica. Esta desarticulação se deu de vista, estava o seringalista, administrador
pela imposição física e ideológica e teve dos negócios na unidade produtora. De ou-
como conseqüência a inserção do índio tro, o seringueiro, expropriado e atrelado as
a outro tipo de sistema da qual nenhuma formas de poder e manutenção do seringal.
habilidade tinham. O fato é que a construção do seringal, em
Para Almeida (2006), isto é reflexo da for- seu início, provoca muito bem esta relação
Relações de Poder no Acre

mação da Amazônia moderna, calcada sob a de fronteira entre o patrão/ seringalista e o


égide do delírio e, muitas vezes, da insensa- brabo/ seringueiro. Esta dicotomia também
tez humana. Com isso, segundo a autora: está manifestada na forma como o seringal
era gerenciado, ou seja, se por um lado a
margem representava o espaço de poder, na
Temos (...) um processo de desterrito- qual concentrava o barracão, local onde o
rialização na Amazônia, seqüestrada, seringueiro se endividava e também de onde
como disse Souza, em seu próprio emanavam as ordens dos seringalistas. De
habitat. Correntes migratórias (...) outro, se localizava o centro, rico em hévea
produziram marcas irretocáveis de e onde habitava o seringueiro, homem afas-
culturas produzidas em outros meios tado da margem e longe do rio, via de aces-
44 geográficos. Vieram mulçumanos, pa- so para a sua chegada e a quase impossível
jés africanos, portugueses católicos, saída.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

libaneses, cearense cabra – da – peste Era estratégica esta demarcação de fron-


e mais que não sabemos, implantan- teiras. Era do barracão que o seringalista
do aqui as suas pátrias, projetando as controlava o seringueiro através de seus
suas paisagens, os seus saberes, cren- dispositivos, muitas vezes punindo-o pelo
ças, culinárias e sobretudo os seus de- descumprimento de suas ordens.
lírios. Quatro séculos depois, quando Tamanho controle só é flexibilizado (mas
as frentes extrativistas adentraram não extinto) com a crise do primeiro surto
(...) novamente nos deparamos com da borracha. Resta salientar que os serin-
relatos que constituem flagrantes do gais só foram impulsionados novamente
delírio de toda uma gente depositá- com o “aquecimento da borracha” durante
ria de motivações, (...) para fins de a 2ª Guerra Mundial, quando os japoneses
enriquecimento ou (...) sobrevivência, dominaram os seringais asiáticos.
focadas em outras paisagens, planos A situação, já bastante conhecida7, fo-
de sociabilidade, jogos de interesses” mentou novamente um forte fluxo de pes-
(ALMEIDA, 2006, p. 95). soas do nordeste brasileiro e, em especial,
do Ceará. Houve também o avivamento
do sonho que minguou após o término da
O “olhar” e desprezo que o colonizador grande Guerra.
tinha do índio é histórico e matizado de Vítimas do esquecimento, estes “soldados
preconceitos. Esta foi a consideração de da borracha” só voltaram a ser lembrados8
Castelo Branco ao apresentar a forma como por ocasião dos conflitos sociais das déca-
o colonizador tratava o indígena, ou seja das de 70 e 80 do século XX e da formação
como animal “prejudicial e maléfico”, sendo

7 Para maiores esclarecimentos favor consultar MARTINELLO, Pedro. A Batalha da Borracha.


8 Pelo menos na maioria das monografias acadêmicas.
de Reservas Extrativistas ou áreas similares porque com o afastamento do extrativista de
a esta. seu território e com o desmatamento, cada vez
mais acentuados, ocorreram os empates. Em-

Identidades, Territórios, Territorialidades e as


Reservas Extrativistas e Projetos de pate era uma manifestação pacífica pelo qual
Assentamento Extrativistas seringueiros tentavam pacificamente evitar a
derrubada, uma vez que dependiam do uso
Esta “territorialidade seringueira”, na con- dos recursos naturais para a sua sobrevivên-
cepção de Gonçalves (2003) permitiu novas cia, especialmente da seringueira.
estratégias como a criação de Reservas Extra-
tivistas, Projetos de Assentamentos Extrativis-
tas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico. Realizados durante o verão, os em-

Relações de Poder no Acre


No primeiro caso: pates são ações coletivas que visam
impedir (ou ‘empatar’) a ação de pe-
ões encarregados da derrubada. Um
A territorialidade seringalista vai grupo de cem a duzentas pessoas
dando lugar a territorialidade serin- (homens, mulheres e crianças) dirige-
gueira, é dizer, a estratégia de apro- -se pacificamente aos acampamentos
priação da natureza inventada pelo e convence os peões a abandonar os
movimento dos seringueiros nos anos motosserras. Os empates de Chico
setenta/ oitenta do século XX. Hoje Mendes, em seringais de Xapuri, que
em dia, a luta dos seringueiros segue a partir de 1986 ganharam apoio
sendo uma luta pelo direito à diferen- nacional, culminaram, em alguns ca-
ça cultural, ao direito a viver com a sos, na desapropriação e criação de 45
floresta e a desenhar-se um estilo de Reservas Extrativistas controladas

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
vida. É um movimento pela constru- por seringueiros, valendo-lhe o ódio
ção de um futuro sustentável. (...) é a dos fazendeiros. Foi o que ocorreu
atualização de identidades no mundo nas áreas pretendidas por Darli Alves
da complexidade ambiental em uma (CUT, 1989, p. 15).
bifurcação de sendas no devir históri-
co traçados pelos movimentos sociais
pela reapropriação da natureza (GON- Foram então criadas as Reservas Extrati-
ÇALVES, 2003, p. 08). vistas, considerada por muitos como a Refor-
ma Agrária dos seringueiros. Este reconheci-
mento de áreas tradicionalmente ocupadas
As tensões sociais de meados de 70 fize- por eles só foi possível através de intenso for-
ram com que trabalhadores rurais do Acre se talecimento político tais como a formação do
organizassem na defesa de seus interesses9. Conselho Nacional de Seringueiros e da alian-
Os grupos organizados instituíram o 1º ça dos povos da floresta. A criação das RESEX
Sindicato para lutar pelos seus interesses: o foi uma das formas de resistência à pressão
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasi- provocada pelo processo de pecuarização
léia, no ano de 1976. Em seguida, no ano de no Acre.
1977 foi criado o de Xapuri. Foram desses Com relação aos Projetos de Assentamento
sindicatos que saíram líderes como Wilson Pi- Extrativistas, estes tiveram como idéia inicial
nheiro e Chico Mendes. estabelecer uma espécie de assentamento di-
Parte da história do movimento ecológico ferente dos modelos convencionais da década
é proveniente da histórica luta dos seringuei- de 70. Pessoas que tinham perfil extrativista
ros no Acre, especialmente no Alto Acre, isto passaram a ocupar determinadas áreas10.

9 Para maiores esclarecimentos, favor verificar os textos “Breve Histórico de Ocupação Territorial do
Acre” (ZEE/ AC – fase I) e “Trajetórias Acreanas” (ZEE/ AC – fase II).
10 Observou-se, porém, que nem todas tinham esse perfil, modificando as relações de uso do território.
A idéia central era a de criar condições fundiária, o que provocou novas formas de
sustentáveis no intuito de que as popula- apropriação e uso do território.
ções tradicionais pudessem explorar de Os equívocos relacionados a implanta-
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

forma racional os recursos naturais existen- ção destes projetos de assentamento12 e as


tes. Isso implicava na criação de uma nova críticas direcionadas a este tipo de unidade
categoria de território11 e uma tentativa do territorial provocou uma reflexão sobre pos-
Instituto Nacional de Colonização e Refor- síveis territorialidades que vislumbrem a re-
ma Agrária atentar para as possibilidades lação entre o espaço físico e as identidades
locais do território e do seu uso de forma que permeiam a fração rural acreana.
comunal permitindo a subsistência das Para que isto fosse possível, alguns fa-
famílias residentes. tores foram levados em consideração tais
Relações de Poder no Acre

como: a) importância dos recursos florestais;


Assentamentos b) povoamento por populações tradicionais;
c) desflorestamento e impacto ambiental,
Projetos de Assentamento Extrativista associados ao despovoamento; d) alta con-
constituíram estratégias para melhorar as centração da propriedade de recursos natu-
condições de vida de populações “tradicio- rais; e) modo de vida próprio e identidade
nais”. Devido a diversidade cultural foram cultural; f) concentração de agricultores fa-
propostos em 2004 outras modalidades, miliares, especialmente no entorno de áreas
levando em consideração as características de incidência de projetos de assentamento
sócio – culturais dos grupos residentes ou ou unidades de conservação; g) ameaça de
com afinidade ao território. danos em recursos ambientais, rios, lagos,
46 Para Rego et al. (2004), os assentamen- matas ciliares, vertentes, dentre outros e h)
tos de Reforma Agrária que foram fruto da separação da terra e dos recursos ambien-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

política desenvolvimentista da década de tais ou posse precária de agricultores fami-


1970 foram implementados espacialmente liares, ribeirinhos e seringueiros.
de forma dispersa no estado do Acre. Ain- Neste sentido foram instituídas novas
da assim, não foi levado em consideração as tipologias de assentamentos com vista a Re-
diferentes identidades que compuseram os forma Agrária, levando em consideração as
assentamentos e houveram vários tipos de
interferência que provocaram a desarticula-
ção do processo, dentre os quais destacam- A estratégia é delimitar espaços que
-se a das grandes fazendas, seja no aspec- já apresentem tendência de territo-
to produtivo ou mesmo na reconcentração rialidade das comunidades de pro-
dutores familiares, seringueiros ou
ribeirinhos e praticar políticas de
assentamento, reordenamento agrá-
A situação mais próxima de área refor- rio e desenvolvimento territorial que
mada seria o território compreendido favoreçam a conformação da nova
pelos municípios de Plácido de Cas- territorialidade. A territorialidade
tro, Acrelândia e Senador Guiomard. construída pelos (...) agricultores fa-
No entanto, a pressão das fazendas e a miliares implica a influência forte
reconcentração fundiária impediram a desses grupos sociais e, portanto, a
formação de um verdadeiro território eficácia social de suas ações que fa-
de agricultura familiar (REGO, et al). culte às comunidades manter a inte-

11 Portaria INCRA/ P/ Nº 268 DE 23/10/1996 que instituiu os Projetos de Assentamentos Agro – Ex-
trativistas.
12 Especialmente os Projetos de Colonização (PC) e os tradicionais Projetos de Assentamentos (PA).
apenas ao Acre, foram além de suas frontei-
gridade de seu modo de vida próprio, ras. Neste caminho, Michael Taussig (1993)
sua identidade, seu ambiente natural apontou que esta prática era recorrente em

Identidades, Territórios, Territorialidades e as


e fortalecer os laços de sociabilidade outros lugares da Amazônia e, muitas vezes,
(REGO, et al., 2004, p. 18). apenas o nome sofria variações. As corre-
rias associavam o indígena amazônico a um
sistema de escambo da pior espécie, relacio-
territorialidades e a diversidade sócio – cul-
tural existente. Portanto:
Ainda assim, vale reforçar que para a Alguns pequenos grupos ainda con-
manutenção dos assentamentos já criados, seguiram se refugiar nas cabeceiras

Relações de Poder no Acre


faz-se necessário um novo modelo de gestão mais isoladas, mas a grande maioria
que contemple as relações culturais com a dos índios do Acre foram obrigados a
finalidade de promoção do desenvolvimento se modificarem para não desaparecer.
sustentável. Passaram a adotar então o modelo de
casa cabocla que o branco utilizava,
Terras Indígenas começaram a depender das ferramen-
tas dos brancos, foram perdendo as
Com a crise da borracha, ocorrida a par- suas línguas maternas e aprendendo
tir de 1912, houve uma interrupção do in- o português e o espanhol. Começava
centivo pela busca da mão-de-obra nordes- assim uma história dos povos nativos
tina. Neste caso, intensificou-se o trabalho do Acre que se estendeu por um longo
indígena, uma vez que passaram a fazer período, entre 1910 e 1980 (NEVES, 47
transportes de borracha, levar as “pélas” 2002, p. 14).

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
para as cidades, abrir estradas de seringa,
roçados e dentre tantas outras atividades
ainda foram fortemente discriminados, sen- nando – o sempre a conquista13.
do chamados de caboclos. Desarticulados, Entretanto, houveram alguns focos de re-
acabaram sendo ludibriados pelos seringa- sistência pelos indígenas. Neste sentido:
listas que tiravam proveitos destes através Lembramos que as frentes de expansão
da renda da borracha. Entretanto, o princi- se convertiam em duas. A primeira, cauchei-
pal impacto estava na proibição de práticas ra, não gerou nenhum movimento social e
cerimoniais e ritualísticas, além da desarti- era avassaladora no processo de desarti-
culação da organização social (AQUINO & culação e destruição indígena. Todavia, em
IGLESIAS, 1994). oposição ao “nomadismo” da frente cauchei-
Esta concepção também é aceita por ra estava o “sedentarismo” dos seringais.
Neves (2002) que expôs que nem o fim Esta atividade mudou o cenário do processo
do primeiro surto da borracha diminuiu a de ocupação indígena na região. Ela se tor-
pressão a esses grupos que já estavam en- na a conquista da ocupação, metáfora que
fraquecidos e desarticulados politicamente. serve para destacar as mudanças culturais
Os seringais, espalhados ao longo dos rios desenfreadas promovidas pelo contato e
tornaram-se unidades de dominação sobre
as aldeias que contaram com algumas estra-
tégias, dentre elas as correrias. Ao serem incorporados nos seringais,
Correrias eram espécies de expedições as populações indígenas foram obri-
com o intuito de escravizar ou mesmo dizi- gadas a abandonar seus tradicionais
mar os indígenas do território acreano. No padrões de moradia e de organização
entanto, essas práticas não se restringiram
13 As palavras “reducir” e “rescatar” tinham o mesmo sentido da palavra inglesa conquista (TAUSSIG,
1993, p. 46).
política. Deixaram as aldeias e cupi- Acre, mais de 36 grupos desaparece-
chauas, que abrigavam grupos fami- ram (CALIXTO, et al.).
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

liares extensos ligados por relações


de consaguinidade, alianças matrimo-
niais e laços econômicos e políticos. do um tipo de política paternalista aos terri-
A partir de sua inserção na matriz tórios indígenas. Calixto et all lembram que:
espacial e produtiva da empresa se- O SPI contribuiu para o processo de
ringalista, os grupos familiares indí- desarticulação cultural dos indígenas bra-
genas passaram a ocupar colocações, sileiros. Isso fica evidente durante o pós –
onde desempenhavam um conjunto guerra quando a instituição passa a auto-
Relações de Poder no Acre

de atividades produtivas para a sub- rizar a exploração em algumas áreas com


sistência e comercialização (AQUINO fins lucrativos.
& IGLESIAS, 1999, p. 02). Este órgão foi extinto em 1967, sendo
criada a Fundação Nacional do Índio. A FU-
NAI implementou a estratégia dos Governos
pela redefinição do território. Para Aquino militares de integração nacional pela qual a
e Iglesias (1999): maneira ideal de integrar o índio a socieda-
Nova procura pela mão-de-obra indígena de seria através da produção de suas áreas.
só se deu após a Segunda Guerra Mundial. Isto faria com que os mesmos não se tornas-
O período de espoliação dura até meados sem obstáculo ao novo processo de ocupa-
de 1970, quando os índios passaram a ser ção da Amazônia.
48 aproveitados em uma outra atividade eco- Em 1980, ocorreu um processo de des-
nômica: a pecuária. centralização da FUNAI e uma tentativa de
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

A instituição de órgãos voltados para li- restaurar a imagem desgastada durante


dar com a questão indígena constituiu outro o período da ditadura militar. Neste cami-
fator de fragilidade das organizações sociais nho, buscou-se: a) articulação com os go-
dos povos indígenas. vernos estaduais e b) permissão de ação
Este foi o caso da criação do Serviço de de outras esferas governamentais em
Proteção ao Índio, criado em 1910 que teve Terras Indígenas.
como finalidade imediata a intenção de inte-
grar o índio a sociedade nacional, fomentan-

O abandono da política governamen-


Durante a vigência do SPI, apesar do tal de preços e de mercado para a
protecionismo oficial, a população in- borracha incentivou, principalmente
dígena cai de 1 milhão, em 1900, para na primeira metade da década de 90,
menos de 200 mil, em 1957. Durante comerciantes, regatões, proprietários
este período, cerca de 80 grupos que e moradores a empreender atividades
entraram em contato com a sociedade ilegais de retirada de madeira, com fins
nacional brasileira foram desacultura- comerciais, do que resultou a invasão
dos ou destruídos por doenças e/ ou de várias Terras Indígenas e dos serin-
contaminação. Nas áreas de expansão gais de seus entorno. Em menor esca-
agrícola, seis tribos desapareceram; la, estas invasões continuam hoje em
nas áreas de atividades extrativistas várias Terras Indígenas (ZEE, 2000).
(borracha, coleta de castanha, pros-
pecção de diamantes e minérios), 59
tribos foram exterminadas. Na Ama- As últimas crises da borracha trouxeram
zônia Ocidental, principalmente no como conseqüências as invasões de Terras
Indígenas, falta de subsídio a principal ativi-
dade extrativista e conflitos sócio – ambien- dos índios que estão em território acreano,
tais. Neste caminho: tornando-se uma espécie de “compensação”
Assim como as unidades territoriais onde histórica dos problemas que as diversas et-

Identidades, Territórios, Territorialidades e as


nias enfrentaram desde o século XIX.
Este processo de “compensação” também
Terras tradicionalmente ocupadas, ex- não foi nada fácil pelos conflitos de inte-
pressam uma diversidade de formas de resses entre grupos existentes, assim como
existência coletiva de diferentes povos pela decisão política do Governo Federal,
e grupos sociais em suas relações com além da morosidade jurídica para a criação
os recursos da natureza. Não obstante de TI’s no estado do Acre.
suas diferentes formações históricas Esta forma de permitir a permanência

Relações de Poder no Acre


e suas variações regionais, elas foram das identidades indígenas através de seus
instituídas no texto constitucional territórios implicou também em outro de-
de 1988 e reafirmadas nos dispositi- bate sobre as sociedades emergentes no
vos infraconstitucionais, quais sejam, Acre14. Este foi o caso, por exemplo, dos
constituições estaduais, legislações Nawa instalados no Parque Nacional da
municipais e convênios internacionais Serra do Divisor que reivindicam o terri-
(ALMEIDA, 2006, p. 21-22). tório utilizando como argumento central a
identidade étnica.
Esta reivindicação por parte dos Nawa
vivem seringueiros, as Terras Indígenas for- data de 1999, momento em que assumi-
mam o que (ALMEIDA, 2006) considerou ram definitivamente a sua identidade,
como “terras tradicionalmente ocupadas”. gerando uma incompatibilidade com o 49
Isto implica afirmar que: Instituto de Meio Ambiente e Recursos

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Este é o caso também de outras catego- Naturais (IBAMA), uma vez que as famílias
rias espalhadas Brasil a fora como as terras residem no norte do Parque Nacional da
de quilombo, “babaçuais livres”, “castanhais Serra do Divisor.
do povo”, dentre tantas outras que poderiam
aqui ser mencionadas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identificar, reconhecer ou regulamentar
Terra Indígena no Acre implica na incorpo- Este texto refletiu apenas alguns exem-
ração definitiva de populações étnicas ditas plos de territórios e territorialidades exis-
“tradicionais” no estado – nação. Este pro- tentes no Acre. Evidentemente o debate é
cesso de incorporação é tipicamente territo- ainda maior se levarmos em consideração
rial (OLIVEIRA, 1999). as demais categorias existentes.
As 34 Terras Indígenas existentes no Neste sentido, exemplificamos o caso
Acre possibilitou algumas estratégias de in- das cidades acreanas que foram alvo de es-
tervenção interessantes: a) o “fechamento” tudo no Zoneamento Ecológico – Econômi-
do corredor ecológico do oeste da Amazônia co em sua segunda fase. Ainda assim resta
(juntamente com a Estação Ecológica do Rio orientar que o aprofundamento deste estu-
Acre, Reserva Extrativista Chico Mendes, do seja feito em escalas mais amplas pelos
Parque Estadual do Chandless e Parque Na- Zoneamentos municipais ou Ordenamentos
cional da Serra do Divisor), b) continuidade do Território.
de sobrevivência de povos indígenas e c) re- A ampliação desta discussão sobre os
vitalização de alguns destes como foi o caso territórios deve ser incorporada aos ins-
dos Nawa e Contanawa na região do Juruá. trumentos de planejamento dos municí-
A formação das Terras Indígenas consti- pios. Esta recomendação leva em conta a
tui uma legitimação central para a identidade possibilidade de planejamento mais eficaz

14 Para Oliveira (1999), este fenômeno étnico levou a revitalização de várias identidades emergentes,
não somente o caso de índios mas também de quilombos e outras unidades territoriais.
nas unidades territoriais e também respeito existentes em um território pode variar
pelas diversidades culturais nela existentes. mediante a posição de outro (s). Logo, é
Novamente, a definição de território não fundamental que os discursos sejam leva-
Identidades, Territórios, Territorialidades e as

deve estar vinculada somente ao espaço físico, dos em consideração no momento de pla-
mas também a forma como este espaço é cons- nejamento e implementação de ações de
truído e experienciado pelos seus moradores. Políticas Públicas.
Portanto, as intervenções devem levar Finalmente, cabe ressaltar a necessi-
em consideração não apenas os aspectos dade de análise de outros territórios de
físicos e bióticos, mas também as relações caráter mais regional e com forte conota-
simbólicas que se estabelecem em cada um ção política, destacando-se os Consórcios
desses territórios. de Território, as Zonas de Atendimento
Relações de Poder no Acre

Ainda assim é conveniente destacar Prioritário- ZAP e as Zonas Especiais de


que a visão de cada um dos grupos sociais Desenvolvimento – ZED.

50
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4
Livro Temático | Volume 4
Cultural Político:
Memórias, Identidades
e Territorialidades

3
Capítulo
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre
Patrimônio Histórico e
Paisagístico do
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

Estado do Acre

b Texto: Fernando Figali Moreira Júnior1


Estado do Acre

66
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1. INTRODUÇÃO

O
Zoneamento Ecológico-Econômico te, o Departamento do Patrimônio Histórico e
do Estado do Acre – ZEE, amplia Cultural do Estado do Acre - FEM.
sua esfera de análise na questão
da gestão territorial e aplicação de a Art. 1º - Constitui e integra o Patrimônio
recursos naturais nesta segunda fase, no que Histórico e Cultural do Estado do Acre
diz respeito à utilização e conseqüente pro- todo o conjunto de bens móveis e imó-
teção do patrimônio histórico e cultural do veis, materiais e imateriais existentes no
Acre. âmbito de seu território, cujo conteúdo
Qual seria o patrimônio histórico/cultural e significado se encontram vinculados à
e natural do Acre? Quais seriam os bens reco- formação da consciência histórica, social
nhecidos como patrimônio do povo acreano, e cultural da população acreana.
na sua multiplicidade. Seja pela sua relação
com a história de ocupação mais remota, a Art. 2º - Fazem parte do Patrimônio His-
através dos sítios arqueológicos (por exem- tórico e Cultural do Acre os bens tidos e
plo), seja pela sua história política, pelos caracterizados como históricos, arque-
conflitos nos seringais, ou por tantos outros ológicos, paleontológicos, etnográficos,
recortes que, de alguma forma, nos ajudam a lingüísticos, videográficos e audiofônicos
compreender a diversidade cultural do Acre? que foram e são relevantes para o desen-
A Lei nº. 1.2942 especificou o interesse volvimento sociocultural e para a conti-
público a ser protegido pelo órgão competen- nuidade da identidade regional acreana.

1 Historiador | IPHAN
2 ACRE. Lei n.º.294 de 08 de setembro de 1999. “Institui o Conselho e cria o Fundo de Pesquisa e
Preservação do Patrimônio Histórico Cultural do Estado do Acre e dá outras providências”. Diário
Oficial [do] Estado do Acre, Rio Branco, AC, 10 set. 1999. N. 7.609, p. 01-05.
O trecho acima define como patrimônio cia presente, intrínseca para aqueles que se
do Estado uma série de bens, hábitos, usos apropriam dele.
e costumes, crenças e formas de vida coti- As conclusões deste trabalho, organiza-
diana, além de edificações, monumentos e das na forma de indicativos, seguem as di-
obras de arte de todos os segmentos que retrizes que norteiam o documento do ZEE,
compuseram e compõem a sociedade, como buscando a promoção sustentável do patri-

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


também bens naturais, ou paisagísticos de mônio histórico/cultural e paisagístico/na-
aspecto excepcional, como um lago ou mes- tural do Estado do Acre, respeitando suas li-
mo uma “boca” de rio. mitações, suas restrições e sua integridade.
Ainda que obtidas de forma secundária,
as informações que subsidiam a presente 2. O ESTADO DO ACRE E SEU
análise refletem uma amostragem do patri- PATRIMÔNIO
mônio já identificado, ou seja, aquele que
abriga um museu, uma sala-memória, um
teatro, ou mesmo representa uma referên- Os rios estavam ali e traziam de tudo.

Estado do Acre
cia para a comunidade do entorno e por este Do homem à mercadoria, ao alimento,
motivo foi objeto de políticas de salvaguar- às esperanças, às notícias de um mun-
da e promoção. do longe que reclamava muita bor-
Através deste relatório preliminar ten- racha. Esses rios, absolutos, levavam
taremos localizar, caracterizar e qualificar, borracha colhida nos barrancos. Bor-
parte deste patrimônio histórico e paisagís- racha esperada em Manaus e Belém
tico3 do Acre. Obviamente não se pretende, que entulhava os porões dos gaiolas.
aqui, concluir o inventário deste patrimô- (LEANDRO TOCANTINS – Formação 67
nio, por tratar-se de uma multiplicidade Histórica do Acre).

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
de referências onde, quase sempre, o valor
regional se sobrepõe a qualquer outro, não
devendo, desta forma, ser identificada sem Na década de 70 o Estado do Acre soli-
a participação das comunidades e/ou muni- citou ao Serviço do Patrimônio Histórico e
cípios que formam o Estado do Acre. Artístico Nacional (atual IPHAN), o tomba-
Junto aos acervos do Departamento do mento de duas referências históricas para
Patrimônio Histórico e Cultural da Fundação os acreanos: a vila de Porto Acre, palco de
de Cultura e Comunicação Elias Mansour inúmeras batalhas durante a chamada Re-
(FEM) – bem como de outras secretarias volução Acreana, e a Casa Branca, suposta
de Estado –, e do Laboratório de Pesquisas intendência boliviana em Xapuri tomada
Paleontológicas da UFAC4 , foram coletadas por Plácido de Castro em 06 de agosto de
informações que possibilitaram não só ma- 1903.
pear o trabalho realizado até então, mas, A solicitação foi rejeitada, pois aqueles
principalmente, dialogar com este trabalho bens não seguiam o padrão adotado até en-
no sentido da promoção deste patrimônio. tão. Até aquele momento os bens tombados
O registro deste patrimônio, seja ele como patrimônio histórico nacional, traça-
de natureza material ou imaterial, contri- vam um perfil do Brasil barroco, rico, cató-
bui para a sua apropriação pela sociedade. lico, europeu (patrimônio em pedra e cal),
Quando a comunidade utiliza-se do bem, com fraca presença índia ou negra ou dos
ele deixa de ser uma referência apenas do demais povos que contribuíram e ainda con-
passado, tornando-se também uma referên- tribuem para a formação da cultura nacional.

3 Patrimônio Paisagístico estará se referindo, ao longo de todo o texto, aos sítios e paisagens que
importe conservar e proteger pela feição notável com que tenha sido dotados pela natureza ou agen-
ciados pela indústria humana.
4 UFAC: Universidade Federal do Acre.
Como resultado o sítio histórico de Porto salão de jogos, sala de conferências e pis-
Acre foi completamente descaracterizado. cina natural. Toda essa infraestrutura foi
Embora ainda guarde vestígios que reme- pensada para agregar valor e garantir a
tem aos conflitos entre Brasil e Bolívia pela preservação do sítio, como também quali-
posse do território, como o Sítio Histórico ficar as informações ao longo das trilhas
e Ambiental do Seringal Bom Destino5 e o que levam aos vestígios do antigo seringal.
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

acervo da Sala Memória de Porto Acre, qua- Um aspecto importante na história do


se todos os vestígios dos combates ocor- Bom Destino, diz respeito à sua localiza-
ridos em Porto Acre durante a Revolução ção. Distante apenas um dia de caminhada
Acreana, foram destruídos. do seringal Caquetá (fronteira com o Esta-
A Casa Branca teve melhor sorte. Por se do do Amazonas), por um varadouro que
tratar de um bem isolado, ainda que não ligava os dois seringais, o seringal Bom
tenha sido a famosa intendência bolivia- Destino tornou-se a base de abastecimento
na – há controvérsias a esse respeito6 –, foi das tropas brasileiras ao longo do rio Acre.
preservada por ser reconhecida como um Consolidada a anexação dessas terras
Estado do Acre

patrimônio histórico e arquitetônico pela ao Brasil, através da assinatura do Tra-


sociedade xapuriense. tado de Petrópolis8 , o Governo Federal
Atualmente o conceito de patrimônio tratou de organizar a administração do
histórico tornou-se mais flexível, e também novo território dividindo o Acre em De-
mais justo. A antiga sede do seringal Bom partamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto
Destino é um bom exemplo: construída em Juruá. Cada um destes Departamentos
madeira, à margem direita do rio Acre, foi dividido em Comarcas. No Vale do Acre,
68 inscrita no Livro do Tombo Histórico como Bom Destino foi transformado em uma das
patrimônio do Acre, em novembro de 2005, quatro comarcas.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

pelo Conselho do Patrimônio Histórico do Durante a Segunda Guerra Mundial o


Estado. O tombamento foi apenas uma das seringal Bom Destino volta a ser referên-
ações do Governo do Estado na preservação cia de prosperidade, quando os seringais
da memória do antigo seringal, como vere- de cultivo na Malásia são invadidos pelos
mos a seguir. japoneses. Para conseguir a tão preciosa
mercadoria para os esforços de guerra, os
3. BOM DESTINO: O SERINGAL americanos financiam, junto com o gover-
QUE VIROU PATRIMÔNIO no brasileiro, a retomada da exploração da
HISTÓRICO7 borracha nos seringais da Amazônia.
Esta segunda grande fase do seringal
Principal foco de vestígios da chamada não durou muito. Logo após o final da Se-
Revolução Acreana, o seringal Bom Destino gunda Guerra Mundial, os acordos entre
foi transformado num grande museu, com o governo brasileiro e os americanos ces-
infraestrutura turística para receber visitan- saram. Ainda que o governo brasileiro ga-
tes locais como de outros lugares do Brasil rantisse o preço durante algum tempo, não
e do Mundo. O sítio conta com uma pousada tardaria para que a economia extrativa do
bem estruturada, com chalés, restaurante, látex não mais se sustentar.

5 Recentemente revitalizado pelo Governo do Estado do Acre em parceria com o IPHAN, e a Sala Me-
mória, que guarda um acervo repleto de objetos centenários. Em Novembro de 2005 o seringal foi
tombado como patrimônio histórico do Acre.
6 Segundo Marcos Vinícius Neves (chefe do Departamento do Patrimônio Histórico do Estado entre
1999 e 2004), a intendência deveria estar situada abaixo da confluência entre os rios Xapuri e Acre,
a Casa Branca teria sido construída na década de 20, para abrigar um hotel. Esta informação teria
sido obtida a partir de entrevistas com antigos moradores daquela cidade.
7 A principal fonte de pesquisa para a construção dos itens 1 e 1.1, foi o processo de tombamento
realizado pelo Departamento do Patrimônio Histórico do Estado do Acre;
8 Tratado de Petrópolis: 17 de novembro de 1903.
Transformada em fazenda na década de No início dos trabalhos, a vegetação
70, a antiga sede do seringal – voltada para cerrada escondia inúmeros vestígios e di-
o rio – foi abandonada em detrimento de ficultava o acesso, mesmo àqueles que po-
uma outra, agora de frente para a estrada diam ser percebidos, ainda que à distância,
de asfalto, a BR-364. O rio já não era o prin- pelos visitantes. De todas as edificações do
cipal meio de comunicação entre aquelas antigo seringal apenas o pequeno chalé,

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


terras e o mundo. A antiga sede começa a residência do gerente resistiu ao abando-
entrar num longo período de esquecimento no e a ação do tempo. Continuava de pé,
e decadência. mas necessitando de reparos urgentes.
Ao final desta primeira etapa, o Chalé
3. 1. A Revitalização do Seringal de Joaquin Victor, agora transformado em
sala-memória, parecia erguer-se do pas-
Em 1991, uma equipe da então Coorde- sado. Recuperado, nele foi montada uma
nadoria do Patrimônio Histórico do Acre exposição permanente que conta recortes
esteve na antiga sede de Bom Destino e de sua história, inclusive, o seu declínio e

Estado do Acre
constatou o seu abandono. Começava, ain- completo abandono.
da que de forma tímida, o mapeamento dos Através de outros projetos, junto ao
vestígios que compunham a antiga sede do BNDS e com recursos próprios, outros
seringal.9 vestígios foram recuperados pelo governo
Em agosto de 1997 o jornal A Gazeta pu- do Estado. Pontes, chalés, trincheira, den-
blicou uma extensa matéria sobre o serin- tre outros vestígios, foram recuperados
gal Bom Destino. Falava da sua importância e agora fazem parte do Sítio histórico e
para a compreensão da história acreana. Ambiental de Bom Destino, tombado como 69
O seringal que havia sido escolhido como patrimônio histórico no fim de 2005. A

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
quartel-general dos brasileiros, durante a pesquisa feita sobre o seringal e sobre al-
Revolução Acreana, enfim, tombara. O des- guns personagens que transitaram naque-
caso do poder público e do proprietário da le espaço, teve a participação de antigos
atual fazenda Bom destino, havia posto abai- moradores do seringal e do entorno.
xo todos os vestígios de uma história ainda A experiência desenvolvida no seringal
a ser contada. Bom Destino abriu precedentes para ou-
A denúncia causou forte impacto na opi- tras ações na área de patrimônio histórico
nião pública. O Ministério Público Estadual e cultural. O Palácio Rio Branco, o Museu
exigiu uma posição do governo do Estado. da Borracha, ambos localizados no municí-
Somente em 1999, o Departamento do Pa- pio de Rio Branco, a própria Sala Memória
trimônio Histórico e Cultural – FEM come- de Porto Acre, o Teatro Municipal de Ta-
ça a mapear todo o conjunto de vestígios rauacá (AC), o Colégio Santa Juliana, onde
e ruínas presentes, não só na área da sede ali também fundaram um museu, o pri-
do Seringal Bom Destino, como também em meiro de Sena Madureira (AC) e o Museu
outros seringais e colocações do entorno: Cidade do Xapuri, passaram a constituir
Telheiro, São Jerônimo e Caquetá (percurso um conjunto de edificações que remetem
feito pelo antigo varadouro que ligava esses à memória acreana.
seringais durante a Revolução). Concomi- Embora haja um ambiente favorável à
tantes a este inventário foram iniciadas as preservação destes, e de outros patrimô-
obras de revitalização do antigo chalé de nios culturais, é recomendável o tomba-
Joaquim Victor, financiada com recursos mento, seja estadual, municipal ou fede-
oriundos do Instituto do Patrimônio Histó- ral, como forma eficaz na preservação e na
rico e Artístico Nacional (IPHAN). promoção do patrimônio local.

9 O registro fotográfico feito à época, se constituiu numa das principais fontes que permitiram a re-
constituição do Chalé de Joaquin Victor.
3. 2. Patrimônio Nacional tiva Tentamen, o Cine Teatro Recreio, entre
outros, mas foram atos administrativos dis-
A casa de Chico Mendes, no município de persos, o que tornou muito difícil o levanta-
Xapuri, é um bom exemplo de patrimônio a mento preciso destes bens.
ser preservado pela sociedade. Não somente Embora se tratando do patrimônio
pela história da qual ela foi palco - a mor- histórico e cultural do Estado do Acre,
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

te do líder seringueiro Chico Mendes - mas, vale ressaltar que, uma das principais
sobretudo, porque nela a sociedade acreana ferramentas para a promoção da prote-
viu refletida toda a sua história. ção do patrimônio histórico é, sem dúvi-
Transformada em museu logo após a da, o Decreto-Lei nº. 25/37, que demons-
morte de Chico, a Casa é administrada pela tra, ainda em 1937, a preocupação pela
Fundação Chico Mendes, com o apoio do preservação dos testemunhos da nossa
Governo do Estado do Acre, que já realizou história e que especificou o interesse pú-
alguns restauros em sua estrutura, para que blico a ser protegido pelos órgãos com-
fosse mantida a integridade física da casa. petentes (IPHAN, governos estaduais,
Estado do Acre

Hoje é um dos patrimônios mais visita- municipais, etc.). Interessante a redação


dos no Estado do Acre, recebendo turistas dada ao art. 1°do Decreto-Lei nº. 25/37,
de diversas partes do Brasil e do Mundo. É uma vez que é o conjunto dos bens mó-
como se fosse um símbolo da luta dos se- veis e imóveis que constitui o “patrimô-
ringueiros contra a expansão da pecuária e nio histórico e artístico nacional”. Isto
a iminente expulsão de suas colocações10. significa que cada bem faz parte dessa
No entanto, não há naquela edificação o universalidade, partes estas identificá-
70 diferente, o excepcional. É uma casa como veis pelo interesse público que sua con-
tantas outras encontradas no Acre, refletin- servação pode trazer.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

do um modo específico de morar. O que a


diferencia de outros bens históricos é que a Art. 1°- Constitui o patrimônio histó-
nela Chico Mendes morou os últimos anos rico e artístico nacional o conjunto de
de sua vida e nela, foi morto covardemente bens móveis e imóveis existentes no
por seus inimigos. país e cuja conservação seja de interes-
A partir deste fato - a morte de uma das se público, quer por sua vinculação a
maiores lideranças do Acre - aquela casinha fatos memoráveis da história do Brasil,
de arquitetura simples passou a ser referên- quer por seu excepcional valor arque-
cia de lutas, lembranças e trajetórias dos ológico ou etnográfico, bibliográfico
seringueiros acreanos. Patrimônio histórico, ou artístico.
arquitetônico, museológico, a casa de Chico a § 2°- Equiparam-se aos bens a que
Mendes transformou-se num dos espaços se refere o presente artigo e são
mais conhecidos no Estado e mesmo não também sujeitos ao tombamento os
sendo tombada como patrimônio do Estado, monumentos naturais, bem como os
a casa foi transformada em sala memória, sítios e paisagens que importe con-
logo após a morte de seu ilustre morador, servar ou proteger pela feição no-
sendo preservada pela Fundação que leva tável com que tenham sido dotadas
o nome do líder seringueiro e pelo Gover- pela natureza ou agenciados pela
no do Estado do Acre, ou seja, reconhecida indústria humana.
enquanto tal.
Há ainda a ressaltar que outros bens fo- Nos últimos anos o Governo do Estado
ram tombados em nível municipal ou esta- tombou como patrimônio histórico e cultu-
dual, como a Gameleira, a Sociedade Recrea- ral os seguintes bens:

10 Colocações: Região do seringal onde o seringueiro morava; correspondia a uma pequena casa e
algumas estradas de seringa trabalhadas pelo seringueiro.
Quadro 1. Bens tombados por Decreto pelo Governo do Estado.
Patrimônio Decreto n° Data Município
Palácio Rio Branco e entorno 608 11/05/1999 Rio Branco

Palácio da Justiça 6.289 10/10/2002 Rio Branco

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


Antiga sede da Prefeitura 10.511 27/07/2004 Cruzeiro do Sul

Antiga sede da Prefeitura 10.512 27/07/2004 Xapuri

Colégio Santa Juliana 10.516 27/07/2004 Sena Madureira

Fonte: DPHC - FEM 2005).

Além dos bens já tombados por Decreto, Bom Destino, transformado num grande

Estado do Acre
a Fundação de Cultura e Comunicação do museu, o Teatro Municipal de Tarauacá, o
Estado do Acre, através do Departamento Palácio Rio Branco, a Rua do Comércio de
de Patrimônio Histórico, abriu diversos pro- Xapuri, entre outros, foram revitalizados
cessos de tombamento junto ao Conselho do pela ação do Estado.
Patrimônio. Estes processos encontram-se Os sítios históricos do Primeiro e do Se-
em fase de instrução11: gundo Distrito da capital do Estado, estão
sendo, aos poucos, recuperados. Na Rua
1. Sítio Histórico do Primeiro Distrito de Eduardo Assmar, antigo centro comercial 71
Rio Branco – Processo nº. 003/2000 de Rio Branco, os estabelecimentos comer-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
(Portaria 003 – 04 de julho de 2000); ciais tiveram suas fachadas recuperadas,
2. Sítio Histórico do Segundo Distrito de Rio a encosta do rio foi contida13 , o prédio da
Branco – Processo nº. 004/2000 (Porta- antiga Sociedade Recreativa Tentamen foi
ria 004 – 04 de julho de 2000); recuperado e o local, hoje, é um dos prin-
3. O Casarão (Rio Branco) – Processo nº. cipais pontos de encontro e realização de
005/2000; festas populares, tais como carnaval, festas
4. Sítio Histórico da Rua do Comércio de juninas e bailes14.
Xapuri – Processo nº. 006/2001 (Porta- Percebemos, desta forma, que uma das
ria 005 – 19 de novembro de 2001); principais questões é a promoção de di-
5. Teatro Municipal de Tarauacá – Processo ferentes alternativas de desenvolvimento
nº. 002/200112 (Portaria 006 – 19 de dentro do espaço regional, com o objetivo
novembro de 2001); final da valorização humana e social, com-
6. Palácio da Justiça - Rio Branco (Portaria preendendo a diversidade como um dos
008/2002). principais elementos para a compreensão
da cultura acreana.
Todos estes bens tombados, ou em pro- Estamos presenciando no Acre uma pre-
cesso de tombamento, já sofreram alguma ocupação em identificar nossa pluralidade
intervenção do Estado. Além do seringal cultural e social, e os inventários realizados

11 O Seringal Bom Destino e o Palácio Rio Branco tiveram seus respectivos processos concluídos e com
parecer favorável para tombamento pelo Conselho do Patrimônio Histórico, ainda no final de 2005;
12 Houve um erro na publicação da Portaria, o número do processo era para ser 007/2001.
13 O desbarrancamento ameaçava derrubar todos os imóveis desta rua.
14 Embora tenhamos citado as obras de arte, as celebrações religiosas, os modos de fazer, os ofícios,
entre outros patrimônios culturais, não vamos detalhar estes recortes por falta de inventários que
abrangessem esses temas. Embora já se tenha desenvolvido diversas ações no âmbito dos bens de
natureza imaterial (registros que resultaram diversas exposições e algumas publicações), sugerimos
que estes aspectos sejam aprofundados em uma fase posterior do Zoneamento Ecológico Econômico.
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre

Figura 1. Obras de recuperação do antigo chalet de Joaquim Victor, no Seringal Bom Destino, em
junho de 2002. Fonte: Fernando Figali – Acervo DPHC.

72 pelas instituições do Estado tornam-se ins- uma mostra das ações estaduais e muni-
trumentos para o conhecimento da diversi- cipais acerca do patrimônio. Desta forma,
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

dade cultural acreana, onde sejam identifica- poderemos perceber as comunidades que
dos, reconhecidos e valorizados os aspectos ainda não foram contempladas por ações de
da produção cultural das comunidades lo- inventários e fomento da cultura local. A Fi-
cais, baseados nas suas próprias referências. gura 2 mostra a distribuição, por regionais,
do patrimônio do Estado do Acre.
4. A OCORRÊNCIA DO
PATRIMÔNIO NO ESTADO 4. 1. O Patrimônio
DO ACRE Histórico do Acre

Em dois meses de trabalho reuniu-se um O conceito de patrimônio histórico evoca


número reduzido de informação acerca do a imagem de um conjunto de monumentos
patrimônio histórico e natural do Estado do antigos que devemos preservar, seja porque
Acre. O resultado deste inventário, realiza- constituem obras excepcionais, seja por te-
do para subsidiar o ZEE/AC Fase II foram a rem sido palco de eventos marcantes para
identificação de 106 sítios arqueológicos, a história nacional. No entanto, este con-
06 sítios paleontológicos, 30 sítios paisagís- ceito não atende à diversidade, às tensões,
ticos, 45 sítios ou bens históricos e 27 refe- aos conflitos que formam a cultura de uma
rências culturais, que foram agrupados por sociedade. A dinâmica social há muito já en-
regionais, por não termos um inventário que goliu essa idéia.
abrangesse todos os municípios. O patrimônio vai para além de elemen-
É importante ressaltar que os números tos arquitetônicos, antigos, mas se entrela-
aqui apresentados não refletem a totalida- ça em outras referências materiais ou não.
de, nem foi esta a nossa intenção. Buscamos Segundo FONSECA15 (2004), “os critérios
reunir dados secundários que nos dessem adotados para o tombamento terminam

15 FONSECA.: Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de Patrimônio cultural (Memória e
Patrimônio – Ensaios Contemporâneos).
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre
Figura 2. Distribuição, quantitativo e comparativo dos patrimônios identificados no Estado por
regionais. Fonte: ZEE/AC, 2005. 73

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
por privilegiar bens que referem os grupos seu tempo, as quais vivem num constante
sociais de tradição européia, que, no Brasil, diálogo com a contemporaneidade.
são aqueles identificados com as classes do- A Casa de Chico Mendes, por exemplo,
minantes”. No entanto, hoje há um contexto representa justamente a diversidade, as
favorável a uma ampliação do conceito de tensões, os conflitos que caracterizam as
patrimônio cultural e a maior abrangên- referências históricas do Acre, sobretudo
cia de políticas públicas de preservação, o as atuais, mas também as do passado. É um
que acaba por incluir aspectos da cultura patrimônio material vivo, e que não se en-
que há alguns anos não eram partícipes do cerra em si mesmo. Transformada em sala
patrimônio brasileiro. memória, ela nos permite o diálogo com a
É claro que os antigos sítios ou monu- diversidade, com a noção de tempo, espaço,
mentos históricos representam parte da lugar, território, enfim, uma infinidade de
memória de um lugar. Determinam à no- representações acerca da história acreana.
ção de espaço, como também a apreensão Além de ter sido palco de um dos acon-
deste espaço pela sociedade. Entretanto tecimentos que mais mobilizaram a opinião
há que se levar em consideração que o pública brasileira, bem como a mundial, a
bem histórico, seja ele qual for, foi ergui- morte de Chico Mendes nas condições an-
do por pessoas em algum lugar, em algum teriormente postas, influíram nos rumos
momento de suas vidas. Estas pessoas de políticas públicas ambientais por todo
utilizaram-se de modos de fazer específi- o planeta. Ainda podemos argumentar que
cos do seu tempo e condições materiais a casa, o bem material, tornou-se um dos
também muito delimitadas. A edificação, símbolos da história acreana. História que
mesmo um palácio, ou uma igreja de qual- incorpora, cada vez mais intensamente, ou-
quer século do milênio passado, com toda tras influências que não apenas a tradição
a grandeza arquitetônica que os caracteri- indígena ou nordestina, e que, mais do que
za, traz na sua história leituras sociais do nunca, apresenta requisitos para integrar o
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre

Figura 3. Distribuição, por regionais, das áreas de ocorrência do patrimônio histórico no Estado.
74 Fonte: ZEE/AC, 2005.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

universo de bens, considerados pelo Estado, cultural que as concebeu. A Casa de Chico
patrimônio histórico e artístico nacional. Mendes, o Palácio Rio Branco, ou mesmo a
A Constituição Federal de 1988 (2003) pracinha central da cidade de Manoel Urba-
entende como patrimônio cultural brasilei- no, trazem em sua materialidade histórias
ro: “os bens de natureza material e imaterial, que permitem a compreensão das partes
tomados individualmente ou em conjunto, que compõe o todo, da diversidade que cria
portadores de referência à identidade, à as sociedades.
ação, à memória, dos diferentes grupos for- Na Figura 3 percebemos a distribuição
madores da sociedade brasileira”. do patrimônio identificado nas regionais, o
O entorno da casa, assim como quase que reflete as ações de registro e de fomento
toda a cidade de Xapuri, ainda não foi modi- realizadas. Temos no Baixo Acre, por exem-
ficado drasticamente. As ruas pavimentadas plo, uma quantidade maior de registros.
com tijolos, as casas imediatamente vizinhas
– com uma arquitetura similar à de Chico –, 4. 1. 1. Chico Mendes: Uma Casa, Um
o bosque, nos fundos da casa, que leva ao Museu.
rio e que um dia serviu de esconderijo para
os assassinos de Chico Mendes, continuam A casa de Chico Mendes é uma das ima-
lá. Um imenso apuí16, localizado no limite gens mais conhecida do Estado do Acre. A
esquerdo, impede que o sol castigue a casa morte do seringueiro, ecologista, líder co-
durante a maior parte do dia, acabando por munitário e defensor incondicional da Ama-
quase criar um micro clima. zônia, foi amplamente divulgada e discutida
Toda a paisagem do seu entorno ime- em vários países da Europa e nos Estados
diato proporciona leituras da diversidade Unidos, e como o assassinato foi em sua

16 Apuí: parasita que usa outras árvores como escora ate que enlaça seu apoio, em geral termina por
matar a escora.
casa, aquela imagem da casinha azul17 ro- onde fica a cozinha. Estes dois retângulos
dou o mundo e foi vinculada à história dos são ligados por uma passarela, também em
conflitos nos seringais acreanos. forma de retângulo.
Construída de forma semelhante em ou- A presença da mulher provoca alterações
tras cidades do Acre, representa um modo na casa. Quando a casa é uma barraca para
específico e regional de morar, cujo engenho abrigar apenas o homem na “colocação” há

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


dos construtores sintetiza a dialética entre a apenas uma clareira, a barraca, o defuma-
ocupação dos brasileiros junto às fronteiras dor, as “estradas de seringa” e os “varadou-
da Amazônia e os recursos disponibilizados ros”. Quando a mulher chega, a casa não é
pela floresta. A casa de Chico, mesmo na ci- apenas um abrigo, mas uma casa com sala,
dade, traz características da construção no quarto e cozinha para abrigar e proteger a
seringal. As moradias constituídas de um família. Na colocação passam a existirem
primeiro retângulo principal formado por cercados para pequenos animais, horta, fru-
sala/varanda, um ou dois quartos e corre- teiras, roçado. A casa fica suspensa sobre
dor e um segundo retângulo independente, barrotes, evitando a umidade.

Estado do Acre
Quadro 2. Relação do patrimônio histórico identificado.

RELAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO IDENTIFICADO

N. BENS MUNICÍPIO REGIONAL


01 Maternidade Bárbara Heliodora Rio Branco

02 Palácio Rio Branco e Entorno Rio Branco


75
03 Palácio da Justiça Rio Branco

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
04 Escola Maria Angélica Rio Branco

05 Radio Difusora Acreana Rio Branco

06 Cine Teatro Recreio Rio Branco

07 Sociedade Recreativa Tentamen Rio Branco

08 Mercado Municipal do Primeiro Distrito Rio Branco

09 Escola Menino Jesus Rio Branco

10 Colégio Acreano Rio Branco

11 O Casarão Rio Branco Baixo Acre

12 Museu da Borracha Geraldo Gurgel de Mesquita Rio Branco

13 Anfiteatro Garibaldi Brasil Rio Branco

14 Teatro Plácido de Castro Rio Branco

15 Memorial dos Autonomistas Rio Branco

16 Bar Municipal (Posto de Informação Turística) Rio Branco

17 Catedral Nossa Senhora de Nazaré Rio Branco

18 Sítio Histórico do 2º Distrito Rio Branco

19 Sítio Histórico do 1º Distrito Rio Branco

20 Cacimbão da Capoeira Rio Branco

21 Gameleira Rio Branco

17 Edificada em madeira, a casa possui entrada lateral, sem varanda ou alpendre; sala e um corredor
lateral que seria a substituição do externo, incorporado à casa. Este corredor dá acesso direto aos
quartos e, por último, à cozinha, bastante similar aos casarões dos proprietários de antigos seringais.
A casa ainda guarda as mesmas cores: azul, com janelas e portas cor-de-rosa.
Quadro 2. Relação do patrimônio histórico identificado.

RELAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO IDENTIFICADO

N. BENS MUNICÍPIO REGIONAL


22 Lago do Amapá Rio Branco
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

23 Parque Capitão Ciríaco Rio Branco

24 Horto Florestal Rio Branco


Baixo Acre
25 Igreja Nossa Senhora de Nazaré Rio Branco

26 Sala Memória de Porto Acre Porto Acre

27 Seringal Bom Destino Porto Acre

28 Casa de Chico Mendes Xapuri

29 Museu Cidade de Xapuri Xapuri


Estado do Acre

Alto Acre
30 Sítio Rua do Comércio de Xapuri Xapuri

31 Casa do Comércio Kalume (Centro de Memória) Xapuri

32 Igreja de São Sebastião Xapuri


Alto Acre
33 Museu Casa Branca Xapuri

34 Colégio Santa Juliana Sena Madureira Vale do Purus


76 35 Antigo Teatro José de Alencar Cruzeiro do Sul
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

36 Escola Barão do Rio Branco Cruzeiro do Sul

37 Cadeia Pública de Cruzeiro do Sul Cruzeiro do Sul

38 Santa Casa de Misericórdia Cruzeiro do Sul

39 Loja Maçônica Fraternidade Acreana Cruzeiro do Sul

40 Usina de Força e Luz Cruzeiro do Sul Vale do Juruá

41 Catedral Nossa Senhora da Glória Cruzeiro do Sul

42 Centro Cultural do Juruá Edson Cadaxo Cruzeiro do Sul

43 Cais do Porto Cruzeiro do Sul

44 Casas dos (família) Ruella Cruzeiro do Sul

45 Teatro Municipal de Tarauacá José Potyguara Tarauacá

A adaptação do nordestino a seu novo lu- deixam frestas que possibilitam a ventilação
gar é evidenciada por um modelo de mora- e iluminação natural no interior da casa. Os
dia simples, mas adequado à realidade e às vãos das portas e aberturas não são fechados
necessidades cotidianas. Os materiais como e as paredes não chegam até a cobertura,
paxiúba, palha e cavaco são extraídos da onde também não há forro. Além de sua re-
própria floresta, nas proximidades da colo- presentatividade arquitetônica, construída
cação. A paxiúba, por ser fibra natural, faz com saberes transmitidos ao logo de tempos
o isolamento térmico. Sua coloração opaca imemoriais, a casa reveste-se de significados
não irradia calor; a trama da palha na co- que remetem a questões socioambientais,
bertura e o encontro das peças de paxiúba que extrapolam as fronteiras estaduais. Chi-
co Mendes foi uma figura referencial da luta monstraram uma rica e complexa ocorrên-
seringueira pela preservação da floresta, e cia de vestígios arqueológicos no território
converteu-se num ícone ambientalista para acreano, com predomínio absoluto de gru-
todo o mundo. pos ceramistas, como é comum para a Ama-
Da mesma forma, outros patrimônios, es- zônia em geral.
palhados por todos os municípios, devem ser De acordo com este perfil, a presente

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


apropriados como a casa de Chico Mendes, análise tem dupla finalidade: a de sistema-
para que possamos perceber a cultura acre- tizar as informações arqueológicas dispo-
ana nas expressões mais cotidianas, como níveis após quase trinta anos de pesquisas
no construir de uma casa ou uma ubá18. de campo (Figura 4) e a de demonstrar a
O inventário regionalizado, construído necessidade do desenvolvimento dos traba-
em parceria com as comunidades, surge lhos nesta área do conhecimento, de modo
como uma das principais formas de reco- a ampliar as informações atualmente dis-
nhecimento e consequente proteção deste poníveis, que cobrem menos da metade do
patrimônio. O levantamento e a organização território acreano.

Estado do Acre
do conjunto de informações caracterizam
os sítios históricos como bens histórico-cul- 4. 2. 1. Histórico das Pesquisas
turais ou paisagísticos, transformando-se
numa importante ferramenta de gestão e de Em 1976 foi iniciado o Programa Na-
sustentabilidade do patrimônio. cional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia
O patrimônio histórico material (edifi- Amazônica (PRONAPABA), através de con-
cado) tem recebido especial atenção das vênio entre o CNPq e o Smithsonian Insti-
instituições governamentais. No Acre, tution, com o objetivo de estender para a 77
como já sugerido, houveram investimen- região amazônica o desenvolvimento das

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
tos nos espaços destinados à memória pesquisas que já vinham sendo realizadas
acreana. Museu da Borracha, Palácio Rio desde 1965, com a implantação do Progra-
Branco, seringal Bom Destino, Rua do ma. O que representou o primeiro grande
Comércio de Xapuri, Centro Cultural de esforço para o conhecimento da pré-história
Cruzeiro do Sul, Teatro de Tarauacá, en- brasileira.
tre outros, têm ajudado a contar as muitas De acordo com o planejamento do PRO-
histórias do Acre. NAPABA, coube ao Instituto de Arqueologia
Brasileira (IAB), a realização de pesquisas
4. 2. Os Sítios Arqueológicos e a Antiga arqueológicas no Estado do Acre, no período
Ocupação do Estado entre 1977 e 1980. Setenta sítios foram ca-
dastrados nesse período, bem como outros
Pesquisas arqueológicas somente foram onze novos sítios arqueológicos, localizados
realizadas no Estado do Acre a partir da dé- a partir de 1992.
cada de 70 e têm caminhado a passos curtos Tais pesquisas, nesta fase inicial, tiveram
e inconstantes devido às imensas dificulda- caráter extensivo de busca e prospecção de
des que caracterizam a pesquisa científica sítios. Os sítios foram cadastrados através
no Brasil. As pesquisas já desenvolvidas de- do sistema de siglagem trinominal19 pro-

18 Ubá: Embarcação construída a partir de um único tronco de madeira.


19 A siglagem trinominal utilizada para identificação dos sítios é composta por três elementos unidos
por traço de união: o primeiro diz respeito à sub-unidade nacional (Acre - AC, Amazonas - AM, etc.);
o segundo se refere às sub-unidades locais definidas pelos pesquisadores do PRONAPABA, devido
às dificuldades de se utilizar como referência a organização municipal, estas sub-unidades locais
remetem às bacias hidrográficas da região em questão e formam nomes também com duas letras,
relativas ao principal elemento ou acidente geográfico da área (CS - Cruzeiro do Sul, PU - Purus, etc.);
o último elemento da sigla é numérico (dois ou mais dígitos) e estabelecido com base na seqüência
de localização dos sítios arqueológicos. Costuma-se, ainda, acrescentar à sigla o nome com qual o
sítio foi cadastrado. Por exemplo, o primeiro sítio a ser pesquisado na região de Rio Branco recebeu
a seguinte identificação: AC-RB-01: Sítio Boca Quente.
posto e posto em prática pelo PRONAPABA Novos trabalhos de campo só voltariam a
e adotado pelo SPHAN (atual IPHAN), como ser realizados em 1985 pela equipe do IAB.
forma de normatizar o método de identifica- Estes tiveram caráter complementar para a
ção das ocorrências arqueológicas. região do Juruá, com a escavação do Sítio
Após a sigla e nome do sítio, a listagem Prosperidade (AC-CS-05), que se revelou
contém, nesta ordem, as seguintes infor- extremamente importante para a compre-
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

mações (quando disponíveis): Tipo de sítio, ensão do contexto que já se esboçava. No


fase arqueológica, localização por coorde- mesmo ano foram realizadas pesquisas em
nadas20, localização pelas referências locais um peculiar sítio arqueológico, o Sítio Los
(estradas, rios, colocações, etc.), descrição Angeles (AC-XA-07), tendo como objetivo a
física resumida e a disposição de seu mate- formação de pessoal da Universidade Fede-
rial, classificação do material coletado (líti- ral do Acre. Em 1992 foram prospecciona-
co, cerâmica, etc.), equipe de campo respon- dos quatro novos sítios nas seguintes áreas
sável pelo cadastramento e ano da pesquisa. arqueológicas: AC-RB, AC-IQ e AC-XA.
As pesquisas do IAB no Acre tiveram a Na publicação “Western Amazônia. Ren-
Estado do Acre

seguinte seqüência de trabalhos: - 1977 foi vall Institute Publications” 2003, outros
organizada a primeira missão que se con- vinte e cinco sítios foram citados, todos eles
centrou na região que compreende as áreas fazendo parte daqueles denominados “geo-
AC-XA (Xapuri), AC-RB (Rio Branco), AC-IQ glifos”. Estes foram identificados e prospec-
(Iquiri) e AC-SM (Sena Madureira), com o re- cionados a partir da aprovação do projeto
gistro de vinte sítios arqueológicos: Geoglifos – Patrimônio Cultural do Acre, na
Lei de Incentivo à Cultura da Fundação Elias
78 a 1978 a região pesquisada foi estendida Mansour. Deste projeto resultou a visita “in
ao Vale do Juruá, englobando AC-CS (Cru- loco” na maioria desses sítios pelos pesqui-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

zeiro do Sul), AC-PV (Porto Valter) além sadores responsáveis do projeto. No entan-
do retorno às áreas AC-IQ e AC-XA com to, o registro desses sítios não seguiu o sis-
a localização total de vinte novos sítios; tema de siglagem trinominal proposto pelo
a 1979 a pesquisa ficou totalmente con- PRONAPABA, seguindo uma outra lógica de
centrada nas áreas AC-CS e AC-TA (Ta- localização e coleta de informações.
rauacá), com o cadastramento de vinte e Em um desses sítios, localizado na Fa-
sete sítios arqueológicos; zenda Colorado, uma estrada vicinal havia
a 1980 foram realizadas pesquisas na área cortado uma dessas estruturas (geoglifos),
AC-PU (Purus) com o registro de três novos deixando à mostra o interior de uma parede,
sítios, além do que nesta última missão de de onde foi retirada uma amostra de carvão
campo, parte da equipe retornou a alguns para a datação21. Segundo esta análise, o
dos sítios mais representativos do Juruá. referido sítio foi ocupado durante o século
XIII da nossa era, ou seja, três séculos antes
Alguns sítios identificados nesse período da chegada dos europeus à América.
estavam associados a estruturas de terras, Outros sítios foram localizados. Há ain-
como montículos ou trincheiras circulares da informações de que nas proximidades da
de grande extensão. Por exemplo, o sítio AC- cidade de Plácido de Castro um sítio arque-
-IQ-2, localizado no vale do rio Iquiri, que ológico, foi identificado pelos moradores do
apresentava uma trincheira circular de cer- local. Como estes outros tantos precisam ser
ca de 100 metros de diâmetro, 10m de lar- registrados para que possam ser protegidos
gura e 1m de profundidade (SIMÕES, 1983). pelo Estado.
20 Disponível nos sítios cadastrados nas pesquisas a partir de 1994.
21 A equipe que coletou o material (carvão) para a referida datação, não tinha, à época, autorização
junto ao IPHAN para a realização de qualquer pesquisa, o que fere as disposições previstas na Lei nº
3.924, de 26 de julho de 1961; e na Portaria nº 07, de 1º de dezembro de 1988. A referida legislação
dispõe sobre a pesquisa, a exploração, a remoção de achados arqueológicos e o envio para o Exterior,
entre outros.
4. 2. 2. Os Sítios Localizados terial arqueológico, sendo considerado um
no Acre dos mais importantes do Vale do Acre. Com
cerca de 200m de diâmetro, já foi objeto
Os sítios arqueológicos identificados no de pesquisas anteriores, sendo datado por
Acre, entre 1977 e 2001, somam 106 ao volta de 2.000 a.p. (antes do presente). Este
todo. No entanto, nem todos foram georre- sítio encontra-se localizado a 145 quilôme-

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


ferenciados, ou mesmo inscritos no cadas- tros de Rio Branco, rumo a Xapuri.
tro do IPHAN. Este levantamento baseou-se Outro sítio considerado extremamen-
principalmente nas pesquisas realizadas te importante para a compreensão da ar-
pelo PRONAPABA, pelo Departamento do queologia acreana é o Sítio Prosperida-
Patrimônio Histórico e Cultural da Funda- de (AC-CS-05). Sítio habitação das fases
ção de Cultura Elias Mansour, como também cerâmica, Apuí, Ipu, Apuriné, Japiim e
por salvamentos e achados fortuitos. Timbaúba, o Prosperidade localiza-se no
Pesquisado em 1992, o Sítio Los Angeles seringal São Salvador, na margem direita
(AC-XA-07), litocerâmico de fase a ser desig- do rio Moa (Vale do Juruá), distando des-

Estado do Acre
nada, localizado na Fazenda Ouro Branco te cerca de três quilômetros. Ocupa uma
(antiga fazenda Los Angeles), é um dos mais área de “terra firme”, de aproximadamente
ricos já encontrados. Apresenta a forma de 200x160m. Na base da terra alta está si-
estrutura circular de terra (mureta interna, tuado o igarapé do Inácio. Pesquisado por
valeta e mureta externa), muito rico em ma- Ondemar F. Dias Jr., Franklin Levy e Eliana

79

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES

Figura 4. Distribuição, por regionais, dos sítios arqueológicos no Estado. Fonte: ZEE/AC 2005.
T. de Carvalho, em 1978, o Sítio Prosperi- Epitaciolândia / Rio Branco e LT 69 KV
dade conta com um pacote arqueológico Rio Branco / Sena Madureira. As linhas de
com sucessivas camadas ocupacionais, o transmissão seguem margeando as BRs 317
que o torna um dos mais expressivos, já e 364. Este levantamento foi realizado de
identificados no Acre. forma não intrusiva, ou seja, baseado ape-
Recentemente, técnicos da Secretaria nas em pesquisa bibliográfica e visita aos
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

de Estado de Turismo em parceria com o sítios arqueológicos.


IPHAN visitaram o Sítio Jacó Sá22 , localiza- Segundo relatório23 da equipe executora
do à margem esquerda da BR-317, próximo do estudo constatou-se que a área onde será
ao entroncamento com a BR-364. O objetivo realizada a obra planejada pela Eletronorte
da visita era avaliar as condições do sítio, tem grande potencial arqueológico. No mo-
para a realização de um projeto voltado ao mento está sendo elaborado um programa
turismo. Constatou-se a fácil acessibilidade de arqueologia, visando a preservação dos
do sítio, bem como o interesse do proprietá- sítios e o estudo dos mesmos. A equipe con-
rio da área em instalar uma estrutura míni- tratada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi
Estado do Acre

ma, para receber visitantes. também alerta para as obras de recuperação


Este sítio é composto por dois quadrados, das BRs 317 e 364, por se tratarem de obras
sendo que um deles com círculo interno, de grande porte que cruzam diversas áreas
medindo, respectivamente, 140m e 113m de influência direta dos sítios arqueológicos,
de lado. Localizado em abril de 2000 (ob- portanto, passivo de levantamento da situa-
servação aérea), o Sítio Jacó Sá já foi pauta ção do patrimônio arqueológico.
de matérias em diversos meios de comuni- Ao longo do traçado das linhas de trans-
80 cação não só do Acre, mas de vários lugares missão observou-se a existência de sítios
do Brasil, como a revista Isto É e o jornal O arqueológicos em áreas de influência dire-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Estado de São Paulo. O sítio apresenta ves- ta e indireta ao empreendimento. Nas áreas
tígios de material cerâmico em abundância, de influência direta do percurso da LT Rio
no entanto, nunca foi pesquisado. Dada a Branco / Epitaciolândia, a pesquisa identifi-
sua proximidade com Rio Branco, capital do cou seis (06) sítios arqueológicos, sendo que
Estado, o sítio poderá abrigar uma estrutu- em um deles o trajeto da linha teve que ser
ra específica para receber visitantes, bem modificado, pois a base da torre seria cons-
como poderá ser desenvolvido um projeto truída sobre uma das muretas do círculo de
de educação patrimonial. terra. Com a modificação do traçado o sítio
No caso dos sítios arqueológicos – como deverá ser preservado em seu estado atual.
também os sítios paleontológicos – a prote- Recomendaram-se algumas medidas mi-
ção se dá ex vi legis, isto é, imediatamente, tigadoras ao fim do relatório, como: mape-
por força da própria lei, e por este motivo amento e documentação, implementação de
prescinde de processo administrativo, pois um programa de educação patrimonial na
seus efeitos decorrem da vigência legal. No área do empreendimento, musealização de
entanto, é dever do Estado fiscalizar cons- um dos sítios, divulgação dos conhecimen-
tantemente este patrimônio, para que a ação tos gerados e implementação das condi-
do homem não venha a destruí-lo. ções para que o material arqueológico fique
No primeiro semestre de 2005 foi re- no Acre.
alizado um levantamento do patrimônio É claro que não temos ainda informações
arqueológico ao longo do traçado proje- em número suficiente para podermos des-
tado das linhas de transmissão LT 138 KV crever as técnicas utilizadas na construção

22 02 de junho de 2005.
23 SCHAAN, Denise Pahl (Coordenação técnico-científica) DIAGNÓSTICO sobre a situação do Patrimô-
nio Arqueológico das Linhas de Transmissão LT 138 KV Epitaciolândia / Rio Branco e LT 69 KV
Rio Branco / Sena Madureira (incluindo as áreas das subestações). Museu Paraense Emílio Goeldi,
Coordenação de Ciências Humanas – Área de arqueologia. Julho de 2005
dos sítios, na remoção da terra e na própria busca pela borracha amazônica criou novos
utilização do lugar para a prática de tradi- ofícios e, para eles, novos sujeitos. Eram
ções religioso-culturais ou outros. Mas essas seringueiros, marisqueiros, comboieiros,
e outras questões, ainda sem respostas, po- guarda-livros, seringalistas, regatões. Daí
derão servir como motor para o avanço da também se estabeleceu novas relações: o
investigação arqueologia no Estado. seringueiro era quem produzia a borracha,

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


mas era o patrão seringalista que dela se
4. 3. A Cultura Acreana apropriava; o regatão negociava mais ba-
rato, mas nessas águas de tantos seringais
A identificação de bens culturais repre- este ofício era perigoso.
sentativos dos diferentes grupos sociais, Ao longo do tempo os acreanos apren-
bem como a construção de instrumentos e deram a se relacionar e criaram formas de
métodos adequados à sua pesquisa e valo- estreitar as relações. Através das celebra-
rização, é tema de antiga discussão no âm- ções, festas, jogos, danças, modos de fazer,
bito das instituições afins, principalmente culinária, foram moldando novas práticas,

Estado do Acre
depois da promulgação da Constituição de mais adaptadas à região. Elementos da cul-
1988, que incorpora a visão antropológica tura indígena, celebrações religiosas, modos
da cultura e das noções de bem cultural. de fazer, ofícios, enquadram-se neste tópi-
Quando se fala em bens culturais, se pres- co, um universo riquíssimo de expressões
supõem sujeitos para os quais estes bens culturais. A multiplicidade e a diversidade
façam sentido. são justamente um dos principais pontos a
A riqueza daí extraída não pode ser men- serem discutidos. Através da identificação e
surada. O fazer, o falar, ou qualquer outra reconhecimento desta pluralidade, podere- 81
prática transmitida, reconstruída, adaptada, mos melhor compreender a cultura acreana.

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
traz na subjetividade, as marcas da constru- No quadro 3 temos a relação do patri-
ção das sociedades. O dinamismo talvez seja mônio cultural já inventariado pelo DPHC-
a característica mais latente quando o as- -FEM. Sugerimos um olhar especial para as
sunto é a cultura, seja de natureza material referências culturais, por se constituírem
ou imaterial. elementos criadores, vivos, atrelados a um
O Estado do Acre, objeto do nosso estu- passado, mas ao mesmo tempo, modificado-
do, foi povoado por imigrantes que busca- res da realidade. A distribuição por Regio-
vam na borracha acreana a possibilidade de nais (Figura 5) nos permite a visualização
melhorar de vida. Muitos fugiam da seca, das ações de fomento, onde ocorrem e de
das guerras, da miséria ou, simplesmente, que forma poderemos abranger um univer-
buscavam aventuras e riquezas. No início do so maior de referências culturais.
século XX, a região que viria a ser o Acre O carnaval e as Festas Juninas foram às
recebeu um grande número de pessoas únicas expressões identificadas em todos os
vindas dos lugares mais distantes. Não vi- municípios acreanos. Ainda que não hou-
nham somente do Nordeste do Brasil, mas vesse um inventário específico para que pu-
deste eram a maioria. Cariocas, amazonen- déssemos melhor qualificar essas festas em
ses, paulistas, paranaenses, além de árabes, cada lugar, o carnaval e as Festas de Junho
sírios, libaneses, portugueses, entre outros, são celebradas nos lugares mais distantes.
com suas bagagens repletas de recorda- No entanto, cada lugar, cada comunidade,
ções de uma terra natal – que alguns nunca se apropria dessas festas de uma forma es-
mais voltariam a ver –, aqui conviveram e pecial. No Santo Daime, por exemplo, não
se misturaram. importando qual das correntes daimistas
Desde a chegada foram para os seringais (Barquinha, Colônia Cinco Mil, Alto Santo),
“cortar seringa”; outros foram percorrer os há uma celebração intensa durante todo o
rios com mercadorias, ou mesmo levar bor- mês de junho.
racha para as praças de Belém e Manaus. A
Quadro 3. Relação dos sítios paisagísticos identificados.

RELAÇÃO DOS SÍTIOS PAISAGÍSTICOS IDENTIFICADOS

N. BENS MUNICÍPIO REGIONAL


01 Parque Capitão Ciríaco Rio Branco Baixo Acre
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

02 Parque Chico Mendes Rio Branco

03 Horto Florestal Rio Branco

04 Gameleira Rio Branco

05 Igarapé São Francisco Rio Branco

06 Praia da Base Rio Branco

07 Praia do Amapá Rio Branco


Estado do Acre

08 Lago do Amapá Rio Branco

09 Boca do Riozinho do Rola Rio Branco

10 Sítio Histórico do 2º Distrito Rio Branco

11 Sítio Histórico do 1º Distrito Rio Branco

12 Seringal Bom Destino Rio Branco

82 13 Cacimbão da Capoeira Rio Branco

14 Reserva Extrativista Chico Medes Xapuri Alto Acre


CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

15 Seringal Pimenteira Xapuri

Projeto Agroextrativista Chico Mendes –


16 Xapuri Alto Acre
Colocação Cachoeira

17 Praia do Inferno Xapuri

18 Praia do Zaire Xapuri

19 Cachoeira dos Padres Xapuri

20 Cachoeira Arrependido Xapuri

21 Cachoeira Babilônia Xapuri

22 Cachoeira João Paulo Xapuri

23 Boca do rio Xapuri Xapuri

24 Sitio Rua do Comércio de Xapuri Xapuri

25 Boca do rio Iaco Sena Madureira Vale do Purus

26 Parque Nacional da Serra do Divisor Cruzeiro do Sul

27 Igarapé Preto Cruzeiro do Sul

28 Banho do Canela Fina Cruzeiro do Sul Vale do Juruá

29 Balneário Antárctica Cruzeiro do Sul

30 Rio Crôa Cruzeiro do Sul

Fonte: ZEE/AC, 2005.


A Cavalhada, ao contrário das festas aci- junto a diversas comunidades. No contexto
ma descritas, é praticada somente nos muni- das ações do Patrimônio Histórico foram
cípios de Manuel Urbano e Sena Madureira. cumpridos planos de identificação e salva-
Revitalizada há alguns anos com a ajuda do guarda, através das diversas pesquisas de-
DPHC-FEM, a Cavalhada perdeu diversos senvolvidas.
elementos que a constituíam nas décadas Povos indígenas, comunidades daimistas,

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


de 40 e 60, anos em que a corrida pelas ar- grupos praticantes de ofícios e celebrações
golas ainda trazia semelhança daquela que estão entre os objetos de pesquisa. Entretan-
representava a guerra entre os cristãos e to temos um campo extremamente vasto de
os mouros24. possibilidades. É necessário que os municí-
Os partidos25, outrora apenas o Azul e o pios assumam seu papel na identificação e
Encarnado, agora são quatro. Os partidos salvaguarda das referências culturais, posto
Verde e Negro entraram na disputa. Na fes- que as relações, assim como a atribuição de
ta, o mais importante é a habilidade do cava- valor e significados, acontecem numa escala
leiro em retirar as argolas do travessão. Os infinitamente menor do que se vem traba-

Estado do Acre
cavaleiros disputam à carreira em duplas; lhando nos dias de hoje.
um cavaleiro de cada time parte em direção
à sua argola. Vence aquele partido que reti- 4. 4. Os Sítios Paisagísticos
ra mais argolas (Figura 6). do Acre
Além da Cavalhada, ao longo dos últimos
sete anos o DPH realizou um intenso traba- Constituem o conjunto dos sítios paisa-
lho de identificação de referências culturais, gísticos - o sítio ou monumento – elementos
83

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES

Figura 5. Distribuição, por regionais, das áreas de ocorrência das culturas imateriais no Estado.
Fonte: ZEE/AC, 2005.

24 O partido Azul representaria os cristãos na guerra contra os mouros - os Encarnados, durante os


anos das Cruzadas.
25 Partido: mesmo que time, selecionado, etc.
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre

84
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 6. A entrada dos Partidos Azul e Encarnado, no Parque da Cavalhada, em Sena Madureira
– Setembro de 2002. Fonte: Fernando Figali – Acervo DPHC.

da natureza como um lago, ou todo um sítio Nesta análise pretendemos sublinhar


florestal, ou mesmo uma praia às margens alguns sítios ou monumentos que, por sua
de um rio ou igarapé. É aquele bem que im- excepcional forma, conseguimos identificar
porta sua preservação pela sua feição notá- a partir de dados coletados em pesquisas
vel com que tenha sido dotado pela natureza pelo Departamento de Patrimônio Histórico
ou agenciado pelo homem. - FEM. Vale ressaltar que a apropriação de
Grande parte do Acre ainda está coberta alguns desses sítios se deve a fatores como
por florestas nativas, com uma imensidão de fácil acessibilidade, localização, infraestru-
rios e igarapés que cortam todo o Estado, tura, se tem comunidades no entorno, enfim.
portanto, um território riquíssimo em sítios Os principais sítios paisagísticos identifica-
e paisagens naturais, embora poucos reco- dos foram os parques Capitão Ciríaco, Chi-
nhecidos como tal. co Mendes e Horto Florestal, a Gameleira, o
No entanto, não há uma tradição de pre- Lago do Amapá, o Igarapé Preto (CZS) e o
servação dos sítios paisagísticos por repre- Seringal Bom Destino (PA), por apresenta-
sentarem um patrimônio do Acre enquanto rem um mínimo de estrutura turística, com
paisagem. A tônica da discussão de preser- informações qualificadas pelos administra-
vação no Estado deve-se à discussão da sus- dores, como também alguma forma de pre-
tentabilidade econômica, do uso racional, da servação já implementada.
utilização pelas comunidades do entorno ou Não é adequado, no entanto, entender a
do interior deles. É claro que essa discussão noção de preservação dos sítios paisagísti-
não invalida a outra, o olhar cultural que o cos como de permanência absoluta ou de
bem impõe às comunidades. completa inalterabilidade. Ao contrário, se a
coisa é, pela sua natureza, mutável, sua pre- trativistas, o Parque Nacional da Serra do
servação importa proteger as condições bá- Divisor, as Florestas Estaduais e mesmo as
sicas que permitam a continuidade de suas Terras Indígenas, têm contribuído para a
características, segundo sua própria nature- utilização racional dos diversos ecossiste-
za. Sendo assim um rio não pode ter suas mas do Estado.
águas paralisadas, pois é de sua natureza a Na Figura 7 temos a distribuição, nas

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


água corrente, e que nunca serão as mes- Regionais, do patrimônio paisagístico já
mas; no caso, o que é importante é a conser- identificado. No entanto, grande parte des-
vação de sua paisagem enquanto rio, dentro te patrimônio ainda não foi devidamente
das condições naturais. inventariado. Recomenda-se uma pesquisa
Desta forma a proteção pela sociedade mais abrangente, junto às comunidades, tal-
não implica impedimento do desapareci- vez em parceria com as Prefeituras.
mento natural; pelo contrário, conserva-se
para que a coisa cumpra o seu ciclo vital 4. 5. Os Sítios Paleontológicos e a An-
natural, evitando-se que, antes de cumpri- tiga Fauna da Região

Estado do Acre
-lo, o ato proposital ou intencional venha a
destruí-la ou descaracterizá-la. Na década de 80, a Universidade Fede-
O Lago do Amapá, por exemplo, reconhe- ral do Acre, reconhecendo a importância
cido patrimônio da cidade de Rio Branco, so- do material fossilífero coletado durante
mente este ano passou a ser alvo de discus- as pesquisas de campo, ao longo dos rios
são de possíveis formas de proteção para o e estradas que cortam o Estado do Acre,
seu entorno. Localizado próximo ao períme- criou o Laboratório de Pesquisas Paleon-
tro urbano da cidade de Rio Branco, foi tema tológicas (LPP-UFAC), com o objetivo de 85
de inúmeras reuniões entre a Associação de estudar o rico material fóssil, presente nas

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Moradores do Amapá e diversas instituições formações geológicas, que cobrem toda a
interessadas em desenvolver a preservação Amazônia Ocidental.
do lago e do seu entorno (o que inclui parte A coleção de fósseis da UFAC tem au-
do riozinho do Rola até a sua boca, no rio mentado a cada ano. Atualmente, o labora-
Acre). A decisão por uma APA (Área de Pro- tório já conta com mais de cinco mil peças
teção Ambiental), cria a expectativa de que fósseis em seu acervo, revelando à comu-
o lago vai continuar sendo um dos lugares nidade científica e às pessoas interessadas
mais belos da cidade, com possibilidades da no assunto, a fauna que viveu na Amazô-
prática do eco turismo26, gerenciada pela nia sul-ocidental a partir dos últimos oito
própria comunidade. milhões de anos.
A participação da comunidade do entor- O Laboratório de Pesquisas Paleontoló-
no nas discussões, com poder de voto e veto, gicas acabou se tornando a principal re-
tem colaborado para que as instituições pú- ferência no assunto em todo o Estado do
blicas agilizem a consolidação de políticas Acre, com devido reconhecimento científi-
de preservação do Lago do Amapá. IBAMA, co mundial. Esta excelência tornou o labo-
IMAC, Secretaria de Turismo, Departamen- ratório um dos lugares mais visitados da
to do Patrimônio Histórico – FEM, IPHAN, UFAC, visto que o assunto tem despertado
dentre outras instituições, passaram a ser o interesse de toda a sociedade acreana.
parceiros na defesa daquele patrimônio. Temos na Figura 8 a distribuição dos
O exemplo do Lago do Amapá não é o principais sítios paleontológicos do Acre,
único. Nos últimos anos são muitas as al- a maioria deles às margens de rios, por
ternativas encontradas para a preservação serem os locais mais propensos às des-
da paisagem natural, como as Reservas Ex- cobertas de fósseis. A cada cheia dos

26 Eco turismo ou turismo ecológico tem por finalidade a preservação do patrimônio pelos princípios
da sustentabilidade ambiental, social e econômica, visando a conservação dos recursos naturais,
culturais e históricos.
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre

Figura 7. Distribuição do patrimônio paisagístico identificado no Estado por regionais. Fonte: ZEE/
86 AC, 2005..
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

rios a correnteza se encarrega de cavar podes e bivalves. Em relação aos vertebrados,


os barrancos, e quando as águas baixam são encontradas inúmeras variedades de pei-
os fósseis estão expostos. Em terra firme xes como: Phractocephalus sp. (pirararas), Ho-
também se encontram vestígios, mas em plias sp. (traíras), Lepidosiren sp. (pirambóias)
menor número. e Colossoma sp. (tambaquis) entre outros; ja-
carés, como o grande Purussaurus brasilien-
4. 5. 1. A Fauna Fóssil sis28, o jacaré gavialídeo Hesperogavialis sp.29 ,
o jacaré bico-de-pato Mourasuchus sp, jacarés
No Sítio Fossilífero Cachoeira do Bandei- da família Crocodilydae, Charactosuchus sp.;
ra, por exemplo, localizado no rio Acre na também quelônios, como a maior tartaruga
jusante da “Cachoeira do Bandeira”, entre as que já existiu, batizada pelos cientistas de
cidades de Brasiléia e Assis Brasil, só aflora Stupendemys sp.; aves associadas a ambien-
no período da vazante27 e é formado por tes aquáticos, tendo sido identificado neste
um conglomerado duro, composto de silti- sítio pelo menos três variedades diferentes
tos argilosos atribuídos à idade Mioceno de Anhingas (cararás). Já entre os mamíferos,
Superior-Plioceno da Formação Solimões coletou-se vários roedores gigantes (maiores
(entre 8 e 5 milhões de anos atrás). que as capivaras atuais) do gênero Neoepible-
Neste sítio já foram encontrados inúmeros ma sp., bem como preguiças gigantes da famí-
fósseis de invertebrados e vertebrados. Entre lia Mylodontidae, além de animais semelhan-
os invertebrados o grupo mais comumente tes a “rinocerontes sem chifres” conhecidos
achado é o Mollusca, principalmente gastró- como toxodontídeos30.

27 Vazante: Verão amazônico;


28 O maior fóssil de jacaré já encontrado no mundo;
29 Espécie extinta, mas que possui representantes atuais na Ásia;
30 Animais tipicamente sul-americanos, jamais encontrados em outros continentes.
O Sítio Niterói, o mais próximo da cidade mada para atender o turista de hoje. Até
de Rio Branco, foi descoberto em 1987, por mesmo a produção local, os ofícios e ou-
uma equipe conjunta de pesquisadores da tras referências singulares, que nem sem-
UFAC e do Museu Paraense Emílio Goeldi. pre despertaram a curiosidade do turista
A montante da foz do riozinho do Rola está no passado, hoje, são o foco de atenção.
localizada a aproximadamente 20 quilôme- A comunidade receptiva deve capacitar os

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


tros do perímetro urbano ou a 40 minutos profissionais da área para atender os tu-
de barco, a partir do seringal Benfica. Este é ristas. Esta capacitação deve incluir histó-
um dos mais ricos em fósseis já encontrados ria regional, técnicas de atendimento além
no Acre, tendo fornecido ao laboratório de de uma compreensão aprofundada do fun-
Paleontologia da UFAC cerca de 2.000 peças cionamento de todos os componentes da
fósseis desde seu descobrimento. oferta turística, paisagística e cultural.
O Sítio Niterói é utilizado pelos pesquisa-
dores do Laboratório de Pesquisas Paleon- 5. 1. 1. A Importância do Turismo
tológicas, na realização de aulas práticas de

Estado do Acre
coleta de fósseis, com os alunos do curso de Além de gerar trabalho e renda, o que já
graduação em Ciências Biológicas da UFAC. justifica a atividade, desde que bem plane-
A localidade já foi visitada por pesquisado- jada, o turismo pode ser utilizado como me-
res de várias partes do mundo e já mereceu canismo de proteção ao patrimônio, seja ele
destaque na mídia nacional em 2002. histórico/cultural ou paisagístico/natural. A
Os sedimentos da Formação Solimões, oferta de atrativos histórico/culturais, um
nesta localidade, são constituídos por argi- dos principais focos do turismo, tem contri-
las com cores pardas e cinzentas e possuem buído para manter em pé prédios, bairros e 87
abundantes fósseis de vertebrados do Mio- até cidades, evitando que sejam descaracte-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
ceno Superior - Plioceno (entre 5 e 8 milhões rizadas ou mesmo destruídas. Um exemplo
de anos). As camadas contendo material fos- claro de preservação é a revitalização de
silizado no Sítio Niterói estão recobertas por prédios antigos para abrigar salas-memória,
depósitos aluviais do Pleistoceno (até 10 mil como a antiga sede da prefeitura de Xapu-
anos) e do Holoceno (tempo recente). ri, transformada em museu em agosto deste
ano.
5. O TURISMO COMO FORMA DE Entretanto, uma das dificuldades na con-
PRESERVAÇÃO servação do patrimônio diz respeito à sus-
tentabilidade daquele bem. Muitas vezes
5. 1. A Mudança Global no Perfil do prédios antigos são fechados ou completa-
Turista mente abandonados por falta de recursos
para sua preservação. O aproveitamento
O turista contemporâneo está mudan- econômico dos bens é um tema importante
do, ele quer refletir sobre a experiência a ser considerado quando se fala em conser-
de viajar, não só usufruir de um produto vação.
turístico. A interação com as comunida- A atividade turística bem planejada e
des locais tem sido fundamental para o gerenciada oferece a possibilidade de gerar
crescimento sustentável da indústria tu- empregos, incentivar atividades culturais,
rística. Aproveitando melhor seu lazer, o qualificar informações históricas, bem como
turista quer também conhecer a identi- proteger do abandono o patrimônio cultu-
dade local, valorizando, cada vez mais, a ral.
diversidade cultural. A valorização ainda ultrapassa a sua im-
O turista quer aprender - ele tem mais portância econômica, pois gera consciência
informação agora que há 50 anos, se in- cidadã, de pertencimento. A compreensão
forma antes de viajar -, o que significa que da diversidade cultural cria mecanismos de
a localidade visitada deve estar bem infor- respeito mútuo, onde todos podem dialogar
Patrimônio Histórico e Paisagístico do
Estado do Acre

Figura 8. Distribuição, por regionais, dos principais sítios paleontológicos do Estado. Fonte: ZEE/AC, 2005.

com o outro, desde que possa compreender Nos parques ambientais Chico Mendes
88 os diferentes modos de vida, ainda que de e Capitão Ciríaco, ambos na cidade de Rio
forma superficial. Branco, encontramos exemplos de atrativos
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

O extrativismo apresenta-se como uma que remetem para o conhecimento de pro-


maneira sustentável, ecologicamente cor- duções tradicionais. Dois ex-seringueiros
reta na relação com a natureza, visando re- continuam o ofício de cortar seringa, mos-
duzir os impactos no meio ambiente, para trando aos que visitam os parques como
garantir a continuidade dos diferentes mo- “sangrar” uma seringueira, como fincar a
dos de vida. Nos últimos anos tem se desen- tigela, como colher, como defumar. Embora
volvido um tipo de turismo que consiste em próximos do perímetro urbano da capital,
conhecer diferentes métodos de produção, aqueles que visitam esses parques tem a
o qual atrai milhares de turistas no mundo oportunidade de perceber o dia-a-dia daque-
inteiro.

Quadro 4. Relação dos principais sítios paleontológicos identificados.

RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS SÍTIOS PALEONTOLÓGICOS IDENTIFICADOS

N. NOME REGIONAL
01 Sítio Niterói Baixo Acre

02 Sítio Cavalcante

03 Sítio Patos Alto Acre

04 Sítio Cachoeira do Bandeira

05 Sítio Lula Vale do Purus

06 Sítio Morro do Careca Tarauacá/Envira

07 Mississipi Juruá
Quadro 4. Relação dos principais sítios paleontológicos identificados.

RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS SÍTIOS PALEONTOLÓGICOS IDENTIFICADOS

N. NOME REGIONAL
08 Mississipi II

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


09 Cachoeira São Salvador

10 Cachoeira

11 Pedra Pintada

12 Foz do Breu

13 Barco Quebrado

Estado do Acre
14 Quatro Voltas

15 Extremo Jardim da Palma Juruá

16 Cantagalo

17 Belford

18 Fazenda Paraguá

19 Tartaruga 89
20 Tartaruga II

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
21 Estirão da Panela

22 Museu

Fonte: LPP/UFAC 2005 e 2010.

le que foi, talvez, o principal personagem da mento do turista, mas também ajuda a co-
história acreana: o seringueiro. munidade local conhecer as suas próprias
O desenvolvimento científico de uma trajetórias. G. Simmel disse sobre as ruínas
região também pode se transformar em e os monumentos: “Mantêm a continuidade
um atrativo cultural. No caso do Acre, cultural, são um nexo dos povos com o seu
por ser parte da Amazônia, a região conta passado”.
com grandes áreas de plantas medicinais O turismo ainda estimula a existência e
e áreas extrativistas de matéria prima, a reabilitação de sítios históricos (seringal
onde podem ser estabelecidos laborató- Bom Destino e um bom exemplo disso),
rios de pesquisa (Floresta do Antimary construções e monumentos, por meio de
é um exemplo disso) abertos ao turismo. sua transformação em recurso recreacional,
Os eventos culturais inserem-se como e que também propicia a revitalização de
fator de movimentação turística, compre- atividades tradicionais de áreas em declínio.
endendo ações educacionais, comunitárias O município de Sena Madureira tem na Ca-
e sociais que visam à promoção do acesso valhada uma das suas principais expressões
do cidadão aos bens e serviços da cultura. culturais. Revitalizada recentemente, gera
Podemos conferir que o turismo contempo- fluxo turístico considerável.
râneo não limita-se a enriquecer o conheci-
A apropriação aos espaços revitalizados O turismo contemporâneo não tem so-
apóia-se na memória coletiva e, ao mesmo mente a função de proporcionar lazer aos
tempo, estimula a busca pelo conhecimento, turistas e gerar lucro para os donos de estabe-
como motor fundamental para desencadear lecimentos comerciais, ele exerce uma função
o processo de identificação do sujeito com educacional importante pela qual se divulga
sua história e sua cultura. o conhecimento de um povo. O turismo pode
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

A recuperação desta memória, coletiva e ajudar na manutenção da memória coletiva e


(ao mesmo tempo) individual, afetiva e tam- é também uma oportunidade de ensinar novas
bém indiferente, que gera a memória social, formas de se ver a realidade, estimulando a to-
que aflora como portadora de historicidade; lerância e o respeito entre as pessoas. Este res-
as condições de construí-la são mutáveis e peito se origina quando somos apresentados
ela reflete as relações políticas, de possibili- a outros modos de vida, costumes e histórias.
dades de exercício de direitos, que cada seg- Para isto se efetivar na prática é importante
mento social e também cada indivíduo tem que no Acre se dê a devida importância à pre-
em determinado tempo. paração dos denominados “multiplicadores
Estado do Acre

Festas tradicionais e eventos culturais re- de conhecimento”, sendo que o componente


presentam a memória viva da cidade e são mais importante da experiência turística são -
excelentes maneiras de preservar a identida- e continuarão sendo - as pessoas que habitam
de histórico-cultural de um povo e ao mesmo o local e que se utilizam de práticas e fazeres
tempo trazer a cultura ao alcance de todos importantes para o grupo.
os segmentos da sociedade. No Acre temos
a Marujada e a Cavalhada como exemplos de 5. 1. 2. Indicativos Para a Exploração
90 festas tradicionais, promovendo relações so- Sustentável do Patrimônio
ciais e aumentando assim a autoestima da po-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

pulação local. Os eventos podem servir como Durante a análise do patrimônio histó-
plataforma para recuperar o patrimônio his- rico e natural do Estado do Acre, consta-
tórico, pois focalizam a atenção das pessoas tou-se que apenas uma pequena parte dos
para o conhecimento da sua própria história. bens dispunha de alguma informação acer-
Podemos concluir que uma atividade tu- ca das potencialidades turísticas ou mes-
rística bem planejada pode trazer grandes mo da sua apreensão pelas comunidades.
benefícios às comunidades que a praticam. Do total de sítios e outros patrimônios le-
Para ser efetivo, este planejamento deve to- vantados para a presente análise, cerca de
mar em consideração os seguintes aspectos: 50% dos bens tinham alguma informação
sobre as potencialidades turísticas, fossem
a) Ter objetivos claros; quanto à acessibilidade ou mesmo a exis-
b) Respeitar as leis de conservação tência de alguma infraestrutura, dentre
do patrimônio; eles estão os museus, os sítios históricos,
c) Respeitar as leis de conservação do ou mesmos os sítios arqueológicos.
meio ambiente; Tendo em mente a necessidade de dar
d) Ser estrategicamente formulado conjun- cumprimento à legislação específica de
tamente entre a comunidade e profissio- proteção ao patrimônio cultural brasileiro,
nais da área turística; apresentamos alguns indicativos discutidos
e) Inserir a comunidade como protagonista durante a Oficina de Interpretação de Sítios
do processo; Arqueológicos para o Turismo Cultural31,
f) Definir o componente educativo da visita quando foram relacionados alguns critérios
para satisfazer a curiosidade do turista e, básicos para as atividades turísticas ligadas
se possível, provocar nele a reflexão. ao patrimônio material, quais sejam:

31 Oficina de Interpretação de Sítios Arqueológicos para o Turismo Cultural. Realizada na Pousada das
Araras, em Serranópolis – GO, durante os dias 17 a 20 de setembro de 1997. Oficina realizada pelo
Departamento de Promoção do IPHAN.
a a disponibilidade de informações corre- nacionais, o Brasil dispõe de um siste-
tas e concisas sobre o bem cultural em ma nacional de sinalização de estradas,
questão - o que é? O que significa? Para elaborado pelo DNIT e Embratur, e que
que serve? Como? Quando e por quem inclui as referências a elementos de
foi feito? -, de maneira que possam ser atração turística. No Acre, tem-se ado-
repassadas ao público, com o caráter de tado uma sinalização turística bastante

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


divulgação e de educação patrimonial; interessante, utilizando-se de elemen-
a o estabelecimento de regras de compor- tos da cultura indígena (grafismo) para
tamento a serem adotadas pelos visitan- indicar, por exemplo, a Casa dos Povos
tes, de modo que a proteção/preservação da Floresta.
do bem cultural se torne prática usual. a Legislação específica: o conhecimento so-
bre a legislação de proteção ao patrimônio
Embora já se tenha um trabalho volta- cultural brasileiro é da maior importância,
do para a indústria turística, com a explo- não só para o administrador/proprietário
ração de diversas referências históricas e da área, como para os visitantes. A divul-

Estado do Acre
culturais do Estado do Acre, este trabalho gação dessas informações cabe às institui-
está ainda no começo. Percebe-se que as ções públicas e/ou privadas com atuação
regionais do Alto e Baixo Acre, bem como no assunto, mas também ao administrador
do Juruá, dispõe de uma quantidade muito ou proprietário da área onde o bem cultu-
grande de informações acerca da história, ral está situado.
como também no que diz respeito à con- a Equipamentos básicos e adicionais: deve-
servação e fomento do patrimônio cultural -se evitar a implantação de equipamen-
e ambiental, entretanto têm-se inúmeras la- tos sem planejamento e estudo da área, 91
cunas nas demais regionais, principalmente sendo necessária a avaliação sobre a ade-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
se olharmos as mesmas informações a partir quação das estruturas. Os materiais uti-
dos municípios. lizados poderão variar segundo a região
Dos vinte e dois municípios do Acre so- do país, mas, preferencialmente, devem
mente a capital esboça uma política voltada seguir alguns parâmetros, tais como du-
para a preservação do patrimônio cultural, rabilidade, integração ao entorno, dispo-
embora ainda não disponha de uma legislação nibilidade na região e harmonia com as
específica que regule esta preservação. Atra- estruturas pré-existentes. Deste modo,
vés dos planos-pilotos os municípios poderão não se recomenda uma padronização,
iniciar uma série de inventários que nos dê mas sim um projeto integrado à paisa-
um olhar mais aproximado do potencial e das gem da região.
prioridades no que tange ao turismo.
É bem verdade que as regiões que dispõe O planejamento para a implantação de
de maior fluxo turístico são as mesmas que equipamentos em uma área de visitação
dispõe de um maior número de informações deve incluir os seguintes pontos:
acerca das referências culturais, seja pelo
acesso seja pela presença de outros fatores a) equipamento básico: são as áreas de visi-
que puderam viabilizar um trabalho de fo- tação que devem conter, necessariamen-
mento à visitação turística e conseqüente te, sanitários masculino e feminino, be-
preservação das referências locais. bedouro, centro de informações e apoio
Diversos fatores se mostram decisivos ao visitante, lixeiras, ambulatório para
para que o crescimento do fluxo turísti- primeiros socorros e área delimitada
co seja de fato sustentável, dentre eles para estacionamento;
podemos destacar: b) equipamento adicional: podem ser inclu-
ídas instalações como sala para projeção
a Sinalização nas estradas de acesso e no de filmes ou slides, palestras, bar/restau-
entorno: com base em convenções inter- rante, área para camping e outros.
a Acessibilidade: a facilidade de acesso a A Secretaria de Estado de Turismo do
um local vai determinar em parte a sua Estado do Acre (SETUR) tem trabalhado em
viabilidade como produto turístico. É rotas turísticas a caminho de Xapuri e Porto
mais fácil desenvolver rotas e atrativos Acre. Em Xapuri a Casa de Chico Mendes,
que se encontram acessíveis ao público. representa o maior atrativo, entretanto,
Patrimônio Histórico e Paisagístico do

tenta-se agregar outros atrativos para que


Determinamos à acessibilidade em três o turista possa conhecer outras referên-
graus: (a) fácil, (b) média e (c) difícil. Fácil cias: o Museu do Xapuri e a Rua do Comér-
quer dizer que transporte público chega cio, localizados próximos à Casa de Chico
diretamente ao bem, ou tem algum tipo Mendes são passagens obrigatórias. Além
de transporte disponível sempre para che- destes, a caminho de Xapuri foram trabalha-
gar ao local. Média quer dizer que não tem dos uma série de outros atrativos como: o
transporte público que chegue diretamente amendoim do Quinari, o Seringal Cachoeira
ao local, ou precisa de mais de um meio de entre outros.
Estado do Acre

transporte para chegar. Acessibilidade difí- Da mesma forma tenta-se agregar outros
cil quer dizer que o local só pode ser visi- valores à visita ao Seringal Bom Destino. A
tado em certas épocas do ano (dependen- Rota da Revolução começa em Rio Branco,
do das condições das estradas ou ramais), passa pela Sala Memória de Porto Acre, e
precisando de vários meios de transporte termina no Seringal Bom Destino.
para chegar e devidamente agendados
com antecedência. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
92
a Infraestrutura: o tipo de infraestrutu- A crescente demanda pelo reconhecimen-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

ra turística disponível aos visitantes, to e preservação do amplo e diversificado


seja no próprio bem ou nos arredores. patrimônio histórico/cultural e natural/paisa-
Nesta categoria inserimos hospedagem gístico do Estado do Acre, encaminhada pelos
e restaurantes. poderes públicos e pelos sociais organizados,
a Áreas de Interesse turístico: as caracte- sugere urgência na criação de mecanismos
rísticas do bem que podem ser conside- mais eficazes de identificação, documentação,
rados atrativos turísticos como a histó- proteção e fiscalização do patrimônio cultural.
ria, arquitetura, manifestação da cultura, Ao longo deste trabalho identificou-se
beleza cênica, ou importância natural ou uma quantidade de bens que já dispõe de
científica. um algum trabalho de pesquisa, como o
a Informações adicionais: aqui detalha- Palácio Rio Branco, o Mercado Municipal,
mos sugestões para desenvolver turis- o Lago do Amapá, a Cavalhada de Sena
ticamente o bem e os cuidados a serem Madureira, os povos indígenas, entre ou-
tomados. Conseguimos perceber um tros. No entanto, não percebemos um mo-
enorme potencial turístico no que se re- vimento para a criação de mecanismos no
fere ao patrimônio histórico/cultural e âmbito municipal.
paisagístico do Acre, entretanto, é pre- Ainda que salientando a participação
ciso se utilizar de critérios bem deter- dos municípios na construção de instru-
minados, para que a visitação pública a mentos de identificação e preservação das
qualquer que seja o bem, não lhe cause referências culturais, percebeu-se que os
impacto negativo. É recomendável a ex- Vales do Alto e Baixo Acre, como também
ploração turística em todas as áreas da do Juruá, já dispõe de uma infraestrutura
cultura, desde que a comunidade cons- mínima para atender à demanda, entretan-
trua seus próprios mecanismos de pro- to, há a necessidade de um inventário mais
teção e fomento da diversidade cultural aprofundado junto às prefeituras e às co-
da região. munidades.
Além dos inventários nas áreas que já o poder público passa a dispor de um in-
convivem com certo fluxo turístico, a am- teressante instrumento de preservação e
pliação das áreas inventariadas, sobretudo salvaguarda do patrimônio histórico/cul-
nos municípios que não dispõe de informa- tural e natural/paisagístico. Também as
ções acerca do seu patrimônio, como Ma- comunidades têm um papel fundamen-
nuel Urbano, Acrelândia, Rodrigues Alves, tal para a proteção das suas referências

Patrimônio Histórico e Paisagístico do


entre outros, seriam também uma priorida- culturais, pois é justamente no diálogo
de para os próximos anos. com os diversos grupos, que podemos
Através dos tombamentos, sejam no compreender a constituição cultural da
âmbito nacional, estadual ou municipal, sociedade acreana.

Estado do Acre
93

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Livro Temático | Volume 4
Cultural Político:
Memórias, Identidades
e Territorialidades

4
Capítulo
Cidades do Acre: Experiências de
Planejamento e Gestão
Cidades do Acre: Experiências
de Planejamento e Gestão
Cidades do Acre: Experiências de
Planejamento e Gestão

b Texto: Gisela de Andrade Brugnara1


Conceição Marques de Souza2

96
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1. INTRODUÇÃO

A
apresentação de uma análise para relações de integração fronteiriça e de co-
discutir o Estado do Acre a partir municação externa que vêm a romper com o
de suas cidades adquire um cará- tradicional isolamento espacial do Acre.
ter particular no contexto especial Nesse amplo espectro de ações entre ex-
pelo qual passa a região atualmente. Espe- tremos, o planejamento com alto grau de
cial porque o momento indica mudanças participação popular torna-se, mais do que
significativas no peso dado aos diferentes nunca, um instrumento fundamental para
elementos de configuração do território, o equilíbrio das tensões nos processos de
antes definidos mais em função de seus aci- tomada de decisão. Mais importante ain-
dentes e percursos naturais bem como das da, para que o Estado mantenha a experi-
relações sociais e econômicas que acompa- mentação que vem adotando na tentativa
nharam a ocupação do Acre. de construir internamente possíveis cami-
Uma nova geografia política vem se confi- nhos para a sustentabilidade na Amazônia,
gurando, marcada por elementos de infraes- de elaborar a própria noção local do que
trutura que refletem um esforço de integra- seja desenvolvimento.
ção não apenas do território, mas também As cidades, portanto, são aqui analisadas
entre programas que combinam dois pólos não isoladamente, mas a partir de uma visão
extremos de atuação: primeiro, a tentati- regional. Esta opção refere-se tanto à esca-
va em superar o atraso no atendimento às la adotada no ZEE/AC - Fase II, (1:250.000),
demandas por serviços públicos básicos à como para evidenciar o pressuposto que se
maioria da população; segundo, promover a observa como nortear as ações do Governo
conexão intra e inter-regional, fortalecendo do Estado nos últimos anos: o fortalecimen-
1 Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos | Consultora ZEE
2 Especialista em Gestão de Recursos Hídricos | SEMA
to das vocações locais diferenciadas, que de- dem as populações formadoras da identi-
pende de um projeto de Estado com o claro dade acreana, as terras indígenas, os anti-
objetivo de equilibrar a diferença pela valo- gos seringais, hoje, em grande parte, sob
rização das particularidades locais. domínio de uso das populações agro-ex-
De fato, autores como Paul Singer, Ig- trativistas (RESEX, PAE’s, etc). Tais áreas,
nacy Sachs, André Furtado e Christoffe de atualmente, adquirem um papel preponde-
Gouvello, apontam nessa direção: o plane- rante: provar a sua eficácia ao promover a
jamento, para equilibrar as disparidades qualidade de vida na floresta como um dos

Cidades do Acre: Experiências de


regionais, deve assumir o caráter heterogê- principais fatores que proporcionarão ao
neo do espaço e da cultura como fator de Acre a manutenção de sua identidade, de
superação da heterogeneidade estrutural. sua condição de vanguarda com relação à
Deve-se compreender o comportamento questão ambiental no mundo, à tolerância

Planejamento e Gestão
dos fluxos populacionais, de informação, de e convivência pacífica da sociodiversidade
bens e de capital como fatores de desequilí- acreana, lugar onde se fala, no mínimo, 15
brio entre regiões, criação de dependências línguas, 14 delas indígenas e mais o por-
e de relações assimétricas que resultam na tuguês, sem considerar o espanhol comu-
caracterização de zonas como centrais ou mente falado nas regiões de fronteira e as
periféricas. Deve-se, definitivamente, assu- línguas desconhecidas dos índios isolados.
mir que o inchaço urbano é fruto da desca-
racterização rural. (FURTADO & GOUVELLO, 2. ORGANIZAÇÃO GEOPOLÍTICA
1989; SACHS, 1986; SINGER, 1976). DO TERRITÓRIO
Do isolamento pré-anos 1970, passando
pelo período de transformações abruptas, Predomina no território acreano, duas 97
marcadas por processos (geralmente violen- grandes bacias hidrográficas, compostas pe-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
tos) de transformação da base econômica los rios Juruá e Purus – rios estes, que cor-
florestal pela conversão do uso da terra, que rem paralelos para compor a grande bacia
resultaram em uma urbanização intensa e do Solimões-Amazonas - e mais duas outras
predominantemente concentrada na capital de seus afluentes principais: as bacias dos
Rio Branco, o Acre enfrenta agora o desafio rios Tarauacá e Envira, que deságuam no Ju-
de estar em um contexto regional de inte- ruá, e a bacia do rio Acre, afluente do Purus.
gração tri-nacional, corredor de exporta- A divisão política do Estado se estrutura em
ções, economia de serviços. regionais a partir dessa base hidrográfica,
Por essa razão, as informações aqui o que lhe confere uma característica pecu-
apresentadas não estão organizadas, liar: a dificuldade de comunicação, princi-
como usualmente, pela divisão das regio- palmente no período chuvoso, entre regiões
nais e das principais bacias hidrográficas localizadas em diferentes bacias. Alguns
e sim a partir de agrupamentos gerados municípios da região do Juruá, por exemplo,
em conseqüência de dois fatores princi- entre os meses de novembro e abril, comu-
pais: a vontade política local em adotar nicam-se mais facilmente com o Estado do
instrumentos adequados para a gestão das Amazonas, cuja capital partem a maioria dos
cidades e a estruturação de dois eixos de produtos que abastecem o mercado local.
mobilidade: a ligação definitiva, pela via No entanto, além da tradicional navegação
terrestre, entre a maioria dos municípios fluvial, uma intricada rede de caminhos ter-
do Estado ou, mais precisamente, a ligação restres se distribui sob a sombra da mata.
entre as sedes urbanas de 18 dos 22 mu- São os varadouros e as varações, caminhos
nicípios acreano por meio do asfaltamento construídos, mantidos e intensamente uti-
das rodovias BR-364 e BR-317. lizados pelas populações da floresta, que
Interessa ver também, como as cidades ligam localidades situadas horas, dias e se-
se relacionam com as suas zonas rurais, manas de distância. Horas de caminhadas: é
como interagem com as áreas onde resi- como se calcula a distância na mata.
Das vinte e duas sedes urbanas dos muni- formam organizações de resistência entre
cípios acreano, vinte estão situadas às mar- a população de floresta pela posse e direi-
gens dos rios, as quais sempre formaram to de uso da terra. O êxito do movimento
as grandes vias de comunicação e de trans- político dos povos da floresta resultou na
porte de produtos. Num tempo em que no demarcação de uma série de áreas protegi-
Acre predominava a economia da borracha das com distintas categorias que incluem
e da forma como esta organizava as relações terras indígenas, reservas extrativistas,
sociais e comerciais, a intransponibilidade projetos de assentamento agroextrativis-
Cidades do Acre: Experiências de

transversal das bacias não representava um tas, além de florestas nacionais, florestas
fator relevante – as relações de mercado estaduais, parques e estações ecológicas.
eram externas e não havia a preocupação O Estado do Acre possui atualmente 47,6%
com uma visão de Estado e de território arti- de sua extensão territorial formando um
Planejamento e Gestão

culado internamente. De fato, a maioria, dos mosaico contínuo de áreas protegidas ao


atuais núcleos urbanos, formou-se de povo- longo de 17 municípios3, além da parcela
ados, pequenas vilas originadas dos antigos em terras descontínuas.
barracões de seringais - organizados em Apesar da intensa urbanização ocorri-
função da atividade extrativista: a borracha da pós anos 70 e da concentração de hoje,
descia da floresta pelos rios até a sede, e des- onde quase metade da população do es-
ta partiam as mercadorias e gêneros de pri- tado encontra-se na capital Rio Branco, o
meira necessidade em direção às cabeceiras. Acre ainda mantém uma forte característi-
Nesse período, o Estado esteve ausente no ca rural. Atualmente, 69,1% da população
que se refere ao atendimento às populações do Estado estão nas áreas urbanas e 30,9%
98 que viviam na floresta. Os núcleos urbanos nas áreas rurais, porém, como demonstra-
eram vilas mercantis e não havia uma forte do na análise demográfica do ZEE4, 42,41%
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

organização político-administrativa local (o dessa população urbana está concentrada


Acre foi território federal até o ano de 1962, na cidade de Rio Branco. Excluindo-se os
quando passa à categoria de Estado). A re- dados urbanos da capital, a distribuição
ferência externa sempre se manteve como populacional no Estado se equilibra, com
padrão e o Estado atravessou quase todo o 49,5% da população vivendo nas áreas ur-
século XX sem que suas elites políticas pro- banas e 50,5% nas áreas rurais.
movessem uma aproximação administrativa Tais valores relativos expressam me-
para atender a população rural. lhor uma caracterização socioespacial do
Tal situação de abandono vem à tona a Estado ao serem traduzidos por seus cor-
partir dos anos 1970, com os projetos fe- respondentes valores absolutos. De uma
derais de integração nacional que incenti- população total de 655.385 habitantes, o
varam a ocupação por meio da abertura de município de Rio Branco detém 290.639
rodovias, principalmente, e da montagem habitantes. Os restantes 364.726 estão
de um arcabouço institucional de fomento distribuídos entre 21 municípios, com
à agricultura e pecuária extensivas. Os se- metade desse contingente populacional
ringais foram vendidos, grandes fazendas vivendo nas áreas rurais. Ou seja, são pe-
começam a serem formadas, chega o trator, quenas as cidades acreanas e isso remete
a motosserra, o gado. Eclode a violência, a à discussão de uma caracterização local
paisagem se transforma, moradores da flo- de porte: o que é uma cidade de pequeno,
resta migram para as cidades. médio ou grande porte no Acre? Quais ele-
A partir de então, dois eventos marcam mentos de infra-estrutura e padrões de or-
um novo período na história e na geografia ganização do espaço se adéquam melhor a
local: o Estado começa a se urbanizar, desor- essas áreas? Como evitar a predominância
denadamente, ao mesmo tempo em que se urbana na distribuição dos investimentos?
3 AQUINO, T. e IGLESIAS, M. Povos e Terras Indígenas no Acre. ZEE-Fase II, 2006. versão preliminar.
4 GOETTERT, J. D., SILVA, S. S., ROCHA, K. S. Demografia. ZEE-Fase II, 2005. versão preliminar.
O modelo urbano da capital deve ser o mes- cípios por regionais. Esta opção foi adotada
mo para as cidades do interior? por dois motivos principais:
Agregando-se os valores dos fluxos mi-
gratórios ocorridos no Estado ao longo das 1. Como uma tentativa inicial de refle-
três últimas décadas fica claro que a popu- tir mais fielmente as possíveis seme-
lação do Acre passou a ser urbana recente- lhanças e principais diferenças entre
mente. Os valores apresentados na tabela as cidades acreanas no contexto atual.
abaixo indicam como salientados por Sa- A agregação por regionais é, para este

Cidades do Acre: Experiências de


wyer (2000) e Goettert et al. (2005), não caso, limitada. Contudo, é importante sa-
apenas o crescimento vegetativo da popu- lientar alguns pontos:
lação do Estado, mas também a rápida mi-
gração ocorrida das zonas rurais para os a A gestão por bacias é um marco impor-

Planejamento e Gestão
centros urbanos, invertendo, em 30 anos, a tantíssimo no planejamento territorial e
proporção populacional entre tais zonas. deve ser cada vez mais considerada.
Pelo curto espaço de tempo em que a Pode-se dizer que o Acre possui situa-
aconteceu essa inversão de predominância ções sócio-espaciais endêmicas, ou seja,
populacional, pode-se afirmar que há, ainda, casos em que a diversidade é tamanha,
uma memória do espaço florestal presente na composição de povos, no resultado
em grande parte da população residente nas do macro zoneamento rural, na inserção
cidades, memória do seu modo de vida na contemporânea, etc., que dificultam qual-
floresta. No rastro dessa migração, os ele- quer agrupamento. Mesmo assim, como
mentos da identidade espacial ainda não dito, trata-se apenas de uma tentativa ini-
foram definitivamente apagados. Este fato cial para estabelecer algumas diretrizes 99
marca uma especificidade das cidades do mais factíveis.

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Acre, tornando necessária uma conceitua-
ção local para caracterizá-las. Como afirma 2. O tema em foco trata, especificamente,
José Fernandes do Rêgo, as cidades do Acre das cidades das zonas urbanas, e não de
são cidades florestais. todo o território de cada município. Muito
embora essa separação seja praticamen-
3. CARACTERIZAÇÃO DE te impossível - e a discussão feita aqui as-
SUBZONAS PARA A GESTÃO DO sume certo caráter migrante, passeando
TERRITÓRIO ora apenas na cidade, ora pelo território
como um todo – ela é necessária para
O Mapa de Gestão, resultado da fase II dar a chamada para os instrumentos de
do ZEE (1:250.000), traz um sub-zoneamen- planejamento e gestão territoriais mais
to para as áreas urbanas (ZONA 4 – Cida- minuciosos, que trabalham com escalas
des do Acre). As cidades do Acre foram aqui mais detalhadas de zoneamento.
agrupadas de maneira diversa à tradicional A denominação das subzonas remete à
divisão política do estado que agrega muni- sua localização geográfica - bacias e sub-ba-

Tabela 3. População Acre, 1970-2007.


População 1970 1980 1991 1996 2000* 2007**
Total 215.299 301.303 417.718 483.593 557.882 655.385

Rural 155.992 169.134 159.198 168.322 186.659 190.705

Urbana 59.307 132.169 258.520 315.271 371.223 464.680

Grau de Urbanização 27,5 43,9 61,9 65,2 66,5 70,90

Fontes: SAWYER, D. R., 2000. p. 62-64. * GOETTERT, J. D., SILVA, S. S., ROCHA, K. S., 2005.; **Acre
em Números 2007.
cias hidrográficas, fronteiras nacionais - ou 3. 1. Cidades dos Altos Rios
ainda à condição particular, como o caso da
Capital Rio Branco. Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Jor-
O quadro abaixo apresenta as cidades dão e Santa Rosa do Purus
pertencentes a cada subzona estabelecida
e uma breve caracterização desse agrupa- Criados em 1992, estes municípios tem
mento. Para melhor ilustrar a implantação uma população predominantemente flo-
dos atuais traçados urbanos, foram incluí- restal e ribeirinha em cujo entorno predo-
Cidades do Acre: Experiências de

das algumas fotografias aéreas que, apesar minam terras indígenas e vários tipos de
de não corresponderem à escala do Mapa de unidades de conservação. Localizadas nas
Gestão do ZEE (1:250.000), ajudam a iden- cabeceiras dos rios Juruá, Purus e Jordão
tificar mais facilmente algumas questões (afluente do Tarauacá), têm acesso apenas
Planejamento e Gestão

relevantes, decorrentes de uma ocupação fluviais e aéreo, sendo os rios ainda, como
muitas vezes espontânea, desorganizada e tradicionalmente, a principal via de trans-
sem planejamento. portes e comunicação.

Quadro 5. Cidades do Acre - Categorias para o Mapa de Gestão.

ZONA 4 – CIDADES DO ACRE

100 SUB-ZONAS
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Marechal Thaumaturgo
Porto Walter
4.1 – Cidades dos Altos Rios
Jordão
Santa Rosa do Purus

Cruzeiro do Sul
4.2 – Cidades do Médio Juruá Mâncio Lima
Rodrigues Alves

Tarauacá
Feijó
4.3 – Cidades dos Médios Rios
Manoel Urbano
Sena Madureira

Assis Brasil
Brasiléia
4.4 – Cidades da Integração Fronteiriça
Epitaciolândia
}(rota do Pacífico)
Xapuri
Capixaba

Bujari
Porto Acre
4.5 – Cidades do Baixo Acre e Abunã Acrelândia
Plácido de Castro
Senador Guiomar

4.6 – Capital do Acre Rio Branco


Mantém relações mais diretas com as nas duas retransmissoras de TV que são a
cidades maiores dos médios rios (Cruzeiro Rede Globo e TV Aldeia.
do Sul, Tarauacá e Sena Madureira) para Por sua distância e dificuldade de acesso,
o abastecimento local e atendimento de apresentam potencial para o uso de tecno-
alguns serviços públicos. Dependem forte- logias de descentralização, cujos processos
mente da ação do governo do Estado e de são também geradores de trabalho local (ge-
repasses do governo Federal. A ocupação ração de energia com combinação de fontes
urbana espontânea e sem planejamento, locais, telefonia móvel, internet via satélite,

Cidades do Acre: Experiências de


aliada ao escasso orçamento municipal, di- autoabastecimento, reciclagem), além das
ficulta o atendimento de todos os serviços práticas intensivas em conhecimento tra-
públicos básicos. A comunicação existen- dicional, como as práticas medicinais, por
te funciona de forma precária, a telefonia exemplo. São localidades ideais para abrigar

Planejamento e Gestão
atende somente a rede fixa, existindo ape- pequenos centros de pesquisa e formação

101

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Figura 9. Município de Porto Walter. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

Figura 10. Município de Jordão. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

Figura 11. Município de Santa Rosa do Purus. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
Cidades do Acre: Experiências de

Figura 12. Município de Marechal Thaumaturgo. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
Planejamento e Gestão

profissionalizantes, como o CEFLORA - Cen- que a gestão das cidades dos Altos Rios
tro de Formação e Tecnologias da Floresta, seja um modelo, onde o problema de di-
ligado à Universidade da Floresta/UFAC, que fícil solução transforma-se em oportuni-
trabalha com pesquisadores tanto do meio dade para gerar benefícios amplos e de
acadêmico como aqueles que são morado- longa duração.
res tradicionais da floresta.
O porte muito pequeno de todas essas ci- 3. 2. Cidades do Médio Juruá
102 dades permite ainda um total redesenho de Rodrigues Alves, Cruzeiro do Sul e
seu traçado que organize as atividades de Mâncio Lima
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

serviços e moradia de modo mais racional


e equitativo. Idealmente, o modelo de plane- Situadas no extremo Noroeste do Esta-
jamento deveria ser pensado não para pro- do, têm Cruzeiro do Sul como uma capital
mover a expansão urbana, mas sim para es- regional, a segunda maior cidade do Acre.
truturar e equipar estas cidades em função Ponto final da BR-364, de trafegabilidade
das grandes áreas de floresta e presença de sazonal, pela distância terrestre das outras
populações tradicionais nos seus entorno. regiões do estado e pelo porte do Rio Juruá,
Algo como centros de apoio para a vida na a tradicional navegação fluvial permanece
floresta, pequenos, eficientes e que inibam a como principal e intenso meio de transpor-
atração urbana. te e comunicação com a cidade de Manaus,
Soluções criativas - por vezes ousadas funcionando como pólo de abastecimento.
- e rigor administrativo podem fazer com Separadas entre si por pequenas distâncias,

Figura 13. Município de Cruzeiro do Sul. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
Cidades do Acre: Experiências de
Figura 14. Município de Rodrigues Alves. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

Planejamento e Gestão
103

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Figura 15. Município de Mâncio Lima. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

somam uma população urbana de 62.788 3. 3. Cidades dos Médios Rios


habitantes (84,4% destes em Cruzeiro do Tarauacá, Feijó, Manoel Urbano e Sena
Sul), para um total de 100.161 habitantes Madureira
nos três municípios.
Alguns elementos, antigos e recentes, Tradicionais cidades do Acre, formadas em
pelos fluxos que determinam, influenciam função da atividade extrativista, com data de
consideravelmente a vida das cidades: via criação municipal – exceto Manoel Urbano – logo
de acesso aos municípios do Alto Juruá; após a organização do Território do Acre no ano
presença de muitos projetos de assentamen- de 19045, situam-se na confluência de grandes
to no entorno urbano imediato (Rodrigues rios com a rodovia BR-364. Assim como Cruzei-
Alves); acesso ao Parque Nacional da Serra ro do Sul, funcionam como centros regionais de
do Divisor (Mâncio Lima); sede da Universi- referência para as cidades situadas nas cabecei-
dade da Floresta, tradicional e movimenta- ras, atuando no suprimento de seu comércio, na
do mercado de produtos agroextrativistas; oferta de serviços públicos e como base das eli-
aeroporto internacional (Cruzeiro do Sul); tes da administração pública municipal. Sediam
conclusão do asfaltamento da BR-364. os municípios com maior extensão territorial do
É importante que Cruzeiro do Sul, ao Estado, com mais de 30.000 habitantes (exceção,
fazer seu Plano Diretor, se articule com as novamente, para Manoel Urbano), embora haja
vizinhas Mâncio Lima e Rodrigues Alves, um equilíbrio quanto à distribuição da população
cujas sedes urbanas são bastante próxi- entre as zonas urbana e rural, com grande parcela
mas e recebem sua influência direta. de população ribeirinha.
5 SILVA, Josélia Alves da. O processo de urbanização no Acre. In: ACRE. Governo do Estado do Acre.
Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento Ecológico-
-Econômico do Acre. Rio Branco: SECTMA, 2000. v. II, p. 265.
Cidades do Acre: Experiências de

Figura 16. Município de Manoel Urbano. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
Planejamento e Gestão

104
Figura 17. Município de Sena Madureira. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 18. Município de Feijó. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

Figura 19. Município de Tarauacá. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.


Mesmo com o asfaltamento definitivo da propriedades rurais - influindo, portanto,
rodovia, a intermodalidade dos transportes diretamente no perfil de cada uma das ci-
deve receber especial atenção para atender dades. A região por elas englobada possui
os locais mais distantes das sedes urbanas, elementos comuns determinantes para seu
dada a extensão de seus municípios. Essas agrupamento no contexto atual: fronteiras
cidades têm função estratégica na relação nacionais com Peru e Bolívia conectadas por
com as cidades dos altos rios, devendo estar rodovia; a ligação direta com a parte alta do
equipadas para prover serviços que identifi- Rio Acre, rio este que se encontra em gra-

Cidades do Acre: Experiências de


quem e fortaleçam esta integração. ve processo de descaracterização; o eixo da
BR-317 e sua ligação até a costa marítima
3. 4. Cidades da Integração Fronteiriça peruana (Estrada do Pacífico).
Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia, Xapu- As diretrizes mais acertadas para estas

Planejamento e Gestão
ri e Capixaba cidades serão apontadas por seus planos di-
retores, em fase de elaboração. Uma questão
Mesmo possuindo características muito urbana recente, cuja solução provavelmente
diferet ntes entre si - datas de criação muni- irá demandar muitos recursos financeiros,
cipal desde 1904 (Brasilé ia e Xapuri), anos refere-se aos trechos da BR-317 passando
1970 (Assis Brasil) e 1992 (Epitaciolândia e dentro das cidades de Capixaba, Epitaciolân-
Capixaba); taxas de urbanização variando de dia e Brasiléia. A tendência de aumento in-
68,68% (Epitaciolândia) a 37,34% (Capixa- tenso do tráfego, particularmente do tráfego
ba); taxas de desmatamento variando entre pesado, deve ser considerada para se pro-
48% (Capixaba) e 5% (Assis Brasil); composi- jetar deslocamentos seja da rodovia ou de
ção populacional diversificada determinan- instalações urbanas, em casos específicos. 105
do um mosaico no zoneamento rural desde Tanto a população como as administrações

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
terras indígenas, reservas extrativistas, pro- locais têm demonstrado preocupação com
jetos de assentamento, pequenas e grandes este fator. Os planos diretores, quando con-

Figura 20. Município de Assis Brasil. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.

Figura 21. Município de Brasiléia. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.


Cidades do Acre: Experiências de

Figura 22. Município de Epitaciolândia. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.


Planejamento e Gestão

106 Figura 23. Município de Xapuri. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 24. Município de Capixaba. Fonte: Sérgio Vale/Acervo SECOM, 2009.

cluídos, poderão dar indicativos sobre a ne- municípios juntos somam uma população de
cessidade de mudanças e de que forma estas 49.037 habitantes. Situam-se na região de pe-
devem ocorrer. Idealmente, o prazo para a netração da BR-364 no Acre, início da BR-317,
adoção de tais medidas deverá observar o eixos das rodovias estaduais AC-10 e AC-40,
prazo de conclusão da Estrada do Pacífico além da fronteira com a Bolívia ao longo do
no trecho peruano. Rio Abunã. Com população predominante-
mente rural (62,01% do total de habitantes),
3. 5. Cidades do Baixo Acre e Abunã a região é marcada por fazendas de grande e
Bujari, Porto Acre, Acrelândia, Plácido de médio porte, projetos de assentamento com
Castro e Senador Guiomard alta taxa de conversão florestal, consolidando
uma zona de fronteira agropecuária nas pro-
Sedes municipais de criação recente - Pláci- ximidades da capital Rio Branco.
do de Castro e Senador Guiomar (1976), Porto Pela escala da população, os municípios
Acre e Acrelândia (1992), Bujari (1993). Estes de Plácido de Castro e Senador Guiomar,
Cidades do Acre: Experiências de
Figura 25. Município de Bujari. Fonte: Sérgio Vale/ Acervo SECOM, 2007.

Planejamento e Gestão
107
Figura 26. Município de Porto Acre. Fonte: Acervo SECOM, 2007; B) SEMA, 2009.

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES

Figura 27. Município de Plácido de Castro. Fonte: Acervo SECOM, 2009.

Figura 28. Município de Acrelândia. Fonte: Gleilson Miranda/Acervo SECOM, 2009.


Cidades do Acre: Experiências de

Figura 29. Município de Senador Guiomard. Fonte: Acervo SECOM, 2007.


Planejamento e Gestão

deverão, brevemente, estar enquadrados Capital do Estado, centro político e admi-


na obrigatoriedade de elaborar seus planos nistrativo. Pólo de forte atração populacio-
diretores. A homogeneidade desse agru- nal (46.16% da população total do estado) e
pamento aliada aos graves problemas am- com altíssima taxa de urbanização (92,73%).
bientais da região, indicam a necessidade O município possui um grande número de
de que mesmo os municípios menores tam- bairros devido a um intenso processo mi-
bém o façam - e de maneira concomitante, o gratório ocorrido nos anos de 1970. A ca-
que pode ser facilitado pela criação de um pital recebe uma população oscilante (não
consórcio territorial. estimada) e altamente diversa de todas as
A facilidade de acesso terrestre, proxi- partes do Estado e também de outras regi-
108 midade com a Capital e perfil econômico ões do país e fora dele. Isso contribuiu para
da produção rural, favorece a verticalização que o município se transformasse no maior
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

do setor primário com industrialização nas centro populacional, comercial, cultural,


áreas urbanas. político e industrial do Estado. Representa
uma referência aos demais municípios pela
3. 6. Capital concentração de serviços públicos e priva-
Rio Branco dos, infraestrutura, universidades, hospitais,

Figura 30. Município de Rio Branco. Fonte: Acervo SECOM, 2007.


etc. Localizada às margens do rio Acre, cen- o município e um conceito de cidade. Caberá
traliza o encontro de duas rodovias federais, a cada um deles responder o que pode ser
a BR-364 (de Rondônia à fronteira peruana, uma cidade amazônica do século XXI. Em
no extremo noroeste do Estado) e, por cone- alguns casos, o Plano Diretor, foi elaborado
xão com rodovia estadual, a BR-317 (Estra- antes do zoneamento local, a exemplo de
da do Pacífico, rota da integração fronteiriça Rio Branco, neste caso é importante consi-
com a Bolívia e o Peru, à sudeste). derar que os ZEEs locais (OTLs e ZEAS) tra-
O presente agrupamento para as subzo- rão detalhamentos da extensa zona rural do

Cidades do Acre: Experiências de


nas urbanas é uma proposta preliminar, que município, apenas macro-zoneada pelos Pla-
deve ser refinada a partir da integração dos nos Diretores. Sendo aconselhável prever a
resultados de outros estudos do ZEE-Fase II. possibilidade de inclusão posterior das dire-
trizes apontadas pelos zoneamentos locais.

Planejamento e Gestão
4. DIRETRIZES PARA AS
CIDADES FLORESTAIS 5. INSTRUMENTOS DE
PLANEJAMENTO E GESTÃO
É recomendável que todos os municípios, MUNICIPAL
mesmo sem a obrigação legal, elaborem seus
planos diretores. A criação de consórcios A ocupação urbana no Acre nos últimos
territoriais, como o caso do Alto Acre, pode 35 anos não foi acompanhada pelo que se
favorecer esse processo para os municípios deu nas áreas rurais no mesmo período. A
menores desde que haja amadurecimento meio caminho, a desarticulação rural foi em-
político para uma associação desse tipo. patada pela resistência das populações tra-
A questão do saneamento básico (prin- dicionais a ponto de se ter hoje, em todo o 109
cipalmente esgotamento sanitário e desti- estado, poucas áreas com situação fundiária

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
nação de resíduos sólidos) permanece sem ainda indefinidas, como ilustra o Mapa de
solução em quase todos os municípios, sen- Gestão. Mas, pelo curto espaço de tempo, o
do esta a reivindicação prioritária da po- contingente populacional que migrou para
pulação nas conferências das cidades e de as cidades, tanto das zonas rurais como de
meio ambiente realizadas em todo o estado. outras regiões do país, resultou na ocupa-
E apesar de extremamente custosa é fator ção urbana desproporcional ao preparo das
preponderante para qualquer cidade que se cidades. Esse processo tem ocasionado a fa-
almeja sustentável. velização, com periferias cada vez mais es-
Como forma de medir o peso das cidades palhadas, violência crescente, desemprego e
para a gestão estadual e seu desejável equi- outros problemas ocasionados pela aglome-
líbrio na floresta, é interessante que estudos ração desestruturada, sem bases de susten-
posteriores confrontem a destinação de in- tação e sem regras.
vestimentos entre duas grandes áreas: o mo- O descaso urbano, retrato não somente
saico de áreas protegidas e os atuais eixos de do território acreano, mas verdadeiramente,
integração rodoviária das sedes municipais. um problema nacional, apenas recentemen-
Apesar das inumeráveis dificuldades, as te começou a ser tratado como tal, com a
cidades acreanas ainda são bem pequenas regulamentação dos artigos 182 e 183 da
em termos de aglomeração populacional, o Constituição Federal, que tratam da políti-
que facilita a solução de muitos problemas. ca urbana. A partir da criação do Estatuto
A credibilidade externa conseguida pelo Es- da Cidade (Lei Federal n° . 10.257 de 10 de
tado nesses últimos anos favorece a atração julho de 2001) - que enquadrou os municí-
de recursos financeiros para programas de pios brasileiros quanto à obrigatoriedade
planejamento, organização e requalificação de elaboração de Planos Diretores Partici-
do espaço, como a elaboração e aplicação pativos para reger a política municipal de
dos planos diretores participativos. Os pla- planejamento e gestão territorial - e com a
nos diretores devem trazer um projeto para criação do Ministério das Cidades em 2003,
o governo federal iniciou uma campanha de 5. 1. Zoneamento Ecológico-Econômico
mobilização nacional para a realização das (ZEE I e II) – Estado do Acre
Conferências das Cidades nos âmbitos muni-
cipal, estadual e nacional. Uma das importantes contribuições do Zo-
No Acre, além da Conferência Estadual, as neamento Ecológico-Econômico conduzido pelo
Conferências Municipais foram realizadas em Governo do Estado do Acre, em sua primeira
2003 em todos os 22 municípios e em 2005, fase no ano de 2000, foi ter iniciado no estado
em 18 municípios. Sua realização ocorreu na um esforço conjunto para organização de dados
Cidades do Acre: Experiências de

mesma época das Conferências Municipais e e estudos sobre seu território e estabelecido a
Estadual de Meio Ambiente, o que, em suma, prática do planejamento sistemático e participa-
representa um novo momento de democrati- tivo para orientar a gestão do espaço territorial.
zação e descentralização dos processos deci- A realização do ZEE Acre foi um passo im-
Planejamento e Gestão

sórios para definição de políticas públicas. portante da administração pública estadual


O Governo do Estado apoiou a campanha para mudar os rumos tomados a partir dos anos
do Governo Federal através da Secretaria das de 1970. Com os projetos federais de ocupa-
Cidades, tanto na realização das conferências ção da Amazônia, nos quais a negligência para
como no suporte posterior aos municípios com o ambiente, aliada ao desconhecimento
para a elaboração de seus Planos Diretores, sobre o meio ambiente, contribuiu para a rápi-
propiciando a geração de algumas experiên- da devastação dos ecossistemas. É como afirma
cias locais inovadoras – como o caso do Mu- Clóvis Cavalcanti:
nicípio de Feijó (Primeiro município do Acre a Do ano 2000 para cá, passo a passo se vai
construir seu Plano Diretor). Com esta experi- modificando a prática política quanto ao uso do
110 ência, o Acre tornou-se referência para o Mi- território e resolução de conflitos pela adoção
nistério das Cidades e técnicos do governo do de instrumentos de planejamento participativo
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Estado têm assessorado equipes municipais e gestão democrática. O ZEE-Fase I lançou as


de outros Estados brasileiros na elaboração de bases de informação e diretrizes para o planeja-
seus Planos Diretores Participativos: 05 mu- mento do Estado na direção da sustentabilidade,
nicípios no Oeste da Bahía; Tucuruí, no Pará; mapeando, em uma escala ampla (1:1.000.000),
além do repasse de experiência para municí- toda a heterogeneidade regional em seus diver-
pios do estado do Amazonas em oficinas do sos aspectos: sociais, culturais, ambientais, eco-
Ministério das Cidades ocorrida em Manaus nômicos, históricos e geográficos. O ZEE Fase
em 20066. I foi um grande diagnóstico e prognóstico dos
Além dos Planos Diretores, outras expe- aspectos ambientais, econômicos e sociais, ten-
riências de planejamento e gestão territorial do como resultado nesta fase, as diretrizes e os
de âmbito local vêm ocorrendo em alguns indicativos apontados para a gestão territorial
municípios do Acre. O importante a assinalar do Estado do Acre.
é que não há receita para se elaborar planos Em 2006, O ZEE na Fase II utilizou uma es-
de gestão territorial. Há, sim, diferenças de es- cala de análise mais aproximada (1:250.000)
calas de análise, alguns parâmetros comuns e para avaliar os avanços conseguidos e indicar
priorização de focos de abordagem e, em ca- novos rumos a partir dos resultados alcançados
sos de obrigação legal – como os planos dire- em sua fase I. O principal produto do ZEE Fase
tores - conteúdos mínimos que devem ser res- II foi à elaboração do Mapa de Gestão Territo-
peitados. Todos esses instrumentos têm em rial que expressa uma visão estratégica sobre
comum a elaboração participativa e é a partir o desenvolvimento sustentável do Acre, pau-
deles que se pode começar a responder algu- tado na consolidação de usos já estabelecidos.
mas das questões levantadas: identidades, Constatam-se, pelo Mapa de Gestão, que em
vocações locais, visão de desenvolvimento, macro escala caminham-se para um processo
distribuição de investimentos, entre outras. de pacificação, de estabelecimento de acordos

6 SOUZA, Rostênio Ferreira de. Comunicação pessoal. Rio Branco, 2006.


de convivência entre os diversos setores ma- de 1:100.000, 1:80.000 (OTL e ZEAS) e des-
deireiros, extrativistas, pequenos agricultores tas até chegar a 1:50.000, 1:5.000, 1:1.000,
e indígenas. 1:500 (Plano Diretor), normalmente.
O ZEE, porém, somente pode apontar ma- Todos esses instrumentos são elaborados
cro-diretrizes para políticas intra ou interes- com emprego de processos participativos, coi-
taduais. É um vôo muito alto, que permite ver sa nem sempre fácil de conseguir fazer de ma-
apenas a relação entre as grandes áreas zo- neira efetiva. Mas é a participação da socieda-
neadas, as regiões de floresta intacta ou con- de que garante a visão da vida cotidiana que,

Cidades do Acre: Experiências de


vertida, os principais rios, os eixos rodoviários ao final, é para a qual se projeta e se quer ga-
e os pontos de localização das sedes urbanas. rantir qualidade. É aí que se desenha o mapa
Para ver o que acontece na vegetação, nos 1:1 do planejamento espacial, a escala real da-
ramais, nos rios e igarapés, nas relações de vi- quilo que se quer retratar e transformar.

Planejamento e Gestão
zinhança entre um e outro município, na per- Quanto maior a escala de planejamento
meabilidade entre as zonas rurais e urbanas e, mais este se faz por representantes, ficando
nestas, as avenidas, ruas e bairros, a localiza- suscetível, portanto, a interpretações nem
ção de equipamentos urbanos, a distribuição sempre fiéis e distanciadas da realidade. Daí
espacial e qualidade dos serviços públicos, a importância da complementaridade entre
esses instrumentos. O ZEE do estado vai
acertar mais e mais à medida que os municí-
O uso impróprio da terra pode ser co- pios estiverem preparados para implemen-
nectado à falta de conhecimento sobre tá-lo e subsidiá-lo, não apenas com mapas,
a ecologia amazônica e as avaliações gráficos e tabelas, mas com a fala que vem
equivocadas acerca do potencial produ- do morador de cada localidade, seja de uma 111
tivo da floresta. Apesar disso, continua aldeia, uma unidade de conservação, uma

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
o autor: um saber milenar, meticuloso colocação ou colônia, um bairro, uma rua
e preciso, adaptado aos ecossistemas ou uma casa. Essa face humana é fundamen-
ambientais e que respeita profunda- tal em qualquer trabalho de planejamento,
mente a vida, encontra-se entre a cul- onde já o próprio termo instrumento, tão rí-
tura indígena brasileira. O processo de gido e seco, não contribui muito para fugir
desenvolvimento na Amazônia, que de- de tecnicismos desvairados.
sestabilizou e reduziu as populações in-
dígenas, vai contra esse conhecimento 5. 2. Plano Diretor Participativo - Feijó, Rio
pacientemente acumulado ao longo do Branco, Sena Madureira e Alto Acre
tempo7. (CAVALCANTI, 1991, p. 480)
O Estatuto da Cidade define o Plano
Diretor como o instrumento básico para
enfim, para olhar mais de perto é necessário, orientar a política de desenvolvimento e de
então, adotar escalas que propiciem um deta- ordenamento da expansão urbana do muni-
lhamento cada vez maior. Assim é que o Orde- cípio8. Determina, ainda, que este deve ser
namento Territorial Local – OTL, o Zoneamen- essencialmente participativo, cujo processo
to Econômico, Ambiental, Social e Cultural de de elaboração seja conduzido pelo poder
Rio Branco – ZEAS, os Planos de Desenvolvi- executivo local com a colaboração de todos
mento Comunitário - PDCs e Planos Diretores os setores da sociedade. O artigo 52 do Es-
são os instrumentos capazes de gerar tais in- tatuto da Cidade prevê julgamento por im-
formações mais lapidadas, utilizando escalas probidade administrativa aos prefeitos que

7 CAVALCANTI, Clóvis. Government policy and ecological concerns: some lessons from the Brazilian
experience. In: COSTANZA, R. (ed.) Ecological economics: the science and management of sistaina-
bility. New York: Columbia University, 1991. p. 474-485.
8 BRASIL, Ministério das Cidades. Plano Diretor Participativo – guia para elaboração pelos municípios
e cidadãos. Brasília, 2004.
não construírem o Plano Diretor ou que gerou, em seu processo de elaboração, um
o fizerem sem a participação da sociedade. IDF local.
Dois princípios básicos orientam a cons- O próprio IDF acabou tornando-se um
trução do Plano Diretor: garantir a gestão de- modelo, cuja pesquisa de indicadores e me-
mocrática e a função social da propriedade. todologia foi criada localmente. A equipe
O Plano Diretor Participativo (PDP), de- técnica do governo estadual trabalhou com
pois de concluído, transforma-se em Lei Mu- a equipe do governo federal para incluir a
nicipal e é obrigatório para municípios: metodologia de Feijó na implantação de um
programa nacional de elaboração de IDF
a Com mais de 20.000 habitantes; (SOUZA, 2006).
a Integrantes de regiões metropolita- As diretrizes apontadas pelo PDP de Feijó
nas e aglomerações urbanas; com prazos estabelecidos, estão em fase de
a Com áreas de especial interesse execução como: o parque urbano no lugar
turístico; da antiga pista de pouso e a estruturação
a Situados em áreas de influência de do setor técnico de aprovação de projetos
empreendimentos ou atividades com na prefeitura.
significativo impacto ambiental na re-
gião ou no país. Sena Madureira

Os municípios com mais de 20.000 ha- Sena Madureira foi o segundo município
bitantes tiveram prazo até outubro de 2006 do Acre a ser contemplado com recursos do
para votarem seus Planos Diretores. No Ministério das Cidades para a construção do
Acre, enquadram-se nessa categoria: Rio seu PDP. A prefeitura contou também com a
Branco, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá e parceria do governo estadual na construção
Cruzeiro do Sul. A seguir, uma breve descri- do PDP em 2005, que foi lançado no mes-
ção da situação atual de cada um deles. mo mês da 2a. Conferência Municipal das
Cidades sendo sua elaboração finalizada em
Feijó 2006. O PDP de Sena Madureira foi oficiali-
zado através da lei municipal n. 185/06 de
Na Conferência Municipal de Feijó, em 09 de outubro de 2006. No entanto, sua im-
2003, foi proposto pela população como plementação encontra-se pendente.
prioridade a elaboração do Plano Diretor.
A prefeitura de Feijó obteve o apoio da Se- Rio Branco
cretaria das Cidades do Estado do Acre para
buscar recursos junto ao Ministério das O município de Rio Branco também ini-
Cidades. Feijó foi o primeiro município da ciou seu Plano Diretor Participativo em
Região Norte a obter recursos aprovados 2005, junto com a 2a Conferência Mu-
pelo Ministério e foi, também, o primeiro a nicipal das Cidades, tendo por parceiro
ter seu Plano Diretor aprovado, o que ocor- principal o Governo do Estado. No caso de
reu após um ano de elaboração, em maio Rio Branco, foi feito uma revisão do Plano
de 2005. Diretor de 1986, incluindo as atualizações
Por iniciativa do Governo do Estado, a de acordo com o Estatuto da Cidade.
Secretaria das Cidades fez uma articulação O PDP de Rio Branco foi aprovado e
com a Secretaria Estadual de Educação para instituído através da Lei N°. 1.611 de 27
se fazer um Plano Diretor modelo, a ser em- de outubro de 2006 e estabelece as regras
basado em uma pesquisa socioeconômica para o desenvolvimento urbano da capi-
para construir o Índice de Desenvolvimento tal acreana, tornando-se um instrumento
Familiar (IDF) do município. Dessa forma, básico da política de desenvolvimento do
Feijó tornou-se, novamente, o primeiro mu- município e um orientador da atuação do
nicípio do Brasil a ter um Plano Diretor que poder público e da iniciativa privada na
construção dos espaços urbanos e rural e 5. 3. Planta Diretora - Altos Rios
na oferta de serviços públicos essenciais.
Sua elaboração contou com a efetiva par- O governo do Estado tem promovido,
ticipação social. para as cidades dos Altos Rios, um esforço
Em 2008 é instituída a Comissão Téc- do que se pode chamar de gestão trans-
nica de Apoio à Implementação do Plano versal. Trata-se de um pacote de medidas
Diretor do Município de Rio Branco, atra- projetado especialmente em razão das
vés do Decreto Nº. 2.790 de 30 de maio particularidades que tais cidades apre-

Cidades do Acre: Experiências de


de 2008, com o objetivo de regulamentar sentam em relação às outras cidades do
alguns dos instrumentos previstos do PDP estado (construção de centro adminis-
do município. trativo para as representações estaduais
Os resultados do PDP atual de Rio no município, equipamentos de saúde,

Planejamento e Gestão
Branco dão uma clara noção do quanto um novos aeródromos, desobstrução dos
instrumento de planejamento - que se ori- rios, recuperação de portos, elaboração
gina com uma leitura tanto técnico como de planta diretora com ênfase na auto-
perceptiva da realidade atual do municí- -suficiência local).
pio – é importante para orientar a admi- Denominamos transversal pelo fato
nistração local. Por exemplo, somente com de que esse agrupamento feito pela ad-
o Plano Diretor, a prefeitura veio, a saber, ministração estadual também acaba por
concretamente que 40% dos lotes urbanos enfatizar as limitações da definição de
da Capital estão com situação fundiária políticas públicas por regionais em cer-
indefinida. tos casos, vindo a romper com a histórica
Alguns dos produtos gerados pelo intransponibilidade das bacias hidrográ- 113
PDP podem ser consultados no site da ficas ao promover a articulação intra-es-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
prefeitura de Rio Branco (www.pmrb. tadual pela via de um modelo de gestão.
ac.gov.br). Ou seja, pensar tais municípios em um
mesmo conjunto de ações, pelo que têm
Cruzeiro do Sul e Tarauacá de semelhantes, amplia a possibilidade
de soluções de referência entre um e ou-
O município de Cruzeiro do Sul já pos- tro e enfatiza seu caráter de isolados me-
sui o seu Plano Diretor, porém o mesmo nos como uma condição periférica em re-
necessita ser revisado, estando em pro- lação às cidades dos médios rios e mais
cesso de atualização. A Lei que instituiu o como uma particularidade local.
Plano Diretor Participativo de Cruzeiro do A Planta Diretora é um instrumento
Sul é a Nº 453/2006, de 07 de outubro simplificado de planejamento, que está
de 2006. sendo utilizado pela administração esta-
O processo de elaboração do Plano Di- dual (Secretaria das Cidades e Secretaria
retor de Tarauacá foi finalizado apenas em Estadual de Obras Públicas) como apoio à
2007, e instituído através da lei municipal gestão local para traçar um plano de ações
n. 644/07 de 22 de novembro de 2007. básicas nos municípios de difícil acesso.
No entanto, o mesmo ainda não esta sendo Seu objetivo principal é buscar o melho-
implementado pelo município. ramento na gestão desses municípios, des-
tacar os principais elementos e as macro-
Alto Acre -diretrizes para seu desenvolvimento. Na
elaboração da Planta Diretora foram pro-
Os municípios da Regional do Alto Acre, movidas reuniões nas Câmaras de Verea-
juntamente com o município de Capixaba, dores com instituições e representantes
estão elaborando seus Planos Diretores locais para definir ações a executar em
através do Consócio de Desenvolvimento In- diferentes campos: apoio às associações,
termunicipal do Alto Acre e Capixaba. produção, renda, transporte, energia, sa-
neamento ambiental, infra-estrutura urba- de subsidiar esses estudos, inicialmente foi
na, educação, saúde, serviços, relação do feita uma caracterização socioambiental ao
Estado com as prefeituras e parcerias9. longo da BR-317 de forma a identificar os
principais problemas da região e apontadas
5. 4. Ordenamento Territorial Local algumas soluções a partir da sistematização
das informações levantadas (ACRE, 2004).
O Ordenamento Territorial Local (OTL) Nesta etapa foi identificado o município de
faz parte das estratégias de implementação Brasiléia para a realização do OTL local.
Cidades do Acre: Experiências de

do ZEE Acre, tendo como referência o mapa A seleção do município de Brasiléia como
de gestão do estado. O ZEE fornece as bases piloto para a elaboração do OTL foi uma
gerais e o OTL auxilia na leitura especifica proposta que nasceu da preocupação com
de determinada área com subsídios mais de- os possíveis efeitos negativos da conclusão
Planejamento e Gestão

talhados para a construção de planos de or- da Estrada do Pacífico sobre os municípios


denamento territorial. No OTL a ênfase dada situados ao longo do eixo da BR 317. Além
é na questão do uso e proteção dos recursos de o município possuir limites fronteiriços,
naturais e na resolução de conflitos sócio- deter unidades territoriais ainda bem con-
-ambientais de modo a se ter uma melhor servadas e outras já bem antropizadas.
gestão do território. Seu principal objetivo é As etapas para construção de OTLs dar-
definir cenários de desenvolvimento susten- -se em quatro fases de execução (SOUZA, et
tável a partir de uma análise de tendências e al., 2008):
alternativas para os municípios10. 1. articulação (trabalhos de orientação e
As primeiras experiências na elaboração envolvimento político); 2. diagnóstico (levan-
114 de ordenamentos territoriais no Estado do tamento de dados primários e secundários); 3.
Acre tiveram início no final de 2005, em prognóstico (propostas de cenários, definição
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

parceria com as prefeituras locais, governo de zonas e indicativos de uso) e 4. Plano Lo-
do Estado, CONDIAC – Consórcio de Desen- cal de Ordenamento Territorial aprovado e
volvimento Intermunicipal do Alto Acre e pactuado para posterior implementação.
Capixaba, GTZ – Deutsche Gesellschaft für A partir do OTL de Brasiléia foi possí-
Technische Zusammenarbeit (Agência de vel estender a metodologia para elabora-
Cooperação Técnica Alemã) e DED – Deuts- ção de outros OTLs nos demais municípios
cher Entwicklungsdienst (Serviço Alemão de do Estado.
Cooperação Técnica e Social). Como forma

Figura 31. Fases do OTL. Fonte: SEMA, 2007.

9 VIEIRA, Eduardo. Comunicação pessoal. Rio Branco, 2006.


10 GTZ, Agência em Brasília. Resumo Executivo do Ordenamento Territorial Local. Brasiléia, 2006.
A proposta do governo é até o final de Federal (UFAC, UVF, Embrapa/Acre), BID e
2010 estar com 12 (doze) Planos Locais Banco da Amazônia.
de Ordenamentos Territoriais do municí-
pios de Assis Brasil, Epitaciolândia, Xapu- 5. 6. Consórcio Territorial - Alto Acre e
ri, Capixaba, Sena Madureira, Mâncio Lima Capixaba
Porto Acre, Santa Rosa, Jordão, Tarauacá e
Plácido de Castro, aprovados. O Consórcio de Desenvolvimento Inter-
A construção dos OTLs vem sendo re- municipal do Alto Acre e Capixaba (CON-

Cidades do Acre: Experiências de


alizado pela Secretaria de Estado de Meio DIAC) é uma associação de cinco municí-
Ambiente – SEMA em parceria com o po- pios (Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia,
der público municipal e a participação da Xapuri e Capixaba) fundada em maio de
sociedade civil organizada entre outros 2004 (www.condiac.org.br). O consórcio

Planejamento e Gestão
atores locais. atua na região como articulador e gestor
dos projetos de caráter territorial, que en-
5. 5. Zoneamento Econômico, Ambien- volvem questões comuns a todos os mu-
tal, Social e Cultural – Rio Branco nicípios, a saber: a condição de fronteira
com países coma a Bolívia e Peru, o Rio
O Zoneamento Econômico, Ambiental, Acre; a Estrada do Pacífico; rota de turis-
Social e Cultural - ZEAS do município de Rio mo entre outras questões. As atividades
Branco é um instrumento de gestão terri- executadas pelo CONDIAC são previamen-
torial rural criado pela atual administração te discutidas e necessitam de aprovação
municipal para auxiliar a reorientação das por parte do Conselho de Desenvolvimen-
políticas públicas e a tomada de decisões. to do Território. 115
Difere do Plano Diretor principalmente em À época de sua formação, o CONDIAC

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
razão da escala de análise: 1:100.000, com elaborou seu planejamento para a regio-
macro-estratégias territoriais em 1:50.000 nal do Alto Acre e Capixaba; vislumbrando
e 1:10.000 com definição de áreas-piloto de um período de 10 anos, sendo o mesmo
operacionalização. A interface do ZEAS com revisto recentemente em razão da preo-
o Plano Diretor se faz de forma mais especi- cupação causada por investimentos em
ficamente, nas propostas a serem definidas obras de grande porte na região como: as
para a Macro zona rural onde serão defini- pontes binacionais Brasil-Bolívia (Brasi-
das as zonas rural, urbana, florestal, pecuá- léia) e Brasil-Peru (Assis Brasil); a estrada
ria e ribeirinha. do Pacífico, que ligará a BR-317 ao porto
O diagnóstico do município, consi- de Ilo, no Peru; a instalação de indústrias
derando os temas de recursos naturais, como a Álcool Verde (Capixaba), fábrica de
socioeconomia e cultural-político é um preservativos e fábrica de pisos de madei-
produto relevante para a sociedade e ges- ra (ambas em Xapuri), aviário (Brasiléia)
tores. O ZEAS terá como principal resul- e possível construção da fábrica do Leite
tado o Mapa de Gestão do município, na Glória (Iñapari/Peru). Além de a região ter
escala de 1:100.000, além do Documento sido altamente impactada pelas queima-
Síntese. das de 2005, e está inserida no projeto de
O ZEAS de Rio Branco vem sendo cons- viabilidade turística (Caminhos do Pacífi-
truído de forma participativa, constituindo- co) que vem sendo realizado pelo Governo
-se em uma das estratégias fundamentais do Estado e o SEBRAE.
da segunda fase do Zoneamento Ecológico Como forma de se preparar para a atu-
Econômic o do Acre para planejamento em al dinâmica de desenvolvimento da região,
escala meso-territorial. algumas prioridades foram estabelecidas
O processo de sua construção vem sendo pelo Conselho do Território, entre elas
realizado pelo Governo do Estado em parce- destaca-se a elaboração dos planos direto-
ria com a prefeitura de Rio Branco, Governo res nos cinco municípios em que o CON-
DIAC atua. Neste sentido o CONDIAC ob- contempla ainda, outros instrumentos na
teve apoio financeiro do WWF e suporte instância estadual, definidos como Zonas
técnico e instrumental da Secretaria das de Atendimento Prioritário – ZAP’s, as Zo-
Cidades, FUNTAC e D&D. nas Especiais de Desenvolvimento – ZED’s
As prefeituras do território estão rea- e Planos de Desenvolvimento Comunitário
lizando, sob a coordenação geral do CON- – PDC’s.
DIAC, os Planos Diretores Participativos Os estudos do Zoneamento Ecológico-
em seus municípios. A realização concomi- -Econômico Fase II identificou seis Zonas
Cidades do Acre: Experiências de

tante foi projetada para que cada um dos de Atendimento Prioritário: ZAP Rio, ZAP
PDPs, além das especificidades locais, con- Cidade, ZAP Assentamento, ZAP Unidades
tenha um componente territorial, no qual de Conservação – UC’s, ZAP Terra Indíge-
serão tratadas questões de âmbito regional na – T.I. e ZAP Rodovias Federais – BR.
Planejamento e Gestão

como a recuperação do Rio Acre, a inte- Foram identificadas cerca de 1.980


gração fronteiriça, a rota do Pacífico, entre comunidades, situadas em pequenas co-
outras, cujas soluções deverão ser pactua- lônias ou vilas, projetos de assentamen-
das entre os cinco municípios. Todos eles tos, unidades de conservação e nas mar-
já possuem Leis Municipais de Meio Am- gens dos rios. A intenção do governo ao
biente e elaboraram suas Agendas 21. fazer este mapeamento é atender priori-
De acordo com o Ministério das Cida- tariamente as comunidades localizadas
des, os municípios do Alto Acre são os úni- em zonas com maior isolamento e inte-
cos no Brasil que estão elaborando seus grar estas comunidades no processo de
Planos Diretores sem ter a determinação desenvolvimento regional, fomentando
116 legal de fazê-lo. Há dois fatores que podem políticas estaduais que garantam a me-
explicar este fato: a tradição local de orga- lhoria da qualidade de vida e a susten-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

nização social e a vontade política, fruto tabilidade sócio-ambiental e econômica


de um amadurecimento que coloca as dife- das comunidades acreanas.
renças partidárias em segundo plano. Para a estratificação das ações de go-
verno em nível comunitário foram utiliza-
5. 7. Outros Instrumentos de Gestão das variáveis chaves como a vulnerabilida-
do Território de ambiental e o potencial social. Aquelas
áreas que possuem uma alta vulnerabili-
A formulação de políticas públicas dade associada com o baixo potencial so-
constitui-se, no campo dos governos de- cial, a exemplo das comunidades isoladas
mocráticos, em propósitos que são discu- com alto índice de analfabetismo, reduzi-
tidos com os setores da sociedade e depois da capacidade de organização, precárias
transformados em programas e ações, condições sanitárias e de saúde, são de-
envolvendo vários atores e níveis de de- nominadas de Zonas de Atendimento Prio-
cisão e, quando necessário, propostas de ritário – ZAP.
mudanças no rumo ou curso dessas ações. As ZAP’s se distribuem por todo o
O Zoneamento Ecológico-Econômico Estado do Acre, porém com territórios
do Acre – ZEE, se constitui como instru- delimitados pela sua estrutura fun-
mento orientador das inúmeras ações que diária. Dentro das ZAP’s destaca-se o
compõe, em uma perspectiva mais opera- atendimento a comunidades rurais em
cional, um sistema de decisões públicas Unidades de Conservação, Projetos de
destinadas a manter ou modificar a reali- Assentamento Tradicionais e Diferencia-
dade de um ou vários setores da vida so- dos, Terras Indígenas e outras comuni-
cial, por meio da definição de objetivos e dades nas margens dos principais rios
estratégias de atuação e da alocação dos do Estado.
recursos necessários para atingir os obje- Cada uma das ZAP’s é formada por vá-
tivos estabelecidos. Nesse sentido o ZEE, rias comunidades, cujo recorte é definido
a partir de relações históricas e caracterís- que orienta e define os investimentos e
ticas sociais, culturais e ambientais. serviços a serem instalados nas comuni-
A ação governamental em cada ZAP dades, subsidiando os ordenamento ter-
será definida segundo as características de ritoriais locais e, empoderando as comu-
cada local. Para isso, é necessário conhecer nidades das Unidades de Conservação e
cada comunidade e como se relacionam Assentamentos Rurais.
entre si. Nessa perspectiva o governo vem O objetivo primordial do PDC é identifi-
realizando o zoneamento comunitário, car um conjunto de serviços que devem ser

Cidades do Acre: Experiências de


tendo por estratégia final a elaboração do oferecidos pelo governo de acordo com as
Plano de Desenvolvimento Comunitário. necessidades das comunidades. Estes re-
As Zonas Especiais de Desenvolvimento – presentam uma importante estratégia de
ZED, diferentemente das ZAPs, apresentam integração das ações de educação, saúde e

Planejamento e Gestão
baixa vulnerabilidade ambiental e alto ca- atividades produtivas.
pital humano. São áreas de maior dinâmica São objetivos básicos do Plano de De-
econômica, em condições de oferecer opor- senvolvimento Comunitário: a) proporcio-
tunidades para todos, localizadas na área nar melhorias na qualidade de vida das
de influência direta das rodovias federais comunidades rurais integrando serviços
BR-317 e BR-364, dotadas de melhor infra- básicos de educação, saneamento, ci-
-estrutura, com empreendimentos consoli- dadania, assistência social e saúde; b)
dados, uma ocupação territorial definida e promover o fortalecimento comunitá-
um significativo capital social. Os estudos do rio como estratégia de desenvolvimento
Zoneamento Ecológico-Econômico Fase II econômico sustentado; c) consolidar es-
apontam quatro Zonas Especiais de Desen- tratégias de produção sustentável com 117
volvimentos: Juruá/Tarauacá Envira, Alto foco na floresta e na recuperação de

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Acre, Purus e Baixo Acre. áreas alteradas. Estes objetivos serão
O Plano de Desenvolvimento Comuni- atingidos com o envolvimento das insti-
tário – PDC é uma ferramenta de plane- tuições e dos técnicos no fortalecimento
jamento, em uma escala mais detalhada, da autonomia das comunidades, tendo o

Figura 32. Mapa das ZED’s. Fonte: SEMA, 2009.


Cidades do Acre: Experiências de
Planejamento e Gestão

118
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 33. Oficina comunitária para elaboração de PDC. Fonte: SEMA, 2009.

compromisso de mostrar às populações rurais como espaço de articulação e gestão


as possibilidades de desenvolvimento, de políticas públicas oriunda principalmen-
respeitando sua capacidade de planeja- te, da necessidade de se adotar concepções
mento e estimulando sua capacidade de inovadoras para enfrentar problemas que,
auto-gestão. apesar dos avanços conseguidos, persistem
atingindo fortemente algumas regiões e
5. 8. Os Territórios da Cidadania grupos sociais. A estratégia busca promo-
ver a articulação e a gestão, descentraliza-
O território rural é um espaço físico, geo- da e participativa, de ações para alcançar
graficamente definido, geralmente contínuo, o desenvolvimento social e sustentável das
compreendendo cidades e campo, caracteri- populações que vivem em territórios rurais
zado por critérios multidimensionais tais de todo o país.
como: o ambiente, a economia, a sociedade, O programa Territórios da Cidadania,
a cultura, a política e as instituições, e uma lançado em fevereiro de 2008, fortalece a
população com grupos sociais relativamen- política de desenvolvimento territorial num
te distintos, que se relacionam interna e ex- esforço conjunto do Governo Federal e Esta-
ternamente por meio de processos especí- dual para priorizar ações em regiões e sub-
ficos, onde se pode distinguir um ou mais -regiões onde investimentos públicos e pri-
elementos que indicam identidade e coesão vados não têm sido suficientes para garantir
social, cultural e territorial. o atendimento às necessidades básicas da
A concepção da estratégia de desenvol- população, bem como para acelerar pro-
vimento rural sustentável com enfoque ter- cessos locais e territoriais que ampliem as
ritorial tem como referência os territórios oportunidades de geração de renda de ma-
neira desconcentrada e com a observância ral, vivendo em assentamentos irregu-
da sustentabilidade em todas as suas dimen- lares ou clandestinos, o governo identi-
sões. Este Programa vem de encontro com ficou a necessidade de criar programas
a estratégia de Gestão Territorial adotada habitacionais que possam gerar qualida-
pelo Estado do Acre com a implantação do de de vida para a população acreana. Es-
Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE e a ses programas têm como objetivo redu-
estruturação das ZAPs e ZEDs, tendo o gran- zir o déficit habitacional e a eliminação
de objetivo de promover a inclusão social e de favelas, cortiços e outras formas de

Cidades do Acre: Experiências de


garantir o Desenvolvimento Sustentável. ocupações desordenadas.
O “Plano Territorial de Desenvolvimento O Plano Habitacional de Interesse So-
Rural Sustentável” (PTDRS) do território são cial é um processo integrado que abrange
elaborados e aplicados como uma ferramen- aspectos jurídicos, urbanísticos, físicos e

Planejamento e Gestão
ta de gestão dos territórios constituídos. No sociais tendo como princípio a participação
Acre, os territórios existentes são: da população e das comunidades para dar
a Território da Cidadania do Alto Acre e Ca- início a um planejamento territorial e ha-
pixaba: Composto pelos Municípios de Ca- bitacional em consonância com o Governo
pixaba, Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia e Federal através do Ministério das Cidades.
Assis Brasil. Tendo sido homologado pelo O Plano tem como base a articulação da po-
Conselho Estadual de Desenvolvimento lítica urbana e habitacional do Estado e de
Rural Florestal Sustentável no ano de 2003 seus Municípios.
e incorporado pelo Ministério do Desenvol- As diretrizes básicas do Plano Habita-
vimento Agrário/Secretaria de Desenvolvi- cional de Interesse Social são de beneficiar,
mento Territorial na política nacional de prioritariamente, a população que não tem 119
fortalecimento de território rurais. A partir condições de acesso a terra, a infra-estrutu-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
de 2008, passa a fazer parte do Programa ra e a habitação, garantindo um atendimen-
Território da Cidadania. to amplo e sem diferenciação individual ou
a Território da Cidadania Vale do Juruá: Inte- espacial, o direito a vida e a moradia digna, a
gra este território os municípios de Cru- acessibilidade urbana e aos serviços visando
zeiro do Sul, Porto Valter, Rodrigues Alves, à promoção humana.
Porto Valter e Marechal Thaumaturgo. O Estado do Acre, frente a sua reali-
Homologado pelo Conselho Estadual de dade socioeconômica, física e cultura,
Desenvolvimento Rural Florestal Susten- esta diante de um grande desafio, o de
tável do Estado Acre no ano de 2006 e executar seu Plano Habitacional de Inte-
incorporado pelo Ministério do Desenvol- resse Social. O Estado possui 22 muni-
vimento Agrário/Secretaria de Desenvol- cípios, seu cenário apresenta inúmeras
vimento Territorial na política nacional de dificuldades no processo de elaboração,
fortalecimento de território rurais. A partir que vão desde a precariedade ou falta
de 2009, passa a fazer parte do Programa de corpo técnico nos municípios até os
Território da Cidadania. fatores físicos sazonais que isolam to-
a Território Rural do Baixo Acre: Ainda não tal ou parcialmente varias cidades, além
incorporado ao Programa Território da dos poucos recursos financeiros para
Cidadania: Compreende os Municípios de se implantar e manter um processo de
Rio Branco, Plácido de Castro, Acrelândia, planejamento estadual.
Porto Acre, Senador Guiomard e Bujari. Portanto, o maior propósito do Governo
do Estado do Acre com a implantação do
5. 9. Plano Nacional de Habitação de Plano Habitacional de Interesse Social é a
Interesse Social elaboração e implementação de ações de-
mocráticas que venha garantir, além do di-
Diante da grande demanda existente reito a moradia, melhores condições de vida
no Estado do Acre oriunda do êxodo ru- a toda a população do Estado.
6. COSIDERAÇÕES FINAIS que para o cumprimento da legislação fe-
deral, o Plano Diretor não teria condições
A partir dos indicativos do ZEE/AC hou- nem técnicas e nem financeiras de diagnos-
ve um amplo desdobramento na elaboração ticar e propor diretrizes para a gestão de
de outros instrumentos de gestão em suas todo o extenso território municipal, caso o
diversas escalas. A participação da sociedade mesmo não seja trabalhado em concomi-
e de equipes técnicas multidisciplinares é a tância com outros instrumentos de gestão.
condição prioritária para garantir o sucesso Neste sentido, no Acre, a tarefa de detalhar
Cidades do Acre: Experiências de

das ações e propostas planejadas. a zona rural e sua definição de uso ficou a
A transformação das propostas finais cargo dos Ordenamentos Territoriais Local,
em políticas públicas depende, em grande onde suas diretrizes podem ser incluídas
medida, do grau de organização da socie- como lei complementar no Plano Diretor.
Planejamento e Gestão

dade e da vontade política. Hoje, além do O grande desafio para o governo é fa-
ZEE/AC, somente o Plano Diretor tem força zer a integração dos vários instrumentos
de lei, garantido pela Constituição Federal. de gestão e também a implementação de
Uma boa precaução é fortalecer a integra- ações de desenvolvimento que promovam a
ção dos diferentes instrumentos e o contato melhoria do padrão de qualidade ambiental,
entre as equipes de elaboração para que o entre os quais a redução do desmatamento,
Plano Diretor incorpore, no campo de seus e da qualidade de vida das populações pro-
limites, as diretrizes apontadas nos outros movendo um melhor aproveitamento dos
documentos. Há de se considerar, contudo, recursos ambientais.

120
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4
Livro Temático | Volume 4
Cultural Político:
Memórias, Identidades
e Territorialidades

5
Capítulo
Acre: Integração Transfronteiriças
Com o Peru e a Bolívia
ABREU, Renata Gomes de. Acre: Integração Transfronteiriças Com o Peru e a Bolívia. In: ACRE, Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Cultural político:
memórias, identidades e territorialidade. ZEE/AC, fase II, escala 1:250.000 / Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre. - Rio Branco, Acre:
SEMA, 2010, p. 136-164. Disponível em: <https://historiapt.info/pars_docs/refs/4/3809/3809.pdf>. Acesso em 4 set. 2021.

Acre: Integração
Transfronteiriças Com
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

o Peru e a Bolívia

b Texto: Grupo RETIS/UFRJ1


Renata Gomes de Abreu2
Peru e a Bolívia

136
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

1. INTRODUÇÃO

P
or estar inteiramente contido na rações transfronteiriças, tomando-se como
Faixa de Fronteira do Brasil, o Es- referência o limite internacional. Na segun-
tado do Acre está sujeito às norma- da parte consta um estudo mais detalhado
tivas instituídas pela lei que criou das interações entre o leste acreano e o De-
esse território especial há mais de trinta partamento de Pando na Bolívia.
anos (Lei 6.634/1979). No entanto, para
análise e avaliação das interações transfron- 2. ASPECTOS GERAIS
teiriças este trabalho focaliza as interações
na área marginal à divisa internacional do 2. 1. Localização das sedes municipais
Acre com a Bolívia e com o Peru. Como ocor- em relação ao limite internacional
re em outras regiões de fronteira, o contor-
no dessa área é irregular porque os efeitos O primeiro aspecto a ser registrado é que
territoriais das interações podem chegar ao dos 22 municípios que compõem o Acre, 17
interior do Estado e ultrapassar os seus limi- deles fazem divisa com os países vizinhos. No
tes. O mesmo ocorre do outro lado da linha entanto, somente 07 desses têm sede próxima
divisória, onde os efeitos das interações com ou na linha de fronteira (Acrelândia, Plácido
o Brasil ultrapassam as áreas marginais aos de Castro, Capixaba, Epitaciolândia, Brasiléia,
limites da Bolívia e do Peru com o Acre. Assis Brasil e Santa Rosa do Purus), alguns dos
Na primeira parte deste estudo serão quais localizados na Regional de Desenvolvi-
destacados alguns aspectos gerais das inte- mento do Alto Acre (Leste do Estado).

1 O Grupo RETIS de Pesquisa é formado por pesquisadores-doutores, doutorandos, mestres, mestran-


dos, bolsistas de iniciação científica e de apoio técnico. O grupo atua no Departamento de Geografia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com apoio do CNPq, da FAPERJ e do CEPG/UFRJ
2 Mestre em Ecologia e Manejo dos Recursos Naturais | SEMA
Como é comum em muitos estados da – Peru, passando por Puerto Maldonado e
Amazônia brasileira o formato dos municí- Inambari (Departamento de Madre de Dios)
pios segue os vales dos principais rios que para chegar aos portos do Oceano Pacifico.3
cruzam o Estado no sentido NE-SO. São ma- A conexão do Brasil com o Peru está
joritariamente grandes municípios cujas se- prevista para 2012 e com isso há que se

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


des tendem a se localizar fora da linha de preocupar com a as mudanças sócio econô-
fronteira, muitas delas ao longo da estrada mica e ambientas que poderão ocorrer na
federal BR-364 situada na extremidade Nor- fronteira. Estudos pretéritos sobre os efei-
te do Estado, ou seja, do lado oposto aos li- tos territoriais de abertura de novos eixos
mites com a Bolívia e o Peru. de circulação em espaços com baixo índice
As vias fluviais, no entanto, permitem a de conectividade mostram que é imediata a
conexão entre essas sedes municipais no atração de novos imigrantes e um processo
Norte acreano, enquanto os países vizinhos mais acentuado de apropriação de terras.
estão situados ao Sul do Estado. Existem Em síntese, a disposição da malha mu-
também caminhos terrestres, precários e sa- nicipal e das rodovias acreanas sugere que

Peru e a Bolívia
zonais cortando o Estado e o uso de avione- nos próximos anos serão importantes para a
tas é freqüente. Nas margens dos principais gestão do território as interações transfron-
rios estão localizadas algumas sedes munici- teiriças (formais e informais, positivas ou
pais, dentre as quais Marechal Thaumatur- negativas) no leste acreano.
go e Porto Walter,no Rio Juruá e Assis Bra- Com a conexão transcontinental é prová-
sil, Brasiléia e Epitaciolândia, no Rio Acre. vel que a pressão para alterar o ritmo e o
No Leste acreano, onde o povoamento tipo de uso do território será ainda mais sig-
é relativamente mais denso, principalmen- nificativa a Oeste do Estado (Iglesias & Aqui- 137
te no entorno do município de Rio Branco no, 1999 citado em M Piedrafita & Aquino

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
(45% da população estadual), os municípios 2005).
são menores. Nesta porção do Estado, além
do Vale do Rio Acre, que constitui um eixo 2. 2. Cidades-gêmeas
importante na disposição espacial do po-
voamento, uma rodovia asfaltada (BR-317) O segundo aspecto é que algumas sedes
conecta vários municípios limítrofes entre si municipais apresentam a singularidade de
e com a linha de fronteira. A recente exten- serem vizinhas a cidades ou povoados do
são dessa rodovia até Assis Brasil foi com- país vizinho (casos de Brasiléia e Epitaciolân-
plementada com a construção de uma ponte dia com Cobija, capital do Departamento de
sobre o Rio Acre (2001—2005) na fronteira Pando na Bolívia (Figura 1); Assis Brasil com
tripartite com o Peru e a Bolívia. Iñapari no Peru e o povoado de Bolpebra na
Os efeitos territoriais e logísticos desses Bolívia). Santa Rosa do Purus está relativa-
dois fatos (rodovia e ponte) constituem ele- mente próxima do povoado de Palestina (em
mentos a serem cuidadosamente monitora- mapas antigos aparece como Santa Rosa), e
dos nos atuais e futuros planos de gestão de Puerto Esperanza, do lado do Peru, sem
do território acreano, pois podem alterar a chegar ainda a formar com estes povoados
estrutura espacial e o ambiente, principal- uma relação do tipo “cidade-gêmea”. Como
mente na porção ocidental do Estado. Isso apresentado no esquema (Figura 2), deno-
porque a rodovia BR-317 faz parte de um minamos genericamente de “cidades-gême-
desenho muito mais ambicioso, da Iniciativa as” os casos de cidades vizinhas separadas
para Integração da Infra-Estrutura Regional pela divisa internacional (Coelho, 1992; MI/
Sul-Americana (IIRSA, 2000), no qual um Grupo RETIS, 2005; Machado, 2005).
dos eixos transcontinentais é o eixo Brasil

3 A proposta do IIRSA se fundamentou em proposta pretérita de um grupo de empresários de Rondô-


nia (Souza, 1993).
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia

Figura 1. Cidades gêmeas. Fonte: Conselho de Desenvolvimento Intermunicipal do Alto Acre -


CONDIAC, 2006.

sAs cidades gêmeas apresentam fortes a criação de Zonas de Integração Frontei-


138 potenciais para atuarem como nódulos ar- riça (ZIF). É certo que não se trata apenas
ticuladores de redes locais, regionais, nacio- da existência de interações entre elas, mas
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

nais e transnacionais, além de serem luga- também de sua natureza, grau de dependên-
res favoráveis para promover a colaboração cia em relação a atividades formais e infor-
entre países vizinhos, como, por exemplo, mais e/ou ilegais ou grau de complementa-

Figura 2. Modelo simplificado de Interações entre Cidades-Gêmeas. Organizado por J. Machado.


ridade das economias urbanas. No entanto, va). A segunda “sección” de Nicolas Suárez
exatamente por esses motivos, são lugares é Bella Flor, que faz divisa com os municí-
onde as interações transfronteiriças podem pios acreanos de Epitaciolândia, Xapuri e
atingir níveis altos de complexidade, como Capixaba. A “sección” de Porvenir, embora
indica o modelo proposto sobre interações afastada da divisória, também faz parte da

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


entre cidades gêmeas em limites internacio- região fronteiriça da província de Nicolas
nais. Suárez, assim como as províncias de Manu-
a Diferenças entre as áreas fronteiriças ripe (“secciones” de Filadélfia, Puerto Rico e
acreanas com a Bolívia e com o Peru San Pedro) e Madre de Dios (“secciones” de
O terceiro aspecto é a relativa diferença Sena, San Lorenzo e Puerto Gonzalo More-
na densidade e natureza do povoamento re- no). Por sua vez a província de Abunã tem
gistrada na zona de fronteira, ou seja, nas duas “secciones” na fronteira, Santa Rosa del
áreas fronteiriças acreanas com as da Bolí- Abunã e Ingavi, limítrofes aos municípios de
via e do Peru. Plácido de Castro e Acrelândia.4
Como mostra tanto o mapa do ZEE –

Peru e a Bolívia
a Zona de Fronteira do Acre com a Bolívia 2006 e os mapas da faixa de fronteira (MI/
Com a Bolívia, o Acre compartilha uma Grupo RETIS, 2005), as áreas acreanas limí-
linha divisória de 618 km, correspondente trofes a Pando apresentam atividades agro-
às províncias bolivianas de Nicolas Suárez pecuárias de baixo valor mercantil (mandio-
e Abunã ambas do Departamento de Pando. ca, arroz, milho, pecuária, extração vegetal),
Os municípios acreanos nessa divisa são seis sejam elas exploradas por grandes fazendas
(Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri, Capixaba, ou em pequenas e médias propriedades, ou
Plácido de Castro e Acrelândia) e somam em reservas extrativistas. É preciso registrar 139
89.302 habitantes (13% da população do que no leste acreano existem tanto áreas de

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
Acre). O município de Assis Brasil embora colonização antiga (Plácido de Castro) como
compartilhe um curto segmento com o dis- assentamentos mais recentes (Brasiléia,
trito de Bolpebra (Departamento de Pando) Capixaba) enquanto do lado boliviano não
tem uma interação muito maior com o Peru existem iniciativas similares. Do lado boli-
(Departamento de Madre de Dios). viano a atividade econômica principal é a
As províncias bolivianas de Nicolas Suá- extração de madeira e outros produtos flo-
rez e Abunã apresentam baixa densidade de- restais (castanha, borracha), porém recente-
mográfica com exceção de Cobija, capital do mente o governo boliviano licitou áreas de
Departamento de Pando. Enquanto Nicolas exploração com manejo florestal próximo à
Suárez registra 48.923 habitantes (2009) divisa com o Acre.
dos quais 83,5% em Cobija, a província de O mapa (Figura 3) registra as áreas já desma-
Abunã registra 3.691 habitantes e duas ci- tadas (cores claras), o delineamento dos princi-
dades (Santa Rosa Del Abunã e Ingavi). Cobi- pais rios, os focos de queimada (cor vermelha)5
ja (40.883 habitantes em 2009) e Brasiléia e as vias principais de circulação (em negro).
(20.236 habitantes em 2009) são cidades Além dos aspectos mais óbvios, observa-se
gêmeas articuladas por ponte e por relações que ao Sul de Capixaba, à margem do limite
assimétricas, graças à melhor infraestrutura internacional, os focos de queimada sugerem
da primeira, haja vista que se trata da capi- que novos assentamentos e o deslocamento
tal de Pando. da mão de obra brasileira para trabalhar nos
Cada província na Bolívia é dividida em castanhais e seringais bolivianos provocam
“secciones” (a menor unidade administrati- um adensamento da população rural associa-

4 A quinta província do Departamento de Pando, Federico Román, é limítrofe ao estado de Rondônia.


5 Embora no item sobre queimadas e desflorestamento no Acre na 1ªFase do ZEE o autor registre cor-
retamente que os sensores dos satélites captam focos de calor, que podem não ser queimadas e sim
solo exposto, lençóis de água ou mesmo nuvens, os trabalhos de campo no leste acreano confirmam
que a maioria dos focos de calor se deve a queimadas de floresta primária e secundária, e capoeira.
do ao desmatamento do lado brasileiro do li- / km2 (Santa Rosa do Purus) até o máximo
mite internacional. de 8,38 hab / km2 (Cruzeiro do Sul). Nesse
segmento fronteiriço, a margem acreana é
- Zona de Fronteira do Acre com o Peru ocupada por população majoritariamente
De Assis Brasil em direção ao Oeste do indígena, principalmente Santa Rosa do Pu-
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

Estado, os municípios acreanos6 são limí- rus (Figura 4).


trofes ao Peru (departamentos de Madre de Do lado peruano, três províncias do de-
Dios, Ucayali e Loreto) numa extensão de partamento de Ucayali (Purus, Atalaya e
1.565 km, mais de duas vezes a extensão da Coronel Portillo) têm divisas com os municí-
divisória entre Acre e Bolívia. Baixa densi- pios acreanos. No nível distrital (nível peru-
dade demográfica e predomínio absoluto de ano mais próximo do município brasileiro),
povoamento indígena são dominantes em as três províncias apresentam quatro distri-
toda a zona de fronteira Acre-Peru. Se com- tos fronteiriços (Calleria, Masisea, Yurua e
parada com a zona de fronteira Acre-Bolívia, Purus), que registram uma população total
dois aspectos devem ser ressaltados. Pri- em 2007 de 241.529 habitantes, dos quais
Peru e a Bolívia

meiro, na fronteira com o Peru, populações 93,1% concentrados no distrito de Calleria


indígenas de várias etnias predominam dos (cidade de Pucallpa e seu entorno). Sem Cal-
dois lados do limite internacional, enquan- leria, a densidade demográfica dos outros
to na zona de fronteira com a Bolívia há o três distritos peruanos limítrofes é de 0,4
predomínio de população não indígena em hab/km2, variando desde 0,2 hab /km2 no
ambos os lados. Deve-se notar que, a despei- distrito de Yuruá até 0,8 hab/km2 em Masi-
to desta diferença na composição étnica da sea (INEI, 2007).
140 população, em ambos os segmentos há for- Assim como no Acre, onde a BR-364 for-
tes interações locais. Segundo, na fronteira ma um eixo de povoamento distante do limi-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

do Peru a presença de grandes firmas mul- te internacional, o vale do Rio Ucayali, onde
tinacionais que exploram recursos florestais está Pucallpa, forma um segundo eixo de
e minerais a partir de uma logística própria, povoamento igualmente distante do limite
define mais forte e diretamente a funcionali- internacional entre o Peru e o Brasil.
dade do território em termos dos mercados O mapa (Figura 4) indica os focos de
internacionais do que na fronteira Acre - Bo- queimadas e a difusão e dispersão do po-
lívia, onde a conexão eventual com o merca- voamento relacionado à exploração madei-
do internacional se faz através de mercados reira e outros produtos extrativistas. Foram
regionais e nacionais. acrescentados também os lugares de ação
No Oeste acreano, desde Santa Rosa do evangélica, que estão promovendo o deslo-
Purus até Rodrigues Alves, os municípios camento de populações indígenas de outras
acreanos são limítrofes ao Departamento regiões peruanas para a área de fronteira
de Ucayali e registram segundo a contagem (Piedrafita, Aquino, 2005). Outra informa-
populacional do IBGE ano 2007, uma po- ção relevante é a linha de cabeceiras entre
pulação total de 148.902 habitantes, o que as bacias amazônicas dos rios Ucayali, Juruá
representa 22,7% da população estadual). e Purus. A linha de cabeceiras é elemento
Porém a maioria deles tem sede ao longo fundamental no desenho de uma geopolí-
da BR-364 no Norte do Acre, onde se con- tica ambiental para as zonas de fronteira
centra a maior parte da população de cada internacional da Amazônia Ocidental. Trata-
município. Apenas um deles (Santa Rosa do -se de uma mudança importante em relação
Purus) tem sede na divisa internacional. A ao passado, quando os trabalhos clássicos
mesma fonte indica que a densidade demo- sobre limites internacionais enfatizavam o
gráfica varia desde o mínimo de 0,64 hab papel dos divisores entre bacias hidrográfi-

6 São eles: Assis Brasil, Sena Madureira, Manoel Urbano, Santa Rosa do Purus, Feijó, Jordão, Mal.Thau-
maturgo, Porto Walter, Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima.
cas somente como elemento explicativo do de Santa Rosa do Purus. Os fluxos imigra-
seu desenho. Na atualidade e em função do tórios, difusos no território, e o fraco inves-
avanço dos estudos ambientais, o conheci- timento institucional, restrito à perspectiva
mento e controle sobre a linha de cabeceiras tática (prefeitura, aeródromo, batalhões de
são fundamentais não só para o monitora- fronteira), nos levam a caracterizar esse

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


mento da descarga e qualidade da água dos segmento como do tipo “frente indígena e
rios como por ser um indicador da disposi- extrativista”.
ção geográfica de aqüíferos7. As interações transfronteiriças de tipo
Na fronteira peruana (ao sul de Santa “frente” se confundem em certos aspec-
Rosa do Purus) encontra-se a Reserva Co- tos com os segmentos fronteiriços do tipo
munal do Purus, com núcleos indígenas e “margem”. De maneira similar às frentes, no
diversos povoados não indígenas, incluindo tipo “margem” a população fronteiriça man-
a capital da província, Puerto Esperanza. Ao tém pouco contato entre si, exceto de tipo
sul da Reserva Comunal, o governo perua- familiar e/ou tribal, ou para modestas tro-
no criou o Parque Nacional Alto Purus (em cas comerciais. Porém diferentemente das

Peru e a Bolívia
2000, ainda como Reserva) enquanto do ou- frentes, esses segmentos se caracterizam
tro lado da divisória, em território brasileiro, pela ausência de infra-estrutura, conectan-
foi criada uma unidade de conservação de do núcleos de um e outro lado da frontei-
proteção integral (Parque Estadual de Chan- ra e pela ausência de infra-estrutura insti-
dless). Significa que os parques criados nos tucional. Não é surpreendente, portanto,
dois lados da divisa internacional formam que nesse extenso segmento fronteiriço
uma “zona-tampão” no entremeio de dois cortado pelos formadores do rio Envira, os
outros tipos de territorialidade fronteiriça Povos Indígenas lá situados (Ashaninka, 141
– margem e frente indígena e extrativista Madija, Shanenawá e Kaxinawá) reclamam

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
(Figura 5)8. maior e melhor apoio dos governos estadual
A finalização da demarcação de limites e federal.
entre o Brasil e o Peru (1909) transformou a A Oeste do segmento de tipo “margem”
secular mobilidade indígena nos altos vales em território acreano situa--se o Parque Na-
do Purus e Juruá em trânsito transfronteiri- cional Serra do Divisor (criado em 1989) e
ço entre dois Estados. A tendência dos go- diversas terras indígenas, o que nos leva a
vernos tem sido a de permitir esse trânsito, caracterizar também esse segmento como
mas na atualidade ocorre um “empilhamen- do tipo “zona tampão”. Como observado aci-
to” de outros fluxos transfronteiriços além ma, a criação de uma zona tampão não impe-
da mobilidade secular intermitente entre de a mobilidade indígena transfronteiriça. É
grupos da mesma etnia que vive em lados o caso dos Ashaninkas no município de Mal.
opostos do limite internacional. Registra-se Thaumaturgo (T.I. Kaxinawá / Ashaninka),
a chegada de fluxos imigratórios indígenas e na foz do rio Breu e no rio Amônia (T.I. Kam-
seringueiros de outras regiões do Peru e do pa do rio Amônia), ambos pertencentes à
Acre. No Parque Chandless, por exemplo, já bacia do (alto) Rio Juruá. No Peru, os Asha-
existe uma frente pioneira de seringueiros9, ninkas chegam a mais de 80 mil indivíduos,
até agora tolerada pelo governo estadual espalhados ao longo dos rios Ucayali, Tam-
(Figura 6), e o mesmo ocorre no entorno bres, Perene e nas cabeceiras do Rio Juruá.

7 Agradecemos a Dra. Ana Luisa Coelho Netto (UFRJ) por chamar nossa atenção para essa relevância
da linha de cabeceiras, elemento geográfico sistematicamente subestimado em trabalhos sobre as
implicações geopolíticas da questão ambiental na fronteira internacional amazônica.
8 A tipologia de interações fronteiriças, aqui adotada, é uma adaptação livre de Cuisinier-
-Raynal (2001).
9 Frentes de seringueiros nos altos cursos dos rios Purus e Juruá fazem parte da histórica
regional, com épocas de afluxo e refluxo. Faltam novos estudos sobre a complexa ‘cultura
da seringa’ no sentido de abordá-la como um tipo de gênero de vida e não apenas como luta
pelo direito de explorar a floresta, como fez com sucesso Chico Mendes em seu momento.
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia

142 Figura 3. Fronteira Acre – Peru, núcleos de Povoamento e difusão de queimadas


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LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 4. Tipologia de Interações Transfronteiriças. Fonte: Ministério da Integração/Grupo


RETIS,UFRJ - Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de
Fronteira, 2005
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Figura 5. Município de Santa Rosa do Purus e Parque Estadual do Chandless

Também existem aldeias Ashaninka nos rios Embora existam críticos da presença militar
Envira e Tarauacá. próximo a terras indígenas é preciso conside-

Peru e a Bolívia
Os Ashaninkas têm sido com frequência rar que não só sua presença é garantida pela
mencionados na mídia regional e nacional Constituição Federal como os militares atu-
desde 2001 devido às denuncias feitas pela am como fiel da balança em casos de tensão
comunidade dos dois lados do limite interna- transfronteiriça e de tensão entre indígenas,
cional sobre a expansão das frentes de explo- extratores de madeira e seringueiros do lado
ração madeireira comandadas por grandes brasileiro (ver ZEE V – capítulo 3.3)11.
empresas transnacionais do lado peruano e O Parque Nacional da Serra do Divisor
suas investidas do lado brasileiro para a extra- constitui uma zona-tampão (“buffer zone”) 143
ção ilegal do mogno. Não obstante as denún- do lado do Brasil, que se encontra com uma

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
cias recaírem sobre os peruanos, uma frente zona-tampão do lado do Peru. O complexo
extrativista também avança de Cruzeiro do montanhoso de Contamana (altitude média
Sul em direção à fronteira com o Peru, subin- 500m) abriga oficialmente uma reserva in-
do o vale do Rio Juruá, como indicam os focos dígena de índios isolados Isconahua (família
de queimada ao longo do grande rio (Figura lingüística Pano) e, desde 2006, uma unidade
4)10. Em sentido inverso, o trânsito transfron- de conservação, a Zona Reservada Sierra del
teiriço de traficantes de pasta base e de cocaí- Divisor situada na fronteira do departamento
na utiliza a mesma rota do Vale do Juruá para de Ucayali (Província de Coronel Portillo) com
Cruzeiro do Sul (Aquino, 2004). Um dos vários o Acre, que acompanha a linha divisória em
efeitos das denúncias foi atrair a atenção do direção Norte até o Departamento peruano
exército para essa região, que instalou um ba- de Loreto (província de Requena)12. Estudos
talhão em Mal.Thaumaturgo, com a previsão apontam que Contamana e a área cortada por
de instalação de outros batalhões de fronteira. afluentes da margem esquerda do Alto Juruá
10 Não é contraditória a associação no terreno entre frentes madeireiras e focos de queimada: é comum
na região amazônica que a extração da madeira seja seguida por frentes de posseiros e de fazen-
deiros, responsáveis pelas queimadas. No caso específico do oeste acreano deve-se acrescentar a
exploração de lenha para uso doméstico e para a produção de carvão como fonte de energia, e que
é utilizada por atividades legais e ilegais na área rural. No caso das ilegais estamos nos referindo
às “cozinhas” de processamento da pasta base de cocaína, como sugerida por pesquisa recente (não
publicada) do Grupo Retis/UFRJ
11 Em meio às terras indígenas se situa a RESEX Alto Juruá. Diferenças entre a territorialidade e os ob-
jetivos de indígenas e das populações ribeirinhas criam tensões freqüentes (como em outras regiões
amazônicas), pois os dois grupos reivindicam direitos sobre o território, o que sugere a necessidade
de uma negociação prévia à criação de áreas indígenas e reservas extrativistas e o posterior monito-
ramento de suas interações.
12 Faz parte da proposta de criação de um corredor biológico que congregaria o Parque Madidi na
Bolívia, passando pelo Parque Nacional Bahuaja-Sonene, o Parque Nacional de Manu e o Parque Na-
cional do Alto Purus no Peru, a Estação Ecológica Rio Acre e o Parque Nacional da Serra do Divisor
no Brasil estendendo-se até o Parque Nacional Pacaya-Samiria e a Zona Reservada Güeppi no Peru.
constituem uma das regiões de maior biodi- Brasil, como modestas são até hoje as trocas
versidade do planeta (Aquino et al., 2005)13. entre o Acre e Puerto Maldonado (capital do
Diga-se de passagem, que a Sierra de Conta- Departamento). Ainda mais modestas são as
mana tem sido desde a primeira metade do interações entre ambas as aglomerações e
século XX objeto de interesse de terceiros pa- Bolpebra do lado boliviano (25 famílias)16,
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

íses14. Atualmente, pesquisas sobre a existên- conforme pode ser visualizada na figura 7.
cia de aquíferos na Amazônia e de sua relação A ausência de complementaridade da pro-
com as linhas de cabeceiras poderão conferir dução agrícola e extrativista na fronteira tri-
a esta zona fronteiriça entre as bacias do Ju- partite é um fator restritivo às trocas, como
ruá e do Ucayali ainda maior relevância am- Alexandre von Humboldt já havia observado
biental e geopolítica. em sua viagem à região equinocial no inicio
Na extremidade da fronteira Acre – Peru, do Século XIX. O cultivo da mandioca perma-
no sentido Norte, Mâncio Lima é o único mu- nece sendo o principal gênero alimentício,
nicípio limítrofe ao departamento peruano de assim como a extração de produtos florestais.
Loreto, na província de Requena (distrito de Do lado acreano, no entanto, a expansão das
Peru e a Bolívia

Alto Tapiche), ao Norte da Serra do Divisor. pastagens em áreas desmatadas para a cria-
Ao Sul de Ucayali, o departamento de ção de gado bovino é um novo elemento da
Madre de Dios constitui a segunda maior paisagem, inclusive no interior da RESEX e
extensão de limite internacional acreano de terras indígenas. A provável adoção deste
com o Peru (municípios limítrofes de Assis mesmo padrão de uso da terra nos países vi-
Brasil, Sena Madureira, e Manoel Urbano). zinhos reproduzirá a ausência de complemen-
Assis Brasil é o único com sede na divisa taridade na economia local, o que sugere a
144 internacional (os outros dois têm sede na necessidade de acordos transfronteiriços para
BR-364) Os três municípios acreanos regis- o desenvolvimento de arranjos produtivos lo-
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LIVRO TEMÁTICO 4

tram população total de 49.345 habitantes cais menos danosos ao ambiente.


(7,2% da população estadual15), sendo que
a população municipal de Assis Brasil é de 3. INTERAÇÕES
5.666 habitantes, mais da metade na sede TRANSFRONTEIRIÇAS NA
municipal. A densidade demográfica varia FRONTEIRA ACRE-PANDO
entre 0,76 hab/km2 em Manoel Urbano até
o máximo de 1,86 hab/km2 em Assis Brasil. É bastante conhecida a história pregres-
(IBGE - Contagem populacional 2007). sa de ocupação das áreas do Leste acreano
O departamento de Madre de Dios é o e do Norte amazônico boliviano por grandes
menos povoado do Peru, nesse momento a seringais e a intensa mobilidade de traba-
espera da finalização do processo de cons- lhadores desde o último quartel do século
trução da estrada para o Pacífico. A peque- XIX, origem da famosa “questão acreana”
na aglomeração de Iñapari (população de que culminou com a compra pelo Brasil de
1.288 habitantes em 2007) no lado peruano 251.000 km2 de terras bolivianas (1903)17.
mantém modestos intercâmbios com Assis Existe, portanto, um histórico de “capilari-
13 Quando da inauguração da ponte bi-nacional (sobre o rio Acre) entre o Peru e o Brasil foi firmado
(janeiro de 2006) um acordo para a conservação de recursos naturais através de áreas naturais
protegidas e a proteção de assentamentos indígenas itinerantes de índios isolados em todo o âmbito
da fronteira acreana. O mesmo acordo também prevê a cooperação bilateral com destaque para o
Grupo de Cooperação Sócio-Ambiental Fronteiriça MAP (Madre de Dios, Acre e Pando).
14 Na década de 1930, pesquisas de companhias petrolíferas norte-americanas encontraram indícios
da presença de lençóis petrolíferos ao oeste das serras.
15 Sem o município de Rio Branco o percentual sobe para 13%.
16 Informação obtida no trabalho de campo em julho, 2006.
17 Ao contrário de muitos historiadores e da diplomacia brasileira que consideram a compra do Acre
como o triunfo de uma ‘fronteira móvel’ da nacionalidade brasileira do tipo consagrado por F.Turner
nos EUA, para muitos bolivianos permanece como um tema sensível e fonte permanente de ressenti-
mento, principalmente porque cederam ou perderam grandes extensões de terras para outros países
vizinhos durante os séculos XIX e XX.
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia
Figura 6. Interações em cidades gêmeas – Assis Brasil / Iñapari Fronteira Brasil – Peru, 2006.

dade” fronteiriça, ou seja, de interações es- Dada a relevância das bacias hidrográ-
pontâneas entre o leste acreano e o depar- ficas para a circulação regional, e para po-
tamento de Pando que se mantém até hoje, líticas ambientais que considerem a linha 145
embora com características diversas daque- de cabeceiras, cumpre destacar que a se-

LIVRO TEMÁTICO 4
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las do passado18. paração entre as grandes bacias dos rios
Purus e Madeira, afluentes do rio Amazo-
3. 1. Elementos de articulação da zona nas, se dá precisamente no leste acreano
de fronteira Acre-Pando e leste do departamento de Pando. O rio
Acre pertence à bacia do Purus enquanto
Entre os aspectos relativos à articula- os rios Abunã e Xipamanu, divisa entre
ção dos lugares situados na zona de fron- Acre e Pando, e os rios Tahuamanu e Kha-
teira Acre-Pando, destacam-se: a assime- ramanu pertencem à bacia do Madeira19.
tria em relação à densidade e conservação No trecho da margem fronteiriça acre-
das vias terrestres; a conexão preferencial ana correspondente à bacia do rio Abunã
do departamento de Pando com o Brasil (desde Acrelândia até Capixaba), os lugares
em detrimento das ligações com o interior situados próximos ao limite internacional
da Bolívia; o papel desempenhado pelas conectam-se às rodovias federais BR-317
vias fluviais como facilitadores históricos e BR-364 por meio de uma rede relativa-
de interações do tipo capilar (espontâne- mente densa, para os padrões locais, de
as); e, mais recentemente, a atuação dos rodovias estaduais. A partir de Capixaba,
Estados limítrofes no sentido de dotar na região drenada pelos rios Xipamanu e
de infraestrutura de conexão lugares de alto rio Acre, a BR-317 segue paralela à
comunicação selecionados ao longo da linha divisória ligando as cidades de Epita-
divisa internacional. ciolândia, Brasiléia e Assis Brasil (na fron-

18 Os limites entre o leste do Acre e o Departamento de Pando são majoritariamente limites fluviais: a
leste, os rios Abunã, Rapirran e Xipamanu, pertencentes à bacia do rio Madeira-Mamoré-Beni; e a
oeste, o rio Acre, pertencente à bacia do rio Purus.
19 A bacia do Rio Acre possui maior representatividade no território brasileiro, ao se estender por todo
o extremo leste do estado do Acre. No departamento de Pando, seus canais coletores banham apenas
as secciones de Bolpebra e Cobija. O contrário ocorre com a bacia do rio Abunã: sua área ocupa 37%
do total da superfície do departamento boliviano.
teira com o Peru). Neste trecho, a conexão A ligação preferencial da região norte da
entre o tronco viário principal e o limite Bolívia com o Brasil pode ser observada a
internacional é feita por meio de pequenos partir da análise dos fluxos veiculares diá-
afluentes dos rios Abunã, Xipamanu e Alto rios nos diferentes segmentos da rede viária
Acre, bem como estradas endógenas. fundamental (Figura 8). Os trechos Puerto
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

Na margem boliviana do departamento Rico-Cobija e El Chorro-Guayaramerín for-


de Pando, as vias de transporte terrestre mam duas subzonas distintas e poucos ar-
são escassas e precárias, especialmente no ticuladas entre si, com uma concentração
período chuvoso. A rede primária se irra- dos fluxos nas áreas próximas aos limites
dia a partir de Cobija, e seu eixo principal internacionais com o Brasil. Já as ligações
conecta os centros regionais do norte bo- das vias RF-8 e RF-16 com a capital La Paz
liviano (Cobija, Riberalta e Guayaramerín) apresentam baixa freqüência de utilização.
aos segmentos fronteiriços brasileiros dos Além de formarem a quase totalidade dos
estados do Acre e de Rondônia. A articula- limites internacionais na zona de fronteira
ção da região com o interior da Bolívia é Acre-Pando, os rios que compõem as bacias
Peru e a Bolívia

intermitente e a acessibilidade das áreas do alto Acre e do Abunã funcionam histo-


povoadas é reduzida (ZONISIG, 1997). ricamente como elementos de articulação
A principal via de transporte do depar- entre lugares, dada sua intensa utilização
tamento é a Ruta 13 (RF-13) que, esten- para o escoamento da produção extrativa
dendo-se por 370 km, corta a região no florestal regional. Ao longo de todos os tre-
sentido NO-SE, desde Cobija, passando chos fluviais do limite internacional, a tra-
por Porvenir, Puerto Rico e El Sena até El vessia é freqüente e realizada com auxílio de
146 Chorro (apenas o trecho de 33 km entre pequenas embarcações. A exceção é a área
Cobija e Porvenir encontra-se atualmente entre o igarapé Rapirrã e o rio Xipamanu,
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

asfaltado). Neste ponto, a rodovia cruza a onde há um segmento de aproximadamente


RF-8, que segue para o norte em direção 15 km de fronteira seca entre os dois países,
à Riberalta – capital do departamento de conhecido como Ramal Brasil-Bolívia.
Beni e principal centro povoado no Norte Mais recentemente, o Estado brasilei-
amazônico boliviano – e à Guayaramerin, ro tem cooperado com os países vizinhos
cidade de fronteira vizinha à aglomeração no sentido de promover a construção de
de Guajará-Mirim, em Rondônia20. infra-estrutura de conexão entre cidades de
As vias secundárias e vicinais do departa- fronteira, como é o caso das pontes sobre
mento boliviano funcionam prioritariamen- o rio Acre entre Brasiléia e Cobija (Bolívia)
te como conexões entre os modais rodoviá- – inaugurada em 2004 – e entre Assis Bra-
rios e fluviais. É o caso da rede de caminhos sil e Iñapari (Peru) – inaugurada em 2006.
que liga os povoados de Santa Elena e Puer- Esta última articulação é tida como estraté-
to Rico, na RF-13, ao povoado de Santa Rosa gica para a consolidação do eixo da Estrada
del Abunã, situado às margens do rio Khara- do Pacífico, ligando o estado do Acre aos
manu e próximo ao limite internacional com portos peruanos.
o Brasil. Na região nordeste – área que apre-
senta as menores densidades populacionais a Interações transfronteiriças e cidades-
do departamento – há ainda uma rede pouco -gêmeas
desenvolvida de caminhos vicinais, ligando
pequenos povoados no interior da floresta À semelhança do que ocorreu em grande
aos rios formadores das bacias do Abunã e parte da região da Amazônia sul-americana,
do Tahuamanu (Figura 9). a organização territorial resultante da ex-

20 No sentido norte-sul, a conexão principal do departamento é a RF-16 (154 km em leito de terra) que
liga Cobija à cidade de La Paz, via Porvenir e Chive. O sistema principal de transporte terrestre conta
ainda com uma pequena estrada de terra (76 km) que corta a RF-13 ao sul de Cobija e segue até
Extrema, na fronteira com o Peru.
ploração da borracha na zona de fronteira fatores, pelo relativo isolamento em que
Acre-Pando foi responsável pelo surgimen- se encontram as populações bolivianas das
to, na confluência das principais vias fluviais, “secciones” de Ingavi, Santa Rosa del Abunã
de centros de transbordo, armazenamento e Bella Flor.
e comercialização da produção gomífera. Na divisa internacional Brasil-Bolívia na

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


Em alguns destes lugares, situados sobre região leste do Estado, limitados pelo rio
os limites internacionais, desenvolveram-se Abunã e o igarapé Rapirrã situam-se as aglo-

Peru e a Bolívia
147

LIVRO TEMÁTICO 4
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Figura 7. Departamento de Pando - Rede de transporte terrestre (2005). Fonte: DHV-ANR –
Bolívia, 2006

também, de forma espontânea, interações merações geminadas de Plácido de Castro22,


transfronteiriças de variada intensidade e no Acre, e da Vila Evo Morales, em Pando
natureza. (província de Abunã, sección de Santa Rosa
A bacia do rio Abunã possui um longo del Abunã). Este povoado tipicamente co-
histórico de capilaridade fronteiriça, visto mercial surgiu sob uma região de várzea à
ter se constituído em uma das principais margem direita do rio Abunã confronte a ci-
áreas de exploração da Hevea Brasilienses dade de Plácido de Castro e chamava-se Vila
da Amazônia sul-ocidental21. Aí se encon- Montevideo até 2007, quando foi transferi-
tram importantes lugares de comunicação da para a margem direita do igarapé Rapirrã
onde se observa uma intensificação das após um incêndio onde a maioria das lojas
interações locais, induzidas, entre outros foi destruída.
21 Acre e Abunã estão os seringais mais importantes do território [do Acre]. Ao longo do rio Abunã
encontramos cerca de 20 seringais na área acreana. As sedes dos mesmos estão localizadas nas
margens do rio. Todos estes seringais estão ocupados por brasileiros. Do lado boliviano encontramos
certo número de seringais e seringalistas brasileiros.” (GUERRA, 2004: 277) O escoamento da produ-
ção gomífera da região do Abunã era feita por via fluvial na direção do território do Guaporé (atual
estado de Rondônia). Mesmo depois do asfaltamento da rodovia ligando Rio Branco à vila Plácido de
Castro, entre 1946 e 1952, em função dos custos do transbordo da produção e do frete rodoviário, a
maior parte do comércio da borracha da região, bem como seu aviamento, continuou a ser feito por
Porto Velho. (GUERRA, 2004)
22 Inserido em uma antiga colocação de seringueiros, o local onde atualmente se situa o núcleo urbano
de Plácido de Castro foi convertido, por sua posição estratégica, em depósito do Seringal São Gabriel,
com o nome de Pacatuba, a partir do qual se desenvolveu a sede do atual município.
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia

Figura 8. Departamento de Pando – Fluxo diário de veículos (2005). Fonte: DHV-ANR – Bolívia, 2006

Com o acidente, a Vila que era erguida atendendo a um circuito majoritariamente


sobre palafitas em função de sua localização local. Em função das restrições impostas
em área inundável foi reconstruída às mar- ao trânsito de mercadorias provenientes da
gens do igarapé Rapirrã com vista a facili- zona franca de Cobija até a Vila Evo Mora-
tar sua comunicação com a cidade acreana les por território brasileiro, os produtos são
148 e aproveitar melhor a vantagem locacional transportadas até Santa Rosa del Abunã por
resultante da proximidade com o mercado via terrestre na Bolívia, e daí até a fronteira
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

consumidor da capital do Acre, Rio Branco por via fluvial. As interações transfronteiri-
(Figura 10). ças locais incluem a utilização de serviços
Até a década de 1990, este foi o principal de consumo coletivo e compra de gêneros
ponto de comercialização de mercadorias alimentícios de residentes da Vila Evo Mora-
importadas provenientes de Cobija e trans- les em Plácido de Castro.
portadas através do território brasileiro, A cidade de Plácido de Castro desempe-
conforme o acordo de livre trânsito da Ata nha ainda a função de entreposto comercial
de Roboré (1958). da produção de castanha da região boliviana
Esse arranjo transfronteiriço do comér- do alto Abunã. Durante os meses de colheita
cio de importados entrou em decadência o escoamento do produto é realizado pelas
com a criação das Áreas de Livre Comércio vias fluviais e armazenado em um pequeno
(ALCs) de Brasiléia e Epitaciolândia (1994), porto situado às margens do rio, para então
e o asfaltamento da rodovia federal até Bra- ser transportado para Rio Branco. Embora
siléia (concluído em 1998). Contudo persis- Plácido e Evo Morales não cheguem a serem
te ainda um afluxo residual aos estabeleci- cidades-gêmeas, devido ao caráter provisó-
mentos comerciais do povoado boliviano, rio da estrutura urbana da vila boliviana,
21 Acre e Abunã estão os seringais mais importantes do território [do Acre]. Ao longo do rio Abunã
encontramos cerca de 20 seringais na área acreana. As sedes dos mesmos estão localizadas nas
margens do rio. Todos estes seringais estão ocupados por brasileiros. Do lado boliviano encontramos
certo número de seringais e seringalistas brasileiros.” (GUERRA, 2004: 277) O escoamento da produ-
ção gomífera da região do Abunã era feita por via fluvial na direção do território do Guaporé (atual
estado de Rondônia). Mesmo depois do asfaltamento da rodovia ligando Rio Branco à vila Plácido de
Castro, entre 1946 e 1952, em função dos custos do transbordo da produção e do frete rodoviário, a
maior parte do comércio da borracha da região, bem como seu aviamento, continuou a ser feito por
Porto Velho. (GUERRA, 2004)
22 Inserido em uma antiga colocação de seringueiros, o local onde atualmente se situa o núcleo urbano
de Plácido de Castro foi convertido, por sua posição estratégica, em depósito do Seringal São Gabriel,
com o nome de Pacatuba, a partir do qual se desenvolveu a sede do atual município.
relações de interdependência criam um am- leta de castanha mobiliza um grande con-
biente transfronteiriço de caráter urbano. tingente de trabalhadores volantes duran-
Um segundo tipo de interações trans- te o período chuvoso (dezembro a março),
fronteiriças, nesse caso, rural-urbana, é o incluindo parte significativa da população
de Capixaba. O núcleo urbano está situado rural e urbana do município de Capixaba.

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


próximo ao limite internacional e articula-se Entretanto, a atividade mais rentável des-
à sección boliviana de Bella Flor por meio do te segmento fronteiriço é a exploração de
ramal Brasil-Bolívia, trecho de fronteira seca madeira. Em Capixaba, a Madeireira Ouro
de cerca de 15 km entre a nascente do igara- Branco, até 2005, era a principal emprega-
pé Rapirrã e a confluência dos rios Xipama- dora da PEA urbana do município, atrain-
nu e Kharamanu, formadores do rio Abunã. do mão-de-obra também de outras cidades
Nas faixas de terra contíguas ao ramal, como Xapuri e Senador Guiomard. No ano
quer do lado acreano, quer no departamento de 2004, o município registrou um total
de Pando, a presença de brasileiros é majori- de US$ 2.642.000 (FOB) em produtos ex-
tária. Além de grandes propriedades que se portados oriundos da atividade madeireira

Peru e a Bolívia
estendem para além do limite internacional, (MDIC, 2005).
há diversas pequenas colônias, muitas das Na região fronteiriça boliviana (sección
quais ocupadas por famílias com um longo Bella Flor) há inúmeras serrarias e madei-
histórico de sucessivas migrações no estado reiras de diversos portes, exploradas majo-
do Acre e no departamento boliviano23. ritariamente por bolivianos24. A partir dos
Nas pequenas propriedades predomina anos 90, a expansão das frentes madeirei-
o padrão de uso que associa lavouras para ras na bacia do Abunã (em Pando) resultou
auto consumo e cultivos baseados na derru- no retorno de muitas famílias de brasileiros 149
bada e queima da floresta para a formação que haviam migrado para a Bolívia para se

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
de pastagem. As interações com a cidade estabelecer em seringais bolivianos (ESTE-
de Capixaba são freqüentes, quer para a VES, 2004). Posteriormente, algumas destas
venda de produtos agrícolas, acesso a ser- famílias adquiriram terras no próprio ramal
viços de uso coletivo (educação, saúde, Brasil / Bolívia. A acessibilidade, em função
etc.) ou para compra de mercadorias (Fi- da proximidade com a rede de cidades do
gura 11). leste acreano, aliada ao baixo preço da terra
A margem boliviana fronteiriça ao ra- e às exíguas restrições para a derrubada da
mal apresenta um conjunto heterogêneo floresta no Departamento de Pando, torna-
de formas de ocupação e posse da terra, ram o ramal um dos lugares privilegiados
ocasionalmente superpostas: fazendas, co- de expansão da colonização agropecuária
lônias, comunidades camponesas, barra- no leste amazônico boliviano. A ocupação
cas (seringais) e concessões florestais de intensiva nas últimas décadas tem contribu-
empresas madeireiras (DHV-ANR BV/SNC/ ído para que esta seja uma das áreas com
BID, 2006). Grande parte da produção maiores níveis de detecção de queimadas na
extrativa da região boliviana é escoada região (COTS, 2006)
por terra (em especial, a castanha e, mais Com a promulgação da Lei Florestal (Lei
recentemente o açaí) até o ramal e trans- 1700 de 12-07-1996) 1,8 milhões de hecta-
portada para Rio Branco pela BR-317, ou res foram outorgadas pelo Estado boliviano,
comercializada in natura na própria sede a título de concessões de longo prazo para
municipal de Capixaba (caso do açaí). A co- a exploração florestal, à empresas e pro-

23 Algumas das trajetórias destas famílias foram levantadas em entrevistas realizadas pelos alunos do
campus de Senador Guiomard na disciplina Estudos Regionais V, ministrado pelo prof. Jones Dari
Goettert, e publicadas na Revista Arigó, editada pelo Centro Acadêmico de Geografia / Departamento
de Geografia / UFAC. Parte III: Entre Acre, Bolívia e Peru.
24 Parte da madeira extraída é comercializada, ilegalmente, em território brasileiro nas imediações do
ramal Brasil/Bolívia e beneficiada no estado do Acre.
prietários particulares no departamento de nos de Brasiléia, Epitaciolândia e Cobija. Ao
Pando. A medida visa regularizar a utiliza- contrário dos casos anteriores, esse agru-
ção sustentável e a proteção da cobertura pamento está situado na bacia do Rio Acre.
vegetal em uma das áreas com maiores re- Cobija, capital do departamento de Pando,
manescentes florestais do país (95% do total limita-se com as cidades acreanas pelo iga-
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

da superfície do departamento) (ZONISIG, rapé Bahia (Epitaciolândia) e pelo rio Acre


1997). Atualmente, 49% da superfície da ba- (Brasiléia). Em função da natureza e inten-
cia do Abunã é recoberta por 12 concessões sidade das interações espaciais, esta tríade
florestais, todas elas localizadas na margem urbana pode ser classificada como do tipo
fronteiriça e, em muitos casos, superpostas sináptico (MIN/RETIS, 2005).
às colônias ou fazendas de brasileiros resi- As cidades contam com mecanismos de
dentes em território boliviano. apoio e regulamentação dos intercâmbios,
Em 2008 iniciou-se a formação de uma principalmente mercantis, por parte dos
nova vila, denominada Vila Rapirrã, também respectivos Estados. Em Cobija foi criada
localizada na sección boliviana de Bella Flor, a primeira Zona Franca (ZOFRA)25 do país
Peru e a Bolívia

com acesso ao município de Capixaba pelo (1983). Em janeiro de 2006, encontravam-


ramal Brasil-Bolívia. A instalação de comer- -se aí instaladas 208 empresas, apenas
ciantes bolivianos na fronteira visa aproxi- 10% pertencentes a estrangeiros26. Com a
mar-se cada vez mais do mercado consumi- implantação do regime aduaneiro diferen-
dor da capital Rio Branco. ciado, novos encadeamentos produtivos
O terceiro tipo de interações transfron- foram gerados, especialmente nos seto-
teiriças é o agrupamento mais importan- res comercial e de transporte. Contudo, a
150 te de cidades gêmeas da zona de fronteira Zona Franca de Cobija permanece essen-
Acre-Pando, abrangendo os núcleos urba- cialmente comercial, sobretudo pela es-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

Figura 9. Interações Transfronteiriças - CAPIXABA (Acre) e o território de Pando (Bolívia).

25 Zona Franca: regime aduaneiro que permite o ingresso de mercadorias em um espaço fisicamente
limitado com a suspensão do pagamento de tributos aduaneiros. No caso da ZOFRA de Cobija são
os seguintes os Impostos incidentes: 1.5% para a Câmara de Comércio e Indústria para a instalação
da empresa e 1.5% para importação de mercadorias e maquinarias. O regime aduaneiro outorgado
à Zona Franca é válido em um raio de 30 km a partir do centro de Cobija.
26 Segundo informações obtidas da Câmara de Comércio e Indústria de Cobija, em março de 2006.
cassez de investimentos na ampliação do limítrofes. Ademais, por sua densidade rela-
parque industrial27. cional, o agrupamento urbano fronteiriço tor-
Do lado brasileiro foram criadas as Áreas nou-se um importante nódulo de articulação
de Livre Comércio de Brasiléia e Epitaciolân- de fluxos comerciais regionais, sub-nacionais
dia (1991; instaladas em 1994). Atualmente, e internacionais (legais e ilegais) os quais se

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


segundo a Associação Comercial de Brasiléia, justapõem aos intercâmbios locais. De ambos
a cidade possui 400 empresas formalmen- os lados do limite internacional é forte a pre-
te instaladas, 20% das quais controladas por sença de capitais extra-locais explorando a
empresários de fora da cidade, em especial, de posição privilegiada, o acesso aos mercados,
Rio Branco. Grande parte delas são firmas de a existência de infra-estrutura de transportes,
papel, ou seja, utilizam a cidade como domicí- os benefícios fiscais e as redes pré-existentes.
lio da empresa para poder carimbar a docu- Os dados da balança comercial do Estado do
mentação como procedente da ALC. Acre demonstram a importância das cidades
As trocas comerciais entre Cobija e as de fronteira e, em especial das cidades gemi-
cidades acreanas são intensas. A posição nadas sobre o rio Acre para o comércio inter-

Peru e a Bolívia
privilegiada da capital pandina gera um nacional sub-nacional (Tabela 01).
afluxo de comerciantes atacadistas boli- A mobilidade da mão-de-obra e portanto,
vianos oriundos de Cochabamba, Iquitos e os deslocamentos (definitivos, pendulares
Santa Cruz que revendem seus produtos (p. ou sazonais) também são significativos (Fi-
ex. confecções) em Cobija ou nas cidades gura 12). Predominam os fluxos em direção
brasileiras. A venda de importados na Zona à Cobija e áreas adjacentes, com a ocupação
Franca atrai compradores de Epitaciolândia, de postos de trabalho por brasileiros nos es-
Brasiléia e outras cidades do Acre, principal- tabelecimentos comerciais urbanos do lado 151
mente nos fins de semana, quando o preço boliviano ou em empregos temporários no

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
das mercadorias tende a subir em função setor industrial de beneficiamento de cas-
da grande procura
dos brasileiros. No
período de chuvas, Tabela 1. Balança Comercial Brasileira do Estado do Acre por Município
quando a estrada – 2005. Fonte: MDIC, 2005
que liga Cobija a 2005
La Paz se torna in- Município
transitável, comer- EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO SALDO
ciantes varejistas 15.954.348 501.317 15.453.031
e consumidores
bolivianos vêm ao Acrelândia 427.443 - 427.443
Brasil comprar gê-
neros alimentícios Brasiléia 2.637.252 - 2.637.252
para consumo ou
Capixaba 1.138.695 - 1.138.695
revenda na Bolívia.
As interações lo-
Cruzeiro do Sul - - -
cais também estão
sujeitas à econo- Epitaciolândia 955.178 4.320 950.858
mia de arbitragem.
Pe r i o d i c a m e n t e Rio Branco 10.795.780 496.997 10.298.783
observa-se uma in-
versão dos fluxos comerciais e financeiros em tanha ou da construção civil (PAIVA, MAR-
função das oscilações do câmbio nos países QUES e NOVAIS, 2004).

27 Em agosto de 2005, foi promulgada a Lei 3136 que permite que estrangeiros realizem investimen-
tos industriais em Cobija.
O hibridismo cultural, quer através de duas regionais demonstra a associação en-
casamentos, da aquisição de dupla naciona- tre agricultura de subsistência e pecuária.
lidade ou mesmo da adoção de formas ma- As lavouras do Alto Acre e do Baixo Acre
tizadas de bilinguismo, constitui uma estra- (compostas pelos municípios limítrofes com
tégia frequente das populações de ambos os o departamento de Pando) correspondiam,
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

lados no sentido de facilitar a mobilidade e em 2004, a 58% da área colhida no Estado


amenizar as manifestações de xenofobia, de do Acre. Entretanto, em ambas as regionais
qualquer forma assaz frequentes. a variação da superfície colhida, entre 1990
e 2004, foi modesta. O rebanho bovino, por
a Efeitos territoriais das interações sua vez, teve na regional do baixo Acre um
transfronteiriças crescimento acumulado de 652% e no alto
Acre de 200%, no mesmo período (ZEE II,
Estudos realizados em outras áreas da Agricultura e Pecuária).
fronteira continental brasileira com os paí- No departamento de Pando, a superfície
ses sul-americanos demonstram que a difu- colhida das principais lavouras temporárias
Peru e a Bolívia

são de padrões de uso do solo de uma mar- teve uma variação de menos de 5%, enquan-
gem à outra do limite internacional, é um to a produção bovina passou de 19.000
processo comum entre diversos segmentos cabeças em 1995 para 57.000 em 200330
fronteiriços onde há grande intensidade de (DHV-ANR BV, 2006).
interações espontâneas durante um largo Segundo o estudo realizado para o Corre-
período de tempo (MIN/RETIS, 2005). dor Norte Boliviano (2006), existem atualmen-
No caso do segmento de fronteira Acre- te em Pando, 418 estabelecimentos pecuários,
152 -Pando, observa-se uma “exportação” do pa- dos quais mais de 60% na província de Nicolas
drão de uso do solo característico do leste Suárez (secciones de Cobija, Puerto Rico, Bol-
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

acreano28 para as áreas limítrofes do depar- pebra e Bella Flor). Além dos estabelecimen-
tamento de Pando, em especial a província tos formais estima-se que existam pelo menos
de Nicolas Suárez (que faz divisa com os mu- 10% não registrados. As propriedades estão
nicípios de Brasiléia, Epitaciolândia e Assis localizadas, preferencialmente nas zonas de
Brasil). O padrão baseia-se na formação de melhor acesso e maior articulação com Cobija
pastagens através da relação de parceria em (onde a produção é comercializada), ao longo
atividades agrícolas de baixo nível tecnoló- da RF-13, passando por Porvenir até Puerto
gico (pouco capitalizadas)29 e posterior ex- Rico. Na bacia do Alto Rio Acre (onde se situa
ploração da pecuária extensiva. A evolução Cobija), que em território boliviano possui
das áreas colhidas nas principais lavouras e uma extensão de 1.776 km2, 62% da superfí-
do efetivo bovino nas últimas décadas nas cie é destinada ao uso agropecuário31.

28 Padrão característico de outras áreas amazônicas e de outras regiões do país quando o proprietário
de terra não pode ou não quer realizar investimento direto. Por outro lado, quando os investimentos
são feitos e o regime de parceria eliminado, seu efeito social é dramático devido à expulsão e pos-
terior imigração da população envolvida, como ocorreu no norte do Paraná e oeste de São Paulo a
partir da década de 1970.
29 Atividade agrícola caracterizada pela derrubada e queima anual da floresta e cultivo de produtos
que compõem o trinômio conhecido como “lavoura branca”: mandioca, arroz e milho, e posterior
conversão em áreas em pastagem.
30 Há discrepância entre os dados do estudo da Superintendência distrital do SENASAG (Servício Nacio-
nal de Sanidad Agropecuária e Inocuidad Alimentar daqueles apresentados pela Dirección General
de Desarrollo Productivo y Financiamiento, órgão do Ministério de Asuntos Campesinos y Agrope-
cuários (MACA, 2005).\
31 Na margem fronteiriça do departamento de Pando, as áreas dedicadas à pastagem aumentam anual-
mente. Com o início do processo de regularização das propriedades de terra após a promulgação da
Lei do Serviço de Reforma Agrária pelo INRA, em 1996, assistiu-se, em muitos casos, o crescimento
do desmatamento. Trata-se de uma estratégia utilizada por pecuaristas também na Amazônia bra-
sileira para demonstrar o cumprimento da função econômica social perante o órgão regulador e
consolidar, assim, os seus direitos sobre as terras ocupadas (DHV-ANR BV, 2006)
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia
Figura 10. Interações entre cidades gêmeas – BRASILÉIA (Acre); COBIJA (Pando)

A recente difusão deste tipo de padrão foi sários sediados em Brasiléia e Epitaciolân- 153
resultado de processos ocorridos em ambos dia investiram na compra de propriedades

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
os espaços limítrofes nas últimas décadas. no departamento de Pando, sobretudo nas
Em Pando, com o processo de desintegração áreas próximas à capital Cobija. Sobre essas
do sistema de barracas (seringais) subse- propriedades de brasileiros é que o governo
qüente à decadência da economia da bor- de Evo Morales, que assumiu a presidência
racha e à promulgação da Lei de Reforma boliviana em 2006, quer fazer valer a proi-
Agrária (em 1953), surgem as denominadas bição constitucional de aquisição de terras
comunidades camponesas livres. Estas or- por estrangeiros na faixa de 50 km contígua
ganizações passaram a ocupar as áreas ar- ao limite internacional, sob pena de desa-
ticuladas aos principais centros urbanos do propriação das áreas ocupadas.
norte amazônico (Cobija e Riberalta) – ini- Há, portanto fortes indicadores de um
cialmente áreas marginais às principais vias processo de reestruturação territorial na
fluviais e, a partir da década de 1970, as margem fronteiriça boliviana, com a con-
faixas de terra ao longo das vias terrestres tínua valorização das terras ao longo dos
recém-implantadas – dedicando-se às ativi- principais eixos rodoviários, diminuição
dades agropecuárias, principalmente para progressiva da cobertura florestal, conflitos
auto consumo. Nas áreas mais povoadas decorrentes do acesso desigual à proprie-
desenvolveu-se um mercado de terras que dade e, mais recentemente, tensões sobre o
alterou significativamente as formas preté- direito de propriedade dos brasileiros, que
ritas de ocupação do solo. (ZONISIG, 1997). afetam diretamente a zona de fronteira.
A partir da década de 1980, a abertura do Outro importante efeito territorial das
mercado de terras no norte boliviano tam- interações espaciais na zona fronteiriça está
bém atraiu capitais brasileiros provenientes, associado aos freqüentes deslocamentos
entre outros, da expansão dos intercâmbios populacionais ao longo de todo o segmen-
comerciais nas cidades-gêmeas do alto Acre. to em questão. A mobilização de grandes
Explorando as assimetrias no preço da terra contingentes populacionais provenientes no
dos dois lados da fronteira, diversos empre- estado do Acre, em períodos distintos, mas,
sobretudo a partir da década de 1970, em Finalmente, outro efeito territorial das
direção ao departamento de Pando, resultou interações espaciais na zona fronteiriça é o
de inúmeros fatores atuantes do lado brasi- desenvolvimento, nas últimas décadas, de
leiro da divisa: conflitos envolvendo a posse um complexo e dinâmico Arranjo Produtivo
das terras acreanas na fase de penetração Local Transfronteiriço (na zona de frontei-
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

da frente pecuarista; decadência da econo- ra Acre-Pando) ligado à cadeia produtiva da


mia da borracha no Acre; procura de postos castanha amazônica (Bertholletia excelsa).
de trabalho nas áreas urbanas; formação da A conformação deste tipo de organização
mão-de-obra volante para o trabalho em ati- territorial envolve aspectos como: áreas de
vidades agropecuárias e/ou extrativas (ES- ocorrência e o potencial produtivo da re-
TEVES, 2005). Segundo levantamento reali- gião; posse da terra; deslocamentos de mão
zado “in loco” pela mesma autora em 1990, de obra para as diversas etapas da produção;
foi estimado um total de 7000 famílias de comercialização, escoamento e transporte
brasileiros residindo no departamento de da produção; processamento e beneficia-
Pando em uma área de 50 km2 entre os rios mento da produção; evolução dos preços no
Peru e a Bolívia

Kharamano, Xipamano, Thauamano, Abunã mercado internacional; instituições envolvi-


e Orthon. das no fomento às atividades produtivas.
No recenseamento de 2001, o Instituto A castanha (Bertholletia excelsa) é atual-
Nacional de Estatística (INE) da Bolívia re- mente o Produto Florestal não Madeireiro
gistrou apenas 2.472 estrangeiros no de- de maior importância na região norte boli-
partamento de Pando, sobre uma população viana. Sua distribuição natural abrange cer-
total de 52.525 habitantes. A diferença en- ca de 100.000 km2, compreendendo todo o
154 tre os dados apresentados pelo estudo men- departamento de Pando, a província de Vaca
cionado (ESTEVES, 2005) e os dados oficiais Diez no departamento de Beni e o norte da
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

pode ser atribuída à informalidade em que província de Iturralde, no departamento de


vive grande parte dos brasileiros na mar- La Paz. As áreas com maior potencial flores-
gem fronteiriça do país, muitos dos quais se tal de Pando correspondem ao sudoeste e ao
recusam a declarar sua nacionalidade. norte-central do departamento, esta última
Através de um indicador indireto é pos- situada próximo ao limite internacional com
sível estimar o número de estrangeiros não o Brasil, na bacia do Abunã – região conhe-
contabilizados formalmente pelas estatísti- cida como Bolsão do Rapirran (ZONISIG,
cas nacionais. A variável “pessoas com mais 1997). Segundo o mesmo estudo, o poten-
de 6 anos que falam línguas estrangeiras” cial produtivo do departamento boliviano
demonstra uma aproximação mais fiel em seria de 317.500 toneladas / ano de casta-
relação à realidade local do que a informa- nha com casca, o que resultaria, estimando-
ção referente à migração. Analisando estes -se uma taxa de coleta de 30%, em 95.000
dados é possível observar uma concen- toneladas / ano.
tração de indivíduos que dominam algum No Brasil esta espécie florestal ocorre
idioma estrangeiro nas províncias e seccio- nas regiões do Purus, Alto Acre e Baixo Acre,
nes, localizadas na margem fronteiriça com compreendendo uma área de 77.000 Km2.
o Acre. Destaca-se a província de Abunã, A estimativa do potencial de produção para
eminentemente rural, onde a capilaridade os municípios do Acre é de 55.000 tonela-
e os deslocamentos populacionais são in- das de castanha (sendo 30% em Xapuri, 20%
duzidos, sobretudo, pelas atividades extra- em Assis Brasil e 10% em Brasiléia), medido
tivas, frentes madeireiras e parcerias em a partir da densidade de indivíduos arbóre-
propriedades agropecuárias32. os, da área total e da área desmatada dos

32 Atualmente observa-se a intensificação de fluxos migratórios de retorno de brasileiros residentes


em Pando para o estado do Acre (ESTEVES, 2004). Como já mencionado, o avanço das frentes ma-
deireiras em Pando é um dos fatores que explicam tal processo. Essa população tende a permanecer
como mão-de-obra volante, desenvolvendo atividades temporárias, na agricultura ou na periferia das
cidades.
municípios33. O ciclo da produção envolve tamento boliviano não se encontra plena-
diversas etapas, desde a coleta (que coin- mente regularizada, a despeito do processo
cide com o período chuvoso, ou seja, entre em curso de reforma fundiária promovido
os meses de novembro/dezembro e março/ pelo Estado central na região.
abril), o armazenamento, o transporte, o be- O período de coleta da castanha nas

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


neficiamento (quebra e seleção) e a comer- grandes propriedades mobiliza enormes
cialização do produto. contingentes de trabalhadores volantes em
No departamento de Pando, a atividade grande parte provenientes dos principais
extrativa da castanha é realizada tanto em núcleos urbanos da região34. Na margem
pequenas propriedades, de castanheiros in- fronteiriça com o Acre, esta mão-de-obra
dependentes, quanto em grandes proprieda- sazonal é recrutada, sobretudo, nos muni-
des, cuja extensão pode variar de 1.000 a cípios limítrofes, como Plácido de Castro,
150.000 hectares. Capixaba, Epitaciolândia e Brasiléia. A etapa
Historicamente, em função da limitada de beneficiamento também envolve a con-
presença institucional do Estado, grande tratação maciça de mão-de-obra temporá-

Peru e a Bolívia
parte da região norte boliviana foi ocupada ria, especialmente feminina, para descascar
através da posse de grandes extensões de e selecionar a castanha, durante um período
terra não tituladas, dando origem ao modelo de 6 a 10 meses (MACA, 2003). Nas cidades
conhecido como “sistema de barracas”. Mui- de Brasiléia e Epitaciolândia são intensos os
tos dos atuais “proprietários” destas barra- deslocamentos pendulares de mulheres re-
cas são brasileiros que adquiriam extensos sidentes dos bairros pobres para a indústria
seringais na Bolívia, e que hoje exploram a localizada na cidade de Cobija (PAIVA, MAR-
produção extrativa da castanha. Esta situa- QUES e NOVAIS, 2004). 155
ção é muito comum, especialmente na mar- A compra da produção é feita, em am-

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
gem fronteiriça boliviana da bacia do Abu- bos os lados do limite internacional, por co-
nã, limítrofe aos municípios de Capixaba e merciantes individuais, cooperativas ou por
Plácido de Castro. intermediários das indústrias de beneficia-
Atualmente, alguns elementos tornam mento situadas em território boliviano.
ainda mais complexa a questão da posse A capacidade de beneficiamento local
das terras na região e demonstram carac- da castanha produzida no estado do Acre
terísticas de uma frente pioneira: a) Com ainda é reduzida. Do total da produção do
a promulgação da Lei Florestal de 1996, estado, 95% são exportados in natura. Já na
cerca de dois milhões de hectares de terras Bolívia, a ação dirigida do Estado central es-
no departamento de Pando foram concedi- timulou a instalação das primeiras plantas
das à empresas e particulares para o ma- industriais em Riberalta já em meados da
nejo florestal; muitas destas concessões se década de 1980. Em 1997, ano em que o
superpõem às antigas posses; b) Há fortes preço internacional da castanha amazônica
pressões por parte das organizações cam- atingiu seu patamar mais elevado, havia 17
ponesas para que o Estado realize projetos empresas de beneficiamento funcionando
de assentamento agropecuários na região; na região (MACA, 2003).
c) Observa-se recentemente, um processo Em 1989, um grupo de empresários bo-
de integração vertical da cadeia produtiva livianos instalou uma nova planta na cidade
da castanha, com a aquisição das antigas de Cobija. Explorando os benefícios fiscais
barracas pelas indústrias de beneficiamento da Zona Franca boliviana e a infra-estru-
(MACA, 2003). tura do lado brasileiro, a empresa Tahua-
Portanto, no que se refere à propriedade manu passou a captar também uma parte
da terra, a exploração da castanha no depar- da castanha in natura produzida no Acre,

33 Ver documento do ZEE II: Potencial Florestal Produtos Não Madeireiros.


34 Estima-se entre 8000 e 17000 o número de trabalhadores mobilizados no período de coleta da cas-
tanha no departamento de Pando (MACA, 2003).
Acre: Integração Transfronteiriças Com o
Peru e a Bolívia

Figura 11. Departamento de Pando (Bolívia) Migrações Nacionais e Internacionais (2001)

anteriormente direcionada para empresas de fronteira. No departamento de Pando, o


paraenses. A parceria informal entre os cas- transporte para a zona beneficiadora tradi-
156 tanheiros no Acre e a indústria Tahuamanu cional de Riberalta é feito majoritariamente
foi formalizada em 2003, a partir das nego- pela rede fluvial. Já a produção destinada
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

ciações entre a empresa boliviana e as coo- à Cobija é transportada preferencialmente


perativas de Brasiléia, Xapuri e Rio Branco, por via terrestre, quer pela RF-16 (que liga a
com a intermediação do governo estadual. cidade até Chive), por onde é escoada a pro-
A estratégia da empresa consistiu em asse- dução da sección de Filadélfia, quer pela RF-
gurar o abastecimento da indústria em um 13, por onde é transportada a castanha pro-
momento de abertura de novos mercados e veniente de Bella Flor e Puerto Rico. Parte
de aumento dos preços internacionais. da produção, oriunda das áreas limítrofes ao
De fato, a dinâmica anual da safra de cas- Brasil, na bacia do rio Abunã, relativamente
tanha é fortemente controlada pelos preços isoladas dos principais eixos de transporte
internacionais, incluindo as negociações bolivianos, é escoada via Capixaba e Plácido
referentes ao valor pago aos trabalhadores de Castro35.
volantes e castanheiros individuais pelas Como se pode observar, o Arranjo Pro-
empresas contratantes ou intermediários. dutivo Local transfronteiriço da castanha
Os preços praticados regionalmente encon- articula, na região limítrofe entre o leste
tram-se fortemente controlados pelas indús- acreano e o departamento de Pando, uma
trias bolivianas. Estes valores diminuíram extensa e funcionalmente diversificada rede
nos últimos anos embora o preço no mer- de lugares. Nota-se também uma presença
cado internacional tenha tido uma oscilação crescente dos estados contíguos visando
pouco significativa, entre 2.5 e 3.30 dólares promover, através de diversos mecanismos,
por quilo de castanha (2003-2004) (MACA, a intensificação de interações que, historica-
2003). mente, ocorreram de forma predominante-
O escoamento da produção é feito pelas mente espontânea. O que significa que esta
principais vias terrestres e fluviais da região zona de fronteira pode estar evoluindo no

35 Informações obtidas em trabalho de campo realizado em março de 2006, portanto, no final do perí-
odo de coleta da castanha.
Tabela 2. Departamento de Pando (Bolívia) - Migrantes Internacionais e Pessoas que falam
idiomas estrangeiros (2001).
Migrantes Pessoas que falam língua
Departamentos Internacionais / estrangeira / População
População Total (%) Total (%)

Acre: Integração Transfronteiriças Com o


NICOLÁS SUÁREZ

Sección Capital – Cobija 3,0 17,6

Primera Sección – Porvenir 8,0 15,0

Segunda Sección – Bolpebra 19,0 41,0

Tercera Sección - Bella Flor 17,0 26,0

Peru e a Bolívia
MANURIPI

Primera Sección - Puerto Rico 0,0 0,6

Segunda Sección - San Pedro 0,0 1,4

Tercera Sección – Filadélfia 4,0 7,0 157

LIVRO TEMÁTICO 4
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
MADRE DE DIOS

Primera Sección - Puerto Gonzalo


0,0 0,7
Moreno

Segunda Sección - San Lorenzo 0,0 0,7

Tercera Sección – Sena 1,0 1,4

ABUNÁ

Primera Sección - Santa Rosa del


30,0 46,5
Abunã

Segunda Sección – Ingavi 5,0 47,6

FEDERICO ROMÁN

Primera Sección - Nueva Esperanza 3,0 9,0

Segunda Sección - Villa Nueva


0,0 1,0
(loma alta)

Tercera Sección - Santos Mercado 1,0 16,0

Fonte: INE, 2001. Organizado pelo Grupo Retis.


sentido de atingir um novo patamar de or- Vale destacar ainda a Iniciativa MAP
ganização territorial. (Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/
Apresenta alto grau de troca entre as po- Bolívia), um movimento de integração fron-
pulações fronteiriças. Os Estados têm atua- teiriça criada em 1999. Trata-se de um “es-
do nesta região, beneficiando as trocas na paço público” composto por representantes
Acre: Integração Transfronteiriças Com o

fronteira, o maior exemplo desta interven- de instituições públicas e privadas, pesqui-


ção foi a inauguração, em 2004, da Ponte sadores de diversas áreas e membros da
Wilson Pinheiro. sociedade civil da Amazônia Sul-Ocidental,
denominado região MAP. A iniciativa tem
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS como interesse discutir alternativas e for-
matar propostas integradas que promovam
Vimos neste trabalho que a zona de o desenvolvimento sustentável na região
fronteira do Brasil com a Bolívia é um de fronteira.
importante espaço de articulação e de Espaço público aqui é entendido como um
comunicação entre as lógicas territoriais espaço não estatal formado por vários seto-
Peru e a Bolívia

dos dois Estados. As características e os res e redes sociais que somam seus esforços
processos que ocorrem em um lado da para o enfrentamento de problemáticas socio-
fronteira não são detidos pelo limite inter- ambientais, assumindo um papel de colabo-
nacional, formando assim um espaço de radores para a formulação e gestão de polí-
interações transfronteiriças. ticas públicas, pelas vias do desenvolvimento
As migrações internacionais mostram a sustentável, em resposta às demandas sociais
penetração do povoamento brasileiro no in- na fronteira Brasil, Bolívia e Peru. Passando
158 terior da faixa de fronteira boliviana, propa- a existir, a partir do momento em que vários
gando um novo modo de relações sociais e atores sociais com interesses diversos aceitam
CULTURAL POLÍTICO: MEMÓRIAS, IDENTIDADES E TERRITORIALIDADES
LIVRO TEMÁTICO 4

que configuram um tipo de interação tipica- que o enfrentamento dos problemas socio-
mente regional, marcado pela proximidade ambientais que os afetam deve ser feitos por
da área de origem e de destino. meio do debate coletivo, da busca de soluções
O comércio exterior mostra que a zona socialmente e coletivamente construídas. Com
de fronteira tem um papel secundário nas isso, cria-se um espaço de negociação e dis-
relações comerciais entre os dois países. cussão privilegiando
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Capítulo 1
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