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Curso: Direito Nota:

Disciplina: Introdução ao Estado do Direito


Professor (a): BICALHO, mariana.
Data: 05/10/2021
Alunos:
Resende Freitas, Lucas;
Souza Amorim, Lucília;

NOTA TÉCNICA JURÍDICA


1. Contexto da Nota Técnica Jurídica

A Associação Mais Direitos Humanos, que atua na defesa e promoção dos direitos das
mulheres, conforme preconizado em seu estatuto e regimento interno, elaborou a presente
Nota Técnica, posicionando-se contrariamente as decisões exauridas na sentença que negou
direito de aborto legal à criança vítima de estupro, de forma a ferir e contrariar os direitos da
dignidade da pessoa humana bem como as normativas legais existentes.

Em 05 de fevereiro de 2021, a adolescente Maria Eduarda, 13 anos de idade, foi vítima


de estupro, quando retornava para casa. No dia seguinte, após passar a noite trancada no seu
quarto e, após ser pressionada pela mãe, contou o ocorrido, tendo sua genitora o levado ao
hospital, uma vez que queixava de dores na região pélvica. Na unidade de saúde, mãe e filha
foram desacreditadas pelos médicos, que inclusive registraram em seu prontuário, que a
adolescente “apresenta fala incoerente e face risonha” e, que ao exame físico não havia
marcas de nenhuma violência e, por isto não podia confirmar que ela era vítima de estupro.
Algumas enfermeiras chegaram a comentar que a mãe da adolescente tinha vários namorados
e, certamente, a menina estava seguindo os passos da mãe. Não foram realizados exames, não
recebeu medicamentos para evitar gravidez, HIV e infecções sexualmente transmissíveis, nem
encaminhamentos para atendimento psicológico. Após atendimento na Unidade de Saúde,
mãe e filha se dirigiram para a Delegacia e fizerem Registro de Ocorrência Policial (REDS).
Dois meses depois, adolescente descobriu que estava grávida. A mãe da adolescente procurou
advogada, informou o ocorrido no hospital, onde foram desacreditadas, temendo que sua filha
não pudesse realizar o aborto previsto em lei. A advogada ajuizou ação, anexou REDS, o
inquérito que investigava o estupro e os laudos psiquiátricos que demonstravam o estado
depressivo da adolescente desde a violência sexual sofrida e a gravidez indesejada. Enquanto
aguardavam a decisão, a adolescente e sua mãe foram abordadas, diariamente, por
profissionais municipais que pressionavam para que ela seguisse com a gestação. Como
residem em cidade de 20 mil habitantes, a notícia se espalhou rapidamente, onde os servidores
da saúde chegam a marcar pré-natal e ultrassom, sem consentimento da adolescente e sua
mãe. Além disso, líderes e militantes religiosos passaram a realizar visitas constantes com
intenção de convencer a adolescente e a mãe a não realizarem o aborto. Com três meses a
sentença foi proferida, pela juíza, Ana Paula, que fundamentou sua decisão nos seguintes
argumentos:

a. O direito à vida (Constituição Federal, art. 227) se estende ao nascituro; 


b. O direito à vida do nascituro é mais importante do que o direito ao bem-estar
psicológico da adolescente; 
c. Não há nada que comprove que o bem-estar psicológico da adolescente
melhorará com a realização do aborto; 
d. Caso a adolescente não queira ter o filho, ela poderá entregar a criança em
programas de acolhimento institucional e, por isso, a realização de aborto em casos de estupro
não é justa. Não sendo justo, o art. 128 do Código Penal não é válido; 
e. Maria Eduarda tem apenas 13 anos, sendo absolutamente incapaz, e, por isso,
não pode declarar seu interesse ou vontade de exercer qualquer direito subjetivo; 
f. O direito à vida é direito divino de toda pessoa, incluindo do nascituro, previsto
em todas as escrituras e doutrinas bíblicas cristãs e, por isso, se sobrepõe aos direitos
assegurados em legislações estatais.

A promotora Carla, após sentença, aciona a Promotoria de Saúde do Ministério


Público de Belo Horizonte para pedir ajuda. A adolescente e a mãe vieram para Belo
Horizonte às escondidas, onde receberam acolhimento e os cuidados de saúde como
determinam as normas do Ministério da Saúde. A gravidez foi interrompida e adolescente e a
mãe retornou para sua cidade natal.

2. Breves considerações
Conforme se pode atestar, a adolescente de 13 anos Maria Eduarda sofreu abuso
sexual com violência física. Ao chegar a casa emocionalmente transtornada, a jovem se
trancou em seu quarto e só saiu no dia seguinte, gerando assim uma desconfiança por parte de
sua mãe que ao pressionar a filha ficou ciente do ocorrido e logo em seguida resolveu levar a
filha ao hospital. Chegando ao hospital a jovem e sua mãe foi desacreditada pela equipe de
médicos e enfermeiros, onde os mesmos se valeram de observações e conclusões
equivocadas, pejorativas e de caráter pessoal. Em decorrência do comportamento da equipe
do hospital não foi realizado nenhum tipo de exame físico ou psicológico e, portanto, a jovem
e sua mãe voltaram para a casa sem o atendimento emergencial e preventivo previstos em lei.
3. Análise Jurídica da sentença e sua não legitimidade
a) Direito(s) objetivo(s) e subjetivo(s) que foram violados; Foram violados,
portanto, o direito objetivo da adolescente no que se refere aos primeiros procedimentos
emergenciais previstos em lei, que visam proteger a vitima de DST’s e o desenvolvimento de
uma gravidez indesejada, assim como o registro do B.O policial e o acompanhamento
psicológico. (citação) Compõe o atendimento integral à saúde de pessoas em situação de
violência, o registro da notificação compulsória de suspeita ou evidência de violências
interpessoais e autoprovocadas definidas pela legislação (violências contra crianças,
adolescentes, mulheres e pessoas idosas) de acordo com a Portaria GM/MS nº 1.271 de
06/06/2014 -
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_n
orma_tecnica.pdf (pag.15) O direito subjetivo da adolescente também foi violado no momento
em que a equipe do hospital se valendo de julgamentos precipitados e pessoais, deixou de
realizar as condutas de prevenção e tratamento ás vítimas de abuso sexual, sendo estes
previstos em lei ,ao qual a adolescente juntamente com sua mãe reconheceu e procurou
atendimento porém não foram atendidas de forma satisfatória e efetiva, resultando assim na
demora e no agravo da situação.
b) Teoria do direito subjetivo utilizado na decisão e os argumentos contrários a
essa teoria; Um direito subjetivo utilizado na decisão da juíza em proibir a interrupção da
gravidez foi baseado no direito do nascituro á vida conforme. Segundo a mesma, previsto na
Constituição Federal, art. 227. Porém esta decisão torna-se incoerente a medida que tomamos
conhecimento do caso e da proporção das decisões propostas em juízo, uma vez que não foi
respeitado o direito da adolescente em interromper uma gravidez não desejada e fruto de um
abuso sexual. Outro ponto a ser ressaltado é que na decisão a juíza afirma também que o
direito á vida do nascituro está acima do direito da adolescente, portanto a mesma entra em
contradição ao citar o art. 227, citado por ela mesma para justificar a não interrupção da
gravidez, não sendo respeitado o direito subjetivo da adolescente, pois no artigo 128, a lei diz
que o aborto é direito da mulher vítima de estupro. No art. 128 inciso II do Código Penal
brasileiro, o abortamento é permitido quando a gravidez resulta de estupro ou, por analogia,
de outra forma de violência sexual. A todo o momento podemos observar na decisão da juíza,
o interesse de assegurar os direitos subjetivos do nascituro em detrimento dos direitos
subjetivos da adolescente, vítima de abuso sexual. Isso se exemplifica quando a mesma diz
que não há evidências da melhora do bem-estar do jovem com aborto e que com 13 anos a
adolescente seria incapaz de decidir ou exercer seu direito subjetivo.
c) Corrente jurídica defendida na decisão e a sua incompatibilidade com princípio
da legalidade (art. 5º, II) e com a imperatividade do ordenamento estatal defendido pelo
positivismo jurídico; A corrente jurídica apresentada pela juíza Ana Paula em sua decisão diz
respeito aos preceitos bíblicos e nas escrituras, e ainda segundo ela, essas se sobrepõem aos
direitos já previstos pela legislação vigente. Essa corrente defendida pela juíza e totalmente
dotada de uma visão particular e de um juízo de valor, deixando ela de julgar segundo as leis
do estado e assim resgatar os direitos da adolescente, que como sujeito de direito não teve
resguardado seu direito de escolha sendo coagida a continuar com a gravidez.
d) Separação metodológica entre direito e justiça pelo positivismo jurídico; O
positivismo jurídico se difere da justiça a medida que pelo pensamento positivista uma norma
se sobrepõe a visão filosófica do seria justo ou injusto, sendo desta forma, o direito positivo
exercido de forma coercitiva. O positivismo jurídico visa estabelecer as normas e apontar
direitos e deveres, e não apenas fazer questionamentos filosóficos.
e) Reflexão entre o princípio da dignidade da pessoa humana, o bem-estar
psicológico da adolescente e o direito a vida (análise zetética); Com podemos ver nesse caso,
o princípio da dignidade humana no que diz respeito ao bem estar da adolescente foi
totalmente desconsiderado. A juíza, em suas considerações finais, abordou o direito à vida ao
se referir ao nascituro, esquecendo-se, porém, dos direitos da adolescente, tendo sido esta
exposta a abuso sexual e posteriormente a omissão de atendimento por parte da equipe
médica. Houve, portanto, por parte da juíza do caso, um julgamento inconstitucional e
incoerente, se olharmos através de uma perspectiva zetética, visto que a juíza se valeu de
opiniões de cunho pessoal e juízo de valor para julgar um caso já com possíveis
desdobramentos e direitos assegurados e previstos em lei. Porém, analisando de forma
dogmática as decisões da juíza foram consentidas pela sociedade daquela pequena cidade, que
assim como ela encorajaram e chegaram até a coagir a jovem a dar continuidade na gravidez,
visto que interrompe-la seria contra as leis das escrituras sagradas e costumes cristãos.
4. Conclusão
Em razão de todo o conteúdo exposto nesta Nota Técnica, como considerações finais,
venho expor, portanto, a inconstitucionalidade que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
instaure procedimento administrativo com objetivo de analisar a sentença proferida pela Juíza,
em manter uma gravidez indesejada, de um abuso sexual. Visto que, como dito em tópicos
anteriores já existe lei prevista, que prevê o direito ao aborto e atendimento emergencial as
vítimas de estupro. A jovem, não teve seus direitos resguardados, pois praticamente ela e sua
mãe tiveram que sair escondidas e buscar em outra cidade os direitos resguardados a jovem e,
portanto que deveria ser aplicado em todo território nacional. Vimos também, nesse caso
especifico como as tradições a valores religiosos sobrepuseram aos direitos e normas já
estabelecidos, e que as normais sociais e culturais podem invalidar uma norma e um direito
adquiridos, sendo eles, objetivos ou subjetivos.
5. Referências Bibliográficas

 Nota Técnica do Ministério da Saúde: Atenção humanizada às pessoas em


situação de violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Disponível
em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_n
orma_tecnica.pdf 
 Art. 128 do Código Penal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm 
 Constituição Federal. Disponível em:
http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 
 Lei Maria da Penha. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm 
 Política de atendimento a mulher em situação de violência no Estado.
Disponível em: https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?
tipo=LEI&num=22256&ano=2016 
 Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm 

 FRANCO, Lívia Rosa. Direito Objetivo e Direito Subjetivo. Em:


TRAVESSONI, Alexandre (Org.). Dicionário de Teoria e Filosofia do Direito. São Paulo:
LTr, 2011.

 BITTAR, Eduardo C.B. Introdução ao Estudo do Direito: humanismo,


democracia e justiça. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Capítulo: O conceito do
direito e da atividade da pessoa humana.
 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Separação do direito e da moral. 
 TRAVESSONI, Alexandre. O fundamento de validade do direito – Kant e
Kelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. Jusnaturalismo. 
 GONTIJO, Lucas de Alvarenga. Filosofia do Direito: Metodologia Jurídica,
Teoria da Argumentação e Guinada Linguística-pragmática. 2 ed. Belo Horizonte: Editora
D’Plácido, 2020. Capítulo 7.

Dados sobre violência contra a mulher: 

 Disque 100: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/paineldedadosdaondh 


Anuário de Segurança Pública: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-
seguranca-publica/

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