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1.1.

Produção
O líquido cefalorraquidiano (LCR) ou líquor é formado dentro das cavidades ventriculares
do sistema nervoso central (SNC) nos plexos coróides, onde são localizados o cerebelo e a coluna
espinal dorsal. Os plexos coróides são redes vasculares recobertas de uma membrana que envolve o
canal central da medula espinhal e os ventrículos cerebrais. A produção do LCR ocorre em duas
etapas: a primeira acontece na filtração passiva do sangue através do endotélio capilar coroidal; e a
segunda pela seecreção ativa pelo epitélio monoestratificado modulado por sistemas
neuroendócrinos e hormonais (LEITE,2016).
O LCR tem funções de amortecimento e lubrificação do SNC, além de depuração de
resíduos e circulação de nutrientes. O volume de LCR varia entre 80 ml e 150 ml, no adulto, e entre
10 ml e 60 ml, no recém-nascido. A regulação do seu conteúdo é realizada por sistemas de
transporte específico (H+ , K+ , Ca2+, bicarbonato, etc.) e por difusão passiva (proteínas). Esse
controle rigoroso é denominado barreira hematoencefálica (BHE) (SILVA,2004).

1.2. Composição
Normalmente, o LCT é constituido por pequenas concentrações de proteína, glicose, lactato,
enzimas, potássio, magnésio e concentrações relativamente elevadas de cloreto de sódio. Além,
apresenta celularidade de até 5 células/mm3 (COMAR, 2009).
Em relação à proteína, o líquor normal apresenta concentração entre 0 a 40 mg/dl no nível
lombar. A maior parte das proteínas encontradas (80%) é proveniente do plasma, e o restante (20%)
é produzido no SNC. Quanto à glicose, sua concentração normal corresponde a cerca de dois terços
da glicemia, ou seja, dependente dos níveis de glicose no sangue e também da taxa de metabolismo
do SNC. Os níveis de lactato no LCR, diferente dos níveis de glicose, não estão vinculados à
concentração sangüínea, e sim à sua produção intratecal. O consumo da glicose como fonte de
energia nas infecções bacterianas do SNC resulta em diminuição dos níveis de glicose e aumento do
lactato(DIMAS, SOHLER, 2008).

1.3. Objetivos do estudo do LCR


Por se encontrar diretamente ligado ao Sistema nervoso Central, sua análise é útil na
detecção da maioria das patologias neurológicas, como: infecções, hemorragias, doenças
degenerativas e neoplasias. As alterações na composição e fluxo do LCR podem levar ao
surgimento de distúrbios cognitivos e da função motora, o que justifica a análise do LCR para a
confirmação destas enfermidades. Além de auxiliar no diagnóstico de alterações, a análise do LCR
permite o estadiamento e o seguimento de processos vasculares, infecciosos, inflamatórios e
neoplásicos que atingem diretamente ou indiretamente o SNC (SILVA,2004).
1.4. Coleta

Como o procedimento diagnóstico é invasivo, o exame de LCR só pode ser realizado após
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pelo paciente ou por seu
representante legal, de acordo com a Resolução n. 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de
10 de outubro de 1996. A coleta da amostra de líquor é de responsabilidade do médico requisitante e
das três vias clássicas para coleta, sendo a lombar a mais utilizada na rotina, seguida pela
suboccipital ou cisternal e, por último, a via ventricular (SILVA,2004).
A via suboccipital apresenta algumas vantagens em relação à lombar, pois não é descrita a
ocorrência de cefaleia pós-punção. Entretanto, essa via tem algumas restrições de indicação,
atualmente tendo como indicação absoluta somente os casos de hipertensão intracraniana ou de
infecção dérmica ou epidérmica na região lombar. Um manômero é colocado antes da remoção do
LCR, para indicar a pressão de abertura. A pressão de abertura normal, em adultos, é de 90-180 mm
H2O, na posição decúbito lateral, sendo ligeiramente mais elevada em pacientes sentados ou obesos.
Em casos de pressão de abertura normal, podem ser removidos, normalmente, até 20 ml de LCR
(DIMAS, 2008).
A boa qualidade de qualquer amostra destinada à análise laboratorial garante a
confiabilidade dos resultados. O LCR deve ser coletado sem anticoagulante, em três tubos ou
frascos seguramente estéreis e devidamente identificados com os números 1, 2 e 3, na ordem em
que são obtidos. A identificação do material deve, também, conter o nome, o número de registro do
paciente e a data da coleta(COMAR,2009).
A amostra do primeiro tubo deverá ser usada para a realização das análises bioquímicas e
sorológicas. O segundo será utilizado para os exames microbiológicos, e o terceiro destina-se às
contagens celulares, em virtude da menor probabilidade de conter material, particularmente células
sanguíneas, introduzidas acidentalmente no momento da punção. Caso a amostra tenha sido
coletada apenas em um único frasco, ele deve ser enviado, primeiramente, à seção de bacteriologia;
em seguida, à seção de hematologia e, posteriormente, à seção de imunoquímica. Amostras
coletadas com qualquer tipo de anticoagulante e sem identificação ou envelhecidas devem ser
rejeitadas. É de extrema importância que o local da amostragem esteja registrado nos tubos, uma
vez que os parâmetros citológicos e bioquímicos variam de acordo com o local da punção
(COMAR, 2009).
1.5. Exame do LCR
1.5.1. Exame Físico
A observação visual da coloração e do aspecto do LCR é a etapa inicial da análise e pode
fornecer importantes informações diagnósticas. O líquor, em condições normais, é incolor (como
água de rocha), porém, em condições patológicas, pode apresentar alteração na coloração. A
coloração deve ser registrada antes e depois do processo de centrifugação. A amostra é considerada
xantocrômica quando, após centrifugação, tem tonalidade que varia entre rosa, amarelo ou laranja, o
que ocorre pela presença de hemoglobina (hemólise) ou pelas concentrações elevadas de proteínas
ou bilirrubina. A possibilidade de existência de outras substâncias como iodo, caroteno ou melanina,
deve ser considerada (MELO et al., 2003).
1.5.2. Exame Citológico
No setor de citologia/hematologia, a amostra de LCR deve ser fresca e centrifugada, para a
análise visual, e fresca, não centrifugada e devidamente homogeneizada, para a contagem de
leucócitos e hemácias em câmaras. Para a confecção da lâmina, deve ser utilizada a amostra total ou
o sedimento obtido por centrifugação em baixa rotação (LIMA, 2001).
A preparação da lâmina deve ser rápida, já que as células se deterioram rapidamente, em
virtude de o LCR ser um meio inapropriado para a manutenção da viabilidade das células. O pH
elevado e a baixa pressão oncótica fazem com que algumas células inchem, algumas sofram lise e,
outras, tornem-se irreconhecíveis. Se a amostra apresentar um nível celular elevado, ela deve ser
diluída em solução salina (NaCl 0,9 %), de modo que as células da amostra tenham espaço
adequado para se espalharem em uma monocamada, na superfície da câmara, com sobreposição
mínima. Em função da metodologia de preparação das lâminas (centrifugação), a adesão artificial
entre as células é um fenômeno comum e não deve ser erroneamente interpretado como
grupamentos de células tumorais ou, no caso de um monócito cercado por diversos eritrócitos,
como o estágio inicial da eritrofagocitose (TORZEWSKI et al., 2008).
A detecção de células malignas por meio da análise citológica do LCR é uma ferramenta
muito importante no diagnóstico de tumores cerebrais. Nos últimos 10 anos, tem-se verificado uma
eleva- ção na incidência de carcinomas leptomeningeais e, por conseguinte, um aumento na
importância clínica do seu correto diagnóstico. Avanços científicos como a imagem de ressonância
magnética, os ensaios para marcadores tumorais, a amplificação do DNA, a citometria de fluxo e as
técnicas imunohistoquímicas estão, agora, disponíveis para facilitar o diagnóstico. Apesar desses
avanços, o método de referência para a detecção desses carcinomas ainda é a identificação
citológica de células malignas no LCR (JERRARD ;HANNA; SCHINDELHEIM, 2001).
1.5.3. Exame Biológico
No exame bioquímico do LCR a concentração normal de glicose no líquor corresponde a
dois terços da sanguínea (42 a 78 mg% em recém-nascidos e 50 a 80 mg% em adultos); é comum
ocorrer hipoglicorraquia em alguns casos de meningites como na fase aguda da meningite
bacteriana e também nos processos crônicos e supurativos. Esta baixa concentração de glicose se dá
pelo seu consumo pelos microrganismos presentes (JERRARD; HANNA; SCHINDELHEIM,
2001).
A dosagem de proteínas no LCR no estágio inicial da meningite se encontra elevada (>40
mg/100 mL), e a medida que o processo inflamatório se reduz, a concentração de proteína também
se reduz, em associação com a pleocitose. Dependendo do local da punção, temos valores diferentes
de referências para proteínas (MELO et al., 2003).
1.5.4. Exame Imunológico
A contagem global de leucócitos e hemácias da amostra pode ser realizada em qualquer tipo
de câmara de contagem, porém, rotineiramente, utiliza-se a câmara de Fuchs-Rosenthal, a qual tem
altura de 0,2 mm, área total de 16,0 mm², volume total de 3,2 mm³ e é dividida em 16 quadrados,
que são subdividos em 16 quadrados menores cada um sendo que o procedimento para contagem
global de células varia de acordo com a celularidade da amostra (LIMA, 2001).
Para a diferenciação de hemácias, leucócitos e células teciduais durante a contagem na
câmara de Fuchs-Rosenthal, deve-se conhecer as características de cada uma dessas células. Os
eritrócitos se apresentam com um contorno regular, com halos e centro da célula limpo. Projeções
finas e pontudas podem aparecer nos casos de eritrócitos crenados. Os leucócitos, por sua vez,
apresentam um aspecto granular e são levemente refringentes. Pode, também, ocorrer a presença de
células teciduais, que são geralmente grandes e granulares e com contorno irregular, as quais não
devem ser incluídas na contagem, assim como as células lisadas (COMAR, 2009).
1.5.5. Exame Microbiológico
Os exames microbiológicos são complementares aos diagnósticos e normalmente são
realizados se os exames de rotina (exames físicos e bioquímicos) que revelam as necessidades
específicas que impliquem na continuidade da investigação laboratorial. A visualização e descrição
morfológica do microrganismo é possível quando existem mais de 105 microrganismos/mL de LCR
não centrifugado. Nesta etapa podem ser realizadas culturas para vírus, bactérias e fungos
(BRASIL, 2004).
Os exames bacterioscópicos normalmente utilizam a coloração de Gram, e este
procedimento é imediato quando a contagem diferencial da celularidade apresentar número elevado
de granulócitos (neutrófilos), ou quando a contagem global feita na câmera de Fuchs Rosenthal for
superior a 5 células/mm3 . É importante salientar que todos os fungos são corados como Gram
positivos, portando, está metodologia de coloração não visa à identificação dos microrganismos,
mas a discriminação dos elementos fúngicos de artefatos no LCR; neste caso a tinta da china pode
ser utilizada para a identificação de Cryptococcus neoformans (BRASIL, 2004).
REFERÊNCIAL BIBLIOGRÁFICO

COMAR, S. R. Procedimento operacional padrão: roteiro para análise de líquido


cefalorraquidiano. Curitiba: Hospital das clínicas – Universidade Federal do Paraná; 2009.

COMAR, S. R.; MACHADO, N. A.; DOZZA,T. G.; HAAS, P.; Análise citológica do líquido
cefalorraquidiano; Revista Estudos de biologia; vol. 31; 2009.

DIMAS, L. F. , SOHLER, M. P.; Exame do líquido cefalorraquidiano: influência da temperatura,


tempo e preparo da amostra na estabilidade analítica; Jornal brasileiro de Patologia e Medicina
laboratorial; vol.44;no.2;Rio de Janeiro-RJ,; 2008.

JERRARD, D. A.; HANNA, J. R.; SCHINDELHEIM, G. L. Cerebrospinal fluid. J Emerg Med.


2001.

LEITE, A. A.; HONÓRIO, S. R.; TORRES,G. R.; ERRANTE, P. R.; Análise do líquido
cefalorraquidiano. Revisão de Literatura; Atas de Ciências da Saúde; Vol.4, N°.3,São Paulo-SP;
2016.

LIMA, A. O.; Método de laboratório aplicado a clínica: técnica e interpretação. 8a ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2001.

MELO, C. L;. MARTINS, A. M. C.; MARTINS, R. D.;, QUEIROZ, M. G. R.; Análise laboratorial
do líquido cefalorraquidiano. RBAC. 2003.

SILVA, C. E. A. P.; LEITE, F. J. B.; VALE, T. C.; BAPTISTA, N. S.; LEITE, B. M. B.; Líquido
cefalorraquídiano-Técnicas de coletas e aspectos diagnósticos; Revista Médica oficial do Hospital
Universitário da UFJF; Vol.30; 2004.

TORZEWSKI, M; LACKNER, K. J.; BOHL. J.; SOMMER. C.; Integrated cytology of


cerebrospinal fluid. Berlin: Springer; 2008.

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