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Considerações iniciais sobre o controle dos discursos: breve

leitura de A ordem do discurso, de Michel Foucault


ALINE DE CALDAS COSTA*
MARIA DA CONCEIÇÃO FONSECA-SILVA**

Resumo
Este trabalho aborda a questão do controle da produção e circulação dos
discursos na sociedade. O material foi elaborado com o objetivo de compor um
roteiro de inicial de leitura da obra A ordem do discurso, de Michel Foucault. O
estudo é bibliográfico e exploratório, apresentando os conceitos delineados
pelo filósofo para sustentar sua hipótese acerca do controle dos discursos em
toda sociedade. Divide-se em três etapas com fins de expor os mecanismos de
limitação e de rarefação dos discursos, bem como os processos de sujeição dos
indivíduos aos discursos.
Palavras-chave: discurso; controle; Michel Foucault.

Abstract
This paper addresses the issue of control of the production and circulation of
discourses in society. The material has been prepared in order to compose a
script initial of the work The order of the discourse, of Michel Foucault. The
study is exploratory and literature review, presenting the concepts outlined by
the philosopher to support his hypothesis about the control of discourses
throughout society. Divided into three stages with the purpose of exposing the
mechanisms of limitation and rarefaction of discourse as well as the processes
of subjection of individuals to the speeches.
Key words: discourse; control; Michel Foucault.

*
ALINE DE CALDAS COSTA é Doutoranda em Memória: Linguagem e Sociedade da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista. Bacharel em Comunicação Social –
Rádio e TV.
**
MARIA DA CONCEIÇÃO FONSECA-SILVA é Pós-Doutora em Linguística pela Universidade
Estadual de Campinas e professora Titular/Pleno do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários,
da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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Considerações iniciais procedimentos internos e externos ao
discurso e ainda há formas pelas quais
Esse texto refere-se a um pequeno os indivíduos determinam o
roteiro de leitura sobre a questão do funcionamento dos discursos de
controle dos discursos presente no maneira específica.
constructo de Michel Foucault. O
estudo tem como principal fonte a obra
A ordem do discurso, publicação que
resultou de uma aula inaugural 1 Os mecanismos de controle do
proferida pelo filósofo no Collège de discurso
France em 02 de dezembro de 1970. 1.1 Limitação
Não se trata de uma reflexão Foucault explica, em primeiro
aprofundada, mas de um esforço para momento, o que chama de
compreender os conceitos elencados por “procedimentos de exclusão”, ou seja,
Foucault acerca dos mecanismos que as formas pelas quais os sujeitos são
limitam a circulação dos discursos ou limitados em suas possibilidades de
que a eles impõe determinadas participar da produção e circulação dos
condições de funcionamento. discursos. Esses mecanismos são
exteriores ao discurso e se localizam na
A perspectiva foucaultiana compreende
própria sociedade. O autor coloca que,
o discurso como um “conjunto de
pelos mecanismos de exclusão, a
enunciados que podem pertencer a
relação entre poder e desejo são
campos diferentes, mas que obedecem,
evidenciadas, pois esta ocorre na forma
apesar de tudo, a regras de
de um “jogo” entre os que controlam e
funcionamento comuns” (REVEL,
os que desejam estar com a palavra.
2011, p. 26). Ocorre um interesse pelas
leis e regularidades da linguagem – Os mecanismos de exclusão incidem
poesia, literatura, filosofia – e um sobre o discurso de forma exterior. Eles
interesse histórico, uma arqueologia das pairam sobre a “atmosfera” social como
condições que permitem o surgimento um sistema coercitivo, cindindo o
de um dispositivo discursivo, pautado direito de dizer e o poder de dizer algo.
sempre por um saber e um poder. Foucault lista três desses mecanismos: a
interdição, a separação e a vontade de
O estudo não irá se debruçar no campo verdade.
da natureza ou conceituação do discurso
à luz de Foucault, uma vez que esses A interdição aparenta ser o mais
materiais podem ser apreciados na obra cotidiano dos três elementos, pois ela
A arqueologia do saber (2008), mas recai sob a máxima: “Sabe-se bem que
prosseguirá com o que se poderia não se tem o direito de dizer tudo, que
chamar mapa mental da obra A ordem não se pode falar de tudo em qualquer
do discurso. Aqui, Foucault sugere que circunstância, que qualquer um, enfim,
“em toda sociedade a produção do não pode falar de qualquer coisa”
discurso é ao mesmo tempo controlada, (1996, p. 21). Das palavras de Foucault,
selecionada, organizada e redistribuída uma leitura possível para a interdição é
por certo número de procedimentos que de que a mesma possua um
têm por função conjurar seus poderes e funcionamento tácito, como um
perigos, dominar seu acontecimento condicionador a priori de contextos em
aleatório, esquivar sua pesada e temível que algumas posições de sujeito estão
materialidade” (1996, p. 8-9). Há autorizadas a falar enquanto outras se

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quedam sem legitimidade para qualquer investido pelo desejo, e que se crê [...]
pronunciamento. carregado de terríveis poderes” (ibid.).
O terceiro princípio de exclusão é
A interdição pode ser identificada sob também aquele a que Foucault mais
três formatos. A primeira é o “tabu do dedica atenção, denominando-o vontade
objeto” e ocorre quando um de verdade. Esta se coloca no âmago de
determinado saber é colocado à parte uma separação entre verdadeiro e falso,
daqueles que podem ser compartilhados entre o que tem caráter de real e o que
socialmente, de modo que ele se torna deve ficar à margem da razão. Tal
sombreado pelos demais e seu debate se separação é arbitrária e, portanto,
torna proibido; a segunda é o “ritual da mutável, encontrando respaldo no poder
circunstância”, quando o contexto é das instituições sobre a vida pública dos
desfavorável ao posicionamentos ou indivíduos. A vontade de verdade é um
contestação e a terceira é o “direito sistema de exclusão “institucionalmente
privilegiado ou exclusivo do sujeito que constrangedor”. Possui mecanismos de
fala”, relativo ao lugar que o sujeito está imposição daquilo que se considera o
autorizado a ocupar por uma instituição “verdadeiro” e fora dele estarão todos
social e, portanto, a apropriar-se de um os discursos dissonantes.
discurso. Foucault expõe que essas três
formas de interdição pela exclusão se A vontade de verdade funciona por
entrecruzam e se reforçam nessa corrida deslocamentos de verdade e um
pelo apoderamento do discurso, de exemplo dado por Foucault acerca disso
modo que os âmbitos da política e da são as mutações científicas, pois elas
sexualidade sejam os de maior “podem talvez ser lidas, às vezes, como
evidência dos mecanismos de interdição consequências de uma descoberta, mas
apresentados. podem também ser lidas como a
aparição de novas formas na vontade de
O segundo princípio de exclusão se verdade” (1996, p. 16). Com essa
refere à separação e rejeição, as quais assertiva, o autor denota que a vontade
são exemplificadas pelo binômio razão de verdade aparenta despretensão, ou
e loucura. A palavra do louco seja,
desconhece autocensura. Deve, Tudo se passa como se, a partir da
portanto, ser ceifada do meio social, ou, grande divisão platônica, a vontade
quando ainda presente nele, ser de verdade tivesse sua própria
deslegitimada e rejeitada. Vale observar história, que não é a das verdades
as palavras de Foucault sobre a posição que constrangem: história dos
de sujeito médico e paciente: “Se é planos de objetos a conhecer,
necessário o silêncio da razão para curar história das funções e posições do
os monstros, basta que o silêncio esteja sujeito cognoscente, história dos
investimentos materiais, técnicos,
alerta, e eis que a separação permanece”
instrumentais do conhecimento
(1996, p. 13). Quer dizer, é com o (Ibid., 17).
especialista que a razão se encontra,
mas é pelo seu silêncio que essas Trata-se, portanto, de um mecanismo
posições de sujeito são demarcadas e a que exclui por sugestão daquilo que
exclusão do discurso do louco é merece ser contemplado, apreciado e
assegurada. O silêncio do médico auscultado pela razão de se
também traz à tona um jogo de poder e apresentarem enquanto conhecimentos
saber: “Escuta de um discurso que é úteis, sob os quais reside um lastro de

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suporte institucional. Como exemplos, 21). Se, em relação aos procedimentos
Foucault cita a pedagogia, o trabalho de externos, ocorre a limitação dos
edição de livros, bibliotecas, sociedades discursos, os procedimentos internos
de sábios, laboratórios. Essas áreas não atuam no plano da rarefação destes.
só produzem os discursos desejáveis à
O primeiro processo interno ao discurso
vontade de verdade, como também se
é o comentário. O princípio do
encarregam de distribuí-los de modo a
comentário reza que, dada a raridade
garantir o exercício da coerção sobre as
dos discursos – discutida por Foucault
outras espécies de discursos. A vontade
em A arqueologia do saber -, muitos
de verdade, assim, é aquilo que autoriza
daqueles que circulam, em verdade, são
a circulação do discurso na sociedade,
formas repetíveis de discursos já
desde a “palavra de lei” ao discurso
existentes, ou seja, são discursos novos,
médico.
porém sem novidade. “O novo não está
Ainda sobre a aparente despretensão da no que é dito, mas no acontecimento de
vontade de verdade, Foucault explica sua volta” (1996, p. 26). Foucault
que, em regra, esta tende a elevar-se a apresenta o comentário na forma de um
fonte de “riqueza, fecundidade, força “desnivelamento entre discursos”:
doce e insidiosamente universal” (ibid. os discursos que "se dizem" no
p. 20). A problemática da correr dos dias e das trocas, e que
universalidade dessa “verdade” reside passam com o ato mesmo que os
no atropelamento das possibilidades de pronunciou; e os discursos que
apreciação da dúvida: “E ignoramos a estão na origem de certo número de
vontade de verdade como prodigiosa atos novos de fala que os retomam,
maquinaria destinada a excluir todos os transformam ou falam deles, ou
aqueles que [...] procuraram contornar seja, os discursos que,
indefinidamente, para além de sua
essa vontade de verdade e recolocá-la
formulação, são ditos, permanecem
em questão contra a verdade” (op. cit.).
ditos e estão ainda por dizer (1996,
A interdição e a rejeição tendem a Ibid., p. 22, grifos do autor).
fragilizar-se, mas a vontade de verdade
caminha no sentido inverso. É pela Trata-se de uma observação acerca da
universalização do discurso que a permanência de certos discursos em
vontade de verdade, enquanto perspectiva histórica, bem como da
mecanismo sutil de exclusão, se torna impermanência de algumas de suas
cada vez mais “incontornável”. referências ou formas. Isso significa que
o deslocamento que constitui o
comentário não é estável, tampouco
absoluto. “Muitos textos maiores se
1.2 Rarefação
confundem e desaparecem, e, por vezes,
Com a perspectiva da existência de comentários vêm tomar o primeiro
procedimentos internos, Foucault coloca lugar” (1996, Ibid. p. 23). Assim, o
que os discursos possuem, em si, comentário é o princípio interno que
mecanismos de controle próprio. Os permite a classificação e a categorização
mecanismos internos “funcionam como dos discursos, dada sua repetição em
princípios de classificação, de distintas materialidades históricas.
ordenação, de distribuição, como se se Deve, conforme um paradoxo que
tratasse, desta vez, de submeter outra ele desloca sempre, mas ao qual
dimensão do discurso: a do não escapa nunca, dizer pela
acontecimento e do acaso” (1996, p. primeira vez aquilo que, entretanto,

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já havia sido dito e repetir inventa”. Ele explica que há textos que
incansavelmente aquilo que, no prescindem de autor, a exemplo de
entanto, não havia jamais sido dito. contratos, conversas cotidianas etc. E há
A repetição indefinida dos outros textos que, necessariamente,
comentários é trabalhada do interior
levam o nome de um autor, porém, em
pelo sonho de uma repetição
distintas áreas e em diferentes
disfarçada: em seu horizonte não há
talvez nada além daquilo que já historicidades, a importância da autoria
havia em seu ponto de partida, a pode se relativizar. Como exemplo, ele
simples recitação (1996, Ibid., p. cita o discurso científico: se, durante a
25). Idade Média, a autoria funcionava
enquanto “indicador de verdade”, no
O princípio do comentário, sobretudo, século XVII ela somente ganha
sinaliza a rarefação dos discursos relevância na nomeação de descobertas
através do esforço de compilação de científicas. Contudo, no caso do
distintas versões em que o mesmo discurso literário, ocorre o fenômeno
material emergiu investido de ares de oposto. Ainda tomando a Idade Média
novidade. O comentário se manifesta como referência, Foucault revoca que a
enquanto mecanismo indicador do autoria literária era, em muito, anônima;
estado de raridade dos discursos. na contemporaneidade, ela ganha
Conforme explica Fonseca-Silva, “esse evidência e não satisfaz se
princípio limita o acaso do discurso com desacompanhada de toda uma
o jogo de uma identidade que tem a contextualização para a consonância
forma da repetição e do mesmo, um biográfica do autor e a obra em si.
jogo de um sentido que deve ser Voltando ao princípio do autor
redescoberto e uma identidade que deve enquanto função, Foucault o diferencia
ser repetida” (2007, p. 58, grifos da do comentário – relação entre
autora). Como exemplos do princípio do identidade, repetição e o mesmo – pela
comentário, Foucault apresenta o impressão de uma “individualidade”.
discurso jurídico e o religioso.
Todo este jogo de diferenças é
O segundo princípio que coopera para a prescrito pela função do autor, tal
rarefação dos enunciados e, como a recebe de sua época ou tal
sobremaneira, dos discursos, é o do como ele, por sua vez, a modifica.
autor. Foucault é enfático em discernir Pois embora possa modificar a
imagem tradicional que se faz de
que aborda “o autor, não entendido, é
um autor, será a partir de uma nova
claro, como o indivíduo falante que posição do autor que recortará, em
pronunciou ou escreveu um texto, mas o tudo o que poderia ter dito, em tudo
autor como princípio de agrupamento o que diz todos os dias, a todo
do discurso, como unidade e origem de momento, o perfil ainda trêmulo de
suas significações, como foco de sua sua obra (1996, ibid., p. 29).
coerência” (1996, p. 26). O autor deixa
de ser um sujeito para se tornar uma A limitação do acaso através do
função: “o autor é aquele que dá à princípio do autor se dá em forma de
inquietante linguagem da ficção suas um jogo, tomando a forma do “eu”.
unidades, seus nós de coerência, sua Essas reflexões podem ser apreciadas
inserção no real” (ou 1996, Ibid., p. 28). em profundidade em outra obra de
Foucault que se intitula O que é um
Mas Foucault não abandona o tema do autor? Contudo, é necessário, nesse
autor como “indivíduo que escreve e momento, apenas compreender o autor

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enquanto um princípio de rarefação do A esse respeito, Foucault cita a
discurso referente ao campo da desventura de Mendel, que elaborou
produção dos mesmos. materiais científicos coerentes e
inovadores, porém, que não iam ao
O terceiro e último mecanismo interno encontro dos elementos da disciplina
de rarefação do discurso a que Foucault vigente, o que sombreou sua produção,
dedica atenção é a disciplina. O filósofo ou seja, ele esteve fora do verdadeiro
explica que “uma disciplina se define naquele recorte histórico. “Mendel dizia
por um domínio de objetos, um a verdade, mas não estava "no
conjunto de métodos, um corpus de verdadeiro" do discurso biológico de
proposições consideradas verdadeiras, sua época: não era segundo tais regras
um jogo de regras e de definições, de que se constituíam objetos e conceitos
técnicas e de instrumentos” (1996, Ibid., biológicos” (FOUCAULT, 1996, p. 35).
p. 30). A disciplina, embora se constitua
Enquanto o comentário está para a
de uma coleção de princípios
categorização dos discursos e o autor
específicos, é um campo “relativo e
está para a sua produção, a disciplina,
móvel”. É exatamente por albergar essa
que também enovela a produção, se
característica que tais elementos vão
relaciona diretamente com a
permitir a construção de enunciados.
distribuição dos discursos. Foucault
finda sua conceituação sobre a
Tal aspecto, de imediato, já difere a disciplina afirmando que sua identidade
disciplina do comentário, que se baseia é a da “reatualização permanente das
na repetição, e também a distingue do regras” (p. 36).
autor, que se refere à identidade. “Para
que haja disciplina é preciso, pois, que
haja possibilidade de formular, e de
1.3 Sujeição do discurso
formular indefinidamente, proposições
novas” (1996, op. cit.). Essa A sujeição do discurso ocorre mediante
possibilidade de criação do novo é real, procedimentos externos que tratam de
todavia, obedece ao que Foucault chama seu ordenamento de modo a atender à
de “jogo restrito”, uma vez que o novo imposição de regras aos sujeitos do
se enquadra às regras contidas na discurso ou ainda determinar suas
disciplina: “para pertencer a uma condições de funcionamento.
disciplina uma proposição deve poder
inscrever-se em certo horizonte teórico” trata-se de determinar as condições
de seu funcionamento, de impor aos
(1996, p. 33).
indivíduos que os pronunciam certo
número de regras e assim de não
Como coloca Fonseca-Silva, “para que permitir que todo mundo tenha
uma proposição pertença à botânica, à acesso a eles. Rarefação, desta vez,
patologia, à medicina, à gramática, por dos sujeitos que falam; ninguém
exemplo, é preciso que responda a entrará na ordem do discurso se não
condições que, em certo sentido, são satisfizer a certas exigências ou se
mais estritas e mais complexas do que a não for, de início, qualificado para
pura e simples verdade” (2007, p. 59). fazê-lo (1996, p. 36-37).
Isso significa trazer à tona a questão de
Com os procedimentos de sujeição,
que, para integrar uma disciplina, um
Foucault expõe a maleabilidade de
enunciado precisa “estar no
alguns discursos, enquanto outros
verdadeiro”.
parecem impenetráveis por parte dos

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sujeitos que falam, quase ao modo de Foucault chama “dupla sujeição”, ou
uma proibição. seja, ela submete os discursos ao grupo
sectário e, ao mesmo tempo, vincula tais
O primeiro desses procedimentos é o
discursos ao referido grupo.
ritual. Para Foucault, o ritual é a “forma
mais superficial e mais visível desses Por fim, Foucault aborda com brevidade
sistemas de restrição”, pois ele indica o a questão da apropriação social dos
grau de especialização a que os sujeitos discursos, o que compõe o último dos
do discurso devem possuir para a eles mecanismos de sujeição do discurso.
terem acesso, “define os gestos, os Ele toma os sistemas de educação como
comportamentos, as circunstâncias, e “maneira política de manter ou de
todo o conjunto de signos que devem modificar a apropriação dos discursos,
acompanhar o discurso” (1996, p. 39). É com os saberes e os poderes que eles
pelo ritual que os papeis dos sujeitos trazem consigo” (1996, p. 44), o que
são colocados, a exemplo do que ocorre sinaliza que, em sua função de difusora
com o discurso jurídico, o religioso, o dos discursos, a educação ainda se
político etc. coloca em um jogo de permitir ou
impedir o acesso, considerando as lutas
Em seguida, há as sociedades de
sociais.
discurso, que são responsáveis pelo
resguardo de segredos, ou seja, por um
jogo de “não permutabilidade” de
determinados discursos para com Considerações finais
agentes externos. Para Foucault, a Foucault compreende que “o discurso
função das sociedades do discurso é nada mais é do que um jogo, de
“conservar ou produzir discursos, mas escritura, no primeiro caso, de leitura,
para fazê-los circular em um espaço no segundo, de troca, no terceiro”
fechado, distribuí-los somente segundo (1996, p. 49). Assim, coloca a relação
regras estritas, sem que seus detentores entre a “logofilia”, uma veneração ao
sejam despossuídos por essa discurso, condensadora de respeito,
distribuição” (1996, op. cit.). Como honra e universalização do mesmo, e
exemplos da ação desse procedimento uma “aparente logofobia”, um temor de
de coerção e limitação da circulação de que, mesmo com tantos recursos
discursos, o autor cita os discursos limitadores, o discurso se proliferasse à
médico, político ou econômico. revelia e assim fosse levado a um estado
Há ainda o procedimento a que Foucault de desordem.
intitula doutrina. A doutrina possui a Para analisar essa parte perigosa do
característica do pertencimento: aquele discurso, Foucault propõe a desafiadora
que compartilha de dado conjunto de atitude “de questionar nossa vontade de
discursos define sua participação junto à verdade; restituir ao discurso seu caráter
sua doutrina correspondente. “A de acontecimento; suspender, enfim, a
doutrina liga os indivíduos a certos tipos soberania do significante” (1996, p. 51).
de enunciação e lhes proíbe,
consequentemente, todos os outros; mas O panorama conceitual de Michel
ela se serve, em contrapartida, de certos Foucault exposto até aqui deu
tipos de enunciação para ligar fundamento à elaboração de um método
indivíduos entre si e diferenciá-las, por de trabalho que se divide entre uma
isso mesmo, de todos os outros” (1996, perspectiva crítica e uma perspectiva
p. 43). Ocorre com as doutrinas o que genealógica, mas essa abordagem

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ultrapassa os objetivos e esforços deste Referências
paper. REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Tradução
Anderson Alexandre da Silva; revisão técnica
O exposto permite apreciar e Michel Jean Maurice Vincent. Rio de Janeiro:
compreender as formas pelas quais, aos Forense Universitária, 2011.
olhos de Michel Foucault, as sociedades
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber.
gerenciam os discursos e, por Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, -7ed. Rio
consequência, direcionam o de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
funcionamento da relação entre saber e _____. A ordem do discurso. Loyola, São
poder de modo mais amplo. Paulo, Brasil, 1996.
_____. O que é um autor? Portugal:
Veja/Passagens, 2002.
FONSECA-SILVA, Maria da Conceição.
Poder-Saber-Ética nos discursos do Cuidado
de Si e da Sexualidade. Vitória da Conquista:
Edições Uesb, 2007.

Recebido em 2014-05-15
Publicado em 2014-10-15

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