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GRANDE DO SUL
Ijuí (RS)
2017
KASSIANO BANDEIRA CERETTA
Ijuí (RS)
2017
Dedico este trabalho acima de tudo à
minha família, pelo incentivo, apoio, amor
e confiança em mim depositados durante
toda a minha jornada. E que mesmo não
estando mais presentes em corpo sempre
estarão em espírito pois nunca serão
esquecidos.
AGRADECIMENTOS
À minha amada mãe Ilenir Ana Bandeira Ceretta por todo o tempo, dedicação,
confiança e amor em mim depositados. Seus conselhos e ensinamentos serão
eternos, assim como a saudade e meu amor por você. Continue me olhando e
espero que se orgulhando, te amo.
Ao meu amado pai Dante Von Muhlen Ceretta por toda confiança,
determinação, carinho e amor em mim depositados. Sua felicidade e carisma serão
eternos assim como meu amor por você. Espero que esteja me olhando e torcendo
por mim a cada conquista, te amo.
INTRODUÇÃO.............................................................................................................8
CONCLUSÃO............................................................................................................59
REFERÊNCIAS..........................................................................................................61
8
INTRODUÇÃO
O direito penal deve ser visto como o último recurso a ser utilizado para a
proteção de bens jurídicos, pois seu principal intuito é proteger o cidadão e não o
punir, como nos mostra André Lozano Andrade (2014, p. 15, grifo do autor):
Porém, isso não significa que o direito penal sirva apenas como protetor de
direitos, pois quando essa proteção não surte efeito passamos para seu efeito
punitivo, que deve ser utilizado com extrema cautela para não se tornar mais
abusiva que o próprio delito.
Como salienta Cesare Beccaria (1764, p. 10), em sua lição clássica acerca da
necessidade de humanização das penas,
Podemos perceber que o Direito penal deve perder esse caráter quase que
estritamente punitivo, deixando outros ramos do direito competentes lidarem com o
caso concreto. Na opinião de Essado (2008, p. 29) “o direito penal não tem como
função regulamentar todas as condutas humanas. Muito pelo contrário, somente
deve intervir quando estritamente necessário”.
Por esse motivo o direito penal deve ser a ultima ratio na proteção de bens
jurídicos, pois atualmente seu elevado índice de punição se revela como uma
afronta aos princípios fundamentais, e a Constituição Federal em seu Art. 5º, caput,
dispõe: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL,
2016).
A respeito disso temos a ideia de Luís Paulo Sirvinskas (2003, p. 72, grifo
nosso):
Outro problema que decorre da utilização do direito penal como prima ratio,
além da afronta aos direitos e garantias individuais, é a banalização da norma penal,
fazendo com que ela perca seu caráter preventivo em decorrência do descrédito
15
Porém, de nada adianta a criação de uma lei penal incriminadora se essa não
respeitar sua função como ultima ratio e ser utilizada como primeira opção para
resolver os conflitos mais ínfimos. Neste sentido, temos o entendimento de
Hommerding e Lyra (2014, p. 18):
Uma ótima analogia sobre a intervenção penal como ultima ratio é construída
por Luiz Flávio Gomes (s.d, p. 16):
Sobre o tema, Maurício Antônio Ribeiro Lopes (1997, p. 75) salienta que
Com isso, fica claro o conceito do princípio da intervenção mínima, que nada
mais é que a utilização de todos os recursos e meios necessários para a resolução
de conflitos, recorrendo para a esfera penal e criminalizando determinada conduta
apenas em casos extremos, quando nenhum outro meio deu resultados e não há
outra opção. Desse modo, o Estado não apenas não deve, como nem pode interferir
nos conflitos como prima ratio.
Ainda, nas palavras de Nucci (2014, p. 51, grifo nosso) temos a explicação do
porque não se deve utilizar a seara penal como prima ratio:
Dito isso, concluímos que o Estado deve intervir o mínimo possível no dia a
dia do indivíduo, e caso ocorra algum conflito deve deixar os outros ramos do direito
agirem, como nos mostra Claus Roxin (1998, p. 28): “onde bastem os meios do
direito civil ou do direito administrativo, o Direito Penal deve retirar-se”. Em síntese: o
direito penal deve ser utilizado apenas como ultima ratio.
19
Nas palavras de Shecaira e Corrêa Junior, citados por Nucci (2014, p. 180)
entende-se que “o princípio da insignificância, por seu turno, equivale à
desconsideração típica pela não materialização de um prejuízo efetivo, pela
existência de danos de pouquíssima importância”.
com que os magistrados não apenas possam, mas também sejam compelidos a
utilizá-los.
Em alguns casos temos prejuízos tão ínfimos a bens jurídicos tutelados que a
aplicação de uma pena seria infinitamente mais prejudicial ao sistema punitivo,
carcerário e principalmente ao princípio da dignidade da pessoa humana, do que o
próprio delito praticado, pois estaríamos abrindo mão de um direito sagrado que é a
liberdade para “proteger” um bem material insignificante.
Porém devemos tomar cuidado para não confundir delito insignificante com
crimes de menor potencial ofensivo, como nos mostra Capez (2011, p. 31):
Até porque não é possível, muito menos correto, simplesmente punir qualquer
ato, até porque a lei é genérica, e por isso deve-se observar cada peculiaridade do
caso concreto.
E a respeito desse anseio social por punição temos os dizeres de Luiz Luisi,
citado por Nucci (2014, p. 67) sustentando que:
Confirmando o que foi dito temos Rebêlo (2000, p. 47) onde afirma que “o
primeiro caso em que o princípio se viu reconhecido pela Suprema Corte é o contido
no RHC 66.869/PR, relatado pelo Ministro Aldir Passarinho, em 6.12.1988”.
Contudo, seu caráter implícito não pode ser usado como argumento para sua
não aplicação, pois como nos mostra Sarmento citado por Ivan Luiz da Silva (2011,
p. 48):
Assim, fica evidente que o ato mais gravoso para o indivíduo e para a
sociedade como um todo, não é aquele pequeno delito praticado, mas sim a não
observância de um direito fundamental. Decorrente disso, vemos muitas vezes a
aplicação de penas absurdas e desproporcionais, “caracterizadoras de um
retribucionismo exagerado que mais lesam a coletividade do que a protegem”, como
salienta Rebêlo (2000, p. 7).
Porém não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que as nossas leis
são o reflexo da realidade, pois não são. A realidade é que o indivíduo pobre
representa a grande maioria do nosso sistema carcerário, e que desses, grande
parte é composta por indivíduos que cometeram um pequeno delito patrimonial, caso
no qual poderia ser aplicado o princípio da insignificância.
As leis são feitas conforme sua reprovabilidade social, porém, com a ideia de
que os menos favorecidos cometem mais crimes, o que nos mostra um sistema
penal falho, pois desde a sua criação até a sua aplicação demonstra ser seletivo.
Um exemplo disso, no caso do presente trabalho, é a diferença das penas na prática
do furto e do descaminho, ambos abordados nesta pesquisa.
Os artigos 155 e 334, ambos do Código Penal, na teoria nos trazem a mesma
pena:
Art. 155 - subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena –
reclusão, de um a quatro anos, e multa
Art. 334 - Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou
imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de
mercadoria: Pena – reclusão, de um a quatro anos”. (BRASIL, 2017).
29
A única diferença entre esses artigos é que um (art. 334) deve ser aplicado
em consonância com a Lei 10.522/2002 e as Portarias 75 e 130/2012 do Ministério
da Fazenda, e o outro (art. 155) não possui nada expresso para definir quando sua
aplicabilidade deve ser ignorada para não ferir direitos fundamentais.
A falta de orientação aos magistrados muitas vezes faz com que sejam
julgados improcedentes casos que nem poderiam ser considerados ilícitos, pois, se
utilizado o princípio da insignificância tornaria o fato atípico.
Além disso, não podemos desejar a prisão de um indivíduo por ter praticado
um fato jurídico de mínima relevância, onde, se feita esta prisão, tal fato acarrete
maior injustiça do que o próprio ato, até ali ilícito, conforme nos mostra o Habeas
Corpus (HC) 84.412, impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual o
ministro Celso de Mello concedeu a liminar em favor do paciente, que havia sido
condenado pela Justiça paulista pelo crime de furto de uma fita de vídeo game, no
valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais). (BRASIL, 2017).
Com isso podemos ver os diferentes pesos que o judiciário tem dado a cada
caso: um caso refere-se ao crime de furto, delito normalmente praticado por pessoas
socialmente desfavorecidas, e que mereciam um cuidado especial por parte do
Estado, mas não o tem, e o outro caso refere-se a um delito fiscal, no qual a margem
para aplicação do princípio da insignificância pode chegar até o valor de R$
20.000,00, conforme legislação expressa, normalmente favorecendo pessoas que
ocupam espaços privilegiados na sociedade brasileira.
Portanto, é evidente que não apenas a norma, mas todo o sistema penal está
contaminado pela injustiça, pois a máquina estatal responsável por proteger o
cidadão é a responsável por toda seletividade entranhada no sistema punitivo, como
se evidenciará na sequência, a partir de uma seleção de julgados dos Tribunais
Superiores brasileiros acerca da aplicação do princípio da insignificância nos delitos
fiscais e patrimoniais.
Outro fator primordial para o princípio da insignificância, porém desta vez para
a sua não aplicação, é a reincidência, ou seja, quando o indivíduo reiteradas vezes
pratica o mesmo fato delituoso. É incontestável que ambos os tribunais, STF e STJ,
tem o entendimento consolidado a respeito da inaplicabilidade do princípio da
insignificância quando se trata de indivíduo reincidente.
Com isso nos fica clara a posição adotada pelo STJ. Reforçando a afirmação
temos as palavras do relator Ministro Ribeiro Dantas no Agravo Regimental no
Recurso Especial número 1492408 de 27/04/2017:
Dito isso, ficou demonstrado que o Supremo Tribunal Federal apenas levou
em consideração a aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho
nove anos após o Superior Tribunal de Justiça. Desde então foram 122 processos
julgados pelo STF, enquanto o STJ tem 751 julgados onde estavam presentes o
princípio da insignificância e o delito de descaminho, dentre esses estão os julgados
providos e os improvidos.
Referente aos critérios usados pelo Superior Tribunal de Justiça para aplicar o
princípio da insignificância nos delitos patrimoniais temos o informativo número 0542
de 27 de junho de 2014, que diz:
Porém, devemos tomar cuidado ao analisar certos julgados, pois como dito
antes, a seletividade está tão entranhada no nosso sistema penal que se torna
explícita, quase vulgar, como no caso em que o princípio da insignificância não é
aplicado a um furto pelo réu ter condenação anterior transitado em julgado por lesão
corporal. Nesse sentido temos o Habeas Corpus número 114.723 / MG de relatoria
do Ministro Teori Zavascki, julgado em 26/08/2014:
Outro critério importante é o valor da res furtiva. Este, porém, não tem um
entendimento consolidado, diferentemente do delito fiscal/descaminho, pois há, de
certo modo, discordância até mesmo entre julgados do STF.
54
descrito no art. 155, caput, combinado com o art. 61, I, e art. 65, III,
todos do Código Penal, pelo furto de aparelho celular, avaliado em
R$ 90,00 (noventa reais). II - Nos termos da jurisprudência deste
Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar
a ação atípica, exige a satisfação de certos requisitos, de forma
concomitante: a conduta minimamente ofensiva, a ausência de
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. III - Assim, ainda que
conste nos autos registro de uma única condenação anterior pela
prática do delito de posse de entorpecentes para uso próprio,
previsto no art. 16 da Lei 6.368/1976, ante inexpressiva ofensa ao
bem jurídico protegido e a desproporcionalidade da aplicação da lei
penal ao caso concreto, deve ser reconhecida a atipicidade da
conduta. Possibilidade da aplicação do princípio da insignificância.
Precedente. IV - Ordem concedida para trancar a ação penal.
Dito isso nos fica demonstrada a diferença entre os dois tribunais, em tese
os dois tem o mesmo entendimento, de que para ser possível a incidência do
princípio da insignificância a res furtiva não poderá ultrapassar o valor máximo de
10% (dez por cento) do salário mínimo vigente a época do delito. Porém na prática
não é isso que vemos, enquanto o STJ segue este entendimento à risca, o STF leva
mais em consideração a análise das peculiaridades do caso concreto, muitas vezes
aplicando o princípio mesmo quando o valor da res furtiva ultrapassa os 10%, como
foi demonstrado no HC 138.697 / MG.
CONCLUSÃO
Em virtude dos fatos mencionados fica claro que o objetivo desta monografia
foi atingido, pois além de demonstrar a enorme desigualdade que há, quando
comparamos a incidência do princípio da insignificância, nos delitos fiscais e nos
delitos patrimoniais, também foi evidenciada a presença da seletividade que permeia
as decisões dos Tribunais Superiores brasileiros.
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REFERÊNCIAS
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