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HERÁCLITO
Weiderson Morais Souza – (Bolsista – PET Filosofia)
Glória Maria Ferreira Ribeiro (Orientadora - Tutora do Grupo PET Filosofia)
Agência financiadora: MEC/SESu
Resumo: Heráclito: o obscuro, esta denominação foi dada ao pensador por seus
contemporâneos e posteriormente consolidada por pensadores e eruditos que se debruçaram
sobre seus escritos. Durante séculos as diversas interpretações e debates acerca de seu
pensamento (que nos chegou através de 126 fragmentos extraídos de seu livro) não só
consolidaram esta denominação, como nos dão indícios sobre o surgimento dela. Neste sentido, a
forma estilística utilizada por Heráclito em seu livro mostra-se, juntamente com seus hábitos
político-sociais em relação aos vigentes de sua época, como alguns dos argumentos que explicam
a denominação de o obscuro dada a Heráclito e ao seu pensamento.
Heráclito, ao pensar o princípio ordenador do mundo (principal discussão do período da filosofia
pré-socrática) utilizava-se de uma linguagem que situava-se antes das primeiras formas e estudos
gramaticais, ou seja, antes da linguagem conceitual – pós-aristotélica. A linguagem utilizada por
Heráclito, diferente dessa última, resguardava ainda uma concretude entre o que era pensado e o
que era dito. Neste sentido, nosso estudo observará o caráter obscuro atribuído a Heráclito, a
partir da linguagem utilizada por ele.
Palavras-chave: obscuro, princípio, poiesis.
1
ZARADER, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. 2007. p. 47.
2
Ib. idem. p. 45
3
Ib. idem. p. 46
“Existência e Arte” - Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da
Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano III - Número III – janeiro a dezembro de 2007
SOUZA, Weiderson Morais.
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Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano III - Número III – janeiro a dezembro de 2007
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CARÁTER “OBSCURO” DO PENSAMENTO DE HERÁCLITO
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Heráclito ao que se nota não seguia os hábitos sócio-políticos de sua época; ele tinha um
modo diferente do tradicional. Contudo, mesmo que a designação de “o obscuro”
atribuída a ele pelos seus contemporâneos seja embasada em seu caráter a-político e
4
HEIDEGGER, Martin. A origem do pensamento ocidental. In: Heráclito, 1998. p. 22.
5
Ib. Idem. p. 25.
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nos seus modos pouco convencionais, que nos chegou através dessas duas anedotas,
isso não é ainda suficiente para darmos conta do sentido mais radical da obscuridade de
seu pensamento. Contudo, apenas a análise do caráter de Heráclito baseados nos fatos
que compõe a sua biografia não justifica o uso tão prolongado de um “apelido” e,
tampouco, justificaria que esse caráter de obscuridade fosse atribuído à linguagem
utilizada por Heráclito como se o seu modo de ser tivesse “contaminado” o seu estilo de
escrita.
Ainda na Grécia antiga, agora dos séculos III e II a.C., Heráclito continuou a ser chamado
de obscuro, mas neste contexto devido principalmente às interpretações em torno dos
seus dizeres expressos em seu livro (naquela época integral). Algumas dessas
abordagens e interpretações se apoiavam nas análises das estruturas e das regras da
linguagem que eram aplicadas ao seu pensamento na tentativa de compreendê-lo. No
entanto, as interpretações do pensamento de Heráclito que se nortearam por esse tipo de
análise, não podem ser vistas, como já alertado inicialmente, como interpretações
destoantes ou como uma fonte literária infiel. Ou seja, quando, por exemplo, Aristóteles
critica o pensamento de Heráclito, o que está em jogo, fundamentalmente para esse
pensador, não é o que Heráclito de fato estava dizendo, mas o que ele (Aristóteles)
queria afirmar acerca da sua própria filosofia. Assim, o que Aristóteles faz, notadamente
no livro I da sua Metafísica, é uma filosofia da história6. Sendo assim, não se trata de uma
simples doxografia ou simplesmente de uma crítica anacrônica ao pensamento que o
antecedeu, mas trata-se de uma visada radical buscando aquilo que, em todo o
pensamento que o antecedeu, permanece impensado. Desta maneira não podemos
considerar as interpretações que Aristóteles (ou Platão) fizeram do pensamento de
Heráclito como interpretações anacrônicas e injustificadas por procurarem, na obra desse
autor (ou ainda, nos testemunhos ou fala de seus discípulos) questões ou procedimentos
de análise que eram de todo estranho na época de Heráclito. O que se verifica nas falas
de Platão e Aristóteles sobre o pensamento de Heráclito é uma “transformação do que foi
transmitido”7. Na Retórica de Aristóteles, principalmente no livro III, observa-se a análise
em torno do estilo e da composição do discuro retórico, no qual são elencados alguns
elementos inerentes a esse tipo de discurso, tais como: clareza, correção gramatical,
6
“Aristóteles, nunca faz história sem filosofia da história, mesmo quando fala dos filósofos que o precederam.
Não pergunta pelas idéias que determinado filósofo tinha na cabeça. Isso não tem importância. Tal
investigação é sempre e somente filosófica. Assim, quando a tradição lhe diz que para Tales a água é o
princípio de todas as coisas, mas, não se pergunta qual a idéia de água e princípio podia ter tido Tales só se
interessa pelo sentido filosófico da afirmação.” CARNEIRO LEÃO, Emmanuel, Introdução in: HERÁCLITO,
Fragmentos. - Origem do pensamento. Edição Bilíngüe com tradução, introdução e notas de Emmanuel
Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980, p. 27.
7
Heidegger, Martin. O que é isto - a Filosofia?. In: Conferências e escritos filosóficos. p. 20.
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ritmo, o uso da metáfora e outros. É nesse contexto que temos uma passagem na qual
Aristóteles analisa o estilo de Heráclito:
8
ARISTÓTELES. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 83.
9
Ver Hegel e a sua concepção de Filosofia.
10
Fragmento 64 - Hipólito, Refutação, IX, 10. “De todas (as coisas) o raio fulgurante dirige o curso”. In: Os
pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 91.
11
Fragmento 32 - Clemente de Alexandria, Tapeçarias, V, 116. “Uma só (coisa) o sábio não quer e quer ser
recolhido no nome de Zeus”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 88.
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Fragmento 107 - Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 126. “Más testemunhas para os homens
são olhos e ouvidos, se almas bárbaras eles têm”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores,
1973. P. 95.
13
Fragmento 1 - Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 132. “Deste logos sendo sempre os homens se
tornam descompassados quer antes de ouvir quer logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas (as coisas)
segundo este logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais
quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros
homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo”. In: Os pré-socráticos.
Col. Os pensadores, 1973. P. 85.
14
Fragmento 66 – Hipólito, Refutação, IX, 10. “Pois todas (as coisas) o fogo sobrevindo discernirá e
empolgará”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 91.
15
Fragmento 2 – Sexto empírico, Contra os Matemáticos, VII, 133. “Por isso é preciso seguir o-que-é-com,
isto é, o comum; pois o comum é o-que-é-com. Mas, o logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como se
tivessem uma inteligência particular”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 85.
16
HEIDEGGER, Martin. Alétheia. In: Pré-socráticos, 1973. p.130.
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Tomando o pensamento de Heráclito a partir do que ele mesmo nos fala, chegamos ao
traço fundamental que se resguarda em suas palavras. Seu caráter obscuro, não pode,
então, ser tomado a partir de um ponto externo ao seu pensamento, ou das diferentes
interpretações dadas pelos filósofos ao longo da tradição metafísica. Tal caráter de
obscuridade se resguarda no pensamento de Heráclito e em sua linguagem à medida
que essa deixa e faz ver o próprio princípio. Segundo Heidegger: “Heráclito é o ‘obscuro’
porque ele pensa o ser enquanto o que se vela e tem que pronunciar a palavra de acordo
com o que assim se pensa”18. Assim, para nós também, se Heráclito se mantém fiel ao
que pensa, ele então ganha a nomeação de obscuro primeiro e antes de qualquer coisa
por manter-se na dimensão do princípio (physis). Princípio esse que para governar e
dirigir o curso de todas as coisas precisa inevitavelmente – e tem como seu caráter
originário e essencial – manter-se oculto (velado).
17
ZARADER, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. 1998. p. 79.
18
HEIDEGGER, Martin. A ‘obscuridade’ do pensamento essencial: o encobrimento essencial do a-se-pensar
(ser). In: Heráclito, 1998. p. 47.
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Referências Bibliográficas:
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Ed. Relume Dumará. Rio
de Janeiro: 1998.
KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Trad. Carlos Alberto
Louro Fonseca. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. 4ª ed. Lisboa: 1994.
SOUZA, José Cavalcante de. (Org.). Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, Ed. Abril Cultural.
São Paulo: 1973.
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