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CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CARÁTER “OBSCURO” DO PENSAMENTO DE

HERÁCLITO
Weiderson Morais Souza – (Bolsista – PET Filosofia)
Glória Maria Ferreira Ribeiro (Orientadora - Tutora do Grupo PET Filosofia)
Agência financiadora: MEC/SESu

Resumo: Heráclito: o obscuro, esta denominação foi dada ao pensador por seus
contemporâneos e posteriormente consolidada por pensadores e eruditos que se debruçaram
sobre seus escritos. Durante séculos as diversas interpretações e debates acerca de seu
pensamento (que nos chegou através de 126 fragmentos extraídos de seu livro) não só
consolidaram esta denominação, como nos dão indícios sobre o surgimento dela. Neste sentido, a
forma estilística utilizada por Heráclito em seu livro mostra-se, juntamente com seus hábitos
político-sociais em relação aos vigentes de sua época, como alguns dos argumentos que explicam
a denominação de o obscuro dada a Heráclito e ao seu pensamento.
Heráclito, ao pensar o princípio ordenador do mundo (principal discussão do período da filosofia
pré-socrática) utilizava-se de uma linguagem que situava-se antes das primeiras formas e estudos
gramaticais, ou seja, antes da linguagem conceitual – pós-aristotélica. A linguagem utilizada por
Heráclito, diferente dessa última, resguardava ainda uma concretude entre o que era pensado e o
que era dito. Neste sentido, nosso estudo observará o caráter obscuro atribuído a Heráclito, a
partir da linguagem utilizada por ele.
Palavras-chave: obscuro, princípio, poiesis.

O pensamento filosófico nascido na Grécia, a partir do século VI a.C., teve como


primeiro e principal centro de suas reflexões a busca do elemento responsável pela
constituição e ordenação do real - elemento chamado de arché (αρχη), ou princípio. Por
princípio nos é dado compreender aquilo que a partir de si dá origem e ordem ao mundo,
e “pelo qual todos os entes vêm a ser enquanto entes”1. A arché, ou princípio, foi
expressa nas palavras de alguns dos primeiros pensadores como physis (Φύσις), esta
que será usualmente traduzida por natureza. Contudo, por natureza não nos é dado
compreender o significado que a Física moderna atribui a esse fenômeno. O fenômeno
da physis apontava antes para “o facto de avançar, de se erguer, de se abrir e de
desabrochar2”. Este movimento de abertura e aparição dos entes que foi voltado “num
primeiro tempo, a uma observação dos processos naturais3” nos remete, ainda assim,
para a dinâmica de desabrochar (aparecer) dos entes de maneira geral. Ou seja, a physis
é entendida pelos pensadores pré-socráticos, fundamentalmente, como o princípio que
origina e ordena o mundo. Consoante este entendimento acerca da essência da physis,
nesse primeiro momento do pensamento filosófico, os primeiros pensadores gregos não
só começaram a traçar uma compreensão em torno da origem e ordenação do mundo,

1
ZARADER, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. 2007. p. 47.
2
Ib. idem. p. 45
3
Ib. idem. p. 46

“Existência e Arte” - Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da
Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano III - Número III – janeiro a dezembro de 2007
SOUZA, Weiderson Morais.
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como também trilharam o caminho e apresentaram a primeira questão essencial deste


pensamento que é: a questão do ser.

Neste caminho os pré-socráticos lançaram mão de uma linguagem não-conceitual


diferente da que será utilizada posteriormente pela tradição metafísica. Nesta linguagem,
ao se falar sobre o real e o princípio ordenador deste, a palavra alcançava uma dimensão
mais próxima do que se queria dizer; em oposição ao distanciamento causado pelos
processos de abstração inerentes a cunhagem dos conceitos próprios da tradição
filosófica. Essa (primeira) linguagem, ou linguagem originária, tem uma relação de
concretude entre as palavras e o que as mesmas “queriam” nomear. Para os gregos que
vivenciaram a experiência desta linguagem, o ato de pronunciar uma palavra equivalia
trazer a coisa pronunciada à presença. Não se trata simplesmente de pronunciar e de
nesse pronunciamento evocar a representação abstrata do significado de uma palavra;
mas, trata-se antes, de promover, no próprio ato de pronunciar, a vivência do
pronunciamento. Sendo assim, esse tipo de linguagem estava na dimensão do que os
gregos entendiam por fenômeno poético. Fenômeno que tem como base o termo poíesis,
que naquele período era entendido pelos gregos como produção. Sendo assim, os
dizeres produziam ou manifestavam o que se dizia. Já a linguagem conceitual (marcada
pelo processo de abstração) que se seguiu a essa estabeleceu uma distância entre a
palavra e o seu significado. Ou seja, nesta nova relação a palavra não invocava mais o
dito, como no período anterior, mas ela (a palavra) passou a “guardar” o seu significado
por meio de uma adequação do pensamento à coisa.

Pois bem, os primeiros pensadores, ao se debruçarem sobre o princípio ordenador da


realidade tentaram acessá-lo de uma maneira mais fundamental e originária, longe
daquela que se seguiu no curso da tradição metafísica com a determinação conceitual da
realidade; determinação que se distanciou da experiência do começo, que residia nos
dizeres dos primeiros pensadores. O pensamento que se seguiu ao pré-socrático
desenvolveu o seu próprio modo de acessar a realidade através da linguagem. No
entanto, por vezes, esse tipo de pensamento (metafísico) também retorna ao
pensamento pré-socrático e o utiliza de diversas formas em suas filosofias. Nestes
retornos, apresenta-se a diferença entre a linguagem dos primeiros pensadores e a dos
primeiros filósofos, principalmente no que toca às análises e interpretações daqueles por
estes. Porém, se considerássemos o uso da linguagem abstrata como único parâmetro
para as análises e críticas acerca da linguagem originária, pelos filósofos, podíamos
interpretá-las como sendo apenas leituras equivocadas (porque se encontrariam “fora” do

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tempo e das concepções acerca da linguagem próprias do pensamento pré-socrático) do


que se queria dizer. No entanto, tal entendimento seria uma interpretação precipitada
tanto do pensamento pré-socrático quanto do pensamento metafísico, visto a importância
e grandiosidade das construções filosóficas tanto do período pré-socrático quanto do
Platônico-Aristotélico. Mas, então, como compreender e dimensionar a linguagem
utilizada pelos pré-socráticos - notadamente Heráclito - e a crítica feita a esse tipo de
linguagem pela tradição metafísica? Comecemos situando-nos na palavra de Heráclito.

Heráclito é um dos primeiros e mais importantes expoentes da filosofia pré-socrática. Seu


pensamento (que nos chegou hoje através de fontes secundárias, tais como: os 126
fragmentos oriundos do seu livro e extraídos de sua doxografia e das interpretações de
outros filósofos) recebeu durante o percurso histórico da filosofia a alcunha de obscuro,
ou enigmático. A questão que se impõe para nós é: o que no pensamento e palavra deste
pensador merece essa designação? Na tentativa de elaborarmos essa questão,
tomaremos como guia a interpretação que Heidegger faz da palavra desse pensador.

A designação obscuro (Σκοτεινός), em torno de Heráclito, surgiu já durante seu período


histórico (Grécia antiga – Século IV a.C.) quando contam-se duas histórias a seu
respeito. Na primeira

diz-se (numa palavra) que Heráclito assim teria respondido aos


estranhos vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no
aquecendo-se junto ao forno. Ali permanecem, de pé, (impressionados
sobretudo porque) ele os (ainda hesitantes) encorajou a entrar,
pronunciando as seguintes palavras: ‘Mesmo aqui, os deuses também
4
estão presentes ;

e a segunda conta que

Dirigiu-se, porém, ao santuário de Artemis para lá jogar dados com as


crianças; voltando-se aos efésios que se puseram de pé ao seu redor,
exclamou: ‘Seus infames, o que estão olhando aqui tão espantados?
Não é melhor fazer o que estou fazendo do que cuidar da πόλις junto
com vocês? 5.

Heráclito ao que se nota não seguia os hábitos sócio-políticos de sua época; ele tinha um
modo diferente do tradicional. Contudo, mesmo que a designação de “o obscuro”
atribuída a ele pelos seus contemporâneos seja embasada em seu caráter a-político e

4
HEIDEGGER, Martin. A origem do pensamento ocidental. In: Heráclito, 1998. p. 22.
5
Ib. Idem. p. 25.

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nos seus modos pouco convencionais, que nos chegou através dessas duas anedotas,
isso não é ainda suficiente para darmos conta do sentido mais radical da obscuridade de
seu pensamento. Contudo, apenas a análise do caráter de Heráclito baseados nos fatos
que compõe a sua biografia não justifica o uso tão prolongado de um “apelido” e,
tampouco, justificaria que esse caráter de obscuridade fosse atribuído à linguagem
utilizada por Heráclito como se o seu modo de ser tivesse “contaminado” o seu estilo de
escrita.

Ainda na Grécia antiga, agora dos séculos III e II a.C., Heráclito continuou a ser chamado
de obscuro, mas neste contexto devido principalmente às interpretações em torno dos
seus dizeres expressos em seu livro (naquela época integral). Algumas dessas
abordagens e interpretações se apoiavam nas análises das estruturas e das regras da
linguagem que eram aplicadas ao seu pensamento na tentativa de compreendê-lo. No
entanto, as interpretações do pensamento de Heráclito que se nortearam por esse tipo de
análise, não podem ser vistas, como já alertado inicialmente, como interpretações
destoantes ou como uma fonte literária infiel. Ou seja, quando, por exemplo, Aristóteles
critica o pensamento de Heráclito, o que está em jogo, fundamentalmente para esse
pensador, não é o que Heráclito de fato estava dizendo, mas o que ele (Aristóteles)
queria afirmar acerca da sua própria filosofia. Assim, o que Aristóteles faz, notadamente
no livro I da sua Metafísica, é uma filosofia da história6. Sendo assim, não se trata de uma
simples doxografia ou simplesmente de uma crítica anacrônica ao pensamento que o
antecedeu, mas trata-se de uma visada radical buscando aquilo que, em todo o
pensamento que o antecedeu, permanece impensado. Desta maneira não podemos
considerar as interpretações que Aristóteles (ou Platão) fizeram do pensamento de
Heráclito como interpretações anacrônicas e injustificadas por procurarem, na obra desse
autor (ou ainda, nos testemunhos ou fala de seus discípulos) questões ou procedimentos
de análise que eram de todo estranho na época de Heráclito. O que se verifica nas falas
de Platão e Aristóteles sobre o pensamento de Heráclito é uma “transformação do que foi
transmitido”7. Na Retórica de Aristóteles, principalmente no livro III, observa-se a análise
em torno do estilo e da composição do discuro retórico, no qual são elencados alguns
elementos inerentes a esse tipo de discurso, tais como: clareza, correção gramatical,

6
“Aristóteles, nunca faz história sem filosofia da história, mesmo quando fala dos filósofos que o precederam.
Não pergunta pelas idéias que determinado filósofo tinha na cabeça. Isso não tem importância. Tal
investigação é sempre e somente filosófica. Assim, quando a tradição lhe diz que para Tales a água é o
princípio de todas as coisas, mas, não se pergunta qual a idéia de água e princípio podia ter tido Tales só se
interessa pelo sentido filosófico da afirmação.” CARNEIRO LEÃO, Emmanuel, Introdução in: HERÁCLITO,
Fragmentos. - Origem do pensamento. Edição Bilíngüe com tradução, introdução e notas de Emmanuel
Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980, p. 27.
7
Heidegger, Martin. O que é isto - a Filosofia?. In: Conferências e escritos filosóficos. p. 20.

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ritmo, o uso da metáfora e outros. É nesse contexto que temos uma passagem na qual
Aristóteles analisa o estilo de Heráclito:

Convém absolutamente que o que se escreve seja fácil de ler e


compreender, o que é a mesma coisa. É o que se dá quando há muitas
conjunções e não se dá quando há poucas ou quando não é fácil pontuar
como nos escritos de Heráclito. Pois pontuar os escritos de Heráclito é
um trabalho, por ser incerto se tal pontuação se liga a uma palavra
anterior ou posterior como no começo do seu escrito: ‘Deste logos...
tenham ouvido’ (é do fragmento 1. V. p. 85). Pois é incerto saber pela
8
pontuação a que se liga o aeî sempre .

O que se nota, em Aristóteles, é a preocupação com a clareza da escrita e a forma


inteligível mais clara acerca da formulação de conceito; tal preocupação prescinde da
análise daquilo que, de fato, está em pauta no pensamento de Heráclito. Essa
preocupação de Aristóteles se deve à necessidade imposta pelo tipo de pensamento que
para ele (Aristóteles) está em jogo. Sem desconsiderar a problemática exposta por
Aristóteles, devemos então entendê-la como uma apropriação e interpretação do
pensamento de Heráclito inerente ao próprio jogo do pensamento - no qual a filosofia se
plasma desde o diálogo que se estabelece entre diferentes épocas históricas e diferentes
correntes filosóficas. Nesse diálogo, muitas vezes, o que menos importa é a correção
histórica e a análise dos fatos e ditos dos filósofos, muitas vezes o erro e o desvio no
interior desse diálogo é o que de fato irá dar o tônus, a força próprio do ato de filosofar9.
Esse erro ou desvio é o que acaba por nos lançar naquilo que, no pensamento, ainda
permanece impensado. Mas, voltemos a Heráclito e a sua palavra.

O pensamento de Heráclito se plasma desde a compreensão do princípio, muitas vezes


ele o nomeia quer como Zeus, Raio ou Fogo e Lógos, mas, sempre como aquilo que dá a
unidade ao real. Essa diversidade de “nomes” e “conotações” que esses nomes implicam
acabam por “obscurecer” o sentido de unificação que Heráclito lhes atribui. Contudo,
esse obscurecimento, isso mesmo que dificulta é o que nos conduz para uma
compreensão mais radical disso que está em questão na linguagem – enquanto essa
manifesta o próprio princípio da realidade. Isto porque esse princípio que tudo dirige10
mantém o caráter ambíguo11 do real. Tal ambigüidade se revela à medida exata em que

8
ARISTÓTELES. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 83.
9
Ver Hegel e a sua concepção de Filosofia.
10
Fragmento 64 - Hipólito, Refutação, IX, 10. “De todas (as coisas) o raio fulgurante dirige o curso”. In: Os
pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 91.
11
Fragmento 32 - Clemente de Alexandria, Tapeçarias, V, 116. “Uma só (coisa) o sábio não quer e quer ser
recolhido no nome de Zeus”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 88.

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esse (princípio) se desvela de imediato como a aparência (múltipla, fugidia e contingente)


que nos toca os sentidos12 e que, no entanto, se mantém uno e coeso13 nessa mesma
aparência que ele gera. Esse princípio se mostra assim, como o fogo14 que nos empolga
ao nos permitir ver as coisas (as aparências) como o que há de verdadeiro na medida em
que essas nos tocam de imediato os sentidos; e, ao mesmo tempo, faz com que essas
mesmas coisas (aparências) se revelem no seu caráter transitório, ao nos mostrar o
quanto de ilusório existe nesse aparecer. Ilusão que se verifica porque o fogo ao iluminar
as coisas, acaba por lhes conferir distinção, determinação, uma em relação às outras;
contudo, essa distinção não se sustenta em si mesma porque ela radica na luz que dele
(fogo) advém. Por isso, muito embora o real se mostre de maneira múltipla é preciso
sempre seguir o-que-é-com15, isto é, aquilo que confere unidade e medida a todas as
coisas. Em função desse caráter ambíguo do princípio é que se torna possível ao homem
(que se encontra já sempre guiado e regido por esse princípio) tomá-lo como se esse
fosse algo particular. E ainda: é esse caráter ambíguo do princípio, que confere
obscuridade ao discurso de todo aquele que desde ele (princípio) se dispuser a falar. A
nossa tese é precisamente essa: o caráter obscuro da fala de Heráclito se deve ao fato
dessa fala evidenciar o próprio princípio. Não se trata simplesmente de discorrer sobre
ele, mas de mostrá-lo na e como linguagem, isto é, como lógos. Nessa linguagem
originária, a palavra traz consigo o que se pensa. E Heráclito enquanto pensa o princípio
ordenador do mundo (Κοσμος), pensa o ser. Ser este que do ponto de vista ontológico é
o que confere à realidade a sua origem e a sua ordem. Desta forma, este não pode, por
sua condição ontológica, ser determinado. Por conseguinte, o ser enquanto dito pela
linguagem originária é então des-velado; mas des-velado aqui não é, e não se deve
aproximar de determinado. Antes, des-velado significa “experimentado apenas como o-
que-veio-à-manifestação, o que se presenta”16. Des-velamento vem do termo grego
alethéia (a = não; lethé = esquecimento) que primeiramente, fora traduzido por verdade,
mas, no entanto, resguarda um melhor entendimento no sentido de des-velar, ou vir à

12
Fragmento 107 - Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 126. “Más testemunhas para os homens
são olhos e ouvidos, se almas bárbaras eles têm”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores,
1973. P. 95.
13
Fragmento 1 - Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, VII, 132. “Deste logos sendo sempre os homens se
tornam descompassados quer antes de ouvir quer logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas (as coisas)
segundo este logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais
quais eu discorro segundo (a) natureza distinguindo cada (coisa) e explicando como se comporta. Aos outros
homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo”. In: Os pré-socráticos.
Col. Os pensadores, 1973. P. 85.
14
Fragmento 66 – Hipólito, Refutação, IX, 10. “Pois todas (as coisas) o fogo sobrevindo discernirá e
empolgará”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 91.
15
Fragmento 2 – Sexto empírico, Contra os Matemáticos, VII, 133. “Por isso é preciso seguir o-que-é-com,
isto é, o comum; pois o comum é o-que-é-com. Mas, o logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como se
tivessem uma inteligência particular”. In: Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, 1973. P. 85.
16
HEIDEGGER, Martin. Alétheia. In: Pré-socráticos, 1973. p.130.

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presença. Des-velamento enquanto alétheia “quer dizer na medida em que saiu da


latência ou da ocultação, é”17. O des-velamento entendido dessa maneira evidencia o
movimento incessante de desabrochar da realidade, ou como o próprio Heráclito diz, na
segunda parte de uma de suas sentenças (para nós do fragmento 16): “(...) o que nunca
declina”. O que nunca declina é esse contínuo movimento de des-velamento –
movimento do qual faz parte o próprio ocultar-se do princípio. Ocultar-se aparece aqui
como uma necessidade intrínseca do des-velar. No pensamento de Heráclito a dinâmica
constitutiva da realidade aparece então no seu duplo movimento de constituição: de des-
velar e de velar. Ou seja, o princípio constitutivo da realidade sempre deve ocultar-se,
enquanto princípio, a cada vez que ele deixa e faz ver as coisas. É esse princípio que
confere determinação as coisas e, é ele mesmo (enquanto princípio) que se oculta nessa
determinação. Dessa forma, o que é pensado por Heráclito, ou seja, esse movimento de
des-velamento (do ser das coisas) e velamento (do ser enquanto princípio de
determinação) configura-se como a própria exposição da physis em seu caráter
essencial enquanto princípio ordenador. Mas que caráter seria este? Consoante Heráclito
em seu fragmento 123, temos: “Φυσις χρύπτεσθαι φιλεί” (Natureza ama esconder-se). A
partir dessa enunciação, tomamos que se a physis (Φύσις) é o principio ordenador da
realidade, ou ainda a verdadeira constituição das coisas, temos que o caráter essencial
do que Heráclito pensa é justamente o ocultamento, pois ele (princípio - physis) ama
esconder-se.

Tomando o pensamento de Heráclito a partir do que ele mesmo nos fala, chegamos ao
traço fundamental que se resguarda em suas palavras. Seu caráter obscuro, não pode,
então, ser tomado a partir de um ponto externo ao seu pensamento, ou das diferentes
interpretações dadas pelos filósofos ao longo da tradição metafísica. Tal caráter de
obscuridade se resguarda no pensamento de Heráclito e em sua linguagem à medida
que essa deixa e faz ver o próprio princípio. Segundo Heidegger: “Heráclito é o ‘obscuro’
porque ele pensa o ser enquanto o que se vela e tem que pronunciar a palavra de acordo
com o que assim se pensa”18. Assim, para nós também, se Heráclito se mantém fiel ao
que pensa, ele então ganha a nomeação de obscuro primeiro e antes de qualquer coisa
por manter-se na dimensão do princípio (physis). Princípio esse que para governar e
dirigir o curso de todas as coisas precisa inevitavelmente – e tem como seu caráter
originário e essencial – manter-se oculto (velado).

17
ZARADER, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. 1998. p. 79.
18
HEIDEGGER, Martin. A ‘obscuridade’ do pensamento essencial: o encobrimento essencial do a-se-pensar
(ser). In: Heráclito, 1998. p. 47.

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Referências Bibliográficas:

HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Ed. Relume Dumará. Rio
de Janeiro: 1998.

________________. O que é isto – a Filosofia? In: Conferências e escritos filosóficos. Tradução


de Ernildo Stein. Ed. Nova Cultural. 4ª ed. São Paulo: 1991.

KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Trad. Carlos Alberto
Louro Fonseca. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. 4ª ed. Lisboa: 1994.

LEÃO, Emmanuel Carneiro. Heráclito. Fragmentos: Origem do pensamento. Tradução Emmanuel


Carneiro Leão. Ed. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: 1980.

SOUZA, José Cavalcante de. (Org.). Os pré-socráticos. Col. Os pensadores, Ed. Abril Cultural.
São Paulo: 1973.

ZARADER, Marlène. Heidegger e as palavras da origem. Tradução de João Duarte. Ed.Instituto


Piaget. Lisboa:1998.

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