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A ascensão evangélica no Brasil: análise pragmática em torno da produção do social por

atores religiosos

Carlos Gutierrez – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da


UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
E-mail: carlos.gutierrrez9@gmail.com

A participação da religião na esfera pública e a construção dessa presença enquanto


problema pode ser percebida em diversos debates na sociedade brasileira. Pastores evangélicos são
convidados regularmente pela mídia para debater os mais variados assuntos, de sexualidade à
política. A Bancada Evangélica, frente parlamentar que reúne deputados evangélicos, tornou-se não
apenas uma das maiores forças políticas do país nos últimos pleitos, mas também tema recorrente
nas conversas de boa parte da população. A produção crítica dos evangélicos passa a ocupar papel
relevante nas principais arenas da sociedade civil brasileira, promovendo um debate cada vez maior
em relação a eles e a sua presença em diversas instâncias. Tomamos aqui o termo arenas públicas
como os espaços de onde emergem novos universos de sentido por meio da mobilização, protesto e
ação de atores coletivos (CEFAÏ, 2009).
Durante sua passagem pela, até então, “desconhecida” Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) conseguiu atrair uma atenção enorme à pasta, por
conta de seu posicionamento contra os grupos LGBTs e religiões de matriz afro, até ter a sua saída
anunciada após muito pressão de movimentos sociais. A Bancada Evangélica no Congresso
Nacional tornou-se um tema recorrente no país, graças à força política que o grupo angariou e seu
posicionamento incisivo contra temas que visam “destruir a família tradicional”, ou atentem contra
a “moralidade do brasileiro”. A mídia também teve importante papel na divulgação desse fenômeno
e, consequentemente, em sua problematização, uma vez que além da produção de conteúdo sobre o
tema, também abriu espaço em programas de televisão para determinados representantes religiosos 1
expressarem suas posições. Nos últimos anos, é possível perceber uma grande produção crítica da
sociedade civil em relação aos desdobramentos da ascensão evangélica como, por exemplo,
movimento LGBT, feministas, “movimento negro” (capitaneando denúncias feitas pelas religiões
afro). Além disso, os próprios evangélicos (praticamente 25% da população) tem produzido
reflexões e críticas acerca de si e do papel da religião no Brasil.

1
É importante ressaltar que os bispos e pastores “midiáticos” não representam necessariamente a maior parte
da população evangélica, mas são convidados por conta de suas posições polêmicas, o que implica, em muitos
casos, em maiores índices de audiência para a televisão, ou “page views” para sites da Internet.

1
O objetivo do trabalho é tentar contribuir para a compreensão acerca da produção do social
pelos evangélicos no Brasil. Logo, pretendemos proceder com a desagregação de atores coletivos
(os evangélicos) , o que leva nossa atenção ao momento presente. Dessa forma, nos interessa
examinar os interesses dos atores em relação ao momento presente e como procedem em relação a
ele para construir seus julgamentos. A questão da temporalidade é importante, pois os atores não
podem se eximir de coerções que os obrigam a agir no momento. Claro que isso não significa que
os agentes sejam movidos apenas pelos seus interesses presentes, mas nosso interesse é justamente
os efeitos próprios desses momentos.
No lugar de tentar estabelecer um “plano de fundo” que motiva os atores, ou a disposição
que os guia, preferimos voltar nosso olhar à ação dos atores em relação a entidades diversas
(pessoas, objetos e signos), no presente, sem estabelecer quaisquer tipo de pré-julgamentos, em uma
aproximação com o pragmatismo americano de Mead e Dewey. Conforme Dodier (1993, p.41, grifo
meu), em seu estudo sobre a expertise médicale, não nos interessa “a totalidade sobre a qual se
destaca a silhueta dos atores, mas sim a matéria de suas exploração: o que engajam em seus atos”.
Para tentar compreender esse fenômeno complexo e vasto, o trabalho optou por seguir atores
religiosos em diversos “mundos de ação” (Dodier, 1993) de uma determinada instituição: a Igreja
Universal do Reino de Deus. Esse recorte empírico pode ser justificado pela relevância da
instituição e a presença de seus atores na arena pública brasileira.
Apesar de não ser a mais numerosa, fica apenas em 4° lugar de acordo com o último Censo,
com 1,8 milhão de fiéis, o atores da Universal tem participação relevante em diversos debates na
cena pública brasileira tais como, por exemplo, combate às drogas, laicidade, aborto,
empreendedorismo econômico, intolerância religiosa, questões de gênero, feminismo, política
cultural, entre muitos outros. Assim como uma notória produção crítica acerca dos temas acima e da
própria presença deles nas arenas que envolvem esses temas. Não se trata aqui de afirmar que os
agentes sociais de outras instituições não tenham lugar nesses processos, mas aqueles ligados à
Igreja Universal parecem, no que tange ao problema a ser construído por essa pesquisa, mais
significativos.
Para compreendermos essa preponderância, precisamos discutir brevemente a transformação
que a Universal vem passando nos últimos quinze anos. A instituição deixou, com algumas
exceções pontuais, de figurar nas páginas policiais dos principais jornais do país, como fazia nos
anos 90. Da temática da mercantilização da fé (Pierucci e Prandi), exploração financeira das classes
mais baixas e intolerância religiosa com destruição de terreiros de religiões afro e “chute na santa”,
a Universal passou a ser retratada mais por sua expansão de fiéis e a construção de grandes templos
em todo o país, assim como pelo crescimento da Rede Record de Televisão, propriedade de Edir

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Macedo. Esse período foi bem retratado academicamente por Gomes (2007), que denominou o
processo de Era das Catedrais, enfatizando a construção do Templo Maior da Fé no Rio de Janeiro e
a Catedral na Avenida João Dias. O processo foi coroado com a construção do Templo de Salomão,
no Brás, em São Paulo, inaugurado em 2014. Concomitantemente, iniciativas consideradas “não-
religiosas” como, por exemplo, o The Love School que visa ensinar estratégias para o sucesso do
casamento, IntelliMen que tem como objetivo formar homens melhores e seu correlato feminino, o
Godlywoood, ganharam espaço dentro da instituição. Dessa forma, expandiram-se as possibilidades
de discussão e problematização da vida social para além das existentes até então no universo da
IURD.
Por outro lado, alguns membros da Universal apontam que a principal mudança na vida da
instituição foi o desenvolvimento do projeto político, por meio do PRB – Partido Republicano
Brasileiro. Fundado em 2005, a agremiação notabilizou-se pela presença do vice-presidente da
República, José Alencar, sendo base parlamentar do governo Lula (2° mandato) e Dilma. Desde o
início, o partido foi muito contestado pela mídia, cientistas políticos e forças políticas de oposição,
que o apontavam como ligado à Igreja Universal, limitando-o a braço político da instituição, em
claro desrespeito, segundo seus detratores, ao principio de laicidade do Estado brasileiro.
A ascensão política do PRB é considerável. Em 2006, seu primeiro pleito, elegeu apenas um
parlamentar, passando para oito, em 2010, número que aumentou para doze, com a posse de quatro
suplentes. Já no último pleito, em 2014, subiu para vinte e um deputados, tornando-se a décima
maior força da casa e um dos principais partidos que compõem a chamada Frente Evangélica, bloco
parlamentar que reúne parlamentares evangélicos em torno de uma série de pautas em comum. A
considerável expansão foi puxada pela votação expressiva de Celso Russomano, com mais de 1,52
milhão de votos. Além disso, o partido também elegeu 32 deputados estaduais e conseguir ir para o
segundo turno nas eleições para governador no estado do Rio de Janeiro, com Marcelo Crivella,
bispo licenciado da IURD.
O PRB, por intermédio de seu presidente Marcos Pereira, sempre negou a ligação entre o
partido e a IURD, dizendo que há filiados de todas as denominações religiosas e que o partido é
laico, não havendo qualquer interferência da Igreja Universal nas diretrizes partidárias. Entretanto, a
maior exposição do partido no processo eleitoral, inclusive com seu crescimento, levantou uma
série de denúncias por parte da mídia e cientistas políticos de um fluxo intenso entre membros da
Universal e militância do PRB, principalmente durante a eleição municipal de 2012, ocasião em que
o PRB lançou Russomano. O cientista político e professor da FGV, Claúdio Gonçalves Couto, à
época do pleito em São Paulo, escreveu um artigo expondo dados de um levantamento que indicam
que 85% dos membros do PRB já tiveram ou tem alguma relação com a Universal. Essas pressões

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levaram o presidente do PRB a reconhecer que a estrutura do partido precisa ser revista2.
Posteriormente, em 2013, a indicação de Rogério Hamam (PRB) à pasta Social do governo
Alckmin gerou ainda mais críticas e denúncias acerca da presença de grupos de combate às drogas
da Universal nas instituições governamentais. Por fim, em 2014, no Rio de Janeiro, vídeos
publicados no YouTube e replicados pela grande mídia mostram pastores da Universal pedindo
votos à Crivella, no Templo Maior da Fé, o que levou o Tribunal Regional Eleitoral a fazer uma
busca no local, apreendendo material de campanha e, por conseguinte, ordenando que o local fosse
lacrado3.
Todos esses fatos indicavam que a política era um dos principais projetos da Universal nessa
nova fase, mobilizando bispos, pastores e membros no engajamento político de criação do PRB e
construção da militância do partido. O acompanhamento de inúmeros eventos organizados pelo
PRB no que tange a questão do combate às drogas em São Paulo, assim como Congressos do
Partido, cursos de formação e alguns cultos específicos de jovens na Universal, apontaram à
pesquisa a centralidade do projeto político para uma boa parte dos atores sociais ligados à IURD.
Isso posto, percebemos que os agentes ligados à IURD estão expostos a uma sequência de
situações que os leva a julgar, criticar e até mesmo subverter significados estabelecidos em torno de
uma série de questões. Essa produção crítica dos atores iurdianos está intimamente ligada à
presença em dispositivos que os levam a agir, a tecer críticas e, consequentemente, estimula a
reflexividade em torno de temas até então restritos e também da participação dos atores nesses
debates. Certamente, atores de outras instituições também estão expostos a uma série de
dispositivos que os fazem agir em relação a temas como gênero, política, combate às drogas, etc.
Porém, a antropologia/sociologia precisa ter acesso a essa produção dos atores a fim de que possa
estudar um determinado fenômeno. Sabe-se, por exemplo, que um líder evangélico profere
discursos contra determinados grupos sociais e que participa de um partido político. Porém, como
essas interações ocorrem na prática? Qual é a contribuição e perspectiva dos fiéis sobre isso? Como
a política, o gênero e a crítica social são construídas na visão dos atores evangélicos? A presença de
dispositivos mais sistemáticos na Universal permite ao cientista social ter acesso às micro-
interações entre os atores, às situações de discordância entre eles, de prova em torno de uma
questão, ou de classificação e julgamento, permitindo uma melhor compreensão desses fenômenos.
Por isso, a Igreja Universal destaca-se como estudo de caso, uma vez que garante a existência, em

2
Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/eleicoes/prb-de-russomanno-tem-
66-dos-dirigentes-ligados-a-universal,9cb99782ac66b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
3
Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/tre-rj-lacra-catedral-da-fe-da-igreja-universal-14358257

4
seus espaços ou não, de sequências de situações (visíveis ao cientista social) que levam os atores a
realizar críticas e classificações em torno de inúmeras questões relevantes para os estudos
antropológicos e sociológicos. Para exemplificar nossa justificativa, tomemos como exemplo uma
Igreja evangélica qualquer em que haja discussões sobre gênero. Dificilmente haverá um
dispositivo como o IntelliMen da Universal que permite ao pesquisador ter acesso às classificações
e julgamentos dos atores em escala tão larga, ficando mais limitado aos discursos dos líderes.
Evidentemente, tomar os agentes da Universal como objeto para compreender a expansão
evangélica é uma estratégia dessa pesquisa, que não visa inviabilizar estudos relacionados a outras
instituições, mas sim compreende que a pluralidade de projetos da Universal, bem como a
relevância da instituição no próprio cenário evangélico, e sua ampla inserção no cenário brasileiro
garantem um espaço privilegiado para observação etnográfica.
Sendo assim, tendo a expansão evangélica, tanto em termos populacionais quanto em
participação na sociedade brasileira e na esfera governamental, como mote orientador, buscaremos
compreender, por meio dos atores da Universal, como os evangélicos produzem noções acerca de
vários temas relevantes no debate público brasileiro, como pensam sua participação nessas arenas e,
de forma mais ampla, como se constroem reflexivamente enquanto evangélicos, cidadãos e
empreendedores. Dessa forma, o interesse é destacar as competências críticas dos atores
evangélicos na produção de consensos e dissensos sociais, ou seja, a participação desses agentes na
produção do social. Se a presença evangélica em franca expansão levanta cada vez mais indagações
nas ciências sociais, devemos compreender quem são, o que dizem e o que mobilizam os
evangélicos. O aporte teórico para tal empreitada está calcado no que se convencionou chamar de
sociologia pragmática francesa, principalmente nos trabalhos de Latour, Boltanski e Thevenot,
Dodier, Cefai, Chateauraynaud e Lemieux. Em nossa análise, utilizaremos principalmente o
conceito de dispositivo para compreender o trabalho normativo dos atores, isto é, seus julgamentos
e críticas em relação a uma série de entidades (atores, objetos e signos), assim como a noção de
justificação (Boltanski e Thevenot, 1993) e produção de riscos (Chateauraynaud, 2008). O
pragmatismo representa uma virada ontológica nas ciências sociais, ao compreender que a
reflexividade, isto é, a capacidade mesma de refletir sobre si e sobre o mundo, não é restrita ao
antropólogo/sociólogo, mas característica presente em todos os atores sociais. Isso implica deixar a
perspectiva da crítica soberana do cientista social e compreender como os próprios atores engajam-
se em processos de crítica, julgamento e produção de classificações em torno de objetos, pessoas e
situações, esses tornando-se o principal objeto do fazer antropológico. Logo, torna-se imperativo
seguir os atores como afirma Bruno Latour (2005) e compreender como eles constroem o social.
Nesse complexo processo metodológico de desagregar os atores coletivos e seguir os

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indivíduos em suas micro-interações, passei por diversos templos da Universal em São Paulo, sede
do Partido Republicano Brasileiro, Câmara Municipal de São Paulo, Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo, ações na Cracolândia, manifestações de rua, oficinas de formação de
empreendedores, etc. A etnografia realizada encontrou, dentre os diversos projetos e controvérsias
das quais os atores participam, três temáticas que se destacaram no contato dos atores com diversas
entidades. São elas, política, empreendedorismo econômico e questões de gênero. Para organizar e
facilitar a leitura, desenvolveremos cada um desses temas em subtópicos.

I - Partido Republicano Brasileiro e a ação política dos evangélicos

Desde o início de sua fundação, o partido foi alvo de uma série de reportagens acerca de seu
envolvimento com a Igreja Universal do Reino de Deus. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo 4,
as movimentações para criação da sigla começaram em 2003, uma vez que o extinto PL (Partido
Liberal), legenda que concentrava deputados da IURD, não teria mais interesse em abrigá-los
devido ao crescimento apresentado após a coligação vitoriosa com o PT. Além disso, o diário afirma
que outras siglas não teriam interesse em abrigar políticos evangélicos no momento, o que teria
motivado alguns bispos a se empenhar na criação de um partido político.
Em seu primeiro pleito, em 2006, fazendo parte da coligação que reelegeu Lula presidente, o
PRB conseguiu apenas um deputado federal no Congresso Nacional. Em 2016, a sigla conta com 22
deputados federais e diversos estaduais, tendo se firmado como a décima força do parlamento e um
dos principais partidos da Frente Parlamentar Evangélica. Isso posto, como esses atores julgam a
política, outros atores políticos e a participação religiosa na esfera governamental? Para responder a
essas questões, o trabalho abordará, de início, os julgamentos e posicionamentos dos atores durante
o pleito municipal de 2012, em São Paulo, ocasião em que Celso Russomanno concorreu como
candidato ao município, e na eleição para governador do Rio de Janeiro, em 2014, que contou com
a candidatura de Marcelo Crivella.
Em ambas, um dos principais temas de debate foi a questão da laicidade. No primeiro turno
da eleição paulistana e no segundo da fluminense, os adversários de Russomanno e Crivella, assim
como a mídia, questionaram a ligação entre a Universal e o PRB, construindo um risco em relação
ao futuro (Chateauraynaud) caso os candidatos republicanos fossem eleitos. De sua parte, os atores
do PRB negaram insistentemente essa conexão, colocando-se como laicos e atribuindo essa
associação à Universal como “perseguição e intolerância religiosa”. No caso do Rio, Crivella ainda
acusou Pezão de misturar política com religião ao buscar apoio de Silas Malafaia, pastor do

4 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u66659.shtml Visualizado: 15/01/2016

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Ministério Vitória em Cristo, e Valdemiro Santiago da Igreja Mundial, além de utilizá-los em sua
campanha.
O presidente do partido, Marcos Pereira, bispo licenciado da Universal, negou
veementemente que a sigla fosse comandada pela Igreja. É interessante observar como a
laicidade não se encontra mais sob um regime de justesse, isto é, em que as coisas parecem naturais
aos atores, mas sim sob um regime de justiça, ou seja, quando as pessoas engajam-se criticamente
por estarem em desacordo com relação à “grandeza” atribuída a pessoas e objetos, tentando
estabelecer um novo parâmetro considerado justo (Boltanski e Thevenot, ). Nesse processo, os
atores são levados a justificar suas posições, por meio de referência a princípios de justiça aceitos e
compartilhados. Russomanno e Pereira afirmam sua crença na laicidade enquanto princípio que
deve reger a política. Entretanto, a concepção deles em torno do laico é distinta da dos outros atores,
já que não veem problema na participação religiosa, desde que essa contemple todas as religiões.
Já os adversários políticos e também setores da mídia construíram alertas acerca da
possibilidade de vitória dos candidatos republicanos, afirmando que tal situação seria a entrega do
poder público à Universal e seus interesses e que a presença deles na política já constitui um risco à
democracia. De acordo com Chateauraynaud (2012), os atores sociais tem, por meio de sua
competência reflexiva, a capacidade de antecipar situações, de prever riscos e denunciá-los,
promovendo propostas de ação. Em seu trabalho, trata, majoritariamente, do alerta em relação a
controvérsias ligadas a grandes catástrofes ambientais produzidas pela modernidade, em
confluência com o trabalho de Ulrich Beck. Entretanto, podemos pensar a noção de “regimes de
construção de futuro” e “regimes de enunciação” para tentar entender como os atores aqui
considerados também produzem reflexão sobre riscos e fazem alertas em relação a eles na tentativa
de produção de um futuro. Segundo Chateauraynaud, “qualquer enunciado sobre o futuro não passa
pelas provas de credibilidade se não especificar a escala temporal em que inscreve”
(Chateauraynaud, 2012, tradução minha). Tomemos como exemplo o alerta de Pezão sobre o risco
de eleger Crivella para o estado do Rio. O candidato do PMDB faz referência a um passado recente:
o período que o candidato do PRB ocupou o ministério da Pesca, de 2012 a 2014, ocasião em que
teria aparelhado a pasta, segundo acusações, com membros da Universal. A presença de tais práticas
em uma anterioridade próxima e o vislumbre da possibilidade da mesma situação na esfera do
governo do Rio é o fenômeno caracterizado por Chateauraynaud como “déjà et pas encore” (já e
ainda não). O primeiro movimento faz referência a um episódio no passado próximo (o
aparelhamento do ministério durante sua gestão há dois anos) e o segundo a um “futur immédiat”
(futuro imediato), a eventual eleição de Crivella ao governo do estado. Cria-se um fenômeno que já
está presente, mas não ainda completamente realizado. Um exemplo dado por Chateauraynaud são

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os atores que denunciam um efeito que já pode ser sentido no mundo e que, ao mesmo tempo, será
responsável por condenar a humanidade no futuro. Nas palavras do autor:
“o uso da figura do já aqui cria em seu próprio movimento uma fronteira do possível, permitindo enunciar o
que ainda não está lá mas que poderá, em breve, estar. O estudo de dispositivos narrativos ou argumentativos que
sustentam as visões do futuro mostra a onipresença desse tipo de movimento pelo qual os atores tentam superar o
abismo ontológico que separa o existente e o que está por vir”. (Chateauraynaud, 2012, p.7, tradução minha).

A situação aqui apresentada diz respeito mais ao julgamento de outros atores políticos à
presença dos agentes do PRB na esfera política e também aos processos de justificação desses
últimos. Porém, como se dá a participação política na base da sigla e como esses atores percebem a
política? O trabalho de campo realizado na IURD revelou que os jovens que se destacam no Força
Jovem Universal, grupo jovem da Igreja, são convidados a integrar o partido como militantes.
Nesse processo de adesão à sigla, os atores que já pertencem aos quadros da legenda recomendam
aos ingressantes a participar dos cursos de formação política da Fundação Republicana Brasileira,
entidade mantida pelo PRB. Neles, o participante é exposto a conceitos básicos da ciência política
tal como divisão de poderes, cidadania, regime presidencialista, poder, dominação, etc. Em diversos
momentos, líderes do partido, isto é, candidatos eleitos e coordenadores, afirmaram que os
militantes tem que abandonar a “linguagem religiosa” e saber qual é a “linguagem adequada” para
cada contexto. “Não pode sair falando de Jesus. Isso limita demais a atuação do partido”, afirma
Marlone Reis5, coordenador do PRB Juventude.
Quando confrontados ao dispositivos acerca das drogas, tanto o que se desenrola no seio da
Igreja Universal, quanto o que se desenvolve dentro do Partido Republicano Brasileiro, os atores
expressam a preocupação com relação à gramática mobilizada nos debates. Aqueles que usam uma
“linguagem religiosa”, ou “termos da Igreja” como, por exemplo, as expressões “tá ligado, vai
arrebentar” são dissuadidos por outros a não fazê-lo. Segundo eles, as opiniões expressas desse
modo seriam desprezadas em um dispositivo com a presença de outros atores não-religiosos. Além
disso, no caso do partido, há também a preocupação de se apresentar como uma legenda laica.
Através dos julgamentos dos atores sobre as drogas, podemos separar duas expectativas
normativas. A primeira trata da necessidade de ocultar o pertencimento religioso em situações
públicas, ou envolvendo outros atores. Ou seja, trata-se de um movimento, denominado pela
pesquisa como efeito de dissuasão, isto é, o cerceamento a certas formas de falar, determinados
argumentos que poderiam ser tomados como “coisa de crente” em contato com outros atores e/ou
outros dispositivos. Os atores parecem nutrir uma expectativa de que os jovens e militantes do
partido não façam referência à Igreja Universal em audiências sobre drogas, convenções do PRB,
5 Optei por pseudônimos para preservar a identidade de meus interlocutores e resguardá-los de quaisquer problemas.

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organização de manifestações de rua, etc. Enfim, a própria necessidade de “esconder” o
pertencimento é negociada e trabalhada reflexivamente de forma constante pelos atores. A segunda
é uma expectativa de combate às drogas, entendida como a ação política mais importante que os
evangélicos e todos os cidadãos devem ter. De fato, essa expectativa normativa indica como, para os
atores evangélicos, a questão das drogas ocupa lugar central 6 no fazer político e no engajamento de
suas críticas na arena política.
A análise de outros dispositivos como, por exemplo, manifestação no espaço público indicou
a reflexividade em torno das mobilizações e formas de estar na rua. O trabalho normativo dos atores
revela como as manifestações realizadas pelo PRB e pela Igreja Universal são julgadas em relação
às manifestações de 20137. Essas são classificadas como “bagunça, desordem, vandalismo,
destruição de patrimônio público, sem pautas e movimentos de playboyzinhos”. Elas são colocadas
como contraponto às marchas organizadas pelos republicanos/iurdianos, encaradas como exemplo
de civilidade, respeito e seriedade. “Você não vê ninguém ali quebrando nada, entrando em
confronto com a polícia. Tudo é avisado com antecedência, respeita-se a lei. Nós temos uma
bandeira clara: a luta contra as drogas”, afirma Diogo Madeira, antigo coordenador do PRB
Juventude em São Paulo. Os manifestantes de Junho são classificados como “massa de manobra” de
partidos de esquerda, enquanto que os militantes republicanos são vistos como “pró-ativos” e
propositivos. Esses julgamentos destacam uma expectativa normativa central, a saber, a necessidade
de se manifestar, mas com civilidade. O “estar na rua” é encarado pelos atores como um momento
muito importante para divulgar uma causa e “ajudar” o próximo, pois é a expressão máxima, em sua
perspectiva, da “ação política”, ao exigir dos representantes uma determinada resposta a uma dada
demanda.
Devemos destacar também a reflexividade em torno da ocupação do espaço urbano. Os
atores debatem como devem se vestir para o dia do evento e que tipo de cartazes devem portar, uma
vez que pretendem, segundo eles, mostrar que são cidadãos educados, civilizados e “prósperos
(termo usado por alguns pastores). Para isso, é importante, em sua avaliação, portar roupas boas e
limpas, ou seja, estar atento ao “marketing pessoal”. Os atores julgam que isso serve para mostrar
aos outros a diferença entre usuários e não usuários de droga, além de marcar uma distinção entre
manifestantes “vândalos” e “ordeiros”, conquistando, em sua visão, a confiança da sociedade. Dessa

6 Evidentemente, os atores evangélicos dão grande importância à questão da “ideologia de gênero”, principalmente no
que tange ao posicionamento da bancada evangélica. Os atores ligados à Igreja Universal, principalmente deputados
federais, também reconhecem a importância de se opor a essa pauta e se engajam junto a outros representantes
políticos evangélicos para barrar quaisquer tipos de leis que “atentem contra família”. Entretanto, no que concerne à
militância do PRB, a temática das drogas tem uma importância muito maior do que a questão do combate à
“ideologia de gênero”.
7 Série de manifestações que começaram, em julho de 2013, contra o aumento das passagens de ônibus no Brasil e
que, posteriormente, desdobraram-se em grandes manifestações “contra a corrupção” e o governo federal.

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forma, há toda uma reflexão acerca da apresentação de si na esfera pública, entendida como chave
para o sucesso da mobilização. Em alguns casos, os atores são informados de que não se deve usar
“nada religioso” e um trabalho normativo emerge em torno dos materiais gráficos que serão
portados na manifestação.
O trabalho normativo dos atores em diversos dispositivos ajuda-nos a compreender como os
atores percebem-se politicamente, como classificam outros grupos políticos, ideologias e políticas
econômicas. Durante o Congresso da Juventude do PRB, evento que reuniu militantes de todo o
país, na Assembleia Legislativa de São Paulo, acompanhei um dispositivo sobre políticas públicas
na área de transportes. Em um determinado momento, um dos atores sugeriu a estatização do
serviço de ônibus e trens no Brasil, para melhoria do serviço. A ideia foi bem recebida pela maior
parte dos presentes, mas suscitou críticas por parte de outros agentes. Esses, eram contra a
participação do Estado na economia, defendendo a privatização de tudo que fosse possível, uma vez
que a corrupção seria, em sua visão, promovida pelo governo. Além disso, acreditavam que o Brasil
precisava de um “choque de liberalismo”. Os outros se contrapuseram a essa visão, afirmando que o
serviço de transporte já é privado no país e que, por isso, encontra-se em estado caótico, uma vez
que não visa o direito de ir e vir, mas sim o lucro. Os atores de orientação liberal afirmaram que isso
se dá por conta da falta de agências reguladoras e de contratos viciados que não permitem a real
competição entre as empresas.
Um rapaz que já havia prestado serviço na SPTRANS, empresa responsável pelo transporte
de ônibus em São Paulo, explicou que as empresas não tem interesse na melhoria do serviço, pois
isso implicaria corte de linhas sobrepostas, para maior fluidez no trânsito, além de maior número de
ônibus nas linhas. O jovem militante também se mostrou contrário às privatizações e à condução
liberal da economia, citando como motivos a falta de qualidade nos serviços privados no Brasil, de
telefonia à educação.
A maior parte dos atores rechaçou o mercado como solução ao problema de transporte,
explicando seu posicionamento por meio de relatos acerca do “caótico” sistema de transportes em
suas cidades. Uma jovem criticou o posicionamento dos colegas e perguntou se eles eram
“marxistas” em tom de brincadeira. Os outros reagiram negativamente e reiteraram que jamais o
seriam e que mesmo com o ingresso em universidades públicas, onde há, segundo eles, forte
“doutrinação marxista”, resistiram. A presença do Estado na economia, para os que sustentam essa
posição, é justificada pela ideologia do “republicanismo”, entendido por esses atores como a
garantia de serviços públicos de qualidade para toda a sociedade. Dessa forma, em sua visão, isso
não tem nada a ver com ser “marxista”. Na visão desses atores, o ser marxista está ligado ao
posicionamento “radical” (sic) de feministas, militantes LGBT , grupos pró-aborto e defensores da

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liberação das drogas. Segundo eles, no contato que tiveram na universidade, passaram a se afastar
do polo da esquerda por conta do posicionamento violento desses grupos. Recentemente, o PRB
passou a fazer parte da UNE – União Nacional dos Estudantes, ocupando a cadeira de esportes. No
momento em que o dispositivo tomou o rumo da discussão do “ser de esquerda”, constituiu-se uma
arena, conforme a perspectiva de Dodier (2014), ou seja, esse dispositivo instaurou uma forma de
reflexividade em torno de outro dispositivo: a ação política estudantil. Os atores relembraram os
debates acalorados na UNE e contam que foram atacados por seu pertencimento religioso.

“Algumas feministas tiravam os seios para fora e diziam que ninguém controlava o sexo delas, nem o corpo.
Eu me senti muito mal como mulher e evangélica. Sofri um preconceito que, para mim, foi muito de classe social
também, por ser negra e vir de baixo. Ali a gente era tomado como ignorante e alienado de antemão, só por ser
evangélico. Sendo que nunca nem falamos de Cristo ali, apenas defendemos nossas posições que, sim, são cristãs e
representam uma boa parte do povo. Esse pessoal de esquerda é assim, eles não aceitam opinião contrária. Não sou
contra gay, acho que eles tem que ter o direito de casar, mas a gente não aceitou a questão da ideologia de gênero, pois
acho que isso não é certo. Drogas eu não aceito mesmo, pois vejo como elas destroem os jovens na periferia onde
moro. Mas eles não aceitam crítica e começam a ofender, a agredir. Sempre tentamos nos posicionar com respeito na
UNE. Na minha visão, o marxista é aquele cara contra a família, contra Deus e que quer impor a agenda deles a todo
custo”. (Regiane, 23 anos, estudante universitária)

Os atores, em seu trabalho normativo, criticam a esquerda por conta da ação de grupos
feministas, LGBTs e antiproibicionistas no ambiente universitário. Segundo eles, esses coletivos
mantém uma postura antidemocrática e tentam controlar os diretórios estudantis, o que afasta
muitos jovens (evangélicos ou não) da política, ou leva a formação de chapas contrárias, que
tentarão romper com essa hegemonia. Entretanto, os atores não portam somente críticas ao que
consideram como “esquerda”. Segundo muitos deles, o país mudou muito após os doze anos de
governo petista e, em suas avaliações, trata-se de uma legenda de esquerda. Alguns deles apontaram
a importância de valores como igualdade social, promoção do bem-estar e acesso à oportunidades
como bandeiras fundamentais de sua luta política. Um dos presentes até destacou que pertenceu ao
PT anteriormente, motivado pelo desejo de melhorar as condições do povo, mas que deixou o
partido por conta dos escândalos de corrupção e desses “grupos que tomaram o PT e que querem
impor uma agenda pautada na ideologia gay, aborto, feminismo radical e drogas”.
Na avaliação dos atores, esses grupos “marxistas” afastaram os evangélicos da base de apoio
do PT, uma vez que a sigla teria incentivado a ação desses coletivos minúsculos na esfera
política(na visão dos militantes do PRB) em detrimento de um segmento social amplo que votou em
Lula e Dilma. Um dos coordenadores do partido afirmou que muitos jovens nas periferias estão
desiludidos com a esquerda por conta do posicionamento da militância em relação às drogas, ao
sexo e às questões de gênero. Porém, em sua perspectiva, são esses os que o PRB deve buscar, pois
eles tem uma visão e um compromisso ético com os mais pobres.

11
Dessa forma, a análise do trabalho normativo dos atores em diversos dispositivos indica que
determinados grupos, identificados como pertencendo à esquerda, são criticados e o termo
“marxista” é utilizado para definir a filiação ideológica à bandeiras feministas, liberação das drogas
e ideologia de gênero. É interessante notar que os atores não usam a categoria “marxista” para se
referir a pessoas que seguem a teoria marxista, mas sim ressignificam a palavra, usando-a para
nomear militantes ligados às causas já citadas acima. A reflexividade dos atores atribui, de forma
mais frequente, o pertencimento à esquerda não pelo posicionamento em relação à política
econômica, papel do Estado, regime de impostos, etc., mas pelos repertórios normativos (ligados ao
movimento LGBT e feminismo) mobilizados por parte da esquerda nacional.
A depuração das expectativas normativas da militância do PRB indica uma expectativa com
relação à justiça social e ao aumento do papel do Estado nos serviços públicos. Porém, isso não
significa que os atores definam a si, ou suas posições, como pertencentes à esquerda,
principalmente depois dos embates com militantes do PT, PcdoB e PSOL em outros dispositivos.
Havia também jovens que foram ligados a partidos convencionalmente classificados como de
direita no espectro político brasileiro (PSDB e DEM), mas que deixaram o partido por achar que
não davam espaço aos jovens.
Entre os militantes jovens presentes no congresso da juventude partidária, havia uma forte
preocupação com não revelar o pertencimento à IURD, como ficou claro quando um jovem
comentou sobre o Força Jovem e foi repreendido severamente pelos outros no corredor da
Assembleia. Segundo eles, o partido sofre muito preconceito por conta da presença de evangélicos e
deve-se evitar a menção à Igreja em quaisquer atividades que envolvam a sigla. Além disso, os
militantes do PRB Juventude também veem como problemático o recrutamento de “jovens sem
preparo” na Igreja, pois acreditam que esses acabarão revelando seu pertencimento religioso em
momento indevido. O trabalho normativo indica então esse efeito de dissuasão a fim de ocultar a
ligação entre Universal e o PRB, exigindo uma monitoração reflexiva da ação(Giddens, 2003)
constante por parte dos atores.

II - Empreendedorismo e crítica social

Bispos e pastores da Universal afirmam frequentemente que o emprego formal significa, em


muitos casos, “miséria, exploração e humilhação”. Para eles, a realização plena, liberdade e
autonomia financeira são alcançadas apenas pelo próprio negócio. Não raras são as vezes em que os
atores denominam a Universal como uma “faculdade da fé” para aprender a usar a fé para seus
atingir objetivos financeiros, relatando que aprenderam mais com as palestras ministradas na IURD

12
do que em cursos universitários. A importância do discurso do “empreendedor vencedor” parece ser
reatualizada constantemente por meio de narrativas de sucesso, seja em formas de testemunho de
fiéis, ou pelos discursos de bispos e pastores em que o fiel é colocado como um guerreiro para
vencer obstáculos e desafios do mercado e realizar o plano de sucesso arquitetado por Deus.
De acordo com Boltanski e Chiapello (2009), o novo espírito do capitalismo é marcado pela
fluidez das relações empregatícias e o fim das estruturas rígidas de carreira das empresas da metade
do século XX. Essa nova forma de produção é bem exemplifica pela ascensão do toyotismo, isto é,
o fim da vigilância das estruturas de produção, com a incorporação dos valores da empresa pelos
funcionários. Esse capitalismo flexível, justificado por maior “autonomia”, “liberdade” e
“criatividade” representa o fim da estabilidade empregatícia como objetivo maior e estabelece uma
nova forma de lógica de trabalho, baseado na capacidade de conexão e adaptação a novos projetos.
Evidentemente, essa transformação implicou desemprego em massa no setor industrial e a
precarização das relações de trabalho. No Brasil, a classe trabalhadora tradicional, empregada na
indústria, dá lugar a uma imensa camada de brasileiros empregados no setor de serviços, ou donos
do próprio negócio. No trabalho de Souza (2012), esses novos trabalhadores são denominados
“batalhadores” e8 tem como característica principal o “ethos” do trabalho duro, suportando jornadas
de trabalho extenuantes, e uma organização familiar forte e estruturada, permitindo a seus membros
uma racionalização do futuro, não ficando preso apenas às necessidades materiais do presente,
como a ralé9. Esses brasileiros conseguiram, segundo o autor, mesmo com o abandono do Estado e a
existência de um liberalismo nacional predatório, fugir da situação de miséria e construir uma vida
melhor para si e seus filhos. Durante o período que compreende 2003 a 2014, esses brasileiros
passaram a representar 58% da população do país, marcando um período histórico de ascensão
social. De acordo com Souza (2013), esse processo que tirou milhões de brasileiros da pobreza pode
ser explicado pela política econômica e social do governo Lula e também pela religiosidade
evangélica, presente em uma boa parcela dessa nova classe. Segundo o autor, as religiões
pentecostais garantiriam maior autoestima aos fiéis, outrora abandonados, e uma disciplinarização
da vida, com planejamento racional do tempo, garantindo maiores possibilidades de escolarização e
de ordenamento da vida cotidiana. Além disso, essa religiosidade também fortaleceria o núcleo
familiar, minimizando problemas como alcoolismo e conflitos interpessoais, o que garante um
ambiente mais estável para a realização de um “plano de vida”, diferentemente da ralé, que tem

8
O autor refere-se aos brasileiros pertences à nova classe trabalhadora, também conhecida como “nova classe média”
ou classe C, como “batalhadores”.
9
O autor usa o termo ralé, de forma provocativa, para denunciar a situação dos miseráveis brasileiros.

13
como característica a incapacidade de racionalização do futuro e família monoparental.
Dessa forma, Jessé de Souza aponta que um dos principais motivos para o processo de
ascensão social no governo Lula é a religiosidade evangélica. Devemos ressaltar que a maior parte
dos fiéis da Universal corresponde ao modelo de “batalhador” de Jessé, isto é, são oriundos da
denominada “nova classe trabalhadora”. Isso posto como esses “batalhadores evangélicos” pensam
e elaboram críticas sobre o mercado, o trabalho assalariado, o empreendedorismo, as diferenças
sociais, divisão de classes, etc. O trabalho de classificação e julgamento de situações, por parte dos
atores, é fundamental para compreender o papel da moralidade evangélica nesse processo e como
ela constitui um importante repertório a ser mobilizado pelos atores na vida social.
Em culto realizado, no Templo de Salomão, em São Paulo, o bispo Edir Macedo fez uma fala
sobre o empreendedorismo e a ascensão social:

“Quem aqui tem o interesse que você seja rico? Quem? Ninguém! Os ricos querem que vocês sejam pobres.
Porque se vocês forem ricos, quem vai lavar as cuecas deles? Quem vai cozinhar para eles? Quem vai servi-los? Eles
vão lavar o seu banheiro? Cozinhar? Não, eles não vão fazer nada. Eles precisam que o pobre fique a seus pés. Esses
pensamentos que nós passamos para vocês contrariam a sociedade, contraria os grandes e os poderosos. Eu quero que
eles se danem. Nós vamos trabalhar para vocês serem ricos. Essa é a fé que levanta, que faz você ter certeza. O
mercado tá em dúvida, tá fraco, mas a pessoa sai daqui soltando fogo pela narina”. (Bispo Edir Macedo)

Macedo realiza uma crítica em relação aos ricos que, em sua visão, são contrários à ascensão
social para continuarem a explorar o pobre. Porém, a solução, para os atores, não passa por uma
transformação política, ou pelo engajamento sindical, mas sim pela própria revolta. “Sindicato já
fez alguma coisa por você? Manifestação na rua mudou sua vida? Entra partido e sai partido você
continua pobre. Porque a solução está em você: a sua revolta e vontade de mudar”, afirma Bispo
Jadson. Não podemos considerar que essa seja uma adesão simplista ao neoliberalismo. Muito pelo
contrário, trata-se de uma crítica complexa em relação ao capitalismo contemporâneo.
Para tanto, vamos considerar alguns dispositivos em particular para compreender o processo
de produção crítica dos evangélicos em relação à estrutura social no Brasil e ao empreendedorismo
econômico. O primeiro deles é o chamado dispositivo da revolta. Em diversos momentos do ano, a
IURD lança a “Campanha pela Revolta”, que tem como objetivo incentivar os fiéis a se revoltarem
com sua condição miserável e exigir uma transformação de sua vida, saindo da pobreza e da
humilhação em direção à liberdade e sucesso financeiro. Durante esses cultos, os atores engajam-se
em um trabalho normativo em torno da pobreza e exclusão social. “Trabalhava de doméstica.
Cansei de ser explorada pela minha patroa. Trabalhar mais de dez horas por dia. Isso não é vida. Eu
era humilhada, nem comer a comida ali que eles comiam eu podia. Eu me revoltei, bispo. Disse que
essa situação não podia continuar. Eu determinei. Comprei uma máquina de fraldas e vendo fralda

14
na minha vizinhança. Ganho mais do que ganhava antes e não sou humilhada por ninguém”
(testemunho de uma fiel).
Os atores percebem o trabalho remunerado como uma forma de escravização e humilhação,
por conta dos baixos salários, falta de perspectiva no futuro. A solução para isso é a fé no pacto de
Abrãao, em que Deus disse que faria dele um rei, com muita prosperidade. A expectativa normativa
dos atores é o cumprimento da promessa de Deus e, segundo essa lógica, o sucesso financeiro só
pode vir pela libertação representada pelo negócio próprio. A melhoria das condições de trabalho
não é o objetivo almejado pelos agentes, mas sim uma transformação de vida, pautada em uma
construção reflexiva de si como “vencedor”.
Em diversos momentos da Campanha da Revolta e também do Congresso dos Empresários,
os obreiros distribuem panfletos para um exercício em casa. O papel contém dois campos, um para
escrever o que a pessoa faz atualmente e como é sua vida e outro para que ela descreva como ela se
imagina e gostaria de ser no futuro. Trata-se de uma ferramenta que promove uma reflexividade
sobre si, permitindo a racionalização do futuro, isto é, a construção de um projeto reflexivo da vida,
com o estabelecimento de metas e o exercício de um autocontrole para atingi-las. No longo trajeto
de ônibus após o culto, alguns fiéis que estavam na mesma condução escreviam no papel e
desejavam ter a própria oficina, uma lojinha, salão de estética. Com relação à vida atual,
descreviam-na como “humilhação de ser empregado”, com salários baixos e sem perspectiva
nenhuma de crescimento financeiro e realização profissional.
Outro dispositivo interessante foi o curso de Gestão Empresarial, iniciativa da Fundação Ler
e Escrever, mantida pela Universal. O curso é acessível financeiramente e ainda há a possibilidade
de isenção de valores, além de estar disponível em muitas cidades do país. O objetivo é formar
empreendedores, dotando-os de competências para compreensão do mercado e para a administração
eficaz de uma micro/pequena empresa. Há uma apostila com diversos tópicos como, por exemplo,
marketing, liderança, cálculo de lucro, estratégia, logística, etc. Os conceitos são discutidos e
trabalhados em classe por professores voluntários, também membros da IURD. O curso é
essencialmente laico e raramente aborda-se algum conteúdo religioso. Porém, a apostila conta com
versículos relacionados a cada tópico do curso. Não nos ateremos nesse texto aos conteúdos
ministrados, mas sim ao trabalho normativo dos atores em relação ao capitalismo contemporâneo.
Quando expostos a um dado encadeamento do dispositivo, envolvendo o “mundo moderno
dos negócios”, os atores manifestavam-se e teciam julgamentos acerca dessas transformações.
“Rapaz, como mudou tudo. Antigamente bastava você abrir uma portinha. Hoje em dia tem que ter
marketing, saber antecipar o que o mercado quer. Conhecer um monte de coisa. Se a pessoa não se
atualiza não sobrevive não. Ficou muito mais difícil”. Os agentes pareciam concordar que

15
atualmente é necessário ter uma série de competências no que tange à administração e à
participação no capitalismo moderno. “Esse tal de mercado exige muito planejamento. Você tem
que estar pronto o tempo todo para mudar. No meu salão de beleza, coloquei roupas para vender. A
gente não sabe até quando vai durar uma coisa. É aquilo né, não pode ficar com uma coisa só. É
como o professor falou, precisa diversificar sempre”. Alguns brincavam que se soubessem que era
tão difícil criar um negócio, continuariam funcionários.
A nova gramática do capitalismo era chamada pelo professor e pelos alunos de “linguagem
do mercado” e termos como brainstorming, network eram discutidos pelos atores. Segundo eles, a
importância de constituir uma rede é fundamental para o sucesso no atual mundo dos negócios. O
trabalho normativo normativo dos atores julga a inserção na rede como a principal forma de fazer o
negócio crescer e prosperar no capitalismo atual. Para tanto, acreditam que oferecer um bom
atendimento e um bom serviço/produto, ter um “marketing pessoal” e desenvolver a confiança são
fundamentais.
Alguns elementos da gramática do novo capitalismo são percebidos não só como um
instrumento necessário à sobrevivência do negócio no mercado, mas também como uma forma ética
para guiar suas ações. Conforme exposto anteriormente, os atores atribuem ao emprego formal uma
condição de escravidão e humilhação e projetam seus anseios no próprio negócio. Porém, uma vez
empresários, como lidarão com os empregados? “Primeiro que a pessoa que trabalha para você não
é teu funcionário, não é teu empregado. É um colaborador. Você não tem que ser um patrão. Tem
que ser líder! Líder não manda, mas faz junto com o outro e promove o crescimento de todos. Não
faça ao outro o que fizeram tanto tempo com você”, afirma Bispo Jadson em um Congresso dos
Empresários.
Durante o curso, os alunos também são levados à discussão acerca da gestão de pessoas e a
importância ética de registrar os funcionários e respeitar seus direitos. Dessa forma, vemos que os
repertórios normativos mobilizados incorporam elementos da nova gramática do capitalismo, mas
também de uma moralidade cristã que entende diversos dos conceitos do novo capitalismo à luz de
uma ética que valoriza direitos trabalhistas e encargos sociais. Logo, não se trata de uma
incorporação passiva dos valores do novo capitalismo, mas de uma reconfiguração de conceitos a
partir de uma moralidade específica desses atores, por meio do processo de crítica em torno do
ideário do capitalismo contemporâneo e da estrutura social brasileira.

III - A construção da masculinidade e dispositivos em torno das questões de gênero

Para “formar homens sábios, educados e melhores”, a Universal criou o projeto IntelliMen ,

16
que tem como objetivo « formar homens melhores em tudo e ser homens inteligentes »por meio da
realização de 53 desafios que constam no site do projeto, ou no IntelliMen book. Por meio de uma
série de desafios que devem ser cumpridos semanalmente, os atores são incentivados a refletir sobre
suas ações passadas (seu comportamento, sua atuação profissional, a forma de se portar com as
mulheres) a fim de mudar a maneira de agir com relação a si próprio, com a parceira, familiares e
filhos. Enfim, uma forte monitoração reflexiva da ação (as atividades pedem que cada participante
elenque suas características negativas) e a projeção de uma mudança para o futuro por meio da
transformação do presente, com a correção dos “maus hábitos” e a adoção de novas práticas,
sugeridas pelo material didático, ou de livre escolha pelo participante. Compreendemos aqui o
IntelliMen como um dispositivo em torno da questão de gênero, coagindo os atores a julgar e a
definir o que é o masculino e feminino e também a produzir críticas a respeito da sexualidade.
Dessa forma, constroem sua masculinidade por meio de um estímulo à prática reflexiva e, nisso,
passam a construir definições acerca da feminilidade e do que seria “natural” e “cultural” em ambos
os gêneros. Portanto, trata-se de um mecanismo que torna visível o processo de construção
normativa do gênero e se torna um objeto privilegiado de observação.
Os desafios consistem em tarefas práticas que estimulam a reflexividade (Giddens, 2003) dos
atores em torno de sua vida, analisando qualidades, defeitos e também estabelecendo metas para a
formação de um homem melhor. Pelo material analisado, assim como pelo trabalho normativo dos
atores frente a esse dispositivo e face às questões de gênero, podemos concluir que a maior parte
das tarefas gira em torno do controle da “natureza” masculina - encarada como sexual, agressiva,
em oposição à “docilidade e submissão feminina” para obter um homem fiel a sua esposa,
carinhoso, educado, gentil e, principalmente, provedor de sustento do lar. O dispositivo do
IntelliMen coloca uma sequência de situações, coagindo os homens a julgar e a classificar e também
a produzir uma reflexividade em torno de sua conduta enquanto homem e, mais do que isso, sobre a
própria identidade masculina e as diferenças de gênero, uma vez que os atores constroem, sejam os
líderes com seus discursos e materiais, ou os fiéis em seu cotidiano.
Segundo Giddens (2001), numa visão da sociologia crítica, “diferenças de gênero raramente
são neutras – em quase todas as sociedades, o gênero é uma forma significativa de estratificação
social. O gênero é um fator crítico na estruturação dos tipos de oportunidade e das hipóteses de vida
que os indivíduos e os grupos enfrentam influenciando fortemente os papéis que desempenham nas
instituições sociais, da família ao Estado” (Giddens, 2001, p. 114). Os atores acreditam que a
mulher deve participar do mercado de trabalho e ter autonomia para buscar sua carreira profissional,
mas cabe ao homem a responsabilidade maior. Para tanto, o homem deve ser “inteligente” e ter uma
“disciplina financeira”. O projeto ensina a viver com 70% da renda, investir 20% e pagar uma oferta

17
à igreja, o dízimo, em 10%. O site do projeto, assim como o livro oficial, contam com planilhas de
planejamento financeiro, para contabilizar as receitas e despesas.
O trabalho normativo dos atores revela uma distinção entre ser homem e ser macho. Para os
atores, consumir pornografia, conversar de forma maliciosa com outras mulheres, não ajudar a
esposa ou namorada nos afazeres domésticos e a atração por festas e bebidas são características
naturais do macho, isto é, fazem parte do que, biologicamente, constituiriam o homem e seu
relacionamento com o “sexo oposto”, marcado pelo desejo sexual e de dominação. Entretanto, para
ser um homem é preciso renunciar às vontades do “macho” e aprender a ter autocontrole e dominar
seus impulsos. Foucault chama atenção à importância do domínio de si e das vontades na sociedade
grega, a fim de entender o processo de subjetivação, o que pode nos ajudar a compreender o
IntelliMen. “Cette force réside dans la qualité rhétorique du discours du maître, et cette qualité
rhétorique dépend en partie da la présentation du disciple, qui doit expliquer où il en est de sa façon
de vivre d’après les vrais principes qu’il connaît” (Foucault, 2015, p.50). O autor pontua ainda a
diferença entre o cuidado de si grego, pautado na arte de bem viver e ser feliz, com o exame de si
do cristianismo, focado no encontro de uma verdade interior que só o indivíduo pode descobrir. De
certa forma, podemos pensar esse ensaio reflexivo promovido pelo IntelliMen como uma análise de
si e incorporação de uma série de referências.
De acordo com o trabalho de Giddens (1991), a modernidade traz um novo panorama às
relações amorosas na sociedade ocidental: maior igualdade entre os gêneros, maior reflexividade
acerca das relações entre homens e mulheres (principalmente por conta da produção de manuais de
auto-ajuda, trabalhos de sexólogos, programas televisivos, etc.), o fim do relacionamento amoroso
como projeto exclusivo do eu, etc. Esses fatores somados levam a uma crise no amor romântico,
isto é, segundo Giddens, o amor baseado na união indissolúvel do casamento, na ideia de projeto de
vida em comum e de um “amor eterno”. Para o autor, as condições listadas acima permitiram uma
ação reflexiva em torno do amor romântico que, na modernidade tardia, teria dado lugar ao “amor
confluente”, que é baseado no usufruto da relação por cada parceiro, o que faz com que ele seja,
muitas vezes, efêmero e com duração limitada, não tendo mais a característica da monogamia, uma
vez que se dissocia a sexualidade do fator reprodutivo.
Os atores entendem que houve uma mudança na forma de se relacionar e nas mulheres. Para
eles, o casamento era antes estabelecido pela capacidade de sustentar e prover a parceira, o que era
verificado pelo pai, que consentia ou não com a relação. Agora, na visão dos atores, a mulher ganha
a possibilidade de escolher e não se pautará mais na possibilidade de ser sustentada, mas de
construir um projeto em comum com outra pessoa. Logo, as qualidades de cada parceiro são
indispensáveis para conseguir o matrimônio e para mantê-lo. Nesse contexto em que as mulheres

18
podem escolher com quem casar e terminar uma relação, o homem encontra-se em xeque e, nas
palavras dos atores, “deslocados, despreparados e desacreditados”, havendo a necessidade de uma
renovação e melhoramento do homem para acompanhar as mudanças.
Se por um lado os atores enxergam uma mudança na dinâmica da intimidade, por outro,
ainda concebem o casamento como um projeto extremamente importante e fundamental para o
exercício da sexualidade, uma vez que o sexo fora do casamento é desestimulado 10. A ideia de amor
eterno é valorizada, pois tanto homens quanto mulheres devem fazer todos os esforços possíveis
para manter a relação e evitar o divórcio11.
O treinamento IntelliMen incita a análise reflexiva de antigos comportamentos, criticá-los e
analisá-los sob a luz do futuro. Nesse processo, os atores, com base na informação dos novos
repertórios adquiridos, irão constituir reflexividades em relação às situações que o dispositivo de
problemas de gênero engendra. Como mencionado anteriormente, a visão dos atores apresenta
algumas congruências em relação à teoria de gênero e muitas divergências. A intenção desse tipo de
análise, pautada no referencial da sociologia pragmática, era refletir como os atores tecem suas
críticas e performatizam o gênero, assim como a reflexividade em torno dessa questão. Acreditamos
que esse dispositivo permite compreender melhor a percepção dos evangélicos, assim como os
repertórios que mobilizam, acerca da temática de gênero.

Considerações finais

Pretendemos mostrar como os atores da Universal produzem críticas a respeito de uma série
de questões, situações e pessoas, por meio da noção de dispositivo e arenas. Nesse processo, o
próprio social é produzido, uma vez que os agentes engajam-se em diversos debates no seio da
sociedade brasileira, tentando estabelecer novos acordos em torno de muitos temas que deixaram de
ser consenso. Não pretendemos afirmar que a ação dos membros da Universal represente toda a
extensa pluralidade do universo evangélico brasileiro, porém, certamente, representa uma parcela
considerável desse segmento social. Acredito que mais relevante do que tentar definir, ou explicar o
movimento evangélico e sua expansão nas últimas décadas por meio da noção do social é tentar
compreender justamente como esses atores engajam-se na produção do social, por meio de suas
críticas, participação em arenas públicas e no contato com diversos dispositivos.
10
Não podemos afirmar que seja interdito, uma vez que muitas pessoas que não são casadas frequentam o
projeto. Entretanto, há uma forte orientação em torno do casamento.
11
A Universal apresenta outro projeto chamado “Casamento Blindado” para aconselhar casais e ensinar o
sucesso no relacionamento amoroso

19
Dessa forma, para compreender a expansão evangélica optamos para olhar um nível mais
macro no que tange à política, mas sem abandonar a esfera do micro, a fim de compreender como se
dá a participação desses atores nas instâncias governamentais e também como percebem outras
forças políticas, a estrutura social no Brasil, o capitalismo contemporâneo, questões de gênero e
sexualidade.
Pensando a partir de Beck (1992), a modernidade traz um cenário complexo com crises e
catástrofes. Esse cenário caótico leva a um maior engajamento dos atores em diversas frentes. Com
os evangélicos, não poderia ser diferente. A participação dos atores religiosos cresce também como
reação ao processo de cosmopolitização (Beck, 2014) presente na modernidade tardia. Dessa forma,
não me parece produtivo pensar a religião a partir de dentro, uma vez que esses atores estão
presentes nas mais diversas controvérsias. Logo, a sociologia pragmática, com sua abordagem
focada na descrição das micro-interações dos atores (Barthe et ali, 2014) e da compreensão dos
fenômenos a partir das ações dos indivíduos e suas críticas constitui-se como um aporte teórico
interessa para compreensão do fenômeno evangélico no país.

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