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REFLETINDO SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL

Elisabeth Rossetto1
Lucia Terezinha Zanato Tureck2

A inclusão de pessoas com deficiência no ensino fundamental tem sido,


indiscutivelmente, a questão referente à educação especial mais discutida no nosso país
nos últimos anos. Esta temática, que durante muito tempo ficou restrita a discussão em
eventos e em bibliografia especializada, torna-se hoje proposta de intervenção amparada
pela legislação e determinante das políticas educacionais tanto em nível nacional, como
estadual e municipal.
A educação especial tem sido uma área fértil para o aparecimento de polêmicas,
propostas inovadoras e modismos, seus conceitos têm provocado discussões e debates
desde a terminologia adotada, às formas e aos meios de efetivação das suas práticas.
Assim como, nos últimos anos presenciamos uma ampla literatura a respeito dessa área,
que discute novos conceitos, novas práticas. Dentre estes alguns autores defendem a
possibilidade de inclusão, outros, denunciam a exclusão.
As discussões em torno da diferença, mesmo não sendo recente, ganhou maior
visibilidade no Brasil, como em outros países, a partir de meados do século XX, isto
principalmente em razão das lutas em defesa dos direitos humanos e da consolidação
dos grupos considerados diferentes: as pessoas com necessidades especiais, os negros,
os homossexuais, os meninos de rua, entre outros.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende refletir sobre a educação especial na
perspectiva da inclusão e sobre alguns termos utilizados para definir seu alunado. Longe
de pretender dar respostas objetivas, vencer definitivamente possíveis confusões
teóricas, mas buscarmos organizar idéias que resultam de estudos e inquietações.

1
Professora do Colegiado do Curso de Pedagogia da Unioeste, campus de Cascavel; Mestre em Educação
pela UEM. Rua Pio XII, 1723, A5, Cascavel, Pr. fone (45) 222-3627 e-mail: erossetto@unioeste.br.
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Professora do Colegiado do Curso de Pedagogia da Unioeste, campus de Cascavel; Mestre em Educação
pela UEM. Rua Odontologia, 420, Cascavel, Pr. fone (45) 324-6273 e-mail: tureck@unioeste.br.
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Vários autores analisaram como historicamente os indivíduos com deficiência têm sido
considerados na sociedade (Silva, 1988; Bianchetti, 1998; Neres, 2001). Da eliminação
na idade antiga, passando pela tolerância cristã, até a consideração de cidadãos com os
mesmos direitos na atualidade, houve uma infinidade de termos para designar tais
pessoas, pouco porém avançando na superação de preconceitos e estigmas
historicamente enraizados. Ainda assim, as mudanças terminológicas expressaram
mudanças dos conceitos, como apresentado a seguir.
A utilização de termos como anormal, idiota, retardado, imbecil, débil, para designar
indivíduos com deficiência foi superada, num primeiro momento histórico, pelo termo
excepcional. A mudança considerava dois avanços: diminuição de aspectos
estigmatizantes e pejorativos, bem como uma busca de maior precisão. Ao final do
século XX, um novo conceito foi introduzido: pessoas com necessidades educacionais
especiais.
Estudos de autores renomados na educação especial, como Telford e Sawrey,
Cruickshank, nos Estados Unidos, Januzzi e Mazzotta, no Brasil, são analisados por
Silveira Bueno (1993) esclarecendo detalhadamente essa questão terminológica como
uma visão estática e ahistórica, que separa o desenvolvimento do pensamento e o das
relações sociais historicamente construídas, afirmando:

no Brasil, como nos Estados Unidos, a excepcionalidade é tratada unicamente


através do ponto de vista terminológico, como se o significado das palavras
estivesse ligado somente aos aspectos lingüísticos, sem relação com a realidade
concreta em que esses termos passaram a ser utilizados (p. 29-30).

Ainda,

assim é que, a substituição terminológica é usualmente encarada como reflexo


de posições mais democráticas ou de crença nos valores humanitários ou, mais
ainda, que respondem unicamente ao desenvolvimento científico sem que se
leve em conta que o conhecimento do homem sobre ele mesmo é construído
sobre fenômenos em que este mesmo homem é também seu produtor (p. 30 –
grifos do autor).

O termo necessidades educacionais especiais apareceu pela primeira vez em 1978, no


Relatório Warnock, documento esse que inspirou a Lei de Educação de 1981, na Grã-
Bretanha, segundo Jimenéz (1997, p. 9), Marchesi e Martín (1995, p. 11) e Manjón; Gil
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e Garrido (1997). Os autores ressaltam que o conceito de necessidades educacionais


especiais é um conceito-chave que contém outros conceitos como o de dificuldade de
aprendizagem e o de medidas educativas especiais.
Na Espanha, o Livro Branco para a Reforma do Sistema Educativo, em 1989, contempla
os alunos com necessidades educacionais especiais numa conceituação que relaciona
também as necessidades dos alunos, problemas de aprendizagem, com as ajudas
pedagógicas correspondentes e os recursos educacionais.
Nessa visão, a Educação Especial passa a ter um novo caráter, qual seja, “o conjunto de
recursos humanos e materiais postos à disposição do sistema educativo para que este
possa responder adequadamente às necessidades que, de forma transitória ou
permanente, possam apresentar alguns dos alunos” (Jimenéz, 1997, p. 11). Estando
dessa forma os alunos na escola regular, ao professor regente da classe cabe um papel
preponderante, para cujo desempenho deve contar com o apoio de professores
especializados e de outros profissionais, de forma colaborativa.
O conceito de necessidades educacionais especiais, conforme analisam Manjón; Gil e
Garrido (1997), implica em distinguir inicialmente dois tipos fundamentais de
necessidades: as de adaptações ao currículo e as de criação de serviços complementares.
O currículo constitui o instrumento da escola para responder à diversidade, explicitada
no Projeto Político Pedagógico, pelo qual compreende a sua comunidade escolar,
procedendo ao atendimento de serviços que se colocam como necessários.
Marchesi e Martín (1995) apresentam junto ao conceito de necessidades educacionais
especiais as dificuldades de aprendizagem e a ampliação dos recursos educacionais.
Compreende-se essas posições como numa mesma perspectiva, qual seja, a diversidade
apresentada pelos alunos remete para a reflexão da escola sobre como se organiza, no
sentido de reconhecer necessidades educacionais diferenciadas no alunado, as quais
exigem respostas diversas na organização do currículo, dos processos metodológicos e
avaliativos, com adaptação de materiais. Nesse conjunto de recursos educacionais
insere-se também a formação dos profissionais da educação e as condições de
acessibilidade.
Pode-se observar a postura desses autores europeus relacionando as responsabilidades
da escola no atendimento pedagógico aos alunos com necessidades educacionais
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especiais. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, aprovadas recentemente


pelo Conselho Nacional de Educação, vêm nessa mesma direção.
Resta-nos refletir e acompanhar como se efetivará a prática educacional no Brasil e,
particularmente, no Paraná, onde o Conselho Estadual de Educação encontra-se em
processo de aprovação das diretrizes estaduais. Isto porque, a escola tem sido invadida
pelos conceitos de produtividade e homogeneidade, características fundamentais da
sociedade industrial moderna, dentre outras, servindo de instrumentos para a exclusão.
No dizer de Silveira Bueno (1997), “para que se possa ingressar ou se manter dentro das
trajetórias organizadas pela escola, é preciso ter padrões determinados para que se
possam atingir determinados resultados” (p. 39). E como explicita Kassar (apud
Baldessar, 2000, p. 10), “existe uma rigidez na forma de ensinar, na forma de avaliar o
aprendizado do aluno e isso, muitas vezes, acaba impedindo pessoas que não têm
qualquer comprometimento intelectual ou sensorial de freqüentar a escola”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – lei nº 9394/96, define a Educação
Especial como uma “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educando portadores de necessidades especiais” (Art. 58),
prevendo a existência de serviços de apoio especializado, na escola regular. Todavia, é
contraditório o espaço que esta lei deu à educação especial, considerando a política
neoliberal de diminuição de recursos públicos para as políticas sociais, dentre elas a
educação. Ainda, a própria indicação de serviços de apoio não é concreta ao deixar vaga
a responsabilidade de sua execução, o que gera situações internas para sua não
efetivação.
Algumas críticas se colocam ao termo ‘necessidades educacionais especiais’ como
sendo amplo e vago, com ênfase no aluno, sem definição do que sejam ‘educacionais’
nas necessidades especiais, diluindo especificidades das deficiências diversas, que
precisam ser objetivamente consideradas, assim como as diferenças existente entre elas,
e uma visão otimista da educação especial, acreditando-se que, ao suprimir a palavras
‘deficiências’, essas poderiam tornar-se menos graves. Silveira Bueno (1997) alerta para
o fato de que

se por um lado, se avança para menor estigmatização, por outro perde-se na


precisão. Isto é, o termo portador de necessidades educativas especiais não
substitui o termo deficiente, assim como este não substitui o termo cego. Em
outras palavras, como o conceito portador de necessidades educativas especiais
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abrange uma diversidade de sujeitos, ao ganhar na amplitude e na quebra da


estigmatização, perde na precisão. Tanto é assim que, ao lado do termo em
questão, é preciso acrescentar a espécie de sujeitos sobre a qual estamos nos
referindo (p.41 – grifos do autor).

O mesmo autor ainda adverte sobre o perigo de abstrações, sem considerar a realidade
concreta. Muitas crianças poderão ser beneficiadas educacionalmente com o
alargamento do conceito, em nome da democratização do sistema escolar, todavia,
outras poderão ser incorporadas sem terem algum tipo de necessidade especial.
Ainda, segundo Ross (2000, p. 09), ao mascarar-se problemas reais, impõe-se uma
concepção dissociada de novos papéis a serem desempenhados pelos professores no
novo contexto construído.
Podemos citar ainda Amaral (1995, p. 29): “toda generalização gera empobrecimento da
compreensão”.
A necessidade de definição precisa do conceito de necessidades educacionais especiais
é ressaltada por Marchesi e Martín (1995, p. 14) para não “mascarar problemas reais” e
para o reconhecimento das possibilidades da escola. Omote (2001) vai mais a fundo,
referindo que

essa terminologia genérica pode até sugerir igualdades ou semelhanças onde


não há e ignorar diferenças que precisam ser levadas em conta. A ampla gama
de necessidades passou a ser referida por necessidades educacionais especiais,
como se deixassem de ser elementos cruciais à natureza e à extensão de tais
necessidades. Mesmo utilizando o termo genérico necessidades educacionais
especiais, as necessidades especiais e específicas outrora referidas por
deficiências não deixam de existir e suas particularidades muitas vezes precisam
ser rigorosamente consideradas em qualquer programa de intervenção (p. 47 –
grifos do autor).

Ao discutir a educação de alunos com necessidades educacionais especiais, Mazzota


(1999) afirma a implicação de resgatar-se o sentido da Educação Especial, pois, “as
necessidades educacionais especiais são definidas e identificadas na relação concreta
entre o educando e a educação escolar”, portanto, “os recursos educacionais especiais
requeridos em tal situação de ensino-aprendizagem é que configuram a Educação
Especial e não devem ser reduzidos a uma ou outra modalidade administrativo-
pedagógica como classe especial ou escola especial” (p. 49 – grifos do autor).
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Mais ainda que isso,

requer revisão crítica e cuidadosa, sobretudo autocrítica de cada um de nós, em


busca de práticas rigorosamente orientadas por novos critérios. Não é tarefa
simples; cada um precisa rever seus hábitos enraizados, crenças cristalizadas, e
abandonar velhas e consolidadas concepções que fazem olhar para o deficiente
como se nele estivesse a origem de todas as dificuldades relacionadas à sua
deficiência. Novos valores precisam ser construídos e assumidos, resultando
especialmente em uma nova ordem de relações com os diferentes (Omote,
2001, p. 47).

E não é preciso apenas essa revisão do ponto de vista individual, do profissional da


educação. É preciso muito mais, particularmente no que diz respeito às políticas
públicas. Somos testemunhas de debates e proposições de políticas educacionais que se
dizem inclusivas; todavia, as condições concretas da organização da escola, do
provimento dos recursos para sua manutenção, da formação dos professores, das
relações com a família e com a comunidade, estão longe de possibilitar a concretização
da inclusão desejada e necessária. O paradigma da segregação está ainda presente e se
manifesta explicitamente em muitas e muitas ocasiões em que, diante da inexistência de
condições para a inclusão, ou, o que é mais preocupante, da inexistência de avanço na
concepção de quem são as pessoas/alunos com deficiência e a que educação têm direito,
sugere-se que eles não deveriam estar aí!
Face a isso eis alguns dos dilemas a serem solucionados e desafios a serem enfrentados,
tanto por aqueles que defendem a inclusão como por aqueles que se mantêm descrentes.
Encerramos o milênio com inúmeras e calorosas discussões, mas para a construção de
uma escola inclusiva se requer muito mais do que isso. Requer pesquisas, dados
confiáveis e precisos, abandonando definitivamente discussões meramente opinativas.
Somos testemunhas e protagonistas das condições de exclusão da sociedade que temos.
E de como são difíceis os enfrentamentos para sua superação. Como foi citado no início,
as próprias características da sociedade moderna, com o ideário liberal, produzem as
condições concretas em que vivemos, os homens e mulheres que somos e que essa
mesma sociedade exige que sejamos.
Resta-nos a possibilidade da reflexão e da decisão de como enfrentaremos essa
realidade. É aí que se inscrevem os movimentos de luta e resistência, de construção de
possibilidades de mudança, ainda que mínimas e remotas face à própria realidade!
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Temos plena consciência que uma mudança na concepção de deficiência implica em um


novo paradigma capaz de valorizar e respeitar efetivamente a diversidade.
Discutir, então,as políticas, que na lógica da racionalidade estão na pauta da escola
inclusiva, nos faz questionar este urgente consenso que no final do século surge como
uma nova maneira de se pensar/perceber as diferenças. Crer ingenuamente que a tese
integracionista esteja sendo postulada para dar vazão aos direitos humanos, que a
tempos determinados grupos buscam conquistar, não condiz com a realidade
vivenciada.
Dessa forma, acreditamos que é necessário, num processo contínuo/permanente, ampliar
não somente as discussões acerca dessa temática, mas principalmente os olhares
arrolados diante do conceito de deficiência. Isto, com o intuito de não retrocedermos nas
fundamentações epistemológicas que já garantimos, no processo de acúmulo histórico-
político-filosófico.

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