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Ofício de adivinhos: cartomancia e


ficção em Machado de Assis, Clarice
Lispector e Lúcia Bettencourt
Rafael Climent-Espino

Chasqui. Revista de Literatura Latinoamericana

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A Hora da Est rela ent re a ficção e a realidade_ ou o t rágico em Macabéa.pdf


Rogério de Almeida, Fábio Takao Masuda

Clarice Lispect or e a lat ent e escrit ura do desast re Clarice Lispect or and t he lat ent writ ing of t he disa…
Joanna M . Moszczynska

Mort e na glória: horizont e global e paisagem local em "A hora da est rela", de Clarice Lispect or
Marcelo Diego
OFÍCIO DE ADIVINHOS:
CARTOMANCIA E FICÇÃO EM
MACHADO DE ASSIS, CLARICE
LISPECTOR E LÚCIA BETTENCOURT

Rafael Climent-Espino
Baylor University

Introdução

A cartomancia, considerada uma arte de adivinhação secular, ainda hoje tem grande
interesse para a população e muito sucesso em todas as camadas do Brasil. Anúncios em
jornais e televisão, notícias no rádio, cartazes nas ruas, a publicidade de cartomantes e
adivinhos é uma prática comum na vida cotidiana brasileira.1 Esse fato implica o consumo
de um tipo de práticas esotéricas ou ocultistas por parte do povo brasileiro que pode ser
pensado como uma característica de pré-modernidade ainda hoje no século XXI e que ficaria
enquadrada no que tem sido chamado de neo-esoterismo contemporâneo (Esquenazi 8).2
Os naipes são um instrumento de adivinhação que “põe em contato a sensibilidade
e a experiência de um homem com a inacabável colheita do imaginário” (Cousté 53). O
desejo por conhecer o futuro, ou repensar o presente, tem exercido grande fascinação no
humano desde o início dos tempos. Esse interesse pela adivinhação ou predição de fatos, e
pela cartomancia como via possível para entender presente e futuro, também tem repercussão
dentro das humanidades e, especificamente, na literatura. No campo dos estudos filológicos,
há uma grande variedade de pesquisas que se aproximam ao tarô e que vão desde a linguística
(Aphek, “Image”) até a semiologia (Aphek, “Semiology”) e a semiótica (Aphek,
“Semiotics”, Thibault). Os historiadores têm se preocupado em oferecer um relato dessas
prácticas (Rákóczi, Cousté, Decker, Dummett “Tarot cortesano”, History of the Occult) e dos
jogos e leituras de cartas (Esquenazi; Dummett, History of Games; Jodorowsky).

1
Fátima R. Gomes Tavares elaborou um estudo sociológico sobre o tarô na cidade
de Rio de Janeiro onde relata o processo pelo qual uma pessoa chega a ser vidente. Um estudo
informativo sobre o tarô, sua história e elementos compositivos é O tarô ou a máquina de
imaginar de Alberto Cousté.
2
Sobre a história e influência dos conceitos de ocultismo e esoterismo interessa o
estudo de Mircea Eliade (69-96).

243
244 Ofício de adivinhos

O interesse pela cartomancia se reflete na obra de importantes escritores brasileiros.


É por isso que, tomando como ferramentas teóricas estudos em intertextualidade, este
trabalho faz uma abordagem de textos literários que incorporam a cartomancia como tema
na narrativa brasileira a partir do século XIX. Analiso o conto “A cartomante” de Joaquim
Maria Machado de Assis¾publicado inicialmente em 1884 na Gazeta de notícias e
posteriormente em Várias histórias (1896)¾, no romance A hora da estrela (1977), de
Clarice Lispector e, finalmente, no conto “A cartomante” da coletânea A secretária de Borges
(2006), de Lúcia Bettencourt.3 Assim, tomando esse tema em transversalidade, este ensaio
visa a analisar textos literários brasileiros dos séculos XIX, XX e XXI para trazer à luz as
relações de intertextualidade, metatextualidade e hipertextualidade entre eles.4 Argumenta-
se que essa relação de intertextualidade é singular pois se estabelece através do uso dos
naipes. A leitura que se apresenta mostra que os escritores usam os mesmos arcanos do tarô
como base para criar a ficção, e que as três ficções são diferentes leituras onde se usam os
mesmos elementos, as mesmas cartas, de forma similar.

Ligações textuais: intertextualidade, metatextualidade e hipertextualidade

Gérard Genette, acompanhando as teorias de Julia Kristeva, afirma que a


intertextualidade é “uma relação de copresença entre dois ou vários textos, isto é,
essencialmente, e o mais frequentemente, como presença efetiva de um texto em um outro.
Sua forma mais explícita e mais literal é a prática tradicional da citação (com aspas, com ou
sem referência precisa)” (14). N’ “A cartomante” já Machado estabelecera uma clara relação
de intertextualidade ao fazer uma referência explícita, uma citação (Genette 14) a Hamlet no
início do texto: “Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha
a nossa filosofia” (Machado de Assis, Várias 57). Machado relaciona seu conto, através da
intertextualidade, com a tragédia de Shakespeare, uma das grandes tragédias da literatura
ocidental. Se Machado recorre a autores clássicos consagrados, Lispector apoia-se no conto
de Machado para elaborar a cena final da cartomante n’ A hora da estrela.5 Por sua parte,
Lúcia Bettencourt tem como ponto de apoio os textos de Machado e de Lispector.
Segundo Genette a relação metatextual é aquela “que une um texto a outro texto do
qual ele fala, sem necessariamente citá-lo (convocá-lo), até mesmo, em último caso, sem
nomeá-lo” (17). Através da análise de elementos compositivos da narração e da estrutura dos
textos, este ensaio desvela que Lispector estabelece n’ A hora da estrela uma relação
metatextual com “A cartomante” de Machado, e que n’ “A cartomante”, de Bettencourt, há

3
O pano de fundo das três histórias é o Rio de Janeiro. Tanto Machado como
Bettencourt são cariocas. Como é sabido, Lispector morou no Rio grande parte de sua vida.
4
Importantes e recentes pesquisas abordam questões ligadas à intertextualidade
(Salomão 37-92) e à emulação (Rocha A roda de Machado de Assis) como técnicas centrais
na obra de Machado de Assis.
5
O tema da cartomancia e da adivinhação é antiquíssimo, pode-se relacionar com a
literatura clássica que introduz o oráculo no argumento como, por exemplo, no Amphitruo de
Plauto (Climent-Espino “Tradición clásica”). Sobre a influência de Machado em Lispector,
interessa o detalhado estudo de Cátia Castilho Simon.
Rafael Climent-Espino 245

uma relação metatextual com A hora da estrela, de Lispector, e com “A cartomante”, de


Machado de Assis.
É preciso lidar com o problema da tradição literária e da transmissão textual,
conceitos intimamente ligados aos de intertextualidade e imitação, para chegar a conclusões
fundamentadas sobre como Lispector e Bettencourt conduzem o conto de Machado a novas
direções. Desde uma perspectiva intertextual os três escritores estariam dentro de uma
tradição literária secular de elaboração de um mesmo tema, o da cartomancia, e, portanto,
haveria uma relação de hipertextualidade entendendo por tal “toda relação que une um texto
B (que chamarei hipertexto) a um texto anterior A (que, naturalmente, chamarei hipotexto)
do qual ele brota de uma forma que não é a do comentário” (Genette 18). Este estudo
considera “A cartomante” de Machado como hipotexto e os textos de Clarice e Bettencourt
como hipertextos daquele.

Cartomancia e ficção na narrativa brasileira

Os autores que incorporam a cartomancia estabelecem sutilmente uma combinação


entre imagem e escrita dentro do texto literário. As combinações dos naipes são ilimitadas, e
cada carta é um elemento compositivo de uma narração, um apoio visual da escrita. As
cartomantes, narradoras singulares pois usam imagem, naipes para, através deles criar uma
trama, elaborar um relato ou uma ficção que mudará dependendo da posição dos naipes em
relação aos outros. O naipe carrega uma informação simbólica que variará dependendo da
posição entre outros naipes. Ao relatar tendo como ponto de partida os naipes e seus
significados, as imagens são levadas ao texto literário num processo ecfrástico singular. No
caso da cartomancia, o leitor estaria perante a chamada écfrase referencial que acontece
“quando o objeto plástico tem uma existência material autônoma [do texto]” (Pimentel 207)
e há descrição verbal de uma imagem.
A leitura das cartas é uma narrativa sui generis; a cartomancia é um sistema
semiótico particular em que uma série de naipes funcionam como alicerce da história que as
cartomantes contam, essas cartas ajudam a relatar possibilidades sobre o futuro. 6 Ao
introduzir a cartomancia dentro da narrativa, o leitor se encontra frente a um aparelho
narrativo complexo, uma narrativa dentro doutra, parecido ao brinquedo das bonecas russas.
Os naipes, meio físico de um código cifrado, de uma escrita críptica, possibilitam uma leitura

6
Segundo Mattia Thibault, desde uma perspetiva semiótica: “Fortune telling always
involves two people of differing status. The first one (A) is the fortune teller, and the second
one (B) is the person whose future is being told. For A, if the signs on the cards only pertain
to a code, B replaces the variable signifiers with specific meaning issued from his personal
situation. In order to make cartomancy work, therefore, the meanings of the cards have to
cover every possible life situation. In other words, according to a Saussurean conception of
signs, A only has access to the signifier and the signified, while the referent is only accessible
to B. The distribution of cards in fortune telling determines that some sentences will focus
on the past and present of B” (3).
246 Ofício de adivinhos

do presente e futuro por parte de uma pessoa capaz de decifrar um código: a cartomante.7
Desde a écfrase e a visualidade, a leitura desse código, dos naipes, gera uma representação
da realidade, um relato, uma ficção. Nos textos analisados, o leitor pode imaginar quais são
as cartas que a cartomante lê para melhor entender o acontecer narrativo. O aspecto esotérico
da cartomancia tem levado importantes figuras das letras universais a criarem histórias
tomando as cartas como tema principal da ficção.8 Como foi mencionado, as letras brasileiras
não são exceção nesse interesse por levar a cartomancia à literatura.9

Cartomancia em Machado de Assis, Clarice Lispector e Lúcia Bettencourt

“A cartomante” de Machado tem sido estudada a partir de diversas perspetivas como


a que oferecem Ravel G. Paz (184-88) ou Alcides Villaça, para quem o conto “São páginas
das mais sugestivas que Machado se permitiu, no limiar de uma autorrevelação a que
altivamente se furtou” (4). Todavia, essas análises não aprofundam sobre a possibilidade de
que a cartomancia tenha um papel mais determinante no conto como avisaria o título. A
análise de Villaça assinala que “a experiência de vida de Machado projeta-se, muito mais
poderosamente do que parece, em suas histórias; está por se fazer um estudo meticuloso
dessas projeções, em consequência das quais estaria bastante relativizado o semidogma do
distanciamento do narrador” (13). Numa tentativa de paliar essa carência de estudos
assinalada por Villaça, mostro que a prática da cartomancia e a feitiçaria foram temas que
captaram a atenção do Bruxo do Cosme Velho e o instigaram a escrever algumas crónicas
antes da publicação de Várias histórias em 1896.10 Entre suas colunas de jornal, Machado
recolheu as vicissitudes experimentadas por feiticeiras e cartomantes da época:
“Relativamente às cartomantes, confesso que não as considero como as feiticeiras. A
cartomancia nasceu com a civilização, isto é, com a corrupção, pela doutrina de Rousseau. A
feitiçaria é natural do homem” (Obra completa 647). O contexto no qual Machado publicou
estes textos é de interesse para relacioná-lo com os textos. Machado escreve na segunda
metade do século XIX num momento em que imperava o positivismo, no entanto o escritor

7
Na semiótica, entende-se por meio um sistema de signos qualquer usado para
transmitir informação.
8
Entre as figuras do século XX destacam o italiano Italo Calvino com O castelo dos
destinos cruzados (1969), romance onde o relato é contado em paralelo com uma tirada de
cartas do tarô. Também o argentino Manuel Puig introduz um capítulo em Boquitas pintadas
(1969) que é representativo de todo o romance e onde a cartomancia tem um papel
fundamental como analisei em Del manuscrito al libro (Climent-Espino Del manuscrito 81-
107).
9
Na introdução de O castelo dos destinos cruzados, Italo Calvino define o tarô como
“multiplicidade potencial do narrável” e como “máquina narrativa combinatória” (3).
10
Algumas crónicas de Machado (Obra completa) publicadas originalmente na
Gazeta de notícias (Rio de Janeiro entre o 24/04/1892 e o 11/11/1900) mostram interesse
pela cartomancia e a feitiçaria. Assim, nas crónicas do 24 de Junho de 1894 e do 10 de Março
de 1895 há referencias à cartomancia e à adivinhação do futuro.
Rafael Climent-Espino 247

carioca fica fora dessa órbita de influência e propõe uma nova teoria de entendimento do
mundo. Refiro-me ao humanitas ou humanitismo.11 O humanitismo é também uma sátira do
positivismo de Auguste Comte e relativiza, embora na ficção, a ânsia pelas respostas
científicas das últimas décadas do século XIX. Machado participou até da chamada
Sociedade Petalógica e interessa a origem do nome12:
A ideia era promover uma reunião para o estudo da mentira, da lorota, da
peta, daí o nome ‘Petalógica’. Seus membros entendiam que através da
profunda observação da mentira poderiam penetrar com mais acuidade na
alma humana. Pensavam, também, em prejudicar os mentirosos,
fornecendo material para que estes fossem se desmoralizando a cada vez
que repetissem, julgando ser verdades, as mentiras ouvidas dos membros
da Sociedade. (“Você sabe o que é a Sociedade Petalógica?”)
Destaca-se, assim, a importância da mentira, tema principal n’“A cartomante” de Machado
junto com a infidelidade. Na segunda metade do século XIX outras correntes de pensamento
não cientificistas como o esoterismo, o ocultismo e a teosofia tiveram um auge sem
precedentes na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil não ficou alheio à influência dessas
correntes.13 Entre essas práticas esotéricas estaria a cartomancia como uma manifestação

11
A teoria do Humanitas se acha principalmente no capítulo VI de Quincas Borba
(16-21) onde se encontra a famosa frase “Ao vencedor, as batatas” que tem sido ligada com
a lei do mais forte. Eis o parágrafo com a explicação do conceito de humanistismo: “Não há
morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a
supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de
uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe
tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma
das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há
batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não
chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição;
a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a
alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das
ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo
motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe aprazível ou vantajoso, e pelo
motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” (Machado de Assis, Quincas 19-20).
Com menor intensidade, o humanitismo também aparece no capítulo 157 de Memórias
póstumas de Brás Cubas.
12
Para as dinâmicas internas da Sociedade Petalógica interessa o ensaio de Bruno
Martins. Sobre a Sociedade Petalógica, Francisco de Paula Brito afirma que: “A verdade, que
parece criada para felicidade do homem, às vezes é tão nociva que empregá-la pareceria um
crime. Também a mentira, que parece criada pelo gênio do mal, tem às vezes salvado a vida,
a honra ou a fortuna...” (Martins 8). Esta citação resume à perfeição o que acontece com a
mentira no conto de Machado.
13
Como prova o fato de que a primeira sociedade teosófica brasileira foi fundada no
Rio em 1919.
248 Ofício de adivinhos

mais dentro das correntes ocultistas em auge na segunda metade do XIX. Numa crônica
datada em 23 de agosto de 1884¾mesmo ano da publicação do conto¾o escritor carioca
afirma: “Cartomancia, heráldica, pindaíba de tatu, ou vinhos confeccionados no fundo do
armazém, tudo isso vem a dar na lei de Darwin” e adiciona que “cito-lhes uma ‘grande
cartomante’ (sic) da Rua da Imperatriz, que dá consultas das 7 às 9 da manhã”.14 Machado
escreve sobre uma prática que conhece de primeira mão. 15 Importa esse olhar atento de
Machado ao acontecer cotidiano das classes populares em práticas como a cartomancia:
“Machado também aceita a contribuição do que não é logicismo absoluto, do que nos vem
através do conhecimento imediato, intuitivo, afetivo, respeita a parte de miséria que há nos
seres, particularmente no ser humano, e reconhece a contribuição do irracional” (Coutinho,
A filosofia 29). 16 Machado aceita o irracional como fator vital que influencia a vida das
pessoas, a cartomancia pode ser considerada como um desses fatores.17
Resumidamente, o conto relata a história de um triângulo amoroso entre
Rita¾“dama formosa e tonta [...] graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e
interrogativa” (Machado de Assis, Várias 59)¾, seu marido, Vilela¾magistrado e
advogado¾, e seu melhor amigo, Camilo. O conto se inicia com uma conversa dos amantes:
Rita e Camilo. Rita revela que foi visitar uma cartomante por medo de perdê-lo, Camilo ri
deixando claro que isso não vai acontecer. Rita mostra-se como uma mulher que acredita na
cartomante, o que para Camilo é bobagem. A cartomante se passa por uma charlatã, só que
Rita acredita nela e, quando o caso de Rita e Camilo está quase para ser descoberto, Camilo,
desesperado, recorre à pitonisa, que o ilude da mesma forma que a Rita. Confiando na
cartomante, Camilo vai ao apartamento de Vilela e encontra Rita morta e depois é assassinado
à queima-roupa por Vilela, já que sabia da traição deles. O conto lembra a Dom Casmurro e
o possível triângulo amoroso entre Bento, Capitu e Ezequiel.
N’ “A cartomante” há uma posição dicotômica entre uma cultura escrita,
hegemónica e racionalista¾as cartas/missivas anônimas com textos caligrafados que avisam
a Rita e Camilo do perigo pela infidelidade¾frente a uma cultura popular irracional¾as
cartas/naipes nas quais Rita e Camilo acabam acreditando e que os conduzirão à morte. O
que interessa nestes dois tipos de “cartas” é que seus leitores não as sabem ler. Desde uma

14
Em Comentários da semana (63) aparece uma crônica de 1861 em que Machado,
sob o pseudônimo de Gil, faz referência ao oráculo e às sibilas, o que mostra uma reflexão
precoce sobre o tema da adivinhação.
15
Miécio Táti (149-55) oferece uma amostra da grande frequência em que os jogos
de cartas aparecem na ficção de Machado. Atendendo a esses dados, parece que Machado os
praticava.
16
Afrânio Coutinho (A filosofia) salienta que a forte influência de Pascal em
Machado é pertinente para contextualizar a produção machadiana no âmbito filosófico e para
compreender, grosso modo, as linhas de pensamento dentro da ficção do autor carioca.
17
Paul Dixon assinala como nos contos de Machado há “uma refutação dos aspectos
identificados com o positivismo; o discurso machadiano satirizará o pensamento
enciclopédico, destruirá hierarquias, glorificará a alinearidade e o subjetivismo, e proclamará
as verdades relativas” (Os contos 14).
Rafael Climent-Espino 249

perspectiva semiótica, não há diferença entre carta/missiva e carta/naipe.18 A interpretação


que os leitores, Camilo e Rita por uma parte, e a cartomante pela outra, fazem das
cartas¾missivas e naipes¾são erradas. Nessa equiparação de texto/imagem, Rita e Camilo
dinamitam o sistema logocêntrico pois decidem ser antes guiados pelo sistema irracional da
paixão amorosa, pelo naipe, do que pelo sistema racional/textual. No fim do conto, Camilo,
que no início ria de Rita por acreditar na cartomancia, aceita a leitura da cartomante rejeitando
assim as “outras cartas” que o avisavam do perigo pela traição ao amigo. Para Paul Dixon:
“O verdadeiro mistério no conto é a mentalidade de Camilo, que é seduzida por suas próprias
esperanças” (Contos 11). Que leitura fazer da reviravolta narrativa que é o desenlace do
conto? Em primeiro lugar, se rejeitam os avisos escritos, o logos positivista, e se aceita o
irracional dos naipes que levam os namorados à morte. Assim, a teoria machadiana do
humanitismo parece se impor neste conto, ou seja, “o império da lei do mais forte”, de Vilela.
As cartas do tarô são propícias para Rita, mas não as cartas caligrafadas que chegam
de forma anônima. A prestidigitação de Machado faz com que cartas do tarô se baralhem
com as cartas textuais e se oponham: “Camilo recebeu uma carta anônima, que lhe chamava
de imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos” (Machado de Assis, Várias
60). Há duas possibilidades de autoria da carta anônima: a cartomante ou Vilela. Temos aqui
uma carta nova neste baralho de textos. Assustada, Rita volta à pitonisa que fala que os naipes
são positivos, lhe restituindo a confiança. Camilo recebe mais missivas de autoria
desconhecida, alguém conhece o caso entre ele e Rita e pode contar a Vilela, por isso,
decidem se afastar por um tempo. No dia seguinte Camilo recebe uma carta de Vilela que
fala: “Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora” (Várias 61). Camilo fica muito
preocupado com a urgência dessa carta, está com medo. Pega um tílburi¾carro pequeno de
duas rodas puxado por um cavalo¾para ir a casa de Vilela, mas no caminho há um acidente,
uma carroça caíra e ele tem que parar. Na espera para liberar a rua do acidente, o namorado
Camilo repara que perto fica a casa da cartomante e “nunca ele desejou tanto crer na lição
das cartas” (Várias 62). A cartomante mostra-se muito esperta, ela “tirou um baralho de cartas
compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de
rosto, mas por debaixo dos olhos [...]. Vejamos primeiro que é que o traz aqui. O senhor tem
um grande susto” (Várias 63); a cartomante faz predições quanto ao futuro de Camilo, lhe
fala que não tenha medo, nada ia acontecer nem a ele nem à namorada. Nada sabemos das
cartas específicas que marcam a sorte de Camilo, mas ele segue seu caminho aliviado. Ao
chegar na casa de Vilela: “Camilo não pode sufocar um grito de terror: ao fundo estava Rita
morta e ensanguentada. Vilela pegou-o pela gola, e com dois tiros de revolver, estirou-o
morto no chão” (Várias 66). Camilo acredita antes no tarô do que nas cartas que o avisaram
de que a traição a Vilela era moralmente reprovável e teria graves consequências.
A leitura da cartomante é positiva, mas, devido ao fim do conto, sabemos que a
cartomante é um narrador não confiável, pois erra sua predição. No conto, há dois narradores:
o narrador onisciente e a cartomante, marionetes em mãos de Machado. Apresento um
possível texto que subjaz à narração e que estaria composto pelos arcanos do tarô e seus

18
Se entendermos por semiótica um sistema de signos, seja qual for, que possibilita
uma comunicação entre indivíduos.
250 Ofício de adivinhos

significados.19 Na minha opinião o conto oferece referências ocultas a quatro cartas do tarô
ou arcanos maiores que estão fortemente ligadas à história de Machado: Os namorados, O
carro, O louco, e A torre. Como mostrarei, estes naipes são elementos compositivos que, com
algumas variáveis, se repetem nos três textos literários que se analisam. Assim, uma tirada
que subjaz no conto de Machado seria: 1- Arcano VI- O Namorado (= triângulo amoroso
entre Camilo, Rita e Vilela), 2- Arcano VII- O Carro (= tílburi e acidente da carroça antes de
chegar à casa da cartomante, o tílburi que leva Camilo à casa de Vilela) 3- Arcano XXII- O
Louco (= a cartomante) 4- Arcano XVI- A Torre, onde duas pessoas estão caindo (= a casa
de Vilela onde morrem Rita e Camilo). Para Enrique Esquenazi a carta de ‘Os namorados’
no plano espiritual “indica a necessidade de escolha entre duas alternativas importantes e
mutuamente excludentes. A escolha aparece como proba e os atrativos de ambos caminhos
resultam sedutores. Porém, se atingiu um ponto onde há que escolher. Isto indica tensão que
é também oportunidade de progresso” (153). Sem dúvida, o caminho que escolhe Camilo é
o errado. ‘O Louco’ representa a cartomante: “É o início de um ciclo e, ao mesmo tempo, seu
fim: é o caos prévio ao cosmos [...] O Louco expressa o irracional, o inconsciente, o
radicalmente outro. É a profusão das possibilidades não realizadas” (Esquenazi 130-31).

Todas estas interpretações multiplicam exponencialmente as leituras que se podem


fazer do texto analisado.

Cartomancia e intertextualidade n’ A hora da estrela

À luz da análise feita, e do exposto por Maria J. Somerlate Barbosa e Paul B. Dixon
no artigo “Olhos de ressaca: as alusões literárias de Clarice Lispector a Machado de Assis”
se estuda a fundo a influência que “A cartomante” de Machado tem na cena da cartomante

19
Para este trabalho uso as pesquisas e a interpretação que sobre o tarô têm sido
feitas por Basil Rákóczi, Enrique Esquenazi, Michael Dummett (“Tarot cortesano”) e
Alejandro Jodorowsky, as mais sérias entre as inúmeras publicações sobre o tema.
Rafael Climent-Espino 251

n’ A hora da estrela.20 Clarice alude a essa cena estabelecendo uma ligação com o conto de
Machado. A alusão é um “enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de sua
relação entre ele e outro enunciado ao qual remete” (Genette 14), ou seja, não aponta
diretamente um fato, apenas o sugere através de caraterísticas secundárias ou metafóricas.
Para Barbosa e Dixon “a alusão no texto lispectoreano exige uma noção mais ampla do
conceito de ‘linguagem compartilhada’, uma noção que inclua uma gramática de motivos,
situações e justaposições” (49). No exemplo que analiso, as alusões vão além da temática
compartilhada. Para explicar minha tese, tomo como ponto de apoio essa “gramática de
motivos” que sugerem Barbosa e Dixon, que comentam os vínculos entre os dois textos da
seguinte maneira:
Outro exemplo da aproximação entre os textos de Machado e Lispector
encontra-se em uma narrativa de encaixe de A hora da estrela (a visita que
Macabéa faz a Madama Carlota). Vê-se ali o mesmo final irônico do conto
A cartomante de Machado de Assis. Nas duas histórias as cartomantes
ganham a confiança dos clientes e predizem um final feliz para a história
amorosa deles. O desfecho da história de Machado descreve a Camilo
chegando à casa de Rita para encontrá-la morta e, em seguida, ser
assassinado pelo marido dela. Madame Carlota prevê um casamento feliz
para Macabéa com Hans, um estrangeiro alto e louro que ela conhecerá no
futuro próximo. Logo depois que Macabéa sai da casa da cartomante, ao
atravessar uma rua, é morta por um homem que foge do local dirigindo um
Mercedes Benz. As semelhanças entre o final do conto de Machado de
Assis e do romance de Lispector são óbvias. (58)
Lispector explicou a origem do final de seu romance: “Peguei o ar meio perdido do nordestino
no Rio de Janeiro... Daí começou a nascer a ideia de um... Depois eu fui a uma cartomante e
imaginei... Ela me disse várias coisas boas que iam me acontecer e imaginei, quando tomei
o táxi de volta, que seria muito engraçado se o táxi me atropelasse e eu morresse depois de
ter ouvido todas essas coisas boas. Então daí foi nascendo também a trama da história”
(Lerner 26). Esta citação nos deixa saber, primeiro, que Lispector não menciona Machado ao
falar da cena da cartomante. Segundo, Lispector praticava a cartomancia, acreditava nela e
tinha conhecimentos do tarô.21 A escritora faz ficção com uma realidade presente no mundo
dela, não inventa do nada.22

20
Uma análise minuciosa e de interesse de A hora da estrela é a de Edgar Cézar
Nolasco. Nela relacionam-se pontos da escrita de Lispector com a de Machado (Nolasco 18,
48), com Humilhados e ofendidos de Dostoiévski (59-69) e com Alice no país das maravilhas
(1865) de Lewis Carroll (103-05).
21
Lygia Fagundes Telles fez uma viagem de avião com Clarice a Colômbia, houve
algumas turbulências e ante o medo de Lygia, Lispector disse: “Fique tranquila porque a
minha cartomante já avisou, não vou morrer em nenhum desastre!” (Telles 14).
22
A biografia de Lispector escrita por Benjamin Moser envolve a vida da autora em
um halo de misticismo, mistério, onirismo e clarividência tendo como pano de fundo as raízes
judias da família Lispector. Nolasco (21-31) problematiza e questiona o que críticos como
252 Ofício de adivinhos

As semelhanças mostradas por Barbosa e Dixon entre o texto de Clarice e de


Machado fazem difícil pensar que ela não conhecia o conto de Machado. No período de
publicação entre os dois textos as condições sociais, políticas e econômicas do Brasil
mudaram radicalmente. A influência da mídia, do rádio e da televisão, é fortíssima na
segunda metade do século XX. A inclusão da cultura de massas tem um papel fundamental
na narrativa do pós-boom, onde situo A hora da estrela, romance em que a coca cola e a rádio
relógio são exemplos claros da influência da mídia num texto escrito “sob o patrocínio do
refrigerante mais popular do mundo” (A hora 23).23 Lispector publicou grande parte de sua
obra nos anos 60 e 70 do século XX quando a cultura pop tem um forte auge, nessa cultura
estariam as práticas esotéricas.24 É sugestivo lembrar neste ponto que a pergunta de Macabéa:
“Que quer dizer cultura?” (A hora 50), “Cultura é cultura” (A hora 50) responde Olímpico.
Sabemos hoje que só há uma cultura e que a divisão entre alta e baixa cultura se deve a fatores
socioeconômicos. Lispector incorpora uma prática popular como a cartomancia tomando
como referência “A cartomante” de Machado.
A escritora nordestina se interessou pelas práticas esotéricas como a cartomancia ou
a leitura da palma da mão, práticas que podem ser entendidas como formas de contar ao
outro. 25 As raízes judias da escritora põem-na em contato, embora só seja por motivos
culturais, com a cabala. O nome de Macabéa é uma clara referência à história bíblica dos
macabeus; através do nome do personagem principal, se estabelece um vínculo intencional
com o judaísmo. 26 A crítica tem atribuído aos textos clariceanos características de
hermetismo e feitiçaria.27 No romance há uma problemática diferente em relação às cartas:
Rodrigo S.M., personagem e narrador, é responsável por arquitetar uma narrativa que fale
sobre Macabéa, ou seja, tem o mesmo papel que Madama Carlota, a cartomante¾também
personagem e narradora¾, “desvelar” o presente e o futuro de Macabéa. O fato de contar é

Nelson Vieira (100-150) têm dito a respeito da importância da herança judaica da escritora
para entender sua obra.
23
Nolasco (103-26) reflete sobre a importância que os produtos da cultura popular
têm no romance. Marilena Chaui oferece um estudo essencial sobre a cultura popular no
Brasil.
24
Surpreende o grande interesse que Clarice Lispector, como figura ficcional, tem
para outros literatos brasileiros. Há várias biografias ficcionais da autora como Claricianas
(2006) e Quem tem medo de Clarice Lispector? (2014) de Edgar Cézar Nolasco, ou Clarice
(1996) de Ana Miranda.
25
A quiromancia é uma prática esotérica do gosto de Clarice sobre a qual fala na
correspondência com Fernando Sabino (apud Moser 1). O problema da alteridade em Clarice
tem sido analisado em vários estudos (Climent-Espino, “Jogos de alteridade”).
26
Há um método de leitura do tarô relacionado com a cabala e com a árvore da vida
como explicam Rákóczi (38-43) e Cousté (41-47). Também Jodorowsky (13-17) liga seu
interesse pelo tarô com seus antepassados judios.
27
Clarice foi convidada ao Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria em Bogotá,
Colômbia em 1975, dado de importância se pensarmos que nessa altura Clarice estaria imersa
na escrita de A hora da estrela. Nesse congresso, “O ovo e a galinha” foi lido ao público. A
escritora refletiu sobre o fato da crítica considerá-la hermética (Lispector, Descoberta 79),
também em Borelli (65-88) se acha certa preocupação por não ser entendida.
Rafael Climent-Espino 253

constantemente problematizado no relato: “Como é chato lidar com fatos, o cotidiano me


aniquila, estou com preguiça de escrever esta história que é um desabafo apenas. Vejo que
escrevo aquém e além de mim. Não me responsabilizo do que agora escrevo” (A hora 72).
Conhecemos a Macabéa pela leitura que Rodrigo S.M. faz dela, e sabemos de seu futuro
através da leitura da cartomante, depois da qual Macabéa é “Uma pessoa grávida de futuro”
(A hora 79). Lispector reelabora aqui o conto de Machado onde, após sair da casa da
cartomante, “Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu
dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável”
(Machado de Assis, Várias 65). Ao introduzir um novo sistema semiótico no texto, a
cartomancia, se introduz também uma leitura plural: a cartomante propõe uma versão
diferente, possível, da que os leitores, nós, conhecemos através do narrador onisciente:
Rodrigo S.M. As cartomantes são narradoras incorporadas ao relato in media res que
oferecem uma alternativa de desenvolvimento da ficção que se mostrará errada. Machado e
Lispector jogam com as expetativas dos leitores fazendo um jogo de prestidigitação textual.
Como no conto de Machado, a figura da cartomante n’A hora da estrela é um narrador não
confiável.
Aprofundo em adiante em duas alusões (Genette 14) entre os textos, e refiro-me ao
triângulo amoroso em ambas narrações e ao que vou considerar como “jogos de cartas” no
duplo significado do termo, ou seja, como epístola e como cada um dos naipes que formam
o baralho. Se, no conto de Machado, o triângulo amoroso é composto por dois homens e uma
mulher, n’ A hora da estrela, é composto por duas mulheres¾Macabéa e Glória¾e um
homem: Olímpico de Jesus.28 O que acontece n’ A hora da estrela é conhecido: Macabéa
namora Olímpico de Jesus que, não vendo em Macabéa possibilidade alguma de ascensão
social, a abandona para ficar com Glória, colega de trabalho de Macabéa, cujo pai é
açougueiro e oferece possibilidade de melhora. Nos textos de Machado e de Clarice, as
cartomantes são mulheres, no de Bettencourt é um travesti. O assunto principal nos três casos
são os relacionamentos íntimos. Em Machado e em Lispector as consultas são feitas por
pessoas envolvidas nos triângulos amorosos¾Rita e Camilo no conto de Machado, Glória e
Macabéa no de Clarice¾, eis outra conexão entre os dois textos. O acidente dos carros/
carroças é tema fundamental nas três histórias. Há aqui outro paralelismo, nos dois textos os
personagens que vão morrer¾Camilo e Macabéa¾chegam de carro até a casa das
cartomantes e, poder-se-ia dizer, até a morte. Estamos aqui perante os dois tipos fundamentais
de derivação hipertextual: transformação e derivação. No conto de Machado “o tílburi teve
que parar, a rua estava atravancada com uma carroça que caíra” (Machado, Várias 62), n’ A
hora da estrela é o acidente do Mercedes¾do carro¾que termina com a vida de Macabéa;
no conto de Bettencourt “nem ouviu o som que seu corpo fez ao ser atingido pela kombi”
(Secretária 95). O acidente de carro é um elemento comum aos três textos. Voltarei a ele pela
sua relevância.

28
Giordano Paz Ravel (99) sublinha a importância do triângulo amoroso na narrativa
de Machado. No caso de Clarice Lispector, o triângulo amoroso é frequente, aparece em
Perto do coração selvagem, O lustre, A maça no escuro, e n’ A hora da estrela. Neste
romance os três nomes (Macabéa, Olímpico de Jesus e Glória) remetem a um campo
semântico de temática bíblica.
254 Ofício de adivinhos

As leituras das cartomantes influenciam fortemente às pessoas que as procuram, dão


conforto para o futuro e tomada de decisões. Rita, Camilo e Macabéa confiam cegamente nas
predições. Ao lê-las, o leitor está perante a leitura de uma leitura. As cartas são uma antiga
técnica narrativa que trabalha com os mesmos elementos compositivos. N’ A hora da estrela,
Glória aconselha a Macabéa visitar a cartomante ao falar do fim do namoro com Olímpico:
“Olímpico é meu mas na certa você arranja outro namorado. Eu digo que ele é meu porque
foi o que minha cartomante me disse e eu não quero desobedecer porque ela é médium e
nunca erra. Por que você não paga uma consulta e pede para ela pôr as cartas?” (A hora 70).
As vidas de Glória e Olímpico estão unidas por causa da cartomante, não porque assim o
queira Rodrigo S.M. Madama Carlota dita a vida dos personagens. Macabéa, desprezada por
Olímpico, decide consultar a cartomante. Uma vez lá, Madama Carlota “mandou-a cortar as
cartas com a mão esquerda [...] Macabéa separou um monte de cartas com a mão trêmula:
pela primeira vez ia ter um destino” (A hora 75). O futuro de Macabéa é uma tabula rasa que
deve ser escrita por alguém. Rodrigo S.M. cede a voz a Madama Carlota que se torna
narradora da vida de Macabéa, marionete nas mãos destes narradores. 29 Eis mais um
paralelismo entre os textos de Machado e Lispector, nas duas narrações há uma sintaxe
narrativa que usa o encaixe como técnica.
Madama Carlota dá uma olhada no passado de Macabéa: “Mas, Macabeazinha, que
vida horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de você, filhinha! Mas que horror! [...]
Macabéa empalideceu: nunca lhe ocorrera que sua vida fora tão ruim” (A hora 76). Madama
Carlota lê o passado e o futuro de Macabéa. As cartas não são favoráveis respeito ao presente:
“Quanto ao presente, queridinha, está horrível também” (76). Sem que saibamos por que,
Madama Carlota muda essa leitura para falar que: “Macabéa! Tenho grandes notícias para
lhe dar! [...] sua vida vai mudar completamente! E digo mais: vai mudar a partir do momento
que você sair da minha casa! Você vai se sentir outra [...] seu namorado vai voltar e propor
casamento” (76). Nesse momento Rodrigo S.M. fala que “E eu estou também com esperança
enfim” (77). Madama Carlota tem agora em suas mãos o roteiro do futuro de Macabéa, sua
leitura das cartas descreve uma felicidade tão grande que “Macabéa começou a tremelicar
toda por causa do lado penoso que há na excessiva felicidade” (77). Depois da leitura de
cartas, Rodrigo S.M. afirma: “Madama Carlota havia acertado tudo” (79). Se Madama
Carlota acerta tudo, é Rodrigo S.M. quem decide que erremos a leitura, que Macabéa morra,
Rodrigo S.M. tira a voz de Madama Carlota para rescrever a história predestinada a Macabéa,
criando um conflito com a leitura das cartas.
Atendendo à narração, há aqui duas possibilidades sobre o que acontece, uma é que
Madama Carlota confunde as cartas de Macabéa com as da moça que sai chorando antes de
ela entrar e vice-versa: “acabei de ter a franqueza de dizer para aquela moça que saiu que ia
ser atropelada” (A hora 77). Após a cartomante ler o futuro de Macabéa, Rodrigo S.M. tem
o destino dela, agora “grávida de futuro” (79), nas mãos: “E enorme como um transatlântico
o Mercedes amarelo pegou-a ¾e neste mesmo instante em algum único lugar do mundo um

29
É possível que o nome de Madama Carlota venha de uma empregada de Clarice
(A descoberta 88), que parece ter tido uma cozinheira vidente (A descoberta 48).
Rafael Climent-Espino 255

cavalo como resposta empinou-se em gargalhada de relincho” (A hora 79).30 Por que “um
cavalo como resposta”? Acho que aqui se oferecem dicas para uma nova interpretação do
texto. Proponho neste ponto, através do tarô, o que acho ser uma novíssima leitura do
romance, até agora não desvelada. Olhemos embaixo o arcano número VII do tarô, ‘O Carro’
ou ‘A Carroça’, e uma descrição dele: “Dois cavalos arrastram uma sorte de caixa, montada
sobre duas rodas e coberta por um baldaquino, na qual há um homem coroado e levando um
cetro na mão direita. As rodas e a caixa são de cor carne com exceção do reborde superior
desta última, que é amarelo; um escudo com as letras S.M. está inscrito na sua cara frontal
(única visível)” (Cousté 135, grifos meus). Os cavalos, as rodas, a cor amarela e,
principalmente, as letras S.M. levam a pensar que Lispector se inspirou nesta carta do tarô
para planejar a cena. Esta carta, de suma importância no conto de Machado, aparece
novamente e de forma contundente n’A hora da estrela estabelecendo uma relação
intertextual sui generis.
As similitudes com a citação de acima (A hora 79) são
claras: a cor amarela, o carro e o cavalo são elementos que aparecem
no romance. Ainda mais significativo e evidente é o fato das letras da
carta, S.M., eis o possível motivo do sobrenome do narrador: Rodrigo
S.M.31 Levando a leitura deste achado ao limite, proponho que, como
mostra a carta, o motorista do carro que atropela e mata Macabéa não
é outro que Rodrigo S.M. Assim, esta leitura faz de Rodrigo
S.M.¾“Na verdade Clarice Lispector” (A hora 9) ¾o assassino de
“Macabéa [que] ao cair ainda teve tempo de ver, antes que o carro
fugisse, que já começavam a ser cumpridas as predições de Madama
Carlota” (A hora 80).32 Há certo tom irônico do narrador na morte de
Macabéa que é apresentada como uma boneca em suas mãos: “Eu
ainda poderia voltar atrás em retorno aos minutos passados e
recomeçar com alegria no ponto em que Macabéa estava de pé na
calçada” (80). S.M. rejeita um destino de felicidade para Macabéa.

30
É provável que Clarice pegue a cor do carro dos táxis amarelos do Rio de Janeiro.
A figura do chofer de táxi aparece com alguma recorrência n’ A descoberta do mundo (251-
52, 458). Esquenazi (156) assinala que a cor amarela é uma correlação esotérica de “O carro”.
31
Sobre o significado de S.M. há várias possibilidades. A primeira, que considera
S.M. como siglas de “Sua Majestade”. Uma segunda leitura alquímica em relação aos três
componentes básicos: Sulfeto ou enxofre, Mercúrio e Sal. Assim S.M. seria Sulfeto (enxofre)
e Mercúrio, na alquimia o enxofre e o mercúrio são sustâncias opostas, o sal é o termo meio,
nexo entre elas. O enxofre (masculino, quente, fixo, ativo) é a forma enquanto o mercúrio
(feminino, frio, volátil, passivo) é o movimento. Segundo Enrique Esquenazi nas correlações
esotéricas ‘O carro’: “é o sendero que liga a Binah (Entendimento. Saturno) com Gerubah
(Severidade. Marte). Entendimento da severidade” (156). Aqui temos outra possibilidade de
S.M.: Saturno e Marte.
32
Esta leitura oferece uma nova possibilidade de interpretação e questiona a proposta
de Silviano Santiago com a que parece concordar Nolasco (70) em relação ao significado das
letras S. M.
256 Ofício de adivinhos

Segundo a leitura de Cousté o carro estaria ligado à “Dominação, triunfo. Talento,


capacidade. O maestro que se faz obedecer. Progresso, harmonia” (59). Para Alejandro
Jodorowsky a ideia principal desta carta é “ação no mundo” (189).33 Efetivamente, Rodrigo
S.M. controla a ação no mundo ficcional de A hora da estrela. O leque de possíveis
interpretações que oferece a leitura das cartas em relação à narrativa é inesgotável.
É sabido que a estrela do título do romance, A hora da estrela, tem sido interpretada
em relação ao símbolo do Mercedes que atropela a Macabéa, ou seja, a hora do atropelo, da
morte. A leitura que aqui proponho é que a estrela faz referência, no contexto da cartomancia
do fim do romance, ao arcano XVII do tarô: A estrela.

Segundo Cousté a estrela estaria ligada à “Predestinação, esperança. Confiança na


imortalidade. Idealismo. Estética. Amor pela beleza” (58). Jodorowsky salienta que a ideia
principal deste arcano seria a de “atuar no mundo, achar o lugar” (253), ideia que encaixa
com a constante procura de Macabéa no romance.34 A tirada de cartas que subjaz no fim do
romance seria a seguinte:

33
Para mais informação sobre O Carro, remito a Jodorowsky (188-193), Cousté
(135-140) e Esquenazi (155-57).
34
Para mais informação sobre o arcano XVII, A Estrela, remito a Jodorowsky (252-
57), Cousté (186-90) e Esquenazi (179-82).
Rafael Climent-Espino 257

São quase os mesmos elementos compositivos do conto de Machado. N’A hora da


estrela a tirada de cartas com os arcanos do tarô é similar: 1- Arcano VI- O Namorado (=
triángulo amoroso Macabéa, Olímpico, Glória) 2- Arcano XXII- O Louco: (= Madama
Carlota) 3- Arcano VII- O Carro (= o Mercedes que atropela e mata a Macabéa) 4- Arcano
XVII- A Estrela: a moça do naipe representa à própria Macabéa e a estrela acima o símbolo
do Mercedes, elemento diferenciador com o conto de Machado.
Tanto n’ “A cartomante” quanto n’A hora da estrela há duas propostas narrativas:
por uma parte a dos narradores, por outra a das cartomantes. A leitura das cartomantes, para
desgraça dos personagens, é errada. Elas, narradoras singulares, optam por fazer uma leitura
positiva do destino dos personagens, mas não Rodrigo S. M. e o narrador de “A cartomante”
de Machado. Vejamos, finalmente, como a proposta de Bettencourt é uma leitura diferente
de uma tirada de cartas similar. O ofício de escritor se mostra assim como um ofício de
adivinhos.

Recolher as cartas: emulação e intertextualidade n’ “A cartomante” de Lúcia


Bettencourt

Começo este apartado com as palavras de Bettencourt que situam a Machado como
uma influência central na produção da autora:
Eu não tenho nenhuma restrição a Machado, acho Machado um gênio da
literatura, acho que ele é um grande escritor que merecia muito mais estudo
e conhecimento do que ele tem, ele é extraordinário. Clarice... ela é uma
escritora que eu nem li todos os romances de Clarice não, eu não sou uma
clariceana [...] os contos eu acho que li todos, mas os romances... A hora
da estrela eu li, A paixão segundo G.H. também li, mas eu acho que foi só,
não li mais. O que eu acho que existe em Clarice que algumas histórias
dela são tão fortes e são tão dialogais com Machado... porque a Clarice é
machadiana também. As pessoas podem até não reconhecer, mas a Clarice
tem muita coisa de Machado. Através de Machado eu cheguei a Clarice e
então é essa simbiose, claro que existe uma admiração. (“Lúcia Bettencourt
at San Diego State University”)
Há aqui um triângulo literário: Machado, Lispector e Bettencourt. Interessa o fato de
Bettencourt chegar a Lispector através de Machado pois, como assinalo a seguir, há mais
semelhanças entre os textos de Bettencourt e Lispector que entre “as cartomantes” de
Bettencourt e Machado. A escritora carioca tem falado em várias ocasiões sobre a ligação de
sua técnica de escrita com a literatura: “Sou uma pessoa muito ligada à literatura, sempre
gostei muito de literatura. E os meus contos têm uma espécie de diálogo com livros, com
autores e com situações literárias” (“Lúcia Bettencourt”), Bettencourt avisa de que para fazer
uma análise de sua obra será preciso olhar com atenção questões de intertextualidade. Essa
ligação com a literatura é óbvia na coletânea A secretária de Borges, à qual pertence “A
cartomante”, cujo título faz referência a Borges, escritor extremamente complexo em
questões de intertextualidade se pensarmos, por exemplo, em “Pierre Menard, autor do
258 Ofício de adivinhos

Quixote” de Ficções (1944).35 Ao estabelecer essa ligação com Borges, Bettencourt cria, de
forma proposital, uma rede potencial de conexões com outros textos literários que vai fazer
ao leitor redimensionar os limites da interpretação do texto. No conto “A cartomante” há uma
clara tentativa de filiação por parte da autora com os trabalhos de dois dos mais grandes
escritores brasileiros: Machado e Lispector.
No caso de Lispector e Bettencourt, sugere-se que as cartomantes são prostitutas,
fato que não acontece no conto de Machado. Embora a autora afirme ser mais machadiana
do que clariceana, o texto de Bettencourt tem muito mais a ver com A hora da estrela do que
com o texto de Machado apesar de o título ser uma alusão (Genette 14) clara ao relato do
autor de Dom Casmurro. Todavia, o argumento e a situação descrita é uma emulação de A
hora da estrela. A descrição kitsch de Madama Carlota (A hora 72) e a vida ligada à
prostituição¾“Ai que saudade da zona! Eu peguei o melhor tempo do Mangue que era
frequentado por verdadeiros cavalheiros. Além do preço fixo, eu muitas vezes ganhava
gorjeta [...] quando eu já estava ficando muito gorda e perdendo os dentes, me tornei caftina”
(A hora 75)¾reflete no conto de Bettencourt onde a cartomante, Mme. Olenska, é um travesti
que se prostitui36: “Ele não devia ter vindo. ‘Que vergonha!’ Uma cartomante travesti, a
vizinha do lado julgando que ele era um ‘amigo’” (A secretária 91). A descrição feita de
Mme. Olenska é, como n’ A hora da estrela, kitsch: “Mme. Olenska voltou. Tinha passado
um batonzinho básico, vestido um penhoar cheio de babados, inspirado em alguma fantasia
rumbeira dos anos 50” (92). O jeito de desenhar a cartomante emula claramente o texto de
Lispector.
Apesar do fim trágico, o conto tem um forte componente humorístico após conhecer
que Mme. Olenska é um travesti, informação omitida pelos amigos que tinham aconselhado
a visita: “Os amigos diziam que ela era extraordinária. ‘Parecia até que me conhecia’ foi o
comentário de uma colega” (90). Ao saber que a cartomante é travesti e se prostitui a leitura
dos conselhos se torna ambígua: “ela era extraordinária” em que sentido? Há aqui uma
possível brincadeira dos amigos que o enviam não se sabe se à cartomante ou ao travesti que
se prostitui.
No conto de Bettencourt, o personagem anônimo parece querer saber sobre seus
relacionamentos íntimos, a tirada de cartas é a seguinte: “Faça o favor de partir o baralho em
três [...] e agora parta este montinho do meio mais duas vezes, e coloque assim, em formato
de cruz” (93). Tirar as cartas em formato de cruz é uma das formas mais populares de leitura,
é conhecido como o Método de Péladan, Guaita e Wirth.37 Nesse método cada carta está
ligada a uma ideia:

35
O título do último romance de Bettencourt também tem um apelo a outro
conhecido escritor: O regresso, a última viagem de Rimbaud (2015).
36
É possível que a autora tenha escolhido o nome da cartomante de Ellen Olenska,
mulher fatal e protagonista do filme A época da inocência (1993), interpretada por Michelle
Pfeiffer.
37
Para mais informação sobre este método se pode consultar Cousté (68-73) e
Jodorowsky (556-57). Sobre o método da cruz céltica remito a Enrique Esquenazi (246-49).
Rafael Climent-Espino 259

3
Discussão
(Juízo)

1 5 2
Afirmação Síntese Negação
(Pro) (Contra)

4
Solução
(Sentencia)

Assim, as cartas que aparecem no conto de Bettencourt ficariam da seguinte forma:


A rainha de copas e a rainha de espadas. Uma é mais distante do que a outra
[...] infelizmente [...] Tem esse valete de paus que se intromete entre você
e uma delas [...] Mas, veja. Olhe bem este rei de ouros. Ele está numa
posição benévola, e pode lhe abrir muitos caminhos. [...] Cuidado com o
dois de paus. Muito cuidado, pois é uma carta maléfica. Simboliza alguma
catástrofe: perda, roubo, até morte. (A secretária 93-94)
O dois de paus final é a carta que sintetiza a leitura feita pela cartomante. Poucas linhas
depois, saberemos que, por primeira vez, a cartomante está certa na predição do que
acontecerá com o personagem: a morte.

No fim do conto, após o personagem principal, como Macabéa, ser atropelado por
um carro é que uma nova carta vai finalizar a tirada: “A última coisa que notou foi o letreiro
260 Ofício de adivinhos

luminoso de um bingo, onde se destacava, piscando, o desenho de uma carta de baralho. Mas
era um ás de ouros” (95):

Se pensarmos nos elementos compositivos do conto, são os mesmos elementos achados n’“A
cartomante”, de Machado, e A hora da estrela, de Lispector, embora apareçam em ordens
diferentes: namorados, cartomantes, tílburi/carroça/carro, morte. Assim, voltando às cartas
do tarô temos praticamente os mesmos naipes, com a diferencia final do ás de ouros, a moeda
dourada que representa o sol. Esquenazi assinala que a estrela “pode ser guia que dirige ao
reino do sol” (180), há aqui um vaso comunicante entre o romance de Lispector e o conto de
Bettencourt:

O ás de ouros tem a equivalência com o arcano XVIII do tarô: o Sol. Assim, se no romance
de Lispector o final se liga à estrela, no conto de Bettencourt a ligação é com ás de ouros: o
sol. Segundo Jodorowsky, nessa carta “O calor do sol está sempre disponível para todos.
Contudo, não esqueçamos que um excesso de sol produz a morte, a sequidão” (269).38 Como
n’ “A cartomante” de Machado e n’ A hora da estrela de Lispector os elementos compositivos
n’ “A cartomante” de Bettencourt são praticamente os mesmos.

Conclusão

Ao interpretar os textos à luz das cartas e as cartas à luz dos textos e mostrar que
Machado, Lispector e Lúcia Bettencourt conheciam e tiveram contato direto com a

38
Sobre o arcano do Sol remito a Jodorowsky (265-69) e Cousté (196-99).
Rafael Climent-Espino 261

cartomancia, não é disparatado pensar que poderiam ter trabalhado com os arcanos do tarô
na gênese textual de suas ficções, esses naipes parecem ter sido o baseamento primigénio dos
textos analisados. 39 Concluo salientando, primeiro, a importância dos temas esotéricos
dentro da literatura brasileira; em segundo lugar é preciso, como mostrei, fazer análises de
caráter transversal entre escritores de épocas diferentes, pois possibilita um entendimento
geral da matéria tratada. Finalmente, após examinar o tarô como subtexto nas três narrações
e mostrar que tem uma repercussão de primeira ordem na análise literária deles, proponho
levá-lo em consideração para futuros análises. O papel da cartomancia na literatura brasileira
desde uma perspetiva mais abrangente é uma pesquisa ainda por fazer.

Obras citadas

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Language of Fortune-Telling”. The Eastern Anthropologist 4.36 (1983): 287-308.
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39
Há recentes textos literários brasileiros que incluem cartas do tarô desenhadas
como elemento compositivo, é o caso do poemário A mão esquerda de Vênus (2016) de
Fernanda Young.
262 Ofício de adivinhos

Decker, Ronald, Michael Dummett, and Thierry Depaulis. A Wicked Pack of Cards: The
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