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CURIOSIDADES SOBRE O GRAU DE ALGUNS SUBSTANTIVOS

Os substantivos podem ser flexionados em grau – aumentativo ou diminutivo – expressando, de acordo


com quem os emprega, exagero, admiração, ironia, desprezo, afeto, carinho etc. Na oração “Ele levava
uma vidinha que não quero para mim”, o diminutivo “vidinha” expõe o desprezo por parte de quem fala.
Já em “Era um cãozinho que alegrava a casa”, o uso do diminutivo demonstra afeto obviamente.

Existem dois processos de formação do grau dos substantivos – o processo sintético ou o analítico. No
sintético, eu acrescento sufixos à forma normal, como gatinho / gatão; no analítico, utilizo adjetivos: gato
pequeno / gato grande. Até aí, nenhuma novidade… e nem é sobre isso que quero escrever hoje.

Quero chamar a atenção do leitor para o fato de que alguns substantivos no diminutivo ou no
aumentativo sintético acabaram por “se desgarrar” de sua forma original, adquirindo um novo
significado, como se fossem palavras novas e não derivadas de outras. Vamos a alguns exemplos para
que a coisa fique clara!

Um dos diminutivos possíveis de “folha” é “folhinha”. Com o passar do tempo, porém, esse vocábulo
passou a designar “calendário”, principalmente nos bairros onde os donos de padarias, quitandas,
empórios e açougues costumam presentear seus clientes com esses brindes que levam, claro, o nome do
estabelecimento – ao mesmo tempo em que presenteiam e cativam o freguês, fazem a propaganda de
seu negócio no início de cada ano.

Outro caso interessante vem a ser a palavra “cascão”. “Cascão” é o aumentativo de casca, lógico, mas
vamos notar que o termo passou a designar “sujeira” – lembro que a mãe da gente, quando chegávamos
do futebol na rua, mandava que os filhos entrassem logo no banho e “esfregassem bem o corpo para
tirar o cascão”. Fácil lembrar também do famoso personagem de Maurício de Souza, o amiguinho do
Cebolinha que detesta tomar banho e tem medo de água – Cascão, o simpático menininho cujo animal
de estimação é um porquinho.

Que tal nos lembrarmos de “cavalete”? “Cavalete” é um dos possíveis diminutivos de cavalo, é certo,
mas passou a nomear, entre outras coisa, uma “estrutura móvel, por vezes dobrável, com três pés, que
serve de suporte para tela, prancha de desenho, quadro negro etc.”, segundo o Dicionário Houaiss.

Mais um exemplo que me ocorre agora vem a ser “portão”. Basta lembrar que o termo é um dos
aumentativos de “porta”… mas já notaram que “portão” normalmente é um termo usado para a entrada
principal ou (secundária) de uma casa e, mais, que normalmente o portão (apesar do sufixo “ão”) é
menor do que a porta? O mesmo acontece com “salão”: embora seja o aumentativo de “sala”, nem
sempre suas dimensões são tão amplas assim. Casos há em que um “salão de beleza”, por exemplo, é
menor do que uma sala de estar de uma casa ou de um apartamento. O curioso é que, quando se usa o
termo “salão”, faz-se referência a um estabelecimento não residencial – salão de baile, salão de beleza,
salão de reuniões religiosas etc. Não se leva muito em conta a dimensão do recinto.

“Película” é um outro exemplo. Ainda que se use o termo para se falar de “uma pequena pele” ou “uma
pele muito fina”, a palavra ficou muito associada ao cinema, designando exatamente um filme. (Lembro
da primeira vez que li uma crítica no jornal na qual o autor usava “película”; eu era moleque e não
entendi nada…)

Quando se fala em “ferrão”, dificilmente se pensa no aumentativo de “ferro”. “Ferrão” passou a ser uma
palavra com sentido independente, uma palavra com a qual as pessoas se referem, por exemplo, à
extremidade pontiaguda presente na cauda dos escorpiões. É com o “ferrão” que ele inocula o veneno
em suas vítimas. Alguns insetos também possuem um “ferrão”.

A palavra “orelhão” é um outro exemplo que se encaixa aqui. Em décadas passadas pré-celular e com os
telefones residenciais custando o olho da cara, o telefone público era a solução para muita gente. Ele
normalmente ficava “protegido” pelo “orelhão”. Assim, o termo ganhou vida própria, designando
telefones públicos que, infelizmente, eram constantes alvos de vandalismo nas ruas do país. E aqueles
orelhões eram muito úteis – primeiro com fichas, depois com cartão… assunto certamente estranho para
a garotada de hoje.

No campo da (deliciosa) culinária, temos o “beijinho”. Para muitos frequentadores de festas de


aniversário, o doce de coco rivaliza com o brigadeiro como estrela da mesa de acepipes, como diria meu
avô. “Beijinho”, além de ser o diminutivo de “beijo”, é o nome da iguaria – mas, nesse caso, não se pode
dizer que tenha perdido seu significado original como os outros exemplos acima.

Se pararmos para pensar, muitos são os casos em que o diminutivo ou aumentativo adquiriram “vida
própria”. Quando se fala em “caixão”, não se está falando de uma “caixa grande”: para isso, usamos
“caixona” – “caixão” remete-nos imediatamente ao campo semântico da morte. Quando usamos o
termo “lingueta”, dificilmente estamos nos referindo a uma “língua pequena”, pois “lingueta” seria “uma
espécie de ferrolho pequeno para trancar porta, janelas etc.”, segundo o mesmo Houaiss.
Mais um exemplo? “Cartão”. Não utilizamos esse termo para falar de uma carta longa, volumosa,
composta de muitas páginas. O “cartão” é mais consistente, feito de um material mais duradouro e,
ironicamente, é pequeno. Há o cartão comercial que dentistas, médicos, advogados etc. dão a seus
clientes.

E lembrei também do cartão postal, tão obsoleto hoje quanto um orelhão – o celular, quem diria,
sepultou os dois!

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