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A inclusão de crianças
com deficiência
na educação infantil
Entrevista Reportagem Artigo ve
mbro200
No
44
7
revista criança
Mini
Revista Criança
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expediente
Presidência
Ministério da Educação
Secretaria Executiva
Consultora Editorial
Vitória Líbia Barreto de Faria
Jornalista Responsável
Adriana Maricato - MTB 024546/SP
Editor
Alex Criado
Reportagem
Angélica Miranda, Íris Carolina, Neuracy Viana, Rafael Cristiano Ely, Rita de Biaggio
Direção de Arte
TDA Comunicação
Diagramação
Joana França
Fotografias
Adilvan Nogueira, Gabriel Lordêllo, Marcelo Vittorino, Ronaldo Barroso, Tasso Leal
Revisão
Roberta Gomes
Foto Capa
Adilvan Nogueira, Creche Municipal Sonho Encantado, Palmas (TO)
Ministério
da Educação
sumário
5 19 34
4 carta ao professor
5 entrevista
Consciência ecológica se aprende com o pé no chão
9 caleidoscópio
Alfabetização e letramento: a experiência de São Luís
A brincadeira como experiência de cultura na educação infantil
Um currículo centrado na arte
19 matéria de capa
A inclusão de crianças com deficiência cresce e muda a prática
das creches e pré-escolas
27 artigo
Revista Criança completa 25 anos de circulação
30 relato
Entre o encontro de objetos e a busca de sujeitos
34 reportagem
Fundeb amplia financiamento e inclui cheches e pré-escolas
38 resenha
40 notas
41 cartas
revista criança 3
carta ao professor
Boa leitura!
4 revista criança
entrevista
Léa Tiriba
Consciência ecológica
se aprende com o
pé no chão
Angélica Miranda | Rio de Janeiro/RJ
revista criança 5
entrevista
Confinamento e controle
6 revista criança
entrevista
espaços abertos, as crianças “ficam mais livres” e, portanto, mais “difíceis de con-
trolar”. Tal necessidade, segundo a professora, leva a uma pedagogia que privi-
legia os espaços fechados. “A própria formação dos educadores é pensada
tendo os espaços das salas como referência”, conclui.
Outro fator que impede o contato com a natureza é um fenômeno que
Léa chama de “ideologia do espaço construído”. A crescente demanda
por creches e escolas resulta na ocupação de todos os espaços do
terreno com edificações. O ar livre é tomado por novas salas, as áreas
verdes somem, as crianças ficam emparedadas. Isso ocorre não só
pela falta de recursos econômicos, mas também “por uma política as-
sistencialista equivocada, que visa estender a cobertura do atendimen-
to sem assegurar qualidade de vida”.
Além do mais, a professora chama a atenção para o fato de que costu-
ma-se valorizar o aprendizado concreto em detrimento da oferta de vivên-
cias, de experiências emotivas e de sensações que só a natureza pode pro-
porcionar. Essa alternativa não ocorre porque, segundo Tiriba, “os sentimentos
não servem para confirmar o que foi trabalhado de forma sistemática”.
As crianças, por sua vez, têm verdadeiro fascínio pelos espaços externos por-
que eles são o lugar da liberdade. Ao ar livre, as vivências suscitam encontros e as
disputas são amenizadas.
Supervalorização do intelecto
Segundo Léa Tiriba, paradigmas como esses vêm sendo repetidos nas práticas das salas de aula
há pelo menos trezentos anos: “Foi dessa forma que chegamos ao estado de estranhamento entre
natureza e ser humano. Não nos percebemos mais como parte de um todo planetário, cósmico.
Confirmou-se uma visão antropocêntrica que atribui ao ser humano todos os poderes sobre as
demais espécies. Acreditamos ser proprietários da natureza, os grandes administradores do
planeta”, afirma.
A razão, segundo a professora, sobrepôs-se aos ritmos naturais, vistos como obs-
táculos para um espírito pesquisador, desvendador de todos os mistérios da vida.
Um espírito capaz, até mesmo, “de determinar os rumos da história”. A supervalo-
rização do intelecto resultou no desprezo pelas vontades do corpo, provocando
o divórcio entre corpo e mente. Para ela, as relações com a natureza, vitais e
constitutivas do humano, são pouco valorizadas porque o homem moder-
no foi se desgarrando de suas origens animais, sensitivas, corpóreas.
Disciplina e alienação
revista criança 7
entrevista
de forma que possa harmonizar o porque produz corpos dóceis e Desconstruir para
sentir e o pensar. Um sistema aten- disciplinados. Assim, “alienado sobreviver
to às vontades do corpo, que não da realidade natural e da realida-
aprisione os movimentos e que es- de corporal-espiritual, o modo Léa Tiriba chama a atenção
timule a liberdade de expressão. de funcionamento escolar contribui para o fato de que os educado-
“O professor deve sempre se para o aprofundamento de uma ló- res se preocupam em definir as
perguntar se está aproveitando gica que produz desequilíbrios no políticas sobre edificações, orga-
tempo e espaço de forma sau- plano das três ecologias”. nização das instituições, projetos
dável e positiva. Criança precisa pedagógicos e propostas de for-
de um ambiente alegre e criativo. mação profissional. Mas os pátios
Quando determinamos hora exata Degradação ecológica abertos raramente são menciona-
para comer, ir ao banheiro, brin- dos. “A necessidade de contato
car etc., criamos um imperativo Em sua tese de doutorado, com a natureza não está clara em
pedagógico que aliena os ritmos Léa Tiriba foi buscar na História a documentos, diretrizes, padrões
internos delas e altera o equilíbrio origem da degradação ambiental de infra-estrutura ou propostas
de sua ecologia pessoal.” que ameaça a vida no nosso pla- pedagógicas”, critica ela.
Uma das inspirações para neta. Para isso, foi preciso com- No entanto, a professora lem-
sua pesquisa é o conceito de preender como se concretizou a bra que as instituições educacio-
ecosofia, formulado pelo filóso- separação entre seres humanos nais são espaços perfeitos para
fo Félix Guattari. A ecosofia ar- e natureza, ao longo da história desconstruir e reinventar estilos
ticula as ecologias pessoal, so- do ocidente. Segundo ela, “as de vida. Particularmente, as ins-
cial e ambiental. Léa explica que origens históricas e filosóficas do tituições de educação infantil são
“a ecologia pessoal diz respeito nosso estilo de vida resultaram em campos férteis para as revoluções
à qualidade das relações de cada um modelo de desenvolvimento moleculares propostas por Félix
ser humano consigo mesmo; a que produz, ao mesmo tempo, Guattari. Isso porque as crianças
ecologia social está relacionada desigualdade social, desequilíbrio pequenas ainda não sofreram
à qualidade das relações dos se- ambiental e sofrimento pessoal”. inteiramente os efeitos da insti-
res humanos entre si; e a ecologia A partir da Revolução Industrial, tucionalização escolar. Portanto,
ambiental diz respeito às relações passamos a pensar que o homem “são mais flexíveis e abertas às
dos seres humanos com a natu- é superior à natureza e não parte possibilidades de subversão e
reza”. Reunidos, esses registros integrante dela. transgressão de práticas que sus-
ecológicos expressam as dimen- A professora entende que “as tentam a lógica capitalista”, afirma
sões da existência. E, portanto, conexões que se estabeleceram a educadora.
definem equilíbrios ecosóficos que entre a economia, a ciência e Para se alcançar um novo
expressam a qualidade de vida na a filosofia formaram uma nova equilíbrio ecosófico, Léa sugere
Terra. A partir desta referência, a rede de conceitos e de valores que, além de qualquer curso ou
professora chegou ao seguinte que vem dando sustentação seminário de formação, é neces-
questionamento: qual a qualidade ideológica a uma forma de or- sário transformar nossos valores.
das relações de cada ser humano ganização social voltada para a Ela prega mudanças nos padrões
consigo mesmo, com os outros acumulação de bens”. A partir de consumo; a desconfiança do
humanos, e com as outras espé- de então, a natureza passou a poder explicativo do racionalismo
cies que habitam a Terra? ter apenas valor comercial. Tudo científico; a superação do antro-
De acordo com Léa, a estra- que vem da terra é visto como pocentrismo e da ideologia do
tégia de emparedamento das matéria-prima a ser transforma- trabalho como fonte de aprimora-
crianças serve ao capitalismo da em bem de consumo. mento humano.•
8 revista criança
caleidoscópio
Neste Caleidoscópio, damos continuidade à discussão
iniciada na última edição da Revista Criança sobre o currí-
culo na educação infantil. O desdobramento do tema leva
em conta o grande desafio que está colocado para a edu-
cação infantil em relação à construção de um currículo que
atenda às necessidades de cuidado e de educação das
crianças de 0 até 6 anos. E também a grande diversidade
de abordagens sobre o assunto.
A fim de participar deste Caleidoscópio, convidamos as
professoras Eliane Maria Pinto Pedrosa e Rosa Constância
Abreu, respectivamente coordenadora pedagógica e supe-
rintendente de educação infantil da Secretaria Municipal de
Educação de São Luís (MA), para mostrarem a importância
de um currículo focado na alfabetização e letramento para
que as crianças possam participar e usufruir dos espaços e
dos bens disponibilizados pelo mundo letrado.
Já a professora Ângela Meyer Borba, da Universidade
Federal Fluminense, defende um currículo para a educação
infantil que considere a brincadeira como forma privilegia-
da de interação da criança com outros sujeitos e com os
objetos da natureza. Segundo ela, brincando, elas se apro-
priam criativamente de formas de ação social tipicamente
humanas.
Por sua vez, a professora Josely Pereira Lôbo, da Escola
Municipal Henfil, de Belo Horizonte (MG), afirma que o eixo
central de um currículo para a educação infantil deve ser a
arte, uma vez que é por meio dela que as pessoas podem
comunicar o que vêm, pensam, sentem e imaginam.
caleidoscópio
Alfabetização e letramento: a
experiência de São Luís
Eliane Maria Pinto Pedrosa*
Rosa Constância Abreu*
Trabalhar com um currículo fo- Mobilizado por essa intenção, Ambiente alfabetizador
cado na alfabetização e no letra- o Programa vem produzindo, pro-
mento não é um processo fácil, gressivamente, resultados mar- Já é possível perceber, nes-
mas quando se tem um gran- cantes nas escolas da rede como sas instituições, a criação de um
de objetivo, todo esforço vale a um todo. Entretanto, nos limites ambiente alfabetizador, que se
pena. Principalmente quando o deste texto, focalizaremos as uni- expressa tanto na organização
desafio significa garantir a todas dades de educação infantil, que da escola e das salas de aulas,
as crianças e jovens o direito de compreendem 75 escolas e 12 quanto na sistematização crite-
aprender a ler, a escrever e a usar anexos, atendendo 15.869 crian- riosa de rotinas e no desenvol-
nossa língua em diferentes con- ças de 4 e 5 anos e 1.711 crian- vimento de atividades didáticas.
textos e situações. Isso como ças de 3 anos, em creches. Esse ambiente alfabetizador tem
condição imprescindível para que Um aspecto muito importante propiciado, em processo crescen-
continuem aprendendo e possam neste processo, e que possibili- te, a compreensão e a valorização
participar e usufruir dos espaços tou decisões fundamentais so- da cultura escrita, a apropriação
e dos bens disponibilizados pelo bre o caminho que vem sendo do sistema alfabético, o desenvol-
mundo letrado. percorrido, é o entendimento vimento da oralidade e da prática
Foi essa compreensão que apresentado por Soares (2003) de leitura e de produção textual.
moveu a Secretaria Municipal de de que é necessário assegurar Como forma de garantir ade-
Educação (Semed) de São Luís, aos alunos, de forma articulada, quadamente esse processo, é
no Maranhão, a priorizar, nas es- a conquista do princípio alfabéti- realizado o diagnóstico sobre os
colas de educação infantil e do co da língua e a condição plena conhecimentos que as crianças
ensino fundamental, um currículo de inserção e de participação na já possuem a respeito da escrita.
voltado para alfabetização e le- cultura escrita. Isso possibilita a organização de
tramento dos meninos, das me- Compreendemos que as de- agrupamentos produtivos, a se-
ninas, dos jovens e adultos que cisões devem levar em conta a leção de atividades e as interven-
atende. Decisão que já vinha se complexidade do processo, sem ções pedagógicas que favoreçam
desenhando anos antes, a partir descuidar dos outros campos de o avanço das crianças.
de grupos de estudos, oficinas saberes que compõem o currícu- Para potencializar a aprendiza-
e cursos, mas que alcançou di- lo da educação infantil. E é nesse gem do ler e do escrever, são da-
mensões maiores quando, no sentido que as escolas de educa- das oportunidades aos alunos de
ano de 2002, a Semed implantou ção infantil da rede municipal de contatos com uma diversidade de
o Programa “São Luís Te Quero ensino de São Luís caminham. textos, priorizando-se os que eles
Lendo e Escrevendo”.
* Eliane é coordenadora pedagógica das UEB Dayse Linhares de Sousa e Paulo Freire, da rede municipal de ensino de São Luís (MA).
* Rosa é superintendente da área de educação infantil da Semed de São Luís (MA).
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caleidoscópio
já conhecem de memória, como compartilhada com os alunos e que permitiu às crianças, simulta-
as parlendas, as canções e as po- exercício de práticas autênticas neamente, a produção de textos, a
esias. A partir desses textos, são com a língua escrita, mas, so- prática da leitura e o desenvolvi-
apresentadas situações que lhes bretudo, porque têm favorecido, mento de capacidades relativas à
permitem refletir sobre a escrita, simultaneamente, a apropriação linguagem musical.
mobilizar estratégias de leitura e de conteúdos das outras áreas Ainda estamos caminhando, mas
avançar na compreensão do fun- do conhecimento que compõem os bons resultados já são evidentes.
cionamento da língua. o currículo da educação infantil. Nessa travessia, cada escola busca
Para a efetivação de prática Como exemplo, podemos ci- uma forma particular de traçar o seu
educativa de tamanho alcance, tar o Projeto dos pregoeiros, que, percurso. O que existe em comum
uma das ações estratégicas do articulando os eixos de Lingua- é que todas, na condição de apren-
programa é a formação continua- gem oral e escrita e de Nature- dizes, aprendem a fazer fazendo,
da dos profissionais. Tais ações se za e sociedade, culminou com a subsidiadas pela reflexão perma-
revelam, fundamentalmente, mo- elaboração de um livro intitulado nente, pelo estudo e pelas deci-
mentos de reflexão sobre a prática, A arte de pregoar. As crianças sões coletivas.
de compartilhamento de idéias e leram textos, elaboraram e rea- Enfim, esse programa está re-
inquietações, de desestabilização lizaram entrevistas, registraram vestido do desejo de acertar, bus-
de conceitos e de aprofundamento observações, produziram e revi- cando a qualidade que assegure
e ampliação de questões teóricas saram textos para compor o livro. às crianças a habilidade de usar a
e metodológicas. Uma preocupa- Assim, à medida que adquiriam língua escrita, como leitores e es-
ção fundamental é a organização conhecimento sobre a língua, elas critores autênticos e plenos.•
de atividades que favoreçam uma aprendiam também sobre o modo
relação prazerosa do professor de ser e de viver desses trabalha-
com a leitura e a escrita, condi- dores ambulantes que tanto lhes
BIBLIOGRAFIA
ção determinante para assegurar a seduzem quando dizem versos
possibilidade dos alunos se torna- encantadores, conhecidos como MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
Federal. Referêncial Curricular Nacional
rem leitores e escritores de fato. pregões, para vender seus produ- para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
tos pelas ruas de nossa cidade. Semed – Prefeitura de São Luís. Programa
São Luís te Quero Lendo e Escrevendo,
Outro projeto muito interessan- 2002.
Bons resultados te foi o Nas asas do carcará, ar- SOARES, Magda. Letramento e escolari-
zação. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.).
ticulado em torno da música e da Letramento no Brasil. São Paulo: Global
Os projetos didáticos têm ocu- linguagem. O projeto resultou em Editora, 2003.
PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy;
pado lugar especial nesse con- coral com as canções do grande PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.).
Literatura e letramento: espaços, su-
texto, não só pela possibilidade artista maranhense João do Vale. portes, interfaces – o jogo do livro. Belo
do planejamento, da execução Foi uma experiência enriquecedora Horizonte: Autêntica Editora, 2003.
revista criança 11
caleidoscópio
* Doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é professora e membro do grupo gestor da Creche UFF.
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caleidoscópio
Ampliar as experiências entre as crianças e destas com a construção com areia, ou em uma
natureza e com a cultura? Ou, ao atividade de desenho ou qualquer
É preciso ultrapassar o trabalho contrário, os espaços e os tem- outra forma de expressão gráfica.
centrado apenas em conteúdos pos de brincar têm sido crescen- Isso porque em todas essas ativi-
específicos. O que isso signifi- temente reduzidos à medida que dades ela tem a possibilidade de
ca? Quando pesquisamos com as crianças avançam nas suas fazer escolhas, tomar decisões,
as crianças, por exemplo, sobre idades e segmentos escolares? experimentar, descobrir, aprender,
abelhas, mais importante que Vejamos uma situação relata- transformar, atribuir novos senti-
aprender a classificá-las é aguçar da pela mãe de uma criança de dos às coisas.
sua curiosidade sobre o ambiente 5 anos: A escola, entretanto, ao organi-
natural e sobre os conhecimentos zar sua rotina e planejar atividades
científicos, incorporar atitudes de João chega em casa da es- pedagógicas, separa a brincadei-
preservação da natureza, apren- cola com uma expressão tris- ra do trabalho e também o prazer
der a trabalhar de forma coopera- te e senta-se no sofá pensativo. do conhecimento. Será que essas
tiva, reconhecer que se pode sa- A mãe pergunta: dimensões não podem estar arti-
ber mais nos livros, na internet ou - O que aconteceu, João? culadas no trabalho com a crian-
dialogando com outras pessoas e Ele responde: ça? Como organizar o cotidiano
especialistas, apropriar-se de dife- -Eu não tô gostando nada des- da educação infantil de modo a
rentes formas de argumentar, re- sa minha vida. Agora não dá mais garantir a brincadeira como ativi-
gistrar e comunicar seus saberes tempo de brincar. Hoje foi só um dade significativa, inseparável do
por meio da escrita, da oralidade, pouquinho no lanche. processo de construção de co-
do desenho etc. A mãe perguntou o que ele ti- nhecimentos, comunicação e in-
Assim, a criança não estará nha feito na escola e João fala que terações sociais?
simplesmente incorporando con- ficou escrevendo letras e palavri-
teúdos, mas ampliando suas ex- nhas.
periências e se apropriando de Ações para o brincar
formas de pensar, de conhecer e Que fatores levam à perda do
de agir sobre o mundo. Do mes- espaço da brincadeira? Por que Uma ação importante é a or-
mo modo isso ocorre por meio da as práticas voltadas para o ensi- ganização dos espaços de
brincadeira, quando as crianças no vão cada vez mais limitando as forma a disponibilizar brinquedos
representam, por exemplo, ce- brincadeiras e as interações so- e materiais para as crianças, ofe-
nas da vida cotidiana, assumindo ciais das crianças com seus pares recendo diferentes possibilidades
papéis, construindo narrativas, e com o ambiente ao seu redor? de interação e de significado. Os
apropriando-se e reinventando Basta observar com atenção uma espaços da educação infantil de-
práticas sociais e culturais. criança interagindo com o am- vem ser alegres, aconchegantes e
Mas perguntamos: será que os biente no seu entorno e consta- acolhedores, de forma a apoiar os
avanços já identificados em mui- taremos que ela é capaz de se movimentos e as relações sociais
tas propostas curriculares e os envolver com igual alegria, prazer, das crianças, incentivando sua
discursos pedagógicos voltados concentração e investimento em autoria e autonomia na formação
para a infância vêm efetivamente uma brincadeira com bola, em de grupos e construção de suas
se concretizando? As crianças uma brincadeira de faz-de-conta, brincadeiras. Desse modo, é ne-
têm sido apoiadas e incentiva- em uma observação curiosa e cessário que estimulem suas ca-
das a brincar? Os espaços e os investigativa da natureza como, pacidades de imaginar e de criar
tempos das instituições propiciam por exemplo, olhar o trabalho das diferentes cenários, narrativas, si-
interações lúdicas significativas formigas, em uma atividade de tuações, papéis e construções.
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caleidoscópio
14 revista criança
caleidoscópio
A Escola Municipal Henfil de Cada turma tem quatro horas conhecido, observado, explorado,
educação infantil atende crian- semanais destinadas às aulas de interpretado e ressignificado pelas
ças na faixa etária de 3 a 5 anos artes distribuídas em dois módulos crianças. Assim, contribuímos para
e tem como objetivo central de- de duas horas. Com o intuito de que descubram seu próprio poten-
senvolver as várias dimensões do garantir a vivência direta de todas cial, enriqueçam-se estética e espi-
sujeito educando, preocupando- as professoras com o trabalho de ritualmente, tenham autoconfiança,
se com a totalidade da forma- artes, propusemo-nos a realizar um tornem-se autônomas e se certifi-
ção humana. Para alcançar essa rodízio de dois em dois anos. Preo- quem de que hoje elas são “peque-
meta, a escola tem considerado cupamo-nos muito com a formação nas grandes” artistas.
como eixo central de seu currícu- em serviço. Para essa formação, te- Procuramos propiciar momen-
lo o trabalho com as artes e suas mos encontros semanais nos quais tos de observação, sensibilização,
múltiplas linguagens. Acredita-se discutimos questões relacionadas exploração, experimentação e cria-
que por meio delas as pessoas às turmas, projetos específicos da ção, valorizando o trabalho de cada
podem comunicar um pouco do sala e da “Oficina de Artes”, trocas criança. A participação das famí-
que vêem, pensam, sentem, ima- de experiências, estudos etc. Pro- lias por meio da apreciação, visita
ginam. A escola como um todo se curamos, também, sempre ampliar às nossas exposições, oficinas na
expressa artisticamente. o acervo bibliográfico, até mesmo o escola e auxílio no “Para casa” tam-
Nesse contexto, desde o início repertório de artistas, tendo sempre bém fortaleceram o trabalho.
da Escola Henfil, há dez anos, ar- os Referenciais Curriculares à mão. No início do ano, desenvolvemos
ticulamo-nos e lutamos pela cons- muitas técnicas com as crianças,
trução de uma sala específica para utilizando materiais variados, tendo
aulas de artes. Hoje, contamos Tarsila do Amaral como objetivo a exploração e a ma-
com a “Oficina de Artes” com uma nipulação. Nos meses seguintes,
estrutura que favorece a explora- No início de 2006, as três profes- trabalhamos com desenhos livres
ção, a experimentação e a criação soras da “Oficina de Artes” desen- e dirigidos, modelagem, poesias e
das crianças. Ela é ampla, rica em volveram, cada qual com sua turma, músicas que permearam o estudo
materiais variados (canetinhas, ca- um projeto, tendo em comum as das obras de Tarsila do Amaral.
netões, lápis de cor e de cera, pin- obras da artista brasileira Tarsila do As poesias escolhidas foram de
céis grossos e finos, tintas diver- Amaral. Nosso principal objetivo era Vinícius de Moraes. Interpreta-
sas, papéis coloridos de diferentes propiciar às crianças maior contato mos, recitamos e fizemos apre-
texturas, botões, linhas e lãs, areia com as múltiplas linguagens, por en- sentações com alunos de 3 anos.
colorida, bolinha de sabão, suca- tendermos que o vasto mundo das As obras foram registradas em um
tas, revistas, livros, brinquedos artes, seja pintura, desenho, escul- caderno que, durante o ano, foi
etc.) sendo muitos deles objetos tura, literatura, cerâmica, arquitetura, para casa para apreciação ou para
de fácil acesso das crianças, o que modelagem, dança, música, poesia, realização de alguma tarefa com a
ajuda em muito o trabalho. teatro, cinema, fotografia, deve ser participação das famílias.
* Professora de educação infantil da rede municipal de Belo Horizonte. Trabalha atualmente na Escola Municipal Henfil com Oficinas de Artes
para crianças de 3 a 5 anos.
revista criança 15
caleidoscópio
Utilizamos as cores primárias: riormente, mudei o enfoque me- entorno da Lagoa da Pampulha
azul, amarelo e magenta, mistu- todológico do projeto para não e o Parque José Lins do Rego.
rando-as para descobrir novas fazermos cópias e sim releituras Depois, construímos um painel
cores. As crianças quiseram sa- das obras, adequando-as à nossa do Brejinho como o encontra-
ber como fazer para clarear ou vivência e realidade social. mos e uma maquete da Lagoa
escurecer as cores. Daí passa- Manacá – Foi trabalhada com da Pampulha.
mos a usar o branco e o preto. as três turmas: após observação e Sol poente / a lua – Foram
Tais atividades de mistura das co- apreciação, levei para sala rosas, trabalhadas com a turma de 3
res proporcionaram momentos de margaridas, violetas e jardineiras anos, após a ida ao Brejinho, na
curiosidade, de criação, de alegria (gerânios). As crianças fizeram rodinha, planejamos fazer um
e de descobertas. desenho de observação das flo- painel do dia e outro da noite.
Para o trabalho das obras de res e usaram diferentes técnicas Enviei um “Para casa” pedindo
Tarsila do Amaral, expusemos vá- para pintá-las. a observação do dia e da noite
rias obras da artista na parede da A família – Foi trabalhada por dois dias e depois uma arte
sala, e as crianças demonstraram com as três turmas: em uma sobre a observação. No pátio da
curiosidade em saber quem era oficina de pais e alunos, obser- escola, deitamos no chão e por
ela, o que significavam aquelas vamos e conhecemos a obra. alguns minutos observamos o
pinturas. Em algumas obras elas Cada representante da família céu. Daí, representamos o céu
demonstraram mais interesse que fez com sua criança, o desenho de dia com o que apareceu na-
em outras. da sua família. queles instantes: céu azul de tons
Na rodinha, apresentei o auto- Auto-retrato – Foi trabalhada diferentes e com poucas nuvens,
retrato da artista e combinei com com as três turmas: observação, três pássaros, um avião e uma
as crianças que iria contar a his- formulação de hipóteses sobre borboleta. Usamos tinta guache
tória dela em capítulos (cada dia ”como ela conseguiu fazer ela fazendo misturas de azul claro,
um pouquinho). Ao conhecer um mesma?”. E frente ao espelho de azul escuro e de branco para
pouco de sua história e obra, sem- cada criança fez seu auto-retrato. pintar o céu. As nuvens foram de
pre chamava a atenção dos alunos A cuca – Foi trabalhada com algodão, os pássaros modelados
para observarem as cores, as for- a turma de 4 anos: após conhe- com massinha e peninhas colori-
mas, os tamanhos, as proporções, cerem a obra, organizei uma ex- das, e o avião foi também mode-
a realidade social e, a partir do cursão ao Brejinho com as três lado com massinha
interesse de cada turma, explora- turmas. O Brejinho é um espaço A feira – Foi trabalhada com
mos mais uma tela que outra. próximo à escola com área ver- a turma de 5 anos: visitamos um
Abaporu – Primeira obra ex- de. Queria que as crianças ob- sacolão em frente à escola e fize-
plorada, porque as crianças de- servassem o caminho da escola mos a representação, com argila,
monstraram grande interesse por até lá, a vegetação existente (ti- das frutas e legumes. Organiza-
ela. Após observação e história da pos de plantas e flores), o céu, mos uma exposição para a escola
tela, quiseram reproduzí-la. Então, os tipos de construção, a água e famílias.
dei o desenho xerografado e elas (nascente). Como encontramos Morro da favela – Foi traba-
o pintaram. Ao avaliarmos a ativi- o Brejinho abandonado e com lhada com a turma de 5 anos:
dade, na rodinha, demonstraram queimadas, elas quiseram apro- fizemos um painel coletivo repre-
satisfação com o produto final e fundar o estudo sobre o lugar sentando uma rua do bairro, com
passamos a discutir os medos in- e suas melhorias, mudando os casas, prédios, árvores, asfalto,
teriores. Depois, elas desenharam rumos do projeto com esta tur- carros, ônibus e pessoas, ade-
o monstro de cada uma. Poste- ma. Fomos também conhecer o quados à nossa realidade.
16 revista criança
caleidoscópio
descobertas ferentes, se usado na posição ho- OLIVEIRA, Jô; GARCEZ, Lucilia. Expli-
cando a arte brasileira. Rio de Janeiro:
rizontal ou vertical; Ediouro, 2003.
A avaliação ocorria ao término de • que ao pintar uma paisagem é mais MANGE, Marlyn Diggs. Arte brasileira
para crianças. 2 ed. São Paulo: Martins
cada atividade realizada, ajudando fácil pintar primeiro o céu, depois a fontes, 1996.
a definir os rumos do projeto. Em terra. E delimitar a linha do horizonte MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Governo
Federal. Referêncial Curricular Nacional
nossas aulas, o diálogo era cons- para depois fazer desenhos; para Educação Infantil, v. I, II e III, 1998.
SÁNCHEZ, Isidoro; BALLESTAR, Vicenç;
tante, seja no coletivo, nas rodinhas • que o trabalho fica ainda mais SÁBAT, Jord; MARUCCI, Liege M. S. Fa-
ou nas interações individuais, pos- bonito se ao final contornarmos, zendo Arte - Guache: Materiais, técnicas
e exercícios. São Paulo: Moderna, s/d.
sibilitando às crianças tornarem-se usando a cor branca ou preta. AZEVEDO, Heloiza de Aquino. Tarsila do
sujeitos do processo pedagógico. Ao realizarem estas atividades, Amaral - a primeira dama da arte brasi-
leira. Jundiaí (SP): Árvore do Saber, 2004.
Além disso, regularmente, as famí- as crianças estavam sempre ale- CUNHA, Sérgio. Arte, educação e
lias eram convidadas a participar da gres e entusiasmadas e gostavam projetos – Tarsila do Amaral para
Crianças e Educadores. Jundiaí (SP):
avaliação dos processos. muito do resultado final. O projeto Árvore do Saber, 2004.
A avaliação do desenvolvi- culminou com uma vernissage.
mento e aprendizagem ocorreu Apresentamos as obras das crian-
de forma permanente. Daí surgi- ças para toda a escola e para os
ram as dificuldades enfrentadas familiares, com uma bela apresen-
e as alternativas para melhorar tação artística delas.•
as atividades. Sempre com a fi-
nalidade de analisar os proces-
sos vividos e as construções rea-
lizadas, no sentido de reforçar as
aquisições de competências por
parte das crianças.
Estes trabalhos nos permitiram
fazer grandes e importantes des-
cobertas:
• que o céu possui vários tons
de azul;
• que podemos torná-lo mais claro
ou mais escuro, misturando tintas;
• que às vezes é melhor usar ro-
linho ou buchinha substituindo o
pincel grosso para pintar espaços
grandes ou pincel fino para pintar
espaços pequenos. E, para espa-
ços bem pequenos, usar também
cotonetes ou os dedinhos;
• que as nuvens escondem o sol
e o céu em dias de chuva;
• que a luz do dia, mesmo que
não apareça o sol, indica mais ou
menos a hora;
revista criança 17
professor faz literatura
Coragem
Maria Luiza dos Reis Teixeira*
Coragem
Força que brota no deserto
Vontade de que tudo dê certo
Ao viver uma situação caótica
Enxergar as coisas de diferente óptica.
Coragem
Para o erro reconhecer
Se necessário retroceder
Fazer uso da força motriz
Tornar-se um eterno aprendiz.
Coragem
Para os obstáculos enfrentar
Sem a mente turvar
Agir com lucidez
Deixar de lado a mesquinhez.
Coragem
Para se calar quando necessário
Saber respeitar o adversário
Perceber que o outro pode ter razão
Mesmo tendo outra opinião.
Coragem
Para perdoar e esquecer
Quando alguém se exceder
A visão alheia ignorar
Quando isso lhe prejudicar.
Coragem
Só no forte existe
E este não permite
Jamais se acovardar
Prefere sonhar e realizar.
* Professora municipal e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Presidente Olegário (MG).
18 revista criança
matéria de capa
A inclusão de crianças
com deficiência cresce
e muda a prática das
creches e pré-escolas
Rita de Biaggio | São Paulo/SP
revista criança 19
matéria de capa
Passado de segregação
20 revista criança
© Gabriel Lordêllo
pessoas com deficiência entre 0 e 17 anos fica em torno de 820 mil. matéria de capa
Dentre essas, cerca de 190 mil crianças fazem parte do público a ser
atendido pela educação infantil.
Historicamente, o atendimento educacional a crianças com defici-
ência era realizado apenas em escolas especiais, fato que trouxe con-
seqüências negativas e segregacionistas, pois se imaginava que elas
eram incapazes de conviver com crianças sem deficiência. “Hoje, com
a política de inclusão, a educação infantil é a porta de ingresso ao sis-
tema educacional para boa parte das crianças, devendo o atendimento
educacional especializado ser ofertado na própria creche ou pré-escola
em que a criança está matriculada”, afirma Cláudia Pereira Dutra, Se-
cretária de Educação Especial do MEC (Seesp). “Muitas vezes os pais,
por desconhecimento, resistem à inclusão, preferindo deixar seus filhos
em casa ou em escolas especiais. À medida que as práticas educacio-
nais inclusivas ganham maior visibilidade, as famílias entendem os be-
nefícios dos espaços heterogêneos de aprendizagem para seus filhos”,
assegura Denise de Oliveira Alves, Coordenadora-Geral de Articulação
da Política de Inclusão, da Seesp.
Programas e ações
revista criança 21
matéria de capa Crianças aprendem desde pequenas
a respeitar as diferenças
Responsabilidade coletiva
Mudança de mentalidade
22 revista criança
matéria de capa
© Gabriel Lordêllo
nado pelas coordenações pedagógicas, pelos livros didáticos, enfim,
por uma ‘inteligência’ que define os saberes úteis e a seqüência em
que devem ser ensinados”, analisa. “A divisão do currículo em disci-
plinas fragmenta e especializa o conhecimento e faz do conteúdo de
cada uma dessas matérias um fim em si mesmo e não um meio para
esclarecer o mundo em que vivemos e para entendermos a nós mes-
mos”, argumenta. “Com esse perfil organizacional, dá para imaginar o
impacto da inclusão na maioria das escolas, esta é uma prática que
tem de ser banida”, aconselha.
Resistência ao novo
revista criança 23
matéria de capa
24 revista criança
matéria de capa
© Adilvan Nogueira
Educação inclusiva desde a creche
Neuracy Viana | Palmas/TO
© Gabriel Lordêllo
Colega de classe colabora com o desenvolvimento de Hugo
Na ficha de matrícula do Centro Municipal de Educação Infantil Darcy Vargas, em Vitória (ES), ele é Hugo
dos Santos Oliveira, 6 anos, aluno do pré e portador de deficiências múltiplas. Na definição de sua coleguinha
de turma, Raissa Brisque Cunha, 6 anos, ele é “Huguinho, meu amigo com quem gosto de brincar de esco-
lher as cores”. A inclusão de crianças portadoras de deficiências no ensino infantil da cidade de Vitória ocorre
assim: as dificuldades ficam registradas nas fichas, mas a preocupação central é trabalhar toda a turma para
a prática colaborativa de aprendizagem.
A inclusão de crianças com necessidades especiais na educação regular exige informação especializada
para professores, escolas e pais, além de adaptações no currículo. Há pouco tempo, os alunos da Escola
Darcy Vargas encenaram uma peça sobre as lendas capixabas. Hugo, com suas deficiências motoras e sen-
soriais, participou como o “pássaro de fogo” que levava mensagens para o casal de apaixonados. A cadeira
de rodas de Hugo transitava de um lado para o outro do palco empurrada por uma amiguinha que, juntos,
representavam o pássaro. Hugo se divertiu, e a amiguinha mais ainda, “voando” com a cadeira pelo cenário.
A mãe, Rachel Pinheiro dos Santos, emocionada, repetia: “todas as crianças portadoras de deficiência deve-
riam ter o direito de experimentar o que meu filho está vivendo.”
A pedagoga Janete Roque Sobrinho acredita que a Escola Darcy Vargas ganha com a inclusão porque
pode construir relações afetivas. Ela sustenta que os alunos deficientes, 210 ao todo na rede infantil do mu-
nicípio, despertam na comunidade escolar a certeza de que as diferenças não os tornam desiguais em direi-
tos. A política da secretaria de educação de Vitória possibilita a presença de profissionais especializados em
todas as 45 escolas da rede. Eles orientam professores, pais e diretores no trabalho da inclusão e realizam
adaptações curriculares de tal forma que os alunos especiais possam ser contemplados.
Projetos fora do horário escolar, como oficinas de artes e de desenvolvimento de talentos específicos e o
convênio com a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) Vitória dão concretude à inclusão.
Dessa maneira, é possível avaliar as dificuldades de cada criança, e oferecer terapia ocupacional fora do
horário regular das instituições de educação infantil. Em todas as ações do sistema educacional, o que se
busca é a solidariedade com respeito às diferenças.•
26 revista criança
artigo
Revista Criança
completa 25 anos de circulação
Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho*
Em 1975, a Coordenadoria de nitor [...] e confirmada por Dido- Para melhor visualização da tra-
educação pré-escolar (Coepre) net (2006) quando informa que jetória deste periódico, expõe-se
elaborou o documento intitulado ela “Foi criada como instrumento no quadro informações relativas
Diagnóstico Preliminar da educa- de informação, formação e apoio a números publicados até hoje,
ção pré-escolar (KRAMER, 1992) aos professores e monitores [...]” mês/ano da publicação, órgão
e, com base nesse documento, e, posteriormente, o MEC esten- responsável pela publicação, in-
formulou o Programa Nacional de deu a sua distribuição a todos os terlocutor, nível e modalidade de
Educação Pré-escolar, lançado professores de educação pré-es- educação e tiragem.
em 1981, que passou a ser im- colar das instituições públicas. O quadro permite constatar que
plantado pelo MEC/Coepre tanto A Revista Criança está em cir- na trajetória da Revista Criança
pelas secretarias de educação, culação há 25 anos. Foi a primeira diferentes concepções político-pe-
quanto pelo Mobral.5 O Presiden- publicação, em âmbito nacional, dagógicas, diferentes concepções
te do Mobral informou que o MEC dedicada à educação pré-escolar. de crianças, diferentes políticas
estabeleceu como prioridade na- Não tem periodicidade regular, re- públicas foram desenvolvidas pelo
cional a criança, e continua: flete a política oficial para a área. A Estado brasileiro para a criança
De acordo com as orienta- tiragem vem aumentando signifi- pequena na área da educação, te-
ções do MEC, o Mobral assumiu cativamente, tendo alcançado em mas, sem dúvida alguma, instigan-
o compromisso com as crianças 2005 a marca de 200 mil exem- tes que poderão ser discutidos em
de populações de baixa renda, plares. E, para garantir sua cir- outra oportunidade.•
da faixa etária de 4 a 6 anos, na culação, inúmeras organizações,
certeza de que a sua educação oficiais ou não, têm contribuído. BIBLIOGRAFIA
é um direito universalmente re- Os catorze primeiros números
conhecido (RC, no 1, BRASIL, permitem afirmar que o periódico: BOYNARD, Aluisio Peixoto; GARCIA, Edília
Coelho; ROBERT, Maria Iracilda. A reforma
1982, p.1). focaliza a criança de baixa renda, do ensino. Lei no 5.692 de 11 de agosto de
1971, São Paulo: 1971.
O Mobral transfere para a que freqüentava o pré-escolar, CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG,
educação pré-escolar a mes- excluindo, portanto, a creche; é Fúlvia; FERREIRA, Isabel. Creches e pré-
escolas no Brasil. São Paulo: Cortez:
ma prática que vinha utilizando dirigida ao monitor, que não é um Fundação Carlos Chagas, 1995.
nos programas de alfabetização profissional da área; os temas ver- DIDONET, Vital. Algumas questões sobre
o Mobral e a Revista Criança. Entre-
de adultos, entre as quais estão sam sobre a criança (o que pensa, vista Março, 2006, recebido pelo e-mail:
o fato de utilizar pessoas não o que gosta, suas necessidades, a022407@dac.unicamp.br.
LEITE FILHO, Aristeo. Algumas questões
profissionalizadas, denomina- o seu ambiente, a sua saúde, a ali- sobre o Mobral e a Revista Criança.
das monitores, para desenvolver mentação); propõe atividades que Entrevista. Março, 2006, recebido pelo
e-mail: a022407@dac.unicamp.br.
atividades com as crianças. De possam apoiar o (a) monitor (a) no JOBIM E SOUZA, Solange; KRAMER,
Sonia. Avanços, retrocessos e impasses
acordo com Leite Filho (2006),6 desenvolvimento do seu trabalho. da política de educação pré-escolar no
a Revista Criança foi criada Os temas são apresentados de Brasil. Educação & Sociedade (28), São
Paulo: Cortez editora, p. 12-31. dez. 1984.
como instrumento de formação forma simples, com orientações KRAMER, Sonia. A política do pré-esco-
continuada para os monitores precisas e com ilustrações; esti- lar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo:
Cortez, 1992.
do programa, corroborada na mula a participação, incentivando TANCREDI CARVALHO, Ana Maria Orlan-
apresentação da Revista. Nela, a correspondência não só com o dina. Políticas nacionais de educação
infantil: Mobral, educação pré-escolar e a
o então Presidente do Mobral MEC, mas entre os profissionais Revista Criança, 222 p. Tese (doutorado).
diz que o objetivo da revista é a que exercem o magistério neste Campinas, (SP): Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, 2006.
[...] melhoria do trabalho do mo- nível de educação.
5
Movimento Brasileiro de Alfabetização criado em 1967, com o objetivo declarado de desenvolver prioritariamente a alfabetização funcional.
(COSTA ROCHA, [s/d]).
6
À época, Coordenador do Programa.
28 revista criança
Quadro 1
Dados referentes à publicação da Revista Criança no período de 1982 a 2007.
Número Mês e Ano de Órgão Responsável pela Nível/Modalidade
Interlocutor Tiragem
da Revista Publicação Publicação de educação
01 maio/junho/1982 MEC-MOBRAL-DEPEC/DIPRE Monitor Pré-escolar -
02 1982 MEC-MOBRAL-DEPEC/DIPRE Monitor Pré-escolar -
03 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DIPRE Monitor Pré-escolar -
04 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DIPRE Monitor Pré-escolar -
05 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DISUT Monitor Pré-escolar -
06 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DISUT Monitor Pré-escolar -
07 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DISUT Monitor Pré-escolar -
08 1983 MEC-MOBRAL-DEPEC/DISUT Monitor Pré-escolar -
09 março 1984 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 30.000
10 junho 1984 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 30.000
11 agosto 1984 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 32.000
12 novembro 1984 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 32.000
13 abril 1985 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 32.000
14 outubro 1985 MOBRAL Monitor do pré-escolar Pré-escolar 32.000
15 agosto 1986 MEC-DEMEC/RJ/COEPRE Professor do pré-escolar Pré-escolar 60.000
16 outubro 1986 MEC-DEMEC/RJ Professor do pré-escolar Pré-escolar -
Ed. Extra s/d MEC Professor do pré-escolar Pré-escolar 60.000
17 maio 1988 MEC-FAE Professor do pré-escolar Pré-escolar 66.000
18 novembro 1988 MEC-FAE Professor do pré-escolar Pré-escolar 66.000
19 dezembro 1988 MEC Professor do pré-escolar Pré-escolar 66.000
20 janeiro 1989 MEC-FAE Professor do pré-escolar Pré-escolar 66.000
21 dezembro 1990 MEC-FAE Professor do pré-escolar Pré-escolar 45.000
22 dezembro 1990 MEC-FAE Professor do pré-escolar Pré-escolar 45.000
23 1992 MEC-OMEP Professor - -
24 1993 MEC-OMEP Professor - 20.000
25 1993 MEC Professor - 40.000
26 1994 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 75.000
27 1994 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 75.000
28 1995 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 95.000
29 - MEC Apoio UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 120.000
30 - MEC Apoio UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 130.000
31 novembro 1998 MEC Apoio UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 120.000
32 junho 1999 MEC Apoio UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 120.000
33 dezembro 1999 MEC Apoio UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 150.000
34 dezembro 1999 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 150.000
35 dezembro 2001 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 150.000
36 junho 2002 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 150.000
37 novembro 2002 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 150.000
38 janeiro 2005 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
39 abril 2005 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
40 setembro 2005 MEC Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
41 novembro 2006 MEC/UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
42 dezembro 2006 MEC/UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
43 agosto 2007 MEC/UNESCO Professor de educação infantil Educação infantil 200.000
Fonte: Brasil /MEC/MOBRAL Revista Criança: 1982-2007.
Legenda: (-) dado não encontrado. revista criança 29
relato
Elena Giacopini*
* Elena Giacopini é pedagogista (pedagoga responsável) das “escolas da infância” e das creches da Prefeitura de Reggio Emilia e coordena-
dora pedagógica do Centro Remida.
1
Artigo originalmente publicado na revista italiana Bambini, ano XX, n.5, p.66-69, maio de 2004. Autorizada tradução pela Edizioni Junior,
Bergamo. Tradução do original em italiano por Fernanda Landucci Ortale e Ilse Paschoal Moreira. Revisão técnica por Ana Lúcia Goulart de
Faria.
2
Escola da infância para as crianças italianas de 3 a 6 anos equivale às nossas pré-escolas (NR).
3
Reggio Emilia, cidade da região da Emilia-Romagna, no norte da Itália, capital da província de mesmo nome. (N.T.).
4
AGAC é a empresa responsável pelos serviços de energia e meio ambiente, de propriedade dos 45 municípios da província de Reggio
Emilia.
5
Rifiuto, no original em italiano, pode ser traduzido como ‘resíduos’ ou como ‘sucata’, palavras com acepções distintas em português. No
decorrer do texto se tem a compreensão clara de que quando a autora escreve rifiuto refere-se a ‘resíduos’, ou seja, a materiais NOVOS
não aproveitados pelos meios de produção devido aos mais variados motivos operacionais, e não à ‘sucata’, palavra associada a materiais
descartados porque são velhos e fora de uso, possivelmente quebrados, estragados ou sujos. (N.T.).
30 revista criança
relato
6
No Centro, trabalham diariamente diversas pessoas: a coordenação gerencial é de Graziella Brighenti, a coordenação da documentação é
de Alba Ferrari.
7
“lixo”
8
Matérico refere-se à “Arte Matérica”, forma de arte que pretende comunicar significados por meio da valorização dos materiais de que é
feita, geralmente papelão, retalhos, plásticos e outros materiais tidos como “pobres” (N.T.).
revista criança 31
relato
9
Para maiores informações: http://zerosei.comune.re.it/remida.htm
10
Em 2004 estavam funcionando Centros Remida em Turim, Nápoles, Gênova, Lecco e Randers (Dinamarca). Estão em curso colaborações
para abertura em Biella, Roma, Roskilde (Dinamarca) e Perth (Austrália).
32 revista criança
relato
Os Remida Day com cenário montado pelo Centro • Praça da reciclagem: espa-
Remida. E os livros destinados à ço para valorização do material
As atividades do Remida Day destruição foram recolocados em reciclado na produção industrial.
merecem referência especial. Eles circulação, com apoio do Centro. Este ainda é um mundo apenas,
acontecem no mês de maio des- Além dessas, outras ações me- parcialmente, conhecido e há
de 2000 e movimentam milhares recem destaque como: muita curiosidade por parte da
de pessoas, oferecendo a possi- • Prêmio Remida: concurso população. É, então, insólito des-
bilidade de repensar a questão do literário nacional sobre os resídu- cobrir vasos para flores feitos com
impacto ambiental e do desenvolvi- os e sua reciclagem. O tema dos um material como o maralhene,11
mento sustentável, partindo de um resíduos tornou-se assunto para obtido a partir da reciclagem de
olhar curioso, atento e não somente histórias, contos, tramas teatrais. caixinhas de papelão para leite e
alarmado e alarmante. As narrativas mantêm estreita re- bebidas em geral.
Nesses dias, a cidade transfor- lação com as vivências cotidia- As crianças, quando entram no
ma-se: as praças e as ruas aco- nas, as preocupações ambientais Centro Remida, se comportam
lhem momentos em que se vêem e os conhecimentos científicos. Já com cuidado e cautela. Algumas
crianças e adultos, velhos e jovens na primeira edição, viu-se a apre- ficam absortas o tempo todo à
envolvidos como protagonistas, sentação de mais de 170 traba- procura de sensações, de emo-
apresentando brevemente proje- lhos escritos por crianças, jovens ções, de relações com os mate-
tos compartilhados pelas escolas, e adultos. riais, passeiam entre eles como
para simples cidadãos ou para • Feira do usado doméstico: se estivessem capturadas por
associações culturais. O encon- evento que visa tirar do esqueci- aquelas formas estranhas. Outras
tro dura pouco, é quase um longo mento objetos que tiveram uma comentam imediatamente, com-
instante, mas exige toda a lenti- história, mas que hoje não interes- partilhando com os amigos, quase
dão da preparação, como espaço sam mais. Escolas e cidadãos ade- como se precisassem de confir-
para construir objetos, eventos, e, rem a essa iniciativa, que procura mação e de apoio naquele lugar
principalmente, significados. devolver valor, uso e significado a tão extraordinário.
É impossível descrever pro- objetos que preferiríamos nos des- No primeiro encontro com o
fundamente todas as atividades fazer. Encontramos, então, cida- Centro Remida, os adultos, às
realizadas com a ampla partici- dãos empenhados em administrar vezes, bem embaraçados e ate-
pação de diversas pessoas. No centenas de incríveis banquinhas, morizados, parecem se interrogar
ano de 2004, o Centro Remida cada uma com identidade pró- sobre que legitimidade poderia ter
apresentou a própria experiência pria e com diversas decorações aquele material no âmbito da di-
nos âmbitos local e internacio- divertidas. Cada banquinha tem dática. Depois, quando se desen-
nal. Além disso, durante o Remi- um nome. Assim, tomando como cadeia a empatia com a pesquisa
da Day, aconteceu o Congresso ponto de partida os anos ante- dos materiais, sente-se um intenso
Anual organizado pela província riores, podemos lembrar alguns envolvimento, quase como uma
de Reggio Emilia e o Encontro exemplos: “Brinquedos usados, linguagem nova para comunicar.
de Estudo entre os parceiros de mas bem conservados”, “Cada Para finalizar, deixo a palavra
Gênova, Lecco, Nápoles, Turim e objeto uma história”, “Um vôo para às crianças que em um encontro
Randers (Dinamarca). a fantasia” e “Leilão mentiroso”. disseram: “O Centro Remida é
Nos jardins públicos, havia É também o momento de renovar a casa dos objetos”, “é o lugar
instalações elaboradas exclusi- a solidariedade: o que se arrecada dos sonhos das crianças”. E nós
vamente com materiais descar- é colocado à disposição de esco- queremos continuar a acreditar
tados. Também foram realizados las ou de iniciativas humanitárias nisso e convidamos vocês para
espetáculos de dança urbana nacionais e internacionais. o Centro Remida.•
11
Maralhene, marca registrada, é o material produzido a partir da reciclagem de polietileno e alumínio presentes nas embalagens Tetra Pak (N.T).
revista criança 33
reportagem
O Fundo da Educação Básica, o Fundeb, não resolve sozinho o déficit histórico da educação infantil,
mas sua implantação cria condições para o Brasil dar um salto em oferta e qualidade dessa etapa, essen-
cial ao desenvolvimento da criança.
34 revista criança
reportagem
alcance para a educação infantil o número de matrículas nas redes à Educação a lançar o movimento
e o ensino médio em todas as públicas de ensino. “Fundeb pra Valer!”.
modalidades, como educação Fátima Bezerra afirma que, na
rural, indígena, especial e educa- condição de relatora, teve o pri-
ção de jovens e adultos. A previ- Fundeb e a educação vilégio de participar de ricas dis-
são é de aumentar o número de infantil cussões e acirrados debates vol-
alunos beneficiados de 30,2 mi- tados à formulação de um projeto
lhões para cerca de 50 milhões, Entre as principais conquis- educacional que atendesse às di-
a partir do quarto ano de vigência tas do Fundeb está a inclusão versas modalidades da educação
do novo fundo. da educação infantil, inicialmente básica. “A construção do Fundeb
Outro avanço significativo é o fora da proposta encaminhada contou com a participação de
aumento dos recursos da União pelo governo federal ao Congres- gestores públicos, parlamentares,
na composição do Fundeb, apon- so. O motivo era a não-incidência comunidade educacional e diver-
ta Fátima Bezerra. Em 2007, a dos impostos próprios dos muni- sas entidades da sociedade civil
participação do governo federal cípios (IPTU, ISS e ITBI) na com- organizada. A amplitude do deba-
no financiamento da educação posição dos recursos do fundo. te se expressa nas 231 emendas
básica saltará dos atuais R$ 300 A ausência das creches e das apresentadas, das quais acata-
milhões para R$ 2 bilhões. A partir pré-escolas, entre outras lacunas, mos 150”, lembra a deputada.
do quarto ano, a União passará a provocou protestos e motivou a Uma foi de especial importância
contribuir com 10% do montante Campanha Nacional pelo Direito para a educação infantil, pois per-
do fundo. Os recursos serão distri- mitiu a inclusão das creches co-
buídos conforme munitárias nos recursos
do Fundeb.
revista criança 35
reportagem
Creches conveniadas Diante das diretrizes da LDB e dos constituindo um efetivo pacto pela
problemas financeiros enfrenta- melhoria da educação. O debate
A medida beneficia as institui- dos pelas prefeituras, a presidente em torno do Fundeb sensibilizou a
ções comunitárias, confessionais da Undime reconhece o avanço sociedade e reforçou a importân-
ou filantrópicas conveniadas com do Fundeb no financiamento da cia da educação infantil de atender
o poder público. Para ter acesso educação infantil. “Nos dez anos a criança pequena”.
ao dinheiro do Fundeb, terão de do Fundef a União nunca fez a
cumprir requisitos como ter cer- sua parte. Apenas complementa-
tificado do Conselho Nacional va recursos. Agora é diferente. O Custo da educação
de Assistência Social, atender Fundeb amarra o compromisso da infantil
padrões de qualidade e oferecer União no financiamento da educa-
igualdade de condições de aces- ção. É uma conquista efetiva, mas A lei que institui o Fundeb esta-
so aos alunos, com atendimento os recursos ainda são insuficien- belece fatores de ponderação. A
gratuito a todos. tes, especialmente para estruturar ponderação é um índice mínimo,
A presidente da União Nacio- as redes de ensino municipais”, com objetivo de equilibrar a dis-
nal dos Dirigentes Municipais de aponta Cleusa Repulho. tribuição dos recursos do Fundeb
Educação (Undime), Cleuza Ro- Atual secretária de educação entre os níveis de ensino. Na re-
drigues Repulho, ressalta a im- básica do Ministério da Educação lação valor/aluno/ano foi estabe-
portância do acesso das creches e ex-presidente da Undime, Ma- lecido, para cada etapa e moda-
comunitárias aos recursos do ria do Pilar Lacerda, compreende lidade da educação básica, um
Fundeb, uma vez que 80% dos bem a realidade dos municípios. fator que varia de 0,70 a 1,30. No
municípios não têm arrecadação Ela reconhece a necessidade do primeiro ano de vigência do Fun-
suficiente para expandir ou mes- governo federal ampliar os investi- deb, para as creches, foi definido
mo manter a oferta de creches e mentos para garantir não apenas o fator 0,80, o que significa que
pré-escolas públicas. “Sem essa o acesso, mas também a qualida- cada criança matriculada nessas
medida, milhares de crianças se- de da educação infantil. Contudo instituições receberá 80% do valor
riam prejudicadas. É preciso man- ressalta que as prefeituras têm de investido pelo Fundeb por aluno/
ter essas instituições enquanto fazer o dever de casa, “especial- ano das séries iniciais do ensino
os municípios ampliam a rede de mente as prefeituras que têm boa fundamental urbano, considera-
atendimento. Isso requer tempo e arrecadação própria”. É preciso do fator 1. Para as pré-escolas foi
investimento. A educação infantil ampliar a oferta das vagas da edu- definido o fator 0,90.
é mais cara e exige dos municí- cação infantil e as metas do Pla- Para Cleuza Rodrigues Repu-
pios esforço adicional na infra- no Nacional de Educação (PNE) lho, os valores estabelecidos à
estrutura da rede pública”. podem ajudar no planejamento educação infantil ficaram aquém
dos municípios. Ela destaca que o do necessário e precisarão ser
MEC lançou dentro do PDE o pro- revistos. “O custo da creche é
Pacto pela melhoria da grama ProInfância, para, em regi- maior. É preciso mais professores
educação me de colaboração com os muni- por aluno. Mais escolas. Os valo-
cípios, prestar assistência técnica res precisam ser definidos a partir
A Lei de Diretrizes e Bases da e financeira à ampliação da rede da realidade e não com base em
Educação Nacional (LDB/96) atri- de educação infantil. “Nós estabe- disputas políticas. Também pre-
bui aos municípios a responsabili- lecemos 28 diretrizes de qualidade cisamos avaliar a real situação e
dade de ofertar a educação infantil no Compromisso Todos pela Edu- demanda educacional do país.
pública em creches e pré-escolas, cação e esperamos contar com a Onde é preciso investir mais?
assim como o ensino fundamental. adesão de todos os municípios, É preciso coerência na divisão
36 revista criança
reportagem
revista criança 37
resenha
Adriana Maricato*
O livro aborda, a partir de vários pontos de vista, a relação entre audiovisual e infância. Não somente a
forma como ela é representada em filmes provenientes de várias culturas, mas também as crianças como
espectadoras (não mais de películas, mas de narrativas digitais) e produtoras de audiovisual.
Os autores refletem a questão da impossibilidade de compreensão da infância nos filmes, que são muito
mais sobre como os adultos a percebem (ou lembram do tempo em que eram crianças) do que a respeito da
infância propriamente dita. Produções de várias épocas e lugares representam as crianças na Europa nazis-
ta, na Espanha franquista, nas fronteiras entre Irã e Iraque, na depressão de 1929 nos Estados Unidos, nas
metrópoles asiáticas, ou mesmo em uma favela do Rio de Janeiro ou no sertão nordestino.
Tal diversidade explicita a inexistência de um conceito natural e universal de infância. O livro tece um panorama
no qual as condições sociais, culturais, religiosas, econômicas e afetivas determinam as experiências infantis.
E mostra que a maioria de crianças do planeta é invisível para os adultos. Situação que se apresenta também
na nossa cultura, em que o ideal de infância protegida das camadas médias e altas contrasta com a miséria,
o abandono, a fome, o trabalho precoce e a violência que experimentam as crianças excluídas.
*Jornalista do MEC.
Denise Leão*
Neste livro, dedicado à prática e à formação de professores da educação infantil e das séries iniciais do
ensino fundamental, Rosa Iavelberg oferece uma contribuição à escassa literatura especializada em desenho
infantil, especialmente em nosso país. A autora caracteriza as principais tendências do ensino do desenho no
ambiente escolar e também descreve o estilo de destacados estudiosos da área.
A atualidade do seu estudo nos remete à prática pedagógica no século XXI ao abordar temas essenciais
no ensino do desenho, com destaque para o próprio ato de desenhar em sala de aula, considerando dife-
rentes contextos de aprendizagem e de propostas (argilogravura, desenho sobre papéis cortados, fotografia,
cópia de modelos prontos e de modelos de artistas); o papel e a formação do professor no contexto do
ensino; e, por fim, a valorização do ato de desenhar na escola contemporânea.
A leitura proporcionará ao professor de educação infantil o acesso a uma dimensão histórica dos métodos
de aquisição, de produção e de ensino do desenho para a criança. Em decorrência da relevância do tema na
área de educação infantil, o livro poderá ser utilizado na formação do professor.
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resenha
Adriana Maricato*
Durante investigação para descobrir quem havia feito cocô em sua cabeça, quando saía da toca, uma
toupeira entra em contato com vários bichos. Ou melhor, com os excrementos deles, que caem no chão
quase atingindo a toupeirinha. Os cocôs têm formatos, cores, cheiros e sons diferentes e são característicos
de cada animal. Ao final, a toupeira comete sua pequena vingança, tão pequenininha quanto ela própria.
Quando a criança descobre o cocô, ela percebe que tem o poder de produzir algo, de reter ou de soltar,
e que esse ato causa muito impacto. Isso acontece naturalmente. A relação da criança com seus excremen-
tos – se negativa, com sentimentos de rejeição, ou positiva, de aceitação – depende da reação dos adultos,
agressiva ou acolhedora.
Da pequena toupeira (...) ajuda os educadores a trabalhar o tema de maneira positiva, contribuindo para a cons-
trução da autonomia das crianças no cuidado de tirar a fralda, de aprender a fazer cocô na privada e a se limpar.
A diversidade dos bichos, dos tipos e dos sons na história proporciona a exploração das habilidades de
classificação e de comparação. Muito engraçado, o livro aborda de forma lúdica o tema “cocô”, sem cono-
tações de feio, de sujo e de fedido.
* Jornalista do MEC.
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notas
Financiamento para
construção e reforma de
escolas
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cartas
Professora Aparecida,
O direito do professor à formação é assegurado pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB no 9.394/96). O artigo 67 desta lei
define que os sistemas de ensino devem promover a valorização dos
seus professores, assegurando, até mesmo em seus estatutos e planos
de carreira, o aperfeiçoamento profissional continuado e incluir na carga
horária de trabalho período para estudos, planejamento e avaliação.
O Ministério da Educação, por meio da Política Nacional de Educa-
ção Infantil, reforça que todo município deve garantir a formação inicial
bem como a atualização permanente das professoras e dos professo-
res que atuam nas instituições de educação infantil. A fim de colabo-
rar com os municípios, o MEC implementou o Programa de Formação
Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil).
Este programa tem o objetivo de formar, em nível médio, modalidade
normal, os professores que atuam junto às crianças de 0 até 6 anos e
que não possuem a habilitação exigida pela legislação vigente.
No que diz respeito à formação continuada, este Ministério vem de-
senvolvendo ações por meio da Rede Nacional de Formação Continuada
de Professores da Educação Básica.
Informe-se sobre estes programas e outros que o MEC oferece na
sua secretaria de educação ou por meio do sítio www.mec.gov.br
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cartas
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arte
Sandro Botticelli (1445-1510)
Rodrigo Faleiro*
O nascimento de Vênus
Final do século XV – Têmpera sobre tela
No quadro, a deusa Vênus emer- ingenuidade e a pureza de Vênus. pés da Vênus, podemos traçar
ge das águas em uma concha. A concha é o local de criação da um semi-círculo que passa nos
O deus Éolo (vento) carrega nos pérola, colocando a deusa como pés, nos braços e na cabeça de
braços uma ninfa que acaba de uma jóia. A forma côncava da con- Éolo e sua ninfa. O centro máxi-
ser por ele conquistada. No qua- cha também tem a simbologia do mo do semi-círculo é a cabeça de
dro, ele está à esquerda, mostran- ventre materno. Vênus, e a curva continua des-
do que o vento que vem do oeste A paisagem ao fundo é a re- cendo sobre o corpo da Hora.
é símbolo das paixões espirituais. presentação do Renascimento Reproduções e variações do
Ele oferece o sopro de vida e o italiano, em que a luz está presen- quadro são relativamente freqüen-
frescor da jovialidade àquela que é te em toda a tela. Nesse período, tes na cultura de massa, até mes-
considerada a mulher mais bela. a perspectiva é valorizada tanto mo em propagandas e no cinema.
Do lado direito da tela, vemos a para a utilização do ponto de fuga Uma versão estilizada da face de
deusa Hora, que representa as es- quanto para a analogia da possi- Vênus está também na moeda ita-
tações do ano. Ela, como a prima- bilidade de uma nova vida. liana de dez cêntimos de Euro.•
vera, joga um manto de eras e flo- Nessa época, os artistas pro-
res sobre o corpo daquela mulher curavam realizar composições
* Artista-educador, pós-graduado em Arte
que acaba de nascer, com o pro- com relações geométricas. Se e Cultura e mestre em Artes Visuais pela
pósito de proteger e resguardar a colocarmos um compasso nos UFMG.
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Ministério
da Educação
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