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QUINTANEIRO, T.; OLIVEIRA, M.G.M.

Labirintos simétricos - Introdução à teoría


sociológica de Talcott Parsons

- “Desde então, encontra-se claramente esboçada a direção à qual se voltariam as


preocupações de Parsons – a construção de uma teoria que desse resposta à seguinte
questão: o que garante a ordem social, dada a possibilidade de liberdade de escolha dos
membros individuais que constituem um determinado sistema social?” (p. 21)
- “[...] qual a possibilidade da manutenção de um sistema democrático - que em tese
reconhece a capacidade de decisão e respeita as diferenças individuais – e, ao mesmo
tempo, de um esquema legítimo de regulamentação das condutas que pode ir de encontro
aos interesses individuais?” (p. 22)
- “[...] Parsons centrará sua atenção no processo de desenvolvimento de um sistema teórico
que denominará “teoria voluntarista da ação” e que se inicia a partir da crítica da teoria
positivista e utilitarista da conduta humana” (p. 23)
- “Parsons afirma que durante o século XIX a teoria da ação fora dominada pelo sistema
utilitário, tributário da concepção positivista, a qual salienta, dentre os aspectos subjetivos
da ação, os elementos cognitivos” (p. 23)
- “Em outras palavras: a liberdade de consciência e a autonomia da esfera privada versus as
obrigações da vida em sociedade e a autoridade do Estado. Dado que um indivíduo é
distinto de outro, supostamente assim também serão os fins que cada um deles persegue. A
consequência disso, aponta Parsons, é que a busca de metas particulares, desvinculadas de
normas coletivas, resultaria provavelmente no caso” (p. 26)
- “Tendo a ciência se tornado a conquista racional por excelência da mente humana, a
definição da racionalidade da ação passaria a incluir considerações a respeito da capacidade
de um agente guiar-se por um conhecimento científico ou cientificamente válido. Isto fazia
do conhecimento o principal determinante da ação racional” (p. 26)
- “A concepção positivista estabelecera que o conhecimento científico seria a única relação
significativa, do ponto de vista cognitivo, entre o agente e a realidade externa. Isto acentuou
“os elementos cognitivos do aspecto subjetivo da ação”. Daí, qualquer desvio quanto à
racionalidade do agente dever-se-ia à ignorância, à deficiência ou à inadequação daquilo que
serve de meio orientador a sua conduta: sua percepção da situação” (p. 27)
- “Assim, a ação racional [para o utilitarismo] será definida como aquela que “busca fins
possíveis dentro das condições da situação e por meios que, entre os disponíveis para o
agente, são os mais adaptados intrinsecamente ao fim por razões compreensíveis e
verificáveis pela ciência empírica positiva” (p. 27)
- “Nesse caso, não se questiona a racionalidade do próprio fim, aceito como dado, mas a
relação meio-fim, ou seja, a possibilidade de predizer efeitos sobre a situação, devidos ao
emprego de meios alternativos. Os sistemas concretos de ação advindos da agregação de
unidades cuja própria racionalidade foi maximizada são, então, sistemas de ação racional.
Parsons observa que, nesse esquema empírico, nada se diz sobre a relação dos fins entre si
e, no referente à relação entre fins e meios, só a racionalidade é levada em conta” (p. 28)
- “Tal esquema conceitual – fechado do ponto de vista lógico e cujas partes são
interdependentes – considera-se literalmente descritivo da realidade concreta porque seus
“postulados devem incluir absolutamente todos os fatos e suas relações”. Desse modo, ele
se converte num sistema empiricamente fechado e a teoria resulta num determinismo
empírico” (p. 28)
- “Em outras palavras, se o sistema utilitário tem como princípio central a explicação da ação
em termos da persecução racional pelos indivíduos das metas que atendem às suas
necessidades ou desejos privados, a possibilidade de escolhê-las é uma condição lógica.
Nesse caso, os fins não poderiam ser dados. Sob tal perspectiva, os elementos que se
tornam problemáticos para a teoria são exatamente aqueles subjetivos, não-verificáveis
nem sujeitos à formulação científica” (p. 30). A crítica ao utilitarismo de base ao positivismo
adviria das suas próprias lacunas, isto é, se a pretensão é uma ciência que busque através
da elaboração conceitual englobar todos fenômenos num sistema, o problema dos meios-
fins anuncia-se pois, apesar da busca ser racional (dos meios serem racionais), os fins não
podem ser dados (a não ser de um ponto de vista muito instável, que é através da
subjetividade do agente), e essa ciência falharia, portanto, em incorporar toda gama de
fenômenos pretendida. O positivismo pretende-se enquanto ciência que se funda na
exigência do caráter cognoscível dos fins para os agentes, contudo, como sondar essa
intimidade do sujeito?
- “Essa é a única forma de preservar a independência analítica dos fins na proposta utilitária:
supor que eles variam aleatoriamente, à margem da relação meio-fim e do conhecimento
que o agente possui da situação. Assim, sendo imprevisíveis, tampouco a ciência seria capaz
de explicá-los” (p. 31)
- “O papel independente dos fins na ação e a possibilidade de formulação individual dos alvos
são incompatíveis com essa postura, que leva logicamente ao determinismo, fazendo da
ação uma mera consequência de suas condições e rejeitando, portanto, o papel ativo do
indivíduo no que tange à escolha dos seus próprios fins” (p. 31). A postura do utilitarismo é
não dar autonomia aos fins diante dos meios escolhidos pelo agente para alcançá-los.
Tudo se passa como se os fins fossem definidos e logo os meios estivessem ao alcance
para serem utilizados. Nesse sentido, a explicação volta-se às condições em seu
determinismo. Ou seja, o fim definido racionalmente leva logicamente a determinadas
variantes de ação (fins imersos nas condições)
- “Do ponto de vista de Parsons, essas duas hipóteses configurariam o que chama de o dilema
utilitário: 1) se os fins estão imersos nas condições, não há escolha possível e a ação não
possui qualquer aspecto subjetivo; 2) se eles são fortuitos, não podem ser explicados
cientificamente. Em outras palavras, ou os fins são aleatórios e a mediação ativa do agente
na sua escolha um fator independente e imprevisível, ou se lhes nega esse caráter e eles são
assimilados às condições da situação, estabelecendo um determinismo inaceitável do ponto
de vista da subjetividade contida na ação” (p. 31-32)
- “O poder – entendido por Hobbes como a capacidade de usar “os meios presentes para
obter algum bem aparente futuro” - seria, portanto, o recurso mais importante para
realizar tais propósitos fortuitos, individuais, dos quais não se pode extrair uma regra do
bem ou do mal. Dado que os bens pretendidos (riqueza, comodidades, prazer etc.) são
escassos, sua realização encontra limitação em outros seres humanos, podendo então
ocorrer o conflito, a dominação ou a destruição mútua” (p. 33). O utilitarismo hobbesiano
aparece justamente no estado de natureza, aí os indivíduos não estabelecem ainda uma
moralidade capaz de colocar regras “do bem ou do mal” e, nesse sentido, é que se vale do
poder para obter os bens necessários para o futuro.
- “Na medida em que elementos utilitários dominam efetivamente a conduta, a ordem é
extremamente precária e não pode ter nenhuma constância sem o efetivo funcionamento
de algum fator normativo” (p. 33)
- “Desse modo, Parsons enfatiza a proposição de que os elementos normativos, aceitos pelos
integrantes do pacto [contrato social], são capazes de se sobrepor à força do individualismo”
(p. 34)
- “Outra é a da convergência entre os teóricos europeus (Durkheim, Weber e Pareto) no
referente ao tema do controle normativo como solução da questão da ordem, em oposição
ao controle coercitivo proposto por Hobbes” (p. 34)
- “Alvo da crítica de Durkheim, o individualismo utilitarista baseia-se no princípio de que a
ação humana se explica em termos da busca racional, por parte dos indivíduos, do
atendimento de suas demandas ou premências. O principal reparo que Durkheim faz ao
individualismo refere-se à sua incapacidade de elucidar de que modo a ordem normativa da
sociedade e suas consequências sobre a coesão, a estabilidade ou regularidade social
derivariam daquelas necessidades individuais” (p. 35)
- “O que Durkheim argumentava é que todas as atividades humanas, mesmo aquelas nas
quais os economistas utilitaristas veem exclusivamente a busca de interesses individuais, só
podem se dar dentro do marco normativo, o que era omitido por aqueles” (p. 36)
- “A disciplina a que o indivíduo se submete advém de sua adesão às crenças e sentimentos
comuns aos membros de uma sociedade. Na visão durkheiminiana, tal regulamentação
normativa deixa de ser exterior ao indivíduo; a consciência coletiva estende sua função
disciplinadora desde a atuação externa das regras que determinam a conduta até a própria
constituição dos fins da ação, atingindo, portanto, o centro da personalidade individual” (p.
38)
- “Diferentemente da perspectiva utilitarista, qualquer elemento da ação insere-se numa
situação com diretrizes dadas e com base nas quais o agente deve atuar” (p. 39)
- “Embora, ao mesmo tempo em que reafirma o elemento não-espontâneo da ação,
Durkheim enfatize a natureza social da coerção, não a desvincula da vontade humana, pois
as regras socialmente sancionadas são aceitas e desejadas pelo agente. E mais, a essência da
coerção é a obrigação moral de obediência a uma regra, é a adesão voluntária a ela, vista
como um dever” (p. 39)

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